software livre, educaÇÃo e formaÇÃo de professores

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ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 1 SOFTWARE LIVRE, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES João Batista Carvalho Nunes (Coordenador) Universidade Estadual do Ceará Resumo O computador e, mais recentemente, a internet incorporaram-se de modo permanente ao cotidiano da sociedade. Embora se esteja muito aquém de se implantar laboratórios de Informática com acesso à internet em todas as escolas públicas, há investimento crescente por parte dos Governos Federal, Estaduais e Municipais. Reconhece-se que não se pode subtrair dos alunos sua inclusão na era digital. Por outro lado, o Brasil tem se tornado referência internacional na adoção de software livre por parte de distintas administrações públicas e empresas privadas. Inclusive, vários sistemas educacionais estão migrando seus computadores para a plataforma livre. Este painel procura apresentar um conjunto de pesquisas que trazem em comum o olhar sobre o software livre na educação. Foram investigações produzidas dentro do Laboratório de Tecnologia Educacional e Software Livre (LATES) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), a partir da contribuição de pesquisadores de diferentes instituições. O primeiro trabalho apresenta parte de pesquisa cujo objetivo geral consistiu em analisar a formação e a prática, em software livre, de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino de Fortaleza. No segundo, os autores trazem parte de pesquisa que teve como um de seus objetivos analisar como está sendo realizada a formação dos professores dos laboratórios de Informática Educativa das escolas públicas municipais de Fortaleza para a utilização pedagógica do software livre. No último texto, são apresentadas as etapas do desenvolvimento de um software educativo livre para os anos iniciais do Ensino Fundamental, denominado Letra Livre, e o resultado de sua avaliação. Esses estudos utilizaram distintos métodos de pesquisa, instrumentos de coleta e estratégias de análise de dados. Depreende-se que ainda há muito a se investigar no campo do software livre na educação, a fim de se ampliar os softwares existentes, melhorar a formação de professores e elevar a aprendizagem discente. Palavras-chave: Software Livre, Software Educativo Livre, Tecnologia Educacional, Formação de Professores.

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Painel apresentado no XV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE). É composto por três artigos, quais sejam:FORMAÇÃO E PRÁTICA DOCENTE EM SOFTWARE LIVRE;POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DOS LABORATÓRIOS DE INFORMÁTICA EDUCATIVA DAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE FORTALEZA PARA A UTILIZAÇÃO PEDAGÓGICA DO SOFTWARE LIVRE;DESENVOLVIMENTO E AVALIAÇÃO DO SOFTWARE EDUCATIVO LETRA LIVRE.Autores:Maria Auricélia da Silva; João Batista Carvalho Nunes; Karla Angélica Silva do Nascimento; Gláucia Mirian de Oliveira Souza; Raimunda Olímpia de Aguiar Gomes; Renata Rosa Russo Pinheiro Costa Ribeiro; Dennys Leite Maia; Joserlene Lima Pinheiro.Para citar (o terceiro texto):NUNES, João Batista Carvalho; MAIA, Dennys Leite; PINHEIRO, Joserlene Lima. Desenvolvimento e avaliação do software educativo Letra Livre. In: Software livre, Educação e formação de professores. Anais do XV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE). Belo Horizonte: UFMG, 2010. p. 19-28.

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ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010

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SOFTWARE LIVRE, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

João Batista Carvalho Nunes (Coordenador) Universidade Estadual do Ceará

Resumo O computador e, mais recentemente, a internet incorporaram-se de modo permanente ao cotidiano da sociedade. Embora se esteja muito aquém de se implantar laboratórios de Informática com acesso à internet em todas as escolas públicas, há investimento crescente por parte dos Governos Federal, Estaduais e Municipais. Reconhece-se que não se pode subtrair dos alunos sua inclusão na era digital. Por outro lado, o Brasil tem se tornado referência internacional na adoção de software livre por parte de distintas administrações públicas e empresas privadas. Inclusive, vários sistemas educacionais estão migrando seus computadores para a plataforma livre. Este painel procura apresentar um conjunto de pesquisas que trazem em comum o olhar sobre o software livre na educação. Foram investigações produzidas dentro do Laboratório de Tecnologia Educacional e Software Livre (LATES) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), a partir da contribuição de pesquisadores de diferentes instituições. O primeiro trabalho apresenta parte de pesquisa cujo objetivo geral consistiu em analisar a formação e a prática, em software livre, de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino de Fortaleza. No segundo, os autores trazem parte de pesquisa que teve como um de seus objetivos analisar como está sendo realizada a formação dos professores dos laboratórios de Informática Educativa das escolas públicas municipais de Fortaleza para a utilização pedagógica do software livre. No último texto, são apresentadas as etapas do desenvolvimento de um software educativo livre para os anos iniciais do Ensino Fundamental, denominado Letra Livre, e o resultado de sua avaliação. Esses estudos utilizaram distintos métodos de pesquisa, instrumentos de coleta e estratégias de análise de dados. Depreende-se que ainda há muito a se investigar no campo do software livre na educação, a fim de se ampliar os softwares existentes, melhorar a formação de professores e elevar a aprendizagem discente. Palavras-chave: Software Livre, Software Educativo Livre, Tecnologia Educacional, Formação de Professores.

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FORMAÇÃO E PRÁTICA DOCENTE EM SOFTWARE LIVRE

Maria Auricélia da Silva – Prefeitura Municipal de Fortaleza João Batista Carvalho Nunes – Universidade Estadual do Ceará

Karla Angélica Silva do Nascimento – Faculdade Grande Fortaleza Resumo As tecnologias, presentes em todos os tempos e construídas socialmente pela humanidade são patrimônio coletivo e, portanto, devem estar a serviço da sociedade. Nesse contexto, insere-se o movimento do software livre, visto que sua utilização representa a possibilidade de inclusão digital de professores e alunos, sobretudo das instituições públicas de educação. Este texto apresenta parte de pesquisa cujo objetivo geral consistiu em analisar a formação e a prática, em software livre, de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino de Fortaleza. Deste resultaram os objetivos específicos: conhecer a formação dos professores para a utilização de softwares livres e analisar a prática dos docentes quanto ao uso desses softwares. Os procedimentos metodológicos evidenciam a opção pelo paradigma interpretativo, a fim de compreender a formação e a prática docente no contexto em que elas ocorrem. Foi utilizado o método de estudo de casos múltiplos, tendo como principais instrumentos de coleta de dados a entrevista semiestruturada e a observação não-participante. Os resultados indicam que a utilização do software livre nas escolas municipais de Fortaleza não explora plenamente as possibilidades de trabalho pedagógico, tanto no que se refere ao uso de softwares livres nas diversas áreas do conhecimento quanto no tocante à diversificação das metodologias. Há, portanto, necessidade de políticas de formação de professores para o uso do software livre que atendam aos anseios e às necessidades formativas dos docentes, desde que respeitadas suas limitações de tempo. Tais medidas podem promover a inclusão digital de docentes e discentes, além de favorecer os processos de ensino-aprendizagem. Palavras-chave: Software Educativo Livre, Formação de Professores, Prática Docente.

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Introdução

A inserção do computador nas atividades de ensino tem ocorrido mediante a compreensão de que constitui ferramenta auxiliar, recurso pedagógico rico de possibilidades e, em consequência, deve ser utilizado com critério e compreensão de sua aplicabilidade. Como afirma Kenski (2003, p. 72), “a opção pelo ensino com o computador [...] exige alterações significativas em toda a lógica que orienta o ensino e a ação docente em qualquer nível de escolaridade”. A escola, como instituição social responsável pela formação educacional, pode utilizar os recursos tecnológicos em prol da construção de conhecimentos, mediante a utilização de novos recursos para inovadoras práticas pedagógicas. As tecnologias auxiliam a operacionalização dos processos pedagógicos como recurso, mas as posturas pessoais e profissionais dos docentes são fundamentais para o gerenciamento do fazer cotidiano, visto que interferem na forma de lidar com os alunos, com os recursos, com as relações que se estabelecem entre professor-aluno, aluno-aluno, aluno-tecnologias. Moran (2004, p. 27) chama a atenção para o fato de que “as tecnologias nos ajudam a realizar o que desejamos. Se somos pessoas abertas, elas nos ajudam a ampliar a nossa comunicação; se somos fechados, ajudam a controlar mais. Se temos propostas inovadoras, facilitam a mudança”.

A compreensão das relações entre ensino-aprendizagem e tecnologias é fundamental nos dias atuais, pois as crianças e adolescentes deste século nasceram na era da informação e têm, portanto, mais facilidade do que o professor no uso da máquina. Como assinala Sancho (2006, p.19), “os cenários de socialização das crianças e jovens de hoje são muito diferentes dos vividos pelos pais e professores. O computador [...] atrai de forma especial a atenção dos mais jovens, que desenvolvem uma grande habilidade para captar suas mensagens”. O trabalho com o computador e, especificamente, com o software educativo na escola depende, essencialmente, do trabalho de seus professores, pois a simples inserção da melhor tecnologia em sala de aula não garante a qualidade da educação.

Compreende-se que, no contexto escolar, as tecnologias só viabilizam o novo, se outras leituras de mundo forem feitas a serviço de novos ideais de ensino; se o uso dos computadores não for tomado para burilar técnicas tradicionais, a fim de tornar o ensino mais dinâmico. Kenski (2003, p. 93) afirma, ainda, que “o ponto fundamental da nova lógica de ensinar [...] é a redefinição do papel do professor”. Em razão dessa constatação, é necessário que o professor esteja aberto ao novo e faça escolhas sobre o quê e como utilizar os recursos disponíveis, a fim de que o binômio ensino-aprendizagem seja efetivado.

Dada a importância da formação do professor, quer inicial ou continuada, para o bom desempenho de suas atividades pedagógicas, faz-se importante observar que tal formação deve incluir o uso dos recursos tecnológicos. A utilização do computador e de softwares educativos envolve aspectos como abordagem pedagógica, manuseio do computador e do software, além das questões pertinentes à docência para o uso dos demais recursos didáticos. A respeito desse processo de atualização docente, Libâneo (2001, p. 39), enfatiza que o professor dos dias atuais deve “reconhecer o impacto das novas tecnologias da comunicação e informação na sala de aula” como uma das “novas atitudes docentes” (LIBÂNEO, 2001, p. 36) e, a partir desse

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reconhecimento, adaptar sua didática às novas realidades presentes nos contextos social e escolar.

No volume introdutório dos Parâmetros Curriculares Nacionais dos anos iniciais do Ensino Fundamental, é estabelecida uma relação entre o desempenho dos alunos nas provas de larga escala e a formação docente, com a indicação que esses resultados acenam para a necessidade de oferta de formação de professores (BRASIL, 2001). Em relação ao uso de recursos tecnológicos, é reconhecida a necessidade da inserção do computador nas atividades pedagógicas quando se discute a seleção de material para o trabalho escolar. O referido documento enaltece a importância “do uso de computadores pelos alunos como instrumento de aprendizagem escolar, para que possam estar atualizados em relação às novas tecnologias da informação e se instrumentalizarem para as demandas sociais presentes e futuras” (BRASIL, 2001, p. 104). Observa-se a indicação tácita sobre o uso do computador pelos professores, uma vez que é recomendada sua utilização pelos alunos. Se, na referência anterior, há uma estreita relação entre o desempenho dos alunos e a formação docente, depreende-se que esta abrange o uso dos recursos tecnológicos.

Em se tratando do acesso às tecnologias, é conveniente a opção pelo uso do software livre em razão da proposta filosófico-ideológica que o fundamenta. Como bem salienta Silveira (2003, p. 41), “as duas vantagens mais destacadas no uso do software livre para o desenvolvimento econômico e social local são o código aberto e a inexistência do pagamento de royalties pelo seu uso”. Além do aspecto econômico-financeiro, há que se considerar os quatro tipos de liberdade dos quais usufruem os usuários do software livre, quais sejam: liberdade de executar o programa para qualquer propósito; liberdade de estudar como o programa funciona e adaptá-lo às suas necessidades através do acesso ao código fonte; liberdade de redistribuir cópias e contribuir para que outras pessoas tenham acesso aos recursos tecnológicos; liberdade de aperfeiçoar o programa e socializar as melhorias, de modo a beneficiar a comunidade. Tais aspectos são imprescindíveis à educação pública, visto que o acesso a softwares educativos livres pode ser otimizado e contar com a possibilidade de, após análise, serem realizadas mudanças capazes de atender às necessidades e possibilidades do grupo (professores e alunos), além de colocar os professores na posição de coautores.

Sobre a adoção do software livre nas instituições públicas, Souza (2008) informa que as vantagens da utilização do software livre são diversas, dada a proibição do uso de softwares comerciais não licenciados. Todavia, Teixeira et al (2006, p. 3) reiteram que “mais do que uma alternativa técnica e economicamente viável, o software livre representa uma opção pela criação, pela colaboração e pela independência tecnológica e cultural […]”. Assim, órgãos públicos, empresas e organizações não-governamentais têm aderido à plataforma livre.

Nesse contexto, insere-se a Prefeitura Municipal de Fortaleza – PMF, a qual adotou o software livre em meados do ano 2005, implementando-o nas escolas públicas municipais, em seus Laboratórios de Informática Educativa – LIEs. Conforme estudos de Souza (2008), essa implementação tinha em mira dirimir os problemas relativos à exclusão digital e à insuficiente formação dos professores para o uso pedagógico do computador. O espaço destinado à

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formação continuada dos professores foi o Centro de Referência do Professor – CRP, por meio do Núcleo de Tecnologia Educacional.

O Centro de Referência do Professor oferece cursos gratuitos na área de Informática Educativa a professores da rede pública municipal de ensino de Fortaleza, além de cursos diversos para os demais servidores. A partir de 2005, vem acompanhando a transição do software proprietário para o software livre e oferecendo cursos para subsidiar professores e funcionários na adaptação à plataforma livre. A oferta de cursos é trimestral, divulgada no site da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza e acessível a todos os servidores municipais. A adesão é feita de forma espontânea, bastando uma comunicação telefônica com informação sobre dados relativos à matrícula do servidor do Município, desde que respeitada a oferta de vagas. Em alguns casos, os cursos são oferecidos para um público definido, em caráter obrigatório, como, por exemplo, professores de LIE, secretários escolares e agentes administrativos, por se tratar de cursos necessários a determinado grupo de servidores para o desempenho de suas funções.

A adesão espontânea representa, de um lado, a atenção aos interesses de formação dos professores individualmente, permitindo que cada um defina sua trajetória formativa conforme sua necessidade. Por outro lado, o sistema municipal de ensino adotou o software livre como plataforma para os LIEs das escolas públicas, eliminando de vários laboratórios os softwares proprietários existentes. Isso exigiria, no mínimo, o desenho de ações formativas direcionadas a sustentar essa implantação/migração não apenas para públicos específicos na escola (professores responsáveis pelos laboratórios, agentes administrativos etc.), mas abranger o coletivo de docentes da rede de ensino. Estes deveriam saber o porquê da adoção da plataforma livre e como ela pode ser útil à sua prática profissional. Como afirma Nóvoa (1995, p. 9), “não há ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de professores”.

Com base nas questões discutidas acima, surgiu a configuração desta pesquisa, que procura responder o seguinte problema: como estão a formação e prática, em softwares educativos livres, dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino de Fortaleza? A partir dessa indagação, foi estabelecido como objetivo geral conhecer a formação e a prática, em software livre, de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede pública municipal de ensino de Fortaleza. Do objetivo geral resultaram os objetivos específicos, quais sejam conhecer a formação dos professores para a utilização desses softwares e analisar a prática docente quanto ao uso de softwares livres. Neste texto, apresentamos parte dessa investigação. Caminho Metodológico

O paradigma interpretativo, também denominado naturalista ou construtivista, foi adotado como esteio para nossa pesquisa. Guba e Lincoln (1994) salientam que o termo paradigma pode ser compreendido como um conjunto básico de crenças que determinam os princípios fundamentais com os quais se pretende trabalhar. Representa a visão de mundo que define, para o pesquisador, a natureza e a extensão das possíveis relações entre o individual e o coletivo, o todo e as partes. Assim, a partir do emprego do paradigma

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interpretativo, buscou-se compreender a formação e a prática docente para o uso de softwares livres.

Adotou-se como método de pesquisa o estudo de casos múltiplos. O estudo de caso é um tipo de pesquisa qualitativa que se destina a estudar um caso particular ou diversos casos (estudo de casos múltiplos) que constituem acontecimentos contemporâneos, com o intuito de analisar profundamente uma experiência, avaliando a natureza do fenômeno observado e o suporte teórico que o fundamenta. As características do estudo de caso são determinadas por duas circunstâncias, a saber: a) natureza e abrangência da unidade; b) suportes teóricos que orientam o trabalho do pesquisador (TRIVIÑOS, 1987). Tais aspectos são de fundamental importância para a constituição de um estudo, posto que a profundidade e o mergulho no caso que se está investigando tendem a aumentar seu grau de complexidade, o qual requer a inter-relação entre a teoria e o fenômeno analisado.

Os critérios estabelecidos para a seleção dos sujeitos foram os seguintes: ser professor(a) da rede pública municipal de Fortaleza; estar lotado(a) em salas de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental; ter realizado cursos de formação em softwares educacionais ou educativos livres no Centro de Referência do Professor – CRP. A primeira etapa da coleta de dados ocorreu no CRP, com vistas a relacionar os professores aos cursos que haviam realizado no referido Centro no período de 2005, quando a Prefeitura de Fortaleza migrou para o software livre, até junho de 2008, recorte da pesquisa. A segunda foi realizada na Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza – SME, objetivando conhecer a lotação dos professores para, posteriormente, poder encontrá-los nas escolas em que estão lotados. Os dados quantitativos coletados no CRP e na SME foram sistematizados em planilha eletrônica do OpenOffice.org/BrOffice.org Calc, permitindo sua análise estatística e o desenho de gráficos. Os cálculos proporcionais levaram à Secretaria Executiva Regional I, que abrigava o maior percentual de professores formados em software livre no Centro de Referência do Professor, isto é, 3,47% do total de professores lotados. Para atender ao recorte desta pesquisa, ou seja, professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, foram encontradas nove professoras que lecionavam do 1º ao 5º ano, sendo que uma delas estava ausente da sala de aula, motivo pelo qual não participou do grupo de sujeitos. Consequentemente, o trabalho foi realizado com oito professoras.

Para a coleta de dados nas escolas, foram utilizadas a entrevista semiestruturada e a observação, com vistas à obtenção de informações quantitativas e qualitativas. Os dados quantitativos foram organizados na planilha eletrônica do OpenOffice.org/BrOffice.org Calc. Para a análise dos dados qualitativos coletados nas questões abertas da entrevista foi utilizado o programa NUD*IST, versão 4 - Non-numerical Unstructered Data* Indexing, Search, Theorizing – que é um programa adequado à análise qualitativa de dados, permite criar categorias e relatórios para facilitar a análise e a triangulação de dados. Esse programa também permitiu a triangulação dos dados e a percepção de relações entre as diversas informações coletadas durante a observação da prática docente no LIE, mediante o acompanhamento e os registros feitos no roteiro de observação, além de anotações feitas no diário de campo por ocasião das visitas às escolas.

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Resultados

Inicialmente, houve a preocupação de conhecer a formação inicial das professoras participantes desta pesquisa e saber se tal formação contemplava o uso do computador como recurso pedagógico. Todas elas responderam que não estudaram o uso pedagógico do computador, quer no curso Normal ou na graduação em Pedagogia. Duas professoras tiveram a referida formação em cursos de Especialização em Informática Educativa.

Quanto à participação em eventos na área de Informática Educativa, 3 (três) professoras responderam que nunca participaram de nenhum evento nessa área, 4 (quatro) participaram de, no máximo, 5 (cinco) eventos e somente 1 (uma) participou de mais de 5 (cinco) eventos. A Professora P2 foi quem participou de mais eventos porque trabalhou em outra instituição (que não da rede pública municipal de ensino de Fortaleza), a qual oferecia seminários e congressos sobre o assunto.

Sobre as necessidades e expectativas em relação à formação continuada para o uso do computador como ferramenta pedagógica, observou-se que as professoras desejam saber mais, entretanto citaram as limitações de tempo e a quantidade de tarefas a realizar, em razão dos afazeres profissionais e pessoais.

Em termos de quantidade de cursos em software livre para professores, a oferta foi a seguinte: em 2005, ofertados 3 (três) cursos; em 2006, esse número mais que triplicou, tendo sido ofertados 10 (dez) cursos; em 2007, houve uma queda em relação ao ano anterior, sendo que 7 (sete) cursos foram oferecidos; em 2008, de janeiro a junho, foram ministrados somente 2 (dois) cursos. Convém observar que houve número diferente de turmas em cada curso.

O número de professores atendidos variou conforme a oferta de cursos em software livre, como segue: em 2005, foram formados 129 professores; em 2006, esse número aumentou para 274; no ano de 2007, a formação atingiu 152 docentes; de janeiro a junho de 2008, foram 29 professores formados. Pode-se verificar que, em 2006, foi registrada a maior oferta e a consequente procura por cursos, o que pode estar atrelado a uma necessidade de formação em virtude das novas exigências da prática docente, visto que o município de Fortaleza avançava no uso do software livre.

Quanto à natureza dos cursos ministrados, pode-se afirmar que: 45% foram sobre programas de apresentação, arte e tratamento de imagem, explorando softwares como Gimp e os do pacote de escritório OpenOffice.org/BrOffice.org (Writer, Draw e Impress); 27,3% versaram sobre confecção de atividades e material didático com utilização da planilha OpenOffice.org/BrOffice.org Calc; 13,6% trataram do sistema operacional, da distribuição Kurumin e Linux Educacional; 9,1% voltaram-se para o ensino de Matemática, mais especificamente Geometria, fazendo uso do software livre Geogebra; 4,5% exploraram jogos educativos no Linux.

Convém destacar que, dessa oferta, o curso ofertado nos quatro anos, de 2005 a junho de 2008, foi “Confecção de atividades e material pedagógico na planilha Calc”, seguido por “Arte no OpenOffice”, este oferecido de 2005 a 2007. Os demais foram oferecidos em um ou em dois anos desse período.

A formação oferecida esteve voltada prioritariamente ao uso do pacote

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de escritório OpenOffice.org/BrOffice.org e do sistema operacional Linux. Não foi registrada a oferta de cursos sobre softwares educativos livres nas diversas áreas do conhecimento, exceto o Geogebra na área da Matemática.

A observação da prática docente no Laboratório de Informática Educativa - LIE foi realizada após a entrevista, em data marcada pelas professoras, conforme o planejamento de cada escola. O conteúdo das aulas variou entre as áreas de Matemática, Ciências e Arte. Conforme exposto no tópico anterior, as professoras disseram, durante as entrevistas, que usavam mais o LIE em Português e Matemática; em segundo lugar, apareceu Ciências. A Professora P3 informou que o utilizava, geralmente, em aulas de Português. Na aula observada, ela trabalhou conteúdos de Matemática. No caso da Professora P8, houve coerência entre o que afirmou na entrevista e o que realizou no LIE, pois informou que priorizava as aulas de Ciências em razão do caráter experimental, e sua aula versou sobre conteúdo de Ciências.

Os softwares livres utilizados nas aulas foram, basicamente, Impress e Tux Paint, sendo que o Impress não favoreceu o trabalho discente, mas apoiou a exposição dialogada, no caso da Professora P4. O Tux Paint foi utilizado pelos alunos para a criação e confecção de cartões natalinos, sendo que o Impress também foi utilizado para exposição dos trabalhos desses alunos. Nas demais aulas, foram utilizados sites, o que demonstra que o software educativo livre foi muito pouco usado nas aulas, à exceção do Tux Paint. No caso do software educacional livre empregado, o Impress, não houve trabalho discente, mas apenas apoio ao trabalho docente, contrariando as orientações de Oliveira et al (2001), sobre o uso pedagógico do software educacional.

A liderança das aulas foi exercida pelos professores de LIE, exceto na aula da Professora P4, que é professora regente de sala no turno vespertino e professora de LIE no turno matutino. De modo geral, as professoras regentes não conduziram as aulas, mas auxiliaram os professores de LIE na condução das aulas, procedimento que não está previsto nas Diretrizes para a Educação Básica da Rede Pública Municipal e Lotação de Professores (FORTALEZA, 2006). Tais Diretrizes expressam as atribuições do professor de LIE e, especificamente quanto às aulas, determinam que esse professor deve planejar juntamente com o professor regente as atividades pedagógicas a serem desenvolvidas no LIE e assessorá-lo em suas aulas realizadas nesse ambiente.

A ação das professoras foi de acompanhamento aos alunos durante as atividades, incentivando-os ao acerto, elogiando-os, instigando-os a buscar soluções. Foram observadas duas posturas docentes: incentivo ao acerto, à rapidez na resolução das situações propostas com foco na contagem de pontos e no resultado, como as Professoras P4 e P8, evidenciando a perspectiva instrucionista; incentivo à reflexão, à retomada da atividade e à busca de soluções, observados na prática das Professoras P1, P3 e P7, o que demonstra a postura do professor construcionista.

Tais observações evidenciam que há um longo caminho a percorrer, a fim de que haja maiores aproximações entre a formação e a prática docente para o uso do computador como recurso pedagógico. Conclusões

O número de professores que realizaram cursos em SL no CRP é ínfimo,

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se comparado ao total de professores da rede municipal de ensino de Fortaleza. A alegativa dada pelas professoras para a não realização de cursos é a falta de tempo, visto que sua carga horária é, geralmente, de 240 horas, portanto dois turnos, podendo chegar a 360 horas, isto é, três turnos de trabalho. Assim, não sobra tempo nem disposição para a formação continuada.

Os cursos realizados pelas professoras no referido Centro não tratam de conteúdos específicos para as diversas áreas de ensino. Em uma das escolas visitadas, foi constatada a utilização do sistema operacional proprietário, em contradição com a política municipal de adoção do software livre.

O software livre foi utilizado na prática pedagógica em duas situações: Impress (software educacional) para a exposição dialogada de uma professora e Tux Paint (software educativo), usado pelos alunos para confecção de cartões natalinos. De fato, não foram utilizados softwares livres para o trabalho com o conteúdo das diversas áreas de estudo, lacuna também percebida na oferta de cursos pelo CRP. Pode-se afirmar, com base nas entrevistas realizadas e nas aulas observadas, que sites educativos foram mais usados que softwares livres.

Observou-se, também, que as aulas no LIE foram ministradas, prioritariamente, pelo(a) professor(a) do laboratório, mesmo na presença das professoras acompanhadas nesta pesquisa, ficando as referidas docentes como auxiliares e coadjuvantes no processo, contrariando a orientação da SME quanto aos procedimentos relativos ao uso do LIE.

A partir dessas contribuições, novas pesquisas podem ser realizadas no sentido de acompanhar a implementação de políticas de formação docente mais abrangentes, capazes de atender ao contingente de educadores da rede municipal de ensino quanto ao uso do computador e do software livre em todas as áreas de estudo. Também será possível analisar se a formação docente, nessa perspectiva de política pública de educação e de ampliação da oferta de cursos, interfere no desempenho de professores e, por conseguinte, nos resultados obtidos pelos alunos. Referências BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais : Introdução. 3. ed. Brasília: SEF, 2001. FORTALEZA. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL - SEDAS. Diretrizes para Educação Básica da Rede Pública Mun icipal e Lotação de Professores . Fortaleza, 2006. KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância . Campinas, São Paulo: Papirus, 2003. LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? : novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 2001, 5ed. MORAN, J. M. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas. In: MORAN, J. M.; Masetto, M. T.; BEHRENS, M.. Novas tecnologias e mediação pedagógica . Campinas, SP: Papirus, 2004, 8ed. OLIVEIRA, C. C. et al (2001). Ambientes informatizados de aprendizagem : produção e avaliação de software educativo. Campinas, São Paulo: Papirus, 2001.

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SANCHO, J. M. (Org.). Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre: Artmed, 2006. SILVEIRA, S. A. Inclusão digital, software livre e globalização contra-hegemônica. In: SILVEIRA, S. A.; CASSINO, J. (Org.). Software livre e inclusão digital . São Paulo: Conrad, 2003. SOUZA, G. M. de O. Navegar é preciso : viagem nas políticas públicas de adoção do software livre nas escolas públicas municipais de Fortaleza. Dissertação de Mestrado: UECE, 2008. TEIXEIRA, A. C.; MARTINS, A. R. Q.; TRENTIN, M. Kit Escola Livre: a indissociabilidade entre inclusão digital e software livre na sociedade contemporânea. In: Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, 2006, Brasília. Anais do XVII Simpósio Brasileiro de Informática na Educação , 2006. p. 1-9. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

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POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DOS LABORATÓR IOS

DE INFORMÁTICA EDUCATIVA DAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNIC IPAIS DE FORTALEZA PARA A UTILIZAÇÃO PEDAGÓGICA DO SOFTWARE LIVRE.

Gláucia Mirian de Oliveira Souza – Prefeitura Municipal de Maracanaú

João Batista Carvalho Nunes – Universidade Estadual do Ceará Raimunda Olímpia de Aguiar Gomes – Instituto Federal do Ceará

Renata Rosa Russo Pinheiro Costa Ribeiro – Universidade Estadual do Ceará Resumo Políticas públicas de migração para o software livre têm sido desenvolvidas no Brasil e no mundo. Percebemos a existência de iniciativas de formação de professores para a utilização de equipamentos tecnológicos; porém, é mister que haja uma redefinição nesses modelos de formação, para que acompanhem o novo modelo de software que está sendo implementado. O Município de Fortaleza adotou, em 2005, o software livre para a rede pública de ensino. Neste trabalho, apresentamos parte de pesquisa que teve como um de seus objetivos analisar como está sendo realizada a formação dos professores dos laboratórios de Informática Educativa das escolas públicas municipais de Fortaleza para a utilização pedagógica do software livre. Como aporte metodológico, optou-se pelo modelo misto de pesquisa (mixed model research), empregando procedimentos qualitativos, mediante a análise documental dos textos estruturadores da política de adoção do software livre nas escolas públicas municipais de Fortaleza; e quantitativos, por meio da realização de survey interseccional com amostra de 119 professores. Foi empregado como instrumento de coleta um questionário com questões abertas e fechadas. Na análise dos dados, fez-se uso dos softwares NUD*IST e da planilha eletrônica Calc. Os resultados evidenciam que a formação continuada para utilização do software livre privilegiou aspectos básicos do uso da tecnologia/computador, prioritariamente o sistema operacional Linux e o pacote de escritório OpenOffice.org/BrOffice.org. Não há formação voltada para o uso pedagógico de softwares educativos livres. Essa situação nos faz refletir acerca do próprio conceito de Informática Educativa subjacente aos cursos oferecidos. É necessário que prevaleça a dimensão pedagógica sobre a técnica, envolvendo o professor, para que ele possa utilizar na sua área esses recursos, associando-os ao projeto pedagógico da escola. Palavras-chave: Formação de Professores, Política Educacional, Informática Educativa, Software Livre.

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Introdução

A formação de professores é um tema discutido desde os anos 1980 e, de modo mais veemente, dos anos 1990 em diante. Desde então, foi crescente o número de estudos e pesquisas relacionados a essa temática. As concepções em torno dessa questão, contudo, não se organizam como área independente de conhecimento; mas, do contrário, dependem do conceito que determinada sociedade em seu tempo adota de escola, ensino, aprendizagem, currículo, papel do professor etc (LEITE, 2000).

O conceito tradicional predominante sobre prática e formação docente, durante décadas, pressupunha a “racionalidade técnica”. Essa expressão foi cunhada por Schön (2005) e apresenta como característica a aplicação da ciência à prática docente: estabelecem-se relações hierárquicas entre quem pensa (formula teorias) e quem faz (põe em prática as teorias), vinculando-se a uma concepção centralizadora da gestão escolar (LEITE, 2000). Várias foram as críticas a esse modelo de formação, sobretudo pela complexidade da realidade social e educacional, que não se permitem submeter ou reduzir a aspectos instrumentais (GOMEZ, 1992).

Esse modelo tradicional de formação docente vem dando espaço a novos princípios norteadores na educação. Não é intuito deste trabalho refletir sobre esses princípios, mas elucidar o conceito que adotamos sobre formação continuada, para, logo depois, falarmos sobre a formação continuada para o uso das tecnologias, em geral, e do software livre, em específico. Para tanto, intuímos a idéia de que a revolução tecnológica representa um “esforço transformador do homem sobre a natureza, mudando o mundo, nossa relação com ele, nossa forma de pensar e agir, e, nossas interações com os outros” (FREITAS, 2001, p. 10).

A subjetividade do ser humano está marcada atualmente pelas interações do ciberespaço e da cibercultura (LEVY, 1999). Interações que têm provocado mudanças e incertezas no espaço social e educacional. Imbernón (2002) afirma que esse contexto de mudanças se evidencia tanto na instituição educativa como na docência, bem como na formação, que assume novos papéis. A formação, por exemplo, deve ir além do “ensino que pretende uma mera atualização científica, pedagógica e didática” e se transformar na “possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e formação para que as pessoas aprendam e se adaptem para poder conviver com a mudança e a incerteza” (IMBÉRNON, 2002, p. 18).

A formação continuada, como política pública, a gestão democrática e a cultura globalizada estão imbricadas (FERREIRA, 2003). Por isso se faz tão importante perceber a formação continuada como responsabilidade não só do professor; mas também dos governos, com vistas não somente a planejar, como também a operacionalizar medidas que possibilite ao professor decididamente se postar nessa cultura global.

Para atender as mudanças impressas pelas novas exigências à formação de professores, esta deve ser compreendida como um moto-contínuo. É pela formação continuada do professor que o conhecimento das tecnologias vai se adequando à prática pedagógica: ao refletir, analisar, comparar possibilidades, atender as necessidades e os interesses de professores e alunos (NASCIMENTO, 2007).

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Uma alternativa para o uso da tecnologia advém do SOFTWARE LIVRE, por nos permitir ser sujeitos no fenômeno de criação. Ensina Paulo Freire (2002, p. 77) que, “é nessa relação dialética que educadores e educandos se fazem sujeitos do seu processo, devendo encontrar as práticas pedagógicas desejáveis para uma escola transformadora”. Não se trata apenas de detalhes técnicos, em vantagens econômicas, mas principalmente em uma atitude comprometida com a responsabilidade social de inclusão digital, uma prática pedagógica fundamentada em um discurso epistemológico que legitima o direito humano.

A adoção do software livre é fato consumado. Políticas públicas de migração para o software livre têm sido desenvolvidas no Brasil e no mundo. Percebemos a existência de iniciativas de formação de professores para a utilização de equipamentos tecnológicos; porém, é mister que haja uma redefinição nesses modelos de formação, para que acompanhem o novo modelo de software que está sendo implementado.

Ao adotar o software livre, o Governo Federal, o Ministério de Educação e a Secretaria de Educação a Distância estão redimensionando as possibilidades de acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs), sobretudo o computador e a internet, para aqueles que se encontram excluídos da era digital.

Os desafios da inclusão digital, principalmente nas escolas públicas, não se restringem à falta de acesso e de formação para os professores, compreendem também a falta infraestrutura física (computadores, impressora, bancadas, rede elétrica, conexão à internet etc.), e softwares (sistema operacional e aplicativos básicos e educativos) instalados nas máquinas que possam contribuir para o processo de ensino e aprendizagem.

A proposta do software livre coincide com princípios e objetivos da inclusão digital: prover a liberdade de acesso à sociedade informacional, disponibilizar conteúdo e contribuir para a formação de uma sociedade em rede. Essa proposta se caracteriza na verdade como possibilidade de levar máquinas e softwares para as escolas e lares que antes não tinham condições estruturais e financeiras para obtê-los. A assunção de padrões abertos aumenta a probabilidade de uma formação de professores para o uso das tecnologias, visto que permite que estas cheguem às escolas. Garante, ou pelo menos deveria assegurar, que o dinheiro economizado com a compra de softwares possa ser utilizado na expansão dos laboratórios de Informática e na formação docente; pois, embora software livre não signifique software gratuito; ele pode ser obtido gratuitamente.

Essa vantagem deve sempre ser posta em segundo lugar, pois o lado mais pertinente da moeda do software livre como política de inclusão, além da redução de custos e suas conseqüências, é o fato de ele propiciar a condição de instigar o conhecimento do indivíduo com base na necessidade de “pensar” e não somente “teclar”. Traz um senso de comunidade, pois o que é produzido isolado ou em grupo deve ser distribuído a toda a comunidade, para que ela possa aproveitar o conhecimento adquirido (MICHELAZZO, 2003).

É nesse sentido que articulamos a filosofia do software livre à formação do professor para o uso das tecnologias, visto que se configura como uma política de inclusão digital contra-hegemônica (SILVEIRA, 2003), originando-se na tentativa de conferir uma dimensão ética à utilização das tecnologias, sobretudo os computadores e seus programas.

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Neste texto, apresentamos parte de pesquisa que teve como um de seus objetivos analisar como está sendo realizada a formação dos professores dos LIEs das escolas públicas municipais de Fortaleza para a utilização pedagógica do software livre. Metodologia

Adotamos um modelo misto de pesquisa (mixed model research), porquanto procuramos integrar procedimentos quantitativos e qualitativos dentro e ao longo dos momentos da investigação (JOHNSON; CHISTENSEN, 2003 apud NUNES 2005).

Segundo JOHNSON e CHRISTENSEN (2003), há dois tipos de modelos mistos de pesquisa: dentro dos estádios da pesquisa (within-stage), mediante a combinação de abordagens quantitativas e qualitativas dentro de um ou mais estádios da investigação (por exemplo, quando se usa um questionário com perguntas abertas e fechadas); ou ao longo dos estádios da pesquisa (across-stage), quando abordagens quantitativas e qualitativas são misturadas ao longo de, no mínimo, dois estádios da investigação (por exemplo, ao se usar objetivos de natureza qualitativa e procedimentos de coleta de dados quantitativos) (p. 08).

Os procedimentos qualitativos foram empregados na pesquisa documental e análise de conteúdo dos documentos estruturadores da política de adoção do software livre nas escolas públicas municipais de Fortaleza e das perguntas abertas do questionário que foi aplicado com os professores.

A pesquisa documental, segundo Gil (1991) é a análise de indicativos que ainda não receberam tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. Nesse intuito, coletamos documentos na Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME – anteriormente denominava-se Secretaria de Educação e Assistência Social - SEDAS), cujos registros continham intenções e ações para a implementação da política de adoção do software livre nas escolas. Os documentos foram aparecendo na medida em que fomos imergindo na pesquisa de campo, e são analisados concomitantemente aos dados coletados com os professores.

Os procedimentos quantitativos foram obtidos em survey interseccional com professores. O survey é uma ferramenta de pesquisa, empregada por pesquisadores sociais, que examina uma amostra da população, permitindo a verificação empírica de determinado fenômeno (BABBIE, 1999). Optamos pelo survey interseccional, que nos permitiu selecionar uma amostra em momento específico e descrever relações entre as variáveis estudadas (BABBIE, 1999).

Nossa amostragem é do tipo probabilística, pois nossa intenção foi estudar a amostra para fazer estimativas estatísticas sobre a natureza da população total. Babbie (1999, p. 120) ressalta que “um princípio básico da amostragem probabilística é: uma amostra será representativa da população da qual foi selecionada se todos os membros da população tiverem oportunidade igual de serem selecionados para a amostra”.

A população pesquisada no nosso estudo é constituída pela agregação dos professores que trabalham nos laboratórios de Informática Educativa (LIEs) das escolas públicas municipais de Fortaleza. Os elementos são os professores dos laboratórios. A estratificação da amostra levou em conta a

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localização dos professores pelas Secretarias Executivas Regionais e o sexo dos professores. Para calcular nossa amostra, baseamo-nos na listagem total do professores que atuavam nos LIEs, o que compôs a moldura de nossa amostragem. Depois, organizamos por localização geográfica dos laboratórios e por sexo dos professores, para se garantir que a amostra selecionada tivesse representatividade por gênero e região.

Para efeito do cálculo da amostra, consideramos a população de professores credenciados até 11 de setembro de 2007 (172 professores: 140 mulheres e 32 homens), distribuídos em 165 escolas municipais com Laboratórios de Informática Educativa. Utilizamos no cálculo da amostra um intervalo de confiança de 95%, estimativa de proporção populacional de 0,5 e erro amostral de 0,05. O resultado do cálculo da amostra resultou em 119 desses professores; destes, 81% era do sexo feminino e 19% era do sexo masculino. Para abordarmos esses professores utilizamos um questionário semiestruturado, com questões objetivas e subjetivas (fechadas e abertas).

Resultados revelados

A Prefeitura Municipal de Fortaleza conta com o Centro de Referencia do Professor (CRP) que, por meio da Biblioteca Virtual Moreira Campos (BV), possui como objetivo capacitar os professores da rede municipal para o uso da tecnologia como instrumento educativo. O documento intitulado Minuta do Centro de Referência do Professor (FORTALEZA, 2005a) registra a intenção da SEDAS quanto à política de formação de professores para o uso da Informática Educativa, o que também se aplica à formação para o uso do software livre:

(...) a formação se dará através de uma grade de cursos ofertados pela BV e cursos de extensão realizados mediante convênio com as instituições públicas de Ensino de Fortaleza (UFC, UECE e CEFET). Os cursos serão oferecidos a partir das demandas do sistema de ensino e terão sua carga horária dividida em atividades teóricas, práticas no computador e práticas-didáticas nos laboratórios (estágio em Informática Educativa). Nesse último caso, a equipe do CRP-BV realizará o acompanhamento dos professores nos laboratórios como uma atividade de formação dos professores. A estrutura do CRP permitirá também que seja realizada a formação de professores através dos recursos tecnológicos nas modalidades semi-presencial e a distância. (p. 5).

Ao assumir o software livre, a Prefeitura Municipal de Fortaleza realizou

formação continuada voltada para a utilização desse novo padrão de software nos LIEs, segundo 92,4% dos professores entrevistados. Contudo, percentual menor de 89,1% participou dessa formação.

Para a realização da referida formação, foi firmado “convênio com a Universidade Federal do Ceará, sendo um curso semipresencial, ministrado por monitores da UFC e CRP”, segundo comentou o professor P07. As aulas a distância foram realizadas no ambiente virtual de aprendizagem SOLAR e as aulas presenciais aconteceram no CRP.

Alguns professores (6,7%), ao destacar a metodologia utilizada na formação continuada, se posicionaram acerca da estrutura dos cursos realizados, informando que tiveram uma parte teórica e outra prática. Enfatizaram ainda esse caráter contínuo da formação (21,8%). Percentual de

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7,6% dos entrevistados não manifestou nenhum posicionamento nesse sentido. O CRP foi a resposta mais indicada (90,7%) no que se refere ao local da

formação continuada. Isso enseja concordância com o dado registrado sobre os níveis de formação para o uso da Informática e do software livre, no qual os entrevistados indicaram que os conhecimentos acerca dessa temática foram obtidos através de iniciativa da SEDAS/SME.

No geral, os professores responderam que a formação continuada no uso do software livre durou cerca de dois a três meses (71,2%) e contabilizou uma carga horária total de 80h/a. Quanto à distribuição abordada na formação, 96,1% dos professores explicitaram que foi utilizada a distribuição Kurumim.

Os professores destacaram que foram privilegiados na formação os seguintes conteúdos: sistema operacional Linux (91,6%) e pacote de escritório OpenOffice.org/BrOffice.org (88,2%).

Em se tratando dos aplicativos utilizados na formação, os entrevistados deram destaque para o editor de texto OpenOffice.org/BrOffice.org Writer (91,6%), a planilha eletrônica OpenOffice.org/BrOffice.org Calc (88,2%) e o programa de apresentação OpenOffice.org/BrOffice.org Impress (86,5%). Esse dado reflete no conhecimento/habilidade dos professores para o uso dos aplicativos e para o emprego pedagógico dos softwares, pois ao responderem sobre esses conhecimentos, os entrevistados dizem ter maior domínio nos conteúdos trabalhados na formação.

A utilização de tecnologias na escola envolve questões bem complexas, pois não é simplesmente o professor desvendar o computador nem a disponibilidade dos equipamentos que garantirão o seu pleno uso nas salas de aula. Devem ser consideradas a abordagem pedagógica e a necessidade de formação continuada do professor para que este possa escolher criticamente entre as possibilidades que se apresentam. As respostas dos professores registram a subutilização do laboratório até por eles mesmos. O computador destina-se não somente à utilização de um “pacote” de escritório, pois, além de outros aplicativos, existem diversos softwares destinados especificamente ao uso educacional.

No que diz respeito ao conhecimento e conseqüente utilização desses softwares, contudo, os números mostram resultados estarrecedores. Mais da metade dos entrevistados não tem “nenhum” conhecimento/habilidade para o uso dos softwares educativos elencados (GCompris, Dr. Geo, KNagram, KPercentege, KBruch), e os demais, quando o têm, esse conhecimento/habilidade é considerado “pouco” ou razoável”. Esses resultados demonstram que a formação continuada foi deficitária ou privilegiou apenas o uso de aplicativos do OpenOffice.org/BrOffice.org.

Os professores também reuniram sugestões para o uso do software livre nas escolas: mais cursos/treinamentos/capacitações/aperfeiçoamento (19,3%), em especial para o uso do software educativo livre (8,4%), incluindo todos os professores (13,4%) e, se possível, realizados na própria escola (19,3%).

Ao imprimirem em suas falas a reivindicação de que sejam realizados mais cursos, e que estes aconteçam na própria escola, os participantes da pesquisa destacam que essa ação facilita a participação, não somente dos professores de laboratório, mas também dos demais professores da escola.

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Considerações Finais

O Município de Fortaleza se preocupou em oferecer subsídios aos professores para lidar com o software livre. A existência do Centro de Referência do Professor bem como a disponibilidade de cursos oferecidos nessa instituição revelam essa preocupação.

Os dados apontam que a formação continuada para o uso pedagógico do software livre aconteceu e continua acontecendo. Verificamos, contudo, pelo conhecimento/habilidade dos professores para o uso de certos aplicativos e softwares, que essa formação privilegiou aspectos básicos do uso da tecnologia/computador, prioritariamente o sistema operacional Linux e o pacote de escritório OpenOffice.org/BrOffice.org. Não há formação voltada para o uso pedagógico de softwares educativos livres.

Haja vista que a utilização do computador transcende o uso de certos dispositivos, esse achado evidencia subutilização desse recurso pelos professores de LIE. Esse elemento nos faz refletir acerca do próprio conceito de Informática Educativa subjacente aos cursos oferecidos a professores.

Utilizar o computador apenas para digitar textos, fazer apresentações ou planilhas de cálculos é, sim, subutilizá-lo. O objetivo da Informática Educativa não é este. Seu foco é fazer com que essas ferramentas e equipamentos sirvam de instrumentos mediadores do ato de ensinar e aprender; não como a panacéia para os problemas da educação, mas como mais um recurso que poderá colaborar na melhoria do ensino e aprendizagem. É necessário que prevaleça a dimensão pedagógica sobre a técnica, envolvendo o professor, para que ele possa utilizar na sua área esses recursos, associando-os ao projeto pedagógico da escola. Referências BABBIE, E. Métodos de pesquisa de survey . Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. FERREIRA, Naura S. Carapeto. Formação continuada e gestão da educação no contexto da “cultura globalizada”. In: FERREIRA, Naura S. Carapeto (org.). Formação continuada e gestão da educação . São Paulo: Cortez, 2003. FREITAS, Maria T. de A. Eu: a janela através da qual o mundo contempla o mundo. Sessão Especial 24.ª ANPED: Tecnologia e Subjetividade, 2001. FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 45 ed. São Paulo: Cortez, 2003. ______, Paulo. A educação como prática da liberdade . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. FORTALEZA. SECRETARIA DE EDUCACAO E ASSISTENCIA SOCIAL - SEDAS. Relatório do Levantamento das condições de uso dos laboratórios de informática educativa da rede munic ipal de ensino . Fortaleza, maio de 2005. _________. Minuta do Projeto do Centro de Referência do Profes sor . Fortaleza, 2005(a). _________. Projeto de acompanhamento técnico pedagógico e supo rte técnico dos equipamentos de informática utilizados no processo educativo . Fortaleza, 2005(b). _________. Prefeitura reafirma compromisso em manter laboratór ios de

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informática e bibliotecas funcionando . 2007. Disponivel em: www.sme.fortaleza.ce.gov.br/educacao/noticias.php?id_news. Acesso em: Marco de 2008. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social . São Paulo: Atlas, 1991. GOMEZ, A. P. O pensamento prático do professor. A formação do professor como profissional reflexivo. In. NOVOA, A. (Coord.). Os professores e a sua formação . 2 ed. Porto Editora, 1992. IMBERNON, F. Formação docente profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2002. (Coleção Questões de nossa época; v. 77). LEITE, S. A. da S. Desenvolvimento profissional do professor: desafios institucionais. In: AZZI, Roberta Gurgel; BATISTA, Sylvia Helena Souza da Silva; SADALLA, Ana Maria Falcão de Aragão (Orgs.). Formação de professores: discutindo o ensino de psicologia. Campinas, SP: Editora Alinea, 2000. LEVY, P. Cibercultura . Rio de Janeiro: Editora 34, 1999. MICHELAZZO, Paulino. Os benefícios da educação e da inclusão digital. In: SILVEIRA, Sergio Amadeu da; CASSINO, João. Software livre e inclusão digital . São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003. NASCIMENTO, Karla Angélica Silva do. Formação continuada de professores do 5º ano: contribuição de um software educativo livre para o ensino de geometria. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) – Universidade Estadual do Ceara, Centro de Educação. 2007. NOVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In. NOVOA, A. (Coord.). Os professores e a sua formação . 2 ed. Porto: Porto Editora, 1995. NUNES, João Batista Carvalho. Software livre e educação . Projeto de pesquisa apresentado a Universidade Estadual do Ceara como requisito para a obtenção de bolsas de iniciação cientifica do CNPq e da FUNCAP. Fortaleza, 2005. SILVEIRA, Sergio Amadeu da. Inclusão digital, software livre e globalização contra-hegemonica. In: SILVEIRA, Sergio Amadeu da; CASSINO, João. Software livre e inclusão digital . São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003.

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DESENVOLVIMENTO E AVALIAÇÃO DO SOFTWARE EDUCATIVO LETRA LIVRE

João Batista Carvalho Nunes – Universidade Estadual do Ceará

Dennys Leite Maia – Prefeitura Municipal de Fortaleza Joserlene Lima Pinheiro – Universidade Estadual do Ceará

Resumo O Laboratório de Tecnologia Educacional e Software Livre (LATES) foi criado com o propósito de realizar pesquisas que relacionassem software livre e educação. Ao realizar o levantamento de softwares educativos livres (SELs) existentes, foi possível encontrar 81 SELs. Desses, foi identificada predominância de softwares nas áreas de matemática, língua estrangeira e língua materna. Motivado pela pouca opção de SELs para o ensino de Língua Portuguesa, mais especificamente para a área de letramento, o LATES resolveu investir no desenvolvimento de um aplicativo que colaborasse para uma mudança nesse quadro. Ademais, a escolha pela disciplina de Língua Portuguesa se deveu pelo baixo rendimento dos alunos naquela área. Neste trabalho, serão apresentadas as etapas que permearam o desenvolvimento de um SEL em português do Brasil (pt-br) para os anos iniciais do ensino fundamental, denominado Letra Livre. Adotou-se como norteador do processo de desenvolvimento a metodologia recursiva. Tratando-se de um modelo com fundamentação teórica de natureza interacionista e construtivista, implicou na necessária integração entre os membros da equipe de desenvolvimento e no contínuo registro e avaliação do processo de construção, a fim de se buscar o aprimoramento do produto. Após a delimitação da abordagem proposta para o software, foi pensada a lógica que ele obedeceria, as palavras utilizadas, a interface gráfica e as figuras que compunham as atividades. Terminada a construção do software, foi providenciada uma avaliação pelos usuários finais com o intuito de contemplar tanto critérios objetivos como formativos. Ao fim do processo, face à boa aceitação do Letra Livre, espera-se que essa experiência de desenvolvimento de um software sirva de estímulo para que novos SELs sejam implementados. Palavras-chave: Desenvolvimento de Software Educativo, Avaliação de Software Educativo Livre, Software livre, Ensino de Língua Portuguesa.

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Introdução Na atual sociedade, observa-se acelerado desenvolvimento científico e

tecnológico, com reflexos diretos no modus vivendi das pessoas. As tecnologias invadem lares, locais de trabalho e de lazer, permitindo a satisfação de velhas necessidades e a geração de outras novas. Para o sociólogo espanhol Manuel Castells (2003), diversos setores da sociedade absorveram os recursos tecnológicos em suas atividades, configurando uma nova revolução tecnológica que tem a informação como matéria principal.

A educação insere-se nesse processo através da formação de cidadãos que compõem a sociedade tecnologizada do presente e comporão a do futuro. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), esse alerta é previsto ao afirmar que

trata-se de ter em vista a formação dos estudantes em termos de sua capacitação para a aquisição e o desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se produzem e demandam um novo tipo de profissional, preparado para poder lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder a novos ritmos e processos. (BRASIL, 1997a, p. 28).

Cabe aos sistemas educacionais e às escolas buscar formas para incluir

seus alunos nessa sociedade; do contrário, estarão fomentando uma categoria de excluídos, que já começou a se expandir e deve ser contida: os excluídos digitais. Por outro lado, a inclusão digital, conforme Nunes (2007), não pode se limitar ao acesso; ela deve efetivar-se a partir de dois elementos inter-relacionados: acesso a tecnologias digitais (computador, software, internet) e domínio do conhecimento sobre as tecnologias digitais nos âmbitos declarativo, procedimental e valorativo.

Investimento desse porte, que possui custo considerável, pode ser minimizado ao se adotar em sua operacionalização softwares livres (SLs), que, segundo a definição criada pela Free Software Foundation (FSF), são programas de computador que podem ser usados, copiados, estudados, modificados e redistribuídos sem nenhuma restrição.

Programas regidos sob a licença GNU/GPL estão disponíveis, em sua maioria, sem a exigência de se pagar taxas pela licença de uso, gerando a possibilidade de reverter essa economia para a aquisição de novos computadores, formação de professores e demais prioridades de cunho pedagógico.

Além do acesso às tecnologias, pode-se adequar o software educativo livre às necessidades e realidade dos alunos, tornando-se o professor um coautor do recurso tecnológico com vistas ao aprimoramento de sua prática pedagógica, através da terceira liberdade inerente ao software livre (alterar e aperfeiçoar).

Segundo Valente (1993, p. 1), “o computador pode provocar uma mudança de paradigma pedagógico”. Para isso, a ação do professor deve dirigir esse processo, a depender de sua prática naquele ambiente.

O uso da informática na educação exige em especial um esforço dos educadores para transformar a simples utilização do computador numa abordagem educacional que favoreça efetivamente o processo de conhecimento do aluno. (OLIVEIRA, COSTA, MOREIRA, 2001, p. 62).

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Considerando essas e outras questões sobre o uso do computador e do software livre na educação, foi realizado pelo grupo de pesquisa Laboratório de Tecnologia Educacional e Software Livre (LATES), um levantamento dos softwares livres, educativos e educacionais.

Ao final da pesquisa, foi possível encontrar 81 (oitenta e um) softwares educativos livres (SELs). Desses, foi identificada predominância de softwares nas áreas de matemática (30,9%), língua estrangeira (27,2%) e língua materna (13,6%) (NUNES; SILVA; SILVA; SOUZA; BARRETO, 2008). Motivado pela pouca opção de SELs para o ensino de Língua Portuguesa, mais especificamente para a área de letramento, o LATES resolveu investir no desenvolvimento de aplicativo que colaborasse para uma mudança desse quadro.

Denominado Letra Livre, por trabalhar o letramento e estar inserido na filosofia do software livre, o aplicativo procura aproximar-se de uma abordagem pedagógica construcionista para softwares educativos (PAPERT, 1994). Procura tratar o erro como processo não descartável do aprendizado discente e, a partir dele, favorecer no aluno a construção de seu conhecimento com o auxílio do computador.

O software foi pensado para trabalhar as competências exigidas nos anos iniciais do Ensino Fundamental na disciplina de Língua Portuguesa, auxiliando o aluno na escrita de palavras. Ademais, procura pôr em prática o que se defende nos PCNs de Língua Portuguesa para os anos iniciais do Ensino Fundamental, ou seja, que o ensino de ortografia favoreça:

a inferência dos princípios de geração da escrita convencional, a partir da explicitação das regularidades do sistema ortográfico (isso é possível utilizando como ponto de partida a exploração ativa e a observação dessas regularidades: é preciso fazer com que os alunos explicitem suas suposições de como escrevem as palavras, reflitam sobre possíveis alternativas de grafia, comparem com a escrita convencional e tomem progressivamente consciência do funcionamento da ortografia). (BRASIL, 1997b, p. 85).

As palavras elencadas, a priori, foram retiradas de livros didáticos utilizados pelos alunos de escolas públicas do município de Fortaleza. Dessa forma, as palavras não foram separadas de forma aleatória. A definição dos níveis de dificuldade levaram em conta fatores como: número de sílabas, presença de dígrafos, acentos, letras e/ou encontros consonantais com sons parecidos, marcação nasal, dentre outros. Além disso, o Letra Livre caracteriza-se também por ser um programa dentro da modalidade conhecida como aplicações web ou WebApp, que caracterizam-se pelo acesso via navegador web (web browser) sobre uma rede como a internet ou uma intranet. Dessa forma, o programa não fica restrito a nenhum sistema operacional, ou seja, a partir de qualquer computador com acesso à internet é possível fazer uso do software. Para a escrita do código fonte do software foram adotadas as linguagens de programação HTML (Hypertext Markup Language) e PHP (PHP: Hypertext Preprocessor), combinadas com o banco de dados MySQL.

A proposta de funcionamento do Letra Livre é baseada no seguinte fluxo: ao selecionar um grupo de palavras, o aluno/usuário é direcionado para uma tela, onde escolhe uma das figuras que deseje nomear, representada por um desenho. O software permite um exercício da grafia correta de cada uma das ilustrações daquele grupo.

Nesse processo, não existe limite de tempo para o acerto, porém foi

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definido um número máximo de tentativas, inicialmente fixado em cinco. A proposta do Letra Livre possibilita que o aluno realize o ciclo descrição-execução-reflexão-depuração-descrição, de extrema importância na aquisição de novos conhecimentos (VALENTE, 1999). Metodologia

Corroborando com Lee e Owens (2004) e Oliveira, Costa e Moreira (2001), para o desenvolvimento do software buscou-se criar uma equipe multi e interdisciplinar, integrando membros do grupo de pesquisa. Envolveu-se um número reduzido de profissionais, entre graduandos em Pedagogia, mestrandos em educação e pedagogos, sob a liderança de um Doutor especialista em Informática Educativa, para a criação do aplicativo em todas as suas etapas. Os membros foram divididos em subáreas do projeto, de acordo com suas afinidades e mantendo a inter-relação entre as subáreas.

Adotou-se como norteador do processo de desenvolvimento a metodologia recursiva, proposta por Oliveira, Costa e Moreira (2001). Tratando-se de um modelo com fundamentação teórica de natureza interacionista e construtivista do conhecimento, caracteriza-se por “movimentos de avanço no desenvolvimento do software por meio das diferentes atividades que o constituem” (OLIVEIRA, COSTA, MOREIRA, 2001, p. 97).

Para o desenvolvimento dos elementos gráficos tomou-se como referência o conceito de Oliveira, Costa e Moreira (2001, p.107), ao falar que

a definição das telas, quando realizada paralelamente à elaboração do diagrama de fluxo, ajudará na visualização mais objetiva dos links a serem criados entre as telas, e a visualização dos links, por sua vez, servirá de base para a caracterização de cada tela. Pela definição do público-alvo, o layout de cada tela levará em conta: a linguagem, a estética, abrangendo evidentemente a distribuição adequada dos textos, das imagens, das cores e dos efeitos visuais.

Dessa forma, foi possível idealizar um design para o software, bem

como telas e imagens que o comporiam. Ficou definido que o Letra Livre seria formado, basicamente, por quatro telas, quais sejam: Inicial, dos Grupos de Palavras, das Figuras e de Atividade. Além dessas, foram implementadas telas referentes à documentação, como: O Projeto, Manual do Usuário e Créditos. O Desenvolvimento do Letra Livre

Por se tratar de um software destinado, prioritariamente, a crianças na faixa etária de 7 aos 11 anos de idade, as imagens que ilustram o software e suas atividades foram elaboradas em sintonia com o imaginário desse público-alvo. Essa ideia mostra-se bastante pertinente, pois a proposta é que o aplicativo desperte interesse no aluno em virtude do seu conteúdo, não por premiações (OLIVEIRA; COSTA; MOREIRA, 2001).

Como o reconhecimento da figura é determinante, também, para a prática educativa que o Letra Livre propõe, as imagens foram postas em teste de reconhecimento. Crianças entre 4 e 10 anos foram solicitadas a dizer que objeto identificavam ao ver o desenho e, após essa testagem, as imagens que apresentaram mais dificuldades no reconhecimento foram ora substituídas, ora redesenhadas.

Para a formatação do layout do programa, procurou-se seguir o padrão ocidental de leitura, ou padrão “Z”, onde a leitura das telas acontece da

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esquerda para a direita e de cima para baixo. Lee e Owens (2004) enfatizam que, para a construção de softwares educativos, deve-se dar preferência a esse padrão de tela.

Nos próximos parágrafos, serão explicitadas as telas do Letra Livre, conforme aparecem no software: A tela inicial (FIG. 1), além de manter o padrão de leitura de tela ocidental, pretende proporcionar fundamentalmente uma interface amistosa e receptiva aos usuários.

A tela representa uma sala de aula, com uma estante de livros, onde se tem acesso à documentação do software; um quadro negro, com um link, no nome do programa, para o início da aplicação e uma figura do Gnu (animal que vive em grandes comunidades, a fim de se proteger de predadores, adotado como símbolo do movimento criado por Richard Stallman, fundador da FSF) com acesso à licença GNU/GPL 2.0, sob a qual o software está regido; e, por fim, uma porta, com uma placa “Iniciar o Letra Livre” como outra opção de acesso às atividades do programa.

Na tela dos grupos (FIG. 2), o usuário seleciona, dentre os quatro ícones que representam um agrupamento de palavras – que dão prosseguimento à atividade propriamente dita – com o objetivo de deixar o aluno o mais independente possível na construção de seu aprendizado.

Não devemos supor níveis de dificuldade que pudessem indicar uma ordem a ser seguida. Esse foi um dos pontos levados em conta para que o software tivesse uma aproximação maior com a abordagem construcionista. Entretanto, isso não quer dizer que cada agrupamento tenha o mesmo grau de dificuldade ou competências necessárias para a execução da atividade, mesmo porque as palavras permaneceram como eram trabalhadas nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Dessa forma, entende-se os alunos como sujeitos possuidores de um aprendizado peculiar: cada um tem seu ritmo e forma de articular mentalmente novos conhecimentos. Ademais, ao se deparar com um “novo conhecimento” o aluno avança, através do processo de reflexão-depuração, para outros níveis de aprendizado. Nesse sentido, o software pode atuar junto ao que Vygotsky (1999) chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

O espaço representado pelo desenho sugere um Laboratório de Informática Educativa, onde estão presentes alunos diversificados e um professor, identificado como ator importante nesse processo de ensino-aprendizagem.

Em cada uma das telas das figuras (FIG. 3), foram dispostos os 16 (dezesseis) desenhos que a compõem. Representadas por miniaturas, as imagens foram perfiladas em duas linhas ao lado esquerdo de cada figura, está presente o botão de seleção, para que o aluno possa marcá-lo e clicar no botão “Prosseguir”, alocado abaixo do agrupamento, dando início à tela de atividade (figura 4).

Na tela de atividade (FIG. 4), consta a etapa mais criteriosa quanto às indicações da literatura sobre avaliação e construção de software educativo. Isso se justifica por ser nessa etapa em que a aplicação concentra seu potencial pedagógico.

Aqui, o padrão de leitura ocidental está mais evidente. Primeiro, os olhos fazem a leitura da figura, elemento importante para a execução da atividade; depois, seguem para o banco de registro de tentativas, onde o software oferece o elemento de feedback ao aluno; em seguida, aparece a caixa de texto onde

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deve ser digitado o nome da figura, outro elemento fundamental para a execução da atividade, que pode, a partir do registro, mudar o direcionamento da atividade; e, por último, o link para voltar, caso deseje mudar de figura antes de fazer as tentativas ou, caso acerte a palavra, o link para voltar à tela das figuras para a escolha de outra imagem.

Observou-se que o aluno deveria ter um retorno do software confirmando o acerto e, consequentemente, diferenciando-o da resposta incorreta. A ideia primeira era que a palavra, após ser digitada com a grafia correta, fosse destacada com uma cor diferente e traduzisse o sentido de prosseguimento. No entanto, foi levado em conta que a mudança na cor da fonte da palavra pudesse gerar dificuldades para usuários portadores de alguma deficiência, como o caso de pessoas daltônicas. A solução encontrada foi proporcionar algum movimento àquela ação. Decidiu-se que as palavras corretas apareceriam piscando em dois tons de verde. A Contribuição dos Educadores

Um dos fatores considerados na busca de proporcionar melhorias a um software é a avaliação pelo usuário final. Ademais, por se tratar de um programa com código fonte aberto, essa categoria mostra-se ainda mais pertinente. Cabe lembrar que essa contribuição não se deve restringir apenas a melhorias na lógica do programa, mas abranger outras categorias, tais como: interface gráfica e conteúdo pedagógico, dentre outras.

Para o Letra Livre, foi seguida essa lógica. Ao término de seu desenvolvimento, foram providenciados testes no software, a fim de identificar limitações e levantar sugestões de aperfeiçoamento do programa. Para tanto, foram sugeridas duas etapas: uma pré-testagem e, depois, uma prática numa situação real de ensino e aprendizagem empregando-se o software.

A primeira etapa, a pré-testagem, foi realizada com alunos do último semestre do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Foi solicitado aos participantes que registrassem opiniões acerca de navegabilidade (aborda a usabilidade e interação do software a partir de seus links, botões, fluxo etc), conteúdo, figuras, metodologia e manual do Letra Livre, de acordo com um instrumental utilizado para avaliação de softwares educativos. As alterações foram referentes a algumas figuras apontadas como de difícil identificação, bem como links de retorno na tela de atividade.

A segunda etapa, aplicação do Letra Livre numa situação real de ensino e aprendizagem, aconteceu em uma escola pública municipal, selecionada conforme os seguintes critérios: oferta dos anos iniciais do Ensino Fundamental, existência de LIE com computadores com acesso à internet e disponibilidade de participação na pesquisa, manifestada por gestores e professores.

O processo deu-se em dois momentos. No primeiro foi implementada uma formação das professoras sobre o uso pedagógico do Letra Livre para que pudessem utilizá-lo com seus alunos. No segundo, ocorreu a observação da prática.

A avaliação de um software deve considerar aspectos objetivos e formativos. Então, para validar o Letra Livre, foi realizada a avaliação da qualidade do software por esse grupo de educadoras, complementando o ponto de vista de quem participou da concepção do aplicativo com a opinião de

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quem o utilizou em sua prática pedagógica. Avaliação do Letra Livre

Para o processo de avaliação do Letra Livre foi utilizado o modelo proposto por Oliveira, Costa e Moreira (2001). No entanto, vale registrar que esse modelo é proposto para softwares comerciais, enquanto a categoria software livre traz consigo, pela sua forma de disponibilidade, outra maneira de conceber a aquisição desses produtos. Assim, Oliveira, Costa e Moreira (2001) consideram quatro categorias para classificar os critérios de produção e avaliação de Software Educativo. A FIG. 5 apresenta o modelo proposto, que terá seus critérios detalhados posteriormente.

Às professoras, foi submetido um instrumento que evidenciava as quatro categorias. Entretanto, a categoria de programação apareceu apenas com o aspecto do Manual, pois, sendo estas pedagogas ou licenciadas, observou-se que elas não estariam aptas a avaliar os demais aspectos em virtude de sua formação. No momento da submissão do instrumento de avaliação, das 8 (oito) professoras que fizeram o curso de formação, 6 (seis) estavam presentes.

Interação Aluno-SE-Professor

É possível constatar que, para elas, o Letra Livre estaria a contento. Importa observar o caráter lúdico que identificaram no software, mesmo ele não tendo a pretensão de ser um jogo educativo. Outro aspecto também a ser considerado é que parte delas concebe o software como um site, o que é justificado pelo fato de ele funcionar em plataforma web. Registraram também que o aplicativo mostrou-se com boa navegabilidade e atratividade. Fundamentação Pedagógica

Quanto a esse aspecto, as professoras que buscaram trazer em suas respostas a abordagem pedagógica encontrada no software, apontaram o construcionismo. A partir dos registros, é possível evidenciar que pautaram suas respostas a partir do tratamento do erro dado pelo Letra Livre ou pela identificação da origem da abordagem, o construtivismo. Entretanto, demonstram ainda muito forte a ideia de que um software educativo deve conter elementos que instiguem a competição, ideia que remete a sistemas instrucionistas que valorizam estímulos e respostas. Conteúdo

As professoras salientaram, principalmente, a pertinência quanto às imagens e ao conteúdo curricular explorado pelo Letra Livre. Uma das professoras destacou a possibilidade de trabalhar conhecimentos prévios do aluno, levando em consideração suas vivências extraescolares. Outro registro que despertou atenção foi no que tange ao regionalismo, que garante também facilidade de uso ao software. Manual (Programação)

No tocante ao critério programação, como informado anteriormente, foi limitada às professoras apenas uma análise do Manual do Usuário, bem como a documentação do Letra Livre. Assim sendo, procurou-se verificar se o software atendia a esse critério para os seus usuários, no caso, professores e

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alunos. Importa que educadores o aprovem por estar creditada à documentação de softwares educativos parte das motivações de sua adoção (OLIVEIRA; COSTA; MOREIRA, 2001). Para o Letra Livre, esse critério foi aprovado pelas professoras, conforme ilustram os seguintes registros, enfatizando a navegabilidade e a facilidade de entendimento.

O manual do Letra Livre foi bem desenvolvido, trazendo informações e figuras atrativas, facilitando o uso e a navegação do usuário. (Profª β) O manual está bem adequado e elaborado de maneira que facilite o manuseio do aluno. (Profª θ)

Sugestões

Esse é um dos critérios que diferencia softwares livres de proprietários. Isso porque, como o primeiro visa à construção de forma colaborativa para proporcionar um aprimoramento da ferramenta para o interesse coletivo, o levantamento de sugestões contribui efetivamente para essa prática.

Para as professoras, esse critério se mostrou relevante, pois se sentiram motivadas a contribuir de alguma maneira. Ademais, suas sugestões podem ter surgido da necessidade que perceberam quando da utilização do software em sua prática, como a proposta de implementação do som. Outro aspecto que merece ser destacado é a sugestão para inclusão de outros conteúdos gramaticais. Isso pode evidenciar uma dificuldade sentida por elas para o trabalho com os alunos em alguns conteúdos e de sua percepção da Informática Educativa como estratégia viável de apoio à docência.

Em síntese, o Letra Livre apresentou boa receptividade entre as professoras e a aprovação delas como uma ferramenta apta para colaborar no processo de letramento de seus alunos. Considerações Finais

A utilização de softwares educativos livres é uma realidade em razão de políticas de inserção da plataforma livre nas instituições públicas. Assim, o desenvolvimento de SELs acena com grandes possibilidades de aceitação devido a essa tendência.

Conforme o mapeamento de SEL referendado neste texto, há carência de softwares para áreas específicas, sobretudo em Língua Portuguesa. O Letra Livre surge como recurso oferecido a professores e alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental para o processo de letramento, alfabetização e processos posteriores de leitura e escrita.

A contribuição de professores, alunos e estudantes de Pedagogia para a avaliação e aperfeiçoamento do Letra Livre confere ao software o caráter de construção coletiva, posto que seu desenvolvimento só foi possível mediante a formação de equipes multi e interdisciplinares.

Por outro lado, espera-se que essa experiência de desenvolvimento de um software sirva de estímulo para que outros grupos de pesquisa e a comunidade de SL possam implementar novos SELs, que venham contribuir com a melhoria do processo de ensino-aprendizagem.

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Referências BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: SEF, 1997a. BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: SEF, 1997b. CASTELLS, M. A sociedade em rede . 7. ed. rev. amp. São Paulo: Paz e Terra, 2003. v. 1. LEE, W. W.; OWENS, D. L. Multimedia-based instructional design: computer-based training, web-based training, distance broadcast training, performance-based solutions.2nd ed. San Francisco: Pfeiffer, 2004. NUNES, J. B. C. Software livre na educação: caminho para a inclusão digital? In: PINTO, A. de C.; COSTA, C. J. de S. A.; HADDAD, L. (orgs.). Formação do pesquisador em educação: questões contemporâneas. Maceió: EdUFAL, 2007. p. 293-314. ______, J. B. C., SILVA, M. L. R., SILVA, M. A., SOUZA, G. M. O., OLIVEIRA, L. X., BARRETO, M. C. Levantamento de Softwares Educativos Livres: contribuições à prática docente. In: XIV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, 2008, Porto Alegre. Anais do XIV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino , 2008. OLIVEIRA, C. C. de., COSTA, J. W. da., MOREIRA, M. Ambientes informatizados de aprendizagem: produção e avaliação de software educativo. Campinas, SP: Papirus, 2001 – (Série Prática Pedagógica). PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na Era da Informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. VALENTE, J. A. Por que o computador na educação. In: VALENTE, J. A. (org.). Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas, SP: Gráfica da UNICAMP, 1993. VALENTE, J. A. et al. O computador na sociedade do conhecimento. Brasília: MEC, 1999. (Coleção Informática para a Mudança na Educação). VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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ANEXO

Figura 1: Tela inicial do Letra Livre

Figura 2: Tela grupos

Figura 3: Tela das figuras

Figura 4: Tela de atividades

Figura 5: As quatro categorias utilizadas para classificar os critérios de produção e avaliação de Software Educativo

Fonte: Oliveira, Costa, Moreira (2001, p. 126).