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AIDA MARIA DIONÍSIO RECHENA SOCIOMUSEOLOGIA E GÉNERO: IMAGENS DA MULHER EM EXPOSIÇÕES DE MUSEUS PORTUGUESES Tese de Doutoramento apresentada para a obtenção do Grau de Doutor em Museologia no Curso de Doutoramento em Museologia conferido pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Orientadora: Professora Doutora Judite Santos Primo Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Unidade Funcional de Museologia Lisboa 2011

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  • AIDA MARIA DIONSIO RECHENA

    SOCIOMUSEOLOGIA E GNERO:IMAGENS DA MULHER

    EM EXPOSIES DE MUSEUS PORTUGUESES

    Tese de Doutoramento apresentada para a obteno do

    Grau de Doutor em Museologia no Curso de

    Doutoramento em Museologia conferido pela

    Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias

    Orientadora: Professora Doutora Judite Santos Primo

    Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias

    Faculdade de Cincias Sociais e Humanas

    Unidade Funcional de Museologia

    Lisboa

    2011

  • Aos meus pais, Edmundo e ZzinhaAos meus irmos, Alexandre e Andreia

    Aida Rechena

    Sociomuseologia e Gnero: Imagens da Mulher em exposies de museus portugueses________________________________________________________________________

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    Faculdade de Cincias Sociais e HumanasUnidade Funcional de Museologia

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  • AGRADECIMENTOS

    Realizar uma tese de doutoramento um projeto pessoal, mas que envolve muitas pessoas e instituies, que nos apoiaram guiando-nos no caminho em termos cientficos, ou que nos ajudaram com o carinho, a compreenso e a pacincia que uma jornada destas exige.

    Ficam aqui registados os apoios e agradecimentos: Professora Doutora Judite Santos Primo, minha orientadora, que sabiamente guiou

    os meus passos e a quem esta tese tambm pertence;Ao Magnfico Reitor da Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias,

    Professor Doutor Mrio Moutinho, pelos ensinamentos e pensamento inovador que nos conduz a descobrir outros limites;

    Aos meus professores no Curso de Doutoramento em Museologia da Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias: Professora Doutora Cristina Bruno, Professora Doutora Clia Santos, Professor Doutor Mrio Chagas, Professor Doutor Marcelo Cunha.

    s/aos diretoras/es do Museu Nacional do Traje, Dra. Clara Vaz Pinto; do Museu Nacional do Teatro, Dr. Jos Alvarez; do Museu de Portimo, Dr. Jos Gameiro; do Museu do Trabalho Michel Giacometti, Dra. Isabel Vctor; do Museu do Fado, Dra. Sara Pereira e Dra. Sofia Bicho e ao Instituto dos Museus e da Conservao, que abriram as portas destas instituies para a realizao do trabalho de investigao;

    s Professoras Doutoras Ana Paula Fitas, Judite Primo e Maria das Graas Teixeira pelas contribuies enquanto elementos da mesa do Jri de Avaliao Prvia;

    Ao Manuel Furtado Mendes pela companhia e ajuda preciosa no decurso da escrita, do trabalho de campo e na reviso final da tese, mas tambm pelo imenso carinho e ddiva afetuosa e desinteressada.

    Aida Rechena

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  • RESUMO

    Este estudo incide sobre a relao terica entre a Museologia, na vertente da Sociomuseologia, e a categoria analtica Gnero que tentamos verificar atravs da anlise da imagem da mulher em exposies de alguns museus portugueses.

    Numa poca em que a preocupao com a igualdade de gnero est cada vez mais presente na elaborao das polticas pblicas e no desenvolvimento de projetos visando a valorizao igual da contribuio de homens e de mulheres na sociedade, torna-se premente que a museologia se debruce sobre esta matria.

    Relacionar a museologia (com incidncia na vertente da sociomuseologia) com a categoria analtica gnero e compreender as repercusses que a integrao da categoria ter para a metodologia, o campo de estudo e o corpus terico, integra-se nessas preocupaes gerais e nas tendncias contemporneas de atuao da museologia.

    Abordando a questo do gnero sob uma tica feminina, investigamos a imagem da mulher em exposies museolgicas em espao museal, na tentativa de perceber se essas imagens perpetuam os esteretipos e as categorias de mulher que promovem a desigualdade e uma distinta valorizao social da mulher.

    Palavras-chave: Museologia, Sociomuseologia, Igualdade de Gnero, Mulher, Incluso

    Aida Rechena

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  • ABSTRACT

    This study focuses on the theoretical relationship between Museology, most precisely Sociomuseology, and the analytic category of Gender, relation that we try to clarify by analyzing womens images in exhibitions in some Portuguese museums.

    At a time when the concern for gender equality is increasingly present in the formulation of public policies and in the development of projects aimed at the equal valorization of the contribution of men and women in society, it is urgent that museology looks into this matter.

    To relate museology (focusing on aspects of sociomuseology) with the analytic category of gender and to understand the impact this inclusion will have on methodology, field of study and theoretical corpus of museology, relates itself with those general concerns and the contemporary trends of museology performance.

    By addressing the issue of gender in a feminine perspective, we research womens images in museum exhibitions, trying to understand if these images perpetuate social stereotypes and social categories of women that promote inequality and the distinct social valorization of women compared to men.

    Keywords: Museology, Sociomuseology, Gender Equality, Woman, Inclusion

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  • NDICE DE SIGLAS

    AEM Associao Espanhola de Museologia

    ADRACES Associao para o Desenvolvimento da Raia Centro-Sul

    APOM Associao Portuguesa de Museologia

    CIDM Comisso para a Igualdade das Mulheres

    CIG Comisso para a Cidadania e a Igualdade de Gnero

    CITE Comisso para a Igualdade no Trabalho e no Emprego

    CPLP Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa

    CRP Constituio da Repblica Portuguesa

    CSW Comisso sobre o Estatuto da Mulher

    DAW Diviso do Progresso das Mulheres

    FEMM Comit para os Direitos das Mulheres e Igualdade de Gnero

    GID Gender in Development

    ICOFOM International Committee for Museology

    IMC Instituto dos Museus e da Conservao

    INSTRAW Instituto Internacional das Naes Unidas para a Formao em Prol do Progresso das Mulheres

    IPPAR Instituto Portugus do Patrimnio Arquitetnico

    ISS ICOFOM Study Series

    MFTPJ Museu de Francisco Tavares Proena Jnior

    MINOM Movimento Internacional para uma Nova Museologia

    MNES Musologie Nouvelle et Exprimentation Sociale

    MNT Museu Nacional do Traje

    MuWop Museological Working Papers

    ODM Objetivos do Milnio

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  • NDICE DE SIGLAS

    ONG Organizao no Governamental

    ONU Organizao das Naes Unidas

    ONU-WOMEN ONU-Mulheres

    POPH Programa Operacional Temtico para o Potencial Humano

    QREN Quadro de Referncia Estratgico Nacional

    UE Unio Europeia

    ULHT Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias

    UNDP Programa de Desenvolvimento das Naes Unidas

    UNESCO Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura

    UNIFEM Fundo das Naes Unidas para o Desenvolvimento das Mulheres

    UNISRID Instituto de Pesquisa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    WID Women in Development

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  • NDICE GERAL Pginas

    Introduo 18

    Captulo I: Gnero: categoria analtica e objetivo poltico 46

    I.1. A historicidade da categoria gnero 47

    I.1.1. O gnero como construo social 48

    I.1.2. O gnero como relao de oposio 56

    I.1.3. O gnero como relao de poder 59

    I.1.4. O gnero numa relao de intersecionalidade 62

    I.1.5. A abordagem do gnero numa perspetiva problematizadora 65

    I.2. A dimenso poltica do gnero 70

    I.2.1. Igualdade de gnero: a ao da Organizao das Naes Unidas 74

    I.2.2. Igualdade de gnero: a ao da Unio Europeia 84

    I.2.3. Igualdade de gnero: a legislao de Portugal 88

    Captulo II: Sociomuseologia e Gnero 102

    II.1. Sociomuseologia: contribuies para uma definio 103

    II.1.1. MINOM: Movimento Internacional para uma Nova Museologia 106

    II.1.2. MNES: Musologie Nouvelle et Exprimentation Sociale 124

    II.1.3. ICOFOM: Comit Internacional para a Museologia 130

    II.1.4. O campo de estudo da Sociomuseologia 140

    II.2. Patrimnio, Memria e Identidade na Sociomuseologia 145

    II.3. Consequncias para a Sociomuseologia da integrao da perspetiva de gnero 159

    Captulo III: As exposies museolgicas como meio de comunicao e espao de representao. Proposta de anlise. 174

    III.1 As exposies museolgicas como meio de comunicao 175

    III.2. As exposies museolgicas como espao de representao 192

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  • NDICE GERAL Pginas

    III.3. A construo social da atual imagem da Mulher 207

    III.4. Anlise de exposies museolgicas com perspetiva integrada de gnero. Os instrumentos de anlise 221

    Captulo IV. A imagem da Mulher em exposies de museus portugueses 235

    IV.1. A imagem da mulher nos museus do trabalho e da indstria 240

    IV.1.1. Museu de Portimo 240

    IV.1.1.1. Descrio 244

    IV.1.1.2. Interpretao 255

    IV.1.2. Museu do Trabalho Michel Giacometti 262

    IV.1.2.1. Descrio 264

    IV.1.2.2. Interpretao 274

    IV.1.3. Sntese 280

    IV.2. A imagem da mulher nos museus de txteis e artes decorativas 285

    IV.2.1. Museu Nacional do Traje 285

    IV. 2.1.1. Descrio 286

    IV. 2.1.2. Interpretao 292

    IV.2.2. Museu de Francisco Tavares Proena Jnior 294

    IV.2.2.1. Descrio 295

    IV.2.2.1. Interpretao 305

    IV.2.3. Sntese 312

    IV.3. A imagem da mulher nos museus de patrimnio imaterial 315

    IV.3.1. Museu Nacional do Teatro 315

    IV.3.1.1. Descrio 317

    IV.3.1.2. Interpretao 327

    IV.3.2. Museu do Fado 331

    IV.3.2.1. Descrio 332

    IV.3.2.2. Interpretao 342

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  • NDICE GERAL Pginas

    IV.3.3. Sntese 345

    Concluso 348

    Bibliografia 361

    Bibliografia citada 362

    Bibliografia temtica 376

    Recursos da Internet 391

    ndice Remissivo 394

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  • N. NDICE DE TABELAS Pginas

    Tabela n. 1 Documentos produzidos pela ONU relativos igualdade de gnero 76

    Tabela n. 2 Documentos produzidos pela UE relativos igualdade de gnero 84

    Tabela n. 3 Documento produzidos em Portugal relativos igualdade de gnero 89

    Tabela n. 4 reas estratgicas de interveno: Comparao entre os Planos Nacionais para a Igualdade 92

    Tabela n. 5 reas de interveno setoriais nos Planos Nacionais para a Igualdade 94

    Tabela n. 6 Ateliers Internacionais do MINOM 113

    Tabela n. 7 Jornadas sobre a Funo Social do Museu 117

    Tabela n. 8 Encontros e Simpsios do ICOFOM 131

    Tabela n. 9 Consequncias da genderizao dos elementos definidores da sociomuseologia 166

    Tabela n. 10 Consequncias para as funes museolgicas da genderizao dos elementos definidores da sociomuseologia 167

    Tabela n. 11 Sntese da proposta de Panofsky 187

    Tabela n. 12 Grelha comparativa do esteretipo feminino e masculino baseados nos traos de personalidade 215

    Tabela n. 13 Grelha comparativa do esteretipo feminino e masculino baseados nos traos sexuais 216

    Tabela n. 14 Grelha de anlise de exposies 228

    Tabela n. 15 Museu de Portimo - Percurso 1- Origem e destino de uma comunidade 255

    Tabela n. 16 Museu de Portimo - Percurso 2 - A vida industrial e o desafio do mar 257

    Tabela n. 17 Interpretao da representao social do trabalho masculino e feminino 271

    Tabela n. 18 Museu do Trabalho Michel Giacometti - Mercearia Liberdade 275

    Tabela n. 19 Museu do Trabalho Michel Giacometti - Ao encontro do Povo 276

    Tabela n. 20 Museu do Trabalho Michel Giacometti - A Fbrica de conservas alimentcias de M. Perienes, Lda. 278

    Tabela n. 21 Museu Nacional do Traje 292

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  • N. NDICE DE TABELAS Pginas

    Museu de Francisco Tavares Proena Jnior - Memrias do Bispado 306

    Tabela n. 23 Museu de Francisco Tavares Proena Jnior - Tecnologias txteis tradicionais do linho e da seda 308

    Tabela n. 24 Museu de Francisco Tavares Proena Jnior - Tecidos Bordados 310

    Tabela n. 25 Museu Nacional do Teatro - Trajes de cena 323

    Tabela n. 26 Museu Nacional do Teatro - Actores/Actors 327

    Tabela n. 27 Museu Nacional do Teatro - Memorabilia 329

    Tabela n. 28 Museu do Fado - O Fado no 2. quartel do sculo XIX 342

    Tabela n. 29 Museu do Fado - O Fado no final do sculo XIX e sculo XX 344

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  • N. NDICE DE FIGURAS Pginas

    Figura 1 Ternrio Matricial da Museologia 141

    Figura 2 Representao grfica do ternrio matricial da sociomuseologia genderizado 170

    Figura 3 Museus do Trabalho e da Indstria: categorias de Mulher 281

    Figura 4 Museus do Trabalho e da Indstria: esteretipos femininos 281

    Figura 5 Museus dos Txteis e Artes Decorativas: categorias de Mulher 313

    Figura 6 Museus dos Txteis e Artes Decorativas: esteretipos de Mulher 314

    Figura 7 Museus do Patrimnio Imaterial: categorias de Mulher 346

    Figura 8 Museus do Patrimnio Imaterial: esteretipos de Mulher 347

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  • N. NDICE DE FOTOGRAFIAS Pginas

    Fotografia 1 A construo de um monumento funerrio do tipo Tholos 245

    Fotografia 2/3 Frutos secos e Fumeiros 247

    Fotografia 4 Esculturas e fotografia de fundo 249

    Fotografia 5 A retirada de peles e espinhas 250

    Fotografia 6 Cartaz publicitrio 252

    Fotografia 7 Berrio e bero e banheira 253

    Fotografia 8 Fotografia de Jlia Morais Columna 264

    Fotografia 9/10 Semeadura de cereais / Fiar e Tecer 267

    Fotografia 11/12 Manequim de operria da fbrica/ Pintura 268

    Fotografia 13 Trabalhadores da fbrica por ocasio do casamento do filho do patro 273

    Fotografia 14 Sala do Traje Imprio 287

    Fotografia 15/16 Sala do Traje Romntico 288

    Fotografia 17/18 Traje ntimo feminino - Toucas e armaes (tournures) 289

    Fotografia 19/20 Traje do sculo XX 291

    Fotografia 21 Deposio de Cristo no Tmulo - pormenor 296

    Fotografia 22 Anunciao Virgem - pormenor 297

    Fotografia 23 Histria de Lot - pormenor 298

    Fotografia 24 Adorao dos Magos 299

    Fotografia 25 A produo artesanal do linho 300

    Fotografia 26 Fiar 301

    Fotografia 27 Peas em linho 302

    Fotografia 28/29 Casula / Traje feminino e masculino 304

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  • N. NDICE DE FOTOGRAFIAS Pginas

    Fotografia 30/31 Colchas de Castelo Branco - Pormenor 304

    Fotografia 32 Vestido de Ema de Oliveira na personagem Ins de Castro 318

    Fotografia 33/34 Caricaturas de atrizes e de atores 320

    Fotografia 35/36 Caricatura de Irene Isidro / Caricatura de Nascimento Fernandes 321

    Fotografia 37/38 Vista geral da sala de exposio com trajes de cena 322

    Fotografia 39/40/41 Acessrios 324

    Fotografia 42 Retrato de Emlia Andrade e Palmira Bastos 327

    Fotografia 43 Painel fotogrfico - pormenor 332

    Fotografia 44/45 O Fado / O Fado - Pormenor 334

    Fotografia 46/47 O Marinheiro / O Marinheiro - Pormenor 336

    Fotografia 48 Guitarra de Portugal 337

    Fotografia 49 Lisboeta 338

    Fotografia 50/51 Cartazes: Fado da fadista / O Fado do Goya 340

    Fotografia 52/53 Viela de Lisboa - pormenor 341

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  • N. NDICE DE APNDICES (EM SUPORTE DIGITAL) Pginas

    Apndice 1 Sntese da estrutura da tese e das questes orientadoras ii

    Apndice 2 Anlise dos principais documentos produzidos no mbito da ONU que orientam as polticas mundiais para a igualdade de gnero v

    Apndice 3Anlise das instncias europeias que trabalham com a questo da igualdade de gnero e dos principais documentos produzidos na UE que orientam as polticas para a igualdade gnero no territrio da Unio

    xix

    Apndice 4Anlise dos principais diplomas legislativos produzidos em Portugal que orientam as polticas nacionais para a igualdade de gnero

    xxix

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  • NDICE DE ANEXOS (EM SUPORTE DIGITAL)

    Anexo 1 CEDAW - Conveno para a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra as Mulheres

    Anexo 2 Roteiro para a Igualdade entre Homens e Mulheres

    Anexo 3 Plano Global para a Igualdade de Oportunidades

    Anexo 4 II Plano Nacional para a Igualdade - 2003 - 2006

    Anexo 5 III Plano para a Igualdade - Cidadania e Gnero - 2007 - 2010

    Anexo 6 IV Plano Nacional para a Igualdade, Gnero, Cidadania e No Discriminao - 2011 - 2013

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  • INTRODUO

    O Senhor Deus disse: No conveniente que o homem esteja s; vou dar-lhe uma

    auxiliar semelhante a eleEnto o Senhor Deus adormeceu profundamente o homem; e, enquanto ele dormia,

    tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu com carne. Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a at ao homem.

    Livro dos Gnesis, versculos 18 e 21

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  • Sociomuseologia e gnero: razes para uma escolha

    Dependendo do sexo biolgico com que nascemos somos socialmente condicionados a adotar os gestos, os gostos, os comportamentos, o aspeto e as expetativas de homens ou de mulheres.

    O facto de sermos biologicamente mulheres ou homens divide a Humanidade em duas metades desiguais em nmero, em caractersticas, em valor e em direitos.

    A progressiva consciencializao, embora recente, das diferenas sociais e polticas entre homens e mulheres conduziu generalizao dos estudos de gnero numa tentativa para explicar que a desigual valorizao social decorre de uma construo sociocultural da feminilidade e da masculinidade e no de aspetos biolgicos.

    Assistimos na contemporaneidade a um crescente interesse e a uma preocupao transversal s diversas reas sociais pela igualdade de gnero e pelo mainstreaming de gnero1. Pretende-se a igualdade de gnero atravs da integrao das preocupaes de gnero em todas as aes, programas e iniciativas desenvolvidas pelas esferas polticas e de deciso e na organizao e funcionamento das instituies.

    O interesse global e generalizado pela igualdade decorre da constatao, tanto poltica como social, da subrepresentao das mulheres nos diversos domnios e que a igualdade legal no gera necessariamente uma igualdade de facto remetendo as mulheres para um processo de invisibilidade histrica e social.

    A preocupao com a igualdade entre mulheres e homens surgiu nos movimentos feministas que tm promovido um intenso debate terico cujo corpus deu origem aos chamados estudos de mulheres e estudos de gnero. Nesta produo terica, o gnero como categoria analtica desempenha o papel central, substituindo progressivamente a categoria mulher.

    Progressivamente, investigadores nas cincias sociais e humanas foram percebendo do interesse em integrar a categoria analtica gnero e surgiram reas de estudos especficos como a antropologia de gnero, a sociologia de gnero, a histria das mulheres

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    1 Utiliza-se habitualmente a palavra mainstreaming no original ingls. De difcil traduo, significa o conjunto de aes para internalizar, incorporar ou integrar algo (na deciso poltica e social). Recentemente tem sido traduzida para portugus como transversalidade. Utilizaremos nesta tese a palavra em ingls por considerarmos ser mais expressiva ao significar um processo e no uma dimenso.

  • e do gnero, a arqueologia de gnero, a teoria e crtica feministas e novos conceitos como identidade(s) de gnero, papis de gnero e esteretipos de gnero.

    A apropriao do conceito de gnero2 pelas cincias humanas e sociais e pelas cincias polticas e para o desenvolvimento deu origem a duas abordagens distintas questo:

    a) A conceptualizao do gnero caracterstica da abordagem das cincias humanas e sociais, como uma categoria ou instrumento de anlise da realidade e como realidade histrica e cultural, produto de uma sociedade e de um tempo especficos;

    b) E o entendimento do gnero prprio das cincias polticas e para o desenvolvimento que o consideram como um dos elementos constituintes da dualidade presente na igualdade de gnero, sendo esta um objetivo poltico alcanvel pela implementao da estratgia mainstreaming de gnero.

    Ao verificarmos o impacto que a integrao da perspetiva de gnero provoca nas diversas cincias sociais e humanas, questionamo-nos sobre a relao entre o gnero e a sociomuseologia. Verificamos que, apesar desta se interessar por todas as questes sociais e incluir a pessoa e a comunidade como elementos delimitadores do seu campo de estudo, ainda existe um deficit de ateno relativamente s relaes de gnero.

    A sociomuseologia caracteriza-se por trabalhar preferencialmente com o ser humano entendendo-o/a na sua relao com o patrimnio. Trabalha com os problemas das comunidades e no com os objetos, foca-se no presente e nas dinmicas atuais utilizando o patrimnio como recurso de desenvolvimento. D importncia ao meio ambiente e sua sustentabilidade e preservao, condies essenciais para a sobrevivncia da espcie humana. Tem como preocupao capacitar as pessoas para o exerccio da cidadania, da consciencializao social e poltica, para o 3, o aumento da autoestima, em suma, para a criao do bem-estar social.

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    2 Iremos utilizar indistintamente os termos Conceito e Categoria quando nos referimos a Gnero no sentido em que possvel existir uma sobreposio de significado entre ambos. Conceito uma ideia abstrata ou abstrao que tem a sua origem em certos fenmenos; uma representao mental de factos observados e das suas relaes. (Fortin, 1999/2009, 36, 91, 365). Apesar da Filosofia se debruar sobre a definio de Categoria desde Aristteles, Plato passando por Kant, aceitamos neste trabalho a definio da historiadora Gisela Bock que a considera como uma construo intelectual e conceptual, uma forma de percecionar e estudar as pessoas, um instrumento analtico que nos ajuda a descobrir reas negligenciadas da histria. uma forma conceptual de anlise social e cultural. (Bock, 1989, 166).

    3 Empowerment normalmente um objetivo relativo s mulheres. Traduzido para portugus como significa o acesso ao poder e deciso para que as mulheres como cidads sejam contribuintes em todos os processos de desenvolvimento e decisoras do seu prprio destino, tal como os homens.

  • Considerada desta forma, a sociomuseologia tem espao para as questes relacionadas, quer com mulheres, quer com as relaes de gnero. Mas continuamos a sentir nas reflexes museolgicas uma tendncia para adotar um tom de neutralidade relativamente relao das mulheres e dos homens com o patrimnio cultural. Ou seja, estudamos a relao do sujeito com os bens culturais e no a relao de mulheres especficas ou homens especficos com esses bens.

    As pessoas apesar de consideradas pela sociomuseologia como sujeitos ativos na relao com o patrimnio, ficam diludas numa neutralidade uniformizadora que tendencialmente obscurece as mulheres ao equiparar o neutro universal com o masculino e a masculinidade.

    Entendida como uma categoria determinante das relaes de poder e que se interseta com outras categorias sociais como a classe, a raa/etnia e a idade, o gnero provoca uma alterao do corpus terico e da metodologia e o alargamento do campo de estudo nas cincias que o incorporam, ao multiplicar as abordagens e as dimenses da investigao.

    O nosso ponto de partida para a escolha da temtica desta tese a constatao da frequente excluso ou secundarizao das mulheres na abordagem sociomuseolgica e no trabalho desenvolvido pelos museus entendidos como espaos de representao e comunicao, lugares de memria e de relao das pessoas com o patrimnio.

    Quando a mulher representada num museu surge com frequncia duma forma residual, estereotipada, despersonalizada e atravs do olhar dos homens. Torna-se necessrio que a sociomuseologia pense as relaes de gnero e explicite as consequncias negativas para as mulheres da histrica dominncia masculina, que perpetua a invisibilidade destas na construo da sociedade.

    Se as obras de mulheres artistas tm uma participao cada vez mais frequente em exposies em museus, o contributo das mulheres na histria e na sociedade continua em grande parte na sombra, excludas das temticas das exposies em espao museal.

    Mas tornar visvel a participao das mulheres na dinmica das diversas sociedades implica que a sociomuseologia d o seu contributo e repense os conceitos de preservao do patrimnio, as polticas de recolha e incorporao em museus, as tcnicas de apresentao dos bens culturais em exposies museolgicas.

    Se considerarmos que o apagamento ou invisibilidade das mulheres na histria no casual, mas intencional e propositado (Pollock, 2007), correspondendo ao estabelecimento e perpetuao das relaes de poder que garantem a manuteno da dominncia do gnero masculino, podemos perceber nessa intencionalidade as relaes de gnero que lhe esto subjacentes. Permite compreender as dinmicas de dominao/sujeio atravs da

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  • interpretao dos vestgios materiais/culturais que chegaram at ns pelos acervos dos museus, representantes da sociedade hegemnica masculina. Tambm a criao dos primeiros museus se inscreve nesta dinmica considerando que foram constitudos por homens e que durante muito tempo se mantiveram como um terreno de trabalho e investigao interdito s mulheres.

    Assumimos neste trabalho ser possvel utilizar os bens patrimoniais preservados em contexto museal para entendermos as relaes de gnero e as relaes de poder entre mulheres e homens, utilizando os acervos museolgicos existentes, constitudos na sua maioria a partir desta tica preservacionista masculina.

    A relevncia cultural, social e poltica das questes colocadas pela categoria analtica gnero conduziu-nos a pesquisar e analisar as consequncias do esquecimento/apagamento das mulheres para a teoria e prtica museolgicas e para o trabalho realizado nos museus. Levou-nos ainda a procurar saber como pode a sociomuseologia incorporar a categoria analtica gnero contribuindo dessa forma para resgatar a memria e os patrimnios femininos e para a igualdade de gnero que a sociedade contempornea tanto anseia.

    Por uma questo de identificao e opo pessoais decidimos desenvolver a pesquisa segundo a tica e crtica femininas da sociomuseologia, entrando naquela franja temtica que tradicionalmente diz respeito mulher, considerada um dos vrtices das complexas relaes de gnero.

    Convm esclarecer, no entanto, que o mbito das relaes de gnero ultrapassa em muito a relao homem/mulher e entra em campos como os da identidade e cultura gay, transgnero e transsexualidade, bissexualidade, androginia e o chamado terceiro sexo. Isto significa que no estudo do gnero esto englobadas todas as formas sociais e culturais de se , independentemente do sexo biolgico ou da orientao sexual.

    Dada a vastido e a complexidade da temtica seremos necessariamente generalizadoras porque tal como a categoria gnero tambm a categoria analtica mulher(es) tem especificidades que resultam do sexo, raa/etnia, idade, cultura, sociedade e tempo que no podero ser aqui abordadas.

    Assim, quando neste trabalho nos referirmos s relaes de gnero, estaremos a reportar-nos apenas s relaes entre homem e mulher entendidas do ponto de vista social, antropolgico, cultural e patrimonial, ou seja, entendidas como relaes de poder historicamente fundamentadas. Sero as relaes entre homem e mulher que orientam a pesquisa e direcionam o nosso olhar sobre as exposies museolgicas em contexto museal e para as imagens da mulher transmitidas nessas exposies.

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  • Ao abordarmos as relaes entre a sociomuseologia e a categoria de anlise gnero sob uma tica feminina, no propomos uma rutura terica ou conceptual no campo cientfico, nem a existncia de uma sociomuseologia feminina, nem sugerimos a criao de um museu das mulheres por cada um dos museus existentes de predominncia masculina. Iremos antes avaliar a possibilidade de desenvolver uma metodologia que utilize um olhar feminino sobre o trabalho museolgico para resgatar da sombra esse universo apagado ou esquecido.

    Justificada a escolha do tema da presente tese de doutoramento, reafirmamos a opo de nos situarmos no campo cientfico da sociomuseologia, na rea especfica que aborda o cruzamento desta com o gnero, visando contribuir para a linha de investigao em Teoria Museolgica.

    Ao seguirmos por esta linha de investigao e abordarmos o tema especfico da imagem da mulher em exposies museolgicas em contexto museal, esperamos contribuir para o avano da Teoria Museolgica, ao clarificarmos as consequncias e as implicaes terico-prticas para a vertente da sociomuseologia da adoo de uma perspetiva integrada de gnero.

    Torna-se imperativo elucidar que optamos por trabalhar com a vertente da sociomuseologia, no por considerarmos que existem vrias museologias, mas por entendermos que so possveis diversas abordagens, formas de pensar e praticar a museologia. Decorrente daquilo que se designa habitualmente por Nova Museologia, a Museologia Social ou Sociomuseologia assume o compromisso com as questes sociais atuais atravs de um olhar multidisciplinar e adequando as estruturas museolgicas s mudanas incessantes da vida contempornea (Moutinho, 2007). E por essa via que pretendemos seguir.

    A Problemtica

    Poderamos pensar que em Portugal e no espao da Unio Europeia a necessidade de uma poltica para a igualdade de gnero no se coloca na contemporaneidade. Contudo, as estatsticas da violncia domstica contra as mulheres, as desigualdades persistentes no mundo do trabalho (como a disparidade de salrios, a sobrecarga de horrio de trabalho e o aumento do desemprego feminino), o crescente trfico de mulheres, as desigualdades na

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  • educao e no acesso informao, a iliteracia, o dfice na tomada de deciso, na representao, nas funes pblicas e no exerccio do poder poltico, demonstram que h muito a fazer para alcanar a igualdade de facto.

    Oficialmente a preocupao com a igualdade de gnero tanto ao nvel mundial como no espao da Unio Europeia consolidou-se e imps-se na dcada de noventa do sculo XX aps a realizao em Pequim da IV Conferncia Mundial sobre as Mulheres, promovida pela Organizao das Naes Unidas (ONU) em 1995, onde foi proposto o mainstreaming de gnero como estratgia para a igualdade4. Esta tendncia para transversalizar a preocupao com a igualdade de gnero continua a intensificar-se dado que em Julho de 2010 a ONU decidiu criar uma agncia especializada a iniciar funes em Janeiro de 2011, a ONU-Women ou ONU-Mulheres, que passa a ser a entidade especializada das Naes Unidas para a igualdade de gnero e o empoderamento das mulheres (www.unu-women.org).

    No plano cientfico verifica-se por toda a Europa o surgimento de um crescente nmero de cursos, centros de pesquisa e institutos sobre a questo do gnero e os women studies. A prpria Comisso Europeia criou o Instituto para a Igualdade de Gnero com incio de funcionamento em 2009 e com sede em Vilnius na Litunia.

    Tem-se verificado que a desigualdade de gnero se manifesta na famlia, no mercado de trabalho, na estrutura poltica, jurdica e na produo cultural e ideolgica, dado que a relao de gnero est socialmente presente em inmeras esferas que se intercruzam, sobrepem e interagem entre si, tornando o assunto complexo e de difcil anlise.

    Entendemos as relaes de gnero e a definio da feminilidade e da masculinidade como relaes de dimenso social que criam diferenas no posicionamento de mulheres e homens em vrios nveis: poltico, econmico, tnico, religioso, educativo.

    Uma das causas da desigualdade de gnero e da desvalorizao da mulher relativamente ao homem decorre da imagem social construda nos media, nas escolas, na interao social e que assenta em representaes sociais, esteretipos, normas sociais, condutas socialmente aceites e papis atribudos socialmente.

    Outra causa para a desigualdade entre homens e mulheres decorre de motivos histricos e culturais que na civilizao Ocidental radicam no mito fundador da tradio judaico-crist e na longa persistncia da crena numa ordem natural que colocava as mulheres em posio de dominadas face aos homens.

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    4 A I Conferncia Mundial sobre as Mulheres foi realizada em 1975 na Cidade do Mxico; a II Conferncia Mundial realizou-se no ano de 1980 em Copenhaga na Dinamarca e a III Conferncia ocorreu em 1985 em Nairobi no Qunia.

  • Sabemos tambm que a experincia, o conhecimento, as perspetivas e as prioridades das mulheres no so iguais s dos homens e que homens e mulheres tm dificuldade em representar e interpretar os interesses e as expetativas uns dos outros. No podemos, por isso, partir do pressuposto que as mulheres beneficiam automaticamente de um determinado projeto, de determinada interveno ou poltica, da mesma forma que os homens.

    Transpondo este pensamento para a sociomuseologia e a prtica museal5 e aceitando que um mesmo processo criativo e cultural tem efeitos diferentes sobre as mulheres e sobre os homens, que nenhum projeto neutro no que respeita ao gnero e que as diferenas de gnero podem ser percebidas no trabalho museal, importa delimitar uma rea especfica de investigao que nos permita refletir sobre o contributo da sociomuseologia para a visibilidade e valorizao social das mulheres.

    Interessa-nos concretamente perceber e reconhecer de que forma o produto final resultante do trabalho em museus cuja expresso mais visvel atingida nas exposies museolgicas6, podem alimentar a desigualdade de gnero e reforar a diferenciao sexual ou, pelo contrrio, de que forma as podem esbater.

    Para compreendermos esta relao partimos da definio de museus como meios de comunicao e locais de representao da identidade coletiva, locais de reapropriao e utilizao social do patrimnio, locais onde pode ocorrer a ritualizao dos traos diferenciais fundamentais de um grupo, locais de preservao de parcelas de indicadores culturais e das referncias patrimoniais constituintes da memria coletiva e um dos locais onde ocorre a relao entre os seres humanos com os bens culturais.

    Vamos tambm considerar que a cultura e as aes culturais, incluindo as atividades dos museus, no podem validar nem justificar a desigualdade de gnero e iremos desenvolver a investigao com o intuito de mostrar qual a imagem das mulheres apresentada nas exposies museolgicas dos museus por tugueses na contemporaneidade.

    Num plano legislativo, relacionado com a sociomuseologia e os museus, constata-se que na legislao nacional especfica sobre museus no feita referncia igualdade de gnero, nem ao mainstreaming de gnero e que as/os funcionrias/os e as/os profissionais de museus no esto a receber formao nem a ser preparadas/os para incorporar as preocupaes de gnero na sua prtica quotidiana, apesar de tal estar previsto na legislao em vigor. Da surgirem as inquietaes que nos levam a perguntar:

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    5 Utilizamos o termo museal para nos referirmos s aes, projetos, prticas desenvolvidas no cerne dos museus e das instalaes de cariz museolgico.

    6 Utilizamos o termo museolgico para toda a ao ou prtica no mbito da disciplina Museologia.

  • Est a sociomuseologia a contribuir para a igualdade de gnero? E os museus esto a trabalhar tendo a igualdade de gnero como objetivo?

    Que consequncias tem para a sociomuseologia a adoo de uma perspetiva integrada de gnero?

    Que mensagem transmitem os museus portugueses aos/s seus/suas visitantes/utilizadores/as7, no tocante dimenso de gnero e mais especificamente s mulheres?

    A adoo da categoria analtica gnero pela sociomuseologia implica mais do que um alargamento do campo de estudo, da tipologia dos bens culturais a recolher e a preservar e da metodologia de anlise desses bens. Tal como sucedeu na sequncia do alargamento do conceito de patrimnio, a adoo da categoria gnero possibilitar sociomuseologia o questionamento e a transformao dos seus conceitos dominantes e da relao entre eles.

    Para as/os historiadoras/es ficou demonstrado que a categoria gnero no se limita ao estudo da famlia e das relaes de parentesco, mas possibilita o estudo e o entendimento da relao destes com os sistemas sociais, da economia, da poltica, do poder e do simblico (Scott, 1986). Parece-nos que uma ampliao semelhante do mbito do enfoque terico poder acontecer com a sociomuseologia, que na sua gnese e definio engloba as questes da igualdade, do reconhecimento da diversidade e o respeito pelo indivduo. A integrao da categoria gnero possibilitar relacionar estas questes com a clarificao do papel das mulheres na sociedade e a sua relao com o patrimnio cultural.

    Mas para que a relao da sociomuseologia e a categoria gnero se cumpra atravs da adoo plena das preocupaes contemporneas com a igualdade de gnero, a categoria de anlise no poder ficar restrita ao universo feminino, nem ao aparecimento de museus de mulheres ou constituio de acervos de objetos tradicionalmente relacionados com a mulher, como os txteis, os objetos da domesticidade ou a famlia. Caso esta restrio ocorra, a sociomuseologia continuar a perpetuar a imagem desvalorizada e estereotipada da mulher e em nada contribuir para o entendimento do seu papel na histria e nos vrios aspetos e momentos da transformao da sociedade, correndo o risco de criar femininos desligados do todo social e cultural.

    Acreditamos ser necessrio para a sociomuseologia dar o passo seguinte: analisar e interpretar os bens culturais dos acervos constitudos e em constituio, como resultantes

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    7 Utilizamos a denominao visitantes/utilizadores em alternativa a pblico dos museus por considerarmos que uma parcela cada vez mais significativa das pessoas que entram num museu, no vo para efetuar uma visita s exposies museolgicas, mas para participar em atividades nas quais utilizam o espao museal.

  • das relaes sociais de gnero e no como objetos tipicamente masculinos ou femininos, ou ainda mais grave, neutros.

    Sendo o campo de estudo da sociomuseologia demasiado lato para serem abordadas numa nica investigao todas as suas possveis relaes com a categoria gnero, imps-se uma delimitao do enfoque da investigao para responder s nossas interrogaes. Abordar o gnero sob uma perspetiva da mulher e da feminilidade vem ao encontro das nossas expetativas pessoais, mas trabalhar a mulher na sociomuseologia continua ainda a ser um tema demasiado vasto para uma investigao no mbito do doutoramento.

    O impacto das desigualdades de gnero faz sentir-se ao nvel da interao social e perpetua-se nas relaes entre os indivduos, mulheres e homens, entendidas como elementos socializadores. Pareceu-nos que uma anlise das exposies museolgicas sob a perspetiva da mulher poderia contribuir para obter uma resposta s inquietaes supramencionadas, por serem as exposies uma das expresses mais significativas do trabalho museal onde ocorre o contacto com as/os visitantes/utilizadoras/es dos museus.

    Daqui surge a nossa primeira hiptese de trabalho: as exposies museolgicas em espao museal podem ser utilizadas como uma ferramenta para a obteno da igualdade entre homens e mulheres. Concretizando ainda mais a hiptese: as imagens das mulheres transmitidas pelos bens patrimoniais e expostas em museus podem ser utilizadas pelas/os profissionais da museologia/sociomuseologia para contribuir para a eliminao dos esteretipos desfavorveis que colocam as mulheres em situao de desvalorizao relativamente aos homens.

    Para testarmos esta primeira hiptese analisamos diversas exposies de museus portugueses sob a perspetiva da representao da mulher, tentando apreender qual a imagem ou as imagens que essas exposies veiculam aos/s visitantes/utilizadores/as e que esteretipos, papis de gnero e categorias de mulher lhe esto predominantemente subjacentes.

    Nesta anlise tomamos em considerao que as peas constituintes das colees museolgicas no so, na sua grande maioria, da responsabilidade das tutelas presentes, nem das/os dirigentes e funcionrias/os atuais, dado estarmos perante museus centenrios e museus recentes, mas com uma identidade institucional consolidada, que na generalidade no resultam de uma poltica contempornea de coleta de acervos. Mas, por outro lado, consideramos que a seleo das imagens a incluir numa exposio, os textos escritos, o contexto ambiental e a museografia elaborados para uma exposio museolgica so responsabilidade imputada aos/s profissionais atuais, de quem se exige a integrao das

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  • preocupaes que promovam a igualdade de gnero no trabalho do museu e a consciencializao das/os visitantes/utilizadoras/es para esta problemtica.

    Seguindo as pegadas de Griselda Pollock (2007) na sua proposta de criao de um museu virtual feminista, vamos olhar as exposies museolgicas dos museus portugueses como discurso e representao, como locais de produo de significados e de dilogos que se estabelecem entre as/os produtoras/es (muselogos e muselogas) e as/os utilizadoras/es (observadoras/es) num processo de interpretao e reinterpretao contnuos.

    Tal como prope Pollock (2007) analisamos os contedos fora das categorias de classificao patrimoniais clssicas, para que os objetos e os textos e todos os componentes do discurso expogrfico possam revelar mais do que os princpios abstratos de forma, de estilo ou o individualismo do/a criador/a.

    As imagens da mulher apresentadas em museus esto historicamente datadas, socialmente contextualizadas e integradas em correntes estticas e so j elas prprias o resultado de conceptualizaes e categorizaes estereotipadas da mulher, prprias da poca e da sociedade em que as imagens foram produzidas, com o objetivo principal de manter a ordem social estabelecida. Mas continuamos hoje a apresent-las nos museus como desprovidas de qualquer outro significado alm do artstico e esttico, esquecendo-nos que o/a observador/a olha as imagens e descodifica-as com um aparelho conceptual contemporneo, carregado com os esteretipos, as normas, valores e atitudes de hoje.

    Impe-se por esse facto analisar a imagem das mulheres sob o critrio da representao e da utilizao social que dela feita num espao de comunicao, representao, mas tambm de socializao, fruio e educao como o museu. Tentamos apreender que subcategorias de mulher esto presentes nas exposies e que caractersticas da mulher so transmitidas em termos de contedos expositivos e de comunicao com o pblico. Em suma, observamos se o museu como espao socializador e meio de comunicao contribui para a construo das nossas concees de feminilidade e de masculinidade.

    Sabemos que na maior parte dos casos, nem a apresentao nem a descodificao de imagens negativas estereotipadas so feitas de forma consciente. Com esse facto em mente pretendemos alertar para a necessidade de uma eventual mudana na forma de conceber e apresentar as exposies tendo como objetivo subjacente a igualdade de gnero e o impacto que as exposies produzem sobre os homens e as mulheres.

    Ao analisarmos as representaes de mulheres nas atuais exposies de alguns museus portugueses, pretendemos responder concretamente s seguintes questes que

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  • delimitam a nossa problemtica no mbito da sociomuseologia e o nosso tema especfico de investigao:

    Que imagens de mulheres utilizam e transmitem as exposies dos museus portugueses? A que categorias predominantes de mulher correspondem?

    De que forma as imagens das mulheres que os museus nos transmitem, confirmam ou reforam os esteretipos de gnero que perpetuam a desigualdade?

    As imagens de mulheres expostas nos museus portugueses correspondem s representaes sociais das mulheres da sociedade portuguesa na contemporaneidade?

    As imagens das mulheres que os museus apresentam nas exposies museais refletem a atual posio social das mulheres na contemporaneidade, as suas expetativas e os seus problemas?

    Colocar estas questes permite-nos levantar uma segunda hiptese de trabalho: se os museus tm a capacidade (enquanto espaos de comunicao, representao, validao e poder) para alterar os esteretipos e as representaes socialmente construdas, podem tambm assumir um posicionamento, tanto terico como prtico, que lhes permita contribuir para a promoo de uma imagem da mulher que dilua a desigualdade de gnero que persiste na sociedade contempornea.

    Para verificarmos esta segunda hiptese, que corresponde na nossa investigao elaborao de teoria, recorremos a trs conceitos fundamentais da sociomuseologia - memria, patrimnio e identidade - que permitem avaliar o impacto dos museus na sociedade e o poder dos museus nas dinmicas sociais e polticas. Tentamos relacionar os conceitos de memria, patrimnio e identidade com a dimenso sociocultural e patrimonial feminina saindo do discurso neutro, ou seja, de tendncia masculina.

    Utilizamos o conceito de memria coletiva ou social tal como o definem as cincias humanas e sociais, deixando de fora os processos e componentes qumicos e percetivo-cognitivos que definem a memria nos planos fisiolgico e psicolgico.

    Os processos da memria so intrnsecos sociomuseologia, sendo um dos seus conceitos operativos bsicos: trabalhar com patrimnio trabalhar com a memria e h muito que os museus foram definidos por Pierre Nora (1984) como lugares de memria(s) e que Jacques Le Goff (1982) relacionou o nascimento dos grandes museus europeus no sculo XVIII com o movimento cientfico que ocorria na poca, destinado a fornecer memria coletiva das naes, os monumentos das recordaes, ou seja, os arquivos, as bibliotecas e os museus.

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  • A memria social uma das componentes da identidade coletiva e nos museus expressa pelo conjunto dos documentos/testemunhos que formam o patrimnio cultural. Mas alm de preservada, a memria nos museus tambm reinterpretada, representada e em determinadas ocasies manipulada enquanto instrumento e objeto de poder. Considera-se ainda que a memria social ela prpria manipuladora dos fenmenos histricos e sociais, na medida em que aquilo que se recorda no corresponde a toda a verdade, mas a uma interpretao de uma parcela da realidade. Estabelecem-se desta forma ligaes entre a memria, o esquecimento e o conhecimento produzido pelo senso comum, referido nesta tese a propsito das representaes sociais.

    Le Goff (1982) sintetizou o mecanismo e a problemtica da preservao da memria coletiva e social, estreitamente relacionada com o poder, afirmando que do passado no sobrevive o conjunto total, mas feita uma seleo pelas foras que detm o poder e pelos/as prprios/as historiadores/as.

    A memria coletiva e o patrimnio museolgico preservado nos museus relacionam-se desta forma com a nossa questo de partida: a memria das mulheres esquecida ou apagada nos museus. Aquilo que maioritariamente sobrevive nos museus e nas instituies de memria uma escolha feita por quem detm a deciso e a possibilidade de selecionar, de recordar, de fazer esquecer. Historicamente esse poder tem sido um apangio masculino contribuindo atravs dos museus e da preservao da memria para a sua continuidade no exerccio do poder.

    O conceito de patrimnio com que trabalha a sociomuseologia tem um carter multidimensional e abrange as categorias de patrimnio cultural, natural, tangvel e intangvel ou imaterial. Esta definio est presente nas palavras de Hugues de Varine (1974) que transcrevemos:

    () o patrimnio compe-se de trs elementos: o meio ambiente do homem, o conjunto de conhecimentos acumulados pelo homem e o conjunto dos bens culturais, isto , o que o homem fabricou para responder s necessidades da sua vida e do seu desenvolvimento. (Varine, 1974,12).

    O patrimnio cultural faz parte do patrimnio global da humanidade e dele que se ocupam os museus e os processos museolgicos. Esta conceo do patrimnio cultural, passvel de ser musealizado e sobre o qual podem recair as aes ou funes museolgicas8 relativamente recente e baseia-se nas transformaes conceptuais da

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    8 Consideramos como aes ou funes museolgicas, o conjunto das aes que visam a Pesquisa, a Preservao e a Comunicao dos bens patrimoniais, independentemente destes se encontrarem em contexto museal ou no. Em Portugal, a Lei-quadro dos Museus Portugueses, n. 47/2004 de 19 de Agosto, define as seguintes funes museolgicas: estudo e investigao, incorporao, inventrio e documentao, conservao, segurana, interpretao e exposio, educao.

  • museologia ocorridas a partir da dcada de setenta do sculo XX com o surgimento da Nova Museologia.

    Para que o patrimnio cultural tenha significado necessrio que a comunidade ou os sujeitos se identifiquem com ele, que o reconhea e estabelea com esse patrimnio uma relao de afetividade/identidade que provoque a necessidade da sua preservao. Transformado o patrimnio num interesse coletivo justificam-se os processos de musealizao e a existncia dos museus.

    Sob o ponto de vista feminino esta questo pertinente: como se identificam as mulheres com o patrimnio selecionado maioritariamente por homens, preservado por homens e que conta a vida dos homens? Se a herana patrimonial a conscincia da existncia do patrimnio assumido como conjunto de signos que permitem a identificao do indivduo em relao a si mesmo e ao grupo a que pertence, no tempo e no espao, (Bruno, 1996) qual a herana patrimonial com que as mulheres se identificam?

    A identidade coletiva designa aquilo que perdura, mas tambm aquilo que distingue e o que congrega. No existe como objeto social, mas indissocivel da prpria formao da sociedade e indispensvel para a unio do grupo atravs de um princpio de unificao identitria. Podemos defini-la como:

    () aquilo pelo qual uma pessoa, um grupo familiar, profissional, cultural se reconhece a si prprio e reconhecido pelos outros. Para que esse reconhecimento funcione preciso que um certo nmero de representaes, de imagens e sentimentos legitimem a pertena a uma histria, a uma cultura (Carreira, 1996, 324).

    As identidades coletivas so construdas por acumulao de indicadores culturais ou bens culturais que, ao constiturem-se como traos de diferenciao do grupo reconhecidos por todas as pessoas constituintes desse grupo, formam um substrato identitrio comum aos membros dessa comunidade.

    No mbito museolgico h um conjunto de aes que permitem a definio das identidades coletivas atravs do patrimnio preservado: os processos de preservao patrimonial, as aes de educao patrimonial9, o conhecimento (entendido como processo de tomada de conscincia) e a identificao com determinado recorte patrimonial.

    O patrimnio cultural inclui-se no conjunto de representaes da identidade e os museus so espaos privilegiados onde ocorre a sensao de pertena a uma dada cultura e sociedade, seja por oposio ou por identificao.

    Aida Rechena

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    9 Maria Lourdes Parreiras Horta (2003) define educao patrimonial como um processo permanente e sistemtico de trabalho educacional centrado no Patrimnio Cultural como fonte primria de conhecimento e enriquecimento individual e colectivo. Isto significa tomar os objectos e expresses do Patrimnio Cultural como ponto de partida para a actividade pedaggica, observando-os, questionando-os e explorando todos os seus aspectos, que podem ser traduzidos em conceitos e conhecimentos. (A bold no original).

  • Mas as comunidades podem tambm utilizar os traos que os diferenciam de outros grupos e elaborar representaes coletivas, encenando a sua identidade em rituais ou manifestaes culturais. Um museu neste sentido uma expresso ritualizada dos traos identitrios diferenciais do grupo. A identidade coletiva resulta ainda da identificao com um territrio surgindo por oposies territoriais do tipo local/global, centro/periferia.

    As questes relativas identidade coletiva ao serem questionadas sob uma perspetiva de gnero, colocam interrogaes sobre a importncia das mulheres na constituio da identidade de uma comunidade.

    No podendo desligar a constituio da identidade dos processos de preservao do patrimnio cultural e da memria coletiva, parece-nos que tambm a identidade de um grupo reflete na maioria dos casos a dominncia masculina associada ao exerccio do poder. A identidade feminina permanece associada aos rituais do espao privado e domstico, maternidade e educao das crianas, prestao dos servios de assistncia e cuidado.

    Ser importante para a sociomuseologia averiguar at que ponto as identidades femininas coletivas esto representadas nos museus, materializadas nos bens culturais musealizados ou se as identidades ali preservadas refletem a identidade feminina ou apenas a masculina.

    Ficou at este ponto estabelecido que situamos a tese no campo cientfico da museologia, na vertente da sociomuseologia e na linha de investigao em teoria museolgica. Selecionamos como rea de estudo a relao da sociomuseologia com o gnero e como tema especfico a imagem das mulheres em exposies de museus portugueses. Em seguida importa estabelecer a delimitao da amostragem para a realizao do trabalho de campo ou estudo emprico que permitir a verificao das nossas hipteses.

    Entre o universo dos museus portugueses selecionamos um grupo obedecendo aos seguintes critrios:

    Museus cuja vertente patrimonial aborda obrigatoriamente, duma forma direta ou indireta, o universo cultural feminino, com potencial que possibilite, pelo menos teoricamente, uma representao que escape ao recurso ao falso neutro;

    Museus com exposies de longa durao ou temporrias, bem documentadas atravs de catlogos ou roteiros atualizados;

    Museus de tutelas diversas, com misses e colees distintas e diversificadas; Museus com exposies temticas e no meramente apresentao de colees que

    tendem a discursos minimalistas e, por isso, impossveis de analisar sob a tica do gnero.

    Aida Rechena

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  • Tomando estes pressupostos em considerao escolhemos para campo de anlise emprica as exposies permanentes ou de longa durao dos seguintes museus: Museu Nacional do Traje, Museu Nacional do Teatro, Museu do Fado (situados em Lisboa), Museu de Francisco Tavares Proena Jnior (situado em Castelo Branco), Museu do Trabalho de Setbal e o Museu de Portimo.

    Trata-se de museus com exposies dedicadas ao patrimnio imaterial (o teatro e o fado), ao txtil entendido como um recorte patrimonial associado ao universo feminino (Museu do Traje e Museu de Francisco Tavares Proena Jnior) e ao trabalho na tica dos papis de gnero (indstria conserveira, temtica abordada nos Museus de Setbal e de Portimo).

    Selecionamos dois museus representativos de cada recorte patrimonial para servirem de aferio um relativamente ao outro quanto forma como utilizam a imagem da mulher nas exposies.

    A anlise de exposies museolgicas em contexto museal sob uma perspetiva integrada de gnero e no caso especfico do nosso trabalho, sob a perspetiva da mulher, carece de uma metodologia. Sendo a interdisciplinaridade a caracterstica fundamental da sociomuseologia, permite-nos a aproximao a outras cincias e a apropriao de ferramentas j testadas e de conceitos j trabalhados.

    Apropriamo-nos neste trabalho da chamada Teoria das Representaes Sociais (TRS) desenvolvida na psicologia social por Serge Moscovici (1976, 1994, 2004) e utilizamo-la como ferramenta de anlise de exposies, ou seja, como quadro conceptual de anlise.

    Na observao das imagens da mulher transmitidas pelas exposies em contexto museal, preocupa-nos a criao de uma plataforma de leitura contempornea das mesmas, uma aproximao s exposies atravs do olhar atual e no da/o especialista da histria da arte, da arqueologia ou da antropologia, mas da/o cidad/o comum, da/o visitante e utilizador/a dos museus portugueses.

    Tambm aqui se impe perguntar: como pode este conceito de representao social retirado da psicologia, servir sociomuseologia? E mais concretamente como pode ser utilizado numa investigao sobre sociomuseologia e gnero?

    Admitimos que ao analisarmos a imagem das mulheres transmitida nas exposies de museus portugueses, estamos a trabalhar no mbito das representaes sociais, no s a representao social da mulher construda nas exposies, mas tambm a imagem social construda no processo de descodificao que as/os visitantes/utilizadoras/es fazem dos contedos expositivos.

    Aceitando que a representao social uma espcie de pensamento social que traduz o conjunto dos conhecimentos, crenas e opinies partilhadas por um grupo sobre

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  • determinado objeto, ser legtimo considerar que uma exposio em contexto museal transmite a representao social dominante sobre a imagem das mulheres.

    Mas, se por outro lado, considerarmos as exposies em contexto museal como locais de provocao, de rutura e de crtica, tambm ser legtimo admitir que uma exposio poder utilizar o conjunto dos bens culturais para mostrar uma imagem da mulher que fuja aos esteretipos mais comuns e desfavorveis.

    a utilizao da Teoria das Representaes Sociais na anlise das exposies museais que nos permite colocar a possibilidade de uma imagem ou mensagem transmitida numa exposio em contexto museal, ter ou no impacto suficiente para moldar opinies e constituir-se numa nova representao social. A confirmar-se esta possibilidade confere aos museus um imenso poder no mbito social e, no caso especfico que estamos a estudar, na construo de uma imagem igualitria da mulher.

    Delimitao Temporal da Investigao

    Apresentamos at aqui a nossa linha de investigao para a elaborao da tese em Teoria Museolgica, definimos a rea da investigao em Sociomuseologia e Gnero, e apresentamos o tema especfico a investigar sobre as Imagens da Mulher em exposies museolgicas em contexto museal sob uma perspetiva integrada de gnero, com o objetivo ltimo de saber se os museus tm a capacidade para alterar representaes sociais e esteretipos contribuindo para a igualdade de gnero.

    Delimitamos como horizonte temporal desta investigao a contemporaneidade, lanando o nosso olhar sobre exposies patentes ao pblico durante o perodo de durao da investigao. Esta opo pela contemporaneidade deve-se s hipteses atrs colocadas (ver pginas 27 e 29) que pretendem responder a questes sobre o papel atual dos museus e da museologia.

    Exclumos da nossa pesquisa as anlises evolutivas, histricas ou artsticas das imagens de mulheres difundidas pelas exposies museolgicas. Numa poca em que a igualdade de gnero est no centro das preocupaes das polticas pblicas (mainstreaming de gnero) interessa saber como essas preocupaes se refletem no trabalho atual dos/as responsveis dos museus e dos/as comissrios/as de exposies museolgicas e nos/as

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  • visitantes/utilizadores/as dos museus considerados/as os/as recetores/as das mensagens expositivas.

    a sociomuseologia como campo disciplinar de investigao que nos permite este olhar sobre o contemporneo. Mas reforamos aqui a ideia que a questo do gnero em sociomuseologia pode ser abordada por dois ngulos distintos j referidos. O primeiro ngulo, o da igualdade de gnero que incide sobre a esfera da poltica, da gesto organizacional, conduziria a uma anlise sobre a quantificao do papel das mulheres na museologia e nos museus, abordando a crescente feminizao da rea da cultura e dos museus em Portugal e as consequncias deste facto.

    Um segundo ngulo de abordagem prprio das cincias humanas e sociais que aborda o gnero como categoria analtica e trata a questo feminina sob o ponto de vista relacional, integrado no sistema hierrquico das relaes de gnero, no sistema de poder, na intersecionalidade com outras categorias de anlise e comparativamente aos homens. Inclui-se neste ltimo a tentativa da visibilidade das mulheres nos museus no como muselogas ou profissionais dos museus, mas como ser social (Oliveira Jorge, 1997).

    Conscientes por um lado do estado incipiente da investigao em sociomuseologia e gnero e por outro da ntima relao entre a apropriao da categoria analtica gnero por uma determinada cincia e a obteno da igualdade de gnero, no poderamos deixar de efetuar neste trabalho a abordagem poltica ao gnero.

    Consideramos a priori que a museologia e a sociomuseologia ao integrar uma perspetiva de gnero na teoria e na prtica, assumem de imediato a igualdade de gnero como estratgia de gesto, na organizao, no planeamento, na execuo e na avaliao das instituies museais e das aes museolgicas.

    Ao constatarmos a extrema importncia que as organizaes e instituies polticas internacionais, nomeadamente a Organizao das Naes Unidas e a Unio Europeia, esto a dedicar igualdade e ao mainstreaming de gnero, optamos por analisar esta temtica com recurso aos documentos produzidos nestas instncias relacionando-os com a aplicao na rea da cultura.

    Relativamente baliza cronolgica para a anlise documental tomamos como referncia mais recuada o ano 1995, data da realizao em Pequim da IV Conferncia Mundial sobre as Mulheres, onde se adotou a estratgia do mainstreaming de gnero e se internacionalizou a preocupao com as relaes de gnero e os direitos das mulheres como direitos humanos.

    Como baliza cronolgica na anlise das exposies museolgicas optamos pelas que esto atualmente patentes ao pblico, excluindo qualquer olhar evolutivo sobre os contedos expositivos e as alteraes cronolgicas das exposies permanentes dos

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  • museus analisados. Esta opo foi motivada pelo facto de pensarmos que desde 1995 esto criadas as condies polticas e legislativas para que o mainstreaming de gnero fosse adotado como estratgia pelas/os profissionais responsveis pelas polticas pblicas, culturais e museolgicas e a categoria analtica gnero fosse introduzida nas anlises tericas e reflexes sobre museologia.

    Fontes e Metodologias de Investigao

    Definido o tema, apresentada a problemtica, as hipteses e estabelecida a baliza temporal para a anlise da imagem da mulher em exposies museolgicas, coloca-se a questo de saber como produzir conhecimento sobre sociomuseologia e gnero e que metodologia e fontes utilizar.

    Sabemos que as questes que colocamos como investigadoras/es so sempre histrica e culturalmente influenciadas e que a escolha do mtodo de investigao adequado o garante da objetividade da pesquisa.

    Para garantir a cientificidade e objetividade da investigao em cincias humanas e sociais necessria a total transparncia relativamente ao mtodo utilizado. A objetividade sai ainda mais reforada se clarificarmos o ponto de partida e o entorno do/a investigador/a, as prticas e procedimentos metodolgicos efetuados, os resultados esperados no contexto social, poltico e econmico, e se contextualizarmos a investigao nos processos ideolgicos atuais e pessoais.

    Para procedermos seleo do mtodo de investigao tomamos como referncia Serge Moscovici (2008) que se autoconsidera como um metodlogo politesta e assume-se contra a tendncia de fetichizar um mtodo especfico. Para ele a tarefa do investigador adequar o mtodo ao objeto da investigao.10 O autor fundamenta a sua opinio em Chomsky ao afirmar que no h mtodos para um campo de conhecimento que tenha um verdadeiro contedo intelectual, o objetivo encontrar a verdade, mas como chegar at l, ningum sabe.

    As perspetivas de Moscovici sobre o mtodo de investigao abrem-nos a possibilidade de construirmos uma metodologia adaptada ao nosso objeto concreto de

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    10 Citaes retiradas do prefcio escrito por Moscovici no livro organizado por Pedrinho Guareschi e Sandra Jovchelovitch (2008). Textos em Representaes Sociais. Petrpolis: Editora Vozes. (pp. 7 - 16).

  • estudo, baseando-nos no princpio que o objeto de investigao que determina o mtodo e no o contrrio. Isso no obsta evidentemente que nos orientemos por princpios metodolgicos que conferem cientificidade pesquisa.

    Situando-se a nossa pesquisa na linha de investigao em teoria museolgica temos como ltimo objetivo contribuir para a construo de uma teoria empiricamente enraizada que enquadre as relaes entre o gnero e a sociomuseologia e para o enriquecimento terico desta ltima.

    Optamos por uma investigao predominantemente qualitativa que, segundo Flick (2005), se caracteriza pela adequao dos mtodos e das teorias ao objeto de investigao. Trata-se essencialmente de uma reflexo do/a investigador/a sobre o assunto em anlise partindo de uma variedade de mtodos e perspetivas de investigao. Como caracterstica de relevo, a investigao qualitativa utiliza o texto como material emprico (Flick, 2005) seja o texto narrativo, descritivo, o texto resultante de entrevistas, de inquritos, de aplicao de grelhas ou o texto expogrfico.

    Para mediar a relao entre o conhecimento social implcito no trabalho museal e o nosso conhecimento e ao individual, apropriamo-nos da teoria das representaes sociais como ferramenta que vem sendo cada vez mais utilizada como quadro terico dos estudos qualitativos sobre a construo social dos fenmenos (Flick, 2005).

    Ao adotarmos uma metodologia de investigao qualitativa afastamo-nos de um processo de investigao linear, tradicionalmente caracterizado pelas etapas: teoria, hiptese, operacionalizao, amostragem, coleta de dados, interpretao e validao.

    Ao invs aproximamo-nos de um modelo circular do processo de investigao. Este modelo conduz o/a investigador/a a uma reflexo permanente sobre o processo de investigao, leva-nos a interligar as vrias etapas, reformulando constantemente as hipteses preliminares, atravs do processo de coleta, interpretao e comparao dos dados, at chegar construo da teoria. O lugar central deste processo dado interpretao dos dados que garante um carcter de descoberta investigao (Flick, 2005).

    A metodologia da investigao qualitativa permite-nos partir de um quadro conceptual - a teoria das representaes sociais - que engloba conceitos tericos prprios da psicologia social que cruzamos com os da sociomuseologia. Dentro deste quadro conceptual construmos a problemtica inicial onde introduzimos a questo do gnero nas cincias humanas e sociais e, em concreto, na sociomuseologia. Uma lista de questes iniciais orientam a recolha dos dados, mas que deixam em aberto a possibilidade de alterao da problemtica inicial na sequncia das interpretaes e comparaes dos dados recolhidos.

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  • Este modelo adapta-se investigao sobre as imagens da mulher em exposies de museus portugueses sob uma perspetiva integrada de gnero, em que temos como objetivo ltimo teorizar sobre a relao entre sociomuseologia e o gnero como categoria analtica e realidade cultural, histrica e social.

    As hipteses de partida so preliminares e sujeitas a reformulao ao longo do processo de investigao, decorrente da interpretao dos dados recolhidos nas diversas exposies que constituem a amostragem do campo emprico de estudo.

    Apesar de admitirmos uma investigao de cariz aberto temos sempre presentes os critrios cientficos essenciais a toda a investigao que se quer credvel: a objetividade, validade e fidelidade, que garantem a independncia do processo, a capacidade do mesmo para produzir respostas e a clara explicitao dos procedimentos da investigao (Lessard-Hbert, 2008).

    Para complementar a investigao qualitativa, optamos por uma anlise quantitativa relativamente ao nmero de imagens de mulheres em comparao com o nmero de imagens de homens existentes no conjunto global dos bens culturais expostos em cada exposio. Aplicamos a anlise quantitativa ao nmero de exposies que so realizadas por mulheres e por homens para avaliarmos se as exposies comissariadas por umas ou outros integram diferentes perspetivas no tocante imagem da mulher.

    Como tcnicas de recolha dos dados escolhemos a anlise discursiva (Kimmel e Crawford, 2001), ou seja, a observao analtica da linguagem expogrfica utilizada nas exposies museolgicas, linguagem essa que inclui os bens culturais expostos, os textos, as legendas e todos os recursos museogrficos utilizados em cada exposio.

    Como ferramentas de registo recorremos ao dirio de campo com o registo descritivo e fotogrfico das exposies museolgicas e grelhas de anlise com utilizao de campos predefinidos.

    Relativamente aos resultados esperados com a realizao desta investigao ambicionamos provocar um impacto:

    No mbito das polticas museolgicas e culturais nomeadamente nas prticas museais ao nvel da elaborao e apresentao de exposies com uma perspetiva integrada de gnero,

    No mbito social atravs do desenvolvimento de aes inclusivas igualitrias para homens e mulheres,

    No mbito econmico, onde pensamos contribuir, ainda que de uma forma residual, para a melhoria das condies de vida das mulheres, ao trabalharmos para o aumento da sua consciencializao, autoestima e empoderamento atravs da

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  • introduo de uma perspetiva integrada de gnero nos museus e na sociomuseologia.

    a) A construo do quadro conceptual numa perspetiva transdisciplinar: as referncias e as fontes

    Relativamente categoria gnero e elaborao do Estado da Arte em estudos de gnero utilizamos como referncias as(os) autoras(es) clssicas dos estudos feministas e estudos sobre as mulheres, como Simone de Beauvoir (1949), Margareth Mead (1949), Sherry Ortner (1974), Luce Irigaray (1989, 1992, 2003), Michelle Rosaldo (1980), Thomas Laqueur (1990/2006), Verena Stolcke (2000) e Judith Butler (2008) que nos fornecem o quadro terico de referncia. Recorremos aos estudos da psicologia social e aos trabalhos das autoras portuguesas Lgia Amncio (1994a; 1994b) e Teresa Joaquim (1997) que fazem uma sntese em lngua portuguesa das vrias teorias da psicologia que se debruam sobre o gnero.

    Os estudos histricos sobre as mulheres do-nos a perspetiva evolutiva do conceito de sexo e de gnero, essenciais para a compreenso das lacunas ao nvel do patrimnio recolhido em museus resultantes da falta de uma perspetiva integrada de gnero nas aes museolgicas.

    A ligao entre a histria e o gnero feita pela historiadora Joan Scott (1986) que abriu amplas perspetivas de investigao para todas as cincias humanas e sociais. Por outro lado, o trabalho de Georges Duby (1992b) essencial por ser uma das mais consistentes tentativas da histria para resgatar o papel da mulher do esquecimento tendo dado origem a estudos designados por histria das mulheres e histria comparada das mulheres conduzidos principalmente por historiadoras feministas. Recorremos ainda historiadora francesa Michelle Perrot (2007, 1998) que d continuidade ao trabalho de Duby contribuindo para a construo de uma histria das mulheres.

    O conceito de memria trabalhado recorrendo sociologia (Maurice Halbawchs, 1925; Henry Pierre Jeudy, 1992; Fentress e Wickham, 1992; Connerton, 1999), histria (Le Goff, 1982; Pierre Nora, 1990, 1984; Bezerra de Menezes, 1994, 1992a, 1987) e aos estudos de Huyssen (1994, 2002). Interessa-nos a abordagem memria social ou coletiva enquanto forma de aquisio e reteno do conhecimento e na relao com os documentos/monumentos e os espaos de memria.

    Para abordarmos o conceito de identidade que surge nos textos consultados intimamente relacionada com a pesquisa sobre memria, utilizamos os trabalhos de Pollak (1992, 1989), Henry Pierre Jeudy (1992), Mucchielli (1986) e Canclini (2008).

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  • Quanto ao conceito de representao social incidimos nos trabalhos de Serge Moscovici (1976, 1994, 2004) criador da teoria das representaes sociais. Para alm do referido autor utilizamos os trabalhos de Denise Jodelet (1994) e de ngela Arruda (2002).

    Ainda no nvel conceptual, terico e metodolgico e por estarmos a realizar uma tese em sociomuseologia, importa esclarecer o nosso posicionamento nesta rea cientfica. Recorremos a autores como Waldisa Rssio (1981, 1990), Hugues de Varine (1974, 1978, 1987, 1992, 1993, 1994, 1997, 2007), Pierre Mayrand (1991, 1994, 1997, 1998), Mrio Moutinho (1998, 1993, 1994, 1996, 2000, 2007, 2008), Mrio Chagas (1990, 1994), Cristina Bruno (1996, 1997), Clia Santos (1996, 2002) para definir e delimitar o campo de estudo da sociomuseologia e o seu posicionamento no mbito mais lato da Museologia.

    Para a anlise da poltica integrada de igualdade de gnero (mainstreaming de gnero) analisamos a ao e os normativos da ONU como instituio de referncia na prossecuo da igualdade de gnero em todo o mundo. Num segundo nvel abordamos a legislao e regulamentao da Unio Europeia comparando objetivos e metodologias relativamente questo da igualdade de gnero. Finalmente num terceiro plano, abordamos a legislao nacional e a forma como integra as recomendaes e normas europeias. So abordados os diplomas que regulamentam a cultura e a museologia nacionais para uma avaliao da existncia das preocupaes de gnero e as instituies portuguesas responsveis pela sua implementao.

    A baliza temporal de referncia para a seleo dos documentos o ano 1995, mas abordamos documentos mais antigos quando se revelarem imprescindveis para o entendimento da problemtica da igualdade de gnero.

    b) As tcnicas de recolha e ferramentas de registo

    Para respondermos s questes iniciais e testarmos as hipteses colocadas, optamos por realizar uma anlise da imagem da mulher utilizada em exposies museolgicas no contexto de alguns museus portugueses na contemporaneidade.

    Iniciamos o trabalho de estudo emprico com uma visita de sondagem prvia aos museus selecionados, onde entramos como visitante, munida da grelha de anlise para avaliarmos estatisticamente o nmero de imagens de mulheres, o suporte dessa imagem e a sua relao com o todo da exposio.

    As exposies so estudadas utilizando uma grelha com dois vetores principais: um primeiro vetor incide na abordagem iconolgica apresentando a linguagem, a interpretao e os contextos museogrficos utilizados e permitindo a identificao dos bens patrimoniais expostos segundo as classificaes tradicionais utilizadas em museus.

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  • Um segundo vetor introduz uma anlise pr-iconogrfica e aborda questes como as caractersticas de gnero, as atitudes das mulheres representadas nas exposies e os papis de gnero associados a estas representaes femininas, a sua relao com os homens representados, a identificao ou o anonimato das mulheres.

    Quais as temticas selecionadas para as exposies, que colees preservam os museus, que trabalho realizam na comunidade visando a igualdade de gnero, que perspetivas femininas refletem os livros e os catlogos publicados, quais os projetos de pesquisa cientfica em museus que abordam a questo do gnero ou tomam em considerao o seu impacto sobre as relaes de gnero, quem faz as exposies nos museus portugueses (os homens ou as mulheres), so questes a ter em mente no processo de recolha de dados.

    Como resultado da pesquisa esperamos mostrar a possibilidade ou a necessidade de construir exposies distintas das formas clssicas, utilizando os acervos j existentes nos museus de forma a refletirem as expetativas e as caractersticas de ambos os sexos de uma forma igualitria e as das mulheres em particular.

    A inexistncia de uma metodologia comprovada de anlise de exposies que possa servir de apoio ao nosso trabalho conduziu-nos apropriao da proposta de Griselda Pollock (2007) de efetuar uma resignificao dos acervos expostos em museus, estabelecendo novas relaes e rompendo com as categorias de anlise e de inventrio estabelecidas.

    Tambm analisamos as exposies inspirando-nos em Marcelo Cunha (2006) que prope uma metodologia de abordagem s exposies museolgicas com trs nveis distintos de anlise: a fundamentao, a produo e a comunicao.

    Por estarmos situados no mbito museal onde as exposies utilizam maioritariamente imagens no processo de comunicao, utilizamos o texto de Panofsky (1984) sobre o significado das artes visuais e a proposta mais recente de Joly (2002) para uma teoria da interpretao da imagem.

    Estrutura da Tese

    Estruturamos a tese de doutoramento em quatro captulos onde tentamos responder a um