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PARTOS E PARTEIRAS TERENA: POLÍTICAS PÚBLICAS E O ETNOCONHECIMENTO DA PARTURIAÇÃO E AS MUDANÇAS NA ASSISTÊNCIA AO PARTO NAS ALDEIAS INDÍGENAS TERENA DE MS. SOUZA, S. C. Departamento de Antropologia Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. RESUMO Atualmente, segundo dados da Fundação Nacional do Índio FUNAI, existem no Brasil cerca de 740 mil índios, 1 distribuídos entre 215 sociedades indígenas, o que totaliza um percentual de 0,4% da população brasileira. Na região de Mato Grosso do Sul, existem cerca de 78.440 índios, integrantes de cerca de 9 etnias. Dentre esta população está o povo Terena, com cerca de 19.129 pessoas, 2 segundo dados da Fundação Nacional de Saúde/Rede Nacional de Estudos e Pesquisas em Saúde dos Povos Indígenas Funasa/Renisi 2009. 3 O povo Terena habita atualmente nove municípios do estado de Mato Grosso do Sul, onde será realizada a pesquisa, quais sejam: Aquidauana, Dourados, Campo Grande, Rochedo, Dois Irmãos do Buriti, Miranda, Nioaque, Porto Murtinho, Sidrolândia. O parto na comunidade indígena Terena passou por um processo de mudança nos últimos 30 anos. As mulheres Terena tinham seus filhos em casa, com parteiras, e nos últimos anos têm tido os filhos nos hospitais da região. Essas parteiras tinham um lugar de destaque dentro das aldeias, pois eram elas que detinham o etnoconhecimento das plantas medicinais que deveriam ser utilizadas pelas gestantes e parturientes. Além disso esse trabalho lhe rendia ganhos financeiros, muitas vezes em espécie que lhes permitiam sustentar a família. O conhecimento necessário a função era transmitido dentro da própria família, de geração em geração. Esta pesquisa colaborará para uma melhor compreensão das mudanças ocorridas nos últimos anos na forma do parto das mulheres terena. As mulheres terena têm muita dificuldade em falar sobre o assunto, por terem entendido que a perseguição oficial ao trabalho das parteiras indica que este procedimento é proibido e que não deve ser assunto valorizado para conversas, principalmente com pessoas que não pertençam a comunidade, 1 Os dados constantes no site www.funai.gov.br, acessado em 10/05/2009. 2 Renisi Funasa/2009, disponível em http//sis.funasa.gov.br/portal. 3 A população indígena do Brasil foi estimada em cerca de quatro milhões no ano de 1500. Em 1970, os seus descendentes diretos totalizavam menos de 100 mil índios, uma redução da ordem de 90% (Denevan, 1974). No ano de 2000, a população era de 734.127 índios, distribuídos entre 383.298 na zona urbana e 350.829 na zona rural. O Estado de Mato Grosso do Sul possui a quarta maior população indígena do Brasil, seguidos por Amazonas, Bahia e São Paulo, somando o total de 53.900 índios, dos quais 42.227 estão localizados na zona rural. (IBGE, 2002). (Denevan, 1974 e IBGE, 2002)

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Page 1: Souza, Sandra Cristina de. Partos e parteiras Terena politicas públicas e o etnoconhecimento da parturiação e as mudanças na assistência ao parto nas aldeias indígenas Terena

PARTOS E PARTEIRAS TERENA: POLÍTICAS PÚBLICAS E O ETNOCONHECIMENTO

DA PARTURIAÇÃO E AS MUDANÇAS NA ASSISTÊNCIA AO PARTO NAS ALDEIAS

INDÍGENAS TERENA DE MS.

SOUZA, S. C. – Departamento de Antropologia – Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.

RESUMO

Atualmente, segundo dados da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, existem no Brasil cerca

de 740 mil índios,1 distribuídos entre 215 sociedades indígenas, o que totaliza um percentual de 0,4%

da população brasileira. Na região de Mato Grosso do Sul, existem cerca de 78.440 índios, integrantes

de cerca de 9 etnias. Dentre esta população está o povo Terena, com cerca de 19.129 pessoas,2 segundo

dados da Fundação Nacional de Saúde/Rede Nacional de Estudos e Pesquisas em Saúde dos Povos

Indígenas – Funasa/Renisi 2009.3 O povo Terena habita atualmente nove municípios do estado de Mato

Grosso do Sul, onde será realizada a pesquisa, quais sejam: Aquidauana, Dourados, Campo Grande,

Rochedo, Dois Irmãos do Buriti, Miranda, Nioaque, Porto Murtinho, Sidrolândia.

O parto na comunidade indígena Terena passou por um processo de mudança nos últimos 30

anos. As mulheres Terena tinham seus filhos em casa, com parteiras, e nos últimos anos têm tido os

filhos nos hospitais da região. Essas parteiras tinham um lugar de destaque dentro das aldeias, pois

eram elas que detinham o etnoconhecimento das plantas medicinais que deveriam ser utilizadas pelas

gestantes e parturientes. Além disso esse trabalho lhe rendia ganhos financeiros, muitas vezes em

espécie que lhes permitiam sustentar a família. O conhecimento necessário a função era transmitido

dentro da própria família, de geração em geração.

Esta pesquisa colaborará para uma melhor compreensão das mudanças ocorridas nos últimos

anos na forma do parto das mulheres terena.

As mulheres terena têm muita dificuldade em falar sobre o assunto, por terem entendido que a

perseguição oficial ao trabalho das parteiras indica que este procedimento é proibido e que não deve ser

assunto valorizado para conversas, principalmente com pessoas que não pertençam a comunidade,

1 Os dados constantes no site www.funai.gov.br, acessado em 10/05/2009.

2 Renisi – Funasa/2009, disponível em http//sis.funasa.gov.br/portal.

3 A população indígena do Brasil foi estimada em cerca de quatro milhões no ano de 1500. Em 1970, os seus descendentes

diretos totalizavam menos de 100 mil índios, uma redução da ordem de 90% (Denevan, 1974). No ano de 2000, a população

era de 734.127 índios, distribuídos entre 383.298 na zona urbana e 350.829 na zona rural. O Estado de Mato Grosso do Sul

possui a quarta maior população indígena do Brasil, seguidos por Amazonas, Bahia e São Paulo, somando o total de 53.900

índios, dos quais 42.227 estão localizados na zona rural. (IBGE, 2002). (Denevan, 1974 e IBGE, 2002)

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como no caso a pesquisadora, entretanto muitas delas se mostraram favorável ao parto em casa,

realizado pelas parteiras, pois era mais próximo das pessoas com quem a parturiente nutre afetividade,

não consistindo num momento de afastamento da família, promovendo mais conforto, principalmente

as gestantes de primogênitos. Percebemos que o aprendizado se dava circunstancialmente, onde as

aprendizes se dedicavam como auxiliares da parteira, até que se tornava apta a realizar partos e

recomendar ervas medicinais as gestantes, parturientes, e até mesmo aos recém-nascidos.

Estas parteiras atuaram como a única possibilidade de assistência ao parto na região durante

muito tempo, nos últimos anos foram alijadas deste processo por ações de Políticas Públicas de Saúde

para as comunidades indígenas.

Temos observado através das entrevistas já realizadas, a violência utilizada pelo estado em

impedir o trabalho das parteiras, perseguindo-as. Em sociedades e épocas diferentes elas sofreram

perseguições, calúnia e combates de líderes religiosos, administrativos e até mesmo membros da área

médica (HOOSHMAND:2004).

As parteiras não pretendem concorrer com o saber científico e tecnológico da medicina.

Possuem um conhecimento construído ao longo dos anos sobre a parturiação, um entoconhecimento

específico. O que as parteiras pretendem é conseguir o sucesso no trabalho que realizam com os

instrumentos que possuem, ou seja, nos partos que são assistidos por elas, as parteiras procuram

realizá-lo da melhor maneira possível (BESSA e FERREIRA:1999). Entretanto a ciência médica ao

substimar o corpo feminino, via nas parteiras, possuidoras de conhecimentos sobre ele, uma

concorrente ao saber médico, e precisava ser reprimida e impedida de realizar o seu trabalho, taxado de

ineficiente e perigoso para a saúde das mulheres (DEL PRIORI:2002)

Esta perseguição têm prejudicado a comunidade, que agora têm dificuldade em transmitir o

etno-conhecimento de ervas medicinais utilizadas nos processos de nascimento de seus membros, e

nem mesmo em doenças que acometem especificamente mulheres e crianças. Todo esse conhecimento

era detido e transmitido pelas parteiras milenarmente, e contribuía para a redução da morbimortalidade

materno-infantil e de custos hospitalares (CHAMILCO:2001). Na zona rural brasileira, até 2001, cerca

de 52% das mulheres faziam parto normal em casa, e nos países em desenvolvimento cerca de 60 a

80% das mulheres têm também esta prática (MINISTÉRIO DA SAÚDE:2001).

Na história da parturição, até meados do século XX, na sociedade brasileira, as parteiras sempre

fizeram o parto e auxiliaram as mulheres em doenças especificamente femininas. Mesmo nos dias

atuais, em regiões afastadas dos grandes centros e em zonas rurais, as parteiras continuam constituindo

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a única fonte da população para resolver seus problemas de saúde, especialmente na assistência do

parto, realidade também constatada no presente estudo. As parteiras são pessoas simples, com nenhum

ou pouco estudo e que, apesar de viverem com poucos recursos. A análise da trajetória dos sujeitos da

população de estudo revelou que o ofício de parteira tem o sentido de missão de vida, decorrente do

dom de que são portadores, dom este descoberto diante do inesperado, de uma demanda concreta, e que

se desenvolve pela própria experiência, a serviço da coletividade, muitas vezes, sem nenhuma estrutura

de apoio do sistema oficial de saúde.

O principal argumento da ciência médica para proibir o trabalho das parteiras era o indíce de

mortalidade de parturientes e recém-nascidos, entretanto quando esta idéia passou a ser difundida, no

início do século XIX, na Inglaterra, as mulheres corriam um risco 6 vezes maior de morrer ao realizar

o seu parto nas maternidades. Dessa forma se caracteriza mesmo uma perseguição as parteiras, já que

apesar do risco que corriam nos partos assistidos por elas, esse risco não era menor nas maternidades da

época, além do que as os partos com as parteiras eram mais baratos, elas eram mais aceitas socialmente

e ainda eram responsáveis pelos cuidados com o recém nascido e às vezes atém com o casa durante um

período que poderia se estender até o fim do chamado resguardo, com cerca de 30 a 40 dias. O custo

era baixo porque muitas vezes as parteiras realizavam seu trabalho pelo reconhecimento da

comunidade, não pelo retorno financeiro. Levavam em consideração na fixação do valor as condições

econômicas das famílias, recebendo as vezes em troca apenas favores ou presentes de pouco valor

financeiro (HOOSHMAND:2004; OSAVA E MAMEDE:1995).; CHAMILCO:2001).

Como eram transmitidos os conhecimentos que as parteiras acumulavam! Quais eram os

medicamentos utilizados por elas! Este projeto se preocupa em compreender sua formação e quais os

medicamentos utilizados pelas parteiras Terena. Em outras comunidades rurais, a bibliografia indica

que as parteiras eram sempre do sexo feminino o que favorecia o diálogo paciente-parteira, e também a

formação, já que os conhecimentos sobre doenças das mulheres, gestação, parto, aborto, cuidados do

recém-nascido era passado de geração em geração, geralmente dentro da mesma família., garantindo a

perpetuação das tradições e costumes femininos. A medicação era essencialmente a base de ervas

manipuladas pelas próprias parteiras (HOOSSHMAND:2004; TOSI:1987; MURARO:1992;

PRIORI:2002). A consciência de sua historicidade entre os Terena é demonstrada através da

valorização da tradição no processo de ensino-aprendizagem, onde aquilo que o pai e a mãe dizia ou

fazia tem força de na argumentação (MARCHEWICZ:2006). No processo de aprendizado das parteiras

Terena, as crenças Terena interferem com a criação de tabus sobre este período de transição das

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mulheres onde originam vida, e assim esses tabus são erigidos a partir de elementos da natureza,

ambiente natural dos índios, e sua relação simbólica entre o crer (antigos) e o não crer (jovens), entre o

fazer (sanção posistiva: saúde/vida) e o não-fazer (doença/morte). Estas crenças/supertições ou tabus da

comunidade que envolvem o processo de gestação/parto/recém-nascido estão presentes no processo de

ensino-aprendizagem das parteiras Terena e serão também objeto de investigação desta pesquisa.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

No início do séc. XX, OSAVA (1997:18) relata que, com a aprovação da lei das parteiras, o

Midwife act, em 1902, as parteiras foram incorporadas ao sistema de saúde oficial. Por outro lado, nos

EUA, no episódio Midwife problem, as parteiras foram responsabilizadas pelas elevadas taxas de

mortalidade materna e perinatal, passando-se então, a predominar o parto hospitalar, sobretudo após a

2ª GM, quando foram ditadas normas e rotinas para o tratamento e comportamento da mulher.

No Brasil, até a década de 50, 80% dos partos eram assistidos em casa. A inversão dessa

situação ocorreu quando o parto e a gestação passaram a ser considerados problemas médicos, ou seja,

doença. Ainda de acordo com OSAVA (1997), a visão de “gestação como doença” fez com que a

gravidez e o parto fossem apresentados como um sério perigo para a saúde da mulher e do feto, e que

os problemas decorrentes para ambos Seriam substancialmente diminuídos pela ativa supervisão e

intervenção médica. Os defensores dessa visão propõem leva as gestantes para dentro de um contexto

médico, utilizando-se da avançada tecnologia para maximizar o benefício para mães e bebês.

Na leitura de HOOSHMAND (2004:27) “... no séc. XX [há] uma crescente resistência à

profissão de parteira, expressando um preconceito arraigado na comunidade médica. Não existiu em

larga escala, a intenção de melhorar as condições de trabalho das parteiras, ministrando-lhes cursos e

ensinando-lhes medidas básica. Era mais fácil a simples condenação, esquecendo-se de que as parteiras

estão presentes há mais tempo do que os médicos na realização do parto. Além disso, muitos hospitais

e clínicas apresentam estatísticas negativas, tanto quanto as parteiras”. Apesar desta perseguição as

parteiras, nos países em desenvolvimento, 60 à 80% dos partos nos países desenvolvidos são realizados

por parteiras (OMS: 1996). A tecnologia em relação ao saber médico se configura então enquanto

tecnologia de poder, em especial, apresenta essa tecnologia de poder em relação ao corpo, como algo

analisável e manipulável pelo poder, não disseminando-a junto as parteiras, que já tinham acesso a

alguns conhecimentos nesta área, mas criando uma nova figura, a enfermeira, figura acessória ao

médico, dependente dele nos conhecimentos sobre a parturiação (FOUCAULT: 2003). O movimento

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feminista acredita que a mulher deve ter controle sobre o próprio corpo e questiona o modelo de

atendimento e da rotina hospitalar na sociedade ocidental. A mulher passa a não ter direito sobre o

próprio corpo e não tem escolhas a serem feitas, apenas aceitação das decisões da equipe hospitalar.

O aumento no índice de formação de parteiras têm aumentado consideravelmente nos últimos

anos para ampliar a capacidade do estado em promover a saúde materno-fetal, subindo de 37% para

82% o número de países este tipo de formação. Dentre os países desenvolvidos, a Holanda é um dos

países onde a revalorização da parteira é mais disseminada, inclusive promovendo o parto vaginal, com

menos contra-indicações e que devolve a mulher o controle sobre o seu corpo e os significados

transcendentais do parto. (CHAMILCO: 2001; HOTISNSKY:2001).

Na comunidade Terena a transcendência do parto pode ser observada através dos tabus culturais

criados para resguarda mães e filhos da vulnerabilidade que sofre durante este período considerado de

transição entre vida e morte, que vai do início da gestação até o fim do “resguardo” ou “dieta”, 40 dias

após o parto. Vida que a criança passa a ter e risco de morte iminente para mães e filhos, durante o

período (HOOSHMAND: 2004).

A historiografia a respeito de mulheres indígenas é bastante restrita. Cruzando as informações,

temos que analisar a historiografia a respeito de indígenas e de mulheres. A historiografia a respeito das

mulheres têm apresentado lacunas que somente na segunda metade deste século, e no Brasil, mais

precisamente a partir da década de 80 tem sido parcialmente preenchida. Já em relação a história

indígena, muito ainda há o que se fazer e pesquisar. Parece que os historiadores relegaram este tema a

segundo plano, deixando para os antropólogos a preocupação com a questão indígena a partir da

segunda metade deste século. Entretanto antropólogos e etnólogos não podem carregar a tarefa do fazer

do historiador em relação a análise da história deste povos, que ainda está aí por ser feita (PRIORI:

2002).

Considerando estas questões, pretendemos compreender as mudanças ocorridas no sistema de

parto das mulheres terena nos últimos 30 anos, utilizando como fonte básica a observação participante

e as entrevistas com mães, parteiras, e parentes de parteiras das diversas comunidades terena. A

importância deste estudo é dar visibilidade as vozes destas mulheres que viram nos últimos anos, as

mudanças ocorridas neste sistema de partos com uma grande interferência do estado e pouca

participação da comunidade nas discussões sobre a condução deste processo de mudanças.

OBJETIVOS

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Objetivos Gerais

Compreender quais as estratégias de ensino-aprendizagem utilizadas de geração em geração

dentro da comunidade Terena e como a mudança no sistema de partos afetou o etno-conhecimento

sobre plantas medicinais utilizadas tradicionalmente para gestantes, parturientes e puérperas e qual o

seu impacto na vida da parteira, da parturiente, dos seus familiares e da comunidade. As

crenças/supertições ou tabus da comunidade que envolvem o processo de gestação/parto/recém-nascido

estão presentes no processo de ensino-aprendizagem das parteiras Terena e serão também objetos de

investigação desta pesquisa.

Objetivos Específicos

1. Compreender o que é ser parteira na comunidade Terena

2. Compreender quais e como são utilizadas as plantas medicinais na atividade de parturiação

3. Compreender como se dá o processo de aprendizagem das novas parteiras dentro da

comunidade

4. Compreender as representações das mulhres Terena sobre a importância do parto realizado

pelas parteiras dentro da comunidade.

5. Compreender as representações das mulheres Terena sobre o parto no hospital

6. Compreender as crenças/supertições ou tabus da comunidade que envolvem o processo de

gestação/parto/recém-nascido;

7. Compreender as crenças/supertições ou tabus da comunidade que estão presentes no

processo de ensino-aprendizagem das parteiras Terena

RESULTADOS

O projeto está na fase de coleta de dados para a pesquisa que está sendo realizada através da

análise de depoimentos orais com mulheres Terena bem como análise da documentação escrita

pertinente ao tema.

A análise de documentos das várias missões que trabalharam com os Terena e documentos da

própria FUNAI, estão demonstrando como seus projetos e ações interferiram na forma de parto da

comunidade.

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As fontes orais, com as mulheres terena, estão sendo obtidas através de entrevistas onde

estamos procurando observar como o povo Terena sentiu em seu cotidiano as ações da sociedade não-

indígena, atuando tanto legislativamente, como através das missões religiosas, a interferência em sua

forma de parto. As entrevistas são semi-estruturadas sendo realizadas pela coordenadora e pelos

colaboradores discentes. A escolha dos depoentes obedece a seleção por amostragem de dez mulheres

das aldeias mais populosas em cada município onde se localizam a comunidade Terena, quando houver

mais de uma aldeia no município elencado. Os municípios são os seguintes: Anastácio, Aquidauana,

Campo Grande, Dois Irmãos do Buriti, Dourados, Nioaque, Miranda, Porto Murtinho, Nioaque. No

município de Porto Murtinho não há uma aldeia Terena, mas uma população Terena dispersa entre os

Kadweu. Estas famílias serão contactadas. Realizaremos uma média de três visitas a cada aldeia

durante a execução do projeto. As autorizações para a realização da pesquisa são obtidas das lideranças

indígenas, através de autorizações, bem como das mulheres entrevistadas através da assinatura do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, disponibilizado antes de cada entrevista.

A coleta de dados documentais escrito está acontecendo concomitantemente em arquivos e

bibliotecas públicos e particulares.

Serão analisados também trabalhos etnográficos sobre o povo Terena.

Posteriormente se fará a classificação dos dados obtidos com base na pertinência ao tema e

relevância a condução da pesquisa.

A análise dos dados será feita com base em uma leitura detalhada e reflexiva sobre os mesmos,

contando com a participação efetiva dos docentes envolvidos no projeto.

A adequação da utilização das fontes orais para a pesquisa que ora busco realizar é bastante

eficaz, já que trabalhando com um grupo não-hegemônico como o são os Terena, este tipo de fonte

pode me dar conta das “mil maneiras de burlar a ordem vigente”4, para “equilibrar a distorção

implícita” em outras fontes documentais, já citada anteriormente, sobre a sua relação com o mundo

não-indígena.

A adequação das fontes orais partiu do princípio de que o objeto desta pesquisa, o povo Terena,

tem sua cultura baseada na oralidade, e cuja história ainda está por ser escrita, como diz Alessandro

Portelli: "o testemunho oral gera novas histórias, e a criação de novas histórias, por sua vez, pode

4 CERTEAU , Michel de. A Invenção do Cotidiano : 1. Artes de Fazer . tradução de Ephraim Ferreira Alves- Petrópolis , RJ

; Vozes , 1994

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literalmente, contribuir para o processo de dar voz a experiências vividas por indivíduos e grupos que

foram excluídos das narrativas históricas anteriores, ou foram marginalizados"5

Através da coleta e análise dos dados encontrados em arquivos públicos e particulares e seu

cotejamento com entrevistas das mulheres Terena pretndemos conhecer o processo de mudança na

forma de parto na população Terena.

Durante a realização da pesquisa construiremos relatórios parciais e final no qual estarão

envolvidos os membros da equipe técnicos-administrativos. Estes relatórios serão apreciados por

consultores ad hoc, estipulados pela Divisão de Pesquisa da UEMS.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CERTEAU , Michel de. A Invenção do Cotidiano : 1. Artes de Fazer . tradução de Ephraim Ferreira

Alves- Petrópolis , RJ ; Vozes , 1994

CHAMILCO, R. Práticas obstétricas adotadas pelas parteiras tradicionais na assistência ao parto e

nascimento domiciliar na Amazônia Legal, Santana/AP. 2000 Dissertação de Mestrado. UFRJ. Rio de

Janeiro.

DEL PRIORI, M. História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Editora Edunesp / Contexto, 2002.

FOUCAULT, M – Microfísica do Poder, SP, Graal, 2003

HOOSHMAND, M. S. Parteiras De Regência, ES: os múltiplos sentido do ato de partejar. Dissertação

(Mestrado em Saúde Pública). 2004. USP. São Paulo.

HOTISNSKY, S. N. Parto e Nascimento no ambulatório e na Casa de partos da Associação

comunitária Monte Azul; uma abordagem antropológica. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública),

2000.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- Sistema IBGE de Recuperação automática –

SIDRA. Contagem Nacional da População, 2002.

MARCHEWICZ, R. M. S. Com a palavra, o índio: uma introdução ao estudo das representações no

mundo terena. Dissertação de Mestrado. 2006. UFMS. Três Lagoas.

MINISTÉRIO DA SAÚDE (BR) – Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher.

Parto, Aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília (DF), 2001.

5PORTELLI, Alessandro - O que faz a história Oral diferente, Revista Projeto História, PUC, São Paulo, nº 14, fevereiro/97

.

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MURARO, R. M. A Mulher do terceiro milênio. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1992.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - Assistência ao parto normal: Um guia prático. Saúde

Materna e Neonatal/Unidade de maternidade Segura. Saúde Reprodutiva e da Família. Organização

Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

(USAID), Genebra, 1996.

OSAVA, R. H. Assistência ao Parto no Brasil: o lugar do não-médico. Tese (Doutorado em Saúde

Pública). 1999. USP. São Paulo.

_____. e MAMEDE, M.V. A assistência ao parto ontem e hoje: a representação social do parto, J.

Brás. Ginec., 1995.

PORTELLI, Alessandro - O que faz a história Oral diferente, Revista Projeto História, PUC, São Paulo,

nº 14, fevereiro/97

SOUZA, S. C. Mulheres Terena: História e Cotidiano. Dissertação (Mestrado em História Social).

2000. PUC-SP. São Paulo.

TOSI, L. As mulheres e a ciência sábia. Bruxas ou Sabichonas? Impressões, Femininos e Cultura,

1987, dez: 9-20.