sonia maria clareto universidade federal de juiz de fora ... · o ponto alto da festa é a...

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UMA ESCOLA SE FAZ FESTA: ATRAVESSAMENTO INDISCIPLINAR Sonia Maria Clareto Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil Lucas Esteves Dore Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil Paulo Ricardo Ramos Pereira Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil Resumo: Uma pesquisa que se ocupa com a matemática acontecendo na sala de aula é tomada por um acontecimento outro: atravessamento indisciplinar. Congada, Folia de Reis. Uma escola de periferia se faz centro e toma a cultura africana como elemento curricular. Indisciplinarmente se faz entre tambores e roupas e cores e histórias e fotos e quadros. Entre Reis e Rainhas e súditos e violões e canções e cores e cabelos tecidos em tranças e mais cores... Uma escola que se faz festa. Uma festa que se faz currículo. O dentro e o fora, o centro e a periferia, o curriculo disciplinar e o atravessamento indisciplinar, professor e aluno: coengendramento que constitui uma vida, uma escola. Palavras-chave: Escola. Cultura Africana. Indisciplinaridade. Vida. Resumen Una investigación preocupada con las matemáticas que sucedem em la classe y que és alcanzada por un acontecimiento otro: cruzamiento indisciplinar. Congada, Folia de Reis. Una escuela periférica que se hace centro y coje la cultura africana como un elemento curricular. Interdiciplinarmente se hace en- tre tambores y ropas y colores y historias y fotos e pinturas. Entre Reyes y Reinas y súbditos y villanos y canciónes y colores y cabellos tejidos en tranzas y más colores... Una escula que se hace fiesta. Una fiesta que se hace currículo. El adentro y el afuera, el centro y lo periférico, el currículo disciplinar y el cruzamiento indisciplinar, profesor y alumno: Coengendramiento que constituye una vida, una escue- la. Palabras clave: Escuela. Cultura africana. Indisciplinaridad. Vida. UMA ESCOLA SE FAZ FESTA: ATRAVESSAMENTO INDISCIPLINAR À volta da fogueira, os mais velhos disseram vão então caçar nuvens que já fogem de nossos olhos Nós pedimos um guia armas, munições e farnel para a longa jornada Mas eles sorriram terão de levar apenas estes sons de tambores na memória Caçadores de Nuvens, do poeta angolano João Melo

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Page 1: Sonia Maria Clareto Universidade Federal de Juiz de Fora ... · O ponto alto da festa é a coroação da rainha e do rei do congado. ... Com toda minúcia, um currículo trança vai

UMA ESCOLA SE FAZ FESTA: ATRAVESSAMENTO INDISCIPLINAR

Sonia Maria ClaretoUniversidade Federal de Juiz de Fora, Brasil

Lucas Esteves DoreUniversidade Federal de Juiz de Fora, Brasil

Paulo Ricardo Ramos PereiraUniversidade Federal de Juiz de Fora, Brasil

Resumo:Uma pesquisa que se ocupa com a matemática acontecendo na sala de aula é tomada por umacontecimento outro: atravessamento indisciplinar. Congada, Folia de Reis. Uma escola de periferia sefaz centro e toma a cultura africana como elemento curricular. Indisciplinarmente se faz entretambores e roupas e cores e histórias e fotos e quadros. Entre Reis e Rainhas e súditos e violões ecanções e cores e cabelos tecidos em tranças e mais cores... Uma escola que se faz festa. Uma festaque se faz currículo. O dentro e o fora, o centro e a periferia, o curriculo disciplinar e o atravessamentoindisciplinar, professor e aluno: coengendramento que constitui uma vida, uma escola. Palavras-chave: Escola. Cultura Africana. Indisciplinaridade. Vida.

ResumenUna investigación preocupada con las matemáticas que sucedem em la classe y que és alcanzada porun acontecimiento otro: cruzamiento indisciplinar. Congada, Folia de Reis. Una escuela periférica quese hace centro y coje la cultura africana como un elemento curricular. Interdiciplinarmente se hace en-tre tambores y ropas y colores y historias y fotos e pinturas. Entre Reyes y Reinas y súbditos y villanosy canciónes y colores y cabellos tejidos en tranzas y más colores... Una escula que se hace fiesta. Unafiesta que se hace currículo. El adentro y el afuera, el centro y lo periférico, el currículo disciplinar y elcruzamiento indisciplinar, profesor y alumno: Coengendramiento que constituye una vida, una escue-la.Palabras clave: Escuela. Cultura africana. Indisciplinaridad. Vida.

UMA ESCOLA SE FAZ FESTA: ATRAVESSAMENTO INDISCIPLINAR

À volta da fogueira, os mais velhos disseram vão então caçar nuvens

que já fogem de nossos olhos Nós pedimos um guia armas,

munições e farnel para a longa jornada Mas eles sorriram

terão de levar apenas estes sons de tambores

na memória Caçadores de Nuvens, do poeta angolano João Melo

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II SIEFPE – Faced-UFJF – Outubro de 2015

Uma escola é a atravessada pelo indisciplinar e entra em festa

Uma pesquisa que, junto ao estudo da processualidade da sala de aula de matemática

nos anos finais do ensino fundamental, coloca questões: que matemáticas acontecem nesta

sala de aula? Como a matemática escapa e faz escapar a própria matemática daquilo que

constitui a matemática curricular? Como se dá a formação do professor de matemática neste

espaço escolar? A processualidade da sala de aula de matemática se faz nas relações de forças

(DELEUZE, 1976) que a constituem: professor, alunos, currículos, conteúdos matemáticos e

não matemáticos, pensares e dizeres, movimentos. A formação se dá em processo, na

processualidade das relações de forças que constituem a sala de aula, a escola (KASTRUP,

2005). Entretanto, a investigação1 em uma unidade escolar do sistema municipal de ensino da

cidade de Juiz de fora (MG) foi se mostrando em outros possíveis: um currículo indisciplinar

atravessa a escola arrastando tudo – alunos e professores, direções e coordenação, pais e

mães, saberes e regras disciplinares... – para lugares inimagináveis. Neste artigo tratar-se-á de

uma escola – entre muitas que se fazem naquela unidade escolar – que se faz em uma festa.

Uma festa que se faz currículo. Congada2, Folia de Reis. O que estas festas têm a ver com

currículo em uma escola? O que estas festas têm a ver com a formação docente? Que

formação docente?

Uma escola se fazendo pelas e nas bordas

Uma roda de meninosCantando igual sabiá

Meninos de pé no chão

1 A investigação aqui referida vem sendo realizada em uma escola municipal da cidade de Juizde Fora, desde setembro de 2013. A pesquisa intitulada “Por uma Educação Matemática Menor: currículo e formação de professores junto à sala de aula de matemática” tem o financiamento da CAPES e da FAPEMIG, no Edital de Apoio à Pesquisa na Escola Básica (Acordo CAPES/FAPEMIG, Processo nº APQ 03480-12). Os autores deste artigo são da equipe executora do projeto, sendo um deles coordenador do projeto e os demais, bolsistas de Iniciação Científica. Este projeto interroga a sala de aula e a matemática como acontecimento neste espaço tempo denominado “sala de aula de matemática”. Entretanto, uma escola são muitas e uma sala de aula vaza por tempos e espaços. Uma vida vaza na escola, encharcando espaços, tempos em formações éticas, estéticas e políticas.

2 “Podemos caracterizar o congado como um folguedo luso-afro-brasileiro que tem suas origens ligadas à devoção de Nossa Senhora do Rosário e aos santos pretos (santa Efigênia e são Benedito), mas também remete a uma viagem no tempo dos ancestrais, aos chamados veios congadeiros” (PELIZZONI, 2007, p. 57, destaque do autor).

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De chapéu de fita e chocalho na mão3

3 Música composta coletivamente por uma professora da escola e seus alunos, crianças do primeiro período da Educação Infantil (PELIZZONI, 2007, p. 54).

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II SIEFPE – Faced-UFJF – Outubro de 2015

Tambores se fazem ouvir. Sons intensos e ritmados: vêm lá de fora. De fora da escola. Sons

do fora que se fazem presença. Sons do fora que se fazem no dentro. O de fora invade o de

dentro, arromba. Escola arrombada.

O ritmo movimenta corpos: não deixa o corpo parado. Os pelos nos corpos ficam inquietos.

Os sangues nos corpos ficam agitados. Agitação alegre, contagiante, contagiosa. O de dentro é

invadido. Escola invadida.

No centro do pátio da escola, um palco. Peles, pelos e carnes balançam na batida forte e

ritmada. Uma mão se ergue em um, dois, três e... para!!. Um breve silêncio. Silêncio invasor

inunda o pátio da escola. Escola em silêncios.

Um violão vem lambendo o corredor do pátio agora já, de novo, barulhento. Reis e rainhas

cantam erguendo espadas de madeira, enquanto se lançam na canção que incendeia a todos.

Escola incendiada.

Quem dera escutar meu bem me chamarBatendo tambor

É do baque virado dos apaixonadosBater o tambor

Escutar meu bem me chamarCom seu zabumbar que pulsa no peito

Tambores de branco tambores de pretoBatendo tambor

Tambor encarnado tambor coronárioCoração tambor

Tambor de trabalho tambor operárioMartelo tambor

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Escola em vibração. Corpos em vibração.

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II SIEFPE – Faced-UFJF – Outubro de 2015

Escola arrombada. Corpos arrombados.

Escola invadida. Corpos invadidos.

Escola em silêncios. Corpos em silêncio.

Escola incendiada. Corpos incendiados.

Um corpo que sente e vibra com os pulsares de uma escola que tamborzeia e violeia e canta e

dança e...

Que escola?

Uma escola. Portas abertas, paredes pintadas, crianças correndo. Barulho de escola. Jeito de

escola. Cheiro de escola. Portões abertos. Uma escola de periferia que toma a cultura africana

como elemento curricular. Indisciplinarmente se faz entre tambores e roupas e histórias e

cores e fotos e quadros. Entre Folias e Congados. Entre Reis e Rainhas e súditos e violões e

canções e cores e cabelos tecidos em tranças e mais cores... Tudo remete à cultura africana.

Uma escola festeira, em festa. Congado, Folia. Uma escola que faz festa do congado, todo

final de ano. O ponto alto da festa é a coroação da rainha e do rei do congado. Eles reinarão

durante todo o ano seguinte4.

Uma rainha e um rei. Meninos e meninas. Gente de escola que, na escola, se envolve com

modos outros de constituir uma vida. Uma potência. Vida.

A Rainha menina e o Rei do Congo tornaram-se personagens, foramcoroados. Houve cortejo, toque de tambor, alegria e folia. (BORGES, 2011,p. 175).

Uma escola que faz uma festa com

tambores e danças e canções

africanas. Uma escola que dança o

Jongo. Uma escola que se faz festa.

Uma festa que se faz currículo.

4 Nesta escola, a coroação é levada muito a sério e os coroados, rei e rainha, fazem valer seu papel durante todo o ano, tanto na organização das festas e demais atividades da escola quantonas ações do cotidiano escolar.

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Os alunos participam da festa. Eles fazem a festa. Os professores participam da festa. Eles

fazem a festa. Os familiares participam da festa. Eles fazem a festa. Dançam. Tocam

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UMA ESCOLA SE FAZ FESTA: ATRAVESSAMENTO INDISCIPLINAR

instrumentos. Ocupam o pátio. Dançam juntos. Tocam juntos. Cantam juntos. Mãos dadas.

Olhos atentos. Corpos em atenção. Vibração. Alegrias.

“Ai morena,tenho muito o que fazer

tenho roupa pra lavar, ô morena e botão para colher,

vou embarcar na diligência das onzehoras,

trem de ferro inda não veio, chegouagora.”

Ai Morena, Jongo da Serrinha

Que currículo é praticado nesta escola que se faz festa? Um currículo alegre? Um currículo

que se move na alegria? Um currículo festa?

O que pode um currículo atravessado pelo indisciplinar? O que pode um currículo para além e

para aquém das disciplinas curriculares?

Aqui, nesta escola, das muitas escolas que se fazem em uma unidade escolar, um currículo

indisciplinar vai se mostrando... mas como se dá este currículo? Há currículo no indisciplinar

das disciplinas? Há currículo no indisciplinar de uma festa? Há currículo?

Um currículo trança. Um currículo em trança. Trançado, laçado, tecido.

Currículo acontecimento que se abre em múltiplas entradas. Que se abre em múltiplas

possibilidades. Em tranças. Tramando com materialidades, signos, pensares, quereres,

sentires, movimentos, repousos, rapidez e lentidão, corpos, cores, nomes...

Quando essa pretaComeça a tratar do cabelo

É de se olharToda trama da trança

Transa do cabelo

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Conchas do marEla manda buscar

Prá botar no cabeloToda minúcia, toda delícia...

Beleza Pura, Caetano Veloso

Com toda minúcia, um currículo trança vai sendo tramado, trançado a elementos

indisciplinares, misturando saberes, cores, corpos, sons: o que pode um currículo trança que

se compõem em toda trama da trança? Que currículo?

Currículo como atualização de saberes que se dão na dinâmica mesmo da vida escolar, na

dinâmica mesmo da constituição de um território existencial5. Um currículo trançado entre um

dentro e um fora do currículo, entre um dentro e um

fora da escola... A trança acontece sempre nos

entre!!

“Que linda trança ela fazQue tudo se amansa

Que linda trança ela fazAquela criança...”6

Entre crianças e sons e batuques e tambores e pais e

mães e adolescentes e professores e alunos... uma

relação, uma composição que vai se dando entre saberes curriculares disciplinares, que se

colocam, junto a uma certa tradição, como saberes necessários e pretendidos; e saberes

indisciplinares, que atravessam os disciplinares, incomodam...

Mães que assumem sua negritude e, devidamente adornadas, se lançam ao desfile das

candidatas a rainhas: cores e tranças e força e vitalidade e mais mulheres e mais dignidade e

5 “O fato de se formar em Territórios existenciais singulares lhe confere, com efeito, uma potência de heterogênese, quer dizer, de aberturas para processos irreversíveis de diferenciação necessários e singularizantes” (GUATTARI, 1992, p. 29).

6 Cantiga ouvida na escola, quando crianças cantavam embaladas pelo som de um violão de uma das professoras que trabalha com Educação Infantil. A cantiga é de autoria dessa professora.

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beleza. Mistérios dos (des)caminhos da vida, da escola, dos currículos moventes, que dançam

sua dança alegre e implicada com a vida.

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Como se constitui um currículo?

Um currículo é um composto heterogêneo, constituído por matérias dísparese de naturezas distintas; por saberes diversos e com capacidades variadas;por sentidos múltiplos e com inúmeras possibilidades. Um currículo estásempre cheio de ordenamentos, de linhas fixas, de corpos organizados, deidentidades majoritárias. Porém um currículo, também, está sempre cheio depossibilidades de rompimento das linhas do ser; de contágios que podemnascer e se mover por caminhos insuspeitados; de construção de modos devida que podem se desenvolver de formas particulares (PARAÍSO, 2009, p.278).

Uma trança, alegre em suas cores múltiplas.

Mas, também, o currículo se move por entre os indisciplinares: seus atravessamentos mais

densos, mais intensos, às vezes afirmam a vida, às vezes negam a vida. De todo modo, se

debatem com e na vida.

Uma escola alegre, em festa, festeja um currículo igualmente em festa, indisciplinar.

Folia.

Um currículo, uma parede, uma porta, carteiras, cadeiras, janelas, um portão, uma professora,

um dentro, um fora, um muro, um sino, um recreio, um lanche, um material escolar, canetas,

lápis, borrachas, lapiseiras. Um boletim, uma reunião, uma reprovação, uma vida. Tudo em

festa. Uma festa viva. Com tranças, com saias, coletes, espadas, rainhas, reis, violões e

tambores. Uma mão se ergue em um, dois, três e... para!! E faz festa. E traz um currículo

indisciplinar lambendo o pátio da escola, agora, indisciplinar. É possível uma escola

indisciplinar? Uma matemática indisciplinar? É possível um fazer indisciplinar na escola, na

matemática? Na vida?

O que pode uma escola indisciplinar? O que pode uma matemática indisciplinar? O que pode

um fazer indisciplinar na escola, na matemática? Na vida?

Um currículo como processo, como uma usina de produção que não cessa de produzir efeitos.

Efeitos formativos. Um currículo como um processo ético, estético e político. Efeitos éticos,

estéticos e políticos de um currículo que se faz, fazendo-se. Um currículo que se (in)venta no

indisciplinar de uma escola. Currículo-trança que arromba um espaço escolar e produz vida.

E produz uma escola. E produz umas vidas. E se produzem vidas...

E a formação?

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A escola se lança em formações. É lançada a formações. De professores e de alunos e de pais

e de mães e de currículos e de pensares e de vida e vidas...

Formação? Processo ético e estético e político...

[...] um abalo no hábito de pensar o professor como agente de um saber queele domina. Sem dúvida, ele foi iniciado em algum saber, mas o que está empauta nesse ponto é sua efetiva e atual participação na experiência do seupróprio aprendizado, enquanto busca de algo que o desafia, que ultrapassasua compreensão imediata das implicações do seu próprio saber, da situaçãoem que ele atua e do campo problemático que o envolve com os outros.Trata-se de um aprendizado, pois essa busca não depende simplesmente deuma boa vontade do professor [...] (ORLANDI; 2011, p. 148-149).

Uma formação indisciplinar, que invade o disciplinar da formação... Para além e para aquém

de qualquer disciplina curricular, de qualquer currículo disciplinador, uma formação vai se

dando e um indisciplinar vai rondando, esgarçando, compondo... Formação em processo.

Uma escola se faz (em) festa e inventa um currículo e inventa uma formação.

Meu sinhô, minha senhoraPreste já muita atenção

Quem chega agora no terreiroÉ o reizinho do congo

Pra alegrar seu coraçãoVersos de cortejo da coroação do rei e da rainha do congo

(PELIZZONI, 2007, p. 55)

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Referências

BORGES, Andrea Medeiros. Memória de crianças em crônicas de escola: modos de lembrar,de narrar e de ser. Juiz de Fora: Programa de Pós-Graduação em Educação/UniversidadeFederal de Juiz de Fora, 2011. Tese (Doutorado em Educação).

DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro: Rio, 1976.

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.

KASTRUP, Virgínia. Políticas cognitivas na formação do professor: o problema do devir-mestre. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 93, p. 1273-1287, 2005.

ORLANDI, Luiz B. Deleuze – entre caos e pensamento. In: AMORIN, Antônio Carlos;GALLO, Silvio; OLIVEIRA JUNIOR, Wenceslao Machado (Orgs.). Conexões: Deleuze eimagem e pensamento e... . Petrópolis: De Petrus, 2011.

PARAÍSO, Marlucy A. Currículo, Desejo e Experiência. Educação e Realidade, Porto Alegre,v. 34, p. 277-293, mai/ago 2009.

PELIZZONI, Gisela Marques. Jogando as cinco pedrinhas: história, memória, cultura popular,infância e escola. Juiz de Fora: Programa de Pós-Graduação em Educação/UniversidadeFederal de Juiz de Fora, 2007. Dissertação (Mestrado em Educação).

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