sousa_jusamara-aprender e ensinar música no cotidiano_pp.189-211

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    Editora Meridional, 2008CapaLetcia LampertRevisoSimone Diifellbach Borges2 edio revisadaCaren Capa verdeProjeto grfico e editoraoNiura Fernanda SouzaEditorLuis Gomes

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    Bibliotecria Responsvel: Denise Mari de Andrade Souza - CRB J(J/960A654 Aprender e ensinar msica no cotidiano / org. por

    ]usamara Souza. - Porto Alegre: Sulina. 2009.287p. (Co1eo Msicas) - 2 edio.ISBN: 978-85-205-0509-01. Msica. 2. Msica - Ensino. L Souza. ]usamara

    cnn 780cnu 372.878

    78

    Todos os direitos desta edio reservados Editora Meridional LtdaAv. Osvaldo Aranha, 440 cj. 101 - Bom FimCep: 90035-190 - Porto Alegre - RSFone: (Oxx51) 3311.4082Fax: (Ox:x51) 2364.4194www.editorasulina.com.bre-mail: [email protected]/2009

    SUMRIO

    Aprender e ensinar msica no cotidiano: pesquisas e reflexesjusamara Souza

    7

    Discutindo a autoaprendizagem musicalMarcos Kroning Corra

    13

    Msica,juventude e mdia: o que osjovens pensam e fazemcom as msicas que consomem

    Helena Lopes da Silva39

    Msica na palma da mo: ligaes entre celular,msica e juventude

    Adriana Bozzetto59

    Aprender msica pela televisoSlvia Nurles Ramos

    75

    A formao e a atuao musical mediadas pela televisol- mia Malagutti Fialho

    95

    Aprendendo a ser DJTuciane Araldi

    119

    Coeducao musical entre geraes\faria Guiomar Ribas

    141

    A aula de msica na escola: reflexes a partir do filme.Hudal/a de Hbito 2: mais loucuras no COI/vento

    Lilia Neves Gonalves167

    Espaos de atuao e formao de regentes corais:os desafios do contex:to

    Lcia Iixeira189

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    CONGRESSO BRASILEIRO DE CINCIAS DA COMUNICAO(INTERCOM), 21., 1998, Recife. Anais ... Recife: 2001. Disponvel em: Acesso em: 14mar. 2004.

    SOUZA,Jusamara. (org). Msica cotidiano e educao. Programa de PsGraduao em Msica Mestrado e Doutorado, Porto Alegre. 2000.

    STEINBERG, Shirley R Kindercultura: a construo da inrancia pelasgrandes corporaes. ln: SILVA, Luiz Heron da; AZEVEDO, Jos Clvisde; SANTOS, Edmilson Santos dos (org). Identidade social e a construo doconhecimento. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Educao de Porto Alegre- Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1997. p. 98-145.

    TEIXEIRA, Ins Assuno de Castro; LOPES, Jos de Sousa.Apresentao. ln: org).A escola vai ao cinema. Belo Horizonte: Autntica,2003. p. 9-23.

    WEBB, Michael. Rock goes to school on screen: a model for teachingnon- learned musics derived fram the films School of Rock (2003) andRock School (2005). Action, cristicism and Theory for Music Education v. 6, n. 3, p.;

    I f 51-72, novo 2007. Disponvel em:

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    observaes de ensaios e apresentaes dos coros pertencentes sempresas Magister e Letho1

    A empresa Magister prestadora de servios. Sua matriz emBraslia e possui filiais em diversos estados do pas. A regente contratadapara a filial do Rio Grande do Sul chama-se Joana. Seu grupo coraliniciou as atividades como coro misto a quatro vozes e, em razo dedemisses e excesso de trabalho dos funcionrios da empresa, quepassaram a no conseguir deixar seus setores para participarem do ensaio,perdeu muitos cantores. poca da pesquisa,j no contava mais comos quatro naipes tradicionais de vozes porque, segundo a regente, nohavia "gente pra montar as duas vozes masculinas". O grupo possuaem torno de treze cantores, com um nmero significativamente maiorde vozes femininas.

    Cl A empresa Letho produz bens de consumo, e o regente do coroC chama-se Alinardo. O grupo conta com trs naipes de vozes: sopranos,lo\, contraltos e tenores; raramente h baLxos. De forma similar ao que ocorria[;t com o coro da empresa Magister, tambm o grupo da empresa Lethor r perdia, eventualmente, alguns cantores em razo de demisses. Onmero de participantes por ensaio era bastante varivel, dependendo-.

    :L: do tipo de atividade exercida pelo/a funcionrio/a na empresa e do perodode maior ou menor volume de trabalho. Durante a coleta de dados paraIr''.'0 a pesquisa, o grupo possua em torno de quinze cantores.o,\", Neste captulo, sero abordado s o papel que desempenha a msicao'''''' coral no ambiente das empresas, como os regentes selecionam o repertr io

    para esses grupos e que interferncias esses contextos apresentam aotrabalho do s regentes. Essas questes so trazidas reflexo uma vez que,na prtica coral, raramente se discute sobre os aspectos do entornorelacionados com o trabalho dos regentes.

    2. O que a msica faz na empresa2.1 A organizao do lazer

    Para Dumazedier (1976, p. 101), a organizao dos lazeres constituiuma nova preocupao das empresas modernas . O autor cita oenvolvimento das instituies com diversas atividades voltadas a seusfuncionrios, tais como as realizadas em datas comemorativas e a ofertade prticas esportivas. Comenta sobre a promoo de competies1 Tanto os nomes das empresas quanto dos regentes entrevistados so t1ctcios.

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    esportivas, especialmente de partidas de futebol entre as empresaspesquisadas, afirmando que "esses tipos de encontro e seu modo depreparo determinam frequentemente um certo estilo no trabalho deproduo e na formao dos operrios. Inmeros mtodos deaperfeioamento profissional inspiram-se em tcnicas da pedagogiaesportiva" (Dumazedier, 1976, p.100). Segundo Parker (1978, p.88), asempresas costumam empregar mtodos de concorrncia, cooperao ecompetio prprios dos esportes, lembrando que numerosos programasde melhoria e treinamento do trabalho tm-se inspirado em tcnicasbem conhecidas dos treinadores esportivos. Dessa maneira, e por suascaractersticas, o canto coral tambm integra essa categoria de atividadesvoltadas ao corpo funcional das empresas.

    As instituies assinalam uma preocupao crescente com otrabalhador/cidado, e as atividades de lazer passam a ser identificadascomo veculo privilegiado para a melhora da qualidade de vida"

    (Madsen, 2003, p.100). Essas atividades podem, segundo Schwartz(2003), proporcionar recompensas pessoais e alcanar "o centro dodesenvolvimento das competncias huma nas e da aquisio de qualidadede vida" (p.139-140). A autora prossegue:

    Surge a necessidade, cada vez mais urgente, de asempresas adaptarem-se s novas abordagens sociais,s mudanas axiolgicas do perfil de exigncia defuncionrios no mercado, tendo que remodelar seusprogramas de aes, no sentido de catalisar novosrumos para a ascenso de elementos essenciais, como a nfase nos aspectos da criatividade, da inovao,dos relacionamentos interpessoais, das relaesI produtivas no trabalho, entre outros, que se tornamvitais para a sua sobrevivncia. (Schwartz, 2003,p.140-141).

    Os coros de empresa, em geral, so criados pelas prprias instituies, e sua prtica oferecida aos funcionrios como uma opo delazer, podendo integrar programas de ualidade e Vida Sendoconsiderado como uma atividade de lazer, mui tas vezes ao lado de outrasopes, tais como dana e ginstica, o canto coral na empresa tem porobjetivo principal congregar os funcionrios da instituio.

    Segu ndo Joana, regente entrevistada, essas atividades cumprem afuno de marketing interno, ou seja, servem para vender a empresa para

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    os funcionrios, fazer os empregados se agregarem . Conformeinformaes obtidas com a ex-coordenadora do coro da empresa Magister,com o qual Joana trabalha, a presidente da empresa cunhou a expresso"empresa muscular", em uma referncia energia gerada pela prticaesportiva e de como, na sua viso, as atividades do programa Qualidadede Vida apresentam-se imbricadas com as da empresa. Dela partiu a ideiade criao dos coros nas unidades da empresa, sendo a principalincentivadora dessa atividade.

    Dessa maneira, o canto coral na empresa apresenta-se aosfuncionrios como atividade de lazer e pode cumprir, tambm, funesmais especficas, tais como proporcionar uma melhoria nos relacionamentos entre colegas de trabalho, promover a criatividade, a e:-''Pressopessoal e at mesmo a competio entre os funcionrios. importanteque ol regente compreenda os papis que desempenha essa prticamusical nesse ambiente especfico e o quanto as demandas da instituiopodero influenciar o curso de seu trabalho.2 2 A interferncia d s empresas na atividade coral

    O cotidi ano das empresas interfere no trabalho coral. Os funcionrios so submetidos, diariamente, a uma sobrecarga de trabalho que fazcom que, na maioria das vezes, excedam seu horrio de expediente.Constata-se, assim, uma dicotomia: ao mesmo tempo em que asempresas criam e mantm a atividade coral voltada aos funcionrios,geralmente dificultam a sada dos profissionais de seus setores. ConformeJoana:

    s pessoas so muito pressionadas pela questo dotrabalho. So muito exigidas, no podem sair antes,no podem sair no horrio, no podem nem sair nohorrio; quem sai no horrio tachado de preguioso. A presso muito grande e, por outro lado,no tem o apoio da empresa. uma coisa muitoestranha Eles criaram o coral, mas, e agora? Cad oapoio? [...] Eu acho estranho, porque isso umacoisa assim ... eu no entendo como que funcionaisso, porque nacionalmente parece uma coisaimportante ter o [programa Qualidade de Vida]

    Todas as movimentaes dos funcionrios em relao a deixar otrabalho para cantar no coro seja nos ensaios ou em apresentaes

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    demandam negociaes entre os cantores e as suas chefias. Em geral, ocoordenador do coro quem tem a tarefa de convencer os chefes dos vriossetores da empresa representados por seus funcionrios na atividade corala liber-los do trabalho durante aquelas horas em que o grupo precisa sereumr.Joana relata que nem sempre fcil para os cantores de ixarem seussetores para virem aos ensaios: "as pessoas no facilitam, os chefes nofacilitam para os seus funcionrios virem trabalhar", e comenta:Quando as pessoas comeam a sair do trabalho paravir para o coral, [os chefes] comeam a torcer a cara.Teve at um caso de uma cantora que era de umdeterminado setor que eu no sei qual , tin ha umamenina que participava [do coro] e tinham maisduas meninas daquele mesmo setor que queriamparticipar. E a elas vieram e, numa vez, vieram fazero teste. No dia seguinte, quando elas volta ram parao trabalho, o chefe: , pois Agora. mais genteVai esvaziar o meu setor, aqui Todo mundo vaiquerer ir para o coral, vou ficar sem ningum aquipara trabalhar, n?" E elas acabaram desist indo, novieram mais. Duas contraltos, at. Ento, assim, ascoisas vo.

    s chefias parecem considerar que o funcionrio est optando porum lazer em vez do trabalho". Para Joana, "no uma opo. So duascoisas que seguem paralelas, no tem que optar por uma ou por outra".O conflito entre funcionrios e chefias diante do impasse trabalhollazer traz reflexos para a atividade coral- e, consequentemente, para olaregente -, uma vez que o coro torna- se secundr io ao ritmo de exignciasde produtividade da empresa sobre seus empregados. Outrascircunstncias com as quais ola regente precisa lidar podem, ainda, sercitadas, tais como o nmero inconstante de cantores que, pelas demandasda empresa, no co nseguem deixar seus setores para virem aos ensaios,pois o acmulo de trabalho lhes impede.

    Nas empresas pesquisadas, em todo final de ms, havia uma quedasignificativa no nmero de cantores que compareciam aos ensaios, poismuitos deles eram oriundos dos setores financeiro ou de recursoshumanos e precisavam fechar o balano do ms. Outros chegavamatrasados ao ensaio, tambm impossibilitados de deixarem suas tarefas

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    incompletas. Assim, os regentes trabalhavam com os poucos cantoresque ali estivessem para ensaiar e precisavam pedir a permisso para asada dos funcionrios diret amente s suas chefias vez ou outra, quandohavia uma apresentao marcada.Para Alinardo, ao refletir sobre essas questes, o trabalho com ocoro de empresa um improviso , pois, em um certo sentido, o trabalhomusical que precisa encontrar seu espao dentro de um ambiente que,muitas vezes, lhe , at mesmo, adverso. Nesse sentido, uma dascompetncias do/d a regente coral saber lidar com essas especificidadesda empresa e planejar seus ensaios considerando-as e buscando umrepertrio possvel tanto no sentido msico-vocal quanto levando emconta o nmero de cantores disponveis em mdia por naipes de vozes.

    3 O que ol regente de coro faz na empresa3 1 A escolha do repertrio possvelA populao flutuante gerada pelas faltas e pela efemeridade doscantores dos coros traz desafios ao trabalho dos regentes, especialmenteno tocante ao repertrio possvel de ser desenvolvido. Tanto Alinardoquanto Joana lidam com um repertrio a trs partes - duas vozesfemininas e uma masculina -, em razo do reduzido nmero de vozesmasculinas em seus grupos. O nvel de dificuldade dos arranjos outrofator a considerar,j que trabalham com cantores que apresen tam estgiosde percepo musical por vezes bastante diferentes.SegundoJoana, a complexidade de alguns arranjos e s necessriasrepeties das partes podem tornar os ensaios exaustivos. Nesse sentido,d preferncia a arranjos que apresentem menor complexidade rtmicomeldica, nos quais s vozes interajam de forma que os cantorescompreendam sua construo.Ainda em relao aos critrios para a escolha do repertrio, ressaltaa importncia de montar o repertrio de maneira harmnica , variandoo carter das msicas. Aborda tambm a importncia de serem escolhidasmsicas simples para comporem o repertrio do grupo. Nesse sentido,salienta que no gosta de arranjos simples demais, aquelas coisascompletamente em unssono ou que parece que no enriquecemn11to .Por sua vez, Alinardo considera peas polifnicas como exemplosde obras difceis. Afirma que, atualm ente, seu grupo tem condies decantar somente msicas simples , nas quais o raciocnio da composi o

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    relativamente evidente . Em sua opinio, o repertrio para o coroiniciante deve ser simples, bsico , isto , que d pra cantar facilmente ,que seja compreensve l . Para ele, simples significa poder trabalharmelodias curtas com o coro, sem muitos saltos e que possam ser elaboradaspelo grupo. importan te evidenciar o desenvo lvimento da msica aosolhos [dos cantores] de forma que eles possam compreender tudo ouquase tudo o que ocorre em termos musicais.Muitas vezes, por conta das interferncias do contexto descritas

    anteriormente e para que ocorra a prtica vocal nesses espaos, devefazer parte da habilidade do/da regente a escrita de arranjos para o grupode vozes que tem disposio.3 2 A escrita de arranjos para os coros de empresa

    Segundo Joana, o repertrio que busca desenvolver com o grupodeve trazer as vozes com movimenta o mais paralela, evitando que sejamuito contrapontsti ca. O arranjo deve ser escrito para trs vozes, duasfemininas e uma masculina, em razo do reduzido nmero de cantores;a parte para s vozes masculinas no pode ser nem aguda nem gravedemais por reunir bartono s e tenores, e a das contraltos deve ser maisgrave em relao das sopranos, a fim de que possam ser facilmentedistinguidas.A regente pensou tambm em escrever arranjos a duas vozes, umafeminina e outra masculina, com o intuito de proporc ionar aos cantoresum repertrio cuja leitura se desse de forma mais rpida e mais fluente.Embora tenha adaptado arranjos de outros autores, salienta que prefere,em caso de necessidade, escrever um arranjo novo para a msicaescolhida, pois fica co m um pouco de medo de estar mexendo no arranjode outra pessoa .Para ela, um arranjo aquele que tem uma boa conduodas vozes e que a linha de cada voz seja fcil, mas no banal , no sentidode que os cantores se enjoem de cantar aquilo . A linha de cada voz temque provocar um certo interesse, evitando saltos muito estranhos , e sdissonncias devem ser empregadas de forma que nem se note que sodissonncias . Considera importa nte a escrita de arranjos com um nvelde dificuldade que o coro tenha condies de realizar satisfatoriamente.

    J o regente da empresa Letho, Alinardo, tem evitado escrever aquatro vozes para o grupo, buscando trabalhar arranjos a duas vozesfemininas e uma masculina, pois dificilmente aparece algum cantorpara integrar o naipe dos baixos. Quando utiliza arranjos a quatro partes,procura escreverde forma funcional em que, mesmo no contando com

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    Se fosse um coral da empresa pra ir cantar s naCatedral, a seria uma outra jogada, mas ali no,como o pblico deles o mesmo tipo de pessoa, omesmo ambiente que convive, o mesmo trabalho, amesma formao, o mesmo nvel econmico, tudomais ou menos o mesmo; ento, eu tenho aimpresso que, se eu satisfizer o coro, vai satisfazer opblico deles. Eu me preocupo muito em agradarlhes, porque eles quem tm que estar interessadosem cantar o repertrio, eles quem tm que estar

    muitos cantores comearam, prontamente, a cantar a melodia. Emseguida, ela chamou a ateno de todos para que retornassem msicaSina de Djavan, que estavam ensaiando. Um dos tenores, ento,comentou que, aps cantar YCsterday " brabo cantar dum, dum , numareferncia ao tipo de acompanhamento que realizavam no arranjodaquela msica.

    Esse aspecto da dificuldade de entendimentoda estrutu ra de algunsarranjos outro fator a ser levado em conta pelos regentes durante a suaelaborao. Alinardo, ao referir-se dificuldade dos cantores nacompreenso de determinados arranjos, afirma: "no bvio que eutenha que cantar 'l' aqui enquanto o outro [cantor] canta a melodia".Assim, no momento da escrita, h algumas questes a serem consideradaspelos regentes: a a possibilidade de fazer com que o tema da ms ica sejacantado por todos os naipes em uma espcie de "costura" meldica; b)nos trechos onde alguns naipes realizam o acompanhamento ao tema,h a necessidade de uma explicao aos cantores sobre por quedeterminadas vozes, em alguns momentos, cantam como acompanhamento; c outr o aspecto que faz despertar um maior interesse pelo arranjorefere-se possibilidade de todos os cantores poderem cantar um texto,adaptado da prpria letra da msica, que lhes faa sentido, ao invs deslabas de acompanhamento tais como dum , "l", entre outras.3.3 A realizao de escolhas que agradem aos cantores e aopblico

    No caso dos coros investigados, pode-se perceber uma preocupaode cantores e regentes com o estabelecimento de empatia e comunicaoentre o coro e seu pblico. Em ambos os casos, o interesse principalsempre foi agradar ao pblico mais imediato, ou seja, aos colegas daempresa e s chefias dos diferentes setores. Joana comenta:

    2 As moa da Vila Bela no tem mais ocupao e s vive na janela namorando Lampio~ ---=--=--=. --

    1.> 4 ; ~ ~ ~ : - ,:.,:, ,:, :- ';.0. .1 r:- - t =- r ~ f : = - : = ; ~ ; _ ~ , r = ; ~ ' : i : : - - ~ . - ~ -

    Uh

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    ~ : ~ . - L ~ b ; ; - ; - - ~ g ~ ~ : ; : l =-T J-. ~ - - ; . - J t ~ ~ ~ 1 Lam pI i a des ceu a Iser ra deu um bat leemCa Ja zel ra 80 tauI I__ - ... I: s J --. iIL j

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    =-=;: ~ _r--: T?t::1' ; ; ~ t - _ : = = C J c : i ' } r d : = - C = ~ da Tumeenl si naa fa zer )ren da Q'euten i si noa na mo I rer: I \ i" l~ ~ ~ - ~ - g - G - ; = ? = - J J ~ R - f 7 ~ 1 = ~ L _ - i - - - ~ ~ ~ - ~ ~ ~ I ~ I 1 Tumeen SI naa ta zer ren da Q'eurenl S noa na mo rar J

    I i I i i~ + = 9 : L l ~ = ~ : = - c ~ ~ - - ~ J J : . ~ . ~ = r ~ c J q . : ; ~ d Tumeen si naa fa zer ren da Q'eli'en si noa na mo rar

    A, T ~ ~ : - : ~ ~ ~ t ~ ~ - t ~ _ = , , ~ ~ : r f ~ = . ~ = f ~ ~ ~ o l I Mui ren i de ra 1 O \ lei I mui ren), I I 1 ' '1 I b I I. .. ..--- - " = - - = - + ' : ' , _ + : f , = , l : = - : = - - - o ~ . : : ; c = ~ , = s - d : : ; : : : : : $ ; ; . , . ~F ~ r . =E_3:1 . - 1.j . " . : : : . - . - - + . r - ~ - l.- ~ J . . I ..... ~ - - - - - ........ - - t - - - - - - - - - _ . - ~ o,

    II O I l MUI ren I de ra t O l -------: mUi reoI I J I , I7 ' 1 = t ~ k r ( ~ c f - = g ~ t : } ; ~ ~ d c ; ' t , , . l : : f . c d ~ i f 1

    O l' MUI ren de ra O l' Mui reo

    A no compreenso de um arranjo coral ficou evidente em um dosensaios observados do coro da empresa Magister, quando Joanaapresentou ao grupo um arranjo da msica YCsterday dos Beatles, e

    cantor repr esentante daquele naipe, o arranjo seja vivel tambm a trsvozes. Dessa maneira, escreve uma voz mais grave que, se retirada, nocompromete a execuo do arranjo. Harmonicamente, utiliza-se de"baixos falsos", pois "as trs [vozes] tm que estar fechando em cima.[...] O baixo fica s com fundamentais". Como exemplo, segue seuarranjo paraMui Rendera escrito para o coro da empresa:

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    .e:\..L.:f(:...

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    interessados em participar do coral pra poder tercoral, pra poder funcionar, pra poderem se comumcar com essas pessoas.o repertrio imp ortante a ser desenvolvido com o grupo deve sercomposto por msicas que os cantores gostem e que consigam cantar;segundo Alinardo, msicas que as pessoas tm mais ou menos no ouvidoe que no esto distantes de sua realidade experiencial . Esse repertrio,

    em geral, pertence msica popular brasileira (MPB).Na escolha das msicas, o regente tem-s e preocupado em agradaraos cantores, em primeiro lugar. Os cantores, por sua vez, preocupam-se

    em agradar a seus colegas da empresa e ao pblico em geral, nonecessariamente o pblico normal de coral , mas os parentes dos prprio scantores e os demais funcionrios da empresa. s vezes ocorre, tambm,de essas pessoas suge rirem msicas para o coro, que podem ser aceitas ouno. Para o regente, o importante que o repertrio seja do agrado doscantores e que o pblico tamb m aprecie, a fim de que possam estabeleceruma comunicao.3 4 A opo pela MPB

    No canto coral, so utilizados com frequncia arranjos de MPB.Em geral so materiais a duas, trs ou quatro vozes mistas ou escritospara vozes iguais. Muitas vezes, os prprios regentes precisam escreverpara seus grupos a partir do repertrio sugerido por eles ou, ainda, emrazo das possibilidades musicais do coro.

    Conforme Joana, para conquistar o pessoal para o trabalho coral,os arranjos de msica popular brasileira so os mais indicados em razode o texto ser em portugus e de os cantores se identificarem com o queesto cantando.O coro da empresa Magister passou por uma grande transformaodurante o perodo cm que estive cm campo: alguns cantores abandonarama atividade coral e outros funcionrios que cantavam foram demitidosda instituio. Assim, a regente teve de se adequar s circunstncias eem vista do reduzido nmero de vozes masculinas, procurou realizaralguns ajustes nos arranjos de msicas a quatro vozes que o grupo jconhecia, adaptando-os a trs partes. Assim, Joana aproveitou, porexemplo, o arranjo da msica Sossego de Tim Maia. Alm de ser umamsica muito conhecida, outro aspecto importante e que tambmcontri buiu para a identificao dos cantores com ela foi o fato de que essearranjo continha elementos de percusso corporal e movimentao

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    cnica dos naipes. Por essa razo, a aprendizagem da cano mobilizavaagrupo.A opo pela MPB alm de propiciar uma prtica musical maissignificativa para os cantores por meio de um maior envolvimento coma atividade coral, tambm proporciona uma aproximao entre grupocoral e pblico. Embora se utilize desse repertrio para a prtica coral,Joana parece no se satisfazer com alguns r r ~ o s por ela denominadosde simples e faz o seguinte comentrio sobre um arranjo de UlmosFugir de Gilberto Gil:

    [Esse arranjo] no tem dificuldades para o grupo.Claro, eles tiveram uma dificuldade natural. Aindatem notas que eles misturam. As contraltos vo probaixo, sei l o qu. Mas uma msica simples, umaestrutura simples, tranquila de fazer, sem grandesdificuldades. diferente da antasia [ChicoBuarque] que uma coisa mais elaborada. Simplespor qu? Porque t em partes homofnicas, tem ummonte de coisa em unssono.

    Porm, referindo-se relatividade do termo simples , acrescenta:Se fosse um coro para o primeiro dia que todas aquelas pessoas estivessemcantando, provavelmente no seria simples .Muitas vezes, o repertrio considerado simples diminudo emsua importncia, entendido como no interessante. Para a escolha dorepertrio por parte dos profissionais, o ideal que o foco esteja centradona motivao dos cantores para cantar a msica escolhida. Tecnicamente, da atribuio do/da regente conhecer as possibilidades de seu grupopara poder escrever ou adaptar arranjos a ele; porm. simplicidade noarranjo no significa que a msica torne-se desinteressante. Amanuteno do interesse no trabalho tambm demanda do profissionalcriatividade na elaborao ou adaptao dos arranjos e competncia noplanejamento do ensaio, a fim de que obtenha uma realizao musicalsatisfatria.3 5 A utilizao d s msicas da mdia no coroTornar as prticas msico-vocais de crianas, adolescentes e adultosmais significativas e envolventes pode requerer dos regentes um olharmais cuidadoso para a questo das msicas veiculadas pelas mdias,independentemente do gnero ou de seu gosto musical.

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    Focando os dois casos especficos da pesquisa, de canto coral adultono contexto das empresas, tambm a alguns cantores manifestaram avontade de cantar os repertrios de suas vivncias. Em um dos ensaios,um cantor do coro da empresa Letho perguntou ao regente se o grupono poderia cantar uma msica que tivesse apelo popular, tal como umpagode. Nesse aspecto, Alinardo revela-se contrrio transposio paraa linguagem coral de alguns gneros musicais. Consciente de seupreconceito com relao a alguns deles, considera que alguns gnerosno se prestam elaborao de arranjos corais.

    Nesse particular, os regentes, especialmente aqueles com formaoacadmica, lidam com um aspecto muito delicado, pois, durante toda asua formao, o repertrio estudado para coro fundamentado na tradiocoral, seja ela europeia - em sua maioria - ou mesmo na msica brasileiraescrita originalmente para coro e, em geral, para coro misto a quatro vozes.Aqui aparece uma questo relevante, que est relacionada ao papel dosregentes como educadores musicais. Assim, compete a esses profissionaiscompreenderem, tambm, que todos os cantores, de alguma forma, tmalgum contato com msica, seja ela qual for, e que um caminho para umacompreenso musical mais rpida e eficaz talvez possa se traduzir peloaproveitamento de seus gostos musicais pelo/a regente, uma vez que osmateriais musicais encontram-se em todas as msicas. Para Souza (2000,p. 39), agindo assim, os professores [regentes] conseguem saber maissobre a real experincia esttica e musical) do aluno [cantor] e sua posioperante ela , alm de ajudarem a promover uma educao musical atravsda voz mais significativa para seus cantores.

    Cabe lembrar ao/ regente/educador/a seu papel de mediador, poisao mesmo tempo em que precisa preocupar-se com o resultado estticomusical do trabalho realizado, ou seja, com o produto musical paraapresentaes do coro, no deve esquecer seu papel de educador, comum olhar de formador, preocupado em compreender e acolher asdiferentes experincias musicais de seus cantores, aproveitando seuscontedos para o trabalho musical. Dessa forma, os ensaios do coroconquistam um outro carter, com o/a regente ocupado/a em aproveitarrepertrios de seus cantores, possibilitando-lhes um maior envolvimentocom a prtica coral e, ao mesmo tempo, apresentando-lhes outrasmsicas, promovendo uma verdadeira troca entre cantores e regente.Assim, o ensaio torna-se o centro do processo de ensino-aprendizagem eo foco de interesse do/da regente/educador/a, que abandona a prtica desimples treinamento/memori zao das vozes para dar lugar a encontroscom significados verdadeiramente musicais.

    2 I BIBLIOTECA FFCLRP

    3 6 A coexistncia de repertrios: faz sentido?O repertrio do coro da empresa Magister composto, em sua

    maioria, por arranjos de MPB. H, tambm, uma pea sacra e uma msicarenascentista com texto em alemo. ParaJoana, importante a inclusoda msica erudita no repertrio do coro, salientando alguns de seusaspectos didticos: possibilita que os cantores conheam outras msicasque no somente a popular; permite um trabalho mais homofnico dasvozes, como em um coral de Bach, por exemplo; proporciona melhordesenvolvimento das questes meldicas, que, em sua opinio, ficammais restritas na msica popular . A regente afirma, ainda, que consideraimportante realizar algumas peas eruditas porque elas propiciam umanoo mais de continuidade, harmonia. A msica popular tem muitacoisa de ritmo que s vezes te atrapalha um pouco pra tu prestar atenona afinao, na harmonia . A regente demonstra uma preocupaolegtima com relao ao desenvolvimento da afinao e da escutaharmnica, porm preciso ressaltar que tambm existem msicas,dentro do repertrio popular, que permitem a escrita de arranjos maishomofnicos, que visem a esse trabalho especificamente.

    Na opinio da regente, alguns aspectos devem ser considerados naescolha do repertrio, tais como: nvel de dificuldade meldica,harmnica, de articulao, de velocidade, de respirao e de afinao.Deve-se levar em conta ainda o texto, especialmente se estiver em idiomaestrangeiro. Joana comenta que, no incio da atividade, o grupo rejeitouuma msica com texto em ingls. Com o passar do tempo, no entanto,aceitaram a uga 3, uma obra da renascena, de Michael Praetorius,cujo texto em alemo arcaico. Apesar de os cantores terem apresentadoalguma resistncia no princpio, depois de aprendida a melodia, que serepete em todos os naipes, passaram a brincar e rir com a pronncia dotexto.

    De outro lado, Alinardo apresenta opinio diferente sobre a questoda incluso ou no de repertrio erudito no coro da empresa. Para ele,h a necessidade de identificao dos cantores com o repertrio escolhido.Dessa maneira, comenta sobre uma pea renascentista que, em certapoca, realizou com o grupo:

    Eles nunca entenderam muito bem do que se trataaquela msica, qual a import ncia de fazer aquilo,n? Da eu fiquei pensando: T, mas eles noentenderam muito a msica... valeu a pena eusatisfazer de repente a mim [mesmo], uma vez que

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    eles [os cantores], pelo menos nesse momento, noconseguiram entender a necessidade de fazerrenascena ou que importncia isso tem?

    o comentrio de Alinardo revela um importante momento dereflexo do regente cm relao escolha do repertrio para o coro. Afinal,quem deve sentir-se motivado a cantar o repertrio? Em que medida amsica escolhida tem importncia para os cantores tanto quanto para 0/a regente?

    Embora sejam procedentes as argumentaes tcnicas da regenteJoana em favor da incluso da msica erudita no repertrio do coro daempresa, a escolha de uma linguagem musical mais prxima dos cantorese do pblico talvez possa representar um caminho menos longo para sealcanar um ensino-apr endizagem mais significativo e efetivo. Assim, amsica erudita torna-se importante como possibilidade de ampliaodo conhecimento musical do grupo em um momento posterior de maioramadurecimento musical.

    preciso, tambm, considerar as atuais reflexes da rea da educaomusical sobre a necessidade da busca de prticas musicais mais significativas para aqueles que delas participam. Dessa forma, torna-seimperativo compreender como regente/educadores que os materiaismusicais encontram-se presentes em todas as msicas - sejam elas dordio ou dos programas de TV - e que ao/ regente/educador(a) cabersaber explorar, atravs de arranjos corais, as possibilidades e o crescimentomusical de seu grupo.3 7 A transposio de determinados gneros music is para alinguagem coral

    O espao da empresa evidencia o/a regente como um/a mediador/a cm relao s expectativas do trabalho com o coro perante os cantores,seus colegas de empresa, a institu io e suas prprias expectativas comoregente/educador/a. No centro dessa mediao encont ra-se a escolha dorepertrio, que deve contemplar, de alguma forma, a experincia musicalcotidiana dos funcionrios/cantores. A questo que aqui se coloca comoconsiderar essas vivncias musicais.

    Alinardo salienta que, de vez em quando, surgem alguns pagodescomo sugesto dos colegas dos cantores funcionrios da empresa:

    Um dia eu ainda vou ter que fazer, no tem outrojeito. Eu t me preparando, um dia eu vou ter que

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    fazer um troo bem assim mas, enfim, que algunsat no vo gostar de cantar, mas se for pra agradarno sei quem, ou pra can tar ali pra alguns colegasdeles mais animados, tudo bem, n?

    Com relao ao rap o regente comenta sobre uma das gincanas daSemana Interna de Preveno de Acidentes de Trabalho (SIPAT), ocasioem que no teve escolha, pois a premiao da equipe ven cedor a envolviao coro:

    Ia ganhar o melhor rap de segurana no trabalho. Amelhor composio musical. Da os funcionriosfizeram. E o prmio era o coral cantar a msica dolouco. O primeiro, o segundo e o terceiro lugar. Dans apresentamos. Msica simples, n? [...] Eu,ento, pus o som de rap no teclado mesmo: tum,tum, tch [sonorizando]; botei eles a fazer o r poTaga-taga-t-taga-t, e tal. Essa at que foi bemsucedida.

    Alinardo, ao escrever arranjos, imagina com antecedncia o quedeve funcionar para aquele grupo especfico. Na escolha das msicas,leva em conta aquilo que tenha potencial de transformao : aquelasmsicas que, transformadas em arranjo coral, permaneam interessantes,com algum sentido .

    Com relao ideia de execuo de um repertrio que parta davivncia dos cantores, Alinardo traz outra questo para reflexo: osarranjos corais como releitura das msicas, e no como simples cpias.O problema , para de, que as pessoas querem cantar exatamenteaquilo como porque elas querem imitar o grupo. [ ] difcil tu fazer;tu vai fazer o arranjo, no mais aquela msica, c as pessoas queriamcantar o pagode porque ele era um pagode; logo, no resolve, nofunciona . Dessa forma, essa questo precisa ser considerada pelo/aregente no momento da escolha do repertrio para a realizao de umarranjo coral, pois a transposio de qualque r gnero musical para alinguagem coral sofre uma transformao.

    Com relao ao rap a situao se assemelha:No faz sentido tu transpor um rap que uma coisauma pessoa falando [sic] se tu transpes para o coro

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    falando, ento, l pelas tantas acaba eu acho que oideal seria compor um rap coral. Acho que seria maisjusto com o rap, porque a moral do rap so doiscamaradas improvisando. [ ] Por que que tu vaifazer uma coisa falada com um grupo polifnicopor natureza? Mas se houvesse uma transposiohbil, nada contra. Talvez o problema do gosto estejana transposio. A questo de fazer uma transposiovivel, uma transposio funcional. [...] Pra quefazer um troo com o coro que poderia ser feito poruma pessoa? Da a transposio no faz sentido. Achoque tem que haver um sentido na transposio, sim.Tem que acrescentar.

    Alinardo no v sentido em um coro, um grupo polifnico pornatureza , realizar um gnero musical que se caracteriza por apresentara parte vocal falada . No entanto, sugere a composio de um rapcoral , um hbrido entre as duas linguagens, aproveitando as caractersticas de uma e de outra e buscando fundi-Ias.

    Ao convidar funcionrios da empresa que tocam alguminstrumento musical, Alinardo consegue envolv-los e aproxim-losdos outros colegas que cantam no coro, porm, o foco central para adiscusso permanec e sendo: possvel cantar qualquer gnero musicalno canto coral?

    Alinardo responde parte da questo: h sempre um transporte dequalquer gnero musical para o canto coral. Mesmo que o grupo coralcante um pagode, um rap ou msica sertaneja nas respectivas maneirasde cantar, ainda assim ocorrem transposies, pois o grupo coral norepresenta um grupo de qualquer um dos gneros acima, e questesbastante marcantes e especficas de alguns desses gneros se perdem, taiscomo a relao corporal que se encontra intimamente relacionada aprendizagem musical aural que ocorre por meio da imitao (Prass,2004).

    Assim, em sua prpria dinmica de funcionamento, o canto coralsubverte essa pedagogia de aprendizagem musical, pois conta com autilizao da escrita musical (partitura), de um/a professor/a (regente), eo movimento corporal tambm no uma caracterstica fundamenta lpara a aprendizagem. Alm disso, ao realizar o transpo rte desses gnerospara o canto coral, o/a regente deve ter conscincia de uma inevitveldescontextualizao social, como no caso do r po Esse gnero musical,

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    por exemplo, nasceu na periferia dos grandes centros urbanos, e os temasabordados pelas letras das msicas so, em geral, de denncia em relao situao social dessas comunid ades , em sua maioria formadas por afrodescendentes. Dessa maneira, a apropriao desse gnero por outrosgrupos sociais - embora mantendo as caractersticas da msica e talvezat a sua forma de produo, como a maneira de can tar e a utilizao dosrecursos tcnicos - descaracteriza o propsito pelo qual foi criada.

    4 Como os regentes atuam nas empresas?4 1 Arranjos inacabados

    Uma forma de tornar os ensaios mais interessantes para regente ecantores pode dar-se por meio da utilizao de arranjos semiprontos ouainda de arranjos que tragam sugestes de ideias para a criao coletiva.

    Alinardo afirma que, cada vez mais, tem dado preferncia a arranjosmeio inacabados, onde se possa elaborar , e tem evitado os arranjos

    prontos, nos quais a nica possibilidade cantar o que est escrito.Salienta que procura escrever especialmente para o coro e que, quandoprocura por arranjos de outros/as regentes, d preferncia queles queapresentem melodias que podem ser cantadas por diferentes naipes e/oupodem ser superpostas.

    Por sua vez, Joana comenta que atender s reivindicaes doscantores em termos de repertrio demanda-lhe, com frequncia, escreverarranjos para o grupo. Mesmo assim, gosta de trabalhar dentro de umesprito democrtico , permitindo, durante os ensaios, certa liberdade

    aos cantores no sentido de sugerirem, inclusive, pequenas alteraes nosarranJos.

    Alinardo comenta a realizao de um espetculo de msicabrasileiracom a participao ativa dos cantores. O repertrio para co mporesse espetculo previa representaes musicais de todas as regies dopas. Como no dispunham de muito tempo para o trmino das leiturasdas obras selecionadas, o regente props algumas peas com efeitos como,por exemplo, uma msica indgena - Tche Nane recolhida e adaptadapor Marlui Miranda - na qual o coro possui apenas duas melodias quepodem se sobrepor e ser realizadas tambm como cnone. Alm disso,incentivado pelo regente, o grupo criou uma ambientao sonora comas vozes, para a floresta. Outras msicas foram cantadas ora por vozesfemininas, ora pelas vozes masculinas, porm em unssono, acompanhadas por piano ou violo.

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    o regente apresenta-se muito flexvel com relao possibilidadede trabalhar com arranjos semiprontos, ou seja, arranjos que permitamuma adaptao para o grupo disponvel para a realizao do trabalho.Um bom exemplo seu arranjo de ui rendera a trs ou quatro vozes,dependendo do nmero de naipes disponveis no coro, j comentadoanteriormente. Alinardo desenvolveu, tambm, a habilidade de adaptarou modificar arranjos no momento do ensaio conf orme sua necessidade.4 2 Coro acompanhado versus coro a cappe a

    No comum aos regentes de coros brasileiros, contarem comum pianista acompanhador em seu trabalho coral. Para Alinardo,acompanhar o grupo ao teclado uma prtica diria de ensaios. Elemesmo o faz e acompanh a o grupo tambm em apresentaes. Em certaocasio, apareceu um cantor que tambm tocava cavaquinho. Esse cantoracabou acompanhando o coro em um samba. O regente cita, ainda, autilizao de instrumentos de percusso pelos prprios integrantes docoro em parte do repertrio, alm do acompanhamento de uma msicagacha realizado por um violonista, seu amigo, em uma apresentaodo grupo.Alinardo no se preocupa com a questo de o coro cantar seurepertrio, na maior parte das vezes, com acompanhamento, pois estmais interessado em que o resultado seja bonito, e no que sejaacappel/aou que seja difcil . Porm , segundo ele, essa questo do acompanhamento uma questo polmica e remete tradio do curso superiorde msica de privilegiar o coro a capeI/a:

    Tem uma crena generalizada de que, por mais queo coro seja iniciante, tu tem que prepar-lo para queseja um coro a cappel/a. Claro est que eu no faoisso. Isso uma coisa que foi ouvida l [durante agraduao]. claro est que ... pxa, os caras toaprendendo a afinar, no vai ser a cappel/a n?Nesse aspecto, considera que o coro iniciante, exatamente por estaraprendendo a afinar , necessita de apoio harmnico e utiliza o teclado

    como acompanhamento sistemtico ao trabalho.A regente Joana, por sua vez, lamenta no ter desenvoltura nopiano para poder acompanhar o coro em algumas msicas. Em sua

    de msicas vocalmente menos elaboradas com o grupo, podendo tornaros ensaios mais dinmicos e menos cansativos, nos quais os cantorespassem mais tempo cantando e usufruindo do prazer de cantar.Sobre a capacidade de realizao de acompanhamento do coro,especialmente ao piano, Moore (1999) destaca:Laboratrios de piano em universidades e professoresparticulares de teclado enfatizam hoje, mais que empocas anteriores, a necessidade de professores demsica e regentes corais desenvolverem habilidadesfuncionais ao piano . Essa necessidade se relacionacom a habilidade de conduzir vocalizes a partir dopiano, de realizar um acompanhamento, e de tocaraspartes vocais a partir da grade. Tal habilidadefuncional requer uma preparao que pode di terir dodesenvolvimento de habilidades mais tradicio-nais em piano. A prtica persistente neste mbito necessria. possvel atingir o nvel desejado dessaaptido, a qual obviamente, essencial para o sucesso do ensaio em certas situaes. (Moore, 1999, p.49).

    Buscando uma alternativa para a questo do acompanhamentodo coro, Joana conheceu o trabalho musical de trs funcionrios daempresa que tocam guitarra, baixo e bateria e formam uma banda.Salientou sua qualidade de execuo instrumental e revelou a disposio e interesse desses funcionrios em acompanhar o coro. Na suaopinio, talvez a juno do acompanhamento da banda em algumasmsicas pudesse tornar o trabalho do coro mais motivador para todosos envolvidos.

    Embora essa atividade possa demandar mais tempo de envolvimento tanto dos funcionrios/cantores quanto dos funcionrios/instrumentistas e doia prprio/a regente, os ganhos so significativosno somente em termos de motivao com o trabalho musical, mastambm com relao visibilidade do grupo coral dentro da pr-pria empresa. O produto musical pode se tornar, assim, bem maisinteressante para funcionrios e para a empresa qu e contrata o serviodoia regente.

    opinio, tocar instru mentos harmnicos como o piano ou o violo, almda possibilidade de servir como apoio para a afinao, permi te a realizao j 207206

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    4 3 Cantar com as tecnologiasH muitas controvrsias quanto utilizao da tecnologia comoaliada prtica coral ou ao trabalho doia regente, pois a atividade coral

    vem de uma tradio que estimula e at certo ponto, enaltece o cantocoral a cappella.Na opinio deJoana, o/a regente tem que ter condies de executar

    um acompanhamento instrumental com o coro. A msica Oh HappyDay de Edwin Hawkins, foi escolhida como pea de confronto para umencontro de coros, e a regente acatou a sugesto dos cantores de incorporla ao repertrio do grupo para cant-la tambm na empresa. Gerou, dessaforma, a necessidade de realizao de um acompanhamento instrumental,j que o arranjo da msica possua muitos espaos vazios , uma vez quefi escrito para coro e piano. Assim, Joana criou uma base instrumentalutilizando-se do computador e realizou sua gravao em CD:

    Eu botava o CD a rodar e o pessoal cantava em cima,e eu regia, lgico. E ento, quer dizer, uma coisaque eu sempre achei assim: ai, que horror playbackno sei o que , mas que, por exemplo, eles queriamfazer aquela msica, a gentej tava ensaiando aquelamsica, n? A nica maneira de a gente apresentarera com acompanhamento. Como que a genteia contratar um pianista? Eu, pra tocar, at conseguiria tocar aquilo ali, por no ser muito difcil, maseles eram muito dependentes tambm de eu estarregendo e a eu, ento, resolvi gravar mesmo ...mas fora isso, quer dizer, at eles so dependentesporque eu no tenho a prtica de estar acompanhando eles no piano.

    Anteriormente a esse episdio, a utilizao de playback no acompanhamento do canto coral era coisa que Uoana] achava o absurdo dosabsurdos . A partir do surgiment o da necessidade de realizao de acompanhamento ao coro e no tendo, momentaneamente outra alternativa,precisou reconsiderar sua opinio sobre essa prtica. preciso, porm, certo cuidado na seleo de timbres e elaborao de arranjos em playback para que o acompanhamento torne-se,tambm, um elemento musicalmente interessante na interao com ocanto coral. Alm disso, cabe ao/ regente o equilbrio de intensidade

    i

    Para Alinardo, o/a regente deve ser criativo/a em sua atuao epermitir a criatividade dos cantores. Como exemplo de um ensaio criativo, em um dos encontros com o grupo, o regente realizou a leitura deuma msica com auxlio do progra ma de edio de partituras Encare e dodatashow. O ensaio resultou mais atraente para todos, com a possibilidadede os participantes cantarem acompanhando a mesma partitura e emdiferentes combinaes de vozes.Vale ressaltar ainda, nesses casos apresentados de utilizao deprogramas de computador, a emergncia de uma competncia profissional extra-acadmica manifestada pelos dois regentes e desenvolvidapor eles no percur so de suas experincias profissionais: o conhecimentosobre a utilizao de programas especficos de msica que lhes permitiua realizao dos trabalhos.

    5 Consideraes finaisCada vez mais, os regentes prec isam estar em constante formao,

    em conexo com o mundo sua volta, estabelecendo uma relao detroca com seus cantores e com o contexto especfico onde a atividadecoral ocorre, procurando estarem atentos s necessidades do meio e poroutro lado, buscando instrumentalizarem-se a fim de poderem responders demandas de seu trabalho.

    Nas entrevistas realizadas, os profissionais toram unnimes aoapon tare m a capacidade de serem flexveis como uma das competnciasa serem desenvolvidas por profissionais que queira m trabalhar com corosde empresas. Atuando nesses ambientes, precisam compreender adinmica de seu funcionamento, enquanto espao que lida, em seu dia adia, com demisses de pessoal e novas contrataes. Essa efemeridade/rotatividade do context o vai, sem dvida. afetar tambm o trabalho doiaregente no coro. Assim, o profissional precisa, por vezes, realizar arranjose/ou adaptaes corais que viabilizem o trabalho independentemente donmero de cantores e naipes disponveis.

    Outra questo relacionada flexibilidade para lidarem com coros deempresa estassociada obrigatoriedade de os regentes aceitarem no grupoqualquer empregado interessado no canto coral, uma vez que essa , emgeral, uma atividade ofertada a todos os funcionrios, sem restries. Muitasvezes, essa prtica toma os grupos bastante heterogneos no que diz respeitoaos nveis de percepo musical de seus participantes, e o/a regente precisarentreplayback e coro. encon trar solues para o trabalho msico-vocal em conjunto.

    .

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    Ramalho, Nunez e Gauthier (2004) chamam a ateno para aquesto das competncias quando ressaltam a importncia de o profissional buscar autonomia crescente e a elevao do nvel de sua qualificao para que possa enco ntrar suas prprias respostas, pois a aplicaode regras exige menos competncia do que a construo de estratgias(Ibid., p. 61). Nesse sentido, a utilizao pelos regentes de arranjos prontosno traz solues para as especificidades de um determinado grupo coral;somente a ret1exo acerca das possibilidades msico-vocais do grupo edos recursos disposio doia regente po dero promover alternativascriativas e interessantes para todos.

    Aos regentes/educadores musicais cabe a reflexo sobre o seu papelcomo facilitadores da aprend izagem musical, ten do, para isso, o cuidadode torn -la o foco do processo. Dessa forma, necessrio que o/a profissional, alm de ocupar-se com as questes especficas relativas suaposio como regente do grupo, mantenha ntido o compromisso com odesenvolvimento musical dos cantores e com a manuteno de seuconstante interesse pelo trabalho. Nesse sentido, o/a regente precisa estaratento/a no somente ao repertrio de seu agrado, mas tambm s msicaspreferidas de seus cantores. Para esse profissional no tarefa fcil realizaresse tipo de reflexo, uma vez que sua formao inicial no foi focada noensino-aprendizagem musical, mas em sua prpria peiformance e noestudo de obras musicais relevantes dentro da histria do canto coral.

    Conforme j mencionado, os aspectos inerentes ao contextoespecfico onde a atividade coral est inserida - independentemente sena empresa ou em qualquer outro espao de atuao pr ofission al- e suasinterferncias no trabalho doia regente desafiam-no/na a considerarlhes no planejamento e na con duo de seu trabalho. Ao compreender oambiente e as circunstncias que o cercam, o/a profissional regente levado a desenvolver seu trabalho com as caractersticas daquele gruposocial e espao especficos. Da mesma forma, o entend iment o dos aspectosmicrossociais que influenciam esse trabalho ajuda a revelar e a valorizara singularidade de cada prtica coral imersa em diferentes contextos.

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