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Solilóquio do Rei Leopoldo II, da Bélgica Solilóquio do Rei Leopoldo II, da Bélgica: Uma Defesa de seu Reinado no Congo Por Mark Twain “EU SOU EU” “Leopoldo II é o Mandatário absoluto de todas as atividades internas e externas do Estado Independente do Congo. A organização da justiça, do exército, o sistema de comércio e indústria foram estabelecidos livremente por ele próprio. Ele poderia dizer, com mais certeza o que Luis XIV disse., “O Estado Sou Eu”., Prof. F. Cattier, Universidade de Bruxelas. Deixe-nos repetir depois de tantos outros o que se tornou uma platitude, o sucesso do trabalho Africano será o resultado de um único desejo, sem ser prejudicado pela hesitação de políticos receosos, conduzidas sob sua exclusiva responsabilidade, — inteligente, atencioso, consciente dos riscos e das vantagens, deduzindo com uma admirável presciência o grande resultado de um futuro próximo”. M. Alfred Poskine in “Balanço Congolês”. Solilóquio do Rei Leopoldo II [Lançando panfletos que ele já havia lido. Cofiando os vastos e espessos bigodes animadamente, com os dedos; batendo na mesa com os punhos; descarregando sucessivas saraivadas de linguagem profana a cada segundo, balançando a cabeça repetidamente, meneando e beijando o crucifixo de Luis XI pendurado em seu pescoço, acompanhando os beijos com balbuciadas orações; rapidamente se levanta, desajeitado e suado, caminha pela sala, gesticulando]

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Page 1: Solilóquio do Rei Leopoldo II, da Bélgica · Solilóquio do Rei Leopoldo II, da Bélgica Solilóquio do Rei Leopoldo II, da Bélgica: Uma Defesa de seu Reinado no Congo Por Mark

Solilóquio do Rei Leopoldo II, da Bélgica

Solilóquio do Rei Leopoldo II, da Bélgica: Uma Defesa de seu Reinado no Congo

Por Mark Twain

“EU SOU EU”

“Leopoldo II é o Mandatário absoluto de todas as atividades internas e externas do Estado Independente

do Congo. A organização da justiça, do exército, o sistema de comércio e indústria foram estabelecidos

livremente por ele próprio. Ele poderia dizer, com mais certeza o que Luis XIV disse., “O Estado Sou

Eu”., Prof. F. Cattier, Universidade de Bruxelas. Deixe-nos repetir depois de tantos outros o que se

tornou uma platitude, o sucesso do trabalho Africano será o resultado de um único desejo, sem ser

prejudicado pela hesitação de políticos receosos, conduzidas sob sua exclusiva responsabilidade, —

 inteligente, atencioso, consciente dos riscos e das vantagens, deduzindo com uma admirável presciência

o grande resultado de um futuro próximo”. M. Alfred Poskine in “Balanço Congolês”.

Solilóquio do Rei Leopoldo II

[Lançando panfletos que ele já havia lido. Cofiando os vastos e espessos bigodes animadamente, com os

dedos; batendo na mesa com os punhos; descarregando sucessivas saraivadas de linguagem profana a

cada segundo, balançando a cabeça repetidamente, meneando e beijando o crucifixo de Luis XI

pendurado em seu pescoço, acompanhando os beijos com balbuciadas orações; rapidamente se levanta,

desajeitado e suado, caminha pela sala, gesticulando]

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— — — — !! — — — — !! Se eu os tivesse pego pela garganta! [Apressadamente beija o crucifixo e

resmunga] Nestes vinte anos gastei milhões para manter a imprensa dos dois hemisférios quieta, mas

esses “vazamentos” continuam acontecendo. Gastei outros milhões com a religião e a arte, e o que recebo

em troca? Nada. Nem sequer um elogio. Estas generosidades foram sistematicamente ignoradas na

imprensa. Na imprensa eu não ganho mais que calúnias — novamente calúnias — e ainda mais calúnias e,

ao fim e ao cabo, só calúnias! Contar-lhes a verdade, para quê? São todos difamadores, todos iguais,

quando se manifestam contra um rei. Canalhas — dizem qualquer coisa! Ah, de tudo: até que eu fui um

dos 30 peregrinos. (N.T. o autor esta a se referir aos 30 peregrinos da obra — “Contos de Canterbury”,

de Chaucer.]

O poder em lágrimas, com a boca cheia de Bíblia e minha pele transpirando piedade por todos os poros,

lhes implorando para deixar este vasto e rico lugar do populoso Estado do Congo Livre sob a confiança

das minhas mãos, como seu agente, para que eu possa erradicar a escravidão e interromper as capturas de

escravos e resgatar da escuridão para a luz os vinte e cinco milhões de suaves e inofensivos pretos, para a

luz do nosso Redentor abençoado, a luz que flui de sua palavra sagrada, a luz que glorifica nossa nobre

civilização — resgatá-los e enxugar as suas lágrimas, enchendo seus corações feridos com alegria e

gratidão. — resgatá-los e permitir que eles compreendam que eles não são mais proscritos e

desamparados, mas nossos verdadeiros irmãos em Cristo; como é que a América e os treze grandes

Estados europeus choraram de simpatia por mim e se convenceram; como é que os seus representantes

reuniram-se numa Convenção em Berlim e me nomearam Chefe Gestor e Superintendente do Estado do

Congo e regulamentaram meus poderes e limitações, cuidadosamente, protegendo as liberdades das

pessoas, as propriedades dos nativos contra danos e injúrias: proibindo o tráfico de uísque e armas;

criando os tribunais de Justiça; decretando o livre comércio e isenção para os mercadores e comerciantes

de todas as nações, recepcionando e dando segurança para todos os missionários de todos os credos e

origem.

Eles contaram como eu planejei e preparei minha organização e selecionei minha horda de

funcionários — meus “amigos” e “cafetões”,

“indescritíveis Belgas” de todos os tipos — hasteei a minha bandeira e “acolhi” um Presidente dos Estados

Unidos, e dei-lhe o direito de ser o primeiro a reconhecer e saudar a minha bandeira. Ah! bem, deixe-os

me injuriarem se quiserem; para mim é uma profunda satisfação lembrar que eu era uma sombra muito

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astuta para esta nação que se acha tão esperta. Sim, certamente eu fiz trapaça com os Yankees — como

costumam dizer por lá .

Bandeira pirata? Deixe-os chamar assim — talvez seja mesmo. O mesmo de sempre, eles foram os

primeiros a saudar esta situação. Estes intrometidos, missionários americanos! Esses descarados cônsules

britânicos! esses, fofoqueiros e traidores funcionários Belgas! — estes entediantes papagaios, estão sempre

falando, sempre fofocando.

Devem ter contado sobre como, por vinte anos, eu governei o Estado do Congo, não como um pau

mandado dos poderosos, um agente, um subordinado, um capataz, mas como um soberano — soberania

sobre um produtivo domínio quatro vezes maior que o Império Germânico — soberania absoluta,

irresponsável, acima de todas as leis; pisoteando a carta de Berlim sobre o Congo, e colocando todos sob

meus pés; barrando todos os comerciantes estrangeiros exceto eu mesmo; restringindo o comércio só para

mim, através de concessionários que eram minhas criaturas e cooptados; moldando e mantendo o Estado

como minha propriedade particular, toda esta vasta fonte de renda como uma “fortuna” particular —

 minha, somente minha — declarando e mantendo estes milhões de indivíduos como minha propriedade

privada, meus servos, meus escravos; seu trabalho como meu, com ou sem salário; a comida que eles

tinham não eram deles mas minha; a borracha, o marfim e todas as outras riquezas da terra, minhas —

 somente minhas — e colhidas para mim pelos homens, as mulheres e as crianças sob a pressão do chicote

e das balas, fogo, fome, mutilação e forca.

Estes pestes! — como eu sempre digo, não perceberam nada! Eles revelaram esses e ainda outros detalhes

que a vergonha deveria tê-los mantido em silêncio, uma vez que isto expõe um rei, um personagem

sagrado e imune a reprovações, que por direito, foi indicado e escolhido para este alto posto, pelo próprio

Deus; um rei cujos atos não podem ser criticados sem blasfêmia, pois Deus o tem observado desde o

início e não tem manifestado nenhuma insatisfação com eles, nem demonstrado desaprovação a eles, nem

prejudicado nem os interrompido, de modo algum. Por este sinal, eu reconheço sua aprovação do que eu

tenho feito; sua aprovação cordial e feliz, estou muito seguro do que estou a dizer.

Abençoado, coroado, beatificado com esta grande recompensa, esta recompensa dourada, esta

indescritível e preciosa recompensa, por quê eu deveria me preocupar com homens me maldizendo e me

difamando? [Com uma repentina explosão emocional] Eles podem queimar até 1 milhão de ions nisso…

[Retoma a respiração e, efusivamente, beija o crucifixo; murmura tristemente, “Ainda acabo me

condenando, por estas indiscrições no discurso”.

Sim, eles continuam falando de tudo, esses matraqueiros! Eles falam de como eu cobro dos nativos,

impostos abusivos — impostos que são pura extorsão; impostos que eles devem pagar através da colheita

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de borracha sob difícil e constante más condições, cultivando e fornecendo o suprimento de alimentação

gratuitamente — e tudo isso acontece que, quando eles ficam aquém de suas tarefas por causa de doença,

fome, desespero, incessante e desgastante trabalho sem descanso e abandonam suas casas e fogem para a

floresta para escapar do castigo, meus soldados negros, recrutados nas tribos hostis, instigados e dirigidos

por meus Belgas, os caçam, matam e queimam suas aldeias — preservando algumas garotas.

Eles falam de tudo: de como extermino uma nação de criaturas amigas através de todas as formas de

assassinato, para o meu proveito. Mas eles nunca dizem, embora eles saibam disso, que eu trabalhei pela

causa da religião, ao mesmo tempo e o tempo todo e tenho enviado missionários para lá (de um “escalão

conveniente”, como eles dizem), para ensinar-lhes o erro de seus modos e costumes e guia-los rumo a Ele

que é todo misericórdia e amor, que é o insone guardião e amigo de todos os que sofrem. Eles só falam de

coisas contra mim, eles não dizem nada a meu favor.

Eles falam de como a Inglaterra exigiu de mim uma Comissão de Inquérito sobre as atrocidades no Congo

como, para acalmar este país intrometido, com sua desagradável Associação para a Reforma do Congo,

composta de condes e bispos, John Morleys e decanos da Universidade entre outros, mais interessado na

vida alheia do que na própria, eu nomeei a tal comissão.

Mas isto, os fez calar a boca? Não, eles meramente afirmaram que tratava-se de uma comissão composta

inteiramente por meus “carniceiros do Congo,” “os principais homens cujos atos estavam sob

investigação.” Eles disseram que era o equivalente a nomear uma comissão de lobos para investigar as

depredações ocorridas num curral de ovelhas.

Ninguém pode satisfazer este amaldiçoados ingleses. (*)

* Esta visita teve um resultado mais afortunado do que estava previsto. Um membro da Comissão era um

alto oficial do Congo, outro funcionário do governo na Bélgica, o terceiro um jurista suíço. Temia-se que

o trabalho da Comissão não fosse mais verdadeiro do que os das inumeráveis chamadas “investigações”

por oficiais locais. Mas parece que a Comissão foi recebida por uma avalanche de incontáveis

testemunhos horríveis. Uma pessoa que esteve presente na audiência pública escreveu: “Homens de

pedra seriam varridos pelas histórias que estão sendo reveladas na medida em a Comissão se aprofunda

na terrível história da extração da borracha.” É evidente que os comissários foram demitidos. Do seu

relatório e suas implicações no âmbito internacional, posteriormente apresentadas, sobre as condições

das concessões no estado do Congo, algo é dito em uma página suplementar deste panfleto. Certas

reformas foram recomendadas pela Comissão na seção visitada, mas a última palavra é que depois de

sua partida as condições logo ficaram piores do que antes. .. — M.T.

E onde os bisbilhoteiros achincalharam meu caráter privado? Eles não poderiam fazer tanto mais se eu

fosse um plebeu, um camponês, um mecânico. Eles lembram o mundo que desde os primeiros dias a

minha casa tem sido uma combinação de capela e bordel, que as duas atividades funcionam em tempo

integral; que pratiquei crueldades contra minha rainha e minhas filhas e as suplementava diariamente com

vergonha e humilhação; que, quando minha rainha descansava no refúgio feliz de seu caixão, e uma filha

me implorava de joelhos para que eu a deixasse ver, pela última vez, o rosto de sua mãe, que eu recusei; e

que, três anos atrás, satisfeito com os despojos roubados de toda uma nação alienígena, roubou a

propriedade de sua filha e se apresentou como procurador dela no tribunal, para defender o ato e legalizar

o roubo, um espetáculo para o mundo civilizado.

Como eu tenho dito: eles são deselegantes, injustos: eles vão ressuscitar e dar novo valor a coisas como

essas, ou para quaisquer outras coisas que pesam contra mim, mas eles não vão mencionar qualquer ato

que possa estar a meu favor. Gastei mais dinheiro com a arte do que qualquer outro monarca do meu

tempo, e eles sabem disso. Por acaso, eles falam disso, mencionam algo sobre isso? Não, eles se calam.

Eles preferem mencionar tudo o que é chamado de “estatísticas medonhas” ofensivas em lições de jardim

da infância, cujo propósito é estremecer as pessoas sentimentais e provocar o preconceito contra mim.

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Eles destacam que “se o sangue inocente jorrado no estado do Congo pelo Rei Leopoldo fosse colocado

em baldes e esses baldes colocados lado a lado formariam uma fileira com mais de 2.000 km; se os

esqueletos de seus dez milhões de mortos de fome e massacrados pudessem se levantar e marchar em fila

única, eles levariam sete meses e quatro dias para passar por um dado ponto; se compactados juntos em

um corpo, eles ocupariam mais terreno do que as capas de São Luis, a Feira Mundial e tudo mais; se eles

tivessem que aplaudir com suas mãos descarnadas, ao mesmo tempo, o terrível som seria ouvido a uma

distância de…”. Danação, isto me deixa exausto! E eles fazem milagres idênticos com o dinheiro que eu

tenho destilado deste sangue e colocado no meu bolso. Eles empilham tudo em pirâmides egípcias; eles

cobrem o Sahara como se fossem tapetes; eles os espalham pelo céu, e a sombra criada gera um

Crepúsculo na terra. E as lágrimas que eu causei, os corações que eu machuquei — Ah, nada pode

persuadi-los a deixar estes restos humanos em paz!

[Pausa meditativa] Bem… sem problemas, de qualquer modo, eu chutei os Ianques! [Lendo com um falso

sorriso, a Ordem de Reconhecimento do Presidente de abril de 1884]

“… o governo dos Estados Unidos anuncia sua simpatia e aprovação do propósito humano e benevolente

(do meu esquema no Congo), e vai ordenar aos funcionários dos Estados Unidos, tanto em terra como no

mar, a reconhecer sua bandeira como uma bandeira de um governo amigo.”

Provavelmente os Ianques gostariam de, agora, voltarem atrás, mas eles vão perceber que os meus

agentes não estão nos EUA por acaso. Mas, não há perigo; nem uma nação, nem os governos podem

permitir a confissão de um erro crasso. [Com um sorriso contido, começa a ler do “Relato do Reverendo

W. M. Morrison, missionário estadunindense no Estado Livre do Congo”]

“Por meio deste, apresento alguns dos muitos incidentes de atrocidades que aconteceram diante da

minha observação pessoal; eles revelam um sistema organizado de pilhagem e humilhação que tem sido

perpetuado e sendo conduzido neste desafortunado país pelo Rei Leopoldo da Bélgica. Eu aponto o Rei

Leopoldo, porque ele, unicamente ele, é atualmente o responsável, uma vez que é o soberano absoluto.

Ele se auto intitula como tal. Quando, em 1884, o nosso governo lançou as bases para o Estado Livre do

Congo, pelo reconhecimento de sua bandeira, pouco sabia a seu respeito, desfilando sob o pretexto de

filantropia — era realmente o Rei Leopoldo da Bélgica, um dos mais calculista, mais cruel e mais sem

consciência dos governantes que já esteve sentado em um trono. Isto vai além de sua conhecida moral

corrupta, que tornou seu nome e sua família um sinônimo nos dois continentes. Nosso governo

certamente não teria reconhecido esta bandeira se soubesse que era, realmente, o Rei Leopoldo

pessoalmente que estava pedindo o reconhecimento; se tivesse sabido que, no coração da África, estava

se estabelecendo uma monarquia absoluta; tivesse sabido que, tendo erradicado a escravidão africana

em nosso próprio país a alto custo de sangue e dinheiro, estava estabelecendo uma forma pior de direito

de escravidão na África.”

[Com prazer diabólico]

Sim, certamente eu era uma sombra tão esperta para os Ianques. Isto dói, isto os aborrece. Eles não

conseguem superar isso! De outra forma, os deixa envergonhados, muito, e modo mais grave; pois eles

nunca poderão se livrar dos registros do fato reprovador que sua vaidosa República, autonomeada Líder e

Promotora das Liberdades no Mundo, é a única democracia na história que emprestou seu poder e

influência para o estabelecimento de uma monarquia absoluta!

[Contemplando, com um olhar de poucos amigos, uma enorme pilha de panfletos]

Pústulas, estes missionários intrometidos! Eles escrevem toneladas destas coisas. Eles parecem estar

sempre por perto, sempre espiando, sempre testemunhando os acontecimentos; e tudo o que vêem, eles

colocam no papel. Eles sempre estão rondando o lugar; os nativos os consideram seus únicos amigos; eles

buscam os missionários com suas mágoas; eles mostram suas cicatrizes e suas feridas causadas pelos

soldados do meu exercito; eles levantam os tocos de seus braços e lamentam por suas mãos terem sido

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decepadas, como castigo por não trazerem suficiente de borracha e como prova para ser apresentada

diante dos meus oficiais que a punição necessária foi corretamente aplicada. Um destes missionários viu

oitenta e uma destas mãos secando sobre o fogo para demonstração aos meus funcionários — e, claro, este

missionário deverá editar e imprimir este relato. Eles viajam e viajam, espionam e espionam! E nada é

trivial demais para eles publicarem.

[Pega um panfleto. Lê uma passagem de um Relato de uma “Jornada realizada em julho, agosto e

setembro, 1903, pelo Reverendo A. E. Scrivener, um missionário britânico”.]

“…. Logo que começamos a conversar, e sem qualquer estímulo de minha parte os nativos começaram os

relatos que eu já estava acostumado a ouvir. Eles viviam em paz e tranquilos quando o homem branco

chegou vindo do lago, com todo tipo de solicitação para se fazer isto e aquilo, e eles acharam que isto

era o mesmo que escravidão. Então eles tentaram manter o homem branco fora do seu território mas sem

condições. As armas de fogo deles eram superiores. Então eles se resignaram e mudaram suas atitudes

para fazer o melhor que eles poderiam sob esta circunstância adversa. Primeiro chegaram os

comandantes para construir casas para os soldados, e isto foi feito sem muita reclamação. Depois eles

tinham que alimentar os soldados e todos os homens e mulheres — agregados — que os acompanhavam.

Então eles nos mandaram colher a borracha. Para eles, qualquer coisa era uma novidade.

Uma pequena recompensa foi oferecida e despertou uma corrida pela borracha. ‘Que estranho este

homem branco, que nos dá panos e colares em troca da seiva de uma videira selvagem.’ Mas, logo a

recompensa foi reduzida até que, finalmente, eles ordenaram que trouxéssemos a borracha em troca de

nada. Por isto eles tentaram protestar; mas para sua grande surpresa muitos foram baleados pelos

soldados, e o resto foi dito, com xingamentos e açoites, para irem logo ou muitos poderiam ser mortos.

Apavorados, eles começaram a preparar sua comida para o período de abstinência da aldeia

responsável pela coleta da borracha. Os soldados os descobriram reunidos. ‘O quê, ainda não foram?

Bang! Bang! Bang! e foram caindo, um após o outro, mortos, juntos de suas esposas e amigos. Foi um

terrível clamor e uma tentativa de se preparar os mortos para o funeral foi negada.

Todos devem ir já para a floresta. Sem comida? Sim, sem comida. E fora os pobres estropiados eles

tiveram que ir sem sequer levar suas caixas de estopa para fazer fogo. Muitos morreram de fome e de

vulnerabilidades na floresta e ainda outros pelos fuzis dos ferozes soldados encarregados da vigilância.

Apesar de todos os seus esforços a quantidade da colheita caiu e mais gente foi morta. Eu vasculhei toda

área, e locais onde o antigo grande chefe morava me foi mostrado. Uma cuidadosa estimativa da

população foi feita, digamos, sete anos atrás, contava em torno de 2.000 pessoas nas proximidades do

quartel, num raio de, digamos, meio quilômetro. Contando todos, eles não somariam, agora, 200, e há

tanta tristeza e melancolia neles, que eles estão rapidamente diminuindo.”

“Nos estivemos lá na segunda-feira, o dia todo, e conversamos com várias pessoas. No domingo uns dos

rapazes havia me falado sobre alguns ossos que eles haviam visto, na segunda-feira, eu pedi que me

mostrassem estes ossos. Jogados sobre a grama, alguns metros próximos dos fundos da casa onde eu

estava hospedado, havia inúmeros esqueletos humanos, ossos, em alguns casos esqueletos inteiros. Eu

contei trinta e seis esqueletos, e vi muitos outros montes de ossos dos quais os esqueletos haviam

desaparecido. Eu chamei um dos homens e perguntei o que significava aquilo. ‘Quando começou a

discussão com os coletores de borracha’, ele disse, ‘os soldados fuzilaram tanta gente que nós ficamos

cansados de enterrá-los, e muitas vezes não fomos autorizados a enterrar; então simplesmente os corpos

eram arrastados para aquele local e deixados lá. Deve haver centenas deles próximos daquele local se

você quiser ver.’ Mas eu tinha visto mais do que suficiente e estava enojado com as histórias que me

foram contadas por homens e mulheres sobre os tempos terríveis que eles passaram. As atrocidades dos

Búlgaros podem ser consideradas, em si, como suaves quando comparadas com o que aconteceu aqui.

Como é que estas pessoas se submeteram eu não sei, e mesmo agora eu pensaria a respeito desta

paciência. Que alguns deles conseguiram fugir já é um motivo satisfação. Eu fiquei lá dois dias e a única

coisa que por si só me impressionou foi a coleta da borracha. Eu vi uma longa fila de homens

adentrando a floresta, como na região de Bongo, com suas pequenas cestas sob seus braços; eu os vi

pagar sua lata de leite cheia de sal e os dois metros de tecido barato atirados para os chefes; vi sua

timidez trêmula, em verdade, tudo isto foi o suficiente para comprovar que o estado de terrorismo

existente e a virtual escravidão à qual este povo foi submetido.”

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Missionários ingleses com os jagunços que cortavam as mãos dos nativos

Este é o jeito deles; espionar, espionar, e correr para a imprensa com qualquer frivolidade. E o Consul

Britânico, Sr. Casement, é igualzinho a eles. Ele pega um jornal que tinha sido capturado por um dos

meus agentes, e, embora trate-se de um jornal privado e orientado nada menos que pelos olhos do seus

proprietários, o Sr. Casement é tão desprovido de gentileza e refinamento que reproduz trechos deste

jornal.

[Lendo um trecho do jornal]

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“Cada vez que um jagunço vai para a coleta da borracha, nós lhes damos cartuchos para o rifle. Ele tem

que nos devolver os que não foram usados, para cada cartucho usado ele tem que nos trazer uma mão

direita. M.P. me disse que algumas vezes eles usavam um cartucho atirando em um animal de caça;

então eles cortavam a mão de um homem vivo. Para se ter uma ideia da extensão disto, ele me informou

que, em seis meses, o Estado no Rio Mambogo usou 6.000 cartuchos, o que significa que 6.000 pessoas

foram mortas ou mutiladas. Isto significa mais de 6.000, pelo que as pessoas me contaram

repetidamente, porque os soldados matavam as crianças com a coronha de seus fuzis.”

Quando o Consul sutil acha que o silêncio poderá ser mais efetivo que palavras, ele o usa. Aqui ele deixa

entender que milhares de mortes e mutilações, por mês é uma grande estatística para uma região tão

pequena como a área de concessão do Rio de Mambogo, indicando sutilmente as dimensões do mesmo,

ilustrando seu relatório com um mapa do prodigioso Estado do Congo, onde não há uma referência sequer

que mostre um lugar tão pequeno como este rio. Essa sutileza destina-se a dizer, “Se é mil por mês neste

cadinho, imagine a estatística de todo este vasto Estado!”

Um cavalheiro não desceria a este grau de dissimulação.

Agora, quanto às mutilações. Você não pode impedir um critico do Congo e fazer com que ele fique

afastado; ele se esquiva e logo em seguida te ataca em outra direção. Eles são cheios de artimanhas.

Quando as mutilações (mãos decepadas, castrações, etc.) nós tivemos a ideia de dispensar-lhes com uma

justificativa que, pensávamos, iria desnorteá-los a respeito desse assunto e bem ou mal, deixá-los sem

reação; a saber, nós respeitávamos fortemente os costume dos nativos, e dissemos que não os inventamos,

mas apenas os seguíamos.

Nocauteamos eles? Isto os fez calar a boca? Nem por uma hora. Eles se esquivaram e atacaram

novamente com a observação de que “se um Rei cristão pode perceber uma clara diferença moral entre

inventar barbaridades sangrentas de imita-las dos costumes dos selvagens, como propósito de caridade,

deixe-o obter qualquer conforto que ele possa obter a partir desta sua confissão!”

Isto não é nada agradável, o modo como este Consul age — este espião, este fofoqueiro.

[Pega o panfleto “Tratamento de Mulheres e Crianças no Estado do Congo; o que o Sr. Casement viu em

1903”]

Há quase dois anos! Introduzindo essa data para o público, foi uma demonstração de fria malícia. Teve a

intenção de enfraquecer, junto ao público, a força da idoneidade da minha cadeia de jornais, de que

minhas severidades no Congo cessaram, e cessaram totalmente, anos e anos atrás. Este homem é tomado

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por frivolidades — nelas se revelam, o prazer, o júbilo, o apego, pondo tudo abaixo. Ninguém precisa se

deter sobre este monótono relatório para ver isso; os meros subtítulos de seus capítulos provam isto.

[Lendo]

“Duzentos e quarenta pessoas, homens, mulheres e crianças, obrigados a suprir o governo com uma

tonelada de produtos alimentares cuidadosamente preparados, por semana, recebendo como

remuneração, todos disseram, a principesca soma, de 15s. 10d!”

Muito bem, isto era liberal. Isto não era nada menos que um centavo por semana para cada negro. Isto

autoriza este Consul a menosprezar a quantia, ainda que ele saiba muito bem que eu poderia ter obtido o

alimento e o trabalho por nada. Posso prová-lo por mil exemplos.

[Lendo]

“Expedição contra uma aldeia em atraso nos seus suprimentos (obrigatórios); resultado, execução de 16

pessoas; entre elas, três mulheres e um menino de cinco anos. Dez foram levados para serem

prisioneiros, até serem redimidos; entre eles uma criança, que morreu durante a marcha.”

Mas ele tem o cuidado de não explicar que somos obrigados a recorrer a este tipo de resgate para cobrar

as dívidas, onde as pessoas não têm com o que pagar. Famílias que fogem para a floresta vendem alguns

dos seus membros para a escravidão e, assim, pagam o resgate. Ele sabe que eu mandaria acabar com isso

se eu pudesse encontrar uma maneira menos censurável para cobrar as dívidas desta gente… Mm… — eis

aqui um pouco mais de delicadeza do Cônsul, Ele relata uma conversa que teve com alguns nativos:

P. “Como é que você soube que foi o homem branco, pessoalmente, que ordenou para que estas

crueldades fossem praticadas? Estas coisas poderiam ter acontecido sem o conhecimento do homem

branco, pelos soldados pretos.”

A. “O homem branco falou para seus soldados: ‘Vocês só matam as mulheres; vocês não podem matar

homens. Vocês devem provar que vocês matam homens.’ Então, quando os soldados nos matam” (aqui

ele parou e hesitou e então indicando… ele disse:) “então eles… os levaram para o homem branco, que

disse: ‘É verdade, vocês mataram homens.’”

P. “Você disse isto é verdade? Alguns de vocês foram tratados depois de baleados?”

A. Todos [gritando alto]: “Nkoto! Nkoto!” (“Muitos! Muitos”!)

“Não há duvida de que este povo não está mentindo. Sua veemência, o brilho de seus olhos, sua

excitação, não tem nada de simulação.”

Claro que o crítico tinha que divulgar isto; ele não se respeita. Todos de sua espécie me reprovam,

embora eles saibam muito bem que eu não tive nenhum prazer em punir os homens deste modo especial,

mas somente o fiz como aviso para os demais delinquentes. Simples punições não são boas com

selvagens ignorantes; eles não respeitam.

[Lendo mais alguns subtítulos]

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“Região devastada; população reduzida de 40.000 para 8.000”

Ele não deve ter tido problema para dizer como isto aconteceu. Ele é fértil em dissimulações. Ele estimula

seus leitores e os reformadores do Congo, do nível de Lord — Aberdeen — Norbury — John — Morely —

 Sir — Gilbert — e a turma de Parker, vão pensar que eles foram assassinados. Eles não foram. A grande

maioria deles fugiu. Eles fugiram para a floresta com suas famílias por causa da corrida da borracha, e foi

por isto que eles morreram de fome. Poderíamos ter feito alguma coisa?

Um dos meus lamentáveis críticos observa: “Outros monarcas Cristãos taxam seu povo, mas fornecem

escolas, justiça, estradas, luz, água e proteção para a vida e integridade física, como retorno; o Rei

Leopoldo taxa sua espoliada nação, mas não provê nada como retorno, exceto fome, terror, sofrimento,

vergonha, prisão, mutilação e massacre.” Este é estilo deles! Eu forneço “nada”! Eu enviei o evangelho

para os sobreviventes; esses disseminadores de censura sabem muito bem, mas eles preferem ter suas

línguas cortadas do que mencionar isto. Eu exigi várias vezes que meus soldados dessem aos moribundos

a oportunidade de beijar o emblema sagrado; e se eles me obedeceram, sem dúvida, esta foi a forma

humilde de salvar muitas almas. Nenhum dos meus difamadores teve a gentileza de mencionar isto; mas

deixa passar; há Um que não negligenciou isto, e este é o meu conforto, esta é minha consolação.

[Deixa o Relatório, pega um panfleto, dá uma olhada no meio dele.]

Eis aqui onde entra a “armadilha mortal”. Missionário intrometido espiando ao redor -Reverendo W. H.

Sheppard. Conversações com um dos meus soldados pretos depois de um ataque; fingindo para obter

detalhes dele. As observações do soldado:

“Eu havia exigido 30 escravos deste lado do rio e 30 do outro lado; 2 braçadas de marfim; 2.500 bolas

de borracha, 13 cabritos, 10 aves e 6 cães, um tanto de milho verde, etc.

‘Como é que o tiroteio começou?’ Eu perguntei.

‘Eu comuniquei a todos os chefes, subchefes, homens e mulheres, para comparecem certo dia, dizendo

que eu estava indo para acabar com toda a embromação. Quando eles entraram por estas portas

pequenas (as paredes foram feitas de cercas trazidas de outras aldeias, as mais altas dos nativos) eu

exigi todo o meu pagamento ou eu os mataria; então eles se recusaram a pagar, e eu ordenei que a cerca

fosse fechada, assim eles não conseguiriam fugir; então nós os matamos aqui dentro do cercado. Alguns

escaparam quando parte da cerca caiu.’

‘Quantos você matou?” I perguntei.

‘Nós matamos uma abundância, você consegue ver alguns deles?’

Isto é exatamente o que eu gostaria.

Ele disse: ‘I penso que nós matamos entre oitenta a noventa, e outros em outras aldeias, não sei

exatamente, eu não fui lá mas mandei meus homens.’

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Nós dois caminhamos numa parte plana perto do acampamento. Havia três corpos mortos com a carne

extraída da cintura para baixo.

‘Porque eles extraíram a carne e deixaram os ossos?’ Eu perguntei.

Ele respondeu prontamente: ‘Meu povo come a carne deles’. Então ele explicou, “Os homens que têm

filhos pequenos não comem pessoas, mas o resto sim’. Na nossa esquerda tinha um homem grande, com

um tiro nas costas e sem cabeça. (Todos os corpos estavam nus.)

Perguntei: “Onde está a cabeça deste homem?

‘Ah, eles fizeram uma tijela com a testa para macerar tabaco e maconha nela.’

Nós continuamos a caminhar e observar até o final da tarde e contamos 41 corpos. O resto tinha sido

comido pelas pessoas.

No retorno para o campo, nós encontramos uma jovem mulher, com um tiro na parte de trás da cabeça e

uma mão decepada. Perguntei por que, e Malunba N’Cusa explicou que eles sempre cortam a mão

direita para dar ao Estado na volta.

Malunba N’Cusa, chefe da tribo dos canibais

‘Você não pode me mostrar algumas desta mãos?’ eu perguntei.

Então ele nos conduziu até uma armação de varas, sob a qual estava queimando um fogo brando, e lá

estavam as mãos direitas — Eu contei, ao todo, oitenta e uma.

Havia nada menos que sessenta mulheres (Bena Pianga) prisioneiras. Eu as vi.

Podemos afirmar que fizemos a investigação desta atrocidade tão completa quanto foi possível e

achamos que era um plano previamente estabelecido, para obter todas as coisas possíveis, para capturar

e matar as pessoas pobres nesta ‘armadilha mortal’.”

Outro detalhe, como vemos! — canibalismo. Eles relatam casos como este com a maior frequência.

Meus difamadores não se esquecem de destacar que, na medida em que eu sou absoluto e que, no Congo,

com uma palavra posso impedir qualquer coisa decida ser evitada, então tudo o que é feito lá tem minha

permissão, é minha ação, meus atos pessoais; que eu os realizo; que a mão do meu agente é tão

verdadeiramente minha mão, como se ela fosse ligada ao meu braço; e então eles me retratam em minhas

vestes de estado, com a minha coroa na cabeça, comendo carne humana, fazendo graça, murmurando

agradecimentos a Ele de onde provém todas as boas coisas. Querido, querido, quando os corações fracos

se apossarem de algo como essa contribuição missionária eles perderão completamente sua tranquilidade

sobre isso. Eles falam de maneira profana e censuram o céu por permitir tal monstro viver. Ou seja, eu.

Eles acham que isto é irregular. Eles vão estremecendo ao redor, remoendo sobre a redução da população

do Congo, de 25.000.000 para 15,000,000, nos vinte anos da minha administração; então eles exageram e

me chamam de “o Rei com Dez Milhões de Assassinatos em sua Alma.” Eles me chamam de um

“recorde”.

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A maioria deles não para de me acusar os meros 10.000.000 contra mim. Não, eles refletem isto mas para

mim a população, pelo crescimento natural, agora seria de 30,000,000, então eles me acusam de outros

5.000.000 e somam um total de 15,000,000 de mortes na coleta. Eles destacam que o homem que matou a

galinha dos ovos de ouro era responsável pelos ovos que ela posteriormente teria botado se ela tivesse

sido deixada sozinha. Ah, sim, eles me chamam de um “recorde”. Eles destacam que por duas vezes em

uma geração, na Índia, a grande fome destruiu 2.000.000 de uma população de 320,000,000 e o mundo

todo levantou as mãos em compaixão e horror; então eles falham por querer saber onde o mundo

encontraria espaço para suas emoções se eu tivesse a chance de trocar de lugar com a Grande Fome por

vinte anos! A ideia atiça as suas fantasias, e eles seguem e imaginam a Fome vindo para o estado no final

dos anos vinte e prostrando-se diante de mim, dizendo: “Ensina-me, senhor, reconheço que sou apenas

uma aprendiz.”

E em seguida imaginam a Morte vindo, com sua foice e uma ampulheta, e implorando para casar-me com

sua filha, reorganizar sua fábrica e tocar o negócio. Para o mundo inteiro, viu! Neste momento suas

mentes doentias estão a pleno vapor, e recolhem seus livros e expandem seus trabalhos, comigo

textualmente. Eles caçam todas as biografias para comparar comigo, Átila, Torquemada, Ghengis Khan,

Ivan o Terrível, e o resto da multidão por tudo o que valem, e maldosamente exultando quando não os

conseguem encontrar. Em seguida, eles examinam os históricos terremotos, ciclones, nevascas,

cataclismos e erupções vulcânicas: veredito, nenhum deles “tem a ver” comigo. Por fim realmente

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acertaram (como eles pensam), e eles encerram seus trabalhos admitindo — relutantemente — que eu tenho

uma comparação na história, mas só uma — o Dilúvio. Isto é destemperado.

Mas eles agem sempre assim, quando pensam em mim. Eles não conseguem ficar calados quando meu

nome é mencionado mais que um copo de água possa controlar seus sentimentos com um efervescente

dentro dele. As coisas bizarras eles podem imaginar, sobre mim como uma inspiração! Um Inglês me

oferece a vantagem de três para um e aposta qualquer quantia que eu queira, até 20.000 Guinéus, que em

2.000.000 anos eu vou ser o estrangeiro mais conhecido no inferno. O homem está tão fora de si com

raiva que ele não percebe que esta ideia é tola. Tola e inexequível: veja só, não pode haver nenhum

vencedor; nós dois seríamos os perdedores, devido a perda de interesse nos bilhetes da aposta; isto

resultaria, no geral, em quatro ou cinco por cento — eu não sei quanto, exatamente, mas, pelo tempo que a

proposta foi feita e aposta pagável, uma pessoa poderia comprar o próprio inferno com o resultado.

Outro louco quer construir um memorial para a perpetuação do meu nome, dos meus 15.000.000 de

caveiras esqueletos, ele está cheio de entusiasmo vingativo neste estranho projeto. Ele tem tudo calculado

e desenhado em escala.

Além dos crânios ele vai construir um monumento combinado com mausoléu para mim, que, exatamente,

deverá duplicar a Grande Pirâmide de Quéops, cuja base cobre 13 acres, e cujo ápice é 451 pés acima do

solo.

Ele deseja me empanturrar de coisas e me elevar ao céu, no ápice, vestido e coroado, com minha

“bandeira pirata” em uma mão e uma faca de açougueiro e algemas pingentes na outra. Ele vai construir a

pirâmide no centro de um terreno despovoado, uma imensa solidão coberta com as ervas daninhas e as

ruínas em decomposição das aldeias queimadas, onde os espíritos dos famintos e mortos assassinados vão

cantar seus lamentos para sempre nos uivos dos ventos errantes. Irradiando a partir da pirâmide, como os

raios de uma roda, deverá ter quarenta mil avenidas de acesso, cada uma com trinta e cinco quilômetros,

cercada de ambos os lados por esqueletos sem cabeças, distantes um metro e meio de distancia e

enfeitadas juntas, em linha, por pequenas correntes esticadas a partir de cada pulso e atadas a verdadeiras

algemas antigas com minha marca privada, um crucifixo e uma faca de açougueiro cruzados, com o lema,

“Com este sinal havemos de prosperar”; cada cerca óssea será composta por 200.000 esqueletos em cada

lado, o que representa 400.000 para cada avenida.

Isso é destacado com satisfação pois agrega três ou quatro mil milhas (em medida linear) de esqueletos —

 15,000,000 ao todo — e poderia se estender por toda a América, de Nova York até São Francisco. Isto foi

posteriormente destacado, no tom esperançoso das previsões de uma companhia ferroviária alardeando as

extensões de sua quilometragem, que meu resultado é de 500.000 cadáveres por ano, quando minha

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indústria estava funcionando em tempo integral e que, portanto, se eu fosse mantido por mais dez anos lá,

haveria crânios frescos suficiente para adicionar 175 pés para a pirâmide, tornando, ao longo do tempo, a

construção arquitetônica mais alta na terra, e esqueletos frescos o suficiente para continuar a fila

transcontinental (em pilhas) de mil km até o Pacífico. O custo de reunir os materiais dos meus “inúmeros

e amplamente dispersos cemitérios privados,” e transportá-los, e construir o monumento e as grandes

avenidas radiais, é devidamente cifrado, correndo por volta de milhões de Guinéus, e então — por que

então, ( — — — ! — — — !!!!) esse idiota me pede para fornecer o dinheiro! [Súbito e efusivo beijo no

crucifixo] Ele me lembra que minha renda anual proveniente do Congo é de milhões de Guinéus, e que

“apenas” 5.000.000 seriam necessários para o seu empreendimento. Todos os dias, estas selvagens

tentativas são feitas contra o meu bolso; eles não me afetam, não chegam a custar um pensamento. Mas

este — este me incomoda, me deixa nervoso; não se pode saber o que uma indomável criatura como esta

pode inventar… Se ele deve pensar sobre o Carnegie — mas eu devo banir esta ideia da minha mente! isso

preocupa meus dias; perturba meu sono. Aí está a loucura. [Depois de uma pausa] Não há nenhuma outra

maneira — eu tenho que comprar o Carnegie.

[Transtornado e resmungando, caminha um pouco, então pega novamente os Capítulos principais do

Consul. Começa a ler.]

“O governo matou de fome o bebê de uma mulher e assassinou seus filhos.

”Carniceiro de mulheres e crianças”

“Os nativos foram convertidos a se tornarem sem ambição porque não há esperança.”

“Mulheres presas pelo pescoço por vigilantes.”

“Mulher recusa cuidar do filho porque, tendo que carregar o bebê, elas não conseguem correr o

suficiente para fugir e se esconder dos soldados.”

Declaração de uma criança: ‘Eu, minha mãe, minha avó e minha irmã, corremos para a floresta. Um

grande número de nosso povo foi morto pelos soldados… Logo depois eles perceberam uma parte da

cabeça da minha mãe, e os soldados correram rápido até onde estávamos e pegaram minha avó, minha

mãe, minha irmã e outro menino mais jovem que nós. Cada um deles queria a minha mãe como mulher, e

discutiram sobre isto, mas finalmente eles decidiram mata-la. Eles atiraram na barriga dela com um

revolver e ela caiu, e quando eu vi eu chorei muito, porque eles mataram minha avó e minha mãe e me

deixaram sozinho. Eu vi tudo isto acontecer!’”

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Isto soa lamentável, embora eles sejam somente os pretos. Isto me leva de volta ao passado, para quando

meus filhos eram pequenos, e queriam fugir — para o mato, por assim dizer — quando me viam chegando.

Resume a leitura do capítulo principal do Relatório do Consul]

“Eles enfiaram uma faca no estômago de uma criança.”

“Eles deceparam as mãos e as trouxeram para o C. D. (oficial branco) e as espalharam numa fileira

para que ele visse. Eles as deixaram ali, porque o homem branco as tinha visto, então eles não

precisavam levar ao P.”

“Crianças capturadas pelos soldados, deixadas na mata para morrer.”

“Amigos vieram para resgatar uma jovem; mas os sentinelas recusaram, dizendo que o homem branco a

queria, porque era jovem.”

“Extratos do testemunho de uma jovem nativa. ‘Um soldado viu uma criança no lugar onde estávamos, e

quando eles chegaram a criança gritou, o soldado deu-lhe uma coronhada, depois cortou sua cabeça.

Um dia eles mataram minha prima e cortaram sua cabeça, mãos e pés, porque ela usava anéis de

braceletes. Depois eles pegaram outra irmã, e a venderam para povo de W. W., e agora ela é escrava

lá.’”

O garoto gritou! [Uma longa pausa. Contemplando]

Que criatura inocente. De qualquer forma, quem me dera ele não tenha rido. [Lendo]

“Crianças mutiladas.”

“O governo estimula o trafico de escravos intertribal. As monstruosas multas cobradas das aldeias, pelo

atraso em suas entregas de gêneros alimentícios obrigam os nativos a vender os seus amigos — e as

crianças — para outras tribos a fim de pagar a multa.”

“Um pai e mãe são forçados a vender seu filho pequeno.”

“Viúva forçada a vender sua filha pequena.”

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[Irritado]

Enforcar o monótono resmungão, o que ele me teria feito! Liberar a viúva simplesmente porque ela é uma

viúva? Ele sabe muito bem que não há mais nada, agora, além de viúvas. Não tenho nada contra as

viúvas, como uma classe, mas negócio é negócio, e eu tenho que viver, mesmo que, aqui e ali, isto cause

algum inconveniente para alguém, concorda comigo?

(Lendo]

“Homem intimidado pela tortura de sua mulher e filhas. (Para forçar os homens a fornecer a borracha e

suprimentos e, com isto, terem suas mulheres liberadas da prisão.) O sentinela me explicou que ele

sequestrava as mulheres e as colocava (acorrentadas pelo pescoço) sob as ordens do seu patrão.”

“Um agente explicou que ele era forçado a capturar mulheres no lugar de homens, pois assim os homens

traziam mais rápido, os suprimentos; mas ele não explicou como as crianças desprovidas de seus pais

conseguiam sua comida.”

“Uma fila de 15 mulheres (capturadas).”

“Deixando mulheres e crianças morrerem de fome na prisão.”

[Contemplando)

Morte por fome. Deve ser uma longa e persistente miséria. Dias e dias, e mais dias e dias, as forças do

corpo reduzindo, se esgotando, pouco a pouco — sim, deve ser a mais sofrida de todas as mortes. Vendo

comida sendo transportada, todos os dias, e você não pode ter nem um pouco! Claro que as criancinhas

choram por isto, e que isto fere o coração de uma mãe…

[Suspira]

Ah, bem, não há o que fazer; as circunstâncias tornam necessária esta disciplina.

[Lendo]

“Sessenta mulheres crucificadas!”

Que estúpido, que falta de tato! Arrepios de cristandade vão cobrir minha pele com o horror desta notícia.

“Profanação do emblema sagrado!” Isso é o que a cristandade vai gritar. Sim, a cristandade vai vibrar.

Posso ouvi-los me acusando de meio milhão de assassinatos por ano por vinte anos e manterem a

compostura, mas profanar o Símbolo é outra questão. Isto é considerado muito sério. Ela vai despertar e

querer ver o meu recorde. Vibração? De fato, é o que vai acontecer; parece que já estou a ouvir um

zumbido distante… Foi errado crucificar as mulheres, claramente errado, manifestamente errado, posso

ver agora por mim mesmo o que aconteceu, sinto muito pelo que aconteceu, sinceramente, desculpe-me.

Acredito que isto poderia ter respondido tanto quanto tirar a pele deles…

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[Com um suspiro]

Mas nenhum de nós pensou nisso; não podemos pensar em tudo; e afinal errar é humano.

Isto vai gerar um rebuliço, certamente, estas crucificações. Pessoas vão começar a perguntar novamente,

como agora e em tempos passados, como é que posso esperar vencer e manter o respeito da raça humana,

se eu continuar a dedicar minha vida a matar e saquear.

[Com desprezo]

Quando eles vão me ouvir dizer que eu quero o respeito da raça humana?

Será que eles me confundem com o rebanho comum?

Será que eles se esquecem de que eu sou um rei?

Que rei tem valorizado o respeito à raça humana?

Quero dizer, no fundo do coração de cada um. Se eles refletissem bem, saberiam que é impossível que um

rei possa valorizar o respeito à raça humana.

Ele está acima da eminência e olha o mundo de cima, vê multidões de humildes coisas humanas adorando

as pessoas, e se submetendo às opressões e cobranças, de uma dúzia de coisas humanas que não são, de

nenhum modo melhor ou mais finos do que eles mesmos — são do mesmo padrão que eles, de fato, e sem

a mesma qualidade de barro.

Quando eles falam, é uma raça de baleias; mas um rei os conhece como uma raça de girinos. Sua história

os revela. Se os homens fossem realmente homens, como um Czar seria possível? E como posso eu, ser

possível? Mas nós somos possíveis; nós estamos a salvo; e com a ajuda de Deus vamos continuar os

negócios no velho estilo de sempre. Será revelado que a raça conspira com a gente, em sua forma dócil e

imemorial. Pode haver muitas caretas e grande falação, mas vão cair de joelhos do mesmo jeito.

Apresentar uma grande falação é uma das suas especialidades. Ele é automotivo, solta espuma pela boca,

quando você acha que ele vai atirar um tijolo — ele expele um poema! Senhor, que raça é esta!

UM CZAR — 1905

Um autocrata de papelão; um déspota ultrapassado;

Um planeta se desvanecendo no brilho do dia;

Uma vela piscando no raio do sol brilhante,

Queimado na forma; fruta tardiamente nascida,

No alto do galho fraco, amadurece até ficar podre.

Abandonado por Deus e esquecido pelo tempo,

Observando as rotas fronteiras de suas terras,

Um Deus covarde para quem milhões de mudos rezam,

Da Finlândia no Ocidente até o longínquo Cathay,

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Senhor de um continente congelado ele permanece,

Sua aparente ruína a frágil mente aplaca,

E no estupor congelado do seu sono

Ele ouve os pálidos trovões retumbando enquanto caem,

E poderosos fragmentos desaparecem no abismo.

(* B. H. Nadal, no New York Times.)

Tudo bem, somos obrigados a admitir; é um quadro lindo e impressionante. O vira-lata manipula muito

bem sua caneta. Então, se tivesse uma chance, eu teria cruci-esfolado ele… “Um Deus invertebrado.”

Este é um Czar ao ponto — Deus, e invertebrado; um nobre invertebrado, pobre rapaz; coração mole e

fora do lugar. “Um Deus covarde para quem milhões de mudos rezam.”

Despudoradamente correto; conciso, tão, compacto — a alma e o espírito da raça humana comprimida na

metade de uma frase. De joelhos — 140.000.000. De joelhos diante de uma pequena divindade de estanho.

Reunidos, juntos, eles se estenderiam além, através das planícies, desbotando e escurecendo e

desaparecendo numa perspectiva incomensurável — porque nem a visão de um telescópio conseguiria

alcançar a fronteira final desta dispersão continental do servilismo humano. Agora, por que um rei deve

valorizar o respeito da raça humana? É totalmente sem sentido esperar por isso.

Uma curiosa raça, certamente! Descobre a culpa em mim e em minhas ocupações e esquece-se de que

nenhum de nós poderia existir uma hora sem sua aprovação. Ele é o nosso confederado e o todo-poderoso

protetor. Ele é o nosso baluarte, nosso amigo, nossa fortaleza. Por isso ele tem nossa gratidão, nossa

profunda e sincera gratidão — mas não o nosso respeito. Deixe-o choramingar e soluçar e resmungar se

ele gosta; tudo bem; não damos a menor importância.

[Examina umas folhas de um caderno de anotações, faz uma pausa e então lê um clipping e faz um

comentário]

Os poetas — como eles caçam o pobre Czar! Franceses, Alemães, Ingleses, Americanos — eles todos têm

uma prevenção contra ele. O melhor e o mais capaz do grupo, e o mais feroz, é Swilburne (Inglês, eu

acho) e um par de americanos, Thomas Bailey Eldridge e o Coronel Richard Waterson Gilder, de um

jornal sentimental chamado Century Magazine e Louisville Courier-Journal. Eles certamente devem ter

proferido alguns fortes ganidos. Não consigo encontrá-los — devo ter me desviado deles — Se a mordida

de poeta for tão terrível como seu ganido, porque me preocupar — mas não o é.

Um rei sábio não liga para eles; mas o poeta não sabe disso. Isto é o mesmo que um pequeno cão e um

relâmpago fugaz. Quando o Czar começa a trovejar, o poeta pula fora e esbraveja a uma pequena

distância e, em seguida, retorna para seu canil, abanando a cabeça com satisfação e acha que infligiu um

susto memorável, quando nada aconteceu — o Czar não sabia que ele estava por perto.

Eles nunca latem para mim; eu gostaria de saber por que isso acontece. Suponho que o meu

Departamento de Corrupção os compra. Deve ser isso, pois certamente eu deveria inspirar um latido ou

dois; de certo modo eu sou uma escolha material, devo dizer. Porque — aqui é um latido para mim.

[Murmurando um poema]

“… O que te dá direito sagrado de matar a esperança

E regar ignorância com sangue humano?

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· · · · · ·

De qual poder superior do universo-dividido

Tem origem tua maravilhosa, madura brutalidade?

· · · · · ·

horrível… vosso Deus que vê estas coisas

Ajude-nos a desfazer este terror da terra.”

…Não, eu sei, é Para o Czar, (**) depois de tudo. Mas há aqueles que gostariam de dizer que isto serve

para mim — e, melhor, combina também. “Brutalidade madura.” Eles diriam que o Czar ainda não está

maduro, mas que eu sim, e não meramente maduro mas podre. Nada poderia impedi-los de dizer isto, eles

poderiam pensar de modo mais inteligente.

“Este terror.” Deixe o Czar guardar este nome; Eu estou satisfeito. Neste longo tempo eu tenho sido “o

monstro”; que era o favorito deles — o monstro do crime. Mas agora tenho um novo. Eles encontraram

um fóssil de Dinossauro, cinquenta e sete metros de comprimento e 16 metros de altura, o montaram no

Museu em Nova York e é chamado de “Leopold II”. Mas não importa, ninguém liga para boas maneiras

numa República. Hum… isso me faz lembrar; de eu nunca ter sido caricaturado. Será que os corsários do

lápis não poderiam encontrar um símbolo ofensivo que fosse suficientemente grande e feio o suficiente

para fazer justiça à minha reputação? (**Louise Morgan Sill, no Harper´s Weekly)

[Após reflexão]

Não há outra jeito — vou comprar o Dinossauro. E dar um sumiço nele.

[Recosta-se com mais alguns capítulos principais. Lendo]

“Mais mutilação de crianças.” (Mãos decepadas)

“Testemunho de Missionários Americanos.”

“Provas dos Missionários Ingleses.”

Tudo é a mesma velha coisa — repetição tediosa e duplicações de episódios ultrapassados; mutilações,

assassinatos, massacres, e assim por diante, até que alguém caia no sono com isto. O Sr. Morel se

intromete neste ponto e acrescenta um comentário que ele poderia muito bem ter guardado para si — e os

lança em alguns itálicos, claro; essas pessoas nunca podem viver sem itálicos:

“É uma comovente história de miséria humana do começo ao fim, e é tudo recente.”

Quer dizer, 1904 e 1905. Não posso acreditar que uma pessoa possa agir assim. Este Morel é súdito do

rei, e a reverência para com a monarquia deve impedi-lo de ficar refletindo sobre de mim com essa

exposição. Este Morel é um reformador; um reformador do Congo. Isto dá a sua dimensão. Ele publica

uma folha em Liverpool chamada The West African Mail, que é apoiada pelas contribuições voluntárias

de idiotas e de compadecidos; e toda semana ele vaporiza, fede e supura com recentes “atrocidades do

Congo” deste tipo detalhado neste monte de panfletos aqui. Vou dar um sumiço nisto. Eu dei um sumiço

num livro sobre atrocidades do Congo, depois de já estar na fase de impressão; não deve ser difícil para

mim acabar com um jornal.

[Estuda algumas fotografias de pretos mutilados — joga tudo fora. Suspira]

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A Kodak tem sido uma dolorosa calamidade para nós. O inimigo mais poderoso que já nos confrontou, de

fato. Nos primeiros anos não tivemos problemas em obter da imprensa para “expor” os relatos das

mutilações como calúnias, mentiras, invenções de missionários americanos fofoqueiros e estrangeiros

exasperados que encontraram a “porta aberta” da carta Berlin-Congo fechada contra eles quando eles

partiram inocentemente para o comércio, e com a ajuda da imprensa temos as nações cristãs por todo lado

para tornar uma orelha irritada e incrédula a esses contos e dizer coisas duras sobre os narradores deles.

Sim, todas as coisas andavam harmoniosa e agradavelmente naqueles bons dias, e eu observava tudo

como o benfeitor de um povo desafortunado e sem amigo. Então, de repente, veio o choque! Isso quer

dizer, a incorruptível Kodak — e toda a harmonia foi para o inferno! A única testemunha que encontrei em

minha longa experiência que eu não pude subornar. Todo missionário ianque e todo comerciante

impedido voltou para casa e comprou uma; e agora — ah, bem, as fotos se espalharam por toda parte,

apesar de tudo o que fizemos para capturá-las e destrui-las.

Dez mil púlpitos e dez mil prensas estão a dizer a boa palavra para mim o tempo todo, placidamente e de

forma convincente negando as mutilações. Então aquela pequena e trivial kodak, que uma criança pode

transportar no seu bolso, se levanta, sem dizer uma palavra sequer, os põe mudos!

… Que fragmento é este?

[Lendo]

“Sim, mas chega de tentar computar seus crimes! Sua lista é interminável, nunca chegaremos ao fim

disto. Sua sombra horrível encontra-se em seu Estado Livre do Congo, e sob ela uma inofensiva nação de

15,000,000 está sendo devastada e sucumbindo rapidamente em suas misérias. É uma terra de túmulos; é

A Terra dos Túmulos; é o Cemitério Livre do Congo. É um pensamento majestoso: trata-se de um dos

episódios mais macabros em toda a história humana é o trabalho de um homem sozinho; um homem

solitário; apenas um único indivíduo — Leopoldo, Rei dos belgas. Ele é pessoal e exclusivamente

responsável por toda a miríade de crimes que têm manchado a história do Estado do Congo. Lá, ele é o

único mestre; ele é absoluto. Ele poderia ter evitado os crimes por seu simples comando; ele poderia

detê-los, na hora, com uma palavra. Ele é o dono da palavra. Pela força do seu dinheiro.

É estranho ver um rei destruir uma nação e deixar exaurir um país só por causa do dinheiro sórdido e

somente por isso. A ambição de conquista é real; os reis sempre exerceram esse vício imponente;

estamos habituados a isso, por um hábito antigo aprovamos isto, percebendo uma certa dignidade nisso;

mas a luxúria do dinheiro — a luxúria dos dólares — dos níqueis — luxúria da moeda suja, não para o

enriquecimento da nação, mas unicamente para o rei — isso é novo. Isso, definitivamente, nos revolta,

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não podemos concordar com isto, nós repudiamos isso, nós desprezamos isso, afirmamos que é

ultrapassado, isto não é nobre, mal caráter.

Sendo democratas nós devemos zombar e brincar, devemos nos regozijar para ver o nobre arrastado na

lama, mas — bem, conte com isto como se pudéssemos, nós não. Vemos esse terrível rei, este impiedoso e

ensanguentado rei, esse rei do dinheiro doido, subindo em direção ao céu num solitário mundo de crime

sórdido, sem amigos e apartado da raça humana, único açougueiro, de ganho pessoal encontrável em

toda a sua casta, antiga ou moderna, pagã ou cristã, alvo adequado e legítimo para o desprezo dos mais

baixos e os mais elevados, e a execração de todos os que tem em estima o frio opressor e o covarde, e —

 bem, é um mistério, mas não queremos ver, porque ele é um rei, e isso nos dói, nos perturba, por um

instinto antigo e hereditário isto nos envergonha, ver um rei degradado a este ponto, e nos constrange

ouvir os detalhes de como isso aconteceu . Estremecemos e nos afastamos quando nos deparamos com

isto na imprensa.”

Pelo fato de que, certamente — ESTA SEJA A MINHA PROTEÇÃO …

E vocês vão continuar fazendo o mesmo.

Eu conheço a raça humana.

“Para Eles isto deveria parecer muito desagradável e misterioso.”

Joseph Conrad

Tradução para o Português — Joatan Vilela Berbel

Texto extraído do site: http://msuweb.montclair.edu/~furrg/i2l/kingleopold.pdf