souza, p. penteado, c. precariado ou multidão. seminário sociologia e política - artigo completo

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Grupo de Trabalho: 11 Comunicação, Mídia e Ciberpolítica Precariado ou Multidão? Características políticas e sociais dos entusiastas do Podemos na internet Paulo Roberto Elias de Souza UFABC Cláudio Luis de Camargo Penteado UFABC

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Texto que debate as características sociais e políticas dos entusiastas do Podemos da Espanha.

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  • Grupo de Trabalho: 11 Comunicao, Mdia e Ciberpoltica

    Precariado ou Multido? Caractersticas polticas e sociais dos entusiastas do Podemos

    na internet

    Paulo Roberto Elias de Souza UFABC

    Cludio Luis de Camargo Penteado UFABC

  • Precariado ou Multido? Caractersticas polticas e sociais dos entusiastas do Podemos

    na internet

    Paulo Roberto Elias de Souza1

    Cludio Luis de Camargo Penteado2

    Resumo: O objetivo desse trabalho analisar as principais caractersticas dos entusiastas do partido-movimento

    Podemos como um agente histrico homogneo a partir do Documento Final del Programa Colaborativo

    definidas em debates online atravs dos Crculos Podemos. Composto na maioria por jovens acostumados a

    utilizar as TICs para informao e participao poltica, o Podemos alou o cientista poltico Pablo Iglesias ao

    posto de principal liderana poltica, porta-voz do partido e alternativa ao posto de primeiro-ministro espanhol.

    Mas quais as caractersticas desses agentes representados cujos os anseios polticos so representados na figura

    de Iglesias? Atravs de um debate conceitual entre a Multido, principal conceito discursivo do partido, de Michael Hardt e Antonio Negri e o Precariado de Guy Standing, foram analisadas as principais propostas polticas construdas e aprovadas atravs de ferramentas de participao na internet e disponvel no stio do

    partido na forma do Programa. Este trabalho aponta alguns indicativos que sugerem que o Podemos est mais

    prximo de ser um partido de apoiadores com caractersticas do Precariado, em razo da predominncia de

    questes econmicas emergenciais.

    Palavras-Chave: Espanha, Internet e Poltica, Multido, Podemos, Precariado.

    Introduo

    Vrios crculos rondam a Espanha. So os crculos do Podemos3. Uma nova forma de

    participao adotada pelos emergentes Partidos-Movimentos, que passaram a ser organizar

    mais expressivamente a partir das manifestaes ps-crise econmica de 2008. Oriundo dos

    movimentos de Indignados que ocuparam ruas e praas, o Podemos tornou-se rapidamente a

    principal referncia de partido poltico surgido da organizao e participao poltica que

    utiliza a internet como principal meio de ao e comunicao.

    Na Espanha, a crise atingiu seu pice em 2011, quando a resposta da populao veio

    com manifestaes e ocupaes das praas das principais cidades do pas. Convocadas

    especialmente atravs da internet, onde j expressavam sua indignao atravs das redes

    sociais, em mensagens hipertextuais que os dispositivos da rede proporcionam (Castells,

    2013). Surgira ento o movimento 15M que ocupou praas e negou qualquer representao

    dos partidos hegemnicos desde a redemocratizao em 1982, o conservador PP Partido

    1 Doutorando em Cincias Humanas e Sociais, UFABC Universidade Federal do ABC. Bolsista Capes. 2 Doutor em Cincias Sociais Pesquisador e docente da UFABC. 3 Disponvel em . Acesso em 14/04/2015.

  • Popular e o social-democrata PSOE Partido Socialista Obrero Espaol, incluindo uma

    orientao de boicote s eleies gerais daquele ano.

    Apagadas as fumaas dos protestos incendirios, recolhidas as barracas das ocupaes,

    a dura realidade da democracia liberal saltou aos olhos dos Indignados, dos desempregados,

    precarizados, dos desalojados e dos estudantes que sequer adentraram ao mercado de trabalho,

    beirando os trinta anos de idade. E o poder permaneceu nas mos daqueles que no os

    representam. No entanto, uma iniciativa conduzida por acadmicos da Universidade

    Complutense de Madri passou a ocupar esse espao vago, se propondo a ser o representante

    desses grupos no-representados pelo bipartidarismo.

    Desde a institucionalizao do partido, denominado de Podemos, em 2014 e,

    principalmente, aps a expressiva votao recebida nas eleies para o Europarlamento4

    meses depois, este rapidamente ocupou um espao importante na poltica espanhola

    contempornea. As principais lideranas polticas do Podemos, especialmente Pablo Iglesias

    Turrin, secretrio-geral, igo Errejn, alm de outros acadmicos, jornalistas, juristas dentre

    outros, esto alinhados inicialmente na produo de um discurso para uma Multido

    espanhola, a principal prejudicada pelo domnio do bipartidarismo entre PP e PSOE desde a

    redemocratizao da Espanha, alm de empresrios, especialmente banqueiros e burocratas,

    em geral corruptos, que teriam contribudo consideravelmente para a crise econmica que

    deixou muitos desabrigados e desempregados na Espanha, especialmente a partir de 2011.

    A proposta orgnica do Podemos a orientao das aes e programas poltico-

    partidrios a partir da base, da intensa discusso e deliberao atravs dos Crculos, em suas

    mais diversas formas e configuraes. Nesse sentido, o partido, ou pelo menos um desses

    partidos de Indignados, est efetivamente ocupando um espao dentro da democracia liberal

    representativa espanhola. Mas a quem representa o Podemos? Seria possvel identificar e

    explicar esses representados a partir de uma concepo de classe social? A configurao da

    classe social capaz de ser sujeito de sua histria seria outra que no aquela da teoria marxiana

    clssica ou ento uma classe transfigurada que no o proletariado? Quais seriam as principais

    caractersticas dessa classe na contemporaneidade?

    Os discursos das lideranas do partido, especialmente do secretrio-geral Pablo

    Iglesias, enfatizam que eles representam os anseios de la Multitud que no est representada

    na poltica espanhola. Trata-se, portanto, de uma luta entre a Multido contra a casta poltica

    4 Disponvel em . Acesso

    em 14/04/2015.

  • (representada pelo PPSOE e a Unio Europeia) e econmica (banqueiros e rentistas, alm

    de algumas corporaes multinacionais). Acrescenta-se a isso, a tese de doutorado de Iglesias,

    cientista poltico, cujo ttulo Multitud y Accin Colectiva Postnacional: um estdio

    comparado de los desobedientes: de Italia a Madrid (2000-2005) (Iglesias, 2008) e o objeto

    de estudo exatamente grupos antiglobalizao e de contestao da democracia liberal e suas

    formas de comunicao alternativas, cujo conceito de Multido elemento fundamental.

    Se nossa leitura estiver correta, a tese de Iglesias aponta na direo de um movimento

    global, que seria levado por um esprito do tempo a perceber suas potencialidades

    transformadoras para conduzir transformaes histricas profundas. No entanto, quando um

    grupo reduzido e condicionado por processos liberais democrticos institucionalizados, o

    conceito de Multido pode no ser aquele capaz de explicar as pessoas envolvidas nesse

    processo. Nesse sentido, levando em considerao a crise econmica que assola a Espanha h

    alguns anos e os consequentes pacotes de austeridade e precarizao do trabalho no pas, alm

    dos diversos problemas que levaram o pas a uma dvida que se aproxima de 100% do PIB

    anual do pas5, o conceito parece insuficiente. Um conceito alternativo a esse que ganha

    relevncia no debate acerca de classes sociais contempornea, desenvolvido pelo economista

    Guy Standing (2013) parece ser adequado para iniciar esse debate.

    A identificao dos agentes em torno de novos movimentos, ou partidos-movimentos,

    como no caso do Podemos torna-se essencial para compreender a quem esses lderes

    representam (em meio famigerada crise de representao), quais os objetivos polticos e

    demandas sociais. Certamente que outras questes mais particulares ou regionais so muito

    importantes para as configuraes dos grupos e movimentos polticos e sociais, especialmente

    no caso espanhol, com regies autnomas que historicamente reivindicam independncia. No

    entanto, os Indignados parecem ter questes mais urgentes, especialmente emprego e

    seguridade social. Nesse compreender esses grupos aparentemente dispersos como grupos em

    condies sociais semelhantes podem contribuir para compreender o Podemos para alm da

    surpreendente visibilidade.

    O caminho proposto para a compreenso desse trabalho a partir do principal meio de

    comunicao e articulao do partido at o momento, a internet. Foi atravs da rede que os

    Indignados se organizaram como um grupo de contrapoder (Castells, 2013) e tambm por

    onde parte desse grupo debateu e estruturou um partido para lutar pelo poder institucional.

    5 Disponvel em < http://economia.elpais.com/economia/2015/02/16/actualidad/1424114459_766802.html>.

    Acesso em 14/04/2015.

  • Assim, a proposta compreender esses cidados como um grupo social que busca conduzir a

    poltica espanhola agora, implodindo o bipartidarismo e abrindo espao para novos atores

    polticos.

    A partir da emergncia dos novos partidos-movimentos, para os quais a internet o

    meio e ferramenta fundamental para sua organizao e funcionamento, torna-se essencial

    compreender esses modelos vanguardistas que provavelmente sero referncia de utilizao

    da rede para a vida poltica.

    A novidade interessante apresentada at o momento pelo Podemos a possibilidade de

    criao e manuteno de espaos de debate e deliberao poltica online orientada para a

    identificao de agentes com interesses em comum e que enxergam nas lideranas polticas

    desse partido a possibilidade de dilogo e capacidade de construir a agenda desses

    representantes de forma coletiva e distribuda. Assim, a agenda, as estratgias, os

    posicionamentos e o discurso seriam deliberados fora da estrutura poltica tradicional para em

    seguida a ela ser includa, seja na competio poltica, seja no mbito executivo e legislativo

    uma vez que o partido participe de governos ou conquiste representao poltica parlamentar.

    O material desses debates aparece em forma de programas, discursos, propostas,

    posicionamentos e objetivos polticos. O material mais bem acabado desse processo o

    Documento Final del Programa Colaborativo, programa para a atuao dos representantes no

    Parlamento Europeu. Assim, dialogando a base conceitual de duas novas proposies de

    classes sociais com o documento, realizamos uma pesquisa embrionria na busca por um

    conceito que melhor caracterize a identidade desse grupo social que se constitui como base

    orgnica do Podemos, a partir da deliberao realizada em rede pelos entusiastas, militantes e

    lideranas do partido-movimento espanhol.

    O artigo est organizado em mais trs partes alm dessa introduo. A subsequente

    busca explicitar e contextualizar a emergncia e as caractersticas dos conceitos de Precariado

    e Multido. A terceira parte apresenta os Crculos Podemos, seu modus operandi, seguido da

    apresentao e anlise do principal documento poltico fruto dessa dinmica deliberativa, cuja

    internet a principal ferramenta e espao de debate. Por fim, algumas consideraes finais

    que so, na verdade, consideraes iniciais acerca do sujeito histrico, como classe social, que

    aparece como base social de partidos como o Podemos, mas que provavelmente ter

    semelhantes em outros pases com conjuntura econmica, poltica e social de constante crise e

    precarizao das condies de trabalho, como no caso da Espanha.

  • 2. Novas leituras de sujeito histrico: Precariado e Multido

    Aps o fim da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas e do chamado Socialismo

    realmente existente, a teoria social em geral, com algumas excees, colocaram em xeque a

    noo clssica marxiana acerca da classe trabalhadora como o sujeito histrico da mudana

    social.

    Apesar do esgotamento do modelo de socialismo do sculo XX orientada pela

    experincia sovitica oriunda da Revoluo Russa de 1917, a percepo de que a sociedade

    capitalista est disposta em classes sociais, em posies contraditrias e que tem como

    consequncia uma ininterrupta luta de classes, tendo a burguesia e o proletariado como as

    protagonistas, um consenso na teoria social de esquerda, especialmente aquelas orientadas

    pela teoria da prxis6.

    No entanto, diversos tericos contemporneos passaram a realizar releituras da teoria

    marxiana desde Marx e Engels, passando pela teoria marxista do sculo XX que orientaram o

    debate em torno da questo de classes, desde a obra de Lnin, passando por Antonio Gramsci

    e Rosa Luxemburgo at a dualidade entre as perspectivas de Louis Althusser e Gyrgy Lukcs

    (especialmente este ltimo, ainda muito influente em diversas teorias contemporneas). A

    estes revisionistas, costumou-se classific-los como marxistas heterodoxos ou ps-

    marxistas e at ps-modernos, em sua conotao mais pejorativa. Dentre esses autores

    contemporneos, destacam-se Slavoj Zizek, Giorgio Agamben, Ernesto Laclau (falecido em

    2014) e Chantal Mouffe, Goran Thborn, Istvn Mezsros, Alain Badiou dentre outros, boa

    parte deles referncias intelectuais e at professores das principais lideranas do Podemos.

    No que diz respeito distribuio estrutural das classes sociais no capitalismo

    contemporneo globalizado no incio do sculo XXI, enquanto alguns autores mantm uma

    proximidade concepo original de Marx e Engels em relao ao proletariado ou classe

    trabalhadora, outros ambicionam uma atualizao desses conceitos para a conjuntura atual

    para, a partir disso, pensar a estrutura social contempornea em nvel global, mas tambm

    estratgias e formas de ao social que possam conduzir mudanas substanciais na sociedade.

    6 O debate proposto acerca de classe social proposto nesse trabalho estritamente ligado s perspectivas que de

    alguma forma dialogam diretamente com a perspectiva marxiana clssica. Trata-se de uma escolha que busca

    um dilogo com a orientao poltica do Podemos, partindo da perspectiva de seus lderes e, especialmente, do

    discurso desses para agregar agentes no processo de estruturao, participao e deliberao. Trata-se, portanto,

    de uma especulao inicial, que certamente dialogar com outras perspectivas contemporneas acerca de classes.

  • Entre as principais lideranas polticas do Podemos praticamente consenso de que seria

    necessrio adotar uma nova leitura para desenvolver assim novas estratgias de lutas,

    organizao e ao social.

    Dentre os projetos mais ambiciosos, destacam-se os conceitos de Precariado e

    Multido. A proposta conceitual do primeiro est vinculada a uma perspectiva ainda moderna

    da sociedade contempornea, cujo processo histrico reduziu o proletariado da teoria marxista

    a um pequeno grupo social, bem acomodado em seus trabalhos estveis, representao

    poltica estvel em sindicatos e partidos social-democratas ou trabalhistas , e em seus

    grandes fundos previdencirios. Assim, o economista ingls Guy Standing prope outra

    leitura acerca daquela que seria uma nova classe perigosa para o sistema capitalista

    contemporneo (Standing, 2013), enquanto que a segunda, de Multido, est alinhada

    declaradamente a uma perspectiva de transio a uma Era ps-moderna (Negri, 2009), que

    busca concentrar diversos grupos dispersos na estrutura social a um grupo homogneo,

    reunido por interesses em comum, mas respeitados em suas mltiplas singularidades.

    Comecemos pela segunda, em decorrncia da notria influncia nos lderes do Podemos,

    especialmente em Pablo Iglesias.

    Como ressalta o prprio Standing (2013), os trabalhos produzidos por Michael Hardt e

    Antonio Negri, Imprio, Multido e Comum (Commonwealth, ainda sem traduo para o

    portugus) tornaram-se referncias para esses grupos difusos que tomaram as ruas na virada

    do sculo XX, ressaltando a crise de representatividade que lhes era perceptvel nas condies

    materiais e de trabalho.

    Para os autores, o cenrio global um cenrio de guerra. Uma guerra em expanso na

    qual, a antiga forma de guerra entre Estado-Naes substituda por uma guerra na qual o

    Imprio submete esses estados cada vez menos poderosos como atores globais a seus

    interesses (Hardt e Negri, 2014). De maneira geral, no primeiro volume, Imprio, apresentam

    uma leitura de como est configurada a dominao capitalista na sociedade globalizada

    contempornea; assim, a classe dominante de nosso processo histrico seria uma burguesia de

    uma fase muito superior do capitalismo produtivo moderno, que configuraria o Imprio.

    A perspectiva de Hardt e Negri (2014) (assim como a de Standing) est enraizada em

    um leitura crtica acerca da Globalizao, de questionamento discursivo das interpretaes

    hegemnicas, no qual o conceito de Globalizao como processo histrico apresentado

    como positivo, pra no dizer inevitvel e cuja a flexibilizao das relaes de trabalho seriam

  • positivas para todos

    7, bem como a crtica hegemonia da poltica neoliberal desde os anos

    1980. A Multido, que elucidaremos mais a seguir, seria a classe dos dominados. Enquanto

    que o Comum seria o devir da superao do Imprio a partir das mobilizaes da Multido.

    Segundo os autores, a modernidade fora superada pela ps-modernidade e,

    consequentemente, o proletariado como sujeito histrico transformador tambm est

    superado. Ao situar o debate no contexto nesse novo tempo-histrico, questionam a principal

    crtica frequente aos chamados ps-modernos, a ausncia do sujeito histrico nessa teoria.

    No tempo histrico moderno, as perspectivas de classe tradicionais exigiam a tomada

    de posio em dois polos opostos, entre unidade e pluralidade. A primeira, de unidade,

    atribuda Marx, e sua tese de que na sociedade capitalista tende a manifestar-se uma

    simplificao das categorias de classe, de tal maneira que todas as formas de

    trabalho tendem a fundir-se num sujeito nico, o proletariado, que enfrenta o capital.

    O polo da pluralidade mais claramente ilustrado pelos argumentos liberais que

    insistem na multiplicidade inelutvel das classes sociais. (Hardt e Negri, 2014, p.

    143).

    E reconhecem que ambas esto corretas em suas perspectivas, uma vez que:

    No primeiro caso [marxista], verdade que a sociedade capitalista caracteriza-se

    pela diviso entre capital e trabalho, entre os que detm a propriedade produtiva e os

    que no detm, e tambm que as condies de trabalho e as condies de vida dos

    destitudos de propriedade tendem a assumir caractersticas comuns. verdade

    tambm, no segundo caso [liberal], que a sociedade contempornea compreende

    uma quantidade potencialmente infinita de classes, com base no s em diferenas

    econmicas mas tambm nas de raa, etnia, geografia, gnero, sexualidade e outros

    fatores. (Hardt e Negri, 2014, p. 143-144).

    Nesse ponto a influncia da teoria do biopoder foucaultiana se faz presente e realiza o

    processo dialtico para a proposta dos autores. Se por um lado, a noo de unidade do

    proletariado limitada, tanto pelo aspecto da produo, quanto pelo aspecto da cooperao

    social, dado que faz parte, na leitura dos autores, de um grupo social cada vez mais escasso

    atualmente, por outro lado, a noo de pluralidade desconsidera a posio da maioria das

    pessoas nas relaes de produo, uma quantidade incomensurvel na contemporaneidade.

    7 Cabe uma nota para perceber como este discurso est presente no Brasil a partir da aprovao relmpago da

    PEC 4330 pela Cmara dos Deputados, cuja qual, de modo geral, permite a terceirizao indiscriminada em

    todos os mbitos e nveis hierrquicos no mercado de trabalho brasileiro. O discurso mais predominantes

    veiculados pela mdia tradicional do conta de que se trata de uma modernizao necessria para aumentar a produtividade da economia nacional. Ver por exemplo o jornalista Ricardo Noblat (disponvel em

    . Acesso em 1/5/2015). [...]

  • Assim, a Multido entendida como classe compreende uma nova configurao que coloca em

    dilogo na ps-modernidade as duas perspectivas antagnicas da modernidade. Por um lado,

    A multido um conceito de classe. Com efeito, a multido sempre produtiva e

    est sempre em movimento. Considerada a partir de uma perspectiva temporal, a

    multido explorada pela produo; de um ponto de vista espacial, a multido

    ainda explorada, na medida em que constitui a sociedade produtiva, a cooperao

    social para a produo. (Negri, 2009, p. 15).

    A Multido nessa conjuntura tambm explorada, mas uma explorao

    incomensurvel, pois no mais possvel medir o tempo de trabalho, nessa imbricao

    produtiva que inter-relaciona diversas singularidades para alm da hora-trabalho estipulada,

    no mundo do trabalho cada vez mais imaterial e menos material.

    Essa singularidade o conjunto, em um corpo, das diversas classes sociais que

    formam o sujeito: a singularidade, por exemplo, a explorada que pode vir a ser uma

    imigrante, trabalhadora do setor de servios, bissexual, que divide casa com um homem

    heterossexual, trabalhador de uma fbrica e assim sucessivamente. Cada um deles carregam

    diversas referncias de grupos que os fazem uma singularidade em movimento.

    Assim, esse conjunto de singularidades explorados tendem a fazer Multido um

    conceito de uma potncia que, em cooperao desejam se corporificar, orientada por trs

    vetores de fora:

    a) A genealogia da multido na transio do moderno para o ps-moderno [...],

    constituda pelas lutas da classe trabalhadora que dissolveram as formas de

    disciplina social da modernidade.

    b) A tendncia para o General Intellect. Esta tendncia, constitutiva da multido, em

    direo a modos de expresso produtiva cada vez mais imateriais e intelectuais,

    deseja se configurar como a reinscrio absoluta do General Intellect no trabalho

    vivo.

    c) A liberdade e a alegria (mas tambm a crise e a saturao) desta transio

    inovadora, que abarca em si tanto continuidade quanto descontinuidade, ou, em

    outras palavras, algo assim como sstoles e distoles da recomposio das

    singularidades. (Negri, 2009, p. 17).

    A matria constitutiva da Multido, a carne, na qual corpo (a vida) e mente

    (General Intellect) so indistinguveis. Deste modo, d-se vida ao monstro revolucionrio o

    qual os autores classificam como Multido.

    Tal como a carne, a multido pura potncia, ela a fora no formada da

    vida, um elemento do ser. Como a carne, a multido tambm se orienta para a

    plenitude da vida. O monstro revolucionrio chamado multido que surge no final da

  • modernidade busca continuamente transformar nossa carne em novas formas de

    vida. (Negri, 2009, p. 19).

    A Multido estaria ento sempre em movimento, sendo assim de difcil percepo.

    Nesse sentido, Negri ainda indica um caminho para compreender a Multido como potncia

    ontolgica em trs terrenos: (i) nas teorias do trabalho, assinalando que na era do trabalho

    imaterial, o saber (consequncia imediata desse) no necessita de comando para se tornar

    cooperao, para ter a partir da efeitos universais; (ii) na experincia comum das relaes

    produtivas e/ou reprodutivas, tendo a linguagem como principal forma constituinte; e, (iii) na

    poltica da ps-modernidade, demonstrando que sociedade livre pressupe a difuso do saber

    e a emergncia do comum.

    Em poucas palavras, o Imprio a hegemonia vivida, o modus vivendi

    contemporneo, enquanto que a Multido seria o poder constituinte, aquele capaz de tornar-

    se sujeito histrico da mudana social, de forma muito particular, vampiresca, em que agentes

    com muitos interesses distintos e por vezes divergentes, se identificariam na condio e em

    interesses comuns para agir e conduzir o processo histrico contemporneo.

    O conceito de Precariado, assim como seu objeto, a classe-em-si, est em construo e

    em disputa, a partir de releituras do socilogo brasileiro Ruy Braga, que se apropria do

    conceito estruturado por Standing em pesquisas acerca da precarizao dos trabalhadores

    brasileiros, especialmente a partir do perodo de Lula na Presidncia da Repblica do Brasil, e

    de Giovanni Alves, que se apropria para analisar condies de trabalhos contemporneas.

    Em geral, as caractersticas do precariado nas trs perspectivas so muito parecidas,

    sendo que a principal questo em disputa aquela que localiza o precariado na estrutura social

    do capitalismo contemporneo: enquanto Standing o localiza como uma nova classe (como

    veremos a seguir), Braga o considera o proletariado com condies de trabalho precarizadas e,

    por sua vez, Alves o considera uma camada especfica do proletariado, constituda de jovens-

    adultos de alta escolaridade, mas imersos em relaes de trabalho e emprego precrios

    (Maurcio, 2013).

    Sem desconsiderar esse importante debate, mas por se tratar de uma proposta

    exploratria e seminal de anlise, este trabalho se concentra no conceito de Standing,

    buscando entender esse grupo social em separado do proletariado e em processo de

    construo concomitante a um processo que pode ser irreversvel de precarizao do trabalho

    no capitalismo contemporneo e, consequentemente, sendo este o fator-chave para

  • compreender a crise de representatividade nos sistemas liberais democrticos, contra os quais

    esses grupos protestam e, no caso espanhol, no qual o Podemos emerge como uma opo

    possvel e renovadora.

    O conceito de precariado um neologismo da juno de precrio e proletrio. Sua

    origem data dos anos 1980 como consequncia das polticas de flexibilizao do sistema

    neoliberal, sistema que teve como suas principais lideranas polticas a ex-primeira-ministra

    britnica conservadora Margareth Thatcher e o ex-presidente os Estados Unidos, o

    republicano Ronald Reagan.

    Nos trinta anos seguintes emergncia discursiva, as aplicaes polticas do

    neoliberalismo e da flexibilizao do trabalho foram aplicadas em maior

    (conservadores/neoliberais) e em menor grau (trabalhistas/social-democratas) nas economias

    capitalistas de todo o mundo. Especialmente na Europa, cenrio de anlise de Standing, as

    conquistas do ps-guerra expressas nos Estados de Bem-Estar Social foram paulatinamente

    negadas s novas geraes de jovens altamente escolarizados por esses sistemas, mas sem as

    garantias mnimas de uma carreira profissional estvel.

    Segundo Standing (2013), o despertar dessa nova classe ocorreu com cinco mil

    pessoas em 2001, no Dia do Trabalhador, em Milo, (quatro anos depois j superara os 50

    mil) em Milo, deixando os velhos representantes da classe trabalhadora atnitos,

    especialmente pela negao a esses representantes tradicionais, que na Europa atendiam pelas

    alcunhas de trabalhistas ou social-democratas.

    Entre seus heris intelectuais, temos Pierre Bourdieu, que articulou a precariedade,

    Michel Foucault, Jrgen Habermas, Michael Hardt e Tony Negri, cujo Imprio foi

    um teto seminal, tendo Hannah Arendt, como pano de fundo. Havia tambm as

    sombras dos levantes de 1968, ligando o precariado Escola de Frankfurt de O

    homem unidimensional de Herbert Marcuse. (Standing, 2013, p. 17) (grifos dos

    autores).

    O precariado parte de uma estrutura de classes contempornea. Segundo Standing

    (2013; 2014), a sociedade est estruturada em sete grupos, baseado em termos de rendimento

    mdio, que no necessariamente se constituem como classe. No topo, uma plutocracia

    internacional, super-cidadoes desvinculados do Estado-Nao, tendo acumulado a maior

    parte da riqueza ilicitamente e com grande poder de manipulao atravs de polticos e

    lobbistas, com ameaas financeiras; em seguida, est a elite nacionalmente definida, mas com

  • caractersticas parecidas com a primeira, e se articula com polticos e meios de comunicao.

    Assim, formam a classe dominante.

    Logo abaixo, o autor identifica o grupo que ele denomina de proficians, uma espcie

    de classe mdia, em franca expanso em decorrncia da privatizao do setor pblico,

    formada majoritariamente por consultores e empresrios que vendem a prpria fora de

    trabalho, com rendimentos elevados, mas expostos a riscos morais, que aspiram a ascenso

    aos grupos acima (Standing, 2013; 2014).

    Em seguida est localizado o velho proletariado, em rpido processo de retrao,

    sem condies de avanar ou impor sua agenda poltica; com garantia dos seus direitos

    trabalhistas conquistados atravs dos Estados de bem-estar social, mas no para aqueles que

    esto abaixo. Chegamos ento nova classe perigosa.

    Segundo o autor,

    Para nossos propsitos, o precariado consiste em pessoas que so desprovidas das

    sete formas de garantia relacionadas ao trabalho [] perseguidas pelos social-democratas, partidos trabalhistas e sindicatos aps a Segunda Guerra Mundial como

    sua agenda de cidadania industrial para a classe trabalhadora ou para o proletariado industrial. (Standing, 2013, pp. 27-28).

    As sete garantias seriam a (i) de mercado de trabalho, (ii) de vnculo empregatcio, (iii)

    segurana no emprego, (iv) segurana no trabalho, (v) de reproduo de habilidade, (vi)

    segurana de renda, e (vii) garantia de representao (Standing, 2013). O precariado em geral

    no tem nenhuma dessas garantias.

    O trabalho desempenhado pelo precariado , de sua natureza, frgil e instvel,

    andando associado casualizao, informalizao, s agncias de emprego, ao

    regime de tempo parcial, ao falso autoemprego e a esse fenmeno de massas

    chamado crowd-sourcing. (Standing, 2014, p. 12).

    Standing distingue o precariado do proletariado na medida em que o primeiro est

    condicionado pelo capitalismo global a um trabalho e a uma vida de instabilidade

    (Standing, 2014, p. 13). Depende tambm de salrios nominais, nunca tendo rendimentos

    seguros. a principal vtima da retirada sistemtica de direitos pelo Estado contemporneo,

    isto , est perdendo aquilo que constitui a cidadania.

    Por ltimo, um outro trao distintivo do precariado a sua conscincia de classe,

    traduzida num fortssimo sentimento de privao relativa e de frustrao quanto ao

    seu estatuto. Essa circunstncia carrega consigo conotaes negativas, mas ao

  • mesmo tempo contm um elemento de transformao radical, que coloca o

    precariado numa posio intermediria entre o capital e o trabalho. (Standing, 2014, p. 13).

    O precariado tambm, historicamente, a primeira classe que efetivamente possui um

    nvel superior de habilitaes em relao aos tipos de trabalho que vir a exercer durante a

    vida. Assim, vem a ser uma classe perigosa porque recusa igualmente todas as velhas

    tradies polticas dominantes por um lado e, por ainda no ser uma classe-para-si, uma vez

    que acha em guerra contra si mesma devido ao fato de padecer de trs formas de privao

    relativa, cada uma delas definidora dos trs tipos de precariado atualmente em tenso

    (Standing, 2014, p. 14). A saber: os atvicos, sem instruo, afastados das comunidades

    trabalhadoras e altamente influenciveis pelo populismo e pela extrema-direita; os

    nostlgicos, formado por migrantes e minorias, tendem passividade ou desprendimento

    poltico; e, os bomios ou progressistas, com alto grau de instruo, porm frustrados em

    relao ao respectivo status. O autor considera que este grupo a parte potencialmente

    transformadora, a vanguarda do precariado (Standing, 2014).

    Nem conservadores/neoliberais, nem sociais-democratas/trabalhistas; nem classe

    mdia, nem proletariado. Na leitura de Standing emerge ento uma nova classe, no sentido de

    que ningum as representa. Um grupo social crescente em situaes de trabalho cada vez mais

    precrias, instveis, sem representao sindical ou representativa como o proletariado do

    sculo XX. Vulnerveis, passivos ou vanguardistas, mas em geral um grupo em construo e

    que parece comear a se identificar com algumas correntes e movimentos polticos

    contemporneos. Mas e se estivermos assistindo a algum tipo de organizao de pelo menos

    parte desse grupo?

    3. Los Crculos Podemos e o Programa Colaborativo: conceito e anlise das resolues

    Os Crculos so organizados pelos agentes envolvidos e interessados na criao e,

    principalmente, na manuteno do Partido-Movimento8. Segundo o stio do Podemos, os

    8 At o momento no foram identificados debates acerca do conceito de Partido-Movimento adotado pelo

    Podemos e por outros grupos emergentes, tais como o emergente Raiz Movimento Cidadanista no Brasil

    (http://www.raizmovimentocidadanista.org.br/. Acesso em 24/4/15) e o Partido de La Red na Argentina

    (http://dos.partidodelared.org/. Acesso em 24/4/15). Em linhas gerais, essa nova forma de partido, prope que a

    participao seja aberta para todos os interessados, independentemente de filiao partidria, alm da priorizao

    da orientao de ao do partido a partir de deliberao prvia. No entanto, torna-se necessrio estabelecer

    investigaes e debates conceituais para compreender melhor essa nova forma de partido.

  • Crculos so espaos pblicos de debate e deliberao poltica para todos os interessados em

    determinados temas:

    Cada crculo um espao de participao no qual a sociedade redige e defende um

    programa para fazer frente conjuntura de emergncia em que vivem os povos do

    Sul da Europa, assim como um espao de protagonismo cidado destas Eleies ao

    Parlamento Europeu.

    Ao mesmo tempo, cada crculo um lugar de construo de unidade popular que se

    transforma no atravs da discusso interminvel, seno a partir da tomada de

    decises conjuntas e de trabalho coletivo concreto. (Podemos, 2014) (traduo dos

    autores)9.

    Uma importante distino em relao s instncias (em geral presenciais) de debate e

    deliberao dos partidos tradicionais diz respeito possibilidade de qualquer cidado

    participar da vida poltica dos Crculos sem a necessidade de ser filiado ao Podemos. Assim,

    se h um debate iniciado por qualquer Crculo acerca de uma questo especfica que interessa

    a um cidado que tem grande interesse sobre o tema, este apenas precisa se inscrever no portal

    de participao do partido, com e-mail e documento vlido para participar dos debates.

    Os temas abordados pelos crculos so variados, desde questes nacionais e

    emergenciais (na maioria) at questes internacionais10

    . O primeiro grande documento

    consequncia dos Crculos o Documento Final del Programa Colaborativo, elaborado s

    vsperas das eleies para o Parlamento Europeu, na qual o partido conquistou cinco das 54

    cadeiras da Espanha em Bruxelas11

    .

    O processo de elaborao do documento respeitou o processo padro dos Crculos, em

    que a partir de um rascunho inicial do propositor inicia-se o processo respeitando as seguintes

    etapas: (i) debate e apontamentos online de carter individual; (ii) emendas coletivas dos

    Crculos Podemos; (iii) referendo online sobre as emendas.

    9 Texto original: Cada crculo es un espacio de participacin en el que la sociedad redacta y defiende un

    programa para hacer frente a la coyuntura de emergencia que viven los pueblos del sur de Europa, as como un

    espacio de protagonismo ciudadano de estas elecciones al Parlamento Europeo. Al mismo tiempo, cada crculo

    es un lugar de construccin de unidad popular, que se conforma no a travs de la discusin interminable, sino a

    partir de la toma de decisiones conjunta y del trabajo colectivo concreto. Disponvel em . Acesso em 24/4/2015.

    10 Todos os nomes, descries e os debates e resolues dos Crculos Podemos estavam disponveis at o incio

    de maro de 2015, quando o partido as retirou do ar para valid-las juridicamente. Deste modo, a pesquisa ficou

    restrita ao Programa Colaborativo nesta primeira etapa exploratria. Mas to logo estejam disponveis, sero

    analisados.

    11 Disponvel em . Acesso

    em 24/4/15.

  • O documento est estruturado em seis pontos fundamentais, cujo objetivo maior

    construir uma nova democracia, a saber:

    1) Recuperar a economia: atravs de (i) resgate da cidadania a partir da criao

    de empregos qualificados tanto no setor privado, especialmente em pequenas e

    mdias empresas, quanto no servio pblico (ii) auditoria das dvidas pblicas

    pelos cidados, com o objetivo de fazer cumprir a priorizao da manuteno dos

    direitos sociais; (iii) reestruturao do Banco Central Europeu para um modelo

    de controle por parte de representantes dos pases e proteo das influncias do

    mercado especulativo (iv) criao de uma agncia pblica europeia de rating,

    para que as decises econmicas no continente sejam mais democrticas e

    transparentes; (v) reestruturao, regulamentao e controle do sistema

    financeiro para priorizar a recuperao dos cidados mais pobres e vulnerveis;

    (vi) reestatizao de setores estratgicos da economia, tais como

    telecomunicaes, transportes, energia, sade e educao; (vii) cooperao

    integrada e transparente de controle fiscal entre os pases da Unio Europeia para

    evitar as fraudes fiscais cometidas pelos mais ricos; (viii) prestao de contas

    universais e transparentes das multinacionais; (ix) endurecimento de sanes

    para sonegadores fiscais; (x) reforma tributria com taxas crescentes de acordo

    com o capital acumulado e suspenso de privilgios fiscais a grandes corporaes;

    (xi) aposta em um modelo de desenvolvimento sustentvel, estabelecendo dilogo

    entre setores privados, pblicos e centros de pesquisa (universidades; (xii) renda

    bsica universal.

    2) Conquistar a liberdade, adotando mecanismos de ampliao de participao,

    atravs de uma (i) Carta Democrtica Europeia com mecanismos de abertura de

    canais participativo e limitaes anti-profissionalizao da Poltica; (ii)

    ampliao do uso de iniciativas legislativas populares, referendos, plebiscitos

    descentralizados, sem a necessidade de aprovao em instncias superiores; (iii)

    democratizao da gesto pblica e aberturas de canais participativos para

    aplicao de polticas pblicas; (iv) transparncia e controle das atividades de

    lobbies; (v) limitao dos gastos e fundos pblicos para os partidos polticos; (vi)

    regulamentao dos meios de comunicao a fim de evitar a formao de

  • monoplios e oligoplios; (vii) garantias de respeito privacidade da

    comunicao; (viii) defesa das liberdades de expresso, reunio, associao e

    participao poltica; (ix) garantia da liberdade de conscincia e o respeito

    laicidade estatal e ao direito de associao religiosa; (x) garantia das liberdades e

    direitos fundamentais, priorizando segurana, justia e democracia; (xi) garantia

    de direitos equivalentes e leis de proteo s minorias de gnero em relao aos

    gneros normativos.

    3) Conquistar a igualdade, atravs de (i) processo constituinte de equiparao de

    direitos sociais e culturais com direitos civis e polticos, como condio de

    constituio da cidadania; (ii) apoio s polticas orientadas para garantia de

    servios pblicos universais; (iii) plano de eliminao da desigualdade de gnero

    no trabalho e garantia de condies equitativas e independncia econmica da

    mulher; (iv) garantia de direito sade pblica aliada a um modelo desenvolvido

    democraticamente de acesso livre a todo cidado da UE; (v) garantia de educao

    pblica e formao acadmica gratuita laica e universal e construo

    democrtica pela comunidade educativa; (vi) defesa de um modelo de pesquisa

    pblico e independente com qualidade e orientada para as necessidades da

    sociedade; (vii) garantia de uma moradia digna a todo cidado da UE; (viii)

    garantia dos direitos sexuais, reprodutivos e de deciso sobre o prprio corpo

    atravs da despenalizao do aborto e acesso universal para o procedimento na

    sade pblica, bem como de mudana de sexo e aceso universal a maternidade e

    paternidade; (ix) garantia de direito de ajuda e integrao pessoas dependentes

    e seus familiares; (x) democratizao do direito ao acesso e a criao e difuso

    cultural para todos os setores sociais; (xi) promoo do acesso livre, seguro e

    universal informao e comunicao atravs do apoio a softwares livres,

    crowdfunding e copyleft; (xii) desenho e implementao de polticas para garantir

    o acesso universal ao transporte e a mobilidade.

    4) Recuperar a fraternidade, com (i) incentivo participao cidad desde

    mbito local at europeu; (ii) promoo dos pressupostos sociais na UE atravs de

    imposto sobre movimentaes de capitais exigncia de percentuais mnimos do

    valor do PIB para desenvolvimento da educao, sade etc. especialmente em

  • regies mais pobres; (iii) reconhecimento de direitos a imigrantes, tanto sociais,

    quantos polticos e sociais; (iv) mecanismos para desenvolvimento de integrao

    dos pases do sul da Europa; (v) potencializar a integrao entre os povos

    estabelecendo acordos cooperativos com pases do terceiro mundo e priorizao

    por relaes com pases democrticos; (vi) defesa da paz com sada da Espanha

    da OTAN e rechao de intervenes militares em resoluo de conflitos, retirada

    de bases militares dos pases pobres; (vii) busca da igualdade entre os pases da

    UE;

    5) Conquistar a soberania, a partir da (i) revogao do tratado de Lisboa

    buscando a desmercantilizao dos servios pblicos; (ii) modificao dos

    tratados de livre comrcio com todas as conjunturas geopolticas; (iii) substituio

    dos memorandos econmicos por prestaes de contas transparentes e decises

    macroeconmicas prescindidas de debates e referendos prvios; (iv)

    obrigatoriedade de ratificao democrtica para mudanas constitucionais; (v)

    garantias jurdicas para a aplicao de referendos a nvel nacional e na UE; (vi)

    criao de mecanismos de controle democrtico e medidas anticorrupo atravs

    da criao de mecanismos de restrio profissionalizao da poltica e canais de

    transparncia pblica, com prestao de contas e acompanhamento de

    cumprimento dos programas eleitorais; (vii) reconhecimento do direito de

    deciso, isto , respeitar a autonomia dos povos;

    6) Recuperar a terra via (i) criao de novos critrios para uma poltica

    sustentvel na UE priorizando investimento e utilizao de combustveis no-

    fsseis, respeito biosfera, utilizao racional da terra etc.; (ii) acesso a gua para

    todos e punio queles que a desperdiam; (iii) alimentao saudvel livre de

    venenos e transgnicos, priorizando a agricultura sustentvel e cooperativa; (iv)

    energia a servio das pessoas, priorizando a produo limpa na produo,

    transportes e residencial, eliminando a produo de energia nuclear; (v) proteo

    integral do meia ambiente beneficiando os que preservam e punindo aqueles que

    devastam; (vi) desenvolvimento de zonas rurais a fim de reequilibrar a dinmica

    social da EU; e, (vii) proteo animal, punindo os atos de maus tratos, abandono e

  • trfico, alm de vigilncia em relao as espcies ameaadas de extino e apoio a

    entidades protetoras (Podemos, 2014).

    Os objetivos da proposta esto estruturados em trs linhas: econmica, com uma

    priorizao pelos mais pobres e vulnerveis; poltica, com uma proposta de democratizao

    radical das instncias decisrias, respeito autonomia e paridade, e aprofundamento das

    liberdades; sociais com reconhecimento, oportunidades, igualdade, sustentabilidade e

    equidade.

    De modo geral, possvel notar o Programa acaba por reunir diversos interesses

    difusos, de muitos grupos excludos ou com espaos muito reduzidos nas instncias de

    deciso da UE. Trata-se assim, de um Programa orientado para uma Multido, composta por

    diversos tipos sociais que habitam o mundo, mas em sua maioria em posies de dominados

    na sociedade europeia e, mais especificamente, na sociedade espanhola, da qual o Podemos

    causa e consequncia. Nesse sentido, a representao do partido estaria mais prxima da

    Multido uma vez que esto diversos diferentes outrora difusos, tais como das LGBTs,

    imigrantes, camponeses, estudantes, trabalhadores, desempregados, dentre outros. Mas seria

    essa configurao de um Programa amplo, com pautas representando as mais diversas

    minorias suficiente para essa caracterizao?

    Quando analisamos o Programa em sua densidade, perceptvel a priorizao de um

    modelo econmico e poltico orientado para um resgate econmico, gerao de empregos,

    reestruturao dos servios pblicos bsicos, com diversas propostas orientando nesse

    sentido.

    A crtica s polticas neoliberais permeia todo o documento, desde propostas a

    reestruturao e reestatizao de servios pblicos estratgicos, como sade, educao,

    pesquisa acadmica, telecomunicaes, energia, reforma tributria, dentre outros pontos.

    Assim, possvel notar como o Podemos enquanto grupo organizado tem uma leitura

    histrica muito prxima daquela realizada tanto por Standing, quanto por Hardt e Negri,

    identificando que a situao em que a maioria deles se encontram consequncia desse

    processo poltico-econmico hegemnico na Europa nos ltimo trinta anos.

  • Consideraes Finais

    Um dos fatores positivos que a novidade Podemos acrescentou ao campo poltico-

    democrtico bipartidrio da Espanha contempornea o vanguardismo da utilizao da

    internet para o debate e as deliberaes polticas. O partido espanhol contribuiu para a

    consolidao de uma forma de debate pblico que torna o representante um porta-voz de

    propostas e programas debatidos e deliberados com a participao de representados

    interessados em influenciar a poltica. Nesse sentido, experincias como as dos Crculos

    Podemos apresentam um importante material para anlise de grupos sociais e seus respectivos

    interesses, objetivos e anseios depositados nos canais das redes.

    Como j apontamos anteriormente, atravs da anlise do Programa Podemos

    possvel identificar caractersticas propostas no conceito de Multido, assim como no de

    Precariado, sendo que possvel notar uma maior predominncia de elementos inerentes ao

    segundo, uma vez que este est mais ajustado ao campo econmico e do trabalho na

    sociedade contempornea.

    Uma leitura comparada dos conceitos de Multido e Precariado nos indica que o

    primeiro parece ser aquele que melhor explica os movimentos de desobedientes (para utilizar

    um conceito claro a Pablo Iglesias do Podemos (Iglesias, 2009)) que continuam ocupando

    ruas e praas em diversas cidades do mundo, especialmente ps-2008, bem como aquele que

    mais orienta as estratgias das lideranas polticas, que tenta orientar seus discursos para la

    gente, aquela dominada, excluda e invisvel para o status quo poltico e econmico. No

    entanto, sua potncia e seu poder constituinte ainda parece limitado ou pouco perceptvel,

    pelo menos na Espanha, at o momento.

    Por outro lado, o conceito de Precariado parece ser aquele que melhor explica esses

    grupos se organizando em movimentos sociais e partidos polticos, especialmente quando o

    Nadie nos representa substitudo pelo S, Podemos!, com objetivos polticos mais

    claros, demandas em processo de organizao e abertura de espaos especialmente na

    internet para a criao de programas objetivos, traduzido na defesa da cidadania. Nesse

    ponto, possvel perceber a incidncia do tipo de precariado bomio ou progressista, da

    definio de Standing. Trata-se, antes de tudo, de um partido estruturado por jovens, na sua

    maioria com alto nvel de instruo, mas as maiores vtimas da crise, quando em determinado

  • momento, mais metade da populao economicamente ativa com at 25 anos esteve

    desempregada12

    .

    O conceito de Precariado tambm nos ajuda a comear a compreender a emergncia de

    um grupo poltico oposto ao Podemos, que passou a tirar votos deste e comea a aparecer

    como outra alternativa plausvel para a superao de PP e PSOE: o Ciudadanos13

    , partido com

    nove anos de vida pouco relevante at o final de 2014 mas que, com a adeso de polticos

    oriundos dos partidos tradicionais, aliados a uma liderana jovem de Albert Rivera e a uma

    apropriao da forma do Podemos, passou a ser o principal responsvel pela migrao da

    maioria dos votos que outrora colocava o partido de Iglesias como favorito nas eleies

    gerais, mas que no momento esto tecnicamente empatados14

    O discurso do Ciudadanos voltado para uma suposta racionalidade poltica ante o

    radicalismo do Podemos, com um discurso populista, de promessas para os mais pobres,

    criao de emprego etc., sem necessariamente abrir para que as pessoas interessadas

    participem. No entanto, o partido utiliza canais de internet como uma espcie de ouvidoria

    para aqueles que queiram expressar suas necessidades e demandas. Aqui, a tese de Standing

    passa a ser ainda mais perceptvel, quando notamos que o grupo caracterizado como atvicos,

    muito sensvel a estes discursos e forma de ao poltica. No entanto, essa uma nova

    hiptese que tambm necessita de pesquisa mais cuidadosa, para em seguida colocar em

    dilogo com o Podemos.

    Um acesso ao material completo dos debates dos Crculos pode contribuir para uma

    melhor compreenso das caractersticas desse grupo como classe social, permitindo uma

    opo conceitual mais bem acabada para a compreenso do fenmeno Podemos e,

    principalmente, dos seus entusiastas vidos por serem representados e por Democracia Real

    Ya!. Assim, certamente contribuir para um debate mais avanado acerca dos representantes

    e de seus representados.

    Para tambm avanar, outro caminho que se apresenta interessante analisar os

    discursos das principais lideranas polticas do Podemos, bem como a forma que canais da

    mdia tradicional espanhola apresentam e questionam o partido dos Indignados a partir de sua

    participao no campo poltico espanhol.

    12

    Disponvel em . Acesso em

    01/05/15. 13

    Stio do partido disponvel em < https://www.ciudadanos-cs.org/>. Acesso em 01/05/2015. 14

    Disponvel em < http://politica.elpais.com/politica/2015/05/07/actualidad/1430989220_519474.html>. Acesso

    em 07/05/2015.

  • Ao fim e ao cabo, o que possvel notar, que o Podemos aparece como um

    representante de um grupo que, se no novo ou emergente como o Precariado, ou to

    homogneo como a Multido, trata-se antes de tudo, de uma nova configurao de classe sem

    representao, sem emprego, insegura e sem grandes expectativas de futuro dentro da

    conjuntura atual, e ainda em construo, o que em parte explicaria a vulnerabilidade poltica

    desse grupo. Ainda assim, a tendncia que encontremos diversos outros movimentos

    parecidos e possivelmente inspirados no caso do Podemos, especialmente em democracias

    liberais, cujas metas do supervit primrio foram colocadas frente das metas sociais nos

    ltimos trinta anos.

    Nesse sentido, a aposta do Podemos em orientar-se para a representao e dilogo com

    um grupo mais amplo e contemporneo que no aquele reduzido a noo de proletariado,

    inicialmente parece acertada e, provavelmente, orientar diversos outros movimentos, tanto na

    Espanha como j o faz o Ciudadanos - quanto em outros pases, com grupos tanto

    esquerda quanto direita; de novos agentes e atores polticos, quanto de velhos transformados

    ou convertidos nova poltica.

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