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Série SÉRIE AULA NOTA 10 – TÉCNICAS DE DOUG LEMOV Fabio Venturini A estruturação que Doug Lemov deu ao seu livro Aula Nota 10 – 49 Técnicas para ser um professor campeão de audiência tem uma lógica evolutiva. Começa com a criação de expectativas acadêmicas, passa por planejamento, estruturação de aulas, motivação de alunos e, no capítulo 5, chega fatalmente à cultura escolar, quando o envolvimento dos discen- tes se aprofunda. Este é um determi- nante, na perspectiva do autor, para melhorar o desempenho acadêmico com o melhor uso do tempo. Para atingir o objetivo que dá no- me ao capítulo (“Criar uma forte cul- tura escolar”), cujas técnicas são voltadas a envolver os alunos e pro- cedimentos regrados que centralizem A ESCOLA PRECISA SER ENVOLVIDA Quinto capítulo do livro Aula Nota 10 aborda técnicas para a criação de uma cultura escolar. Apoio ao professor mostra-se relevante para o sucesso das práticas o uso do período de aula ao aprendi- zado, Lemov ressalta a necessidade de cinco princípios que orientam es- sa construção: disciplina, gestão, con- trole, influência e engajamento. Os significados, contudo, podem ser in- terpretados de modo diferente nos di- versos contextos escolares. Ele chama de “disciplina” o ato de ensinar a alguém a maneira certa pa- ra fazer alguma coisa de maneira cer- ta, ou seja, mostrar ao aluno como ser aluno, para que ele saiba executar o que o docente pede. A ideia que per- meia normalmente esse termo, na ava- liação do próprio Lemov, consiste em reforçar comportamentos e gerir as re- lações internas da turma com conse- quências, sejam punições ou prêmios. O autor, contudo, prefere designar tal conceito como “gestão”. Os outros três princípios envolvem habilidades que o docente pode desen- volver. O “controle”, por exemplo, é a capacidade do professor de convencer o aluno a realizar uma tarefa indepen- dentemente de consequências e sem coerção, pedindo “com respeito, firme- za e confiança, mas também com civi- lidade e, geralmente, com delicadeza”. A “influência” é uma espécie de conexão inspiradora para que os alu- nos desejem internalizar as sugestões do docente, que os estimulem a “dar certo e a querer estudar por razões in- trínsecas às tarefas diante deles”. Já o “engajamento” é o envolvimento dos alunos com o trabalho proposto, com 32 PROFISSÃO MESTRE ® agosto 2011

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SérieSÉRIE AULA NOTA 10 – TÉCNICAS DE DOUG LEMOV Fabio Venturini

A estruturação que Doug Lemov deu ao seu livro Aula Nota 10 – 49 Técnicas para ser um professor

campeão de audiência tem uma lógica evolutiva. Começa com a criação de expectativas acadêmicas, passa por planejamento, estruturação de aulas, motivação de alunos e, no capítulo 5, chega fatalmente à cultura escolar, quando o envolvimento dos discen-tes se aprofunda. Este é um determi-nante, na perspectiva do autor, para melhorar o desempenho acadêmico com o melhor uso do tempo.

Para atingir o objetivo que dá no-me ao capítulo (“Criar uma forte cul-tura escolar”), cujas técnicas são voltadas a envolver os alunos e pro-cedimentos regrados que centralizem

A ESCOLA PRECISA SER ENVOLVIDAQuinto capítulo do livro Aula Nota 10 aborda técnicas para a criação de uma cultura escolar. Apoio ao professor mostra-se relevante para o sucesso das práticas

o uso do período de aula ao aprendi-zado, Lemov ressalta a necessidade de cinco princípios que orientam es-sa construção: disciplina, gestão, con-trole, influência e engajamento. Os significados, contudo, podem ser in-terpretados de modo diferente nos di-versos contextos escolares.

Ele chama de “disciplina” o ato de ensinar a alguém a maneira certa pa-ra fazer alguma coisa de maneira cer-ta, ou seja, mostrar ao aluno como ser aluno, para que ele saiba executar o que o docente pede. A ideia que per-meia normalmente esse termo, na ava-liação do próprio Lemov, consiste em reforçar comportamentos e gerir as re-lações internas da turma com conse-quências, sejam punições ou prêmios.

O autor, contudo, prefere designar tal conceito como “gestão”.

Os outros três princípios envolvem habilidades que o docente pode desen-volver. O “controle”, por exemplo, é a capacidade do professor de convencer o aluno a realizar uma tarefa indepen-dentemente de consequências e sem coerção, pedindo “com respeito, firme-za e confiança, mas também com civi-lidade e, geralmente, com delicadeza”.

A “influência” é uma espécie de conexão inspiradora para que os alu-nos desejem internalizar as sugestões do docente, que os estimulem a “dar certo e a querer estudar por razões in-trínsecas às tarefas diante deles”. Já o “engajamento” é o envolvimento dos alunos com o trabalho proposto, com

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a oferta de oportunidades para que eles realizem e formem suas opiniões e crenças após as atividades escolares.

Técnicas e princípios Mesmo com o esclarecimento dos princípios, as propostas de Lemov mais voltadas a treinamentos e esta-belecimento de regras deixam alguns educadores ressabiados. Para a direto-ra pedagógica Débora Vaz – da Escola Castanheiras, na cidade de Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo –, as propostas de Doug Lemov podem dei-xar a desejar se não forem considera-das as condições reais dos professores e das instituições de ensino. “Muito do que o autor sugere vejo em professo-res que já são engajados em ensinar os alunos a aprender”, afirma.

Segundo a avaliação da diretora, a proposta corre o risco de emperrar se não considerar o imponderável perti-nente a cada instituição, a cada con-texto de aula, e não tem espaço para uso direto e sem um debate. “O pro-fessor está num ambiente escolar que deve prezar por interesses compar-tilhados, respeito, aceitação de dife-renças, solidariedade em atos, acolhi-mento, crença na construção coletiva de conhecimento e na ajuda e prote-ção mútuas. Intervenções muito cole-tivas geram perda de tempo didático”, acredita.

No que se refere especialmente a transições e deslocamentos, Débora re-conhece que procedimentos organiza-dos ajudam a poupar tempo. Além dis-so, ensinar a tomar notas, valorizando

“Rotina de entrada” – Criar hábitos que favoreçam eficiência e produtivida-de com rotinas bem estabelecidas no início da aula, aproveitando o tempo em que os alunos adentram a sala e tomam seus lugares.

“Faça Agora” – Fazer com que os alunos sempre saibam o que fazer logo ao entrar em sala, para que não tenham que se perguntar “o que fazer agora”. Por exemplo, o professor pode deixar uma atividade breve já nas carteiras ou na entrada antes de todas as aulas.

“Breves Transições” – Estabelecer procedimentos para que os alunos pou-pem tempo quando se movem de um local da escola para outro, na transição entre diferentes atividades ou na passagem de materiais.

“Controle do Material” – Exigir objetos específicos para a tomada de notas (cadernos, folhas em fichários etc.), a fim de que o aluno construa um sistema eficiente e organizado para armazenamento e consulta daquilo que aprendeu.

“POSSO” – Sigla que sintetiza comportamentos fundamentais exigidos pa-ra que os alunos prestem o máximo de atenção às atividades (Pergunte e Responda, Ouça, Sente-se Direito, Sinalize Com a Cabeça e Olhe Para Quem Está Falando).

“Em Suas Marcas” – Exigir que os alunos tenham, no início da aula, todos os seus materiais em condições de uso: livros e papéis sobre a carteira, caneta ou lápis na mão.

“Comunicação por Sinais” – Combinar sinais para que os alunos peçam para se levantar e realizar atividades de fora da aula, sem interromper os trabalhos acadêmicos. Por exemplo, para facilitar os pedidos de ir ao banheiro, chama-do por Lemov de “o último bastião dos infiéis”.

“Vivas!” – Treinar os alunos para fazer elogios coletivos e sonoros aos pares, em horas certas, para inspirar os alunos. Tudo com o devido cuidado para que não se torne bagunça, porém que seja rápido, envolvente, universal, entusiás-tico, refletindo a evolução do aprendizado.

“Mesmo antes de ter contato com o livro eu já tinha uma rotina bem esta-belecida, mesmo sem uma sistema-tização tão detalhada. Meus alunos têm uma rotina semanal bem defini-da. Sabem qual aula terão em cada dia e arrumam as mesas antes das atividades, pois ninguém mais na es-cola usa essa disposição [duas fileiras em U]. Depois nos sentamos e faze-mos uma leitura diária, conduzida por mim, em seguida a chamada, a ve-rificação da lição de casa... É tudo já bem regrado.

Discordo algumas vezes das co-locações do Lemov sobre treinar os alunos. Creio que algumas precisam de práticas repetitivas e outras não, mas também é necessário ter discer-nimento entre o que é conteúdo e o que é postura, pois o aluno deve ser aluno em qualquer lugar, indepen-dentemente do nível da escola e da sua condição social.

A organização da cultura e da ro-tina, em geral, ajuda a poupar tem-po e trabalhar o conteúdo que tem de ser dado, independentemente de materiais e recursos disponíveis. Contudo, com materiais prontos, as rotinas bem definidas são potencia-lizadas e o docente tem mais tem-po para pensar no que trazer à tur-ma, como aprofundar e ampliar os conteúdos, quais questões e desa-fios serão propostos.”

Resumo das técnicas para criação de uma forte cultura escolar

Eu testei

Gilne Gardesani Fernandez é profes-sora de ensino fundamental I na Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Vereador Manoel de Oliveira, em Santo André (SP). Ela usa as técnicas em todas as disciplinas (Ciências, Língua Portuguesa, História, Geografia, Matemática e Artes) com uma turma de 4º ano.

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o instrumento de registro, com capa-cidade de síntese e organização, não apenas no conteúdo, são pontos dos quais muitas escolas acabam se esque-cendo. Mesmo assim, a professora re-comenda cuidados no uso das técni-cas. “Devemos ter em conta que um grupo tem pouco ou nada a contribuir para o crescimento de seus membros quando se tenta pasteurizar as indi-vidualidades, as singularidades, suge-rindo uma unidade de conceito, pen-samento e posicionamento coletivo que não é real”, avalia.

Débora fez tal ponderação em sua palestra no 1º Fórum de Educadores organizados pelo Insper – Instituto de

Ensino e Pesquisa, em abril, na capital paulista. Ela enfatiza que o mesmo las-tro de realidade sugerido foi usado pelo autor na produção da obra. “Os profes-sores analisados pelo Lemov tinham um posicionamento, em uma situação deles. Para funcionar em outros con-textos os docentes devem ser conven-cidos de que a ideia é boa, sem coerção. A adoção deve ser consciente, política, tomada pela escola e pelo professor”, acredita.

Deslocamentos e rotinasA criação de uma cultura organiza-da já vinha em andamento no Colégio Albert Sabin, na Zona Oeste da cida-

de de São Paulo, por exemplo. A esco-la avalia a obra de Lemov com relação às práticas já existentes, às que podem ser adaptadas e às que não são perti-nentes a esse contexto.

Especificamente sobre rotinas de deslocamentos, pertinentes às téc-nicas “Rotina de Entrada” e “Breves Transições”, os deslocamentos para atividades extracurriculares desporti-vas já foram remodelados de forma se-melhante para ganhar tempo. “Os alu-nos têm que colocar as suas malas em algum lugar, trocar de roupa, prepara-rem-se para a atividade e se dirigirem ao local designado, e a pouca coorde-nação encurtava o tempo da atividade desportiva”, descreve a diretora peda-gógica do colégio, Giselle Magnossão.

A instituição possui 3 mil alunos em dois períodos. Ao final das ativi-dades em sala após cada turno, cer-ca de 1,5 mil alunos se deslocam de forma organizada por movimento e ordem de descida; há locais e rotinas preestabelecidos para deixar o ma-terial individual em locais específi-cos (normalmente no estacionamento), preparar-se para a atividade e se dirigir ao local da prática desportiva. “Hoje tu-do é feito em cinco minutos e ganhamos tempo de trabalho efetivo”, afirma.

Por mais que as técnicas tenham co-mo ênfase a sala de aula, não se po-de ignorar que a falta do que Doug Lemov chama de “uma forte cultura escolar” está associada a muitas con-dições externas à alçada do profes-sor. Em uma organização privada, co-mo a da turma observada, o aluno tem comportamento também de clien-te e se refugia nessa condição para não se dobrar a regramentos. O esta-belecimento das técnicas também se dificulta quando a instituição de ensi-no tem concepção diferente dos cinco princípios básicos descritos pelo autor (disciplina, gestão, controle, influência e engajamento).

O que Doug Lemov chama de dis-ciplina, por exemplo, é tratado como didática. Gestão está ligada a resul-tados de satisfação do “cliente” e re-sultados acadêmicos do aluno nas avaliações formais, o que se cobra diretamente da coordenação peda-gógica. Controle, influência e enga-jamento, por consequência, acabam fundados totalmente na habilidade e em aspectos quase instintivos do pro-fessor, como uma liderança natural.

No capítulo 5, as técnicas de Lemov, justificadas didáticas, mos-tram um lado menos adequado a di-ferentes realidades. “Rotina de entra-da” já era prática do docente. Como muitos alunos chegam atrasados, vin-

do diretamente dos seus empregos, ela se torna necessária para evitar interrupções. Por essa característi-ca secular dos alunos, “Faça Agora” simplesmente se inviabiliza. “Breves Transições” e “Controle do Material” tornaram-se dispensáveis. “Em Suas Marcas” e “Comunicação por Sinais”, por sua vez, na prática docente ado-tada com a turma, são inviáveis, pois remetem mais a rotinas militares do que à proposta de formação do pro-jeto pedagógico do curso.

“POSSO” é talvez a mais perti-nente, já usada pelo docente, que não por coincidência independe do que ocorre da porta da sala para fo-ra. “Vivas!” não foi testada por não ser julgada pertinente ao contexto trabalhado.

Considerando que a turma observa-da é de nível superior, o conjunto dessas técnicas parece um regramento militar. Podem ser úteis em outros níveis, porém dependem do envolvimento de direção e coordenação, com muito cuidado para não tornar a instituição de ensino um lo-cal muito mais voltado a comportamen-tos padronizados.

O teste da reportagem

Na próxima edição, como estabelecer e manter altas expectativas de comportamento

O repórter Fabio Venturini, também histo-riador e professor universitário na área de Comunicação Social, do Centro Universitário Estácio Radial de São Paulo (SP), testou as técnicas para esta reportagem com alunos do curso de Jornalismo.

Para o professor construir um am-biente com alta expectativa a res-peito dos alunos, aliada a uma for-te cultura escolar, torna-se necessário também estabelecer altas expectati-vas de comportamento, com ordem e respeito suficientes para garantir a equidade no aprendizado. As técni-cas do capítulo seis, que serão abor-dadas na próxima edição e tratam desse aspecto, são: “Padrão 100%”, “O Que Fazer”, “Voz de Comando”, “Faça de Novo”, “Capriche nos Detalhes”, “Umbral” e “Sem Aviso”.

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