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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA SONDAGEM DE ESCRITA ESPONTÂNEA DE CRIANÇAS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO LUIS GOMES RN 2016

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

SONDAGEM DE ESCRITA ESPONTÂNEA DE CRIANÇAS NO PROCESSO DE

ALFABETIZAÇÃO

LUIS GOMES – RN

2016

MARGARETE MARIA DE MARILAC LEITE

SONDAGEM DE ESCRITA ESPONTÂNEA DE CRIANÇAS NO PROCESSO DE

ALFABETIZAÇÃO

Artigo Científico apresentado ao Curso de

Pedagogia a Distância do Centro de

Educação da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, como requisito parcial

para obtenção do título de Licenciatura em

Pedagogia.

Profª Orientadora: Ms. Cleucy Meira

Tavares Lima

LUIS GOMES – RN

2016

SONDAGEM DE ESCRITA ESPONTÂNEA DE CRIANÇAS NO PROCESSO DE

ALFABETIZAÇÃO

MARGARETE MARIA DE MARILAC LEITE

Artigo Científico apresentado ao Curso de

Pedagogia a Distância do Centro de

Educação da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, como requisito parcial

para obtenção do título de Licenciatura em

Pedagogia.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Ms. Cleucy Meira Tavares Lima (Orientadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_____________________________________________________

Esp. Carmélia Regina da Silva Xavier

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________________

Ms. Rúbia Kátia Azevedo Montenegro

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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SONDAGEM DE ESCRITA ESPONTÂNEA DE CRIANÇAS NO PROCESSO DE

ALFABETIZAÇÃO

Margarete Maria de Marilac Leite1

Cleucy Meira Tavares Lima2

RESUMO

O presente artigo trata de mostrar a importância do professor alfabetizador realizar testes

de sondagem no processo de alfabetização. Sabendo-se da relevância dos estudos da

psicogênese da língua escrita para mediar o trabalho do alfabetizador, então, levantou-se a

proposta para investigar e analisar os níveis de escrita apresentados pelos alfabetizandos da

Escola Estadual Vicente de Fontes, em José da Penha - RN. Portanto, o corpus da

respectiva pesquisa é a escrita espontânea de dez alunos, em fase de alfabetização,

regularmente matriculados no Ensino Fundamental I. É uma pesquisa de cunho descritivo-

qualitativo, que tem como principais referências Ferreiro e Teberosky (1985), Ferreiro

(1995) e Morais (2012). Desse modo, verificou-se que há crianças com idade avançada e

que ainda se encontram em hipótese de escrita bastante inferior para sua faixa etária,

necessitando assim de intervenções do professor para fazê-lo avançar no processo de

alfabetização e letramento.

PALAVRAS-CHAVE: Psicogênese da língua escrita. Teste de sondagem. Alfabetização.

ABSTRAT

This article shows the importance of teacher to do the probing test in the alphabetization

process. Knowing the relevance of the studies of the psychogenesis of the writing language

to mediate the work of the teacher, was proposed to investigate and analyze the levels of

writing presented by learners at Escola Estadual Vicente de Fontes in José da Penha – RN.

So, the corpus of the mentioned research is the spontaneous writing of ten students, in

phase of alphabetization, enrolled in the Elementary School I. It is a descriptive and

qualitative research and it is based theoretically by Ferreiro e Teberosky (1985), Ferreiro

(1995) and Morais (2012). Therefore, it was verified that there are children with advanced

age and that still are in writing event lower its age, requiring of the interventions of the

teacher to do to advance in the process of alphabetization and literacy.

KEYWORDS: Psychogenesis of the writing language, probing test, Alphabetization.

1 Graduanda em Pedagogia pela UFRN – [email protected] 2 Orientadora Mestre em Educação pela UFRN – [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

Por muitos anos pensava-se que o indivíduo alfabetizado era aquele que possuía o

domínio das letras, sílabas, fonemas e grafia das palavras. Hoje, entende‐se que para ser

considerado uma pessoa alfabetizada, que faz uso da escrita, de forma competente, nas

diversas práticas sociais, não basta apenas conhecer as letras, juntar as sílabas, saber

decodificar as palavras.

Nesse sentido, é necessário compreender que a língua não é um simples conjunto de

signos que serve para comunicar, ao contrário, ela é um produto social, cultural, dinâmico

e coletivo. De acordo com Tfouni (2002, p. 10) “a escrita é o produto cultural por

excelência. É de fato, o resultado tão exemplar da atividade humana sobre o mundo”.

Ainda no tocante à escrita, Ferreiro (1995, p.43) explicita que “a invenção dela foi

um processo histórico de construção de um sistema de representação, não um processo de

decodificação. Ela não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do

esforço da humanidade”.

Foi nos meados da década de 1980 que os estudos acerca da psicogênese da língua

escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a alfabetização, longe de ser a

apropriação de um código, envolve um complexo processo de elaboração de hipóteses

sobre a representação linguística.

Com base nesse aspecto, levantou-se a proposta para investigar e analisar os níveis

de escrita apresentadas pelos alfabetizandos da Escola Estadual Vicente de Fontes, da

cidade de José da Penha. Para tanto buscou-se nortear esta investigação através dos

seguintes questionamentos: em que nível de hipótese da escrita os alunos da Escola

Estadual Vicente de Fontes se encontram nessa etapa da alfabetização? Que importância

tem, no contexto atual, a aplicabilidade do teste de sondagem da escrita para auxiliar o

processo de alfabetização? Qual a contribuição dos estudos da psicogênese da escrita na

formação de leitores alfabetizados e letrados na sociedade atual?

Nessa ótica, a hipótese sustentada é de que o teste de sondagem é importante para

verificar os níveis de escrita das crianças auxiliando o professor, no processo de

alfabetização na perspectiva de letramento, à medida que oferece subsídios para

organização do ensino. Para corroborar essa afirmativa, optou-se pela metodologia de

cunho descritivo-qualitativo.

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Espera-se que o artigo possa contribuir para um redimensionamento da prática dos

professores alfabetizadores, uma vez que se acredita que é de suma importância a aplicação

de sondagem para compreender os níveis de hipóteses da escrita, proporcionando aos

professores a utilização de métodos condizentes com a realidade da criança, a fim de que

seja alfabetizado e letrado, capaz de fazer uso da leitura e da escrita nos diversos contextos

sociais, de práticas de letramento.

2 ABORDAGEM METODOLÓGICA

Para melhor desenvolver a presente pesquisa optou-se por uma concepção crítico-

reflexivo que, parafraseando Gil (2002), trata-se de uma pesquisa de base qualitativo-

descritiva, uma vez que se procura analisar, no contexto atual, as escritas espontâneas de

crianças em fase de alfabetização, com a finalidade de refletir sobre os níveis de hipóteses

da escrita que a criança desenvolve neste período de escolarização.

Destaca-se ainda que, além da pesquisa estar contemplada no campo das ciências

sociais, ela valoriza a relação entre sujeito/objeto dentro de uma perspectiva dialética no

que compete à construção do conhecimento. Aliás, segundo Gil (2002) as pesquisas

descritivas são próprias dos pesquisadores das áreas sociais, visto que estes são

preocupados com atuação prática, que envolve o sujeito e o objeto da pesquisa. São

também as mais solicitadas por organizações como instituições educacionais.

A propósito, Prodanov e Freitas (2013, p. 52) mostram que nas pesquisas

descritivas, “os fatos são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados,

sem que o pesquisador interfira sobre eles, ou seja, os fenômenos do mundo físico e

humano são estudados, mas não são manipulados”.

Outrossim, convém informar que para a obtenção dos dados, fez-se necessário a

realização de visitas à Escola Estadual Vicente de Fontes, que fica localizada na Rua

Prefeito Francisco Fontes, em José da Penha, onde foi aplicado testes de sondagem com

crianças, de idades e anos diferenciadas, a fim de coletar escritas espontâneas de

educandos em processo de alfabetização.

Assim, o corpus da respectiva pesquisa é a escrita espontânea de dez alunos, em

fase de alfabetização, regularmente matriculados no Ensino Fundamental I. Desse modo,

analisou-se os níveis de escrita com base nos estudos de Ferreiro (1985) e Teberosky

(1985), Ferreiro (1995) e Morais (2012) que discorrem a respeito da psicogênese da língua

escrita e do processo de alfabetização.

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3 OS NÍVEIS DE DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA

Ao longo de muitos anos, a língua escrita se configurou como destaque na

alfabetização das crianças. Aliás, estas eram consideradas como folhas em branco,

desprovidas de conhecimento e vinham, à escola, justamente para receberem

conhecimentos com atividades voltadas à leitura e à escrita.

Era de praxe o professor começar a alfabetizar usando cartilhas do A B C. Por sua

vez, o aluno adentrava na fase da leitura e escrita conhecendo as vogais, depois as letras do

alfabeto (a, b, c, d,...), e, em seguida, a junção silábica (ba, be, bi, bo, bu) para chegar a

palavras e pequenos textos, geralmente formados com palavras repetitivas, sem nexo, que,

de fato, era apenas um amontoados de letras, sem sentido, completamente desconectados

da realidade do aluno, isto é, das suas práticas sociais.

Nesse contexto, o modelo de aprendizagem adotado era o empirismo, o qual

considerava que o aprendizado do aluno ocorria através da cópia, do ditado, da repetição e

da memorização. Quando o aluno não conseguia escrever o que era ditado, ou escrevia

diferente do desejo do professor, ele era taxado de atrasado, pois não conseguia

acompanhar o ensinamento, porque este era centrado em práticas que privilegiavam a

técnica e a mecânica, não contribuindo para que se tornasse um agente da sua

aprendizagem. Piaget (1986) afirmava que as crianças têm um papel ativo no próprio

aprendizado, que elas constroem o próprio conhecimento, por isso acreditava numa

proposta construtivista, visto que o individuo é coparticipante desse processo.

Assim sendo, em meados da década de 1980, Emília Ferreiro se dedica aos estudos

que discorriam sobre a construção da escrita, o que alterou o olhar, dos educadores, para o

processo de alfabetização. Como produto dessas investigações, traz à tona uma nova

concepção acerca do processo de aquisição da língua escrita, a de que a criança reconstrói

o código linguístico analisando e refletindo a respeito da escrita.

As crianças em processo de construção do sistema representativo da escrita

começam a criar suas hipóteses silábicas e constroem um caminho para o entendimento da

mesma. Então, a Psicogênese da língua escrita estuda o caminho que a linguagem escrita

percorre até chegar aos padrões convencionais.

As pesquisas de Ferreiro (1985) e Teberosky (1985) propiciaram um impulso aos

estudos e trouxeram contribuições para o entendimento do processo em si, dos mecanismos

que as crianças lançam mão e também dos estágios comuns pelos quais elas passam. Essas

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contribuições foram relevantes para o campo da pesquisa e para a atuação do professor

alfabetizador.

Ferreiro e Teberosky (1985) classificam a psicogênese da escrita em cinco níveis,

ou fases, quais sejam: Pré-silábico - Nível I, Pré-silábico - Nível II, Hipótese-silábica -

Nível III, Silábico-alfabético - Nível IV e Alfabético - Nível V. Apresenta-se a seguir, para

uma maior compreensão do que sejam esses níveis, a descrição de cada um deles para

facilitar o entendimento.

3.1 Pré-silábico – nível 1

O nível que primeiro se identifica na criança, é o pré-silábico, ou nível 1. Nessa

fase a criança já possui consciência de que o que se fala pode ser escrito, e que, para que

isso ocorra, se faz necessário usar marcas para a representação dessa fala, com o objetivo

de ler o que escreve.

Conforme Ferreiro e Teberosky (1985, p. 183) neste nível, “escrever é reproduzir

os traços típicos da escrita que a criança identifica como forma básica de escrita”, por isso,

antes de se utilizar das letras ela representa a escrita através dos rabiscos, desenhos e

garatujas.

Isso significa dizer que uma das características principais dessa etapa é a

representação que o alfabetizando faz com os grafemas. Ou seja, se ele tem afinidade com

a escrita cursiva, suas marcas poderão conter curvas fechadas ou semiabertas, círculos.

Mas se em sua escrita, predomina a letra de imprensa ou de forma, suas formas poderão

variar com riscos separados entre si, com linhas e curvas, os chamados rabiscos.

Outro aspecto importante é o valor quantitativo das marcas - letras, nomes

pequenos e a quantidade de caracteres dependem do tamanho do objeto, da pessoa ou do

animal. Sobre isso, Ferreira e Teberosky (1985) elucidam:

A correspondência se estabelece entre aspectos quantificáveis do objeto e

aspectos quantificáveis da escrita, e não entre aspecto figural do objeto e aspecto figural do escrito. Isto é, não se buscam letras com ângulos

marcados para escrever “casa”, ou letras redondas para escrever “bola”,

mas, sim, um maior número de grafias maiores ou maior comprimento do

traçado total se o objeto é maior, mais comprido, tem mais idade ou há

maior número de objetos referidos. (FERREIRO E TEBEROSKY,

1985, p. 184-185).

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Com base no exposto, fica evidente que a criança faz relação com o que vive.

Sendo assim, elas escrevem conforme a sua realidade, aquilo que os olhos veem. A escrita

é percebida como etiqueta do desenho e não dá para ler se não tiver figura. Além disso, a

leitura que predomina é a global, fazendo uso do dedo deslizando por todo o registro

escrito. Vejamos, a seguir, um exemplo desse nível:

Figura 1: Pré-silábico - Nível I

Fonte: Neder, Maria Lúcia Cavalli et al. Linguagens na Educação

Infantil I- Pensamento e Linguagem. Fascículo 1- Cuiabá: EdUFMT, 2008.

3.2 Pré-Silábico – nível 2

A hipótese central dessa fase, conforme Ferreiro e Teberosky (1985), é a de que

para poder ler coisas diferentes (isto é, atribuir significados diferentes) deve haver uma

diferença objetiva nas escritas. O progresso gráfico mais evidente é que a forma dos

grafismos é mais definida, mais próxima à das letras. Porém, o fato conceitual mais

interessante é o fato da criança seguir trabalhando com a hipótese de que há uma

necessidade mínima de letras para representar a escrita e a hipótese da variedade nos

grafismos.

Nessa ótica, embora a criança já tenha o conhecimento de que há uma quantidade

de símbolos gráficos e que seu uso é preciso para a escrita, ela também procura produzir

diferenciação entre os signos linguísticos criados, através da combinação das letras que

conhece. No entanto, por pouco que seja a sua caligrafia continua não compreensível ao

padrão convencional.

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Outro aspecto básico deste nível é que o alfabetizando começa a desvincular a

escrita das imagens e números das letras. Inicialmente utilizam letras aleatórias, presentes

em seus próprios nomes. Elas constroem dois princípios organizadores básicos, no eixo

quantitativo, pois consideram que é necessária uma quantidade mínima de símbolos

gráficos para que algo esteja escrito e seja interpretável e que há uma diferenciação entre

um vocábulo e o seguinte, para que o texto se torne interpretável (variação interfigural).

Vejamos o exemplo que corresponde a este nível:

Figura 2: Pré-silábico - Nível II

Fonte: Neder, Maria Lúcia Cavalli et al. Linguagens na Educação

Infantil I - Pensamento e Linguagem. Fascículo 1- Cuiabá: EdUFMT, 2008.

3.3 Silábico – nível 3

Segundo Ferreira e Teberosky (1985, p.193) “este nível está caracterizado pela

tentativa de dar um valor sonoro a cada um dos grafemas que compõem uma escrita”. A

criança passa por um período da maior importância evolutiva, uma vez que começa a fazer

relação do som da sílaba com a letra que vai representar tal sílaba. Sendo assim, cada letra

equivale a uma sílaba.

A hipótese silábica pode aparecer com grafias bem diferenciadas. Ou seja, elas

podem utilizar-se de diferentes formas escritas, não somente de letras desconexas, mas de

formas identificadas com a escrita convencional. Vejamos o exemplo da hipótese-silábico.

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Figura 3: Hipótese-silábica – Nível III

Fonte: Pacto nacional pela alfabetização na idade certa : a aprendizagem do

sistema de escrita alfabética : ano 1 : unidade 3. Brasília : MEC, SEB, 2012.

3.4 Silábico-alfabético – nível 4

Este momento representa o período de transição da criança do nível silábico para o

alfabético. Isso significa dizer que a criança já tem uma percepção de que uma única letra

não é suficiente para registrar as sílabas e recorre, simultaneamente, ora a hipótese silábica,

ora a alfabética. Em determinado momento pode usar apenas uma letra para notar as

sílabas orais das palavras, em outro momento utiliza mais de uma letra, estabelecendo

relação entre fonema e grafema.

Na verdade, na passagem da hipótese silábica para a alfabética, a criança abandona

a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise que vá “além” da sílaba,

pelo conflito entre a quantidade de letras na sílaba e a quantia bastante reduzida de grafia

(ambas as exigências puramente internas, no sentido de serem hipóteses originais da

criança) e o conflito entre as formas gráficas que o meio lhe propõe e a leitura dessas

formas em termos da hipótese silábica (conflito entre uma exigência interna e uma

realidade exterior ao próprio sujeito). Vejamos um exemplo deste nível.

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Figura 4: Silábico-alfabético – Nível IV

Fonte: Pacto nacional pela alfabetização na idade certa : a aprendizagem do

sistema de escrita alfabética : ano 1 : unidade 3. Brasília : MEC, SEB, 2012.

3.5 Alfabético – nível 5

A criança, ao chegar a esse nível, já compreendeu que, cada letra que escreve em

determinado ato de escrita está relacionada a valores fonéticos reduzidos, com uma

quantidade menor que a sílaba e realiza uma análise no que diz respeito à representação

sonora, ou seja, os fonemas dos vocábulos que vai grafar. Isso não quer dizer que todas as

dificuldades tenham sido superadas. A partir desse momento, a criança se defrontará com

as dificuldades no tocante à ortografia, por ainda não dominar as regras que a compõem.

Figura 5: Alfabético - Nível V

Fonte: Pacto nacional pela alfabetização na idade certa : a aprendizagem do

sistema de escrita alfabética : ano 1 : unidade 3. Brasília : MEC, SEB, 2012.

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Mediante o exposto, é possível afirmar que mesmo com a classificação dos níveis

de hipóteses supracitados, o período de a criança avançar de um nível de escrita para outro,

pode variar. Nem todos os educandos no processo de alfabetização conseguem avançar de

uma fase para outra ao mesmo tempo.

Faz-se necessário a intervenção do professor de forma competente durante todo

esse período, pois a criança poderá avançar de um nível para outro e assim conseguir ter o

domínio da linguagem escrita se o professor propor atividades relevantes com esse intuito.

É evidente que o processo de alfabetização não é instantâneo, ele ocorre em diversas etapas

e se dará ao longo dos anos seguintes do Ensino Fundamental.

Portanto, é preciso tomar como ponto de partida que, para a criança aprender a ler e

escrever, é preciso levá-la a pensar sobre a escrita, que a mesma possa pensar sobre o que a

escrita representa e como esta representa a linguagem. Para Vygotsky (2000, p. 156) “o

ensino da linguagem escrita pode ter lugar desde a pré-escola, desde que respeite todo

desenvolvimento pelo qual a criança deve passar”. Daí a importância da inserção da

Psicogênese da escrita nas práticas pedagógicas dos professores alfabetizadores.

4 SONDAGEM DE ESCRITA ESPONTÂNEA: uma breve análise

Como descrito anteriormente, o corpus da pesquisa é a escrita espontânea de dez

alunos em anos de escolaridade distintos e matriculados no Ensino Fundamental I, na

Escola Estadual Vicente de Fontes, em José da Penha.

É importante frisar que, antes de realizar o ditado para observar as escritas

espontâneas dos alunos, produziu-se uma lista de palavras atreladas ao contexto vivenciado

por eles. Por essa razão foram elaboradas três listas distintas. A primeira delas baseou-se

no grupo semântico fazenda. A segunda relacionada ao cardápio da merenda da escola. A

terceira considerou como grupo semântico, os aspectos estruturais e funcionais da escola.

No grupo da fazenda, elencou-se as palavras: fazendeiro (polissílaba), cavalo

(trissílaba), vaca (dissílaba) e boi (monossílaba). E ditou-se a seguinte frase: O cavalo está

na fazenda. Com relação ao grupo da merenda escolar, listou-se: macarronada

(polissílaba), biscoito (trissílaba) suco (dissílaba) e pão (monossílaba); e a frase: A

merenda é pão com suco. No tocante a terceira lista, que está relacionada aos aspectos da

infraestrutura e equipamentos da escola, listou-se os seguintes grafemas: biblioteca

(polissílaba), carteira (trissílaba), quadro (dissílaba) e giz (monossílaba). A frase foi: A

escola tem giz colorido. Para a obtenção de uma melhor compreensão do que ora se

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analisa, achou-se conveniente colocar, ao lado da escrita do aluno, a lista que corresponde

aos nomes ditados.

O ditado foi iniciado pela aluna Érica Costa. Observa-se o que a aluna escreveu:

Figura 6: Pré-Silábico Nível II

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

A aluna possui sete anos de idade e frequenta o primeiro ano do ensino

Fundamental I, na Escola Estadual Vicente de Fontes, na cidade de José da Penha - RN.

Como é possível constatar, já consegue escrever seu nome, ainda que incompleto. No

momento da escrita, tentou escrevê-lo por completo, porém não conseguiu. Observa-se que

foram ditadas quatro palavras, mas a aluna escreveu cinco palavras.

Percebe-se que ela já escreve na forma horizontal, da esquerda para direita e que

para escrever se utiliza de letras e não desenhos, rabiscos ou garatujas. A hipótese de

escrita de Érica é a pré-silábica, num nível mais avançado, pois ela escreveu todas as

palavras através das letras do seu próprio nome, fazendo alterações no tocante à posição

delas, como também, já compreendeu que para a escrita ser interpretável tem que escrever

no mínimo três letras. Reconhece que as palavras devem ser escritas de formas diferentes,

não podendo mais repetir letras na mesma palavra, pois cada letra possui sua função na

palavra.

A esse respeito Ferreiro e Teberosky (1985, p.189) mostra que a “hipótese central

deste nível é a seguinte: Para poder ler as coisas diferentes (isto é, atribuir significados

diferentes), deve haver uma diferença objetiva nas escritas”.

LISTA DE FAZENDA

FAZENDEIRO

CAVALO

VACA

BOI

FRASE:

O CAVALO ESTÁ NA FAZENDA.

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Diante disso, pode-se dizer que Érica já agregou em sua escrita o eixo quantitativo

e qualitativo, levando, em consideração a variação de caracteres dentro da palavra e entre

as palavras (variação intrafigural e interfigural). Mediante o exposto, é possível afirmar

que a leitura realizada por Érica é global, pois a mesma deslizava o dedo em cada escrito,

sem fazer nenhuma pausa.

Observa-se, nesse momento, como escreve Carlos Daniel.

Figura 7: Hipótese Silábica- Nível III

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

O aluno tem doze anos, é aluno do quarto ano do Ensino Fundamental I. No caso

dessa atividade, utilizou-se a lista de palavras referentes à fazenda. Percebeu-se que o

mesmo já supõe que a escrita representa a fala e para cada sílaba oral é atribuído uma

grafia. Conclui-se que a hipótese da escrita de Daniel é Silábica, pois o mesmo estabelece

uma correspondência entre a quantidade de letras utilizadas e a quantidade de sílabas orais

das palavras, usando uma letra para cada sílaba. “Este nível está caraterizado pela tentativa

de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem uma escrita. Aqui a criança faz

relação do som da sílaba com a letra que vai representar tal sílaba, cada letra vale uma

sílaba” (FERREIRO E TEBEROSKY, 1985, p. 193).

O aluno Carlos Daniel vivencia a hipótese silábica com valor sonoro de vogal e de

consoantes, como, por exemplo, o c de cavalo e o v de vaca. Ademais, é perceptível

observar que Carlos Daniel escreve a frase, atribuindo uma letra para quase todas as sílabas

das palavras. Contudo, ele não escreveu a letra que representasse as sílabas es de está e na

de (na fazenda).

LISTA DE FAZENDA

FAZENDEIRO

CAVALO

VACA

BOI

FRASE:

O CAVALO ESTÁ NA

FAZENDA.

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No ato da leitura, logo na primeira palavra escrita, ele percebeu que tinha colocado

letra demais, que não se relacionava com o som da fala, isto é, com a palavra que leu, no

caso fazendeiro. Portanto, ele riscou, indicando assim que a frase acabava ali, ou seja,

estava completa. A leitura realizada pelo aluno é silabada. De certa forma, ele já apresenta

consciência fonética, atribuindo valor sonoro a vogais e consoantes.

Agora, vejamos mais uma escrita espontânea, desta vez do aluno Dácio Manoel

Pereira Ferreira.

Figura 8: Alfabético - Nível V

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

Dácio Manoel Pereira Ferreira tem onze anos e estuda no quarto ano do Ensino

Fundamental I. A criança demonstrou já possuir habilidade de escrita, pois já escreve

alfabeticamente, menos não considerando o aspecto ortográfico. Aliás, já consegue

reproduzir adequadamente todos os fonemas de uma palavra. Assim (Ferreiro e Teberosky,

1985) afirmam:

A escrita alfabética constitui o final desta evolução. Ao chegar a este

nível, a criança já franqueou a “barreira do código”; compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores

que a sílaba, e realiza sistematicamente uma análise sonora dos fonemas

das palavras que vai escrever. Isto não quer dizer que todas as dificuldades tenham sido superadas: a partir desse momento a criança se

defrontará com as dificuldades próprias da ortografia. (FERREIRO E

TEBEROSKY, 1985, p. 213)

Diante do exposto, fica evidente que nesse estágio, Dácio já compreende o sistema

da escrita, a lógica do sistema alfabético, entendendo, de modo, que cada uma das letras

que formam a palavra tem um valor fonético. Nesta fase a criança já consegue reproduzir

adequadamente todos os fonemas de uma palavra, o que formaliza a escrita convencional

LISTA DE FAZENDA

FAZENDEIRO

CAVALO

VACA

BOI

FRASE:

O CAVALO ESTÁ NA FAZENDA

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empregada pelos falantes e usuários da língua materna. Agora, falta-lhe dominar as

convenções ortográficas.

Nessa perspectiva, é perceptível que o escrito de Dácio apresentou erros

ortográficos, principalmente na grafia das palavras fazendeiro e fazenda, em que o mesmo

troca a grafia do z pelo s. Contudo, esse erro vai ser superado com o tempo, com práticas

de leitura e escrita constantes. Quanto à leitura, percebe-se que a realizou fluentemente.

Continuando com a devida análise, verifica-se agora o escrito de João Marcos.

Figura 9: Hipótese-Silábica-Nível III

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

João Marcos é uma criança de sete anos, aluno do primeiro ano do Ensino

Fundamental. A lista ditada para ele foi referente ao cardápio da merenda escolar.

Observando a escrita do mesmo, percebeu-se que ele representa os sons da fala e para cada

sílaba oral, atribui uma grafia.

Dessa forma, o nível de escrita de João Marcos é silábico com valor sonoro de

vogais, pois estabelece uma relação entre a quantidade de letras utilizadas e a quantidade

de sílabas orais das palavras, usando, assim, uma letra para cada sílaba. Ademais, nota-se

que na fase de escrita fica explícito o valor sonoro convencional de vogais e o valor

convencional de algumas consoantes, no caso a m e n. Realiza, também, uma leitura

silabada, nos padrões dessa respectiva fase.

A seguir observamos mais uma escrita espontânea.

LISTA DO CARDÁPIO

DA MERENDA

ESCOLAR

MACARRONADA

BISCOITO

SUCO

PÃO

FRASE:

A MERENDA É SUCO

COM PÃO.

18

Figura 10: Silábico-Alfabético-Nível IV

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

Emanuel Victor Dantas Fontes, aluno matriculado no quarto ano do Ensino

Fundamental I, escreveu palavras relacionadas ao cardápio da merenda escolar. Nesse

contexto, ficou explícito que já sabe muito bem que as letras representam os sons da fala,

bem como já consegue combinar vogais e consoantes numa mesma palavra. Além do mais,

ele atribui valor sonoro das letras, como também percebe a necessidade de mais de uma

letra para escrever a maioria das sílabas.

Diante disso, afirma-se que a hipótese de escrita do aluno é silábico-alfabético. Esse

nível é marcado pela transição dos esquemas silábicos para o novo esquema, o alfabético, e

o aprendiz acaba compreendendo que a sílaba pode ser analisada em elementos menores.

Na realidade, esse nível de escrita corresponde a um período de transição no qual

ora a criança utiliza uma letra para cada sílaba, como no final da hipótese de escrita

silábica, ora reconhece os demais fonemas das palavras e passa a empregá-los. Assim, ela

consegue, às vezes, utilizar uma única letra para sílaba, e, às vezes consegue reproduzi-la

adequadamente.

Face ao exposto, pode-se afirmar que Emanuel Victor já agregou, em sua escrita, o

eixo quantitativo, uma vez que ele já tem a noção de que existem sílabas com mais de uma

letra. No tocante ao eixo quantitativo, depara-se com inúmeros problemas ortográficos,

pois nem sempre o som corresponde a letra ou a letra ao som, mas isso será superado na

fase subsequente.

Analisa-se agora a escrita espontânea de Luana Gomes de Morais.

LISTA DO CARDÁPIO DA

MERENDA ESCOLAR

MACARRONADA

BISCOITO

SUCO

PÃO

FRASE:

A MERENDA É SUCO COM

PÃO.

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Figura 11: Hipótese Pré- Silábica- Nível I

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

Luana tem seis anos de idade e é aluna do primeiro ano do Ensino Fundamental da

Escola Estadual Vicente de Fontes. O ditado realizado com essa aluna constou de palavras

do campo semântico infraestrutura e equipamentos da escola. A mesma procurou escrever

do jeito que sabia.

Constatou-se que ela supõe que a escrita representa aquilo que é falado, no entanto,

a sua grafia não estabelece vínculo entre fala e escrita, pois o que se grafa não está

relacionado com o nome ditado. Sabe-se que evoluiu da fase da garatuja, dos rabiscos. No

entanto, compreende que a escrita se realiza da esquerda para direita, mas não

identificamos com precisão os vocábulos escritos.

Além disso, percebe-se que o aprendiz tem contato com a letra cursiva, visto que,

desde o próprio nome às palavras ditadas, escreve ora de forma separada entre si, ora com

linhas e curvas tentando agrupar as letras. Para Morais (2012, p. 79) “precisamos ajudar os

aprendizes a escrever com letra cursiva, de forma legítima e com mais velocidade”.

O nível de escrita em que se encontra a aluna, é pré-silábica, uma vez que mesmo

não usando rabisco ou garatujas, ainda não estabelece o valor sonoro da palavra ditada,

como também escreve aleatoriamente. Nesta fase, a leitura é global. Isso ficou

evidenciado no ato da coleta da pesquisa, pois Luana leu o seu escrito, deslizando o dedo

da esquerda para direita.

A próxima escrita a ser analisada é a do aluno Kauan Murilo Alves de Araújo, de

sete anos de idade. O mesmo está matriculado no segundo ano do Ensino Fundamental, na

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Escola Estadual Vicente de Fontes. O mesmo grafou palavras referentes aos aspectos da

infraestrutura e equipamento da escola.

Figura 12: Hipótese Silábica Nível III

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

Diante do exposto, verifica-se que Kauan Alves já compreende que a escrita pode

representar a fala, ou seja, o que ele escreveu foi na tentativa de dar um valor sonoro à letra

de cada palavra escrita. Assim, percebe-se que o mesmo se encontra na hipótese silábica,

pois grafa uma letra para representar cada sílaba, estabelecendo a relação entre letra e

fonema. A esse respeito Morais (2012) mostra que:

Nas escritas silábicas qualitativas, [...], além da preocupação com a regra

“uma sílaba oral, uma letra”, haveria a busca de, para cada sílaba, uma letra com valor sonoro convencional, isto é, correspondente a um dos

fonemas que formam a sílaba oral em questão. (MORAIS, 2012, p. 60).

Contudo, é perceptível que Kauan Alves também escreveu algumas letras aleatórias

que não têm valor sonoro com a sílaba correspondente. Sobre esse assunto Morais (2012,

p.60) afirma que “na escrita silábica quantitativa, a criança tende, na maioria das palavras,

a usar de forma estrita a regra de que, para cada sílaba oral, se coloca uma única letra, mas

na maioria das letras usadas não tem a ver com os sons das sílabas orais que está notando”.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que Kauan vivencia o nível silábico sem valor

sonoro. Compreende que, por exemplo, a palavra biblioteca, a seu ver, pode ser

representada pela grafia BTOAK. Na verdade, ocorreu uma evolução no seu processo de

leitura e escrita. Para Morais (2012, p. 57) “a fase silábica é um percurso evolutivo em

direção à apropriação do sistema alfabético”. Mediante o exposto, pode-se dizer que o

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aluno tem a possibilidade de chegar ao domínio da escrita alfabética no mesmo ano em

curso.

Analisa-se, nesse momento, o caso do aluno Kaiky Valentim Costa, que tem sete

anos de idade e está matriculado na Escola Estadual Vicente de Fontes, cursando o

segundo ano do Ensino Fundamental. O mesmo realizou o ditado das palavras do campo

semântico aspectos da infraestrutura e equipamentos da escola.

Figura 13: Hipótese Silábico-Alfabético Nível IV

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora

Ao analisar a escrita do aluno, observa-se que escreveu com letra cursiva,

utilizando mais de três letras. Nesse sentido, demonstrou ter superado a noção de que para

grafar as palavras teria que escrever uma letra para representar cada sílaba.

Observa-se que já possui a compreensão de que a sílaba pode ser formada por mais

de uma letra, inclusive fazendo uso de consoante e vogal. Ademais, demonstra saber que a

grafia representa o som da fala, isto é, que as letras são sonoras e fazem relação com a

palavra falada. E como se vê, o que escreveu está próximo escrita real da palavra ditada.

Entretanto, alguns traços de sua escrita demonstram que ainda não possui domínio

suficiente para grafar as palavras conforme a sua forma convencional. Diante disso, a

hipótese de escrita que se encontra é a silábica-alfabética. Sobre esse assunto Ferreiro

(1995) afirma que:

O período silábico alfabético marca a transição entre os esquemas prévios

em via de serem construídos. Quando a criança descobre que a sílaba não pode ser considerada como uma unidade, mas que ela é, por sua vez,

reanalisável em elementos menores, ingressa no último passo da

compreensão do sistema socialmente estabelecido. E, a partir daí, descobre novos problemas: pelo lado quantitativo, que se por um lado

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não basta uma letra por sílaba, também não se pode estabelecer nenhuma regularidade duplicando a quantidade de letras por sílaba (já que há

sílabas que se escrevem com uma, duas, três ou mais letras); pelo lado

qualitativo, enfrentaria os problemas ortográficos (a identidade de som não garante identidade de letras, nem a identidade de letras a de som).

(FERREIRO 1995, p. 27).

Observa-se que o alfabetizando alterna entre o aspecto quantitativo e o qualitativo,

apresentando alguns desvios de base ortográfica e fonética. Por exemplo, na palavra

biblioteca, escreve Bioteka, deixando de escrever a silaba bli, e faz a troca da letra c pela k,

representando dessa forma o som, fonema.

Isso acontece também na escrita da palavra carteira /qatra, ele grafa a letra q ao

invés do c, revelando, assim, que ainda não domina totalmente a relação grafema e fonema.

Mas adiante em quadro/ qado, ele suprime a letra r, depois ele escreve gizi para se referir a

giz, e tei no lugar de tem, corolidu, ao invés de colorido. Com isso, reforça-se que o

aprendiz comete desvio de ordem ortográfica, no tocante à parte fonológica e gráfica das

palavras.

Continuando com as análises, observa-se, nesse momento, a escrita da aluna Vera

Lima, de seis anos de idade, da turma do primeiro ano, da Escola Estadual Vicente de

Fontes. Para essa aluna foi ditada palavras de uma lista do cardápio da merenda escolar.

Figura 14: Hipótese Pré-Silábico Nível I

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

Analisando o escrito de Vera, é perceptível que mesmo ela não usando rabiscos

nem garatujas para grafar as palavras ditadas, demonstra compreender que o que é falado

pode ser representado pela escrita. Nessa ótica, fez uso de letras de imprensa maiúscula e

números para grafar as palavras ditadas.

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Ficou evidente que o escrito não corresponde à palavra da lista na sua forma

convencional. Contudo é perceptível que os nomes são escritos quase seguindo a mesma

ordem, letras e números, numa mesma palavra. Logo, a hipótese de escrita é pré-silábico

Nível I. Outrossim, verificou-se que a leitura realizada foi individual e global, só ela

entende o que escreveu.

A escrita a seguir é de Cássio Henrique Leite da Costa, 7 anos de idade,

matriculado no 2º Ano, do Ensino Fundamental, na Escola Estadual Vicente de Fontes.

Figura 15: Nivel Alfabético

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.

Conforme se observa, Cássio já tem a consciência de que tudo que se fala pode ser

representado pela escrita. Dito de outro modo, é perceptível que o alfabetizando sabe que a

escrita é o código utilizado para registrar as palavras. Logo, é possível afirmar que o nível

da escrita de Cássio é Alfabético.

De acordo com Ferreiro e Teberosky (1985, p. 213), “a escrita da criança não chega

com perfeição nessa fase, pois os erros ortográficos aparecem e são eles que auxiliam na

constituição de um referencial convencional da linguagem escrita”. Na realidade,

retomando a grafia de Cássio percebe-se que na palavra biblioteca, bem como em carteira,

quadro e giz ele comete erros de ortografia, que está mais acentuado na questão de

fonologia, pronuncia do fonema. A esse respeito Morais elucida que,

O domínio da escrita alfabética, portanto, implica não só no

conhecimento e o uso “cuidadoso” dos valores sonoros que cada letra

pode assumir, no processo de notação, mas o desenvolvimento de

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automatismos e agilidades no processo de “tradução do oral em escrito” (no ato de escrever) e de “tradução do escrito em oral” (no ato de ler).

(MORAIS, 2012, p. 66).

Dessa forma, fica evidente que a superação de Cássio no tocante aos erros

ortográficos cometidos em sua escrita, ocorrerá mediante a ação do professor com práticas

de leitura e escrita condizentes com o nível de hipótese apresentado. Cássio realizou uma

boa leitura do que foi ditado, demonstrando que precisa superar as questões de ortografia.

Nessa ótica, caberá ao alfabetizador trabalhar as práticas de linguagem consoante à

necessidade do aprendiz, a fim de que este possa avançar no processo de alfabetização.

5 RESULTADOS

Diante do que foi analisado com relação à escrita das crianças, verificou-se que nas

escritas espontâneas apresentadas foram contemplados todos os níveis. Observou-se que

mais de uma criança se encontra na mesma fase de escrita.

Dois alfabetizandos estão na hipótese pré-silábica, ambos alunos do primeiro ano

do ensino fundamental, com seis anos de idade. Conforme vimos, eles não utilizaram

desenhos ou garatujas para representar a escrita, mas escreveram letras e números, tudo

junto, para representar as palavras ditadas. Além do mais, o que eles grafaram não

corresponde com o que foi ditado, ou seja, não tinha nada a ver com a escrita convencional

da palavra ditada. E ambos os alfabetizandos apresentaram uma leitura global, pois só eles

entenderam o que escreveram.

No tocante à hipótese pré-silábica - Nível II, apenas uma criança, de sete anos,

aluna do primeiro ano, se encontra neste nível de escrita. A mesma já possui a noção de

que a escrita pode representar a fala, grafando o que foi ditado na horizontal, da esquerda

para direita, e compreendendo que para escrever utiliza-se letras. A aprendiz encontra-se

num nível mais avançado, já compreende que para a escrita ser interpretável tem que

escrever no mínimo três letras. Quanto à leitura, realizou de forma global.

No que diz respeito à hipótese silábica - Nível III detectou-se que três aprendizes,

de idades diferenciadas, e anos de escolaridade também distintos, estão nesta mesma fase

de escrita. Pode-se observar que o que eles escreveram foi na tentativa de dar um valor

sonoro à letra de cada palavra escrita.

Dessa maneira, percebe-se que os mesmos utilizaram uma letra para representar

cada sílaba, estabelecendo assim a relação entre letra e fonema. Entretanto, observou-se

25

que os aprendizes desta fase de escrita, ainda confundiram o total de caracteres escritos

com o que foi ditado, pois escreveram uma letra e ao ler contabilizaram duas. A leitura

apresentada foi silabada.

Com relação à hipótese silábico-alfabético, dois alfabetizandos de idades e anos de

escolaridades distintos, estão nesta fase. Nesse contexto, verificou-se que já estão

avançando tanto na escrita como na leitura. Na verdade, já possuem noção de que para

grafar as palavras é preciso escrever uma letra para representar cada sílaba.

Assim, observou-se que demostraram ter consciência de que a sílaba pode ser

formada por mais de uma letra, inclusive fazendo uso de consoante e vogal. Todavia, ainda

não escrevem convencional e fazem uma leitura termo a termo, não global.

Quanto à hipótese alfabética, apenas dois alunos, com idades diferentes, e anos de

escolaridade diversos, encontram-se neste estágio de escrita. Pelo que foi observado, já

possuem a nítida consciência de que o que se fala pode ser escrito, ou seja, que a escrita

pode representar a fala. O que foi ditado escreveram procurando se aproximar o máximo

possível da escrita convencional.

Porém, ainda apresentaram alguns desvios de ordem ortográfica, no plano

fonológico, mas que pode ser superado com atividades diversas que explorem a prática de

leitura e escrita. A leitura realizada não foi global, visto que eles conseguiram ler as

palavras e a frase de forma mais fluente.

Dessa forma, o resultado ora apresentado, revela que os alunos pesquisados na

Escola Estadual Vicente de Fontes vivenciam a psicogênese da língua escrita em idade e

anos de escolaridades distintos. Para tanto, evidencia-se a relevância dos alfabetizadores

compreenderem o processo da psicogênese da língua escrita, para que possam aprimorar a

sua prática pedagógica, propiciando aos alunos condições de se tornarem alfabetizados.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com as análises realizadas, vimos que os alunos da Escola Estadual

Vicente de Fontes buscam compreender o funcionamento da escrita fazendo uso de

hipóteses para chegar ao domínio da mesma. Logo, podemos dizer que das dez escritas

analisadas, dois educandos estão na hipótese pré-silábica - Nível I, apenas uma criança está

na fase pré-silábica - Nível II, três crianças estão na hipótese silábica- Nível III, dois

alfabetizandos estão na hipótese silábico-alfabético e dois alunos se encontram na hipótese

alfabética.

26

Diante disso, observou-se que há crianças com idade avançada e que ainda se

encontram na hipótese de escrita inferior para sua faixa etária, revelando, assim, não terem

o domínio da escrita nem tão pouco da leitura.

Mediante o resultado, os professores dos respectivos alunos buscam intervir nas

dificuldades de aprendizagem, traçando estratégia metodológica de leitura e escrita para

fazer com que o educando avance de níveis de escrita e leitura. Para tanto, buscam elaborar

atividades condizentes com os níveis que se encontra cada aluno, a fim de fazê-lo superar

as dificuldades e avançar na construção do conhecimento.

Nessa ótica, buscou-se mostrar o quanto ainda é importante a realização do teste de

sondagem com a criança assim que ela chega no universo escolar. É preciso ter o

conhecimento, no início do ano letivo, do que a criança já sabe, do que ela não sabe e do

que ela precisa saber. Em outras palavras, é imprescindível que o professor alfabetizador

descubra o que a criança sabe com relação ao sistema da escrita, isso permitirá que se

trabalhe com intervenções adequadas para os diversos níveis de hipóteses, principalmente

no que diz respeito a traçar metas de trabalho condizentes com a realidade e necessidade da

criança, a fim de fazê-la progredir no universo dos alfabetizados e letrados.

Além disso, é interessante que o teste de sondagem não seja aplicado apenas no

início do ano letivo, mas que ele seja feito pelo menos umas três vezes durante o ano. Isso

ajudará ao professor a verificar os níveis de escrita das crianças, auxiliando-o também no

processo de alfabetização na perspectiva de letramento, à medida que oferece subsídios

para que este organize o ensino para tal fim.

Ademais, é bastante significativo para que o professor alfabetizador tome

conhecimento de que a psicogênese da língua escrita trouxe e ainda traz contribuições

relevantes para o processo de aquisição da escrita. Pois a respectiva teoria defendida por

Ferreiro e Teberosky (1985) evidencia que as crianças estruturam hipóteses a respeito do

modo de como se organiza o sistema de escrita. Desse modo, precisa-se entender que a

criança não aprende a ler e a escrever de um dia para outro. E se o professor não tiver essa

compreensão poderá dificultar o processo de alfabetização.

Portanto, mediante a pesquisa realizada, é possível afirmar que a psicogênese da

língua escrita contribuiu para que os docentes tivessem uma nova visão sobre o processo

de alfabetização, trazendo à tona a questão de que a escrita não é um código ao qual se

pode apropriar como num passe de mágica. Também disseminou a ideia de que criança ao

adentrar na escola, já vivencia práticas de letramento, logo, necessita que o professor dê

continuidade a estas práticas no cotidiano escolar.

27

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto

nacional pela alfabetização na idade certa: a aprendizagem do sistema de escrita

alfabética : ano 1 : unidade 3 / Ministério da Educação, Brasília : MEC, SEB, 2012.

Disponível em:

<http://http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/Formacao/Ano_1_Unidade_3_MIOLO.pdf>

Acesso em: 5 abr. 2016.

FERREIRO, E. & TEBEROSKY. A Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes

Médicas, 1985.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre Alfabetização. 24 ed. São Paulo: Cortez; Autores

Associados, 1995.

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