soluções sustentáveis na construção civil pública
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DIREITO EM ADMINISTRAO PBLICA
TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO
ASPECTOS JURDICOS DA ADOO DE SOLUES SUSTENTVEIS
NAS CONSTRUES CIVIS DA ADMINISTRAO PBLICA FEDERAL
Joo Luiz de Negreiros Guerra
Taubat2010/2011
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Joo Luiz de Negreiros Guerra
ASPECTOS JURDICOS DA ADOO DE SOLUES SUSTENTVEIS NAS
CONSTRUES CIVIS DA ADMINISTRAO PBLICA FEDERAL
Monografia apresentada no Curso deEspecializao em Direito emAdministrao Pblica da Universidade doSul de Santa Catarina, em parceria com aFundao Trompowsky, como requisitoparcial para obteno do ttulo deespecialista em Direito, sob a orientaoda Prof Ana Lcia Lee.
Taubat2010/2011
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Ficha Catalogrfica
Guerra, Joo Luiz de Negreiros, 1965-
Aspectos jurdicos da adoo de solues sustentveis nas construes
civis da Administrao Pblica Federal / Joo Luiz de Negreiros Guerra.
Taubat: 2010 / 2011.163 f.
Orientao: Ana Lcia Lee
Monografia apresentada no Curso de Especializao em Direito em
Administrao Pblica, como requisito parcial para obteno do ttulo de
especialista em Direito - Universidade do Sul de Santa Catarina, em parceria
com a Fundao Trompowsky, 2010 / 2011.
I. Ttulo.
CDU
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ASPECTOS JURDICOS DA ADOO DE SOLUES SUSTENTVEIS NAS
CONSTRUES CIVIS DA ADMINISTRAO PBLICA FEDERAL
Joo Luiz de Negreiros Guerra
Monografia apresentada no Curso de
Especializao em Direito emAdministrao Pblica da Universidade doSul de Santa Catarina, em parceria com aFundao Trompowsky, como requisitoparcial para obteno do ttulo deespecialista em Direito, submetida aprovao da seguinte orientadora:
Notas
______________________________Msc. Ana Lcia Carrilo de Paula Lee
Professora Orientadora
______________________________Msc. Nlio Herzmann
Membro da Comisso de Avaliao
______________________________Esp. Adriana Santos RammCoordenadora do Curso
Data da aprovao: _______________
Taubat
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A economia uma subsidiria pblica do
meio ambiente, no o contrrio. Sem
ecologia, no h economia.
Herman Daly
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RESUMO
Esta monografia uma anlise sobre os fatores de ordem jurdica que
envolvem a deciso do administrador pblico quanto adoo de solues
sustentveis na contratao de obras e servios de engenharia. O objetivo analisar
as ferramentas legais que impelem ou que limitam a adoo de prticas sustentveisnas construes pblicas, bem como estudar experincias reais de obras pblicas
que adotaram, em maior ou menor grau, medidas que respeitam o meio ambiente. O
trabalho suscita o novel enfoque jurdico do assunto, at ento pouco explorado,
para que desperte o interesse dos gestores governamentais, dos juristas e do
empresariado, comprometidos com licitaes e contratos administrativos, com vistas
preservao do meio ambiente. A monografia foi desenvolvida de forma terica e
descritiva, com dedues a partir da anlise crtica da legislao, da doutrina e dasdecises dos tribunais, ilustrada com exemplos de editais de licitaes dos dois
ltimos anos. Os assuntos permeiam as reas do Direito Ambiental e do Direito
Administrativo Brasileiro. Sobre o tema desenvolvimento sustentvel, cada vez mais
em pauta na sociedade, foi abordado prioritariamente o aspecto relativo ao meio
ambiente natural nas atividades edilcias. O estudo se concentrou sobre a esfera
federal da Administrao. A ttulo de comparao de normas e de prticas, foram
buscados os referenciais jurdicos da Frana, do Canad e do Chile. Os resultadosalcanados so favorveis atual estrutura legal brasileira, apontando para a
necessidade de aperfeioamento, levando concluso de que as medidas
necessrias consolidao das prticas sustentveis so de ordem administrativa,
relacionadas a condies estruturais.
Palavras-chave: Sustentabilidade. Licitaes. Contratos. Construo civil.
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ABSTRACT
This monograph is an analysis of the legal factors regarding the decision of
the public administrator related to the implementation of sustainable solutions in the
hiring of works and engineering services. The purpose is to analyze the legal tools
that impel or limit the implementation of sustainable practices in public buildings, aswell as to study the genuine experiences of public works that have adopted in a
greater or smaller degree, measures that respect the environment. The objective of
the work leads to a new legal approach, until now, little explored, to call the attention
of public managers, lawyers and entrepreneurs, committed to hiring administrative
and bidding, in order to preserve the environment. The monograph was developed in
a theoretical and descriptive way, with deductions from the judgment of legislation,
doctrine and courts decisions, illustrated with bidding samples of the last two years.The topics pass through the areas of Environmental Law and Administrative Law. In
relation to the theme of sustainable development increasingly being discussed in
society, was primarily addressed the aspect related to the natural environment in
building activities. The study focused on the federal administration. Legal references
of comparison were required in France, Canada and Chile. The results achieved are
satisfactory to the current Brazilian legal framework, pointing to the need for
improvement, leading to the conclusion that the necessary measures for theconsolidation of sustainable practices are of administrative nature, related to
structural conditions.
Key-words: Sustainability. Biddings. Contracts. Civilian building.
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RSUM
Cette monographie est une analyse sur les facteurs d'ordre juridique entourant
la dcision de l'autorits adjudicatrices en ce qui concerne l'adoption de solutions
durables dans les contrats d'uvres et de services d'ingnierie. L'objectif est
analyser les outils juridiques qui poussent ou qui limitent l'adoption de pratiquesdurables dans les constructions publiques, ainsi qu'tudier des expriences relles
d'uvres publiquesqui ont adopt, dans plus grand ou moindre degr, des mesures
qui respectent l'environnement. Le travail soulve une nouvelle approche juridique du
sujet, jusqu' alors peu exploit, afin d'veiller l'intrt des acheteurs publics, des
juristes et des entrepreneurs, engags aux appels d'offres et aux marchs publics en
vue de prserver l'environnement. La monographie a t labore de faon
thorique et descriptive, avec des dductions partir de l'analyse critique de lalgislation, de la doctrine et des dcisions des cours, illustre avec des exemples de
soumissions des deux dernires annes. Les sujets traversent les domaines du droit
de l'environnement et du droit administratif brsilien. Sur le sujet dveloppement
durable, de plus en plus discut dans la socit, a t abord prioritairement l'aspect
concernant l'environnement naturel dans les travaux de btiment. L'tude s'est
concentr au niveau de l'administration publique national. titre de comparaison de
normes et de pratiques, ont t cherchs les rfrences juridiques de la France, duCanada et du Chili. Les rsultats atteints sont favorables l'actuel cadre juridique
brsilien, soulignant la ncessit de perfectionnement, ce qui conduit la conclusion
que les mesures ncessaires la consolidation des pratiques durables sont d'ordre
administratif, lies aux conditions structurelles.
Mots-cls: Dveloppement durable. Marchs publics. Contrat de travaux.
Construction civile.
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SUMRIO
1 INTRODUO................................................................ .............. 11
2 DESENVOLVIMENTO.................................................................. 16
2.1 Obras sustentveis ........................................................................ 18
2.2 A sustentabilidade ambiental na Constituio Federal de 1988 .... 22
2.3 As licitaes pblicas na legislao ambiental .............................. 31
2.4 A sustentabilidade ambiental nas licitaes e contrataes
administrativas ....................................................... ........................ 48
2.5 Jurisprudncia ............................................................................... 82
2.5.1 Poder Judicirio ............................................................................. 83
2.5.2 Tribunal de Contas da Unio ......................................................... 89
2.6 Editais de licitaes ....................................................................... 92
2.6.1 Construo do edifcio do Banco Central do Brasil no Rio de
Janeiro (RJ) ................................................................................... 932.6.2 Construo da sede da Superintendncia Regional da Polcia
Federal no Estado do Amap ........................................................ 94
2.6.3 Elaborao do projeto bsico para a ampliao do edifcio-sede da
Delegacia da Receita Federal do Brasil em Novo Hamburgo (RS) .. 97
2.6.4 Revitalizao da Pousada Refgio do Parque em Terespolis
(RJ) - Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade
ICMBIO/MMA ................................................................................ 100
2.6.5 Fiscalizao, superviso e gerenciamento das obras de construo
do Estdio Novo Verdo, em Cuiab (MT) .............................. ...... 102
2.6.6 Elaborao de projeto bsico e projeto executivo para construo
do Centro de Estudos de Clima e Ambientes Sustentveis da
Universidade de So Paulo (USP) ................................................ 107
2.6.7 Revitalizao, modernizao e recuperao do Complexo CaisMau em Porto Alegre (RS) .......................................................... 110
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2.6.8 Construo, montagem e comissionamento do edifcio do Frum
do Meio Ambiente do Distrito Federal ........................................... 113
2.6.9 Reforo estrutural na edificao de sade do 22 Batalho
Logstico Leve em Barueri (SP) ..................................................... 115
2.7 Direito comparado ................................................ ......................... 117
2.7.1 Obras pblicas sustentveis na Frana ........................................ 118
2.7.2 Obras pblicas sustentveis no Canad ....................................... 128
2.7.3 Obras pblicas sustentveis no Chile ........................................... 137
3 CONSIDERAES FINAIS.......................................................... 1474 REFERNCIAS............................................................................. 156
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
A3PAgenda Ambiental na Administrao Pblica
ABNTAssociao Brasileira de Normas Tcnicas
AQUAAlta Qualidade Ambiental
BOMA CanadaBuilding Owners and Managers Association of Canada
CBCSConselho Brasileiro de Construo Sustentvel
CECASCentro de Estudos de Clima e Ambientes Sustentveis
CFConstituio Federal Brasileira de 1988
CGUControladoria-Geral da UnioCNUMAD Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento (conhecida como ECO-92)
CONAMAConselho Nacional do Meio Ambiente
COVCompostos Orgnicos Volteis
ECO-92 Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e oDesenvolvimento (CNUMAD)
EIAEstudo de Impacto Ambiental
EIVEstudo de Impacto de Vizinhana
EMAS Eco-Management and Audit Scheme ou Systme Communautaire deManagement Environnemental et d'Audit
FGTSFundo de Garantia do Tempo de Servio
FIFAFederao Internacional de Futebol Amador
FSCForest Stewardship Council
GBCBGreen Building Council Brasil
GEEGases do efeito estufa
HQEHaute Qualit Environnemental
HPEHaute Performance nergtique
IBAMAInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
IBGEInstituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICLEIConselho Internacional de Governos Locais pela Sustentabilidade
ICMBIOInstituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade
INInstruo Normativa
INMETROInstituto Nacional de Metrologia, Normalizao e Qualidade Industrial
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INSSInstituto Nacional do Seguro Social
IPTInstituto de Pesquisas Tecnolgicas
ISOInternational Organization for Standardization
LEEDLeadership in Energy and Environmental Design
MMAMinistrio do Meio Ambiente
MPOGMinistrio do Planejamento, Oramento e Gesto
ONUOrganizao das Naes Unidas
PNMAPoltica Nacional do Meio Ambiente (Lei n 6.938/81)
PNMCPoltica Nacional sobre Mudana do Clima (Lei n 12.187/09)
PNRSPoltica Nacional de Resduos Slidos (Lei n 12.305/10)
PNUMAPrograma das Naes Unidas para o Meio Ambiente
PROCELPrograma Nacional de Conservao de Energia Eltrica
RCCResduo da construo civil
RIMARelatrio de Impacto Ambiental
SindusCon-SPSindicato da Indstria da Construo Civil do Estado de So Paulo
SISGSistema de Servios Gerais
SLTISecretaria de Logstica e Tecnologia da InformaoTCUTribunal de Contas da Unio
TPSGCMinistre des Travaux Publics et Services Gouvernementaux Canada
USGBCUnited States Green Building Council
USPUniversidade de So Paulo
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1 INTRODUO
O desenvolvimento econmico e a qualidade de vida se relacionam
diretamente com a indstria da construo civil, seja devido necessidade de
infraestrutura, seja pela demanda por melhores condies sociais. De todas as
atividades industriais no Brasil, a que teve a segunda maior expanso no 4 trimestre
de 2010 foi a da Construo Civil, superada somente pela de explorao mineral1.
Segundo o Sindicato da Indstria da Construo Civil do Estado de So Paulo
(SindusCon-SP), at outubro de 2010 o setor empregava mais de 2,8 milhes de
pessoas, indicando um crescimento de 15,12% da oferta de vagas em 12 meses2.Sob outro aspecto, a construo civil responsvel por consumir entre 30%
e 40% de todos os recursos extrados da natureza. No tocante madeira, por
exemplo, dos 64% produzidos na Amaznia, 15% so consumidos pelo setor no
Estado de So Paulo, sendo que grande parcela da madeira utilizada de origem
ilegal ou predatria3. Mas no somente madeira que a indstria da construo civil
extrai da natureza. necessrio elevado volume de gua, ferro, alumnio, cobre,
agregados (areia, cascalho, pedra), cermica e outras matrias primas. As obrascivis so tambm responsveis por alta demanda de energia eltrica e so grandes
poluidoras da atmosfera, devido queima de combustveis fsseis durante a
fabricao do material, no transporte e nos canteiros. A atividade ainda produz
volumosas quantidades de resduos slidos, desde a construo at o final do seu
ciclo de vida.
O Poder Pbico tem a obrigao de tutelar jurdica e administrativamente
todas as formas de uso do meio ambiente e as aes que possam causardegradao ambiental. Mais, os prprios entes estatais se submetem a esta tutela e
devem preservar, de modo exemplar, os recursos naturais para as presentes e
futuras geraes. Alm disso, dever do Estado fomentar a produo econmica, e
as compras pblicas so uma forma de se fazer isso.
1BRASIL. MPOG; Instituto Brasileiro de Geografia e Esatstica (IBGE). A economia brasileira no 4trimestre de 2010: viso geral. Braslia, 2011. Disponvel em: . Acesso em: 16 mar. 2011.
2SINDUSCON-SP. Emprego na construo civil: outubro de 2010. So Paulo, SP. Disponvel em:. Acesso em: 7 fev. 2011.3 SO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente/Coordenadoria de Planejamento Ambiental.Economia Verde: desenvolvimento, meio ambiente e qualidade de vida no Estado de So Paulo.Coordenao de Casemiro Trcio dos Reis Lima CarvalhoSo Paulo: SMA/CPLA, 2010. p. 78.
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O Estado Brasileiro um grande construtor. No ano de 2010, o Governo
Federal empregou cerca de R$ 13 bilhes em gastos diretos com obras e reformas
de instalaes imveis4. A cifra quase o dobro do que foi gasto com construes
no ano de 2008, e esses nmeros refletem o desenvolvimento econmico do Pas
no perodo. Visto que os insumos empregados em obras civis vm em peso do meio
ambiente natural, os valores dos investimentos do Governo indicam que grande
volume de recursos naturais saiu das respectivas reas de extrao em direo s
obras pblicas.
Estima-se que o Brasil destine entre 10% e 15% do seu PIB para compras
pblicas5. Nas aquisies do Governo, na maior parte das vezes, o critrio de preo
prevalece sobre critrios socioambientais, desconsiderando-se que a economicidadeda licitao pode estar, por exemplo, embutida no ciclo de vida de um produto ou de
uma obra, o que assegura benefcio ao meio ambiente6.
A Lei n 8.666/93 e a legislao correlata balizam a conduta do administrador
em direo melhor contratao. Assim, ao gestor pblico cabe decidir sobre o
modelo de obra a contratar: se sustentvel ou no, com vistas ao interesse pblico.
A presente monografia tem por objeto analisar as possibilidades e as
limitaes legais na aplicao de prticas de sustentabilidade nas atividades deconstruo civil contratadas pelo Poder Pblico Federal, considerando-se tanto a
necessidade de proteo ambiental pelo Estado como a disciplina das licitaes e
das contrataes administrativas. Pretende estudar experincias recentes de
construes sustentveis na Administrao e, ainda, comparar a legislao brasileira
com a de outros pases.
Nesta pesquisa ser questionado se h dispositivos na legislao federal que
exijam que solues sustentveis sejam adotadas nas obras pblicas; se alegislao permite ou estimula a contratao de obras ambientalmente amigveis,
sem que sejam ameaados os princpios da licitao; se a Administrao Pblica
4 BRASIL. Presidncia da Repblica. Controladoria-Geral da Unio. Informaes mensais: gastosdiretos do Governo; exerccio 2010. Disponvel em: .Acesso em: 20 jan. 2011.
5 Id., Ministrio do Meio Ambiente; Secretaria de Articulao Institucional e Cidadania Ambiental.Agenda Ambiental da Administrao Pblica: A3P: licitaes sustentveis. Disponvel em:. Acesso em: 16 dez. 2010.
6 Id., Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto; Conselho Internacional de Governos Locaispela Sustentabilidade. Guia de compras pblicas sustentveis para a Administrao Federal.[s. d.]. Disponvel em: . Acesso em: 9 nov. 2010.
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tem adotado prticas que favorecem o meio ambiente nas suas construes civis;
quais so os pontos sensveis dos editais de licitaes e dos contratos de obras
pblicas; e como esto outros pases em relao s construes pblicas
sustentveis.
Como hipteses, tem-se que, tanto na legislao ambiental como na
legislao de licitaes, h orientaes para o uso de material e de tcnicas de
construo civil que contribuam para a preservao ambiental. Antecipadamente, a
ideia de que no h incompatibilidade entre os princpios do Direito Ambiental e os
das licitaes e contratos, por serem de igual estatura. Pode-se adiantar que, em
determinadas esferas de governo, tm sido verificadas iniciativas de construes
ecolgicas, que sero apresentadas. Da anlise de instrumentos convocatrios, servisto que as oportunidades de serem apresentadas as exigncias da Administrao,
para que se cause o menor impacto ambiental, so especialmente o projeto, o edital
e a fiscalizao da obra. Por fim, em um breve ensaio de direito comparado, ser
visto que a legislao brasileira tenta acompanhar as mais avanadas, mas tambm
no das mais retrgradas.
O tema do trabalho se inclui na linha de pesquisa Meio Ambiente sadio e vida
urbanaum desafio para a Administrao Pblica. Preza pela interdisciplinaridade,pela atualidade e pela relevncia das obras pblicas na economia brasileira. Devem,
ainda, ser ressaltadas recentes alteraes incorporadas legislao ptria, dentre
as quais se destacam a Poltica Nacional de Resduos Slidos, a Poltica Nacional
sobre Mudana do Clima e, sobretudo, a Lei n 12.349, que, no ocaso do ano de
2010, erigiu o desenvolvimento sustentvel categoria de objetivo das licitaes e
contratos.
Como ressalta Eduardo J. Viola
7
, o mundo tem mostrado sinais de mudanasque refletem o impacto da crise financeira de 2008, como, por exemplo, uma
tendncia diminuio do consumo e transformao de valores coletivos,
seguidos de impulso economia de baixo carbono. No plano nacional, mais
especificamente na Campanha Eleitoral de 2010, teve destaque a preferncia
expressa nas urnas pela candidata Marina Silva, o que pode ser um sinal da
importncia dada pelo povo brasileiro s mudanas climticas e ao meio ambiente.
7 VIOLA, Eduardo. Evoluo da mudana climtica na agenda internacional e transio parauma economia de baixo carbono, 19902009. In: FEREIRA, Heline Sivini; LEITE, Jos RubensMorato; BORATTI, Larissa Verri (Org.). Estado de direito ambiental: tendncias. 2. Ed. Rio deJaneiro: Forense Universitria, 2010. p. 55 e 84-87.
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Uma vez que o Direito expressa o costume e o pensar dos povos,
necessrio que seja aferida essa dinmica que a conscincia ambiental tem
implementado no comportamento da sociedade, em especial no que se refere a uma
atividade to impactante como a construo civil.
O tema da monografia ainda no foi objeto de maiores exploraes pelos
renomados autores do ramo do Direito Ambiental nem do Direito Administrativo
Licitaes e Contratos. Isso no impediu, entretanto, que fossem colhidas as ideias
deixadas por estes mesmos doutrinadores, quando se referem aos fundamentos
basilares do assunto ora estudado.
O trabalho terico e descritivo, consistindo na anlise documental de
normas sobre meio ambiente e sobre licitaes e contratos administrativos. Ajurisprudncia e o posicionamento dos tribunais de contas foram, tambm,
estudados. Anlises bibliogrficas de textos de autores de obras jurdicas, de
engenheiros e de arquitetos urbanistas foram usadas como fonte de informaes, de
onde se extraram concluses relevantes.
O estudo de editais e de contratos de obras pblicas deu dinmica e
aplicao ao trabalho, oportunidade em que foram includos comentrios resultantes
da experincia do autor na rea de licitaes e contratos administrativos. Foramselecionados exemplos de boas prticas no mbito federal e tambm no estadual.
Editais de licitaes que no empregaram solues sustentveis no foram
estudados, pois nada acrescentariam ao trabalho.
Da rea tcnica de construo, com suporte em pesquisa documental, foram
aproveitados dados estatsticos, conceitos e informaes gerais do mercado. Sem
aprofundamento, admitiram-se os dados tcnicos como sendo comuns para obras
privadas e pblicas, uma vez que o tema sustentabilidade na construo civil temgrande aplicabilidade, e vem sendo largamente difundido.
O foco da pesquisa est nas reformas e nas construes edilcias na esfera
federal. Quanto sustentabilidade, sabido que ela se apoia sobre os aspectos
ambientais, sociais e econmicos. Esta monografia concentrou-se sobre o aspecto
ambiental e, nesse campo, sobre o meio ambiente natural, sem que se tenha
deixado de abordar os outros aspectos, quando pertinentes.
No captulo inicial h uma apresentao das obras sustentveis e seus
principais conceitos, a fim de ambientar o estudo sobre algo que possa ser concreto
e at familiar ao leitor. Depois, a Constituio Federal foi explorada, para evidenciar
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os fundamentos da defesa do meio ambiente, do desenvolvimento sustentvel e da
participao da Administrao neste processo, em especial por meio das licitaes
pblicas. No terceiro captulo, da legislao e da doutrina ambiental foram vistos os
instrumentos para a prtica das licitaes sustentveis, verificando-se tambm os
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil que suscitam o assunto. No
quarto captulo, a fim de serem analisados os cuidados existentes em relao ao
meio ambiente nas licitaes e nas contrataes pblicas, foi estudada a legislao
sobre essa matria, simultaneamente exposio do pensamento de autores de
obras jurdicas consagradas no ramo do Direito Administrativo. No quinto captulo
tem-se o posicionamento jurisprudencial sobre o tema, verificando-se, tambm, o
posicionamento da Corte de Contas da Unio sobre esse assunto. Alguns editais delicitaes e contratos de obras sustentveis foram discutidos no sexto captulo.
Nesta oportunidade, foram destacados exemplos louvveis de iniciativas na
realizao de obras pblicas sustentveis no Brasil. Ao fim, no stimo captulo esto
perfilados os principais dispositivos legais sobre obras pblicas sustentveis da
Frana, do Canad e do Chile, trs exemplos de culturas distintas, em ambientes
diversos e com economias tambm desiguais, que sero comparados situao
normativa do Brasil.Espera-se despertar o interesse dos gestores pblicos comprometidos com
contrataes e com o meio ambiente a ser preservado. Esta abordagem
significativa em face da necessidade de atuao do Estado em uma frente nova,
pois j no mais suficiente que o Estado se reserve somente o papel de legislar
sobre meio ambiente e fiscalizar o seguimento destas leis. A humanidade precisa de
mais esforos dos pases que desenvolveram esta conscincia ambiental. A
sociedade exige maior engajamento da Administrao e h compromissosassumidos internacionalmente pelo Brasil para o implemento de prticas
sustentveis nas compras pblicas, o qu, juntado vocao deste Pas Continente
para as grandes construes, pode trazer excelentes resultados para todos os
participantes do processo.
Sem o propsito de esgotar o assunto, o trabalho exsurge como uma
contribuio para a conscientizao de membros da Administrao Pblica, do meio
acadmico e do setor empresarial, para a necessidade de ao conjunta para a
preservao dos recursos naturais em prol da presente e das futuras geraes.
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2 DESENVOLVIMENTO
No estudo do liame entre a sustentabilidade ambiental e as construes
pblicas, necessariamente o ponto de partida deve ser o arcabouo jurdico que
fundamenta todo e qualquer dever estatal, nutrido pelos princpios que integram
cada disciplina do Direito. Os princpios estruturam a cincia do Direito, baseando a
feitura das normas. As normas jurdicas fornecem o rumo ao administrador pblico,
dizendo-lhe quais so as suas obrigaes e quais as condutas que lhe so vedadas.
Seguindo este caminho, o administrador estar dando cumprimento ao que a
sociedade espera dele, pondo sob resguardo os seus atos.A sequncia cronolgica de publicao das principais normas protetoras do
meio ambiente natural no Brasil de interesse peculiar, porque mostra o sentimento
que foi se desenvolvendo no seio da nossa sociedade8.
Em uma viso sumria da ordem histrica destes atos, at a promulgao da
Constituio Federal de 1988 (CF), que tanto trouxe para a sustentabilidade
ambiental, v-se que, ainda na Dcada de 30, foram publicados o Cdigo de guas,
o primeiro Cdigo Florestal e o Decreto-Lei n 25/37 (proteo aos monumentosnaturais). Na Dcada de 60, surgiram o Cdigo Florestal atual, o Cdigo de Minas e
a Lei n 5.197/67, sendo que esta ltima visava proteo da fauna. Nos Anos 70,
veio para o ordenamento jurdico a Lei de Parcelamento do Solo Urbano. A partir de
1980 juntaram-se a Lei de Criao de Estaes Ecolgicas e reas de Proteo
Ambiental, a Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente e a Lei da Ao Civil Pblica.
Em 1988 foi promulgada a Constituio Federal (CF). Das leis, o marco, sem
dvida, a Lei n 6.938/81 Poltica Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Emboraesta Lei esteja hierarquicamente subordinada Constituio Federal, foi por ela
recepcionada filialmente. Explico: a Constituio assimilou diversos princpios e
prticas que j se haviam consolidado com a PNMA. Dessa forma, a PNMA originou
um direito positivo albergado pela Constituio. Algo parecido ocorreu com a Lei da
Ao Popular (Lei n 4.717/65), que implicou o contedo do art. 5, LXXIII, da
Constituio Federal.
Os frutos da Constituio de 1988 para o meio ambiente no cessaram, pois,
8FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituio Federal e a efetividade das normas ambientais.2. ed. rev. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 154.
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como diz dis Milar9, o Direito Ambiental dinmico e tenta recuperar o tempo
perdido. Sucederam-se medidas que tentam impor conscientizao e respeito ao
meio ambiente, das quais so exemplos a Lei de Crimes Ambientais, a Poltica
Nacional de Educao Ambiental, o Estatuto da Cidade, a Poltica Nacional sobre
Mudana do Clima (PNMC) e, mais recentemente, a Poltica Nacional de Resduos
Slidos (PNRS).
As primeiras utilizaes do termo sustentabilidade nos estudos ambientais
remontam Conferncia Mundial de Meio Ambiente, em Estocolmo, no ano de 1972
e, depois, no Relatrio Brundtland, em 1987, na definio de desenvolvimento
sustentvel. Esta expresso no est explcita na Constituio Brasileira, mas
extrai-se integralmente dos conceitos ali contidos, em um exerccio de hermenutica,sem dificuldades, como ser visto.
A doutrina do Direito Ambiental apresenta uma diversidade de princpios.
Todos so igualmente relevantes e, direta ou indiretamente, se relacionam com a
sustentabilidade nas construes pblicas. Os princpios do desenvolvimento
sustentvel e o da ubiquidade, entretanto, esto na prpria essncia do tema deste
trabalho e, por isso, sero abordados com mais nfase, ao lado do princpio da
preveno.No se pode falar em construes pblicas sem falar em licitaes, cuja
estrutura legal se assenta sobre a Lei n 8.666/93Lei de Licitaes e Contrataes
Pblicas. Essa norma define, de incio, que os dois objetivos bsicos do certame so
a igualdade entre as partes e a vantagem para a Administrao, o que afeta as
contrataes sustentveis, em vista do critrio de escolha do licitante. Ao lado dos
objetivos das licitaes esto os princpios, que devem ser respeitados, bem como
outras exigncias que a Lei faz s contrataes, em especial s contrataes deobras.
Do texto constitucional extraem-se os princpios bsicos de cada uma destas
duas matrias: meio ambiente e licitaes. So, tambm, identificadas as relaes
entre elas. A anlise da Constituio Federal, da Lei n 6.938/81 e da Lei n 8.666/93
formam a estrutura bsica do assunto. Antes, porm, necessria uma noo do
que so as construes sustentveis, suas tcnicas, e os rgos que mais se
destacam na certificao de obras desse tipo. Julga-se importante uma amostra do
9MILAR, dis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudncia, glossrio. 5. ed. ref., atual. e ampl.So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 15.
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panorama brasileiro nessa rea, com anlise de licitaes realizadas com
fundamento na legislao estudada, para que se possa concluir como est o Brasil
em relao a outros pases.
2.1 Obras sustentveis
Antes de discorrer sobre os aspectos jurdicos da adoo de solues
sustentveis nas construes civis da Administrao Pblica Federal, convm que
sejam apresentados os principais conceitos que existem no meio da arquitetura e daengenharia civil sobre o assunto. Estes conceitos se aperfeioam a cada dia,
medida que a cincia descobre novos materiais e a engenhosidade dos profissionais
destas reas revela novas tcnicas em benefcio do homem e da natureza que o
acolhe.
As solues aplicveis s construes sustentveis so indiferentemente
destinadas a prdios pblicos ou privados. O esforo para a adoo de solues
sustentveis igualmente louvvel se voltado para uma obra de grande porte, comouma hidreltrica, ou se para uma pequena empreitada, como na reforma de um
banheiro. No faz diferena, pois o que importa que tenha sido racionalizado o
emprego de recursos naturais, que tenha sido emitido menos volume de gases do
efeito estufa (GEE) e produzidos menos resduos slidos.
Sobre o conceito distintivo do que seja uma obra ou um servio de engenharia
no h definio conclusiva na legislao. A distino legal entre obra e servio
insuficiente e defeituosa
10
na Lei n 8.666/93. Os incisos I e II do art. 6 desta Leino definem obra nem servio, mas apenas citam as atividades que se enquadram
como obra e exemplifica atividades que se entendem como servios. Maral Justen
Filho11questiona, diante da indefinio do texto legal, se a reforma de um imvel,
com a demolio parcial do prdio, seria uma obra ou um servio? E a pintura de um
imvel, obra ou servio? Por isso, a Lei no fez distino quanto ao seu regime
jurdico, que nico para obras e para servios de engenharia. Tampouco este
10JUSTEN FILHO, Maral. Comentrios lei de licitaes e contratos administrativos. 9. ed. SoPaulo: Dialtica, 2002. p. 108.
11JUSTEN FILHO, Maral, loc. cit.
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trabalho se deter nesta diferena, contanto que a obra e o servio sejam
sustentveis. Por mera facilidade de definio, ser empregado o termo obra para
os dois tipos de contratao.
Existem vrios mtodos e critrios para a certificao de uma obra como
sendo sustentvel. Para o Conselho Brasileiro de Construo Sustentvel (CBCS)12,
h seis passos para que se possa verificar se um insumo ou fornecedor pode ser
considerado sustentvel: (1) verificao da formalidade da empresa fabricante e
fornecedora; (2) verificao da licena ambiental; (3) verificao das questes
sociais; (4) qualidade e normas tcnicas do produto; (5) consulta ao perfil de
responsabilidade socioambiental da empresa; e (6) identificao a existncia de
propaganda enganosa. Para o CBCS no existe sustentabilidade sem legalidade,qualidade e formalidade. Estes critrios so, em parte, atendidos por empresas que
se habilitam para licitaes pblicas, quando se exige formalidade da pessoa
jurdica, regularidade fiscal, formalidade na contratao de empregados e
inexistncia de empregados menores. Outros critrios do CBCS, contudo, no so
aplicveis s contrataes pblicas, por serem baseados em avaliaes
essencialmente subjetivas, no prescritas em lei ou por creditarem suas informaes
a fontes no oficiais.O Green Building Council Brasil (GBCB)13divulga no mercado a certificao
Leadership in Energy and Environmental Design(LEED), a grife internacional das
certificaes ambientais, que aborda basicamente os seguintes critrios: (1)
materiais e recursos, (2) energia e atmosfera, (3) espao sustentvel, (4) qualidade
ambiental interna, (5) uso racional da gua, (6) inovao na operao e (7) crditos
regionais. Estes critrios gerais so expandidos e auditados por meio de diversos
subitens, de acordo com a natureza da obra (construo ou reforma), com afinalidade do edifcio e com o seu local, adequando-se algumas metas, quando
necessrio.
A Fundao Vanzolini, criada, mantida e gerida por professores da
Universidade de So Paulo (USP), certifica edifcios de forma independente,
concedendo-lhes a Certificao de Construo SustentvelProcesso AQUA14(Alta
Qualidade Ambiental), que avalia as seguintes fases do empreendimento: programa;
12Disponvel em: . Acesso em: 06 set. 2010.13Disponvel em: . Acesso em: 7 set. 2010.14Disponvel em: . Acesso em: 6 nov. 2010.
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concepo (projeto); realizao (obra) e operao (uso). Os benefcios de um
empreendimento certificado por este processo so qualidade de vida do usurio,
economia de gua, de energia, disposio de resduos e manuteno e contribuio
para o desenvolvimento socioeconmico e ambiental da regio. O referencial tcnico
do Processo AQUA uma adaptao para o Brasil da Dmarche HQE (Haute
Qualit Environnemental), da Frana.
Nem todas as obras e servios de engenharia so construes novas. Por
isso, os critrios de sustentabilidade so aplicveis tambm s reformas de
construes j existentes, por meio de retrofittingdos prdios pblicos mais antigos.
Considera-se que a vida til de um edifcio seja de aproximadamente 60 anos 15, o
que um longo perodo em que haver custos de operao e manuteno. Essasdespesas, somadas, podem chegar at seis vezes o custo da construo do prdio.
Por isso a importncia da sustentabilidade em reformas de edifcios menos novos.
A Caixa Econmica Federal confere o Selo Casa Azul Caixa16 nos nveis
bronze, prata e ouro, conforme critrios prprios. O Selo Casa Azul tem por
finalidade reconhecer os empreendimentos que adotam solues mais eficientes
aplicadas construo, ao uso, ocupao e manuteno das edificaes,
objetivando incentivar o uso racional de recursos naturais e a melhoria da qualidadeda habitao e de seu entorno. Os critrios bsicos avaliam alguns requisitos
obrigatrios e outros de livre escolha do empreendedor, entre os quais os que
seguem qualidade urbana, projeto e conforto, eficincia energtica, conservao de
recursos materiais, gesto da gua e projetos sociais.
De acordo com os critrios do Instituto para o Desenvolvimento da Habitao
Ecolgica (IDHEA)17, nove passos principais so necessrios para uma construo
sustentvel: (1) planejamento sustentvel da obra; (2) aproveitamento passivo dosrecursos naturais; (3) eficincia energtica; (4) gesto e economia da gua; (5)
gesto dos resduos na edificao; (6) qualidade do ar e do ambiente interior; (7)
conforto termo-acstico; (8) uso racional de materiais; e (9) uso de produtos e
tecnologias ambientalmente amigveis.
O Governo do Estado de So Paulo criou o Programa Estadual de Construo
15 MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel.
Subsecretaria de Inovao e Logstica. Manual de obras pblicas sustentveis. Belo Horizonte,2008. Disponvel em: . Acesso em: 5 nov. 2010. p. 10.
16Disponvel em:
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Civil Sustentvel no mbito da prpria Administrao Pblica (Decreto Estadual n
55.947/1018). Neste Programa, os projetos de obras e servios de engenharia devem
prever o seguinte: durabilidade e flexibilidade na concepo de espaos e
instalaes prediais que permitam revitalizao futura; melhor desempenho
ambiental durante a operao; eficincia energtica dos edifcios pblicos durante as
fases de construo e operao; acessibilidade e mobilidade; reduo do consumo
de gua e de gerao de efluentes; reso de gua, quando aplicvel; uso racional
de recursos naturais no processo construtivo; uso de materiais, equipamentos e
sistemas construtivos de menor impacto ambiental; reduo dos impactos
ocasionados no canteiro de obras e entorno do projeto at a sua desmobilizao;
reduo, reutilizao, reciclagem e destinao adequada dos resduos; e solicitaode atendimento dos mesmos critrios por parte dos fornecedores.
Assim, verifica-se que h vrias formas de se especificar as construes
sustentveis, podendo ser usados mtodos de aferio para grandes ou para
pequenas obras; para construes ou para reformas; para edifcios ou para rodovias.
H que se ter cautela, porm, com o que o mercado chama de greenwashing, ou
verniz verde, que a tentativa de parecer mais ecologicamente amigvel do que
realmente . unanimidade em todos estes critrios o planejamento detalhado daconstruo, a adequao ao ambiente existente, a eficincia no consumo de energia
e de gua durante e aps a obra, o conforto para os usurios, o uso de material no
impactante, a reduo de consumo e de resduos, a facilidade de manuteno e o
aumento do ciclo de vida do prdio.
As tcnicas e materiais mais usuais so simples, envolvendo o uso de
madeira certificada, agregados reciclados, telhados brancos ou tetos verdes, reso
de guas cinzas, captao de guas pluviais, aquecimento solar da gua, uso debacias sanitrias com caixas acopladas, iluminao e ventilao natural, uso de
cimento CP3 ou CP4, tintas e vernizes sem compostos orgnicos volteis e outros.
Os investimentos em sustentabilidade na construo civil ainda so mais
elevados, variando, entre 3 e 10% acima da construo tradicional. Isso se deve
falta de preparao do mercado para atender a esta necessidade, alm do preo da
tecnologia empregada em certos materiais. Como o material e as tcnicas
18SO PAULO (Estado). Decreto n 55.947, de 24 de junho de 2010. Regulamenta a Lei n 13.798,de 9 de novembro de 2009, que dispe sobre a Poltica Estadual de Mudanas Climticas.Disponvel em: .Acesso em: 21 jan. 2011.
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sustentveis so mais caros, o ideal que eles se paguem diretamente, junto com
os benefcios para o ambiente. O retorno desse investimento financeiro (ou
payback)19ocorre em um perodo de aproximadamente 1 a 8 anos, de acordo com o
projeto, por meio da reduo da despesa que essa soluo sustentvel proporciona
ao edifcio. Esse perodo de retorno do investimento pode ser considerado um tempo
relativamente curto, se considerada a vida til do edifcio. No imperativo que
absolutamente todas as tecnologias e materiais disponveis sejam empregados em
uma obra. Seu uso deve sofrer o peso das condicionantes econmicas, pois se a
soluo no for vivel sob o ponto de vista econmico, ela no sustentvel.
equipe de arquitetos, engenheiros e gestores pblicos fica a tarefa de agir
em conjunto, com tica, com probidade administrativa, com criatividade, em respeitoao meio ambiente, especificando adequadamente o objeto a ser licitado, o material e
as tcnicas a serem empregados, para que se obtenha uma obra pblica
verdadeiramente sustentvel.
2.2 A sustentabilidade ambiental na Constituio Federal de 1988
Desde suas primeiras linhas, a Constituio Federal Brasileira de 1988
expressa a relevncia atribuda dignidade da pessoa humana, prova inequvoca de
que a pessoa fsica o motivo pelo qual toda a estrutura jurdica nacional existe. No
seu primeiro artigo, a Lex Materj definiu que a teoria do antropocentrismo est no
seu esprito, devendo, consequentemente, instruir tanto a interpretao
constitucional como a legislao subordinada, a qu se prendem os atos oficiais.A dignidade do ser humano, como consta do inciso III do art. 1 da
Constituio, junto com os direitos sociais do art. 6, integra o que Fiorillo20chama
de piso vital mnimo. Segundo o autor, esse mandamento constitucional, entre
outros fundamentos essenciais a serem seguidos pelo Estado, insere o direito que
tem o cidado a um meio ambiente que lhe proporcione uma vida condizente com a
19VIGGIANO, Mrio Hermes Stanziona. Edifcios pblicos sustentveis. Braslia: Senado Federal -Subsecretaria de Edies Tcnicas, 2010. p. 28 e 39. Disponvel em:
. Acesso em: 19 set. 2010.
20 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 9. ed. rev., atual. eampl. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 13 e 74.
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condio humana, no s sob o ponto de vista fisiolgico, mas tambm agregada
por outros valores. O bem-estar social, na viso da coletividade, ora chamado de
qualidade de vida, a prpria razo da organizao das pessoas em grupos, sob a
autoridade de um poder gestor, que lhes impe regras, mas tambm lhes assegura
benefcios. Entre essas contrapartidas que o Estado deve dar ao cidado est a
garantia de um meio ambiente sadio para se viver21.
Por ocasio da promulgao da atual Constituio Federal, em 1988, foi
reservado um captulo especifico tutela do meio ambiente. O artigo 225, da
Constituio explicita que todos, Poder Pblico e coletividade, tm a incumbncia de
tutelar pelos bens ambientais. Essa tutela se d, ora em razo da funo direta de
certos setores, encarregados de normatizar, policiar, processar e julgar eventuaisdanos; ora genericamente, quando os entes pblicos exercem as suas funes
administrativas, comprando bens, contratando servios e realizando obras. O
Estado, por seus rgos e agentes, no se exime de cumprir com as suas
obrigaes no trato com o meio ambiente, por isso est sujeito mesma disciplina
ambiental imposta aos particulares. Por oportuno, quanto s atividades objeto deste
estudo, ou seja, quanto execuo de obras pblicas sob o preceito da
sustentabilidade ambiental, tem-se, desde j, fundamento constitucional no caputeno inciso IV do referido art. 225, abaixo transcritos:
Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida,impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo epreserv- lo para as presentes e futuras geraes.
1 - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Pblico:
()
IV - exigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividadepotencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente,estudo prvio de impacto ambiental, a que se dar publicidade;
Interpretando-se o art. 225 luz do princpio fundamental da dignidade da
pessoa humana (art. 1, III, CF), conclui-se que tanto a coletividade como o Poder
Pblico tm o dever de zelar pelo meio ambiente, pois ele essencial sadia
qualidade de vida. Por isso, ele deve ser no s defendido, mas tambm
conservado, para que possa ser aproveitado, de igual forma, por esta gerao e
pelas que viro, segundo o princpio da equidade intergeracional.21MORAES, Alexandre de. Constituio do Brasil interpretada e legislao constitucional. 7. ed.
atual. at a EC n 55/07. So Paulo: Atlas, 2007. p. 2188.
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Inaugura-se, com esse dispositivo, uma modalidade nova de direito, que
Fiorillo22 chama de direito futuro, diferente da ideia tradicional de direito do
nascituro, do Direito Civil. Nessa nova figura constitucional, a gerao protegida
uma que nem sequer foi concebida, e que ainda no titular de quaisquer direitos,
porque vai integrar uma gerao que est por vir.
Quando o art. 225 diz que o Poder Pblico e a sociedade tm o igual dever de
defender e preservar o meio ambiente, isso no quer dizer que se esteja proibindo
de explor-lo hoje. A natureza deve sim ser explorada, porm bem explorada, com
critrio, para que os bens ambientais existentes sejam suficientes para atender s
necessidades de agora e das futuras geraes, com as mesmas opes, qualidade
e facilidade de acesso23.Ainda no art. 225, CF, podemos fazer uma primeira constatao do impacto
das construes no meio ambiente, tanto que elas foram destaque no texto
constitucional, quando se fala da instalao de obras, no inciso IV do 1 do art.
225. Uma leitura superficial concluiria pela exigncia de estudo prvio de impacto
ambiental sempre que existisse uma obra, de toda e qualquer natureza e amplitude.
Partindo dessa premissa, para as demais atividades somente haveria a necessidade
de estudo de impacto se elas fossem causadoras de significativa degradao. Ainterpretao correta, no entanto, no essa. A exigncia de estudo de impacto
ambiental a mesma, seja para obra, seja para outra atividade distinta, contanto que
haja a possibilidade de degradao do ambiente, sem se prender natureza do que
ser executado. O pressuposto constitucional de que qualquer empreendimento
degradar o meio ambiente, seja ele uma obra ou no, cabendo quele que possui o
projeto demonstrar o contrrio, eximindo-se da necessidade de apresentao do
referido estudo
24
.Sem dvida, porm, em nome do princpio da preveno, as atenes dos
rgos ambientais se voltam para a ameaa que as novas construes civis
representam, tanto que elas foram nitidamente ressaltadas dentre as demais
atividades antrpicas impactantes.
Pode-se tambm extrair do art. 225, CF, o princpio das responsabilidades
22FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 9. ed. rev., atual. eampl. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 14.
23CARVALHO, Dlton Winter de. A tutela constitucional do risco ambiental. In: FEREIRA, HelineSivini; LEITE, Jos Rubens Morato; BORATTI, Larissa Verri (Org.). Estado de direito ambiental:tendncias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2010. p. 270.
24FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit., p. 97 e 98.
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comuns, segundo o qual as aes nacionais devem considerar e integrar as aes
estaduais e municipais, conforme reza o caput do art. 3 da Lei n 12.187/09 -
PNMC. H uma relao deste princpio com o que Fiorillo 25chama de princpio da
ubiquidade, sobre o qual assim expe seu pensamento:
Este princpio vem evidenciar que o objeto da proteo ao meio ambiente,localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado emconsiderao toda vez que uma poltica, atuao, legislao sobre qualquertema, atividade, obra, etc, tiver que ser criada e desenvolvida. Isso porque,na medida em que possui como ponto cardeal de tutela constitucional a vidae a qualidade de vida, tudo o que se pretende fazer, criar ou desenvolverdeve antes passar por uma consulta ambiental, enfim, para saber se h ouno a possibilidade de que o meio ambiente seja degradado.
A anlise das repercusses de um ato oficial sobre o meio ambiente deve
sempre ser levada em conta, quer se trate de ato administrativo ou legislativo. No
faz diferena se o ato tem como objeto o meio ambiente, este sempre deve ser
lembrado na finalidade, mesmo que o rgo envolvido no tenha essa competncia
originria. O princpio das responsabilidades comuns e o da ubiquidade se
complementam na preocupao com o meio ambiente quando da prtica dos atos
oficiais. Todos devem estar comprometidos com esse objetivo comum, independente
de a defesa e preservao do meio ambiente ser ou no seu objeto de servio.
Por isso, se uma obra for levada a efeito pela administrao federal direta ou
indireta, seguindo-se os princpios citados, deve sempre ser considerada a
possibilidade de mitigao do seu impacto no meio ambiente, por menos danosa que
ela seja, aliando-se esforos com o Estado e com o Municpio onde ela v ser
executada.
Formalmente, a competncia administrativa quanto matria ambiental
comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, e est definida
no art. 23, CF, com destaque para os incisos abaixo, em razo do foco destetrabalho:
Art. 23. competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal edos Municpios:
[...]
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histrico,artstico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notveis e osstios arqueolgicos;
[...]
25FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 9. ed. rev., atual. eampl. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 55.
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VI - proteger o meio ambiente e combater a poluio em qualquer de suasformas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
[...]
IX - promover programas de construo de moradias e a melhoria dascondies habitacionais e de saneamento bsico;
A competncia qual se destina o art. 23, no que respeita ao meio ambiente
natural, aquela necessria ao poder regulamentar do Estado, to necessrios
explicitao dos textos legais e especificao das peculiaridades de cada regio. O
art. 23 tambm visa ao poder de polcia, no caso exercido nos atos de licenciamento,
outorga, fiscalizao ambiental e de policiamento propriamente dito. Essa
competncia atribuda ao Poder Executivo dos Estados e do Distrito Federal, na
maioria dos casos exercida por meio de suas Secretarias de Meio Ambiente, pelas
Polcias Militares e por outros entes ligados matria.
O pargrafo nico do art. 23 estipula que Lei Complementar fixar normas de
cooperao entre os entes federados tendo em vista o equilbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em mbito nacional. Este pargrafo deve ser
conjugado com o art. 241, CF, desde a Emenda Constitucional (EC) n 19/98, que
prev a formao de consrcios pblicos. Estes consrcios so regidos pela Lei n
11.107/05, que dispe sobre normas gerais de contratao de consrcios pblicos, e
que de fundamental relevncia para os Municpios quando envolvem obras de
infraestrutura como estradas, estaes de tratamento de efluentes e aterros
sanitrios26, ao que acrescento, sem esgotar o rol, as obras de saneamento bsico,
as barragens, os audes e as obras preventivas de desastres.
A competncia legislativa especfica para as matrias relativas ao meio
ambiente concorrente para a Unio, Estados e Distrito Federal, e est disposta noart. 24, CF, acrescentando-se que Unio cabe estabelecer as normas gerais, a
serem complementadas pelas normas dos Estados e do Distrito Federal. Aos
Municpios no cabe legislar sobre meio ambiente e, quando agem nessa seara, o
fazem por fora de competncia complementar ou suplementar (art. 30, I e II, CF),
como ocorre no caso da legislao referente ao uso, parcelamento e ocupao do
solo, zoneamento urbano (art. 30, VIII, CF), Planos Diretores (art. 182, 1, CF),
26 SILVA, Bruno Campos. Reflexes crticas acerca do pargrafo nico do artigo 23 daConstituio e alguns critrios de viabilidade sustentabilidade . Frum de Direito Urbano eAmbiental. ano 7. n. 38. mar./abr. 2008. Belo Horizonte: Frum, 2008. p. 36.
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cdigos de obras, gerenciamento de resduos, comrcio e outras normas locais.
Apesar do valor expressivo atribudo defesa e preservao dos recursos
naturais para as geraes do futuro, a ordem constitucional no pode fechar os
olhos necessidade desses bens para as geraes presentes. Sem os recursos
disponveis na natureza, invivel a satisfao das necessidades humanas nos dias
atuais.
Para que haja qualidade de vida, a gua, o ar atmosfrico, o solo, as plantas
e os minerais tm que ser explorados economicamente, pois isso essencial para a
vida, a sade, o bem-estar e para o desenvolvimento individual e coletivo.
necessrio que a economia funcione para que haja empregos, renda, conforto,
qualidade de vida, pagamento de tributos e adequada prestao do dever estatal.Seria inconcebvel que a riqueza natural fosse mantida intacta, em nome da
preservao ambiental, enquanto o ser humano perecesse mngua, em condies
pr-histricas, digam-se, indignas. Isso no se enquadra em nenhum princpio do
Direito Ambiental.
O Estado Brasileiro tem um compromisso com a natureza, mas tambm com
a garantia do desenvolvimento nacional, o que est nos objetivos fundamentais
definidos no texto constitucional, no inciso II do art. 3. O Pavilho Nacional trazinscrita a palavra de ordem da Repblica: progresso, expresso positivista que
vigia ao fim do sculo XIX. O crescimento econmico, contudo, no pode ocorrer de
forma incontida, sob pena de as geraes futuras no disporem de matria-prima
para atender s suas necessidades.
O desenvolvimento econmico nacional deve ser logrado de forma
equilibrada, respeitando-se a dignidade humana, o meio ambiente e a livre iniciativa.
isso que manda o art. 170 da Constituio, no incio do captulo referente aosprincpios gerais da atividade econmica e, em especial, o seu inciso VI, que evoca
a defesa do meio ambiente, in verbis:
Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano ena livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conformeos ditames da justia social, observados os seguintes princpios:
[...]
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciadoconforme o impacto ambiental dos produtos e servios e de seus processosde elaborao e prestao; (Redao dada pela Emenda Constitucional n42, de 19.12.2003)
O pensamento liberal que pregava a livre iniciativa com crescimento a
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qualquer custo foi refreado pela Constituio de 1988, que valoriza a mesma
liberdade de iniciativa, mas com desenvolvimento sustentvel.
Da conjugao dos principais dispositivos constitucionais que defendem a
preservao do meio ambiente (art. 1, III, e art. 225) com os que garantem o
desenvolvimento econmico (art. 3, II, e art. 170), tem-se a base legal para
aplicao do princpio do desenvolvimento nacional sustentvel.
Visto que a Constituio orienta os passos da Repblica Federativa do Brasil,
para que ela se conduza segundo estes princpios, imperativo concluir que estes
mandamentos se dirigem a todos os cidados e a todos os Poderes, pois essa a
vontade do povo, expressa pelo constituinte.
Os atos do Poder Pblico, antes dos atos dos demais entes privados, devemseguir estes preceitos constitucionais, visando sempre ao desenvolvimento
sustentvel, provendo condies econmicas favorveis, em um meio ambiente
saudvel, com dignidade humana. Como define dis Milar27, a caracterstica
principal do desenvolvimento sustentvel consiste na possvel e desejvel
conciliao entre o desenvolvimento econmico integral, a preservao do meio
ambiente e a melhoria da qualidade de vida, trs metas indispensveis.
Para bem desempenhar as suas funes, necessrio que o Estado estejaaparelhado adequadamente sob o aspecto material. Somente assim poder oferecer
condies dignas de trabalho para os seus servidores, poder receber bem os
reclamos dos cidados e tambm atender s demandas sociais.
Quando o Poder Pblico compra bens, vende, contrata servios ou constri,
seja para satisfao de uma carncia social ou de infraestrutura, seja para atender
s necessidades da prpria repartio, ele exerce a administrao como atividade
meio, visando ao interesse pblico direta ou indiretamente.No art. 37 da Constituio est regrado o modus operandida Administrao,
segundo linhas gerais (art. 37, caput, CF) dirigidas a todas as esferas e entes
pblicos, impondo-lhes que obedeam aos princpios da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficincia.
A forma de a Administrao comprar, vender ou contratar , em regra, por
meio de licitao, ou seja, por meio da escolha da oferta que lhe seja mais
vantajosa, aps um chamamento pblico a todos os interessados para que faam
27MILAR, dis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudncia, glossrio. 5. ed. ref., atual. e ampl.So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 61.
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suas propostas e tenham a chance de ser contratados para executar determinada
prestao28. Pode ser contratado o fornecimento ou a alienao de bens ou a
execuo de servio ou de obra. Ao administrador no dado escolher se licita ou
no: licitar a regra29, segundo o mandamento do art. 37, XXI, CF. Esse agir do
administrador pblico, entretanto, se submete a diversas circunstncias fticas do
mundo concreto, razo pela qual ele deve contar com certo grau de
discricionariedade, no limite da lei, para que possa escolher uma dentre as solues
possveis30de quando e como fazer; o que e quanto comprar.
A competncia para legislar sobre normas gerais de licitao e contratao
privativa da Unio, de acordo com o inciso XXVII do art. 22, CF. A Lei n 8.666/93
(que institui normas para licitaes e contratos) e a legislao extravagante aplicvels licitaes e contratos pblicos regram, com detalhes, o procedimento
administrativo em todas as suas fases.
Apesar de a Constituio ter reservado a competncia da Unio para somente
fixar as normasgeraisdas licitaes e contrataes, no o que ocorre. A Lei de
Licitaes foi alm, e isso enseja a arguio de inconstitucionalidade dos
dispositivos legais que no se contm como normas genricas, e que extrapolam
seu alcance. O inverso tambm acontece, e questiona-se a legalidade das normasestaduais, distritais e municipais que contrariem a Lei n 8.666/93.
Resulta que as normas gerais da Lei de Licitaes so de observncia
obrigatria por todos os entes da federao, enquanto as demais normas somente
so exigveis da Unio, sendo livre para os demais31. No h consenso terico para
os doutrinadores sobre a generalidade ou no de cada dispositivo da Lei n
8.666/93. Na prtica, os instrumentos convocatrios, mesmo que sejam dos
Estados, Distrito Federal e Municpios, consignam que se regero por esta Lei.Como dito, ao administrador ficar a tarefa de decidir da convenincia do
objeto a ser licitado, da sua quantidade, da oportunidade mais adequada para licitar,
dos recursos disponveis, e outras discricionariedades, sempre luz da probidade
administrativa, o que significa que o administrador diz onde est o interesse pblico.
28MUKAI, Toshio. Licitaes e contratos pblicos. 6. ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Saraiva,2004. p. 1.
29Ibid., p. 3.30
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21.ed. 2. reimpr. So Paulo, Atlas, 2008.p. 201.31
PEREIRA JNIOR, Jess Torres. Comentrios lei de licitaes e contrataes daAdministrao Pblica. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 18-19.
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Essas opes devem estar alinhadas, de acordo com os preceitos da Repblica e da
Administrao, respeitando-se os critrios de sustentabilidade.
Fiorillo32 explica que, por vezes, o interesse pblico primrio, pode conflitar
com o interesse pblico secundrio. Em vista da possibilidade de a Administrao
no atender satisfatoriamente o primeiro, em funo de condies impostas pelo
segundo, a tutela deste coube coletividade, e no ao prprio Poder Pblico. o
que ocorre, por exemplo, quando a edificao de uma arena pblica para a prtica
de esportes deixa de atender determinada exigncia ambiental. Impe-se a
interveno em defesa do interesse difuso lesado, seja por meio dos prprios
cidados, seja por interposio das instituies legitimadas, valendo-se dos
instrumentos jurdicos adequados como a Ao Popular, a Ao Civil Pblica ou oMandado de Segurana, a fim de que as medidas necessrias sustentabilidade de
um meio ambiente sadio e equilibrado sejam asseguradas33.
Dos dispositivos constitucionais vistos, extrai-se que a Administrao conta
com fundamentos suficientes para demonstrar que ela no s pode como deve
contratar de forma a favorecer o meio ambiente, na prtica que chamada de
licitao sustentvel, na qual se leva em conta no apenas o preo e qualidade,
mas tambm critrios socioambientais nas decises de compra do governo34
.Partindo da premissa de que todo agir do Poder Pblico deve ser orientado pelos
fundamentos da dignidade da pessoa humana, pelo desenvolvimento e pela
preservao do meio ambiente, o ato oficial de contratar no pode ser excepcionado
da abrangncia desses preceitos de interesse coletivo.
Na ordem constitucional vigente, a licitao uma ferramenta das polticas
pblicas, no caso, prevalentemente da poltica ambiental, indicando que a
contratao menos degradante para os recursos naturais uma chave para odesenvolvimento sustentvel35. Se o Poder Pblico contratar, comprar e construir
preocupando-se com o meio ambiente, esta sua conduta estar incentivando a
produo ecologicamente correta e estar proporcionando um benefcio para o
32FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 9. ed. rev., atual. eampl. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 13 e 74.
33 LEE, Ana Carrilo de Paula. Curso de direito em administrao pblica: direito ambiental edireito urbanstico. Rio de Janeiro: Fundao Trompowsky, 2009. p. 98 et seq.
34 BETIOL, Luciana. Licitaes sustentveis: o poder de compra do governo em prol da
sustentabilidade. Revista Construo Mercado. 90. ed. Ano 62. Jan. 2009. Pini. So Paulo,2009. p. 21.
35PEREIRA JUNIOR, Jess Torres; DOTTI, Marins Restelatto. Polticas pblicas nas licitaes econtrataes administrativas. Belo Horizonte: Frum, 2009. p. 32.
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cidado da gerao presente e das geraes vindouras.
2.3 As licitaes pblicas na legislao ambiental
Quando se estudam as normas do Direito Ambiental Brasileiro, o farol a
Poltica Nacional do Meio Ambiente, pois, como dito anteriormente, este o marco
legal da proteo natureza no Brasil. A Lei n 6.938/81, que estabelece esta
Poltica, est alinhada com os princpios contidos na Constituio Federal e foi por
ela recepcionada, com poucas alteraes posteriores nos princpios e instrumentos.
Das leis que trouxeram alteraes PNMA, chama a ateno a Lei n
11.284/06, norma que trata da gesto de florestas pblicas, e que, dentre as
modificaes de diversos textos legais, insere os instrumentos econmicos na
Poltica Nacional do Meio Ambiente, no art. 9, inciso XIII. Este dispositivo
exemplifica como instrumentos econmicos a concesso florestal, a servido
ambiental, o seguro ambiental, em uma enumerao no taxativa, pois encerra o
inciso com o acrscimo da expresso e outros. Isto significa dizer que pode haver
mais formas de atuao na poltica ambiental brasileira pela via econmica.
Na Economia, a Lei da Oferta e da Procura36 fundamental. Por ela, quanto
mais demanda houver por um produto ou servio, maior ser o seu valor econmico
e, em um resultado plausvel, mais fornecedores vo tentar se inserir nesse
mercado, concorrendo entre eles, at que se atinja o equilbrio entre preo e
quantidade disponvel. O mesmo pode acontecer quando o Governo aumenta sua
demanda por um tipo de servio, priorizando-o em suas contrataes. Como a
Administrao tem poder de compra elevado, estimado entre 10 a 15% do PIB, podedisciplinar e padronizar suas contrataes, para que isso pese sobre o mercado, que
tender a adaptar-se para vender para o Poder Pblico.
Acrescente-se que o mercado global est atento, e que a economia
internacional d preferncia a empresas que pautam suas atividades segundo
normas de proteo ao meio ambiente37. Ento, essa adaptao dos fornecedores
internos, para atender o governo, os favoreceria perante compradores externos.
36Disponvel em: . Acesso em: 8 mar. 2011.37PEREIRA JUNIOR, Jess Torres; DOTTI, Marins Restelatto. Polticas pblicas nas licitaes e
contrataes administrativas. Belo Horizonte: Frum, 2009. p. 33.
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Referindo-se extenso dos instrumentos da Poltica Nacional do Meio
Ambiente, dis Milar38chama a ateno para a discusso, no mbito das Naes
Unidas, por meio do seu Programa para o Meio Ambiente (PNUMA), da prtica das
licitaes sustentveis. O autor cita estes exemplos de mecanismos viveis:
(i) o melhor valor para consideraes monetrias que incluam a anlise depreo, qualidade, disponibilidade, funcionalidade, entre outras; (ii) aspectosambientais (licitao verde), que constituem os efeitos sobre o meioambiente que o produto e/ou servio tem em todo o seu ciclo de vida, ouseja, do bero ao tmulo; (iii) o ciclo de vida integral dos produtos; e (iv)aspectos sociais: efeitos sobre questes sociais tais como erradicao dapobreza, equidade internacional na distribuio de recursos, direitostrabalhistas, direitos humanos.
Pelo exemplo de vrios pases que adotam as licitaes sustentveis efinalizando sua anlise sobre os instrumentos econmicos na PNMA, Milar conclui
pela viabilidade da compatibilizao entre desenvolvimento econmico e
preservao do meio ambiente, mediante o incentivo econmico para a adoo de
prticas ambientalmente corretas e consentneas com o princpio da preveno.
Sobre o princpio da preveno e tambm sobre desenvolvimento e fomento
preservao ambiental, Terence Dorneles Trennepohl39 alerta para o valor
antecipatrio da preveno. Diz que no h sentido em prevenir depois que adegradao j ocorreu. Para este autor, a submisso de certas atividades
aprovao prvia do Estado uma forma de regular o mercado afastando o risco
ambiental. Ele lembra que o comrcio de produtos ambientais no mundo chega a
US$ 500 bilhes ao ano, a includas as construes verdes ou green buildings. O
autor cita formas de participao do Estado no mercado, por meio de polticas
pblicas inclusive, estimulando certos setores da economia, de modo que, da
interao entre empresas e Poder Pblico possa haver cooperao em prol do meioambiente.
O engenheiro e professor Wanderley Moacyr John40 analisa o mercado de
construes sustentveis no Brasil e conclui sobre a necessidade de adaptao
tanto das empresas como do setor pblico. Cita, como obstculos, a informalidade
nos empregos da construo civil, a segurana do trabalho, a falta de locais
38MILAR, dis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudncia, glossrio. 5. ed. ref., atual. e ampl.So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 460.
39 TRENNEPOHL, Terence Dorneles. Direito ambiental empresarial. So Paulo: Saraiva, 2010,passim.
40JOHN, Wanderley Moacyr. Quase insustentvel. Entrevista concedida a Luciana Tamaki. RevistaTchne. 162. ed. Ano 18. Set. 2010. Pini. So Paulo, 2010. p. 22 a 26.
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adequados para deposio de resduos, a falta de profissionais qualificados para o
trabalho com obras sustentveis, o desperdcio de material nos canteiros, a
necessidade de anlise do ciclo de vida e da rastreabilidade dos insumos, dentre
outros.
Na opinio de representantes do Conselho Brasileiro de Construo
Sustentvel (CBCS)41, articulao setorial, programas da qualidade e polticas
pblicas so mais eficientes que a imposio legal da sustentabilidade. Para o
CBCS, para que um produto ou tcnica sustentvel seja bem-sucedido, preciso,
entre outras medidas, combater a informalidade, conscientizar os diversos agentes
pblicos e privados, e adotar e difundir bases tcnicas adequadas. No que respeita a
essas trs medidas, as licitaes pblicas so ferramentas que, ao menosteoricamente, j favorecem as construes sustentveis, pois as aquisies so
tecnicamente especificadas; as contrataes, em tese, no admitem informalidades;
os gestores so identificveis, podendo ser conscientizados em programas de
qualificao, aliando-se mobilizao de servidores nas reparties; e as bases
tcnicas, depois de definidas, podem ser fixadas por ato normativo, a serem
discutidas em programas de qualificao.
Para que se atinja o ideal de interao entre Poder Pblico e empresas, noque se refere s licitaes, no basta que haja a vontade oficial de comprar o que for
ecologicamente correto. preciso preparar o mercado produtor, certificador e
consumidor para fornecer, fazendo uso de outros dispositivos legais da Lei n
6.938/81 que preveem estas aes, quais sejam: o incentivo ao estudo e pesquisa
de tecnologias aplicveis s condies brasileiras de construo civil (art. 2, VI, e
art. 13, I); o incentivo ao desenvolvimento de padres verdes, a serem adotados
pela Engenharia Civil no Pas (art. 2, VI, e art. 13, I e III); propiciando condies dedifuso destes mesmos conhecimentos por meio da educao ambiental em todos
os nveis, em especial no nvel tcnico e superior de ensino (art. 2, X); o incentivo
produo ou aquisio de equipamentos que viabilizem as construes sustentveis,
assim como a reciclagem de resduos slidos (art. 9, V, e art. 13, II); o
financiamento de aquisies e produes destinadas s obras sustentveis de
engenharia (art. 12).
A par destas aes voltadas para a iniciativa privada, h necessidade de o
41TAKAOKA, Marcelo; GONALVES, Orestes Marracini; e JOHN, Wanderley. Revista ConstruoMercado. 81. ed. Ano 61. Abr. 2008. Pini. So Paulo, 2008. p. 42 e 43.
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prprio Poder Pblico se preparar para este padro de construo, conscientizando
e qualificando os seus servidores para atuar na especificao da obra, no
acompanhamento da construo, na fiscalizao dos materiais imobilizados, no
recebimento final dos prdios e na orientao quanto ao uso e manuteno da
edificao.
Quando se l a notcia42de que o Governo dos Estados Unidos construiu 500
novas residncias funcionais para seus militares no Hava, usando ao reciclado ao
invs de alvenaria tradicional nas estruturas e nas paredes, deve-se entender que
isso s ocorreu porque as autoridades governamentais americanas esto
conscientes de que esta uma boa soluo ambiental; porque h padres tcnicos
que asseguram a eficincia da medida; e porque h fornecedores aptos acontratarem com aquele Governo.
Paulo Affonso Leme Machado43observa o seguinte, quando discorre sobre os
incentivos financeiros e financiamentos governamentais produo, como
instrumentos econmicos em favor do meio ambiente, com referncia no art. 192 da
Constituio Federal, mas plenamente aplicveis ao contexto do financiamento de
obras pblicas, na forma do art. 12 da Lei n 6.938/81:
O dinheiro que financia a produo e o consumo fica atrelado moralidadee legalidade dessa produo e desse consumo. () Nem o dinhei roprivado nem o dinheiro pblico podem financiar o crime, em qualquer desuas feies, e, portanto, no podem financiar a poluio e a degradao danatureza.
H, portanto, fundamento legal para que somente haja repasse financeiro e
incentivos pblicos para obras e produtos que, em todo o seu ciclo de vida, desde a
origem dos seus insumos at a destinao final dos resduos, no poluam nem
degradem o meio ambiente. Considerando-se que o Governo Federal empregou
mais de R$ 15 bilhes no ano de 201044com obras de construo civil, entre gastos
diretos e transferncias de recursos, fica claro que adotar indiscriminadamente uma
medida nessa rea no uma deciso puramente jurdica e sim poltica, na qual
devem ser considerados inmeros fatores econmicos e sociais ligados indstria
42 Disponvel em: e em . Acesso em: 03 nov. 2010.
43MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed. rev., atual. e ampl. So
Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 331.44 BRASIL. Presidncia da Repblica. Controladoria-Geral da Unio. Informaes mensais: gastosdiretos do Governo e transferncias de recursos; exerccio 2010. Disponvel em: . Acesso em: 20 jan. 2011.
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da construo civil e a toda a cadeia produtiva que orbita sua volta, incluindo
quase 3 milhes de empregados diretos, alm de programas sociais de habitao e
de infraestrutura nacional, como o Minha Casa, Minha Vida e o Programa de
Acelerao do Crescimento (PAC).
Para Fiorillo45, a degradao ambiental deve ser minimizada o quanto
possvel, e todo esforo econmico deve ser voltado para a proteo do meio
ambiente, reconhecido que que a atividade econmica, na maioria das vezes,
representa algum dano para a natureza.
Por conta do significativo impacto sobre o clima no planeta, causado
especialmente pelo crescimento econmico e pelo aumento da populao humana,
foi promulgada a Poltica Nacional sobre Mudana do Clima PNMC, instituda pelaLei n 12.187/09. Assim como a PNMA, a PNMC prev, dentre os seus instrumentos,
linhas de crdito e de financiamento especficas de agentes financeiros pblicos e
privados que incentivem a adoo de medidas de proteo ao sistema climtico (art.
6, VII).
A PNMC prev, tambm, de forma expressa, no inciso XII do mesmo art. 6,
que nas licitaes pblicas sejam estabelecidos critrios de preferncias para as
propostas de licitantes que apresentem produtos ou servios que propiciem maiorreduo das emisses antrpicas, como segue:
Art. 6 So instrumentos da Poltica Nacional sobre Mudana do Clima:
()
XII - as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem odesenvolvimento de processos e tecnologias, que contribuam para areduo de emisses e remoes de gases de efeito estufa, bem como paraa adaptao, dentre as quais o estabelecimento de critrios de preferncianas licitaes e concorrncias pblicas, compreendidas a as parceriaspblico-privadas e a autorizao, permisso, outorga e concesso paraexplorao de servios pblicos e recursos naturais, para as propostas que
propiciem maior economia de energia, gua e outros recursos naturais ereduo da emisso de gases de efeito estufa e de resduos; (grifei)
Na PNMC, a relao das licitaes e contratos administrativos com o meio
ambiente est explcita, enquanto a PNMA somente induz concluso da sua
existncia, referenciando os instrumentos econmicos, como visto. Algo interessante
do inciso acima transcrito est no final do seu texto, que no se limitou proteo do
clima, mas trouxe de roldo a economia de energia, de gua e de outros recursos
45 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 9. ed. rev., atual. eampl. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 36.
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naturais. bem verdade que, de uma ou de outra forma, a economia dos recursos
naturais contribui para a reduo do aquecimento global, o que valida a abrangncia
do inciso.
O Decreto n 4.131/02, que dispe sobre medidas emergenciais de reduo
do consumo de energia eltrica no mbito da Administrao Pblica Federal, embora
expedido para fazer face s circunstncias da poca, permanece em vigor, e se
adqua PNMC. Os art. 3 e 4 desse Decreto so dirigidos para as aquisies de
materiais e equipamentos ou contratao de obras e servios, determinando que
devero ser adotadas especificaes que atendam aos requisitos inerentes
eficincia energtica.
A maior parte da energia eltrica no Brasil limpa, porque, diferente de outrospases, no provm da queima de combustveis fsseis. A matriz energtica
brasileira predominantemente hidreltrica. Apesar disso, a reduo do consumo
desnecessrio, estimado em 50%46, permite que os investimentos em infraestrutura
sejam direcionados para reas mais carentes, e que o excedente de energia possa
ser aproveitado para o desenvolvimento.
Da anlise do texto da PNMC entende-se, tambm, que as medidas que j
existirem ou as que forem criadas para estabelecer preferncias para as propostasfavorveis ao meio ambiente, estaro includas dentre os instrumentos dessa
Poltica. Ou seja, se j houver medidas que deem preferncia ao fornecedor
ambientalmente correto (como o Dec. n 4.131/02), desde a data de publicao da
PNMC essa norma ser considerada um seu instrumento; se ainda no houver,
pode ser criada uma norma que d essa preferncia, e ela estar alinhada com a
PNMC. Trata-se de um dispositivo que concita o Poder Pblico, em suas
competncias, a legislar sobre o assunto. Observe-se que a lei apenas citamedidas, no sendo exigida forma normativa especfica, pelo qu at mesmo um
critrio inserido na clusula de um edital de licitao pode ser admitido, por
enquadrar-se como instrumento da PNMC. A inteno, portanto, parece ter sido que
sejam preferidas as propostas menos poluentes, sem exigi-las com rigor absoluto,
at mesmo porque a disponibilidade do mercado um limitador da vontade do
Estado, conforme j explicado quando foi abordada a PNMA.
Chama a ateno que, destacada ao lado do gnero licitao, esteja a
46MARQUES, Mrio Humberto. Por uma estratgia de longo prazo para o setor de energia. RevistaGrandes Construes. N. 10. Nov. 2010. Sobratema. So Paulo, 2010. p. 5.
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espcie (modalidade) concorrncia. Ora, se a concorrncia modalidade de licitao
(art. 22, I, Lei n 8.666/93), no haveria razo para mencion-la. A inteno do
legislador pode ter sido enfatizar o princpio constitucional da competitividade, do
inciso XXI do art. 37, CF.
Em outra leitura do dispositivo, poderia ser questionado se a proposta
privilegiada na licitao seria somente aquela que propiciasse a economia de
recursos naturais juntamente com a reduo da emisso de gases de efeito estufa
(GEE) e resduos; ou, por exemplo, se aquela em que o licitante oferecesse um bem
ou servio que economizasse gua, mas no contribusse para a reduo de gases,
poderia obter o mesmo privilgio. Entende-se que esta discusso na interpretao
da Lei no tem cabimento. O efeito almejado com a PNMC a preservao do meioambiente, no caso pela via da mitigao dos fatores geradores do aquecimento
global. O que se quer aqui a conjuno de benefcios por meio das licitaes. O
carter abstrato e genrico da Lei no tem por fim orientar atos executrios
imediatos, mas sim construir um sistema normativo com a participao de atores
diversos, os chamados stakeholders (empresas, governo, terceiro setor e
consumidores). O que se pretende motivar a sociedade. Para que se exaura a
inteno da PNMC so necessrias medidas de ordem mais prtica.Os edifcios usam cerca de 32% dos recursos naturais mundiais em sua
construo, representam o consumo de at 40% de toda energia produzida pelo
homem e geram aproximadamente 30% das emisses de GEE, segundo Tony Arnel,
Presidente do World Green Building Council47. O impacto causado pelas obras civis
certamente influenciou a redao do pargrafo nico do art. 11 da PNMC, que
prescreve que, por Decreto do Poder Executivo, sero fixados os planos setoriais de
mitigao e de adaptao s mudanas climticas, visando consolidao de umaeconomia de baixo consumo de carbono para diversos setores, entre eles o da
construo civil.
Outros instrumentos para a viabilizao da PNMC tambm esto no seu art.
6, e so semelhantes aos da PNMA, consistindo basicamente em fomento ao
estudo, pesquisa, estabelecimento de padres ambientais, difuso, ensino,
mecanismos tributrios e fiscais, mecanismos financeiros e econmicos e
47Tackling global climate change: meeting local priorities. World Green Building Council. Sep. 2010.Disponvel em: . Acesso em: 24jan. 2010.
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acompanhamento e controle de ndices.
O Brasil, voluntariamente, se imps metas elevadas, a serem atingidas at o
ano de 2020, o que inclui reduzir as suas emisses de GEE em at 38,9% do
projetado, de acordo com o art. 12 da PNMC. Para que sejam atingidos estes
objetivos, os instrumentos da Poltica sobre Mudana do Clima tm que ser
acionados o quanto antes, incluindo a adoo dos critrios de licitaes visando
baixa emisso de CO2.
Outro problema para o ambiente e para as construes civis a produo de
resduos, chamados comumente nesse meio de entulho ou bota fora. Em agosto
de 2010 foi publicada a Lei n 12.305/10, que instituiu a Poltica Nacional de
Resduos Slidos PNRS, que, a exemplo da PNMA e da PNMC, trouxe para omundo das leis os seus princpios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e aes.
A indstria da construo civil, geradora de grande volume de resduos slidos que
, passou ento a ter parcela significativa das suas atividades regulada por lei.
Estima-se que os resduos da construo e demolio representem entre 13% e
67%, em massa, dos resduos slidos gerados nas cidades48.
Em termos prticos, porm, a nova Lei encontrou um setor j preparado para
as suas exigncias, porque vigia, como vige, a Resoluo n 307/2002, do ConselhoNacional do Meio Ambiente (CONAMA), que estabelece diretrizes, critrios e
procedimentos para a gesto dos resduos da construo civil. Esta norma j estava
incorporada ao quotidiano dos que atuam formalmente no ramo e complementada
por normas locais sobre os aterros sanitrios da construo.
No art. 6, II, da PNRS consta o princpio do protetor-recebedor, que na ideia
do Deputado Federal Jos Sarney Filho49, ex-Ministro do Meio Ambiente, aquele
agente pblico ou privado que protege um bem natural em benefcio da comunidadedeve receber uma compensao financeira pelo servio de proteo ambiental
prestado. Este princpio seria direcionado iniciativa privada, no campo tributrio,
dentro de uma poltica pblica de incentivos e benefcios, fiscais e extrafiscais,
chamada de poltica fiscal premial no Direito Ambiental50. O princpio poderia,
48Construo e meio ambiente. Editores: SATTLER, Miguel Aloysio; PEREIRA, Fernando OscarRuttkay. Porto Alegre: ANTAC, 2006. Coleo Habitare. v. 7. p. 170.
49SARNEY FILHO, Jos. Instrumentos polticos e riscos ambientais urbanos. Revista Eco 21. 81. ed.Ano 13. Ago. 2003. Rio de Janeiro, 2003. Disponvel em: . Acesso em:19 set. 2010.
50TRENNEPOHL, Terence Dorneles. Incentivos fiscais no direito ambiental. So Paulo: Saraiva,2008. p. 81.
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tambm, ser estendido rea de licitaes e contratos, para valorizar a conduta
amigvel ao meio ambiente daquele que fosse contatado pela Administrao, a fim
de benefici-lo em um prximo certame.
Com os objetivos da PNRS est a prioridade nas licitaes para produtos,
servios e obras sustentveis, segundo o inciso XI do art. 7, in verbis:
Art. 7oSo objetivos da Poltica Nacional de Resduos Slidos:
[...]
XI - prioridade, nas aquisies e contrataes governamentais, para:
a) produtos reciclados e reciclveis;
b) bens, servios e obras que considerem critrios