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SOCIOLOGIA GERAL

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SOCIOLOGIA GERAL

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CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD

Sociologia Geral – Profª. Ms. Claudete Camargo Pereira Basaglia

Meu nome é Claudete Camargo Pereira Basaglia. Aprendi em minha casa que foi meu pai quem escolheu meu nome. Ele não vive mais, e eu sempre fico pensando que deveria ter pedido a ele que contasse sua versão dessa história. Com esse nome, tornei-me filha, irmã, neta, sobrinha, prima, amiga, mãe, tia, madrinha e professora. É essa brasileira, nascida em Piracaia-SP, que se apresenta para partilhar as aventuras do saber acadêmico.e-mail: [email protected]

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação

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SOCIOLOGIA GERAL

Claudete Camargo Pereira Basaglia

BatataisClaretiano

2013

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Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação

© Ação Educacional Claretiana, 2010 – Batatais (SP)Versão: dez./2013

301 B313s

Basaglia, Claudete Camargo Pereira Sociologia geral / Claudete Camargo Pereira Basaglia – Batatais, SP : Claretiano, 2013.

138 p.

ISBN: 978-85-8377-098-5

1. Rupturas na história: inquietações, desafios, novos rumos no contexto do surgimento da Sociologia. 2. Estudo científico da sociedade. I. Sociologia geral.

CDD 301

Corpo Técnico Editorial do Material Didático MediacionalCoordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Aline de Fátima Guedes

Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera

Cátia Aparecida RibeiroDandara Louise Vieira Matavelli

Elaine Aparecida de Lima MoraesJosiane Marchiori Martins

Lidiane Maria MagaliniLuciana A. Mani Adami

Luciana dos Santos Sançana de MeloLuis Henrique de Souza

Patrícia Alves Veronez MonteraRita Cristina Bartolomeu

Rosemeire Cristina Astolphi BuzzelliSimone Rodrigues de Oliveira

Bibliotecária Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11

RevisãoCecília Beatriz Alves TeixeiraFelipe AleixoFilipi Andrade de Deus SilveiraPaulo Roberto F. M. Sposati OrtizRodrigo Ferreira DaverniSônia Galindo MeloTalita Cristina BartolomeuVanessa Vergani Machado

Projeto gráfico, diagramação e capa Eduardo de Oliveira AzevedoJoice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa FerrãoLuis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de OliveiraTamires Botta Murakami de SouzaWagner Segato dos Santos

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.

Claretiano - Centro UniversitárioRua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000

[email protected]: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006

www.claretianobt.com.br

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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 92 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO .......................................................................... 13

UNIDADE 1 – RUPTURAS NA HISTÓRIA: INQUIETAÇÕES, DESAFIOS, NOVOS RUMOS NO CONTEXTO DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA

1 OBJETIVO .......................................................................................................... 312 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 313 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 314 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 325 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E REVOLUÇÃO FRANCESA: INOVAÇÕES NA

VIDA SOCIAL ..................................................................................................... 346 A CONSOLIDAÇÃO DO CAPITALISMO ............................................................. 387 O ADVENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E DA SOCIOLOGIA ................................ 408 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 439 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DA UNIDADE ................................. 4410 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 44

UNIDADE 2 – ESTUDO CIENTÍFICO DA SOCIEDADE

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 472 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 473 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 474 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 485 ORIGEM DA SOCIOLOGIA ................................................................................ 506 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA “FILHA DA REVOLUÇÃO” ............................ 517 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 568 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DO TEXTO ...................................... 569 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 57

UNIDADE 3 – SOCIOLOGIA: CONCEPÇÕES, CONCEITOS, PERSPECTIVAS

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 592 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 593 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 604 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 625 ÉMILE DURKHEIM: AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLÓGICO ....................... 646 KARL MARX: CONFLITOS NA SOCIEDADE INDUSTRIAL ................................. 697 MAX WEBER: HISTÓRIA, ECONOMIA E DOUTRINA RELIGIOSA .................... 758 DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO NO BRASIL ............ 82

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9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 8410 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DO TEXTO ....................................... 8511 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 87

UNIDADE 4 – UM ESTUDO DE SOCIOLOGIA: O QUE TORNA POSSÍVEL A CONVIVÊNCIA HUMANA

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 892 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 893 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 904 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 915 APRENDER A SER UM MEMBRO DA SOCIEDADE ........................................... 926 CULTURAS HUMANAS: RESPOSTAS AOS PROBLEMAS DE

COMPREENSÃO DO MUNDO ........................................................................... 997 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 1058 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DO TEXTO ....................................... 1069 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 10610 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 107

UNIDADE 5 – SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA: VELHAS E NOVAS QUESTÕES SOCIAIS

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 1092 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 1093 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 1094 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 1115 DESIGUALDADE SOCIAL ................................................................................... 1136 A QUESTÃO DA POBREZA ................................................................................ 1147 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 1208 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DO TEXTO ....................................... 1219 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 12210 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 122

UNIDADE 6 – DESIGUALDADE SOCIAL: GRUPOS MINORITÁRIOS, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 1232 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 1233 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 1234 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 1245 A DESIGUALDADE SOCIAL E A QUESTÃO DAS MINORIAS ............................. 125

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6 O PRECONCEITO E A DISCRIMINAÇÃO ........................................................... 1307 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 1358 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 1359 E-REFERÊNCIA .................................................................................................. 13710 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 137

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EAD

CRC

Caderno de Referência de Conteúdo

Ementa –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––Uma introdução ao estudo da Sociologia. Rupturas na história: inquietações, desafios, novos rumos no contexto do surgimento da Sociologia. Estudo cientí-fico da sociedade. Sociologia: concepções, conceitos, perspectivas. Sociologia contemporânea: velhas e novas questões sociais. Desigualdade social: grupos minoritários, preconceito e discriminação. ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é apresentar uma perspectiva da So-ciologia para estudantes universitários de cursos de Graduação. Assim, pretendemos apresentar a Sociologia não como um conjun-to de verdades científicas imutáveis, mas como uma possibilidade de compreensão sobre quem somos no contexto social e histórico.

Trata-se de uma perspectiva segundo a qual a Sociologia é entendida como um campo de conhecimento que pode ir além do exercício intelectual abstrato, contribuindo para a compreensão

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© Sociologia Geral10

da vida mediante uma dinâmica de atividade prática libertadora, o que é alcançado quando conseguimos desvelar tanto as oportuni-dades quanto as restrições às quais estamos sujeitos.

Para alguns, serão ideias novas; para outros, nem tanto; e ainda haverá aqueles que apenas reverão o que já sabem. A apre-sentação dos assuntos é organizada de modo que a compreensão, as discussões e as reflexões decorrentes da leitura e do estudo se apresentem como conhecimentos geradores de autonomia inte-lectual suscetível de interferências em busca de justiça social.

Mas, afinal, por que estudar Sociologia?

O argumento inicial está vinculado ao objetivo aqui propos-to: de contribuir, de maneira efetiva, na formação de um profissio-nal comprometido socialmente.

Apresentar a Sociologia como uma matéria que pode interes-sar a todas as áreas do conhecimento humano é outro argumento, mas isto não significa que ela pode explicar tudo o que ocorre na sociedade, uma vez que muitos dos acontecimentos relacionados à existência humana escapam aos seus critérios.

Ainda assim, a Sociologia toca em todos os domínios humanos da vida em sociedade: relações familiares, educacionais, empresariais, políticas, religiosas, ambientais, esportivas, recreativas, entre outras. Desse modo, ela pode interessar, de modo acentuado, a planejadores, educadores, profissionais da área médica, publicitários, jornalistas, polí-ticos, administradores, empresários; enfim, às pessoas em geral.

A abordagem sociológica, mediante seus conceitos, suas teorias e seus métodos, pode constituir-se um instrumento de compreensão das situações cotidianas e das múltiplas relações so-ciais que delas decorrem.

Quando adequadamente compreendida em seus propósitos e limites, a Sociologia também apresenta uma contribuição inte-lectual e ética. Diferentemente da percepção do senso comum, ela oferece condições para interferência na construção de uma so-

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Claretiano - Centro Universitário

11© Caderno de Referência de Conteúdo

ciedade mais justa, sendo esta uma das razões que justificam sua inclusão nos currículos universitários.

Um dos desafios da Sociologia está em conduzir descrições e análises para além de impressões e de opiniões. Essa tarefa não é fácil, porque as questões às quais a Sociologia se refere estão presentes no cotidiano, ou seja, estão muito próximas de todos, e a familiaridade com os temas pode afastá-la da exigência da visão rigorosamente sociológica da sociedade.

A visão sociológica da sociedade caracteriza-se pelo crivo teórico, pois é a teoria que nos permite identificar as relações en-tre os fenômenos. A posse e o domínio do recurso teórico tornam possíveis a explicação e o entendimento das causas e dos efeitos dos fenômenos sociais, o que também torna possíveis as proje-ções sobre o seu desenvolvimento.

Como objetivos da abordagem sociológica, devem manter-se:• afastar-se, sempre que possível, de distorções promovi-

das pela subjetividade e expressas mediante opiniões e impressões;

• interessar-se por aproximações com a percepção objetiva dos fatos, percepção essa que deve ser, invariavelmente, orientada pela teoria.

A teoria sociológica é científica e, como todas as teorias cien-tíficas, deve ser um meio para a compreensão da realidade passí-vel de observação. Trata-se de um meio que não se basta por si mesmo, pois, como toda ciência, a Sociologia é um produto social. É a Sociologia que existe por causa da sociedade, e não o contrário.

No entanto, a Sociologia não deve ser reconhecida apenas por suas teorias e seus formuladores, e, sim, como um instrumen-to adequado ao estudo, ao conhecimento e ao reconhecimento da sociedade e da realidade observável, porque, quando uma teoria científica passa a ser considerada um fim em si mesma, quando se torna mais importante do que os fatos aos quais ela se refere antes

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© Sociologia Geral12

de se transformar em um “instrumento adequado ao estudo”, se transforma em um obstáculo para o reconhecimento da realidade.

Levando em consideração essas questões, entendemos que um curso de Sociologia tem a função acadêmica de oferecer ao estu-dante o acesso à teoria sociológica e tem, também, o compromisso de viabilizar a compreensão de sua experiência social cotidiana.

É preciso evitar que Sociologia se apresente ao estudante como ficção desvinculada das questões desafiadoras presentes em seu dia a dia. Não se trata de uma matéria cujo conhecimento é apenas reservado para cumprir uma exigência curricular. Trata-se, sim, de um instrumento que pode ser eficiente para que o estu-dante tanto compreenda sua situação pessoal diante da sociedade em que vive quanto possa organizar concepções da sociedade em seu contexto mais amplo.

O interesse geral e o crescimento do número de leitores, dado o aumento de cursos de Graduação e de Pós-graduação, têm provocado a expansão de publicações de livros introdutórios que devem constituir uma base sobre a qual o leitor pode construir e ampliar o conhecimen-to do campo da Sociologia. Esses escritos não constituem um livro-texto de Sociologia; trata-se de um material que deve ser utilizado em conju-gação com livros introdutórios para, assim, oferecer uma base crítica que estimule a investigação e a pesquisa por conta própria.

Embora existam alguns elementos em comum na maioria dos cursos de Graduação pelo mundo afora, as pessoas que começam a aprender Sociologia, em qualquer lugar do mundo ou mesmo no interior de um país, provavelmente não estarão aprendendo as mesmas coisas. Há uma diversidade de abordagens, de tipos de conteúdos, e, por essa razão, devemos encarar com desconfiança quem afirma que existe, apenas, uma abordagem sociológica, que há concordância sobre grande parte das coisas.

Nessas circunstâncias, corre-se o risco de tratar a Sociolo-gia como mera soma de conhecimentos que definem a sociedade contemporânea una e indivisível. Dessa forma, não haverá contri-

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13© Caderno de Referência de Conteúdo

buições para a constituição de uma visão social que interfira na reelaboração de nossas práticas.

O conteúdo sociológico deve dar importância para a constru-ção da cidadania e, para que isto ocorra, ele deve definir-se por ser crítico, ou seja, deve definir-se por:

1) Entender a totalidade social não como um fenômeno uno, mas, sim, como um fenômeno contraditório.

2) Pautar-se pelo princípio da contradição, segundo a qual a sociedade é compreendida como resultado de intera-ções sociais que, ao mesmo tempo, são complementa-res e antagônicas.

3) Contribuir para que o aluno como sujeito compreenda a dinâmica das interações sociais de modo que ele se perceba nelas como um elemento ativo.

4) Mobilizar o aluno para uma reflexão comprometida e uma ação transformadora das realidades.

HISTÓRIA NATURAL

Cobras cegas são notívagas.O orangotango é profundamente solitário.Macacos também preferem o isolamento.Certas árvores só frutificam de 25 em 25 anos.Andorinhas copulam no vôo.O mundo não é o que pensamos (ANDRADE, C. D. História Na-tural. In: CENTRO VEGETARIANO. Literatura. Disponível em: <http://www.centrovegetariano.org/literatura/article-157--hist%25f3ria%2bnatural.html>. Acesso em: 4 ago. 2010).

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem GeralClaudete Camargo Pereira Basaglia

Mestre em Sociologia

Neste item, apresenta-se uma visão geral do que será estu-dado neste Caderno de Referência de Conteúdo. Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. Esta abordagem geral visa fornecer-

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© Sociologia Geral14

-lhe o conhecimento básico necessário para que você possa cons-truir um referencial teórico com base sólida – científica e cultural –, para que, no futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência cognitiva, com ética e com responsabilidade social.

Para iniciar nossa abordagem geral, é importante declarar que toda construção de um saber não ocorre como uma mágica; não há uma "varinha do condão". É preciso esforço, empenho e vontade. Mas precisamos acreditar que o resultado traz muitos benefícios, tanto pessoal quanto coletivo.

Então, vamos nos motivar para estudar Sociologia Geral. E essa motivação pode começar com a poesia Verdade, do poeta maior, Carlos Drummond de Andrade.

Verdade –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––A porta da verdade estava aberta,

mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade.Porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.

E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil.E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.Chegaram ao lugar luminoso

onde a verdade esplendia seus fogos.Era dividida em metades, diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.Nenhuma das duas era totalmente bela.Carecia optar. Cada um optou conforme

seu capricho, sua ilusão, sua miopia (ANDRADE, C. D. Verdade. In: CENTRO VEGETARIANO. Literatura.

Disponível em: <http://www.centrovegetariano.org/literatura/article-157--hist%25f3ria%2bnatural.html>. Acesso em: 4 ago. 2010).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

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15© Caderno de Referência de Conteúdo

Vejamos a formação da palavra (Figura 1):

SOCIOLOGIASOCIOLOGIA

SOCIUS LOGOSSOCIUS LOGOS

ASSOCIADO ESTUDOASSOCIADO ESTUDOALIADO TRATADOALIADO TRATADO

COMPANHEIRO COMPANHEIRO

Figura 1 Formação da palavra.

Por meio da Figura 1, verificamos que o sentido da palavra “sociologia” é um pouco diferente daquela definição que habitual-mente costumamos ouvir: a Sociologia é a ciência da sociedade.

Refletir sobre esse sentido da palavra nos leva à compreen-são de que ele diz respeito à nossa necessidade de convivência social, à nossa necessidade do sócio, do aliado, do companheiro, enfim, diz respeito à nossa necessidade do outro.

Decididamente, para humanizarmo-nos, precisamos convi-ver socialmente.

Com exceção do Tarzan hollywoodiano, que cresceu em companhia dos macacos e, mesmo assim, aprendeu a falar inglês, todas as demais pessoas do mundo, para se tornarem humanas, precisam aprender com seus semelhantes uma série de atitudes que jamais poderiam desenvolver no isolamento.

Outro ponto que merece nossa consideração neste momento se refere à origem da Sociologia, que tem como base a Figura 2.

• Revoluções Francesa e Industrial.• Preocupação com a sociedade capitalista.• Busca de respostas para questões sociais.

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© Sociologia Geral16

ORIGENS DA SOCIOLOGIAORIGENS DA SOCIOLOGIA

A RevoluA Revoluçção Francesa e a Revoluão Francesa e a Revoluçção ão Industrial são a base da consolidaIndustrial são a base da consolidaçção ão da sociedade capitalistada sociedade capitalista

A sociologia nasce como um conjunto A sociologia nasce como um conjunto de idde idééias que se preocupou com o ias que se preocupou com o desenvolvimento da sociedade desenvolvimento da sociedade capitalistacapitalista

A sociologia busca respostas para as A sociologia busca respostas para as questões sociais advindas das questões sociais advindas das transformatransformaçções provocadas pelas ões provocadas pelas revolurevoluççõesões

Figura 2 Origens da Sociologia.

A partir do século 18, a economia do mundo foi constituída sob a influência da Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra, enquanto a política e a ideologia foram constituídas pela Revolu-ção Francesa.

O modelo econômico que rompeu com as estruturas tradi-cionais do mundo foi fornecido pela Inglaterra. A França forneceu as ideias, o vocabulário do nacionalismo e os temas da política liberal para a maior parte do mundo.

Na França revolucionária, começaram a circular termos e expressões como: constituição, nação, eleição, Estado Moderno, poder executivo, poder legislativo, poder judiciário, direitos hu-manos universais.

É importante ressaltar que a Revolução Industrial não se restringiu, apenas, à introdução da máquina a vapor e ao aperfei-çoamento dos modos de produção. Ela representou muito mais. Representou o triunfo da indústria, comandada pelo empresário capitalista, que, pouco a pouco, concentrou a propriedade das má-quinas, das ferramentas e das terras, transformando populações inteiras em trabalhadores despossuídos.

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17© Caderno de Referência de Conteúdo

É na sociedade com essas características que:• A Sociologia nasce como um conjunto de ideias que se

preocupou com o desenvolvimento da sociedade capita-lista.

• A Sociologia procura respostas para as questões sociais advindas das transformações provocadas pelas Revolu-ções Industrial e Francesa.

Essas transformações ocorridas no século 19 favoreceram o surgimento da Sociologia como ciência. Mas e hoje? A Sociologia continua tendo alguma importância? Por que estudar Sociologia?

Observemos algumas razões pelas quais acreditamos que vale a pena estudar a Sociologia:

a) interessa a todas as áreas;b) aborda domínios humanos da vida social;c) é um instrumento de compreensão do cotidiano;d) tem uma contribuição intelectual e ética;e) possibilita interferência para a busca de uma sociedade

mais justa.

Apresentamos algumas ideias com a finalidade de motivar aqueles que se sentem envolvidos pela aventura de aprender. En-tretanto, não podemos deixar de dizer que a Sociologia contempo-rânea tem desafios a vencer:

• A complexidade do mundo exige uma compreensão mais profunda de nossa posição e de nossos objetivos.

• Repensar os padrões sociais, isto é, as regularidades que ordenam a vida social, e hierarquizá-los.

Isto significa que muito há para ser feito.

Ainda, gostaríamos de registrar que há várias denominações para a Sociologia:

• Geral;• da Educação;

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© Sociologia Geral18

• da Alimentação;• Urbana;• Rural.

No entanto, isto não significa que houve um desmembramento da Sociologia. O que ocorreu foi uma diversificação de olhares para várias perspectivas das sociedades. Daí as várias denominações.

Embora a Sociologia seja considerada uma ciência moderna porque surgiu no final do século 19, os seres humanos, ao longo de sua história, não deixaram de observar e de refletir sobre suas sociedades e os grupos nos quais viviam.

Há sinais, em todas as civilizações e em todas as épocas, que mostram preocupações com a vida social, desde os registros ru-pestres, os adereços e os utensílios até os escritos dos filósofos, dos pregadores religiosos e dos legisladores.

Qual seria, então, a diferença que distingue o pensamento social anterior à Sociologia das preocupações da Sociologia con-temporânea?

Há características que distinguem a Sociologia como ciência do pensamento social anterior.

Existe um sentido real com o qual uma nova ciência da socie-dade foi criada no século 19:

• Modificações radicais nas concepções da vida social, que deixa de ser rural e passa a ser urbana.

• Modificações nas atitudes humanas em virtude do surgi-mento do capitalismo industrial, que dá origem ao traba-lho assalariado e ao operário.

A novidade da dinâmica da sociedade capitalista – industrial, as-salariada e urbana – provoca reações diferenciadas em diferentes pen-sadores e dá origem à ciência que conhecemos como Sociologia, a qual:

• não surgiu de repente;• não tem um único autor;

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19© Caderno de Referência de Conteúdo

• há divergências e consenso entre os autores;• oferece diferentes perspectivas.

Há uma pergunta fundamental que interessa à Sociologia: o que torna possível a organização social das relações entre os seres humanos? Para responder a essa pergunta, há três respostas con-sideradas clássicas (Figura 3):

• Émile Durkhein.• Karl Marx.• Max Weber.

TRÊS RESPOSTAS TRÊS RESPOSTAS CLCLÁÁSSICASSSICAS

Figura 3 Émile Durkheim, Karl Mark e Max Weber.

A Sociologia de Émile Durkheim parte do pensamento de que só é possível compreender as relações sociais se compreendermos, também, a sociedade, que obriga os indivíduos a agirem de acor-do com forças estranhas às suas vontades. Durkheim tomou como ponto de partida o peso das sociedades sobre os indivíduos.

Já a Sociologia de Karl Marx parte do pensamento de que só é possível compreender as relações sociais se também enten-dermos que uma determinada parte da sociedade obriga os de-mais indivíduos a agirem de acordo com forças estranhas às suas vontades. Marx indicou que o caráter coercitivo da sociedade se manifesta de uma parte da sociedade sobre a outra.

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© Sociologia Geral20

Finalmente, a Sociologia de Max Weber parte da ideia de que a sociedade é o resultado de uma inesgotável rede de interações interindividuais. Esse pensador tratou a ação social como ponto de partida para a compreensão das realidades sociais.

Essa abordagem dos clássicos da Sociologia é, apenas, um rápido exercício, que tem como objetivo despertar em você a curiosidade e a vontade de saber mais. Vale a pena pesquisar sobre esses pensadores.

Mas, afinal, por que tais pensadores são considerados “clás-sicos” na Sociologia? Porque, em suas obras, encontramos elemen-tos básicos para a compreensão científica dos fenômenos sociais.

Antes de encerrarmos nossa abordagem geral, apresentaremos um exemplo que ilustra bem o significado e a importância do pensa-mento clássico, ou seja, o porque de ele nunca perder sua atualidade.

A explicaA explicaçção sociolão sociolóógica na gica na medicina socialmedicina social

O autor JosO autor Joséé Carlos Carlos de Medeiros Pereira de Medeiros Pereira percorre os três percorre os três mméétodos cltodos cláássicos ssicos da Sociologia para da Sociologia para avaliar como podem avaliar como podem ser utilizados na ser utilizados na explicaexplicaçção dos ão dos fenômenos mfenômenos méédicodico--sociais em geral.sociais em geral.

Figura 4 A explicação sociológica na medicina social.

Despedimo-nos dizendo a você que estudar Sociologia é fun-damental para ir além das aparências no que diz respeito às ques-tões sociais.

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21© Caderno de Referência de Conteúdo

Glossário de Conceitos

Este glossário permite a você uma consulta rápida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados no Caderno de Referência de Conteúdo Sociologia Geral. Portanto, veja, a seguir, a definição dos principais conceitos:

1) Ação social: é uma ação cujo significado, subjetivamen-te atribuído pelo sujeito ou pelos sujeitos, tem como re-ferência a conduta dos outros, por esta se orientando em seu desenvolvimento. A ação social (incluindo tole-rância ou omissão) orienta-se pelas ações de outros, que podem ser passadas, presentes ou esperadas como fu-turas, tais como vinganças por ataques anteriores, répli-cas a ataques presentes e medidas de defesa diante de ataques futuros. Os “outros” podem ser individualizados e conhecidos ou, então, uma pluralidade de indivíduos determinados e completamente desconhecidos. O di-nheiro, por exemplo, significa um bem de troca admitido no comércio, porque sua ação está orientada pela ex-pectativa de que muitos outros, embora indeterminados e desconhecidos, estarão dispostos a aceitá-lo em uma troca futura (WEBER, 1991).

2) Cultura: é a dimensão do processo social, da vida de uma sociedade que inclui todo o conhecimento em um sentido ampliado e todas as maneiras mediante as quais esse conhecimento é expresso. É uma dimensão dinâ-mica, criadora, ela mesma em processo, uma dimensão fundamental das sociedades contemporâneas. (SANTOS, 1997). É preciso considerar que a cultura carrega em si elementos subjetivos e objetivos relacionados entre si. Assim, tanto os elementos materiais quanto os não ma-teriais não atuam de forma isolada, mas de maneira in-terligada e complementar.

3) Cultura material: refere-se aos artefatos criados pelos seres humanos por meio de uma combinação entre ma-térias-primas e tecnologia, que, por seus usos práticos, distinguem-se por sua mobilidade. Conforme Fernand Braudel (1995), a cultura material diz respeito às coisas,

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© Sociologia Geral22

aos alimentos, às habitações, ao vestuário, ao luxo, aos utensílios, aos instrumentos monetários, à definição de al-deia ou cidade; em suma, a tudo aquilo de que o homem se serve.

4) Cultura não material: segmento da cultura transmitido pela intenção, segundo a qual as ações humanas são providas de conteúdos e de significados, mesmo antes de serem construídas ou manipuladas. Trata-se de con-teúdos e significados demonstrados por meio de hábi-tos, aptidões, ideias, crenças e conhecimentos (MELLO, 2002).

5) Economia: é uma ciência social que tem como objeto de estudo o modo de produção social com seus três ele-mentos: o trabalho, os meios de trabalho e os objetos de trabalho, estes nas diferentes etapas de seu desenvolvi-mento (SOARES, 1994).

6) Iluminismo: otimismo no poder da razão de reorgani-zar o mundo humano. O Iluminismo deve a Descartes o gosto pelo raciocínio, a busca da evidência intelectual e, sobretudo, a possibilidade de se exercer, livremente, o juízo e o espírito da dúvida metódica. Outra influência importante para essa corrente de pensamento foi o da produção científica de Galileu Galilei, com o uso do mé-todo experimental. A ideia da natureza dessacralizada, isto é, desvinculada da religião, também está presente nesse campo de pensamento.

7) Interação social: é um dos conceitos básicos para a com-preensão da vida social. É uma maneira de se comunicar face a face, de agir e interagir com outras pessoas. Seu aspecto mais relevante é que ela estabelece um conta-to, e, a partir desse contato, ocorre a comunicação, que resulta em uma mudança de comportamento dos indiví-duos envolvidos.

8) Interação social ou relação social: é designada pelo comportamento de vários indivíduos na medida em que, por seu conteúdo significativo, o de uns se regula pelo de outros e, em consequência, se orienta. Portanto, a in-teração ou relação social consiste, essencial e exclusiva-

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mente, na probabilidade de que se agirá socialmente de maneira expressável significativamente (WEBER, 1991).

9) Interação social não recíproca: há uma corrente de pen-samento sociológica que trata desse tipo de interação quando apenas um dos indivíduos influencia o outro. Nesse caso, um dos polos da interação social está repre-sentado por um meio de comunicação físico, como a te-levisão, a internet, um livro ou uma gravação.

10) Minorias: podem ser definidas como grupos de pessoas que, por suas características, se diferenciam na socieda-de em que vivem e, por essa razão, recebem tratamento diferenciado e desigual.

11) Padrões de comportamento instintivo: são formas de comportamento com alto grau de uniformização e cons-tância no tempo e no espaço que caracterizam a vida dos animais não humanos. São padrões básicos de com-portamento transmitidos mediante herança biológica.

12) Padrões de comportamento social: são normas, regras de comportamento estabelecidas pela sociedade, se-gundo as quais se espera que as pessoas ajam. Esses padrões são transmitidos e aprendidos por meio da co-municação simbólica. Quando os membros de uma so-ciedade agem de uma mesma forma, estão expressando os padrões de comportamento da sociedade em que vi-vem. No Brasil, por exemplo, espera-se que todo homem goste de futebol e torça por algum time.

13) Positivismo: propõe a infalibilidade, a objetividade e a exatidão da ciência. O positivismo estabeleceu critérios rígidos para a ciência e ele propõe que toda afirmação e toda lei científica deve apoiar-se na observação dos fatos, nas provas recolhidas pelos pesquisadores. Quando o pen-samento sociológico se organizou, adotou o positivismo para definir o objeto e para estabelecer conceitos e uma metodologia de investigação para a Sociologia. Comte foi seu principal representante e é considerado o fundador da Sociologia como ciência. Os positivistas apresentaram um esforço concreto de análise científica da sociedade.

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14) Socialização primária: é o processo mediante o qual a criança se transforma em um membro participante da sociedade. Refere-se à fase de formação da identidade (BERGER; BERGER, 2000).

15) Socialização secundária: envolve a vida posterior, quan-do as pessoas são introduzidas em espaços sociais es-pecíficos, como cursar uma faculdade para a formação profissional (BERGER; BERGER, 2000).

Esquema dos conceitos-chave

Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im-portantes deste estudo, apresentamos o Esquema dos Conceitos--chave deste Caderno de Referência de Conteúdo (Figura 1). O mais aconselhável é que você mesmo faça seu esquema ou seu mapa mental. Esse exercício também é uma forma de construir seu co-nhecimento, ressignificando as informações obtidas com base em suas próprias percepções.

É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações existentes entre os conceitos por meio de palavras-chave, partin-do dos termos mais complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino.

Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-mas e em mapas mentais, o indivíduo pode construir seu conheci-mento de maneira mais produtiva e, assim, obter ganhos pedagógi-cos significativos em seu processo de ensino e aprendizagem.

Aplicado em diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-colar – tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas em Educação –, o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos

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conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, uma vez que há pontos de ancoragem, novas ideias e informações são aprendidas.

Tem-se de destacar que “aprendizagem” não significa reali-zar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno apenas; sobretudo, é preciso estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante conside-rar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos conceitos devem ser potencialmente significativos para o aluno, dado que, ao fixar esses conceitos em suas já existentes estruturas cogniti-vas, outros serão relembrados também.

Nessa perspectiva, partindo do pressuposto de que é você o principal agente da construção de seu próprio conhecimento por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tornar significativa sua aprendizagem, transformando seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabelecendo uma relação entre aquilo que acabou de conhecer e o que já fazia parte de seu conhecimento de mundo (adaptado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapasconceituais/utilizama-pasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).

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Figura 5 Esquema dos Conceitos-chave d0 Caderno de Referência de Conteúdo Sociologia Geral.

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Como você pode observar, esse esquema lhe dá, conforme dito anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais importan-tes deste estudo. Ao segui-lo, poderá transitar entre um e outro conceito deste Caderno de Referência de Conteúdo e descobrir o caminho para construir seu processo de ensino-aprendizagem.

O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de aprendizagem que se somam àqueles disponíveis no ambiente virtual, por meio de suas ferramentas interativas, e àqueles rela-cionados às atividades didático-pedagógicas realizadas presencial-mente, ou seja, no polo. Lembre-se de que você, aluno da EAD, deve valer-se de sua autonomia na construção de seu próprio co-nhecimento.

Questões Autoavaliativas

No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser de múltipla escolha ou abertas, de respostas objetivas ou dis-sertativas. Vale ressaltar que são entendidas as respostas objeti-vas como aquelas que se referem aos conteúdos matemáticos ou aquelas que exigem uma resposta determinada, isto é, inalterada.

Responder, discutir e comentar essas questões, bem como relacioná-las à prática profissional pode ser uma forma de ava-liar seu conhecimento. Assim, mediante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, esta é uma ma-neira privilegiada de testar seus conhecimentos e de adquirir uma formação sólida para sua prática profissional.

Bibliografia Básica

É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-grafias complementares.

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Figuras (ilustrações, quadros...)

Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-grante dos conteúdos, ou seja, elas não são, meramente, ilustrati-vas, uma vez que esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Portanto, não deixe de observar a relação dessas figuras com os conteúdos, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)

O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convida você a olhar, de forma mais apurada, a educação como processo de emancipação do ser humano. É importante atentar-se para as explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem como partilhar suas descobertas com seus colegas de curso, pois, compartilhando com outras pessoas aquilo que já fora observado, permite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo, assim, a ver e a notar o que não havia sido percebido antes. Portanto, observar é uma capacidade que nos impele à maturidade.

Você, como aluno dos cursos de Graduação na modalidade EAD e como futuro profissional da educação, necessita de uma for-mação conceitual sólida e consistente. Para isso, contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da in-teração com seus colegas de curso. Sugerimos, pois, que organize bem o seu tempo e que realize as atividades nas datas estipuladas.

É importante, ainda, que você anote suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas poderão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produções científicas.

Leia os livros indicados na bibliografia para que você amplie seus horizontes teóricos. Coteje-os com o Material Didático Me-diacional, discuta a unidade com seus colegas de curso e com o tutor e assista às videoaulas.

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Ao final das unidades, você encontrará algumas questões autoavaliativas, que são importantes para sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-cimento intelectual.

Lembre-se de que o segredo para o sucesso em um curso a distância é participar, ou seja, interagir, procurando cooperar e colaborar com seus colegas de curso e tutores sempre.

Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a este Caderno de Referência de Conteúdo, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.

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EAD

Rupturas na História: Inquietações, Desafios, Novos Rumos no Contexto do Surgimento da Sociologia

1. OBJETIVO

• Compreender significados da Revolução Industrial e da Revolução Francesa no contexto das transformações nas interações sociais e do advento da Sociologia.

2. CONTEÚDOS

• Revolução Industrial e Revolução Francesa: inovações na vida social.

• A consolidação do capitalismo.• O advento das Ciências Sociais e da Sociologia.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

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1) Consulte os significados dos conceitos explicitados no Glossário; isso facilitará sua compreensão sobre os te-mas propostos no texto.

2) Uma das questões apresentadas nesta unidade refere--se aos Direitos do Homem e do Cidadão. Caso queira ampliar seus conhecimentos sobre o tema, um jeito fácil e simples de melhor compreender as várias faces da tra-jetória da construção da ideia de cidadania, sobretudo, a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, encontra-se em duas publicações recentes: História da Cidadania e Práticas de Cidadania, ambas organizadas por Jaime Pinsky e editadas pela Contexto.

3) Outro assunto que vem à tona com esta unidade é a Re-volução Francesa. Assistir ao filme francês A inglesa e o duque, baseado em fatos verídicos e dirigido por Eric Rohmer, leva ao contato com a linguagem cinematográ-fica contextualizada no período dessa Revolução. Pense nessa possibilidade após o estudo do texto.

4) Um texto gostoso de ler, elucidativo e de fácil compreen-são é: As ciências sociais e o processo histórico, escrito por Arnaldo Lemos Filho. Ele compõe a coletânea do li-vro Introdução às Ciências Sociais, organizada por Nel-son Carvalho Marcellino e merece ser lido.

5) Nesse livro organizado por Nelson Carvalho Marcellino, há outros textos que também merecem ser lidos; dentre eles, destacamos: Economia Política, de Alcides Ribeiro Soares, que pode ser recomendado para todos aqueles que tiverem a curiosidade de principiantes despertada.

6) Com relação às formas de organização das correntes de pensamento que envolveram as sociedades, há vá-rias obras. Neste momento, destacamos: WEFFORT, F. C. (Org.). Os clássicos da Política. 3. ed. São Paulo: Ática, 1991. v. 1 e 2.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE

Para nos aproximarmos da compreensão das sociedades contemporâneas como totalidades históricas, contraditórias, que

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do Surgimento da Sociologia

emergem de um dado contexto cultural, procuraremos, nesta uni-dade, abordar acontecimentos históricos a partir de noções, de interpretações das sociedades mediante as culturas humanas. Es-tudaremos os significados que um período de rupturas históricas traduzido pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa apresentou no campo das relações sociais.

Por que se referir à Revolução Industrial (a partir de 1760) e à Revolução Francesa (1789) para compreender o surgimento da Sociologia como Ciência Social?

É porque cada geração carrega consigo a necessidade de ter sua própria imagem da Sociologia. É isto que explica o fato de sem-pre retomarmos o tema das Revoluções do século 18 ao iniciarmos um estudo de Sociologia: agimos como se toda análise tivesse, ne-cessariamente, de ser precedida de uma revisão geral.

De onde vem essa necessidade permanente de uma revisão geral?

Esse procedimento pode ser interpretado de dois modos. Em primeiro lugar, como um caminhar que prova uma incerteza quanto às possibilidades de uma Ciência Social, daí a necessidade de voltar às suas raízes procurando justificativas. Em segundo lu-gar, ao contrário, pode representar a prova de vitalidade, de uma ciência que, dadas as sucessivas rupturas, renova constantemente a si própria.

Se retrocedermos de geração em geração, constataremos que parte dos esforços conscientes para definir uma ciência ori-ginária das sociedades começou com a Revolução Francesa, um acontecimento político de ruptura na história, que impõe uma fronteira entre o antes e o depois, provocando uma inquietação, uma perspectiva nova, um desafio.

No entanto, a Revolução Francesa não pode ser compreen-dida isoladamente, uma vez que está ligada, assim como a Revolu-ção Industrial, às transformações ocorridas a partir de meados do

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século 14, tais como: as grandes navegações, o comércio ultrama-rino, a Reforma Protestante, a formação dos Estados Nacionais, o advento do pensamento científico e o desenvolvimento tecnoló-gico.

Todos esses avanços favoreceram a organização de uma bur-guesia comercial formada por comerciantes e banqueiros que, no final do século 17, se tornara uma classe com muito poder na maioria dos países europeus. Dessas circunstâncias, decorre um estado de desequilíbrio nas sociedades monárquicas europeias para o qual as sociedades inglesa e francesa apresentam soluções diferentes: a primeira responde com a industrialização e a criação de uma sociedade liberal respaldada pela monarquia parlamentar; a segunda, com uma revolução política.

5. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E REVOLUÇÃO FRANCE-SA: INOVAÇÕES NA VIDA SOCIAL

O objetivo, nesta unidade de estudo, não é realizar uma aná-lise da Revolução Industrial e da Revolução Francesa; é estabele-cer alguns pontos considerados importantes para o esclarecimen-to em torno das relações que elas possuem com o surgimento da Sociologia.

Iniciemos nossa reflexão levando em conta que o século 18 se tornou um marco importante para a história do pensamento ocidental em decorrência das transformações econômicas, políti-cas e culturais que se aceleraram nesse período e que apresentam problemas inéditos para as sociedades. A dupla revolução que esse século testemunha constituiu dois lados de um mesmo processo: a instalação definitiva da sociedade capitalista.

A partir do século 18, a economia do mundo foi constituída sob a influência da Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra, en-quanto a política e a ideologia foram constituídas pela Revolução Francesa. O modelo econômico que rompeu com as estruturas

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do Surgimento da Sociologia

tradicionais do mundo foi fornecido pela Inglaterra, mas a França forneceu as ideias, o vocabulário do nacionalismo e os temas da política liberal para a maior parte do mundo. Na França revolu-cionária, começaram a circular expressões como: “constituição”, “nação”, “eleição”, “Estado Moderno”, “poder executivo”, “poder legislativo”, “poder judiciário”, “direitos humanos universais”.

A Revolução Industrial não se restringiu à introdução da máquina a vapor e ao aperfeiçoamento dos modos de produção. Ela representou muito mais. Representou o triunfo da indústria, comandada pelo empresário capitalista, que, pouco a pouco, con-centrou a propriedade das máquinas, das ferramentas e das ter-ras, transformando populações inteiras em trabalhadores assala-riados.

Um dos fatores de maior significado relacionado com a Re-volução Industrial foi, sem dúvida, o aparecimento do proletariado e o papel que ele desempenharia na sociedade capitalista.

Em um período de cem anos (1780 a 1880), ocorreu a forma-ção de uma sociedade industrializada e urbanizada. Em decorrên-cia dessas transformações, houve uma reordenação na sociedade rural, em ritmo crescente. Desapareceram os pequenos proprie-tários rurais, os artesãos independentes e houve a imposição de prolongadas horas de trabalho, o que modificou radicalmente as formas habituais de vida de milhões de seres humanos.

As atividades artesanal e doméstica transformaram-se, ini-cialmente, em atividade manufatureira e, depois, em atividade fabril, o que desencadeou a emigração maciça do campo para a cidade e engajou mulheres e crianças em longas jornadas de tra-balho, sem férias e com um salário de subsistência.

Mudanças decorrentes da Revolução Industrial –––––––––––1) Substituição progressiva do trabalho humano por máquinas. Gradativamente,

as máquinas assumem as tarefas desempenhadas pelos seres humanos, o que leva um número cada vez menor de trabalhadores a produzir maior quantidade de produtos.

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2) Alterações na divisão social do trabalho. O trabalhador da indústria espe-cializa-se em áreas de trabalho cada vez mais específicas. A introdução das máquinas na produção industrial deu origem à organização racional das ta-refas e ordenou a divisão do trabalho. Como consequência, há aumento de produtividade sem necessidade de aumento da habilidade do trabalhador.

3) Imposição de uma “disciplina”. As questões relacionadas à divisão do traba-lho e às especializações estavam ligadas à gestão do fator humano. Como os novos trabalhadores das indústrias mantinham hábitos de autocontrole adquiridos no trabalho agrícola e no trabalho em ambientes domésticos, os industriais impuseram uma disciplina. Em lugar do autocontrole, a supervisão e o controle externo eram exercidos por pessoas especialmente contratadas para esse fim.

4) Produção de bens em grande quantidade. A mecanização da produção gera maior velocidade e quantidade de produtos, acarretando a produção massiva e mais barata.

5) Surgem novos papéis sociais. Na cena social, surgem, principalmente, o em-presário e o operário. Para o pensador Karl Marx, esses dois grupos sociais caracterizam as classes sociais da sociedade capitalista.

6) As cidades cresceram enormemente. Devido às profundas transformações que ocorreram no campo para atender às exigências das indústrias, os cam-poneses foram forçados a abandonar suas terras e, atraídos pelo trabalho nas fábricas, formaram grandes contingentes de proletariado industrial. O rápido processo de urbanização provocou a degradação do espaço urbano anterior, o agravamento das condições habitacionais, a contaminação do ar e da água, bem como o acúmulo de detritos humanos e industriais, daí emer-gindo com muita intensidade a questão social.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Ao lado das novas situações apresentadas pela Revolução In-dustrial, outro acontecimento ocorria e provocava mudanças nas formas de pensamento: a Revolução Francesa.

É importante a compreensão de que, se a economia do mun-do a partir do século 18 foi constituída sob a influência da Revo-lução Industrial, a política e a ideologia foram constituídas pela Revolução Francesa. Foi na França que floresceram as ideias, o vocabulário do nacionalismo e os temas da política liberal que se estenderam para a maior parte do mundo; daí ela ser considerada uma revolução social de massa.

Para se ter uma ideia de sua dimensão, a Revolução Fran-cesa aconteceu no mais populoso e poderoso país da Europa. Ao final do século 18, a França contava com uma população aproxi-mada de 23 milhões de habitantes, dos quais cerca de 400 mil pes-

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do Surgimento da Sociologia

soas pertenciam à monarquia absolutista e usufruíam de muitos privilégios. Em 1789, um dentre cada cinco habitantes europeus era francês.

A Revolução Francesa não se realizou liderada por homens que desejassem levar adiante um programa, nem por um partido ou por um movimento organizado, no sentido moderno; entretan-to, apresentou um consenso de ideias gerais de um grupo que lhe deu unidade: a burguesia.

Os ideiais da burguesia e os Direitos do Homem e do Cidadão ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––As exigências da burguesia foram delineadas na Declaração dos Direitos do Ho-mem e do Cidadão de 1789. Tratava-se de um manifesto contra a sociedade hie-rárquica de privilégios da nobreza, e não um manifesto a favor da sociedade de-mocrática e igualitária. Embora seu primeiro artigo estabeleça que “Os homens nascem e vivem livres e iguais perante as leis”, ele também previa a existência de distinções sociais quando defendia a propriedade privada e uma assembleia representativa que não era democraticamente eleita.Foram os princípios dessa Declaração que inspiraram a organização da Decla-ração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela resolução número 217 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Uma questão importante está atrelada à circunstância de que, ao final da Revolução Francesa, os anseios de igualdade so-cial se viram frustrados porque a burguesia assumiu a hegemonia política e passou a impor os interesses de sua classe social. A igual-dade política ficou comprometida, pois os direitos de votar e ser votado ficaram, de fato, restritos à elite econômica.

A restrição do direito ao voto ocorreu mediante um modelo que tinha variantes de classificação censitária. Esse modelo de voto censitário disseminou-se pelo mundo, inclusive no Brasil, onde o direito de voto não era universal simplesmente porque uma parte enorme dessa "universalidade" continuaria por muito tempo rela-cionada à escravidão, ao analfabetismo e ao gênero feminino.

O objetivo da Revolução de 1789 foi abolir a antiga forma de sociedade e promover profundas modificações na economia,

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na política e na vida cultural; para isso, confiscou propriedades da Igreja e transferiu para o Estado as funções da educação, que até então eram atribuições da Igreja e da família. Destruiu os privilé-gios da nobreza e promoveu o incentivo aos empresários.

A Revolução Francesa inaugura uma nova realidade que pro-voca impacto e espanto compartilhados entre pensadores france-ses. Émile Durkheim foi um desses pensadores. Como um dos in-telectuais fundadores e organizador da Sociologia como ciência, identificou na "tempestade revolucionária" a noção de Ciência Social.

6. A CONSOLIDAÇÃO DO CAPITALISMO

Para tratar de algumas questões que envolvem a consolida-ção do sistema capitalista, é interessante relembrar que, a partir de meados do século 14, ocorreram várias transformações sociais, políticas e econômicas que marcaram a transição da sociedade feudal para a sociedade capitalista. Houve um deslocamento do foco da visão de mundo, que deixa de ser teocêntrica – Deus como centro do universo – e passa a ser antropocêntrica – o ser humano como centro do universo. A partir dessa visão, a razão e a experi-mentação passam a determinar a forma de conhecimento.

Essas transformações promovem uma progressiva substitui-ção das crenças pela indagação racional como explicação para os fenômenos sociais. Tratava-se de concepções revolucionárias por-que germinaram em uma época na qual todas as explicações eram dadas como se tudo dependesse da vontade de Deus.

Uma das consequências das transformações que ocorre-ram na Europa Ocidental a partir de meados do século 14 foi o surgimento do Iluminismo, corrente de pensamento que pregava a ideia de que a razão iluminaria o mundo. Tal corrente se for-taleceu, fazendo ser reconhecido o século 18 como o Século das Luzes., ou o Século da Ilustração, momento em que vigora o oti-

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do Surgimento da Sociologia

mismo no poder da razão e a sociedade começa organizar o co-nhecimento fundamentado na observação e na experimentação racional. Nesse contexto, o ser humano passa a ser o centro da sua própria história e da sua humanidade, e o conhecimento científico aproxima-se cada vez mais do cotidiano da sociedade porque os seres humanos apropriam-se da linguagem científica, das teorias e das descobertas delas decorrentes.

Os pensadores iluministas acreditavam que o uso sistemáti-co da razão levaria o ser humano à compreensão de todas as áreas do conhecimento e, por esse motivo, pregavam o uso da razão pura, o que será contestado com o Positivismo, outra corrente de pensamento que reforça a crença na materialidade da vida e no poder da ciência. Apresentando o conhecimento científico – razão, observação e mensuração – como forma de conhecimento válido, o Positivismo orientou a formação da primeira escola científica do pensamento sociológico.

A burguesia, que encontra nas Revoluções Industrial e Fran-cesa meios para assumir o poder econômico e o poder político e, assim, expandir seus interesses comerciais, adota o pensamento iluminista e organiza o Estado Moderno, uma instituição abstrata que deveria garantir a liberdade e a ordem social. Com o surgi-mento do Estado Moderno, estava dada a base para a expansão do Capitalismo.

No século 19, a sociedade europeia pós-revolucionária em franca evolução procurava resolver os conflitos sociais por meio da exaltação à coesão e ao bem-estar social. Nesse contexto, o pen-samento positivista glorificava a sociedade europeia em expansão e, por esse motivo, estendeu-se a quase todos os países econo-micamente desenvolvidos da Europa. Mas foi na França que mais floresceu essa corrente de pensamento que buscava na razão e na experimentação seus horizontes teóricos.

Dentre os pensadores franceses que adotaram as concep-ções positivistas, destaca-se o pensador francês Augusto Comte,

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seu primeiro representante e principal sistematizador. Fortalecen-do a reação intelectual às transformações desencadeadas pelas Revoluções Industrial e Francesa, Augusto Comte estabelece as bases do que constituiria uma ciência social e contribui para a or-ganização de um novo campo de pesquisa científica que se ocupa-rá dos fenômenos sociais.

7. O ADVENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E DA SOCIOLOGIA

Foi no século 19 que os seres humanos se constituíram como objeto de estudos científicos por meio de campos de estudo como a Economia, a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia. As razões que favoreceram a expansão dessas explicações científicas resi-dem nos problemas decorrentes da urbanização, da industrializa-ção e, também, na necessidade de um planejamento social como garantia do sucesso da economia industrial e da sua expansão pelo mundo. Diante dessas circunstâncias, o pensamento científi-co representava a manifestação de uma transformação específica na maneira de abordar os problemas da sociedade, representava uma transição de uma abordagem pré-científica para uma abor-dagem mais científica de examinar as questões sociais. Tratava-se, também, de demonstrar, por experiências empíricas, que a socie-dade, assim como a natureza, tinha leis específicas.

Mas que caminhos percorreram as abordagens pré-científicas da sociedade para alcançarem o status de Ciências Sociais?

Para percorrermos esse caminho e identificarmos em reação a que transformações sociais o sentido de uma palavra se alterou, tomamos o caso da Economia, uma das Ciências Sociais.

Conforme propõe o sociólogo Norbert Elias (2006) no texto Sobre a sociogênese da economia e da sociologia, a trajetória da expressão “economia” é um bom exemplo do percurso dos concei-tos. Acompanhando-a, temos a oportunidade de verificar que as transformações sofridas pelo termo estão estreitamente associa-

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41© U1 - Rupturas na História: Inquietações, Desafios, Novos Rumos no Contexto

do Surgimento da Sociologia

das às transformações nas relações sociais, tema que será objeto de nosso estudo na unidade em que abordaremos a socialização como um dos conceitos fundamentais de Sociologia.

Até o século 18, o termo “economia”, que se originou no idioma grego, referia-se apenas a certas atividades sociais espe-cíficas dos indivíduos. Dizia respeito ao ordenamento, ao geren-ciamento dos assuntos domésticos e era ligado aos recursos fami-liares. A atividade econômica relacionava-se à maneira como as pessoas deveriam agir no tocante a viver dos próprios recursos, a subordinar as despesas aos ganhos e a consumir muito pouco, caso pretendessem enriquecer, mas com uma ressalva: as impli-cações dessa economia estendiam-se apenas aos indivíduos que trabalhavam para se sustentar, ou seja, mercadores, comerciantes, camponeses e artesãos.

A primeira mudança no uso do termo “economia”, que de expressão relativa a uma atividade passa a designar uma função, está estreitamente relacionada à ascensão de grupos que valoriza-vam as atitudes "racionais", tais como: equilibrar gastos e rendas, vender com lucro e poupar para investir.

Essa mudança ocorreu quando a expressão passou do uso no campo privado para o uso no campo da administração públi-ca e deixou de se referir apenas aos recursos domésticos. Foi um médico da corte francesa, Francois Quesnay, e seus discípulos que atribuíram o uso mais amplo, menos pessoal e mais científico ao vocábulo “economia”. Eles foram os primeiros a associar os ter-mos “economia” e “ciência” e passaram a ser chamados por seus contemporâneos de economistas. Depois que a designação econo-mista se estendeu por outras escolas de pensamento, os membros do grupo de Quesney passaram a ser conhecidos como fisiocratas.

Outra mudança de sentido para a expressão “economia” ocorreu na primeira metade do século 19 quando os economis-tas clássicos questionaram o fato de que as questões econômicas podiam e deviam ser reguladas pelo Estado. E eles foram além,

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colocando no plano central de suas doutrinas as leis econômicas, como, por exemplo: capacidade autorreguladora de certas fun-ções sociais e insistindo em que o bem-estar social seria maior se as leis econômicas operassem livres de toda e qualquer influên-cia governamental. Nesse momento, a alteração no uso do termo “economia” está relacionada às mudanças na distribuição de po-der político na sociedade.

A partir de então, o neologismo "economista", criado no in-terior de um grupo como uma marca específica do corpo de suas doutrinas, tornou-se um conceito popular, uma expressão corren-te, inicialmente na França e na Inglaterra e, posteriormente, espa-lhou-se pelo mundo.

Inicialmente com as inovações intelectuais dos fisiocratas que advogaram uma política iluminista e proclamaram a neces-sidade de se criarem hipóteses para determinar quais variações na distribuição da renda eram maléficas e quais eram benéficas, depois, os economistas clássicos como Adam Smith, David Ricardo e outros conectaram, com elementos empíricos, o que anterior-mente se situava no campo da Filosofia. Assim, a Economia passa a ter uma abordagem científica.

Para Norbert Elias (2006), o movimento em direção a uma abordagem mais científica do campo da Economia, associado aos sentidos do uso da expressão, ilustra uma ampla transformação, qual seja: no final do século 18, início do século 19, as formas tradi-cionais de sociedade, caracterizadas por uma alta concentração de poder nas mãos de grupos relativamente pequenos, deram lugar, gradativa ou repentinamente, conforme determinavam as circuns-tâncias, a outros modos de organização social.

Uma transformação na mesma direção, embora em uma frente diferente e mais ampla, ocorreu no campo que hoje cha-mamos de Sociologia, no qual a grande novidade era o conceito de sociedade. Os sociólogos tentavam descobrir as "leis" da socie-dade, não as leis fixadas pelos legisladores, mas as leis que eram inerentes à sociedade.

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do Surgimento da Sociologia

Em suas explicações sobre a emergência do pensamento so-cial em bases científicas, Cristina Costa (2005, p. 64) escreve que “o aparecimento de condições históricas exigindo a análise da vida social em sua especificidade e concretude", o interesse pela vida material dos seres humanos e o "aprofundamento das análises fi-losóficas propostas pelo Iluminismo e estimuladas pela Revolução Francesa" geraram "tendências e escolas de pensamento", que, partindo de "atitudes laicas e pragmáticas em relação ao compor-tamento humano", desembocaram nas primeiras formulações so-ciológicas.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS

Sugerimos que você procure refletir, responder, discutir e co-mentar as questões propostas a seguir, as quais tratam da temáti-ca desenvolvida nesta unidade.

É importante observar que a autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para testar seu desempenho. Desse modo, se encontrar dificuldade em responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas.

Lembre-se de que, na Educação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa; com-partilhe, portanto, as suas descobertas com seus colegas de curso.

Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade:

1) Quais foram as mudanças provocadas pela Revolução Industrial?

2) Quais foram as mudanças provocadas pela Revolução Francesa?

3) Quais são as bases que favorecem a consolidação do capitalismo?

4) Apresente duas circunstâncias que, no século 19, favoreceram a organização das explicações científicas para os fenômenos sociais.

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9. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DA UNIDADE

A tarefa básica destes escritos sobre as rupturas históricas, sobretudo aquelas provocadas pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa, é chamar a atenção para duas questões. A primeira é que, por uma circunstância histórica especial, que ocor-re a partir de meados do século 14, a Europa e os europeus se veem abalados por crises que colocaram em xeque, sobretudo, as monarquias. A segunda é que, dessas crises, resultaram soluções diferenciadas: para a Inglaterra, a dimensão econômica da revo-lução que dá origem ao sistema capitalista; para a França, a di-mensão política geradora das formas de governo eleito pelo voto e regidas por uma Constituição.

Contudo, o sentido principal que pode ser atribuído a esta unidade é aquele que está relacionado ao reconhecimento de que, a partir das Revoluções Industrial e Francesa, a burguesia assume o poder econômico e político e organiza o Estado Moderno, uma instituição abstrata que deveria garantir a liberdade e a ordem so-cial. Com o surgimento do Estado Moderno, estava organizada a base para a expansão do Capitalismo.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Há escritos muito interessantes sobre o tema das Revoluções do século 18 e suas consequências para as relações sociais. Aqui, procedemos à referência às fontes utilizadas nesta unidade e, tam-bém, a uma indicação mínima, mas muito interessante, sobretudo, da obra de Huberman (1986), que se apresenta como sugestão de um ponto de partida.COSTA, C. A sociologia pré-científica. In: ______. Sociologia: uma introdução à ciência da sociedade. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Moderna, 2005.ELIAS, N. Sobre a sociogênese da economia e da sociologia. In: ______. Escritos & Ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

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45© U1 - Rupturas na História: Inquietações, Desafios, Novos Rumos no Contexto

do Surgimento da Sociologia

HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. 21. ed. rev. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos, 1986.MARCELLINO, N. C. (Org.). Introdução às ciências sociais. 5. ed. Campinas: Papirus, 1994.RIOUX, J. P. A revolução industrial (1780-1880). São Paulo: Pioneira, 1975.SINGER, P. O capitalismo: sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1987.TULARD, J. História da Revolução Francesa. São Paulo: Paz e Terra, 1990.

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EAD

2Estudo Científico da Sociedade

1. OBJETIVOS

• Constatar que existiam, anteriormente ao aparecimento da Sociologia, indagações sobre os fenômenos sociais.

• Compreender que o advento da Sociologia como ciência aplica um ponto de vista científico à observação e à expli-cação dos fenômenos sociais.

• Cultivar a atitude de pesquisador.

2. CONTEÚDOS

• Origem da Sociologia.• Sociologia como ciência "filha da revolução".

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

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1) Um dos pontos que será levantado nesta unidade se re-fere ao porque da transformação do tema da pobreza em questão social. Com relação às questões sociais, a literatura oferece-nos uma magnífica visão do quadro social europeu pós-revolucionário, que é o nosso foco de interesse na unidade. Sob a justificativa de que a lite-ratura é importante para toda pessoa de cultura univer-sitária, qualquer que seja sua formação, indicamos duas obras clássicas: Os miseráveis, de Victor Hugo, e Germi-nal, de Émile Zola.

2) Para reforçar a visão sobre a dimensão social dos acon-tecimentos que compunham as realidades do cotidiano europeu pós-revolucionário e mantendo a mesma jus-tificativa da orientação anterior, indicamos o livro de Charles Dickens, Oliver Twist, de 1839. É um romance que, a partir de 1948, foi adaptado para filmes em várias versões, dentre as quais destacamos, para serem sub-metidas à sua apreciação, a adaptação de David Lean, de 1948, e a de Roman Polansky, de 2005.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE

Para referirmo-nos ao surgimento da Sociologia, uma ciên-cia moderna, é preciso que tenhamos em mente que isto ocorre em um dado contexto histórico que reflete as consequências do desaparecimento do sistema feudal e da consolidação do sistema capitalista, temas que foram tratados na Unidade 1.

Nesta unidade, que tem como tema o estudo científico da sociedade, será possível constatarmos que a reflexão sobre os fe-nômenos sociais tem uma longa tradição, muito anterior ao sur-gimento da Sociologia como ciência. No entanto, muito diferente das explicações sobre os fenômenos sociais apresentadas ante-riormente, sobretudo pela Filosofia, as explicações da Sociologia como ciência obedecem aos mesmos princípios gerais válidos para todos os ramos de conhecimento científico, mesmo considerando as peculiaridades dos fenômenos sociais e da abordagem científi-ca da sociedade.

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Toda ciência tem como principal objetivo explicar a realidade com base na observação sistemática dos fatos. Sendo o conheci-mento científico garantido pela observação sistemática dos fatos e pelas explicações fidedignas, ele pode se transformar em instru-mento de intervenção social mediante previsão, transformação ou mesmo controle da realidade.

Informação Complementar –––––––––––––––––––––––––––––É importante destacar que a Sociologia como ciência também pretende explicar o que acontece na sociedade. Tendo o conhecimento garantido pela observação sistemática dos fenômenos sociais, a Sociologia pode transformar-se em ins-trumento de intervenção social, como, por exemplo, por meio do planejamento social.O planejamento social não é apenas aplicação da Sociologia. No Brasil, há uma tendência da economia em conduzir essa atividade (VILA NOVA, 2000).––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

A Sociologia nasce e desenvolve-se como uma forma de conhecimento a partir das situações de existência nas modernas sociedades industriais e de classes. Em sua evolução, lenta e con-tínua, os fundadores e os pioneiros dessa disciplina mantiveram as ambições intelectuais de fazer do conhecimento sociológico um instrumento da ação. Eles entendiam que à Sociologia, como conhecimento científico, cabia oferecer métodos e técnicas de pesquisa apropriados ao seu objeto de estudo. Já aos seus pes-quisadores, cabia desvelar as relações sociais existentes entre os diferentes conjuntos de indivíduos ligados por alguma caracterís-tica compartilhada. O estudo científico da sociedade demandaria apreensão dos fenômenos sociais, mediante a observação siste-mática, e sua compreensão, por meio da participação. Assim, eles pretendiam modificar a própria sociedade em que viviam.

Esses princípios deram – e continuam dando – fundamento à ideia segundo a qual a Sociologia constitui uma forma de co-nhecimento fruto das preocupações intelectuais provocadas pe-las revoluções industriais e político-sociais que abalaram o mundo ocidental moderno.

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5. ORIGEM DA SOCIOLOGIA

Embora a Sociologia seja uma ciência moderna que surgiu no final do século 19, os seres humanos, ao longo de sua história, não deixaram de observar e de refletir sobre as sociedades e os grupos nos quais vivem. Podemos encontrar, nos escritos dos filósofos, dos pregadores religiosos e dos legisladores de todas as civiliza-ções e épocas, observações e ideias relevantes para a Sociologia.

Qual seria, então, a diferença que distingue as preocupações com a sociedade, abordadas pela Sociologia, e o pensamento so-cial anterior a ela?

A modificação radical nas concepções da vida social e nas atitudes humanas, em virtude do surgimento do capitalismo in-dustrial, é uma característica que marca a diferença no teor das preocupações com a sociedade.

Outra característica que destacamos é com relação à cres-cente convicção de que os métodos das Ciências Naturais deve-riam e poderiam ser estendidos ao estudo das questões humanas, ou seja, de que os fenômenos humanos poderiam ser classificados e medidos.

Destacamos, também, a nova visão sobre a pobreza. Esta passa a ser entendida como o resultado da ignorância e da explo-ração humana nas sociedades industriais, e não mais como um fe-nômeno natural, um castigo da natureza ou da providência divina.

Diante desse quadro, sob duas influências – o prestígio da ciência natural e os movimentos de reforma social – os levanta-mentos sociais passaram a ocupar lugar importante na nova ciên-cia da sociedade: a Sociologia.

O levantamento social não surgiu, apenas, da ambição de aplicar os métodos das Ciências Naturais ao mundo humano; ele surgiu de uma nova concepção dos problemas sociais e, também, foi influenciado pelas possibilidades materiais da sociedade indus-

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trial. Um levantamento social da pobreza – ou de qualquer outro problema social – só tem sentido se for pautado na possibilidade de que algo poderá ser feito para remover ou diminuir tais males.

Em 1817, Augusto Comte, organizador da Sociologia como ciência, apresenta um relato que nos dá uma dimensão da sua to-mada de posição como cientista diante da realidade social. Vamos acompanhá-lo?

A Chave das Coisas ––––––––––––––––––––––––––––––––––A miséria pública é enorme em Paris; o pão é muito caro, e receia-se mesmo que venha a faltar. Não se pode dar um passo na rua sem ter o coração partido pelo aflitivo quadro da mendicidade; a cada instante encontram-se operários sem pão e sem trabalho, e com tudo isso, quanto luxo! Quanto luxo! Ah, como é revoltante, quando a tantos indivíduos falta o necessário absoluto! A despeito da aflição ge-ral, o carnaval é ainda bastante alegre, pelo menos, há muitos bailes, públicos e particulares. Ouvi mesmo dizer por pessoas bem sensatas que se dançou neste inverno como nunca. Quanto a mim, não posso imaginar como uma gavota ou um minueto façam esquecer que mais de trinta mil seres humanos não tenham o que comer. Não posso imaginar que se seja tão indiferente, a ponto de se divertir loucamente em meio a todos esses desastres. Os governos não se incomodam de maneira alguma com esta frivolidade, porque, segundo a observação judicio-sa que ontem ouvi de uma senhora muito bonita, muito amável e que, no entanto, pensa, “quem dança não conspira”. Esta expressão, que é mais profunda do que parece, dá bem a chave das coisas (apud MORAIS FILHO, 1983, p. 8). ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Conforme observamos, a existência da pobreza generalizada em meio às grandes e crescentes forças produtivas foi responsável por ela tornar-se uma questão social sujeita a estudos, análises e aperfeiçoamento. Essa modificação de visão constituiu um ele-mento importante na convicção de que o conhecimento exato po-deria ser aplicado à reforma social e, mais tarde, uma vez que o ser humano estabeleceu um controle cada vez mais completo sobre o meio físico, poderia, também, controlar o meio social.

6. A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA “FILHA DA REVOLUÇÃO”

A Sociologia é resultado da organização da sociedade indus-trial, de uma circunstância histórica evolutiva, no ápice de um pe-

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ríodo designado entre o desmoronamento da sociedade feudal e o surgimento do mundo moderno, industrial e capitalista. Ela nasceu como consequência do interesse pela descoberta de que as rela-ções que até então eram consideradas naturais – como é o caso da pobreza – fossem, de fato, mutáveis e históricas.

As circunstâncias históricas que estavam presentes no mo-mento da organização da Sociologia ofereceram elementos para uma reflexão sobre as transformações, os antagonismos de classes sociais e as crises experimentadas pela então nascente sociedade urbana industrial.

Para explicar os novos fenômenos sociais, não apenas a Sociologia, mas também outras ciências, surgiram para estudar e explicar cada dimensão da vida social e de determinadas rela-ções sociais, como, por exemplo, a Antropologia, a Economia, a Ciência Política, a Psicologia e o Direito. No entanto, a Sociologia mantém-se como a única ciência que tem como questão central as interações sociais, conceito esse que será objeto de nosso es-tudo na Unidade 4, quando refletiremos sobre alguns conceitos fundamentais em Sociologia. Por hora, vamos a uma prévia desse conceito por meio da leitura do texto a seguir.

Interação Social ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––A sociedade é, necessariamente, dinâmica; sempre está em processo. Indiví-duos, grupos, categorias, agregados e estratos sociais agem e reagem, conti-nuamente, uns sobre os outros, ou seja, estão sempre em interação.O processo social mais importante é a interação. Todos os processos sociais são diferentes tipos de interação. Por isso, a interação é o processo social geral.A interação só é social quando existem símbolos e significados em jogo, mesmo quando as pessoas não têm plena consciência desses componentes da situação social.––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Desse modo, a Sociologia foi a primeira ciência a se preo-cupar com a complexa rede de instituições sociais e grupos que constituem a sociedade ao invés de estudá-los em um aspecto particular. Ela foi a primeira ciência a se preocupar com a vida

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social como totalidade. Sua concepção básica é a de estrutura social, entendida como interação social sistemática de formas de comportamento e de ação social. É por isso que aspectos da vida social, tais como a família, o parentesco, a religião, a moral, a estratificação social e a vida urbana, despertam seu interesse e tornam-se objeto de reflexão, de estudos e de pesquisas.

Anthony Giddens (2001, p. 2) escreveu no livro Em defesa da Sociologia que a maior parte dos debates que "fazem as man-chetes intelectuais hoje, nas ciências sociais e mesmo na área de humanidades, é dotada de forte carga sociológica", isto porque os autores da Sociologia foram os pioneiros em discussões científicas sobre a desigualdade social; as classes sociais; o pós-modernismo; a sociedade pós-industrial; a sociedade da informação; a globali-zação; as transformações da vida cotidiana, do gênero e da sexua-lidade; a natureza mutável do trabalho e da família; e a etnia.

Nossa vida apresenta várias dimensões, tais como a política, a econômica, a educacional, a religiosa, a jurídica e a moral, as quais se desenvolvem e ocorrem por meio dos momentos em que estamos interagindo uns com os outros. Pois, são essas interações que são o objeto de estudo da Sociologia. É a essa dimensão so-cial da nossa conduta humana e das relações sociais que ela está associada. Nesse caso, se chegarmos a compreender a Sociologia como uma forma de pensar, estaremos adquirindo elementos para enxergar a realidade social. Poderemos, então, observar que to-das as interações estão relacionadas entre si, embora possamos separá-las para:

• Estudar, isoladamente, um grupo de interações específi-cas que constituem uma dimensão do social; nesse caso, fatos econômicos, fatos educacionais, fatos religiosos, fa-tos familiares etc.

• Tentar estabelecer os limites dos relacionamentos sociais que compõem a existência humana.

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Caso utilizemos nosso conhecimento sociológico para enten-der a realidade, conseguiremos compreender os fenômenos em sua totalidade e, também, estabelecer ligações de fatos cotidianos com a dinâmica da sociedade.

No texto apresentado a seguir, A revolução tecnológica e os espaços de sociabilidade, temos algumas ideias que traduzem um modo sociológico de entender a realidade; são fatos cotidianos que se ligam com a evolução da sociedade. Refere-se ao exemplo de novos espaços de sociabilidade como uma possibilidade de es-tabelecer relação entre a abertura de espaços de sociabilidade, a revolução científico-tecnológica e o aumento da violência.

A Revolução Tecnológica e os Espaços de Sociabilidade –––Nas grandes cidades, abrem-se novos espaços de sociabilidade nos quais as pessoas de várias faixas etárias e com diferentes motivações se encontram para se conhecer e estabelecer relações sociais. São padarias que abrem espaços para café ou sopa noturna; locadoras de vídeo que servem cafés e sorvetes, livrarias que criam espaços para conversas e cafés, ou seja, lugares que têm a característica de receber um público diferenciado, pessoas que, muitas vezes, não se conheciam e que passaram a relacionar-se por meio do espaço virtual – internet – e que precisam de um lugar seguro para estabelecer um contato presencial inicial.Esses novos lugares, que substituem, de certo modo, os espaços públicos tradi-cionais, são criados para oferecer, além de segurança, meios para que as pes-soas se encontrem, estabeleçam relações, conheçam-se e desenvolvam afinida-des em função de um interesse comum.Dessa forma, podemos explicar o surgimento de novos espaços de sociabilida-de, que substituem os tradicionais parques, jardins e praças, pelo aumento da violência, que faz que as pessoas evitem lugares públicos e, também, em função das transformações científico-tecnológicas, que, via internet, aproximam as pes-soas com interesses comuns, pessoas essas que, em determinado momento, necessitam de um contato face a face (DIAS, 2005).––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Todo problema social, quando cuidadosamente estudado, apresenta uma complexidade muito maior do que aquela que é visível. É preciso observar as forças sociais, as tendências e os pa-drões que podem ser generalizados. Para isso, é necessário um esforço intelectual para olhar e enxergar a conexão entre a vida cotidiana e os problemas sociais, entre o indivíduo e a sociedade mais ampla.

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As ideias que compõem a finalização deste tópico, voltado para breves reflexões em torno da Sociologia como ciência, são elaboradas com o sentido de alertar para o fato de que, nestes estudos, quisemos apenas mostrar que esta iniciação trata, tão so-mente, de elementos mais gerais da Sociologia, e, por essa razão, se quisermos adotar o modo sociológico de entender a realidade social, precisaremos, necessariamente, de familiaridade com os conceitos essenciais e as principais teorias sociológicas.

É importante saber que, embora a Sociologia constitua uma ciência, ela não tem um corpo teórico unificado que seja aceito de forma unânime. Há divergências de opiniões entre os pensadores da Sociologia, e, do mesmo modo, ela também comporta consen-so, o que, em seu conjunto, termina por oferecer diferentes pers-pectivas, que contribuem para o reconhecimento da vida social.

A Sociologia contemporânea tem vínculos indissolúveis com os seus precursores. Esses vínculos existem, justamente, porque não há uma teoria única, uma teoria que a unifique, e é isto que torna a Sociologia tributária da orientação marcada pelos pensa-dores que lhe lançaram as bases. Assim, mesmo os estudos intro-dutórios à Sociologia, para serem mais consistentes, requerem o conhecimento de determinadas obras básicas e de determinadas investigações importantes, o que exige familiaridade com os con-ceitos essenciais e as principais teorias.

É impossível compreender a Sociologia contemporânea sem ir até Augusto Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Ela ainda integra o pensamento de seus precursores e continua, em grande parte, estudando, analisando, pesquisando e refletindo sobre as mesmas questões sociais que foram por estes levantadas.

Com relação a Augusto Comte, organizador dos primeiros conceitos sociológicos, embora não se possa pretender que, no século 21, sua teoria sociológica constitua fundamento conceitual para os cientistas sociais, é verdade que muitos dos seus temas continuam na ordem do dia com o advento do estudo aprofun-

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dado do comportamento animal, com a Biossociologia e com a Etologia. São contribuições de Comte para o desaparecimento de barreiras estanques entre a natureza e a cultura.

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS

Na Unidade 1, você viu como deverá proceder para que a au-toavaliação tenha efetividade em seu aprendizado. Portanto, siga as mesmas instruções já comentadas anteriormente e tenha um bom aproveitamento!

1) Quais são as circunstâncias históricas presentes no contexto do surgimento da Sociologia?

2) Por que a Sociologia é considerada a “filha das revoluções"?

3) Por que os levantamentos sociais se tornaram importantes para a Sociolo-gia?

4) Quais foram os temas em que os autores da Sociologia foram os pioneiros em discussões científicas?

8. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DO TEXTO

O que foi exposto nesta unidade, relativo ao surgimento da Sociologia como ciência, pode ser traduzido da seguinte maneira:

• No contexto do conhecimento científico, a Sociologia nas-ce como um conjunto de ideias que se preocupou com o processo e o desenvolvimento da sociedade capitalista. Nesse sentido, ela é fruto da Revolução Industrial e da Re-volução Francesa. Ela buscou respostas às questões colo-cadas pelas transformações decorrentes das revoluções, que, em um primeiro momento, alteraram a sociedade europeia e, depois, o mundo todo.

• A Sociologia como "ciência da sociedade" não surgiu de repente e, também, não resulta da reflexão de um único autor; ela é resultado de um conhecimento que se desen-

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volve com base nas grandes transformações que provo-caram a desagregação do sistema feudal e a consolidação do sistema capitalista. Serão essas as transformações que constituirão o "pano de fundo" para o movimento inte-lectual que alterará as formas de explicar a sociedade daí para frente.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Neste tópico, mantemos a proposta das referências biblio-gráficas utilizadas para fundamentação do texto, ampliadas com algumas sugestões para leitura. No entanto, é preciso deixar claro que aqui está uma seleção de textos, e, como toda seleção, esta também corre o risco de ser reducionista. Desse modo, você não deve contentar-se, apenas, com o que está aqui sugerido. Depois de consultada esta bibliografia, aventure-se pelos inúmeros livros que estão nas estantes das bibliotecas à espera, aguardando que você lhes dê vida.

DAHRENDORF, R. Sociologia e sociedade industrial. In: FORACCHI, M. M.; MARTINS, J. S. Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 2000, p. 119-125.DIAS, R. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005.FERNANDES, F. Conceito de Sociologia. In: CARDOSO, F. H.; IANNI, O. Homem e sociedade. 7. ed. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1971, p. 25-34.GIDDENS, A. Em defesa da Sociologia: ensaios, interpretações e tréplicas. São Paulo: Unesp, 2001.KOENIG, S. Significado e âmbito da Sociologia. In: ______. Elementos de Sociologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 11-19.MARTINS, C. B. O que é Sociologia. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.MORAIS FILHO, E. Auguste Comte: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983, p. 8.VILA NOVA, S. Introdução à Sociologia. São Paulo: Atlas, 2000.

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EAD

3Sociologia: Concepções, Conceitos, Perspectivas

1. OBJETIVOS

• Ampliar a compreensão de como a questão social colocou a sociedade em um plano de análise.

• Compreender a importância do pensamento clássico de Durkhein, Marx e Weber.

• Cultivar atitudes de pesquisador.

2. CONTEÚDOS

• Émile Durkhein: regras do método sociológico.• Karl Marx: conflitos na sociedade industrial.• Max Weber: história, economia e doutrina religiosa.• O desenvolvimento do pensamento sociológico no Brasil.

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3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

1) Nesta unidade de estudo, abordaremos aspectos relati-vos às concepções e aos conceitos organizados a partir de três pensadores que foram nomeados como clássicos da Sociologia: Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Um dos conceitos de Durkheim é o de solidariedade me-cânica. No filme brasileiro O quatrilho, de Fábio Barreto, e no filme estadunidense A testemunha, de Peter Weir, é possível conferir a presença da solidariedade mecâni-ca nas comunidades em que se passam as respectivas histórias.

2) O tema da alienação está privilegiado no segmento que se refere ao pensamento de Karl Marx. O filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, oferece uma faceta mag-nífica dessa temática.

3) Para ampliar as perspectivas sociológicas, há o filme Adeus, Lenin!, de Wofganger Becker, que retrata as duas filosofias da Alemanha Oriental, antes e depois da queda do muro de Berlim.

4) Ainda no sentido de ampliar perspectivas sociológicas, tem-se o filme espanhol Segunda-feira ao sol, de Fer-nando León de Aranoa, que apresenta o cotidiano de pessoas desempregadas, com seus dramas e sonhos.

5) Há duas obras brasileiras que traduziram, na linguagem literária, muitas passagens nas quais podemos observar tipos de ação social, de desencantamento do mundo, conceitos organizados por Max Weber. São eles: Auto da compadecida, peça de teatro escrita por Ariano Suassu-na, e Cidade de Deus, romance de Paulo Lins. A lingua-gem literária dessas obras converteu-se em linguagem cinematográfica: Cidade de Deus, filme dirigido por Fer-nando Meirelles, e Auto da Compadecida, filme dirigido por Guel Arraes.

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6) Além de todas essas indicações, pode ser interessante, também, conhecer um pouco da biografia dos pensa-dores cujo pensamento norteia o estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo. Para saber mais sobre eles, acesse o site indicado.

Émile Durkheim (1858-1917) É considerado um dos mais notáveis sociólogos france-ses. Estudou na École Normale Supérieure, em Paris. Publicou várias obras, entre as quais A divisão social do trabalho (1893), Montesquieu e Rousseau: précurseurs de La Sociologie (s/d), As regras do método sociológi-co (1895), Educação e sociologia (s/d). Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/durkheim.htm>. Acesso em: 30 jul. 2010).

Karl Heinrich Marx (1818-1883)No dizer de seu amigo Engels, foi “o homem mais odiado e mais caluniado de seu tempo”, banido de um lugar para outro por causa de suas ideias libertárias. Estudou inicial-mente na Universidade de Bonn (Alemanha) e, depois, foi para a Universidade de Berlim, onde entrou em contato com a obra de Hegel, a quem se opôs com veemência, tornando-se o principal crítico do hegelianismo. A sua obra O Capital constitui referência necessária no estudo da Sociologia. Disponível em: <http://www.comunismo.com.br/biomarx.html>. Acesso em: 30 jul. 2010).

Max Weber (1864-1920)Estudou na Universidade de Heidelberg (Alemanha), in-teressando-se por Direito, História e Economia. Em 1909, fundou a Associação Sociológica Alemã. Weber foi con-siderado um grande renovador das ciências sociais es-pecificamente na questão metodológica, estabelecendo os fundamentos da Sociologia moderna. Escreveu vá-rias obras, entre as quais estão A ética protestante e o espírito do capitalismo (1905) e Economia e Sociedade (1910). Disponível em: <http://www.biografiasyvidas.com/biografia/w/weber_max>. Acesso em: 30 jul. 2010).

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4. INTRODUÇÃO À UNIDADE

As unidades anteriores tentaram mostrar que o processo de elaboração científica do pensamento social ocidental é resultado das transformações sociais, políticas, econômicas e históricas pro-vocadas pela instalação do capitalismo na Europa. No Brasil, não foi diferente: a organização do pensamento social também acom-panhou as condições de desenvolvimento do capitalismo e a inser-ção do país na ordem capitalista mundial, como observaremos no último tópico desta unidade com um breve retrospecto do desen-volvimento das ideias sociológicas no Brasil.

Lembrando que os objetivos da Unidade 3 são levar às cons-tatações de que, anteriormente ao aparecimento da Sociologia, existiam indagações sobre os fenômenos sociais e à compreensão de que o advento da Sociologia como ciência aplica um ponto de vista científico à observação e à explicação dos fenômenos sociais, anunciamos que a proposta desta unidade está vinculada à neces-sidade de compreensão de que foi a questão social que colocou a sociedade em um plano de análise científica. Para isso, é preciso compreender a importância do pensamento clássico de Émile Dur-kheim, Karl Marx e Max Weber.

Dessa forma, podemos partir do pressuposto de que a de-finição do objetivo de pesquisa de cada Ciência Social decorre do tipo de resposta que se dá à seguinte pergunta: o que torna pos-sível a organização social das relações entre os seres humanos?

É a resposta a essa pergunta que interessa à Sociologia. Ela envolve a visão científica do conhecimento da vida social. Como a Sociologia é uma ciência que não é fruto do pensamento de um único autor, ela tem três respostas clássicas: a que foi elaborada por Émile Durkheim (1858-1917), a resposta organizada por Max Weber (1864-1920) e a de Karl Marx (1818-1883).

Eles são considerados autores clássicos da Sociologia por-que, em suas obras, encontram-se os elementos básicos para a

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explicação científica dos fenômenos sociais. Além disso, apresen-taram pontos de vista distintos sobre a objetividade científica do conhecimento da vida social dos seres humanos e diferentes refle-xões em torno da sociedade capitalista. Elaboraram conceitos para explicar a realidade que se consolidava historicamente, exploran-do tanto problemas teóricos como práticos. Esse é o motivo pelo qual suas teorias se mantêm como referência quando se pensa a sociedade atual.

Émile Durkheim seguiu a tradição do Positivismo. Ele preo-cupou-se em estabelecer um método e definir o objeto da So-ciologia, assim como se preocupou em encontrar soluções para a manutenção da ordem na sociedade capitalista que surgiu com as revoluções. Para ele, o objeto de estudo da Sociologia é o fato social.

Para Max Weber, a sociedade pode ser compreendida a par-tir de um conjunto de ações individuais recíprocas. Por esse moti-vo, ele definiu a ação social como objeto de estudo da Sociologia.

O pensamento de Karl Marx é fundamentado em uma crítica à sociedade capitalista, ficando em oposição ao Positivismo, que procura a preservação e a manutenção do sistema capitalista. Para ele, são as relações sociais de produção que condicionam todo o resto da sociedade e a dividem em proprietários e não proprietá-rios dos meios de produção, sendo esta a base da formação das classes sociais.

Desde os primeiros momentos da organização da Sociologia como ciência, os pensadores depararam-se com as dificuldades de lidar com a tensão entre observar a sociedade como uma es-trutura com poder de coerção e de determinação sobre as ações individuais ou observar o indivíduo como agente criador e trans-formador da vida coletiva. Para demarcar a tensão entre indivíduo e sociedade, a teoria sociológica dos clássicos orientou-se por di-ferentes perspectivas.

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Émile Durkheim tomou como ponto de partida a existência plena de uma vida coletiva gerida acima e fora das mentes dos indivíduos. Caso em que o peso da sociedade sobre os indivíduos indica a preponderância de uma consciência coletiva. Max Weber, por outro lado, tomou a ação individual como ponto de partida para a compreensão da realidade social. Nesse caso, a ênfase foi atribuída à capacidade dos indivíduos de forjar a sociedade ba-seando-se nas relações de uns com os outros. Há, ainda, a teoria de Karl Marx, que indicou que caráter coercitivo por parte da so-ciedade não se manifesta indistintamente sobre todos os indiví-duos, e, sim, de uma parte da sociedade sobre a outra; em outras palavras, de uma classe social sobre as outras.

As sociologias de Émile Durkheim e Karl Marx partem do pensamento de que só é possível compreender as relações sociais se compreendermos a sociedade que obriga os indivíduos a agir de acordo com forças estranhas às suas vontades. A sociologia de Max Weber parte da ideia de que a sociedade é o resultado de uma inesgotável rede de interações interindividuais.

Para compreendermos melhor esse assunto, apresentare-mos, nos três itens a seguir, a seleção de alguns conceitos desses autores, chamando a atenção para o fato de que se trata de ideias introdutórias ao pensamento e à obra dos clássicos da Sociologia.

5. ÉMILE DURKHEIM: AS REGRAS DO MÉTODO SO-CIOLÓGICO

O grande empenho de Durkheim voltou-se para conferir à Sociologia o status científico. Com esse objetivo, ele organizou as regras do método sociológico indicando como deveria ser a abor-dagem dos problemas sociais e quais regras deveriam ser seguidas na análise de tais problemas.

A objetividade e a identidade na análise da vida social foram questões fundamentais na sua proposição do método sociológico.

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Para Durkheim, a sociedade não é a "simples soma de indiví-duos"; ela constitui um sistema que representa uma determinada realidade com características próprias. É fato que não há o coletivo se consciências individuais não existirem, porém, apenas essa con-dição não garante a vida social. É preciso que as consciências este-jam associadas, combinadas e combinadas de modo determinado.

Ao tentar delimitar o campo de estudo da Sociologia, ele constata que a ideia de social é aplicada a quase todos os fenôme-nos que se passam no interior da sociedade. A partir dessa ideia, Durkheim estabeleceu qual tipo de fato mereceria a qualificação de social. À Sociologia como ciência, caberia, então, ocupar-se da-queles fatos que apresentassem as características específicas para serem considerados fatos sociais.

Para Durkheim, os fatos sociais consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual lhe é imposto. O fato social é geral na extensão de uma sociedade, apresentando uma exis-tência própria independente das manifestações que se possa ter (DURKHEIM, 1996).

Segundo essas concepções, ao viver em sociedade, os seres humanos deparam-se com regras de conduta que não foram por eles criadas, mas que devem ser aceitas e seguidas por todos, pois, sem essas regras, a sociedade não existiria.

Durkheim apresenta três características que distinguem os fatos sociais: a coerção social, a exterioridade e a generalidade.

A coerção social está ligada à força que os fatos sociais exer-cem sobre os indivíduos e que os levam a conformar-se às regras da sociedade em que vivem, independentemente de sua escolha ou vontade. Quer tenha ou não consciência da coerção que atua sobre si, levando-o a comportar-se de determinada forma, ela é uma realidade na vida do indivíduo. Durkheim considerava a edu-cação – formal e informal – como um elemento importante na conformação dos indivíduos à sociedade.

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A segunda característica refere-se à exterioridade, ou seja, os fatos sociais existem e atuam sobre os indivíduos independen-temente de sua vontade ou de sua adesão. As regras sociais, os costumes e as leis já existem, são anteriores ao nascimento das pessoas e são impostas por mecanismos de coerção: a educação é um desses mecanismos.

A generalidade é a terceira característica apresentada por Durkheim: é social todo fato que é geral, que se aplica a todos os indivíduos, ou à maioria deles. Na generalidade, encontra-se a natureza coletiva dos fatos sociais, seu estado comum ao grupo. Durkheim considerava a generalidade como elemento essencial do fato social.

Para explicitar o que é um fato social, Durkheim toma a edu-cação como exemplo. Cabe à educação – entendida como um pro-cesso em seu sentido amplo, não apenas a educação formal – a importante tarefa da conformação dos indivíduos à sociedade em que vivem. As regras devem ser aprendidas, internalizadas e trans-formadas em hábitos de conduta. Toda sociedade tem de educar os indivíduos para que aprendam as regras necessárias à organiza-ção da vida social.

Durkheim registra que a definição do que é fato social pode ser confirmada por meio de uma experiência característica: bas-ta observar a maneira pela qual as crianças são educadas. Toda educação ou socialização consiste em um esforço contínuo para impor às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir, às quais elas não chegariam espontaneamente. A pressão que sofre a criança é a própria pressão do meio social tendendo a moldá-la à sua ima-gem, pressão da qual os familiares e os professores são alguns dos representantes e intermediários.

No decorrer de nossas vidas, ideias, sentimentos e aquisição de hábitos que não possuímos quando nascemos e que são consi-derados essenciais para a vida em sociedade são transmitidos pe-las gerações adultas por meio do processo de educação ou sociali-

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zação. É à sociedade como coletividade que cabem a organização, o condicionamento e o controle das ações individuais. Existem costumes, regras e normas que devem ser obrigatoriamente trans-mitidos para a preservação da coesão social. Se isso não ocorrer, as crianças não saberão como viver em meio aos adultos quando crescerem.

Todo esforço intelectual de Durkheim foi voltado para a de-monstração de que os fatos sociais têm vida própria e indepen-dem do que pensa e do que faz cada indivíduo. Embora cada um tenha seu próprio modo de ver as coisas, de se comportar, tenha sua própria consciência individual, é possível notar no interior de toda e qualquer sociedade formas padronizadas de pensamento e de conduta. Essas formas padronizadas foram denominadas por ele de consciência coletiva. Segundo seu pensamento, a combinação das consciências individuais corresponde à consciência coletiva. A organização social somente é possível graças à consciência coletiva.

Para Durkheim, a Sociologia deveria comparar as sociedades e, para isso, era necessário constituir um parâmetro de observa-ção experimental. Guiado por esse procedimento, ele estabeleceu a passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade or-gânica como o motor de transformação de todas as sociedades. Apresentaremos, a seguir, a diferença existente entre a solidarie-dade mecânica e solidariedade orgânica.

Caracteres que distinguem a solidariedade mecânica, ou por similitude, e a solidariedade orgânica, ou a solidariedade devida à divisão do trabalho –––––––––––––––––––––––––––1) A primeira liga diretamente o indivíduo à sociedade, sem nenhum intermediá-

rio. Na segunda, ele depende da sociedade, porque depende das partes que a compõem.

2) A primeira corresponde a um conjunto de crenças mais ou menos organizado e de sentimentos comuns a todos os membros do grupo: é o tipo coletivo. A segunda corresponde a uma sociedade com um sistema de funções diferen-tes e especiais, em que relações definidas as unem.

3) A primeira só pode ser forte, na medida em que as ideias e as tendências comuns a todos os membros da sociedade ultrapassam em número e inten-sidade as pertencentes pessoalmente a cada um deles. Propomos chamar

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esta de solidariedade mecânica. A palavra não significa que ela seja produ-zida por meios mecânicos e artificialmente. Só a denominamos assim por analogia com a coesão, que une entre si os elementos dos corpos brutos, em oposição à que faz a unidade dos corpos vivos. Nas sociedades onde essa solidariedade é muito desenvolvida, o indivíduo não se pertence.Acontece diferentemente com a solidariedade produzida pela divisão do tra-balho; ela supõe que os indivíduos difiram uns dos outros. Ela só é possível se cada um tiver uma esfera de ação que lhe for própria. Com efeito, por um lado, cada qual depende tanto mais estreitamente da sociedade quanto mais dividido for o trabalho; e, por outro lado, a atividade de cada qual é tanto mais pessoal quanto mais especializada. Aqui, portanto, a individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo em que as partes; a sociedade torna-se mais capaz de mover-se conjuntamente, ao mesmo tempo em que cada um dos seus elementos tem mais movimentos próprios. Propomos chamar orgânica à solidariedade devida à divisão do trabalho (DURKHEIM, 2002).

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Para ampliar nossa compreensão sobre os significados de solidariedade mecânica e de solidariedade orgânica, a autora Cristina Costa (2005) oferece-nos uma explicação. A solidariedade mecânica predominou nas sociedades pré-capitalistas, nas quais os indivíduos se identificavam por meio da família, da religião, da tradição e dos costumes, permanecendo, em geral, independen-tes e autônomos em relação à divisão do trabalho social. A cons-ciência coletiva exerce aqui todo seu poder de coerção sobre os indivíduos. A solidariedade orgânica é típica das sociedades capi-talistas, em que, pela acelerada divisão do trabalho social, os in-divíduos se tornam independentes. Essa independência garante a união social em lugar dos costumes, das tradições ou das relações sociais estreitas, como ocorre nas sociedades contemporâneas. Nas sociedades capitalistas, a consciência coletiva afrouxa-se ao mesmo tempo em que os indivíduos se tornam mutuamente de-pendentes, cada qual se especializando em uma atividade e ten-dendo a desenvolver maior autonomia pessoal.

Durkheim é considerado um clássico da Sociologia porque seus estudos constituíram um conjunto de pressupostos teóricos e metodológicos sobre a sociedade que originaram um objeto de estudo próprio e os meios adequados para interpretá-lo. Trata-se de um conjunto de conceitos e técnicas de pesquisa tão relevantes

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que transformam seus estudos em constante objeto de interesse da Sociologia contemporânea.

6. KARL MARX: CONFLITOS NA SOCIEDADE INDUSTRIAL

Afirmamos, anteriormente, que o pensamento sociológico, em seu desenvolvimento, se fundamentou em diferentes teorias, cada uma delas abordando níveis diferentes das realidades. Apre-sentamos, também, algumas concepções de Émile Durkheim e, neste momento, trataremos de ideias de Karl Marx, organizador da corrente revolucionária do pensamento social expressa pelo materialismo histórico.

Trata-se de um dos pensamentos sociais mais difíceis de ser explicado ou sintetizado, pois Marx escreveu muito e suas ideias desdobram-se em várias correntes de pensamento.

Parte dessa dificuldade em referir-se a Marx diz respeito ao destino póstumo no qual uma determinada interpretação de sua doutrina se transformou na "ideologia oficial" do Estado russo, da Europa oriental e do Estado chinês. São doutrinas oficiais que pre-tenderam oferecer uma interpretação autêntica do pensamento de Marx. São doutrinas simplificadoras e exageradas, ensinadas sob a forma de catecismo.

Mesmo considerando a desintegração da União Soviética na década de 1990, o que garante uma retomada das ideias de Marx, permanecem as dificuldades relacionadas ao fato de ter sido um autor que escreveu muito e, ao escrever muito, nem sempre afir-mou a mesma coisa sobre o mesmo tema. Por essa razão, é preciso levar em conta os períodos em que escreveu suas obras, ou seja, os estudos da juventude que foram publicados enquanto Marx era vivo e os outros que só foram publicados depois de sua morte.

O Capital é considerado sua obra-prima, centro de seu pen-samento. Qualquer pretensão de resumir O Capital em algumas páginas constitui um despropósito diante de tudo que Marx pen-

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sou, e podemos afirmar que seu pensamento traduz uma interpre-tação do caráter contraditório da sociedade capitalista.

Em seus escritos, ele procurou analisar o funcionamento do capitalismo e prever sua evolução. Contudo, seu esforço científico foi concentrado na demonstração científica da evolução do regime capitalista, inevitável, segundo sua opinião.

Para entender o capitalismo, Marx escreveu obras de Filoso-fia, de Economia e de Sociologia. Para a Sociologia, interessaram as contradições básicas da sociedade capitalista e as possibilidades de sua superação por ele apontadas.

Informação complementar –––––––––––––––––––––––––––––Marx manteve-se sempre atualizado e se aborrecia com o que pensavam aque-les que se diziam seus seguidores: os marxistas. Além disso, considerava tolice o que era praticado em seu nome. Em uma passagem, seu companheiro Engels conta que certa vez ele pilheriou: “O que é certo é que eu – Marx – não sou mar-xista” (KONDER, 1976, p. 183).––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

No momento em que o Positivismo se preocupava com a manutenção da ordem capitalista, o socialismo científico que, atualmente, à revelia de Marx, é conhecido como marxismo, ela-borava uma crítica radical ao capitalismo evidenciando seus anta-gonismos e suas contradições.

Segundo Marx, para viver, os seres humanos precisam trans-formar a natureza: comer, construir abrigos, produzir utensílios. Por essa razão, o estudo de qualquer sociedade deveria partir das relações sociais que se estabelecem para utilizar os meios de pro-dução e transformar a natureza. Esse tipo de relações é chamado por Marx de relações sociais de produção.

As relações sociais de produção constituem a base de toda estrutura social. São elas que definem os dois grupos da sociedade capitalista: de um lado, os trabalhadores, aqueles que nada pos-suem além do corpo e da disposição para o trabalho, também cha-mados de proletários ou operários; do outro, os capitalistas, que

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possuem os meios de produção necessários para transformar a natureza e produzir mercadorias.

Na sociedade capitalista, a produção só se realiza porque trabalhadores e capitalistas entram em relação social. O capitalis-ta paga um salário ao trabalhador e, no final da produção, fica com o lucro, valor a mais que não retorna ao operário, sendo apropria-do pelo capitalista como valor incorporado à mercadoria.

Para Marx, definir o salário como valor da força de trabalho é uma coisa. Outra coisa é quanto o trabalho rende ao capitalis-ta. Marx chama esse valor excedente produzido pelo operário de mais-valia.

Mais-valia –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––Quando o trabalhador se aluga, ele vende sua força de trabalho, não apenas pelo tempo que leva para produzir o valor de seus salários, mas pela extensão de todo um dia de trabalho. Se um dia de trabalho for de dez horas, e o tempo necessário para produzir o valor de seu salário for igual a seis horas, então sobram quatro horas durante as quais o trabalhador não está trabalhando para si, mas para seu patrão. Às seis horas Marx chama de tempo de trabalho necessário e às quatro horas, tempo de trabalho excedente. Deste modo, do valor do produto total de dez horas de trabalho, seis décimos correspondem ao salário, quatro décimos são iguais à mais-valia, a qual fica em poder do patrão e constitui seu lucro (HU-BERMAN, 1986, p. 212-232).––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

É essa forma de relação entre capitalista e trabalhadores que leva à exploração do trabalhador pelo capitalista e que gera o con-flito entre essas classes sociais.

O conflito dá-se pela oposição e antagonismo entre os inte-resses inconciliáveis das classes sociais. De um lado, temos o capi-talista, que deseja manter seu direito à propriedade dos meios de produção, à comercialização dos produtos e à exploração do tra-balho do operário. Além disso, ele pode reduzir salários e ampliar a jornada de trabalho. Do outro lado, temos o trabalhador, que procura diminuir os efeitos da exploração ao lutar por menores jornadas de trabalho, melhores salários e participação nos lucros.

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Em contrapartida, as relações entre essas duas classes so-ciais também são complementares, pois uma só existe em relação à outra: existem proprietários porque existem despossuídos cuja única propriedade é a força de trabalho, que precisam vender para garantir a sobrevivência.

Destacamos, a seguir, uma passagem do Manifesto Comunis-ta, escrito por Marx e Engels, em que se encontram alguns prin-cípios sobre as classes sociais. Devemos ressaltar que o alemão Friedrich Engels (1820-1895) era um economista político e revolu-cionário que foi o grande interlocutor intelectual e amigo de Marx a partir de 1844.

O Manifesto Comunista –––––––––––––––––––––––––––––––A História de toda a sociedade que existiu até agora é a História da luta de clas-ses.Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, chefe de corporação e assalariado; resumindo, opressor e oprimido, em constante oposição um ao outro, mantiveram ininterruptamente uma luta, às vezes oculta, às vezes aberta. Uma luta que todas as vezes terminou ou em uma reconstituição revolucionária da sociedade em geral, ou na ruína comum das classes rivais.Nos primeiros tempos da História, por quase toda parte, encontramos uma dispo-sição complexa da sociedade, em várias classes, uma variação de níveis sociais. Na Roma antiga, temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos. Na Idade Mé-dia, senhores feudais, vassalos, chefes de corporação, assalariados, aprendizes, servos. Em quase todas estas classes, mais uma vez, graduações secundárias.A sociedade burguesa moderna que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos das classes. Estabeleceu novas classes, novas condi-ções de opressão, novas formas de luta no lugar das antigas.Contudo, a nossa época, a época da burguesia, possui uma característica dis-tintiva: simplificou os antagonismos de classe. A sociedade como um todo está cada vez mais dividindo-se em dois grandes campos hostis, em duas grandes classes que se confrontam frente a frente: burguesia e proletariado (MARX; EN-GELS, 1996, p. 9-10).––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Encerramos esta apresentação de alguns dos conceitos do socialismo científico, ou marxismo, destacando a ideia de aliena-ção, que é fundamental para a compreensão da exploração eco-nômica do capitalista sobre o trabalhador segundo a perspectiva de Marx.

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Para responder à pergunta “o que é alienação?”, Wanderley Codo (1992) começa afirmando que alienação é ser e não ser, ao mesmo tempo, no mesmo momento.

A palavra “alienação” adquiriu vários significados ao lon-go dos tempos. Atualmente, ela circula no meio comercial com o sentido jurídico de transferência ou venda de um bem. O termo é usado quando se compra um carro, por exemplo, mediante um empréstimo. A partir daí, enquanto a dívida do empréstimo não for paga, o veículo será um bem alienado: o carro ou qualquer ou-tro bem que esteja na mesma condição é da pessoa e, ao mesmo tempo, não é.

A loucura das pessoas, por muito tempo, foi entendida como se elas estivessem tomadas por espíritos, ou seja, alguém invadiu o sujeito para representá-lo. Nessas circunstâncias, o diagnóstico era de "alienação mental" e a pessoa considerada uma alienada. Segundo essa concepção, a pessoa louca é alguém que não per-tence mais a si mesma. Aqui a palavra “alienação” também signifi-ca ser e não ser. Pela mesma razão, é pensamento corrente que as drogas alucinógenas são alienantes, porque provocam no usuário a sensação de estar "fora de si", a sensação de ser e não ser.

Em Cristina Costa (2005), encontramos a explicação de que o sentido de alienação tomado por Marx tem suas bases no pen-sador francês Jean Jacques Rousseau (1712-1778), que atribuiu ao termo a ideia de privação, de exclusão ou falta, e nos pensadores alemães Hegel (1770-1831) e Feuerbach (1804-1872), que utilizam essa palavra com o sentido de desumanização e injustiça.

Entendendo que o ser humano se separa de si mesmo pela alienação, como explicar que o trabalho é uma trilha que o leva a ser e não ser, conforme propõe Marx quando afirma que, no siste-ma capitalista, o trabalhador está separado do objeto que ajudou a fabricar porque esse objeto se transforma em mercadoria, vai para o mercado e passa a dominar o trabalhador, ou seja, o traba-lhador aliena-se daquilo que produziu?

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Para Marx, na sociedade capitalista o trabalho provoca uma ruptura, uma cisão, uma separação entre o produtor e o produto; o trabalhador produz o que não consome e consome o que não produz; o trabalho transforma-se em mercadoria, passa a valer a quantidade de trabalho injetado na natureza e não mais a qualida-de de trabalho.

O exemplo que retiramos do texto de Wanderley Codo (1992) nos dá uma dimensão do que seja alienação para Marx. Acompanhe.

Alienação na produção, alienação no consumo –––––––––––Na fabricação de um refrigerante se utiliza cerca de dez operários. O primeiro coloca as garrafas em uma máquina de lavagem que, sozinha, faz circular a água e dispõe as garrafas em posição vertical na esteira, que se movimenta. Os vasilhames passam por um tubo, onde recebem o xarope básico que compõe o refrigerante. A esteira segue e um esguicho põe a água. Dois ou três operários acompanham o processo, para que não ocorra incidentes. Observando algum problema o operário deverá apertar o botão que interrompe o funcionamento. Em seguida, a garrafa passa por outra máquina que coloca a tampa. Há operários para recarregar o xarope, a água e as tampas, há, também, operários para retirar as garrafas da esteira e colocá-las nas caixas e mais dois ou três para carregar as caixas até o caminhão que fará a entrega.Pronto, está produzido o refrigerante.Em primeiro lugar, o trabalho é dividido, cada um realiza uma tarefa e nenhum produz o produto inteiro. Eis um aspecto da produção alienada: a produção é totalmente coletivizada, vários operários contribuem, mas nenhum domina o pro-cesso de produção. Outro aspecto, os operários não sabem como se faz o produ-to, apenas alguns engenheiros químicos, muitas vezes, de outros países, sabem quais os ingredientes que compõem o refrigerante. Os operários produzem, mas não têm a mínima idéia de como se produz o produto que fazem.Graças à alienação, somos, também, levados a ver o consumo como algo desli-gado da produção. O ato do consumo aparece como algo mágico, solto no ar. Se-parar a produção do consumo é parte do próprio processo de alienação. Quando consumimos, mas não produzimos o próprio produto, estamos fechando o ciclo de alienação. O consumidor que não produziu é tão alienado quanto o produtor que não consumiu (CODO, 1992, p. 34-46).––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Assim, a história da humanidade é, para Marx, a história da luta de classes, da luta constante entre interesses que se opõem, embora esse conflito nem sempre se manifeste de forma decla-rada. Para ele, os antagonismos e as oposições entre as classes sociais estão subjacentes a toda relação social.

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7. MAX WEBER: HISTÓRIA, ECONOMIA E DOUTRINA RELIGIOSA

Os pensadores franceses do século 19 desenvolveram seu pensamento social influenciados pelo positivismo. A França e, também, a Inglaterra respiravam os ares do desenvolvimento in-dustrial, da expansão marítima e comercial e do contato com ou-tras culturas. Essas condições, associadas ao sucesso alcançado pelas ciências físicas e biológicas, impulsionadas pela indústria e pelo desenvolvimento tecnológico, conduziram seus pensadores a um esforço interpretativo da diversidade social e fizeram que a Sociologia organizada na França apresentasse adaptação da meto-dologia e dos princípios dessas ciências à realidade social.

Embora próxima da França e da Inglaterra, com a Alemanha não ocorreu o mesmo, uma vez que seu pensamento social se or-ganiza sob outras influências, como a História e a Antropologia.

Em comparação com outras nações europeias, a unificação alemã deu-se tardiamente, o que provocou um atraso de seu in-gresso na corrida industrial. Esse descompasso elevou no país o interesse pela História como ciência explicativa da integração, or-ganizadora da memória e do nacionalismo. Foram condições que conduziram o pensamento alemão rumo à busca da diversidade, ao contrário do pensamento social francês e inglês, que se voltou para a busca da universalidade.

É nesse contexto que Max Weber, pensador alemão com formação histórica consistente, se oporá ao método positivista de Durkheim, segundo o qual uma sociedade é mais do que uma soma de indivíduos; há normas, regras, leis, instituições e valores estabelecidos que constituem o social. Por sua vez, Max Weber toma os fenômenos sociais tendo como base a história e a subjeti-vidade dos indivíduos.

Assim, a oposição entre as ideias de Weber e Durkheim dá-se porque, para o Positivismo, a história é um processo universal. A his-

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tória particular de cada sociedade desaparece, os indivíduos são ab-sorvidos pelas forças sociais impositivas. Enfim, o Positivismo anula a importância dos processos históricos particulares e valoriza a lei da evolução, a generalização e a comparação, capaz de aproximar socie-dades humanas de todos os tempos e lugares.

Para Weber, a pesquisa histórica é essencial para a com-preensão das sociedades. Para ele, é a pesquisa baseada em fon-tes documentais e no esforço de interpretá-las que permite a com-preensão das diferenças sociais. Por essa razão, o conhecimento histórico torna-se um poderoso instrumento para a Sociologia e para as demais Ciências Sociais. Além disso, ele respeita aspectos particulares e específicos da formação histórica e social de cada sociedade.

Ao sistematizar a sociologia alemã, Weber consegue com-binar a perspectiva histórica, que respeita as particularidades de cada sociedade, e a perspectiva sociológica, que ressalta elemen-tos mais gerais de cada fase do processo histórico.

Enquanto para a Sociologia positivista de Durkheim é a or-dem social que submete os indivíduos como força exterior a eles, para a Sociologia compreensiva de Weber, ao contrário, cada sujei-to age levado por um motivo que pode ser oferecido por interes-ses racionais ou pela emotividade.

Desse modo, cabe à Sociologia a tarefa de descobrir os pos-síveis sentidos das ações humanas presentes na realidade social. O sentido é expressão da motivação individual, e o caráter social da ação individual decorre da interdependência dos indivíduos, con-forme explica Weber.

É o indivíduo que, mediante sua motivação e os valores so-ciais, atribui o sentido da ação social que constitui, para o tipo de Sociologia desenvolvido por Weber, o dado central, aquele que, para ela, é constitutivo.

Mas o que é uma ação social?

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Weber define a ação social como objeto de estudo da Socio-logia. Ela é toda ação que o indivíduo faz ao se orientar pela ação de outros indivíduos. Existe uma ação social quando o indivíduo estabelece algum tipo de comunicação com os demais indivíduos a partir de suas próprias ações.

Assim, o ponto de partida da teoria sociológica weberiana é a investigação da ação social, conduta humana dotada de sentido, conduta dotada de uma justificativa elaborada subjetivamente.

Weber distingue quatro tipos de ação social:• A ação racional com relação a um objetivo.• A ação racional com relação a valores.• A ação afetiva ou emocional.• A ação tradicional.

A ação racional com relação a um objetivo é definida pelo fato que o indivíduo concebe seu objetivo com base em seus co-nhecimentos e combina os meios possíveis para atingi-lo. Ela é de-terminada por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de outros seres humanos. Além disso, utiliza essas expectativas como condições ou meios para alcançar os fins próprios, racionalmente avaliados e buscados. Portanto, a ação racional com relação a um objetivo corresponde, por exem-plo, à ação do engenheiro ao construir um edifício, ou à ação do professor em uma sala de aula.

Já a ação racional com relação a um valor corresponde ao in-divíduo que age racionalmente para permanecer fiel à sua ideia de honra. Ela é determinada pela crença consciente no valor – ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma – próprio e absoluto de uma determinada conduta e independente de êxito. Respeito, virgindade, honestidade, solidariedade e honra são exemplos de valores sociais ; assim, a ação do capitão que afunda com seu navio é uma ação racional, porque seria desonroso abandonar o navio que afunda.

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A ação emocional ou afetiva é aquela que é ditada pelo esta-do de consciência ou humor do indivíduo. Nesse caso, a ação é de-finida pela reação emocional, e não em relação a um objetivo ou a um sistema de valores. É uma ação social especialmente emotiva, determinada por afetos e independente de êxito. É, por exemplo, o soco dado pelo jogador de futebol que perdeu o controle duran-te a partida.

A ação tradicional é aquela estabelecida pelas crenças, pelos hábitos e pelos costumes. Para agir de acordo com a tradição, o sujeito não precisa estabelecer um objetivo ou conceber um valor, nem precisa ser impelido por uma emoção; ele apenas obedece aos reflexos que interiorizou. Trata-se de uma ação social determi-nada por um costume arraigado.

Antes de apresentar a própria definição de Weber para os tipos de ação social, é necessário destacar duas questões. A pri-meira é que da ação social pode decorrer uma relação social. Por relação social, deve-se entender uma conduta de vários indiví-duos, referida reciprocamente conforme seu conteúdo significati-vo orientando-se por essa reciprocidade. A relação social consiste na probabilidade de que se agirá socialmente com sentido.

A segunda questão é que, raras vezes, a ação social está ex-clusivamente orientada por uma ou outra de suas modalidades. São tipos conceituais puros, construídos para fins de pesquisa so-ciológica, em relação aos quais a ação real se aproxima mais ou menos ou dos quais resulta de uma mescla, o que é mais frequen-te (WEBER, 1991).

As próprias palavras de Weber (1991) são insubstituíveis para a definição das formas de ação social.

1) Age racionalmente com relação a um objetivo aquele que orienta sua ação conforme o fim, os meios e as con-sequências implicadas e, nisso, avalia racionalmente os meios relativamente aos fins, os fins com relação às con-sequências implicadas e os diferentes fins entre si; em

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todo caso, pois é aquele que não age nem afetivamente, nem com relação à tradição.

2) A conduta estritamente afetiva está, igualmente, não só na fronteira como, muitas vezes, mais além daquilo que é orientado com sentido; pode ser uma reação sem limi-tes a um estímulo extraordinário, fora do cotidiano, cujo sentido da ação não reside no resultado.

3) A ação orientada racionalmente com relação a valo-res distingue-se da afetiva pela elaboração consciente; orienta-se de modo consequentemente planejado. Aqui o sentido da ação também não reside no resultado, no que já se encontra fora dela, mas na própria ação em sua peculiaridade.

4) A ação estritamente tradicional – da mesma forma que a imitação puramente reativa – está plenamente na fron-teira do que se pode propriamente chamar de uma ação com sentido. Isso porque, muitas vezes, não passa de uma reação opaca a estímulos habituais. A vinculação ao hábi-to pode se manter consciente em diferentes graus e sen-tidos; nesse caso, esse tipo se aproxima da ação afetiva.

Embora existam inúmeros conceitos sociológicos funda-mentais, em Weber, destacaremos apenas alguns, tais como: tipo ideal, burocracia, dominação, poder, carisma, autoridade, discipli-na, classe, estamento, casta, partido, capitalismo, política, econo-mia, seita e religião. E, para nos aprofundarmos a esses conceitos, tomaremos como última referência um de seus estudos mais co-nhecidos e importantes: A ética protestante e o espírito do capi-talismo, escrita em 1905. Nessa obra, ele procura relacionar, de modo compreensivo, um pensamento religioso com uma atitude a respeito da ação social.

Weber lançou-se em busca das origens da visão racional de mundo e do espírito do capitalismo e partiu de um estudo com-parado da história, da economia e da história das doutrinas reli-giosas. O sentido teórico de seu estudo está em expor as relações entre religião e sociedade para desvendar sob quais circunstâncias se erigiu a ética capitalista.

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A escolha desse objeto de estudo justifica-se à medida que a humanidade, no processo de construção da sociedade, parte de períodos ancestrais dominados pela magia e pelo natural para avançar até o domínio da razão. Esse processo, que culmina com a consolidação do capitalismo, é considerado por Weber um proces-so de desencantamento do mundo.

Para ressaltar as diferenças e as especificidades da ética e da moral criadas pelas religiões, ele estudou as religiões mundiais – cinco religiões ou sistemas determinados religiosamente, de re-gulamentação de vida, que conseguiram reunir à sua volta multi-dões de crentes. A ética religiosa confuciana, hinduísta, budista, cristã e islâmica pertencem à categoria de religiões mundiais – as-sim afirmou Weber quando escreveu sobre a ética econômica das religiões mundiais e explicou que "a expressão ética econômica refere-se aos impulsos práticos de ação que se encontram nos con-textos psicológicos e pragmáticos das religiões" (WEBER, 1974, p. 309).

A tese defendida na obra A ética protestante e o espírito do capitalismo é a de que há uma adequação do espírito de um cer-to protestantismo, ou seja, o espírito de um certo protestantismo ajusta-se à adoção de uma determinada atitude em relação à ativi-dade econômica, que é adequada ao espírito do capitalismo.

Essa tese é a resposta a uma pergunta fundamental no pen-samento do autor e que está no seu livro sobre a ética protestante: a que encadeamento de circunstâncias devemos atribuir o surgi-mento, na civilização ocidental, e unicamente nesta civilização, de fenômenos culturais que se revestiram de significado e de valor universais?

Para compor as ideias expressas em A ética protestante e o espírito do capitalismo, Weber formula uma questão estatísti-ca: na Europa, os principais homens de negócio e donos de capi-tal e os operários mais disciplinados eram protestantes. A partir dessa constatação, ele formula a hipótese de que o fator funda-

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mental para a acumulação capitalista nos primórdios foi o modelo de comportamento: a ética voltada para a aquisição de dinheiro, combinada com a privação do prazer derivado da riqueza do pro-testantismo ascético.

Embora os estudos de Weber fossem centrados no protes-tantismo ascético calvinista, metodista, pietista e batista, foi no protestantismo calvinista que ele encontrou uma ética, normas de comportamento e visão de mundo mais compatíveis com a con-duta racional, necessária para a sociedade capitalista. A preguiça e a perda de tempo são pecados graves. O tempo é valioso e deve ser utilizado para a realização de trabalhos para a glória de Deus. A acumulação de riquezas adquire um valor moral, sendo condená-vel apenas quando leva à luxúria.

Weber descobre, também, que os valores do protestantismo – como a disciplina ascética, a poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a propensão ao trabalho – atuam de maneira decisiva sobre os indivíduos. No seio das famílias protestantes, os filhos eram criados para o ensino especializado e para o trabalho fabril, optando sempre por atividades mais adequadas à obtenção do lucro, preferindo o cálculo e os técnicos ao estudo humanístico. Weber ainda aponta a formação de uma nova mentalidade, um ethos – conjunto dos costumes e hábitos fundamentais – propício ao capitalismo, em flagrante oposição ao alheamento e à atitude contemplativa do catolicismo voltado para a oração, sacrifício e renúncia da vida (COSTA, 2005).

Treinados para a disciplina rígida do trabalho fabril, os seres humanos modernos têm uma nova visão do mundo calcada nos princípios éticos da doutrina calvinista. No entanto, esses princí-pios deixaram de estar ligados ao calvinismo porque foram incor-porados pelas sociedades em geral. Além disso, eles também se tornaram independentes de credo religioso e passaram a determi-nar a conduta de todos nas sociedades modernas.

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8. DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO SOCIOLÓ-GICO NO BRASIL

Desde que iniciamos nossos estudos de Sociologia, tenta-mos conduzir algumas reflexões em torno do desenvolvimento do pensamento social ocidental.

Tratamos a organização do pensamento sociológico como fruto de um processo que se fundamenta nas condições históricas, políticas, econômicas e sociais do capitalismo, que tem início na Europa do século 14 e se implanta no século 19, quando o pen-samento social passa a ser elaborado cientificamente. Nesse mo-mento, a sociedade torna-se objeto de pesquisa.

Abordamos a Sociologia como uma ciência que tem como questão básica buscar a resposta para a seguinte pergunta: o que torna possível a organização social das relações entre os seres hu-manos?

Constatamos que, por ser fruto do pensamento de vários au-tores, ela tem três respostas clássicas para essa questão: a de Émi-le Durkheim, a de Max Weber e a de Karl Marx, os quais são consi-derados autores clássicos da Sociologia, porque, em suas obras, se encontram os elementos básicos para a explicação científica dos fenômenos sociais.

Daqui para frente, faremos uma breve abordagem sobre o pensamento sociológico brasileiro ,que também acompanhou as condições de desenvolvimento do capitalismo e da inserção do país na ordem capitalista mundial.

No Brasil e na América Latina, o desenvolvimento das ideias sociais reflete as relações coloniais com a Europa e o avanço do capitalismo dependente.

A produção sociológica brasileira acompanhou a transição de uma sociedade de base agrária para uma sociedade na qual a burguesia industrial adquire primazia.

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Do século 19 em diante, a burguesia brasileira vai adquirindo primazia no sentido de conduzir as direções econômicas, políticas e culturais, segundo as quais se organizam as interações sociais na cidade e no campo, na agricultura e no comércio, no governo e na educação.

No final do século 19, a modernização do país passa a ser im-portante para a burguesia emergente. Ela necessitava de um saber mais pragmático, que não estivesse vinculado à herança colonial. Por essa razão, organiza um movimento para modificar a socie-dade e a cultura e orienta o pensamento social. Nesse momento, surgem estudos históricos, críticas literárias e análises com caráter sociológico como Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Mas a sociologia como conhecimento sistemático e metódi-co da sociedade surge no Brasil na década de 1930, com a funda-ção da Universidade de São Paulo-USP. A partir desse período, a sociologia brasileira instituiu-se como uma forma criadora e nova de refletir sobre as questões sociais. No decorrer dos anos, a So-ciologia transforma-se em uma disciplina capaz de elaborar novas explicações sobre a realidade brasileira, capaz de refletir sobre os problemas e produzir explicações.

Despontam os intelectuais da “geração de 1930”: Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Fernando de Azevedo.

Acompanhando o incremento da industrialização, o desen-volvimento da Sociologia brasileira ganha grande impulso com a fundação da Escola Livre de Sociologia e Política, em São Paulo, no ano de 1933.

Tanto a Escola Livre de Sociologia como a USP convidaram professores do exterior para formar profissionais de ciências so-ciais. Vieram Donald Pierson, Radcliffe-Brown, Lévi-Strauss, Geor-ges Gurvitch, Roger Bastide, Paul Arbousse-Bastide e Fernand Braudel. Dadas essas condições, formou-se um grupo de sociólo-gos que desenvolveu pesquisa a partir da década de 1950: Flores-tan Fernandes, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Antonio Candido de Mello e Souza e Gilda de Mello e Souza.

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Assim, a década de 1950 foi marcada pelo pensamento so-ciológico de Florestan Fernandes e Celso Furtado, responsáveis por duas correntes de pensamento social de repercussões muito consistentes nas pesquisas sociais brasileiras. Temos, também, nessa mesma década, a participação de Darcy Ribeiro, que, como os demais intelectuais de sua época, procurou unir a teoria à práti-ca, adaptando modelos científicos à realidade brasileira.

Entre as décadas de 1940 e 1960, a Sociologia brasileira pro-duziu pesquisas denunciando as desigualdades sociais e as rela-ções de domínio e opressão, tanto internas quanto externas.

Em dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucio-nal n. 5 (A I–5), os principais nomes da Sociologia no Brasil foram sumariamente aposentados ou exilados e impedidos de publicar seus trabalhos no país. Dentre eles, estavam Florestan Fernandes e Celso Furtado.

A partir de 1980, com o início da abertura política, as Ciências Sociais, de modo amplo, adquiriram grande prestígio e a Sociolo-gia, de modo específico, tomou novos rumos, tornando-se cada vez mais interdisciplinar e plural, multiplicando seus objetos de estudo em função da própria realidade cada vez mais diversificada.

Em um mundo que se globaliza, a Sociologia brasileira cons-titui como uma de suas preocupações a redefinição do conceito de dependência, divisão internacional do trabalho e globalização. Com essa temática, dois respeitados nomes fazem-se presentes: o professor Milton Santos e o professor Octavio Ianni.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS

Vamos novamente fazer uma pausa para você fixar os con-ceitos abordados nesta unidade. Essa fase é importante para que você possa retomar algumas informações que não tenham ficado tão claras. Agora é só testar seus conhecimentos!

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1) Por que Durkheim é importante para a Sociologia?2) Por que Marx é importante para a Sociologia? 3) Por que Weber é importante para a Sociologia?4) Como se deu a evolução do pensamento sociológico no

Brasil?

10. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DO TEXTO

Nesta unidade, tratamos de algumas questões alusivas aos três modos de explicar a organização social que Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, pensadores considerados clássicos da So-ciologia, apresentam.

Durkheim definiu que o objeto de estudo da Sociologia é o fato social que pode ser reconhecível pelo poder de coerção que exerce sobre os indivíduos. Segundo as palavras do autor, o fato social também pode ser definido pela sua difusão no interior do grupo, desde que se tenha o cuidado de acrescentar como caracte-rística que ele existe independentemente das formas individuais, pois o comportamento que existe exteriormente às consciências individuais só se generaliza impondo-se a estas.

A Sociologia de Marx é a Sociologia da luta de classes. Como estudioso do capitalismo de seu tempo propôs: a sociedade atual é antagônica; as classes sociais são os principais atores do capita-lismo em particular e da história em geral.

Uma classe social é um grupo que ocupa um lugar determi-nado no processo de produção. No capitalismo, só existem duas fontes de renda; só existem duas classes: a burguesia capitalista, isto é, todos aqueles que se apropriam de uma parte da mais-valia, e o proletariado, constituído por aqueles que possuem apenas sua força de trabalho.

De acordo com essa concepção, a organização da sociedade é um sistema de equilíbrio precário, porque depende dos interes-ses de classes, que são conflitantes. Na concepção marxista, a or-

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ganização social é encarada como um processo, pois os conflitos entre as classes manifestos ou latentes são fatores de contínua transformação das relações sociais entre os seres humanos. Em decorrência dessa concepção, na corrente de pensamento marxis-ta, as relações de classes sociais constituem o objeto de estudo da Sociologia.

Max Weber, por sua vez, também deu uma significativa con-tribuição no desenvolvimento da Sociologia. Seus estudos abriram os espaços para as particularidades históricas das sociedades e para a descoberta de novos significados para a subjetividade na ação social.

Ao contrário de Durkheim, para quem o ponto de partida da Sociologia estava nas entidades coletivas, instituições ou grupos, seu objeto de pesquisa é a ação social, conduta humana dotada de sentido.

Na teoria de Weber, o indivíduo é que tem significado e es-pecificidades, é ele que atribui sentido à sua ação social.

Para a Sociologia positivista, é a ordem social que submete os indivíduos pela força exterior. Para a teoria weberiana, não exis-te oposição entre indivíduo e sociedade; em outras palavras, as normas e regras sociais tornam-se concretas quando se manifes-tam em cada indivíduo, que age levado por um motivo que pode ser dado por interesses racionais, pela emoção ou pela tradição.

O motivo presente na ação social é que permite o reconheci-mento de seu sentido, que é social quando o indivíduo age consi-derando a reação ou resposta de outros indivíduos. O fato de agir levando em consideração o outro atribui o caráter social à ação humana, por mais individual que seja seu sentido. Portanto, para Weber, os acontecimentos que integram o social se originam no indivíduo.

Embora a apresentação dos autores clássicos seja restrita, ela nos dá a dimensão de que os pensadores que a Sociologia no-

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meia como seus clássicos procuraram compreender a sociedade de seu tempo e, para isso, elaboraram conceitos como: fato social, ação social, classe social, dentre outros.

Embora chegassem a explicações diferenciadas, dependen-do do que estabeleceram como central – o indivíduo, a sociedade ou a relação entre ambos –, eles estavam interessados nas relações entre indivíduo e sociedade no mundo moderno. As divergências entre as explicações que esses autores ofereceram indicam a com-plexidade e a diversidade das questões colocadas pelas condições da vida em sociedade no mundo moderno.

Quanto ao Brasil, a Sociologia organiza-se como conheci-mento sistemático e metódico da sociedade na década de 1930, quando se instituiu como uma forma criadora e nova de refletir sobre as questões sociais. Com o passar do tempo, ela se transfor-ma em uma disciplina capaz de elaborar novas explicações sobre a realidade brasileira, capaz de refletir sobre os problemas e pro-duzir explicações.

O debate entre as teorias é característico da Sociologia. Ele amplia e diversifica a nossa compreensão da sociedade. A partir dos conceitos sociológicos, tanto daqueles que vimos nesta uni-dade, quanto de outros que estão elaborados nas inúmeras obras dos autores citados, podemos observar diferentes dimensões dos fenômenos sociais da vida cotidiana e, assim, abordá-los de uma nova maneira.

Desse modo, de posse dos conceitos apresentados na uni-dade, passamos a ter condições de nos distanciarmos um pouco mais do senso comum e caminharmos um passo à frente rumo ao campo da ciência.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Nestas indicações de leituras, não se está privilegiado este ou aquele texto; são obras relativas ao pensamento clássico, que

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devem ser pesquisadas e cujo estudo se desenvolverá com base no olhar e na seleção de cada um, na medida de sua curiosidade ou de sua necessidade.

ARON, R. Karl Marx. In: ______. As etapas do pensamento sociológico. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 125-200.______. Émile Durkheim. In: ______. As etapas do pensamento sociológico. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 287-365.______. Max Weber. In: ______. As etapas do pensamento sociológico. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 447-523.CODO, W. O que é alienação? 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.COSTA, C. Sociologia: uma introdução à ciência da sociedade. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Moderna, 2005.COHN, G. Sociologia: para ler os clássicos. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977.DURKHEIM, E. As Regras do Método Sociológico. 4. ed. São Paulo: Nacional, 1996______. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2002.______. Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1992.HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. 21. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1986.______. Trabalhadores de Todos os Países, Uni-vos! In: ______. História da riqueza do homem. 21. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1986, p. 212-232.IANNI, O. Sociologia da sociologia: o pensamento sociológico brasileiro. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Ática, 1989.KONDER, L. Marx: vida e obra. São Paulo: Paz e Terra, 1976.MARCELLINO, N. C. Introdução às Ciências Sociais. Campinas: Papirus, 2002.MARTINS, C. B. O que é sociologia. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Primeiros Passos).MARX, K. Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1992.MARX, K.; ENGELS, F. O manifesto Comunista. São Paulo: Paz e Terra, 1996.WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1967.______. Conceitos básicos de Sociologia. In:______. Economia e Sociedade. Brasília: Editora UnB, 1991.______. Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1992.______. Religião. In: ______. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

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Um Estudo de Sociologia: o que torna possível a Convivência Humana

1. OBJETIVOS

• Identificar o conhecimento como uma forma desenvolvi-da pelos seres humanos por meio do processo de sociali-zação para transmitir cultura de uma geração para outra.

• Adotar uma atitude de curiosidade, ou seja, de vontade de procurar outras formas de compreensão para as ques-tões propostas no texto.

2. CONTEÚDOS

• Aprender a ser um membro da sociedade.• Culturas humanas: respostas aos problemas de com-

preensão de mundo.

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3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

1) Consulte os significados dos conceitos explicitados no Glossário, pois isto facilitará sua compreensão sobre os temas abordados no texto desta unidade.

2) Nesta unidade de estudo, encontram-se referências so-bre a importância das formas de linguagem na comuni-cação humana. Por isso, sugerimos a você que recorra ao manual Filosofando, de autoria de Maria Lúcia de Ar-ruda Aranha e de Maria Helena Pires Martins no qual há um capítulo intitulado Linguagem, conhecimento, pensamento, que apresenta uma breve e interessante dimensão da linguagem verbal como atividade humana. Vale a pena realizar essa leitura para complementar as ideias expostas no texto.

3) Temos, também, a linguagem cinematográfica, que, por ser transdisciplinar, mantém-se atualíssima e contribui para ampliar o campo de nossa compreensão. Por essa razão, é importante, no momento em que cuidamos de nossa formação profissional, estabelecermos um diá-logo mediante a linguagem cinematográfica. Há filmes clássicos que envolvem o tema da socialização, assunto tratado nesta unidade de estudo. O enigma de Kaspar Hauser, dirigido por Werner Herzog, é um bom exemplo.

4) Outro filme que apresenta uma perspectiva interessante da socialização é Nell, dirigido por Michael Apted. Há, ainda, o também clássico de François Truffaut, O garoto selvagem.

5) Para ilustrar com a linguagem cinematográfica os estudos sobre o tema da cultura, uma sugestão é o filme Os deuses devem estar loucos, com direção de Jamie Uys, que trata, sa-tiricamente, do choque entre culturas, partindo do apareci-mento de uma garrafa de Coca-Cola entre nativos africanos.

6) Um homem chamado cavalo, do diretor Elliot Silverstein, é um filme que aborda a questão cultural sob o ângulo das diferentes maneiras pelas quais as sociedades humanas veem o mundo. Não descarte a possibilidade de assisti-lo.

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4. INTRODUÇÃO À UNIDADE

Nesta unidade, conduziremos a iniciação ao estudo científi-co da Sociologia, um conteúdo que tem como objeto de pesquisa as interações sociais organizadas pelos seres humanos mediante formas culturalmente padronizadas.

Interações sociais são os modos pelos quais os seres huma-nos se relacionam e interagem uns com os outros, reforçando ou estabelecendo novas regras, novas normas e novos valores sociais. São esses modos que caracterizam o estudo sistemático da Socio-logia e que constituem os processos sociais, conceito esse que se refere "às transformações amplas, contínuas, de longa duração, de figurações formadas por seres humanos", conforme propõe o so-ciólogo Norbert Elias (2006, p. 27).

Por que é importante voltar a atenção para as interações so-ciais e para os processos sociais? A resposta é simples: porque estes são conceitos sociológicos fundamentais.

Toda ciência – e a Sociologia é uma ciência – se organiza em função de conceitos, que são as representações de um obje-to traduzidas pelo pensamento, considerando suas características gerais. Os conceitos são definições, isto é, formulações de ideias por meio de palavras. A expressão “interação social”, por exemplo, representa um dos conceitos básicos de Sociologia, assim como “processo social”.

Iniciaremos a compreensão desses conceitos tomando como base as várias espécies animais que vivem na terra, as quais de-senvolvem formas de vida, de convivência e de sociabilidade que permitem a reprodução e a sobrevivência. Para que isto ocorra, elas estabelecem modelos de vida, sistemas de acasalamento, alo-jamento, migração, defesa e alimentação.

Um exemplo de vida social altamente organizada é o das for-migas e o das abelhas, que têm vida social bem definida: divisão de trabalho, cooperação, intercomunicação e ajuda mútua.

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Os seres humanos, que são uma dentre as várias espécies existentes, também desenvolvem processos de reprodução, aca-salamento, alojamento, migração, defesa e alimentação; são ativi-dades instintivas, isto é, ações e reações desenvolvidas de forma mecânica que, por essa razão, dispensam o aprendizado.

Embora seja possível constatar semelhanças quanto às ati-vidades instintivas entre as demais espécies animais e os seres humanos, a vida social destes não pode depender, apenas, dos pa-drões de comportamento instintivos. É preciso, também, adaptar--se a novas e variadas condições e situações. O fato é que, seja por características próprias da espécie, seja pelos desafios impostos pela natureza, os seres humanos desenvolveram habilidades que dependem de aprendizado, ou seja, precisamos aprender, comer, beber, dormir, brincar, obedecer, trabalhar, governar, administrar etc. Isto significa que desenvolvemos, também, atitudes identifi-cadas como padrões de comportamento social.

5. APRENDER A SER UM MEMBRO DA SOCIEDADE

Podemos ver uma sociedade de formigas em funcionamento e constatar, como já foi descrito anteriormente, que a maioria das formigas cede alimento umas às outras, regurgitando um líquido nutritivo na boca da companheira. É um comportamento que não foi inventado por elas; resulta de impulsos inatos, naturais, geneti-camente estabelecidos. Mas isto não significa que os animais não humanos não tenham capacidade de aprender. Há de se conside-rar que espécies e ambientes alternam um ao outro de maneira recíproca. Esses animais não são participantes passivos, pois há uma troca entre organismos e ambiente. Mas, mesmo ocorren-do a troca, o comportamento dos animais não humanos continua predominantemente marcado pelo instinto transmitido pela he-rança biológica, enquanto o comportamento dos seres humanos é aprendido pela comunicação simbólica.

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Todas as características biológicas próprias do ser humano constituem a condição necessária para o desenvolvimento de um modo de viver em grupo, mas elas não bastam para o desenvolvi-mento da sociabilidade. O ser humano não nasce social: ele adqui-re maneiras de se comportar tipicamente humanas por meio do processo de socialização.

Como nos explicam Peter Berger e Brigitte Berger (2000) no texto Socialização: como ser um membro da sociedade, embora o recém-nascido não saiba estabelecer a distinção entre os com-ponentes sociais e não sociais de suas vivências, sua experiência social começa com o nascimento, momento a partir do qual passa a desenvolver uma interação social com outros seres humanos.

Estudos de Sociologia indicam que interação social é um dos conceitos básicos para a compreensão da vida social. Refere--se a uma maneira de se comunicar face a face, agir e interagir com outras pessoas. Seu aspecto mais relevante é que, quando ocorre a interação social, se estabelece um contato, e, a partir do contato, ocorre a comunicação, que resulta em uma mudança de comportamento dos indivíduos envolvidos. Em contato social com os alunos em sala de aula, por exemplo, o professor estabelece uma comunicação. Quando o aluno aprende, seu comportamento sofre uma modificação, e o comportamento do professor também se modifica: procura diferentes explicações para diferentes classes e revê sua ideias partindo de discussões com os alunos, ou seja, o professor influencia e sofre influências. Nessas circunstâncias, existe uma interação social, porque ocorre uma influência recípro-ca entre os participantes.

É importante registrar que o simples contato físico não ca-racteriza uma interação social, como nos casos de pessoas que viajam sentadas lado a lado no metrô, sentam-se lado a lado no cinema, permanecem em uma fila ou estão juntas em uma arqui-bancada de estádio de futebol.

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Diferentemente das demais espécies, os seres humanos ne-cessitam de aprendizado para adotar as formas de comportamen-to padronizadas, e isto ocorre com base no processo de socializa-ção, durante o qual se aprende como deve ser a interação social entre os membros de uma determinada sociedade. Isto explica o fato de pessoas formarem filas nos bancos, nos cinemas e nos su-permercados, de ficarem em silêncio durante uma palestra e de comerem à mesa utilizando pratos e talheres, por exemplo.

Peter e Brigitte Berger (2000) consideram que todos os pro-cessos de socialização se realizam na interação face a face com outras pessoas e que a socialização nunca chega ao fim. Ela inicia--se com a socialização primária, que envolve o microcosmo do indivíduo e tem continuidade com a socialização secundária, que envolve o macrocosmo do indivíduo.

Para esses autores, a socialização primária é o processo me-diante o qual a criança se transforma em um membro participante da sociedade e ela refere-se à fase de formação da identidade. A socialização secundária envolve a vida posterior, quando as pes-soas são introduzidas em espaços sociais específicos, como cursar uma faculdade para a formação profissional, por exemplo.

Contudo, é durante a infância e a adolescência que a sociali-zação é mais intensa, mas como isto se trata de um processo per-manente e como todas as sociedades estão em constantes trans-formações, os indivíduos, ao mudarem de grupo ou de posição social (de solteiros para casados, de emprego ou ao aposentarem--se, por exemplo), precisam adaptar-se às novas situações sociais, que requerem assimilação de novos padrões de comportamento. Daí submetem-se à socialização secundária.

É fundamental termos em conta que o desenvolvimento da socialização não é resultante de uma relação unilateral entre a so-ciedade e o indivíduo. O indivíduo assimila seus papéis sociais com a família, com os amigos, com a escola, com os meios de comuni-cação, como resultante das pressões entre as situações sociais e a

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sua consciência. Não se pode subestimar a potencialidade dos se-res humanos para as mudanças sociais. Por essa razão, é adequa-do que, na Figura 1, encontremos uma interrogação, e não uma afirmação diante da situação retratada.

Figura 1 Novas formas de socialização primária ou socialização secundária precoce?

A Figura 1 também nos remete à questão da comunicação, da linguagem; assim, ela nos oferece a oportunidade de abordar um ponto fundamental: é na linguagem que está o princípio da so-cialização. É a linguagem que habilita o indivíduo a ligar-se a outros indivíduos, para que, posteriormente, ele seja capaz de estabele-cer contato com um universo social, com um macrocosmo.

Com o sentido de reiterar a importância da linguagem no processo de socialização, destaca-se o texto a seguir.

Linguagem: veículo primordial da socialização ––––––––––––É apenas pelo domínio da linguagem que aprendemos a transmitir e a reter os significados socialmente reconhecidos. É pelo domínio da linguagem que adqui-rimos a capacidade de pensar abstratamente, conseguimos ir além da situação imediata e adquirimos capacidade de refletir.A linguagem é um sistema de símbolos socialmente aprendidos que se relacio-nam para que possamos comunicar nosso pensamento. Ela oferece aos seres humanos a possibilidade de conduzir suas ações conforme as situações, as pes-soas e os objetos, bem como de acordo com acontecimentos, permitindo, além disso, a aquisição e a transmissão de conhecimentos.Norbert Elias (2006, p. 25) considera que “sem o aprendizado de uma determina-da língua especificamente social, os seres humanos não seriam capazes de se

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orientar no seu mundo”. Ele complementa afirmando que um “ser humano adulto, que não teve acesso aos símbolos da língua e do conhecimento de determinado grupo humano permanece fora de todas as figurações humanas e, portanto, não é propriamente um ser humano”.––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Embora o processo de socialização seja único, para socieda-des diferentes, ele produz resultados diferentes de socialização, dada a diversidade de costumes dos grupos humanos. As atitu-des que aprendemos por meio da socialização se relacionam com sistemas de amplos significados. Assim, o mundo social, com sua multiplicidade de significados, interioriza-se em nossa consciência da seguinte forma: o que era experimentado como alguma coisa existente fora de nós passa a ser experimentado como algo dentro de nós.

Em termos dos diferentes resultados da socialização, as prá-ticas alimentares constituem um exemplo interessante porque têm grande número de variações não somente de uma sociedade para outra, mas também de uma classe social para outra no inte-rior de uma mesma sociedade. As práticas alimentares constituem uma das diversas facetas do processo por meio do qual o indivíduo aprende a ser um membro da sociedade.

Para ilustrar essa questão, pensemos nas práticas alimenta-res na infância. O universo do recém-nascido está diretamente re-lacionado às pessoas com quem ele convive, um microcosmo cir-cunscrito, que, no entanto, se entrosa com um macrocosmo, que define e molda, antecipadamente, as experiências alimentares com as quais o bebê se depara: amamentação ao seio ou em ma-madeira, amamentação segundo um horário regular ou segundo o "pedido" do bebê, amamentação exclusiva ou com complemento alimentar, desmama em quatro meses, em seis meses, em um ano ou em dois anos – são todas condições que dependem do que as mães ou os responsáveis interiorizaram sobre o que o meio social em que vivem estabelece como formas adequadas de alimentar os bebês.

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É preciso registrar, também, que a socialização é um proces-so recíproco. A criança, desde o início de sua vida social, não é um agente passivo da socialização, ou seja, participa, resiste ou cola-bora de variadas formas. A socialização é um processo recíproco porque afeta o indivíduo a ser socializado e os membros sociali-zantes, conforme já se registrou com o exemplo da ação de profes-sores e de alunos.

Há algumas situações que pautam a Sociologia em suas ar-gumentações sobre os significados da vida em grupo. Tratam-se de situações que descrevem os casos de crianças deixadas em ex-tremo isolamento do convívio humano, sendo algumas delas co-nhecidas como "crianças-lobo", conforme poderemos observar na leitura do texto em destaque.

Casos de Crianças Isoladas do Convívio Humano –––––––––1º caso: em 1798, é encontrado, em meio a um bosque na França, um menino que aparentava ter entre 10 e 11 anos. Ele estava nu e sujo e era incapaz de proferir uma única palavra. O menino foi levado para o Instituto Nacional para surdos e loucos em Paris e lá batizado de Victor de Aveyron pelos funcionários. Seu caso foi aceito pelo Doutor Itard, um médico que se dedicava à sua integra-ção na sociedade. Ninguém jamais o procurou. Exames médicos realizados não detectaram qualquer deficiência física ou mental. O fato de o menino não parecer humano se atribui à circunstância de que, até ser encontrado no bosque, perma-necera isolado da convivência com outros seres humanos. Ele ficou conhecido como “o menino selvagem de Aveyron” (RISCHBIETER, 2009).2º caso: em 1954, Ramu foi encontrado na estação ferroviária de Luckhow. Seus membros estavam deformados. Morreu no hospital de Luckhow em 1968. Ele foi chamado de “menino-lobo” porque supostamente foi criado em uma alcateia e re-colhido por pessoas que o encontraram quando tinha, aproximadamente, 10 anos de idade. O menino morreu em uma instituição dirigida por Madre Teresa de Cal-cutá. Ramu chegou a aprender a tomar banho e a vestir-se sozinho, mas continuou a andar de quatro e a se alimentar de carne crua. Ele nunca aprendeu a falar e jamais deu sinais de querer se integrar socialmente (RISCHBIETER, 2009).3º caso: Amala e Kamala, duas meninas indianas, foram capturadas em 1921, nas vizinhanças de Midnapore, ao oeste de Calcutá. Para achá-las, foi organiza-da uma expedição de aldeões liderada pelo reverendo Jal Singh, um missionário anglicano. Na captura, a mãe-loba foi abatida e as crianças receberam os nomes de Amala e Kamala; elas deveriam ter entre dois e oito anos. Singh as descreve da seguinte forma: caninos alongados, queixo retraído, olhos que brilhavam na escuridão. Amala, a mais nova, não resistiu à nova vida e morreu em um ano. Ka-mala sobreviveu até 1929, tempo em que aprendeu a comer cozidos, andar ereta e falar cerca de 50 palavras. Ambas apresentavam hábitos alimentares bastante diferentes dos nossos. Como normalmente fazem os animais, elas cheiravam

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a comida antes de tocá-la, dilacerando os alimentos com os dentes e poucas vezes fazendo uso das mãos como instrumento para beber e comer. Possuíam aguda sensibilidade auditiva e desenvolvimento do olfato para carne. Para se lo-comover, apoiavam-se sobre as mãos e os pés, adotando a marcha quadrúpede, como faziam seus antigos companheiros, os lobos. Kamala, por exemplo, levou seis anos para utilizar a marcha ereta. Ela não se sentia à vontade na companhia de outras pessoas, preferindo os animais, que se entendiam bem com ela, jamais se espantando quando de sua aproximação (OLIVEIRA, 2007).4º caso: “[...] Frederico II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, efe-tuou um experimento para determinar que língua as crianças falariam quando crescessem, se jamais tivessem ouvido uma única palavra falada. Falariam he-braico – que então se julgava ser a língua mais antiga – grego, latim, ou a língua de seu país? Deu instruções às amas e mães adotivas para que alimentassem as crianças e lhes dessem banho, mas que sob hipótese nenhuma falassem com elas ou perto delas. O experimento fracassou porque todas as crianças morre-ram” (HORTON; HUNT apud OLIVEIRA, 2007, p. 17).5º caso: este remete ao exemplo citado por Cristina Costa (2005), que menciona o caso verídico de Kaspar Hauser, um garoto que foi criado até os 18 anos, apro-ximadamente, trancado sozinho em um quarto, privado da convivência humana, até que é levado e deixado na praça pública de uma cidade alemã. O assunto foi estudado pelo psiquiatra Itard e retratado no filme do cineasta alemão Werner Herzog, intitulado O enigma de Kaspar Hauser. O filme mostra como um ser humano criado longe de outros seres de sua espécie é incapaz de se humanizar, revelando, apenas, características genéticas.––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Os casos apresentados indicam que o comportamento de Vic-tor de Aveyron, de Ramu, de Amala, de Kamala e de Kaspar Hauser se distancia do comportamento dos seres humanos. São condutas que demonstram que, sem contato com o grupo social, o ser huma-no dificilmente pode desenvolver características humanizadas. Elas demonstram, ainda, que a vida em grupo nos é indispensável. É na vida em grupo que os indivíduos da espécie humana se tornam hu-manos. O indivíduo socializa-se ao participar da vida em sociedade, na qual ele assimila normas, valores, costumes e passa a se compor-tar conforme essas normas, esses valores e esses costumes.

Desse modo, para tornarmo-nos humanos, precisamos aprender com nossos semelhantes atitudes socializadoras que se-riam impossíveis desenvolvermos no isolamento social. Viver em grupo é essencial para nossa humanização.

O homo sapiens é a única espécie que não só pensa no que significam as coisas, mas também atribui significados às experiên-

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cias vividas criando sistemas de símbolos, isto é, transformando a experiência vivida em um discurso que será transmitido aos seus semelhantes por meio da comunicação simbólica.

Os símbolos são convenções que estão presentes em todas as circunstâncias da vida humana, eles substituem alguma coisa com-plexa e têm seu valor atribuído pelas pessoas que os utilizam. No entanto, não basta atribuirmos significados a um objeto para que ele se torne um símbolo: é preciso que ele seja aceito socialmente. Então, uma cor, um hino, uma bandeira, uma roupa, uma aliança, uma palavra, os números, o triângulo, as pedras, as plantas, os ani-mais, todos os objetos naturais, todas as coisas feitas pelos seres humanos e todas as formas abstratas podem assumir significados simbólicos. Desse modo, a cruz tornou-se um objeto que simboliza o cristianismo, assim como a suástica simboliza o nazismo. A pomba e a cor branca têm sido adotadas como símbolos da paz.

Assim, surgem os critérios de medidas, os quadros do tempo (como os calendários), os cálculos matemáticos, a linguagem, os gestos, as danças e os cantos, as expressões de luto, os festejos em geral (como o carnaval, os aniversários ou os casamentos), os modos de namorar e de fazer declarações, as bandeiras, as decora-ções, os monumentos, os santos, os heróis, os gênios etc.

Ao pensar, ao ser capaz de projetar, de ordenar, de prever e de interpretar, o ser humano estabelece com o mundo uma rela-ção capaz de avaliar. Nessas circunstâncias, seu conhecimento do mundo – organizado, comunicado, compartilhado e transmitido às gerações – transforma-se no que chamamos de cultura.

6. CULTURAS HUMANAS: RESPOSTAS AOS PROBLE-MAS DE COMPREENSÃO DO MUNDO

A capacidade humana de transformar experiências vividas em símbolos sociais fez que os seres humanos recriassem, inicial-mente, o mundo, de acordo com suas necessidades e seus pontos

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de vista, e, depois, o traduzisse sob forma de informação ou de conhecimento.

Os obstáculos, os desafios e os problemas enfrentados tive-ram como resposta a sobrevivência, a defesa e a perpetuação da espécie, mas, antes de satisfazerem os anseios humanos, provo-caram buscas por compreensão e desejo de encontrar explicações sobre si mesmo e sobre o mundo.

À medida que essas explicações foram organizadas, elas se projetaram para a formulação de justificativas para as atitudes, para os acontecimentos e para os comportamentos, gerando o de-senvolvimento de nossa capacidade simbólica.

Os símbolos sociais têm o caráter mediador, criam soluções para as necessidades da vida e da sobrevivência e mantêm-se en-quanto forem operantes, isto é, enquanto responderem às neces-sidades da vida e da sobrevivência humana.

Há uma parte dos símbolos sociais diante da qual a Sociolo-gia procede uma análise crítica, utilizando critérios inteiramente empíricos. Assim ocorre com relação aos símbolos mágicos e reli-giosos, aos símbolos morais, aos símbolos jurídicos, aos símbolos estéticos, aos símbolos do conhecimento, aos símbolos educati-vos, bem como com relação aos símbolos enganadores e mentiro-sos, como os preconceitos, as imagens que excitam a imaginação, as falsificações.

Mas quais são as correlações entre os conceitos de símbolos sociais e de culturas humanas?

A referência ao nível simbólico da realidade social, quando se trata das culturas humanas, é importante, porque a maioria dos planos superpostos que formam a realidade social – e o plano cul-tural é um deles – depende dos símbolos sociais que têm como ta-refa funcionar como uma espécie de "para-raios social" no sentido de impedir os desníveis entre os mencionados planos superpostos que formam a realidade social.

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Desse modo, apresentar algumas dentre as inúmeras defini-ções de cultura, possivelmente facilitará a compreensão das corre-lações entre os significados de símbolos sociais e de cultura.

Na linguagem do senso comum, a linguagem do cotidiano, o termo “cultura” é empregado em mais de uma circunstância. Ele pode indicar grande soma de conhecimentos, isto é, erudição. Nesse caso, diz-se: “tal pessoa tem cultura”. Ele pode manter, tam-bém, o sentido agrícola original: cultura de milho, de café, de fei-jão etc.

No entanto, a palavra “cultura” pode apresentar-se com o sentido sociológico que vai além dessas acepções, embora ela não exclua nenhum desses significados. No sentido sociológico, “cultu-ra” é tudo aquilo que resulta da criação humana, compreenden-do ideias e ações; cultura é um complexo de circunstâncias que abrange conhecimentos, costumes, crenças, artes, moral, leis, as-sim como todas as capacidades adquiridas pelos seres humanos.

Tornou-se habitual distinguir dois setores da cultura. Um de-les se refere à cultura material, que compreende todos os artefa-tos e objetos produzidos por uma dada sociedade. São exemplos de bens materiais: utensílios, ferramentas, máquinas, moradias, móveis, meios de comunicação, meios de transporte, assim como vestuários, adereços, entre outros. O domínio das ideias, da ética, das crenças, dos conhecimentos, das técnicas, dos valores sociais, das normas, das regras e das leis fica no segmento da cultura não material.

É importante ressaltar que a cultura não depende da he-rança biológica dos seres humanos, mas, sim, de capacidades desenvolvidas mediante o convívio social. Nesse sentido, apenas os seres humanos desenvolvem cultura. A aquisição, a perpetua-ção e a transmissão da cultura resultam de aprendizagem, e, por essa razão, cada sociedade precisa transmitir às novas gerações a herança social que recebeu, o que ocorre mediante o processo global de socialização. Aqui se retoma o conceito de socialização,

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entendido como o processo global que concretiza os projetos de “ensinar-e-aprender” no campo da sociedade e no campo da indi-vidualidade, garantindo o que é necessário para que cada um seja reconhecido como seu membro integrante.

Embora todos os seres humanos possuam cultura e a trans-mitam à geração seguinte, não possuem, todos, uma cultura igual. Há inúmeras culturas diferentes, com hábitos, tradições e valores muito diversos e expressos por uma incontável diversidade cultu-ral. Tomemos como exemplo os brinquedos e os modos de brincar. O brincar com bonecas pode contribuir para que tanto as meninas ocidentais quanto as meninas árabes se familiarizem com hábitos e ideias bastante diferentes no que diz respeito ao modo como uma mulher pode e deve vestir-se e ao lugar que uma mulher pode e deve ocupar na sociedade, o que é ilustrado na Figura 2.

Figura 2 Bonecas com vestuários femininos que representam a cultura ocidental e a cultura árabe.

Ao contrário do que muitas vezes se afirma quando se diz que algum indivíduo não tem cultura, esta não é exclusiva deste ou daquele grupo, pois todos os seres humanos partilham conheci-mentos, costumes e crenças, bem como todas as sociedades orga-nizam seu modo de vida e seu modo próprio de convívio. Todas as sociedades têm cultura, mesmo aquelas que não possuem escrita. A cultura é a condição para a sobrevivência dos grupos humanos.

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Reinaldo Dias (2007) propõe, no texto Cultura, que uma das possibilidades de compreender melhor o conceito de cultura é considerar que ela tem cinco características essenciais:

1) A cultura é transmitida por herança social, e não por herança biológica. Ela é adquirida ao longo da vida por meio de participação no processo de socialização. Ad-quirimos cultura por meio da interação social e a conso-lidamos no exercício da convivência com outras pessoas.

2) A cultura compreende a totalidade das criações huma-nas. Isto significa que ela inclui ideias, valores, manifes-tações artísticas de todos os tipos, crenças, instituições sociais, conhecimentos, vestuário, práticas alimentares, animais domésticos etc.

3) A cultura é característica exclusiva das sociedades huma-nas. As demais espécies animais são incapazes de criar cultura, embora algumas delas adquiram alguns rudi-mentos de cultura ao serem domesticadas.

4) A cultura interfere na forma como a pessoa vê o mundo, isto é, na forma como ela percebe as coisas. Cada indiví-duo é criado em uma cultura determinada, e os valores que este adquiriu o fazem emitir juízos de valor sobre as coisas, o que permite que o mundo seja visto de dife-rentes maneiras pelas sociedades humanas. A mudança de espaços e o passar do tempo em função do processo de socialização faz que o indivíduo modifique sua com-preensão e interpretação de fatos e de acontecimentos.

5) A cultura é, também, um mecanismo de adaptação. A sobrevivência das comunidades humanas está direta-mente relacionada com a cultura porque ela baseia-se na capacidade de evolução, de mudança e de adaptação dos seres humanos. O ser humano consegue sobreviver quando é capaz de superar as dificuldades impostas pela natureza e as dificuldades impostas pela própria cultura, ou seja, consegue sobreviver quando faz cultura.

Na linguagem sociológica, não há culturas superiores ou in-feriores; há culturas diferentes. Cada cultura é uma realidade au-tônoma e só pode ser compreendida a partir dessa realidade.

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Extraímos um trecho da carta citada por Carlos Rodrigues Brandão no livro O que é educação, que aborda com propriedade o item Culturas humanas: respostas aos problemas de compreensão do mundo e ilustra, sobretudo, a referência às diferenças culturais.

Conta o autor que, quando os governantes dos Estados de Virgínia e Maryland, nos Estados Unidos, assinaram um tratado de paz com os índios das Seis Nações, mandaram cartas fazendo um convite para que enviassem seus jovens à escola dos brancos. Os chefes indígenas responderam com agradecimentos e recusa.

Uma forma de rnsinar-e-aprender a compreensão do mundo –––“Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração.Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao sa-ber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Vir-gínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos deles, homens” (BRANDÃO, 1993, p. 8-9).––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Para concretizar o estudo em torno do tema do processo de socialização e do tema da cultura, tentando "sentir o como vive-ram e vivem em nós as culturas interdependentes e sucessivas de que somos portadores, intérpretes, agentes e reagentes no tempo e no espaço", nada melhor do que conhecer e apreciar a obra do brasileiro Luís da Câmara Cascudo, embasada em pesquisas pro-fundas sobre os "usos e costumes de nossa gente comparando-os com os de outros povos" (CASCUDO, 2000, p. XV).

Com a publicação de Alma patrícia, em 1921, Luís da Câmara Cascudo inicia uma bibliografia composta de, aproximadamente,

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120 obras, que tratam das lendas, dos mitos, das superstições, da indumentária, das danças, dos cantos, das estórias contadas, das bebidas e comidas tradicionais, dos santos favoritos, dos folclo-ristas e da linguagem médica popular do Brasil. Os resultados das pesquisas desse pensador brasileiro são registrados com erudição e merecem ser estudados porque traduzem a valorização de nos-sa cultura espontânea – a cultura popular brasileira, que marca a "existência do permanente na memória coletiva" (CASCUDO, 2000, p. XXII).

Podemos concluir nossas reflexões com a ideia de que a evolução do ser humano só foi possível devido à sua capacidade de pensar e de lutar pela superação de suas necessidades. Nesse processo de evolução, a utilização das mãos e o desenvolvimento da linguagem foram decisivos e não se deram de modo isolado. Foram conquistas que ocorreram mediante um processo educati-vo no qual os seres humanos aprenderam juntos a construir meios para sua sobrevivência.

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS

Conforme procedemos nas unidades anteriores, vamos, no-vamente, fazer uma pausa para você fixar os conceitos abordados nesta unidade. Esta fase é importante para que você possa reto-mar algumas informações que não tenham ficado tão claras. Agora é só testar seus conhecimentos!

1) Qual é a importância da vida em grupo para os seres humanos?

2) O que é o processo de socialização?

3) Como podemos definir “cultura”?

4) Explique esta afirmação: “tudo que existe criado e disponível em uma cultu-ra como conhecimento que se adquire por meio da experiência pessoal com o mundo e com o outro, tudo que se aprende de um modo ou de outro, faz parte do processo por meio do qual um grupo social socializa os seus mem-bros como sujeitos sociais em sua cultura”.

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8. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DO TEXTO

Nesta unidade, apresentamos algumas ideias de como a orga-nização das sociedades humanas se distingue das várias organizações de espécies animais existentes na Terra; distinção essa que se dá pelo fato de os seres humanos serem capazes de ampliar seu controle so-bre a natureza por meio da criação e da consolidação de um ambiente cultural que se mantém e se transforma mediante o processo de so-cialização, sendo transmitido de geração para geração.

Esperamos que a compreensão dos conceitos de socialização e de cultura se constitua como uma ponte para o entendimento da dinâmica da sociedade em que vivemos e que ela ofereça uma perspectiva do porque da necessidade de encontrar explicações em bases científicas para a sociedade resultante de um período de rupturas históricas, como aquele traduzido pela Revolução Indus-trial e pela Revolução Francesa.

Pensemos: essas revoluções provocaram transformações pro-fundas no campo das relações sociais, pois elas decorreram de um desequilíbrio nas estruturas que estavam estabelecidas até então. Foram transformações que se originaram a partir da economia e da política, dando novos impulsos à ciência e à tecnologia, e deram base à formação das Ciências Sociais – dentre elas, a Sociologia, que voltou os “olhares sociológicos” de Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber para o quê? Justamente, para as tensões na socialização geradas pelas novas formas de organizações sociais, tensões essas que ainda reverberam nesta primeira década do século 21.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Pretendemos que este item estimule aqueles que desejam, no período de sua formação profissional, cultivar a conduta de pes-quisador por meio da consulta às fontes bibliográficas. Com esse intuito, reforçamos a indicação de algumas referências bibliográfi-

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cas citadas no decorrer do texto e indicamos outras, mantendo o princípio de que se tratam de leituras introdutórias à Sociologia. Boa leitura!

ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 1993.BERGER, P. Perspectivas sociológicas. Petrópolis: Vozes, 1975.BERGER, P.; BERGER, B. Socialização: como ser um membro da sociedade. In: FORACCHI, M. M.; MARTINS, J. de S. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2002.CASCUDO, L. da C. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. rev., atual. e ilustr. São Paulo: Global, 2000.______. Civilização e cultura: pesquisas e notas de Etnografia Geral. São Paulo: Global, 2004.CHAUI, M. A cultura. In: ______. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994. p. 288-296.COSTA, C. Introdução. In: ______. Sociologia: uma introdução à ciência da sociedade. 3. ed. rev e ampl. São Paulo: Moderna, 2005.DIAS, R. Cultura. In: ______. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.ELIAS, N. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.MEKSENAS, P. O processo de humanização da natureza. In: ______. Sociologia. São Paulo: Cortez, 1991. p. 32-41.OLIVEIRA. P. S. Introdução à Sociologia: série brasil. 25. ed. São Paulo: Moderna, 2007.SANTOS, J. L. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986 (Coleção Primeiros Passos).

10. E-REFERÊNCIAS

Lista de figurasFigura 1 – Novas formas de socialização primária ou socialização secundária precoce? Disponível em: <http://cadernosociologia.blogspot.com>. Acesso em: 10 mar. 2009.Figura 2 – Bonecas com vestuários femininos que representam a cultura ocidental e a cultura árabe: disponível em <cadernosociologia.blogspot.com/2009_01_01_arc...> Acesso em: 2 de jun. 2010.

Site pesquisadoRISCHBIETER, L. A triste história das crianças lobo ou Nem só de genes e cérebro vive o homem. Disponível em: <http://www.educacional.com.br/articulistas/luca_bd.asp?codtexto=220>. Acesso em: 16 mai. 2009.

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EAD

5Sociologia Contemporânea: Velhas e Novas Questões Sociais

1. OBJETIVOS

• Identificar tendências da sociedade contemporânea.• Compreender o teor das questões sociais que se apresen-

tam para análises e explicações sociológicas.• Cultivar a atitude de pesquisador.

2. CONTEÚDOS

• A desigualdade social.• A questão da pobreza.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

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1) Uma das questões sociais que será objeto de suas refle-xões no decorrer da leitura compreensiva é a pobreza. Para que você tenha acesso à linguagem literária sobre a pobreza, temos, no Brasil, a obra clássica de Graciliano Ramos Vidas Secas, que é fundamental e, por essa ra-zão, precisa ser reconhecida. Há, também, o filme Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, inspirado na obra. Temos, ainda, o filme Morte e vida Severina, de Zelito Viana, que merece ser assistido.

2) O cinema brasileiro recente produziu uma série de fil-mes e documentários que tratam da pobreza. Filmes tão diversos como Notícias de uma guerra particular (1999), Palace II (2000), Cidade de Deus (2002), O invasor (2003), Ônibus 174 (2003), Cidade dos homens (2003), entre ou-tros, e recentemente Falcão, meninos do tráfico (2006), documentário concebido e dirigido por MV Bill e Celso Athayde, moradores de Cidade de Deus. Todos eles são alguns exemplos de obras de ficção ou documentário que acentuaram a presença visual de cidadãos pobres, negros, moradores de favelas e de bairros de periferia no cinema e na televisão brasileiros. Nessa periferia pouco acostumada à exposição, a visibilidade estimulou uma reação crítica contundente. Marcinho VP, persona-gem incógnita do filme de João Salles, Notícias de uma guerra particular, disse aos jornalistas que cobriam sua prisão: “eu sou o monstro que vocês criaram”. A frase revela sensibilidade crítica para o jogo de espelhos que define personalidades mais ou menos estereotipadas e que Guy Debord, cineasta e filósofo francês, definiu como sociedade do espetáculo. Todas essas indicações são fundamentais para complementar o que será abor-dado nesta unidade.

3) Falcão, meninos do tráfico, documentário dirigido pelo rapper MV Bill e por seu empresário, Celso Athayde, exi-bido no programa Fantástico em 19 de março de 2006, indicado anteriormente, chocou o país. Gravado ao lon-go de anos em diversas periferias brasileiras, o docu-mentário foge da expressão limpa, direta e bem acabada

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que vem caracterizando a produção de filmes sobre o assunto. Vale um empenho para assisti-lo.

4) Sugerimos, também, dois filmes internacionais: Hotel Ruanda, dirigido por Terry George, e Crash – No Limite, dirigido por Paul Haggis.

5) Para aprofundar seus conhecimentos sobre a pobreza e suas relações com a educação sugerimos a leitura da entrevista concedida por István Mézáros à Folha de São Paulo. As suas colocações ampliam nosso campo de re-flexão em torno do tema que será estudado. A entrevis-ta encontra-se disponível no seguinte endereço eletrô-nico: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u15857.shtml>. Acesso em: 10 jun. 2010).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE

Na unidade anterior, foi possível compreendermos como a questão social colocou a sociedade no plano da análise científica. Nesta unidade, considerando que as questões sociais já estavam postas pela sociedade capitalista quando do advento da Sociolo-gia, estaremos diante de velhas e novas questões sociais. Parti-remos de uma questão social que está na origem da organização científica do pensamento social e que continua presente como um desafio para a Sociologia contemporânea: a desigualdade social.

Exercitando nossa capacidade de compreensão, lembremo--nos de que, na Unidade 2, fizemos o registro da preocupação com a pobreza, como desigualdade social, resultante da ignorância e da exploração humanas, constituindo uma das fontes do pensamento sociológico que dá origem ao levantamento social, uma das técnicas de excelência na pesquisa sociológica, também utilizada na Economia.

Quando saímos às ruas ou mesmo quando, em casa, ligamos a televisão, notamos entre as pessoas aquelas que se assemelham a uma grande maioria, ou seja, revelam semelhanças entre si e, em contrapartida, deparamo-nos, também, com pessoas que se diferenciam da grande maioria e que constituem uma minoria. As

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diferenças que notamos à primeira vista se vinculam ao vestuário, à condução que utilizam. Existem, porém, outras diferenças que não são tão visíveis, as quais estão ligadas à religião, aos conheci-mentos, ao gênero, à raça, à opção sexual, que provocam a desi-gualdade social.

Um olhar mais atento vai nos conduzir a visões de favelas e mansões, de pessoas desnutridas e de pessoas que se alimentam em excesso, de sujeitos analfabetos e aqueles que têm formação escolar completa. Enfim, cada sociedade gera formas de desigual-dades resultantes dos modos de organização social. As desigual-dades assumem características diferenciadas entre si porque se constituem a partir de elementos políticos, econômicos e sociais próprios de cada sociedade.

Essas concepções são resultados de estudos sociológicos que tomaram pobreza como objeto de estudo, compreendida como um resultado da ignorância e da exploração humana, ou seja, não mais aceita como um castigo da natureza ou da providência divina. Nas sociedades industriais, a pobreza, como forma de desigualda-de social, já não é considerada um fenômeno natural.

A expressão “desigualdade social” é constituída como uma referência a uma condição na qual os membros de uma mesma so-ciedade possuem quantias diferentes de bens, poder ou prestígio.

No combate à desigualdade, busca-se a equidade social, ou seja, busca-se o direito de as pessoas participarem da atividade econômica e política, de contarem com os meios de subsistência e o direito de acesso aos serviços públicos que permitam manter um nível adequado de vida.

Estamos vivendo na primeira década do século 21, e uma das maiores preocupações da humanidade é a desigualdade que existe em várias partes do mundo. Globalmente, a concentração de rique-za tem aumentado, gerando novos tipos de desigualdade: o conhe-cimento produzido é incorporado apenas por pequenos grupos que passam a ter maior controle dos processos de produção de riqueza.

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Os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU) demonstram que um dos aspectos mais cruéis da desigualdade é a concentração de pobres nas zonas urbanas, vivendo em favelas. Se considerarmos aqueles que vivem em situação de pobreza extrema, o quadro apresenta-se mais grave, com um número de pobres maior do que as favelas revelam.

A situação de desigualdade mundial constitui-se ao longo dos últimos 500 anos com o processo de uma economia mundial.

5. DESIGUALDADE SOCIAL

O processo histórico tem revelado como uma tendência mar-cante a diferenciação e a crescente complexidade da sociedade. Da pequena diferenciação social existente nas sociedades tribais, as sociedades foram passando por processos que as levaram a for-mar os mais diferentes grupos que começaram a se distinguir por nacionalidade, por religião, por profissão, por etnia e, de modo mais acentuado, por classe social.

O mundo contemporâneo assiste ao resultado desse proces-so histórico de formação de uma civilização complexa e diferencia-da, na qual diversos grupos procuram monopolizar seus privilégios e possibilidades de acesso à produção de bens e aos mecanismos de distribuição desses bens na sociedade.

Diante dessas colocações, surge uma pergunta: terá havido, em algum momento da história da humanidade, uma sociedade igualitária?

Evidências históricas indicam que as culturas humanas, em todos os tempos e lugares, se organizaram a partir da ideia da dis-tinção, da diferenciação entre grupos sociais. Mesmo naquelas so-ciedades simples, consideradas homogêneas, existiam diferenças de sexo e idade, o que levava à atribuição de diferentes funções, parcelas de poder, determinados direitos e deveres.

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Temos como exemplo o patriarcado, que existiu desde as mais remotas civilizações e que garantia aos homens o poder so-bre a família e seus bens.

Bem, se considerarmos que, desde a Antiguidade histórica, as sociedades apresentaram diferentes formas de organização so-cial, nas quais a distribuição de bens era desigual, podemos nos perguntar: por que a pobreza é tão chocante e tão pouco aceitável contemporaneamente?

A partir do momento em que foi engendrada a ideia de hu-manidade como conceito capaz de conter todos os seres humanos do planeta, as desigualdades sociais tornaram-se cada vez mais evidentes. Ao defender-se o princípio de que todos têm os mes-mos direitos e são iguais perante a lei, fica cada vez mais difícil justificar as desigualdades sociais.

Se todos possuem os mesmos direitos, como podem existir grupos que não têm acesso ao mínimo de bens produzidos pela sociedade?

A pertinência e a permanência dessa pergunta indicam a contradição em relação aos valores que defendemos em nossa forma de organização social, e é por essa razão que na sociedade moderna e contemporânea a desigualdade social assume o cará-ter de privilégio de alguns e de injustiça para com outros. É essa nova consciência que torna a riqueza tão incômoda.

6. A QUESTÃO DA POBREZA

A pobreza pode ser encarada como uma condição em que a pessoa não pode manter-se sozinha de acordo com o padrão de vida do grupo e, por isso, é incapaz de atingir a eficiência mental e física que lhe permita atuar de maneira útil nesse grupo.

Ricos e pobres são sempre encontrados em qualquer lugar no qual um ser humano possa adquirir ou controlar maior quanti-dade de bens do que o outro.

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Historicamente, a existência simultânea da riqueza e da po-breza somente se constituiu como uma questão social após o apa-recimento de um sistema de trocas e de uma escala de valores.

Foi com a expansão do comércio em escala internacional, com a grande acumulação de riqueza e sua distribuição desigual e com o estabelecimento de padrões de vida definidos nos usos e costumes que a pobreza começou a surgir como um problema social.

Pela comparação das diferenças de status econômico, os membros de uma sociedade tornaram-se conscientes dessas di-ferenças e passaram a considerar a si próprios e aos outros como ricos e pobres em diferentes graus.

Mas em que momento a pobreza passa a ser reconhecida e identificada como um problema social?

A partir do momento em que se estabelecem diferenças evi-dentes de status econômico entre os membros de uma sociedade e se fazem comparações e avaliações dessas diferenças, a pobreza passa a ser identificada como um problema; caso contrário, mes-mo a vida sendo muito precária, não há problemas de desigualda-de social na falta de diferenças.

Os povos primitivos viveram em um estado de mais ou me-nos privação. A falta de alimentos suficientes e outras necessida-des foram muito comuns. O desconforto e o sofrimento devido a um suprimento inadequado de elementos básicos, mais do que o conforto e bem-estar, foram quase universais até muito recente-mente. Vivenciando as mesmas condições, as pessoas geralmente consideravam seu desconforto um estado natural, muito mais do que um problema que exigisse solução e, portanto, aceitavam-no sem se sentirem injustiçadas. Exceto em casos de extrema priva-ção, a pobreza não era sentida, a não ser pela indignação do indiví-duo diante de sua sorte em comparação com a dos outros.

Segundo a visão de Cristina Costa (2005), no mundo moder-no, especialmente nas sociedades ocidentais, a pobreza tomou a

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dianteira entre os problemas sociais, não devido a um aumento da miséria (as condições de vida têm melhorado constantemente), mas por causa do ressentimento. Os fatores que contribuem para o ressentimento profundo contra a pobreza são: a consciência do fracasso, o não conseguir mais do que se tem e o sentimento de injustiça diante da ordem geral das coisas.

No texto a seguir, podemos constatar quais são as três for-mas diferentes de pobreza identificadas por John Friedmann e Leonie Sandercock.

Os Desvalidos –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––Numa sociedade complexa, em que a vida se reveste de inúmeras instâncias di-ferentes e na qual existe a consciência de a espécie humana constituir uma tota-lidade, a questão da pobreza se reveste de inúmeros aspectos. John Friedmann e Leonie Sandercock, especialistas em planificação urbana, em artigo intitulado Os desvalidos, publicado em maio de 1995 pelo Correio da Unesco, identificam três diferentes formas de pobreza, além da clássica carência de bens materiais e de recursos à sobrevivência.1) A despossessão psicológica diz respeito a um sentimento de autodesvalo-

rização das populações pobres em relação às ricas, ou de um país pobre em relação a um país rico.

2) A despossessão social, que se manifesta pela completa impossibilidade de parcelas da população terem acesso aos mecanismos de êxito social, de atingirem o mínimo de prestígio e manterem relações sociais estruturadas e permanentes.

3) A despossessão política é outro lado da pobreza contemporânea e diz res-peito à incapacidade de certos grupos sociais terem qualquer participação efetiva na vida pública ou acesso aos mecanismos de interferência e ação política.

À medida que se amplia nossa concepção de vida social, a questão da pobreza torna-se aguda e complexa, envolvendo não só a aquisição de bens materiais, mas também o acesso a diversos privilégios sociais, cada vez mais essenciais (COSTA, 2005, p. 251).––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Vivemos em uma sociedade mecanizada e informatizada, na qual a pobreza continua resistente aos esforços que os Estados ar-gumentam estar desenvolvendo. A esperança de vida cresce em quase todas as partes do mundo, mas o atendimento à população desvalida continua precário. As favelas multiplicam-se cada vez mais e compõem a paisagem urbana ao lado da criminalidade, da presença da mendicância.

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Medidas de análise como analfabetismo, renda per capita, índices de nascimento, mortes, desnutrição, educação escolar e dívida externa são cada vez mais utilizadas para classificar regiões e nações. Diante dessas informações, a pobreza deixa de ser uma condição abstrata e torna-se presentificada. Pessoas, países e gru-pos sociais são considerados pobres, não apenas em relação a si próprios ou às suas dificuldades para atingir seus objetivos e me-lhorar sua condição de vida, mas também em relação aos outros grupos ou aos outros países com os quais são comparados.

A pobreza passa a existir, também, em função das exigên-cias externas; são padrões globalizados, índices organizados por processos sociais distantes que criam necessidades que se chocam com valores sociais entre pessoas, grupos e nações. Essa concep-ção, em muitos momentos históricos, justificou o colonialismo, o imperialismo.

As charges de Angeli, demonstradas na Figura 1 e na Figura 2, expressam a realidade do mundo hegemônico, no qual a diferença de classes é gritante. Segundo o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (1995), no texto O norte, o sul e a utopia, o capi-talismo global causa essa desigualdade social e ela deve continuar aumentando gradativamente.

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Figura 1 A nova ordem mundial.

A existência da pobreza como uma desigualdade social é in-dicadora da existência da marginalidade, da exclusão, dos excluí-dos pela pobreza. A presença constante e próxima desses excluí-dos incomoda e deixa-nos constrangidos por várias razões:

1) demonstra a ineficiência administrativa do Estado;2) indica o crescimento da quantidade de pessoas excluí-

das;3) traz à tona o temor da organização e ação dessa popu-

lação;4) constitui-se em uma evidência do fracasso de uma socie-

dade que se crê orientada pelos direitos humanos uni-versais em prol do bem comum.

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Figura 2 Moradias.

Para a Sociologia, a má distribuição da riqueza e da renda e o funcionamento imperfeito das instituições econômicas são fatores importantes que acarretam depressões econômicas e desemprego generalizado. São considerados como os principais responsáveis pelo desajustamento econômico em nossa sociedade.

O Brasil é hoje totalmente integrado pela língua, pelas co-municações de massas, pelos transportes e pelo mercado; parte da pobreza que existe é rural, localizada, sobretudo, nos estados do Nordeste e em zonas agrícolas deprimidas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Esse segmento da pobreza no Brasil é constituí-do de pessoas que sobrevivem em uma economia de subsistência, extremamente precária. Em sua maioria, no entanto, a pobreza é urbana, localizada na periferia das grandes cidades, constituída por pessoas, em grande parte, originárias do campo, e é medida pelo fato de que sua integração ao mercado de consumo não tem correspondência com o mercado de trabalho.

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Para o sociólogo brasileiro Simon Schwartzman (2004), qual-quer análise que se faça da sociedade brasileira atual mostra que, ao lado de uma economia moderna, existem milhões de pessoas excluídas de seus benefícios, assim como dos serviços proporcio-nados pelo governo para seus cidadãos. Socialmente, porém, os níveis de exclusão e desigualdade são muito maiores, estando en-tre os piores do mundo.

Schwartzman (2004) explica que uma das maneiras de compreender a pobreza é considerá-la como resultado da ação dos seres humanos, sendo resultado das formas como estes pen-sam, interpretam e direcionam a construção da história, da for-ma como aceitam os padrões mínimos de sobrevivência de cada indivíduo presente na sociedade. A pobreza pode ser vista como um fenômeno social decorrente da desigualdade social, visto ser fruto da concentração da riqueza, ou seja, da não distribuição da renda. Essa situação, em vigor no Brasil e no mundo, na atualida-de, precisa ser analisada como parte de um processo econômico e político.

No Brasil, a existência da pobreza não ocorre devido à fal-ta de recursos, e sim da desigual distribuição destes, entendendo que o Brasil é um país rico, porém, com um dos maiores índices de desigualdade do mundo. Como no passado, os níveis de pobre-za e exclusão continuam sendo causados por uma combinação de heranças, condições e escolhas de natureza econômica, política e cultural. É ingênuo supor que a pobreza e a desigualdade social poderiam ser eliminadas pela "vontade de alguém".

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS

Conforme procedemos nas unidades anteriores, vamos no-vamente fazer uma pausa para você fixar os conceitos abordados nesta unidade.

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1) Como definir a desigualdade social?2) Como definir a pobreza? 3) Quais são as três diferentes formas de pobreza identifi-

cadas por Friedmann e Leonie Sandercock, especialistas em planificação urbana?

8. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEÚDO DO TEXTO

O mundo contemporâneo assiste ao resultado de um longo processo histórico de formação de sociedades complexas. Duran-te o caminho percorrido pela humanidade, foram-se formando grupos diferenciados. Alguns desses grupos tornaram-se privile-giados e procuram monopolizar seus privilégios, as possibilidades de acesso à produção de bens e aos mecanismos de distribuição desses bens.

Na sociedade contemporânea, ao contrário da Antiguidade, que tinha a noção de que a sociedade se diferenciava por grupos inconciliáveis, exemplo das castas na Índia, desenvolveu-se a cons-ciência de humanidade, de igualdade reforçada pela expansão mundial do sistema capitalista industrial.

Uma vez adotada a ideia de humanidade, conceito que en-globa todas as pessoas do planeta, as desigualdades ficaram per-ceptíveis. Se todos os seres humanos são iguais perante a lei, como justificar as diferenças sociais?

A presença da pobreza vai contra os princípios que acredita-mos que deveriam pautar a existência humana: todos possuírem os mesmos direitos.

Nesse sentido, a presença da desigualdade social na socie-dade contemporânea assume o caráter de injustiça para muitos e privilégio para poucos, o que evidencia contradição em relação aos valores que defendemos para nossa organização social.

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9. E-REFERÊNCIAS

Lista de figurasFigura 1 – A nova ordem mundial: disponível em: <http://sociologia2cevr.blogspot.com/2007/11/anlise-das-charges.html>. Acesso em: 13 mai. 2010.Figura 2 – Moradias: disponível em: <http://sociologia2cevr.blogspot.com/2007/11/anlise-das-charges.html>. Acesso em: 13 mai. 2010.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOTTOMORE, T. B. Problemas Sociais. In: ______. Introdução à Sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. p. 306-318.COSTA, C. A questão da pobreza. In: ______. Sociologia: uma introdução à ciência da sociedade. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2002. p. 255-270.DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.KOENIG, S. Problemas Sociais. In: ______. Elementos de Sociologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 353-387.SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: o social, o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.SCHWARTZMAN, S. Pobreza, exclusão social e modernidade: uma introdução ao mundo contemporâneo. São Paulo: Augurium, 2004.SINGER, P. Perspectivas de desenvolvimento da América Latina. Novos Estudos Cebrap, n. 44, p. 163-164, mar. 1996.

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EAD

6Desigualdade Social: Grupos Minoritários, Preconceito e Discriminação

1. OBJETIVOS

• Identificar tendências da sociedade contemporânea.• Compreender o teor das questões sociais que se apresen-

tam para análises e explicações sociológicas.• Cultivar a atitude de pesquisador.

2. CONTEÚDOS

• A desigualdade social e a questão dos grupos minoritá-rios.

• O preconceito e a discriminação.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE1) Para complementar o que estudaremos nesta unidade,

que é referente ao preconceito e à discriminação, apre-

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sentamos duas sugestões de filmes: Meninos não cho-ram, dirigido por Kimberly Peirce, e Filadélfia, de Jona-than Demme.

2) Há um espaço eletrônico brasileiro, cujo endereço é o <http://www.portacurtas.com.br>, dedicado a filmes de curta metragem que é imperdível. Há inúmeros filmes que abordam, em linguagem cinematográfica, os temas do preconceito e da discriminação. Vale a pena curtir!

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE

Na unidade anterior, identificamos tendências da sociedade contemporânea e procuramos entender a natureza e o objeto das questões sociais que servem de base para as análises e explicações sociológicas. Pudemos também refletir sobre questões cruciais que desafiam as sociedades contemporâneas, como é o caso das desigualdades sociais, com destaque para a pobreza.

Nesta unidade, daremos continuidade às reflexões em torno das velhas e das novas questões sociais da Sociologia contempo-rânea, tentando estender a visão de desigualdade social para os grupos minoritários e refletir sobre os significados de preconceito e discriminação. Com essas ideias, encerraremos nossos estudos introdutórios ao conhecimento da Sociologia.

Conforme já abordamos, embora a desigualdade social seja encontrada com diferentes roupagens em todas as sociedades, ela alcançou com o capitalismo uma das versões mais duras.

A situação de extrema desigualdade social mundial resulta de um longo processo, que foi constituído nos últimos 500 anos e que foi surgindo com base em uma economia global de exploração do ser humano pelo ser humano.

Mesmo aqueles países que são considerados “em desenvol-vimento” estiveram – ou ainda estão – submetidos a imposições que impedem que suas populações alcancem, de modo igualitário, as mesmas condições dos países desenvolvidos.

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Embora existam vários movimentos de tentativas de dimi-nuição das desigualdades sociais, ainda persiste uma política de dominação que tem bases no poderio econômico dos países ricos, o que dificulta, sobremaneira, a superação dessas questões.

Conforme observamos em nossas incursões anteriores em torno da questão das desigualdades sociais, estas foram com-preendidas como resultantes de um processo social constituído ao longo da história. Os fundamentos, não apenas para sua per-manência, mas também para sua ampliação em níveis globais, colocam-nos diante da fragilidade da ideia de que todos os seres humanos têm os mesmos direitos.

Se todas as pessoas indistintamente possuem os mesmos direitos e se os direitos humanos são universais, como entende-remos a presença, sempre próxima, daqueles que não conseguem ter acesso ao mínimo necessário para viver com dignidade?

O fato de prevalecer nas sociedades contemporâneas a ideia de que todos fazem parte da humanidade e, portanto, têm os mes-mos direitos torna cada vez mais difícil a justificativa para a exis-tência das desigualdades sociais.

É partindo dessas considerações que abordaremos a natu-reza das questões sociais e tentaremos identificar algumas bases sociais que envolvem a existência de grupos minoritários ou mi-norias, do preconceito e da discriminação, como uma ampliação de nossas reflexões sobre as desigualdades sociais que tomaram, como questão social inicial, a pobreza.

5. A DESIGUALDADE SOCIAL E A QUESTÃO DAS MI-NORIAS

Temos utilizado a expressão “questões sociais” para refe-rirmo-nos às formas de desigualdade social. Assim, a pobreza, as minorias, o preconceito e a discriminação são identificados como questões sociais.

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Contudo, é importante esclarecermos o que são questões sociais antes de prosseguirmos com nosso estudo.

Questões sociais ou problemas sociais são situações ou con-dições que são consideradas pela sociedade como ameaças ao seu bem-estar e que precisam ser eliminadas ou diminuídas. Trata-se de condições que afetam um número significativo de pessoas e pelas quais se acredita que algo possa ser feito mediante uma in-terferência.

Para a Sociologia, não há uma causa única e simples para a existência de problemas sociais. Frequentemente, há uma interli-gação de várias causas que não podem ser explicadas separada-mente (KOENIG, 1975).

Uma dada situação pode ser considerada problemática por uma sociedade e não ser encarada da mesma forma por outra. Devido à mudança das condições e de atitudes, o que se considera problema hoje pode não ter sido assim considerado no passado. A persistência de algumas questões sociais, como, por exemplo, a pobreza, os crimes e as guerras, revela, provavelmente, que os seres humanos tiveram que lidar, ao longo dos tempos, com os mesmos tipos de condições ambientais e sociais. Lembremos o exemplo da pobreza e as várias significações sociais que ela adqui-re ao longo do tempo.

Todavia, há questões sociais permanentes e universais. A guerra, por exemplo, provavelmente revela que, diante de algu-mas circunstâncias, os seres humanos tiveram de lidar com os mesmos tipos de condições sociais.

Embora a Sociologia se ocupe, primordialmente, das intera-ções sociais e embora ela esteja interessada, sobretudo, na inves-tigação dos fenômenos sociais, também estuda as questões sociais como resultados da vida em sociedade. Desse modo, a Sociologia aborda questões como: pobreza, minorias, preconceito, discrimi-nação, divórcio, conflitos raciais e religiosos, desemprego, alcoo-lismo, suicídio, desnutrição, mortalidade infantil, trabalho infantil,

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homossexualidade, pedofilia, velhice, desabrigados, violência, cri-mes, fome, saúde pública, analfabetismo etc.

Diante dessas questões, o principal objetivo da Sociologia é procurar condições para a sua compreensão, bem como analisá-las, explicá-las e torná-las públicas. A Sociologia pode contribuir muito na busca de soluções eficazes, considerando que os esforços para resolver os problemas sociais só podem ser exitosos quando se baseiam em circunstâncias indiscutíveis e em uma adequada com-preensão de suas condições.

Pensemos nas minorias como questão social. De onde vem a ideia de grupos minoritários ou minorias?

O princípio da concepção de minorias foi engendrado com base na ideia de maioria, que, por sua vez, nasceu com a demo-cracia grega. Os gregos organizaram a legitimidade da lei funda-mentados no fato de ela representar a vontade dos cidadãos. Em Atenas, aqueles que eram considerados cidadãos selecionavam e aprovavam as leis em assembleias, e essa seleção e consequente aprovação dos cidadãos eram consideradas a manifestação numé-rica da maioria.

Quem era considerado cidadão em Atenas? Os nascidos gregos, do sexo masculino, com idade superior a 18 anos e livres. Encontravam-se excluídos dessas condições os escravos, os estran-geiros, as mulheres, os artesãos, os comerciantes e os menores de 18 anos. Estes constituíam o segmento mais numeroso da popu-lação grega.

Por extensão, no século 19, quando as repúblicas criaram o sistema político representativo, permaneceu o mesmo princípio da maioria. As leis votadas pela maioria dos representantes legis-lativos passaram a corresponder à vontade da nação.

Com a adoção da democracia representativa, o que é oficial é tido como decisão da maioria. Assim entendido, se o governo é representativo, ele representa a maioria da população. Aqueles

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que não concordam são considerados minorias, mesmo que cor-respondam – como no caso das mulheres – a mais da metade da população do mundo.

Há outras situações que contribuíram para o estabelecimen-to da ideia de minoria.

No caso da teoria sociológica organizada por Durkheim, te-mos que uma das características do fato social é a sua generalida-de, isto é, sua recorrência. Segundo essa visão, o que é discordante ou desviante foge da normalidade e da unanimidade; distancia-se da maioria e recai na minoria.

O uso da Estatística também ajudou na propagação desses princípios. Quando temos números transformados em realidade, a análise quantitativa pode deformar a visão de realidade, criar semelhanças inexistentes, assim como esconder ou eliminar dife-renças, ou seja, mascarar resultados.

Para exemplificar, façamos a seguinte suposição: uma pes-quisa estatística que constatar que, em uma dada população, a metade dos indivíduos consome 200 gramas de queijo por dia enquanto a outra metade dos indivíduos não consome nenhuma quantidade desse produto, partindo dos mesmos dados, ao elabo-rar os resultados, pode optar pelo consumo médio da população e concluir que ele é de 100 gramas de queijo por dia, por indivíduo, o que representará resultados tendenciosos das noções de maio-ria e minoria.

Nesse caso, os resultados vêm mascarados, pois são escon-didas as diferenças e criadas aproximações inexistentes: toda a po-pulação consome uma quantidade de queijo.

A complexidade da vida social e o uso político da ideia de maioria e minoria tornam cada vez mais difícil o estabelecimento de definições sobre o que seria uma maioria real. Nesse contexto, é possível expressar que as minorias têm se deparado com difí-

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ceis situações, que resultam de sua desconsideração nos regimes representativos, nos levantamentos estatísticos e diante de deter-minados interesses políticos. Foram essas razões que levaram as minorias à luta mediante manifestações, reivindicações e formas de organização, que pretendem denunciar preconceitos e influen-ciar na mudança de certas formas de comportamento.

Para a Sociologia, um grupo minoritário define-se por ser so-cialmente dominado por outro. É minoritário o grupo que, em de-corrência do preconceito e da discriminação, tem sua participação social comprometida em função do poder, da influência, do autori-tarismo dos membros do grupo ou dos grupos dominantes. Trata--se de um grupo cujos membros têm menos controle sobre suas vidas quando comparados aos membros do grupo dominante.

As minorias têm poder relativo menor se comparadas ao grupo majoritário, independentemente do seu número de com-ponentes. As mulheres formam, numericamente, a maioria da po-pulação brasileira, segundo os resultados do Censo 2000, apresen-tado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. No entanto, elas são tratadas como minoria porque não têm muitas limitações nas alternativas de tipos de trabalhos de expressão po-lítica e de expressão cultural quando comparadas aos homens. Daí o motivo de serem definidas e tratadas como minoria.

A Sociologia tem voltado grande parte de seus estudos para pesquisas que têm como objeto os grupos minoritários que se di-ferenciam pelo tipo de orientação sexual, pela cor de pele, pela educação, pela nacionalidade, pela religião, pelo gênero, entre outros. Grupos esses que, em muitas situações, são reconhecidos como maioria ou minoria por sua capacidade de reivindicar e de fazer pressão social. A força da ação política pode tornar as ques-tões minoritárias em majoritárias, dependendo do esforço para revelar as contradições, as injustiças e os privilégios característicos de algumas parcelas sociais.

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6. O PRECONCEITO E A DISCRIMINAÇÃO

Quando optamos por apresentar o tema das desigualdades sociais, fundamentamo-nos nas ideias de que ele fornece elemen-tos para apontar a necessidade de entendimento de sociedades distintas e das formas de desigualdade que lhes são equivalentes. Trata-se de circunstâncias que oferecem possibilidades para uma reflexão sobre as condições de produção e reprodução das desi-gualdades sociais em sociedades como a brasileira. Desses prin-cípios, decorre a opção de incluir reflexões sobre o preconceito e a discriminação, porque, sobretudo, após o nazismo, estes estão entre os temas básicos de Sociologia entendidos como formas de exclusão social, desde as mais sutis até as mais amplas, que pre-gam, abertamente, o extermínio de grupos.

No caso do Brasil, os dados censitários do IBGE, consideran-do que a realidade brasileira registra qualidades de vida diferen-tes para alguns grupos, sobretudo aqueles cujos componentes são identificados como pretos e pardos, indicam a existência do pre-conceito racial, condições que, por si só, justificam estudos, refle-xões e análises em torno dessa questão.

Se analisarmos, historicamente, a questão das desigualda-des sociais no Brasil, nas quais o preconceito e a discriminação estão entranhados, perceberemos que, além da pobreza (que é a desigualdade básica), outros indicadores poderiam ser exaus-tivamente citados para exemplificar a situação, tais como: fome, saúde pública, educação, moradia, transporte público, violência, desemprego etc.

Preconceito e discriminação são formas de exclusão social que, embora ocorram juntas, têm significados diferentes. O pre-conceito refere-se a um sentimento, um pensamento, uma ideia previamente concebida, sem o reconhecimento da situação à qual se refere. Discriminação é o comportamento manifesto, baseado em atitude, em ideia preconceituosa.

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O preconceito está ligado aos significados de um julgamento prévio e negativo sobre um determinado indivíduo ou grupo, efe-tuado antes de um exame ponderado e completo e, muitas vezes, mantido rigidamente, mesmo diante de provas que o contradizem. Há um livro de Silva Queiroz (1996), cujo título é muito sugestivo: Não vi e não gostei, que trata de modo objetivo o fenômeno do pre-conceito e apresenta boa perspectiva para se debater o tema; um outro exemplo é o livro de Marcos Bagno, Preconceito lingüístico: o que é, como se faz, que, embora apresente um aspecto específi-co do preconceito ligado à língua portuguesa brasileira, oferece ao leitor uma excelente fundamentação conceitual para o preconceito.

A Figura 1 ilustra alguns tipos de preconceitos que ocorrem frequentemente.

Fonte: disponível em: <www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=oassu...>. Acesso em: 10 jun. 2010.

Figura 1 12 Faces do Preconceito, de Jaime Pinsky.

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Precisamos ficar atentos para o fato de que o termo precon-ceito tem um alcance amplo e diversificado e adquire conotações complexas, o que pede que ele seja sempre interpretado levando em consideração o contexto em que é utilizado.

Nas Ciências Sociais, de modo geral, e na Sociologia, de modo específico, seu significado refere-se a julgamentos categóri-cos, antecipados, carregados de componentes afetivos, como, por exemplo, a antipatia e a aversão; e de componentes cognitivos, tais como as crenças e os estereótipos; bem como de componen-tes avaliatórios, como as políticas públicas.

As pesquisas em Ciências Sociais concentraram as atitudes rotuladas de preconceito como aquelas orientações desfavoráveis dirigidas a grupos ou categorias.

As provas acumuladas por essas pesquisas estabeleceram um grande número de generalizações empíricas referentes ao precon-ceito. Dentre as mais importantes conclusões, segundo o Dicionário do pensamento social do século XX (1996), estão as seguintes:

1) Os preconceitos, embora generalizados, não são univer-sais.

2) O preconceito não é monopólio desta ou daquela socie-dade nem desta ou daquela cultura.

3) O preconceito não é inato, é aprendido.4) Os preconceitos em relação a diferentes grupos tendem

a andar juntos: as pessoas que manifestam preconceito para com um grupo étnico mostram, tipicamente, atitu-des semelhantes para com outros “grupos de fora”.

5) Os indivíduos variam muito na intensidade e na espécie de seus preconceitos.

6) Os preconceitos encorajam os comportamentos discri-minatórios e as orientações dadas às políticas públicas e são gerados por eles.

7) Preconceito e comportamento não precisam ser con-gruentes, uma vez que situações específicas podem con-sideravelmente afetar a conduta, apesar de as atitudes serem generalizadas.

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O preconceito é uma tendência de comportamento que não necessariamente envolve uma ação em si. É possível ser pre-conceituoso e não manifestar o preconceito em forma de ação discriminatória. A discriminação envolve uma ação deliberada e intencional, mas o inverso também pode ocorrer: um ato de discri-minação sem o sentimento de preconceito.

Outro aspecto a ser considerado sobre o preconceito é que ele não pode ser controlado por meios legais, enquanto a discrimi-nação, que é uma manifestação pública do preconceito, é passível de obter um controle legal.

Considerar pessoas negras pouco confiáveis é um precon-ceito; impedi-las de abrir um crediário sem qualquer consulta aos serviços de proteção ao crédito é uma discriminação.

Ninguém nasce com preconceito. Ele é aprendido no decor-rer do processo de socialização. As pessoas adquirem-no dos pais e dos familiares, na escola, na igreja, na convivência com amigos, nos livros que leu ou nos filmes que assistiu.

O preconceito torna-se um problema quando um prejulga-mento se mantém o mesmo depois que fatos demonstrem que ele está incorreto. O racismo, por exemplo, baseia-se na crença de que características herdadas são sinais de inferioridade. Mesmo após estudos científicos comprovarem sua inconsistência, essa crença continua justificando um tratamento discriminatório das pessoas que carregam essa herança.

O preconceito e a discriminação levam à exclusão, restrin-gem a participação e a integração das pessoas e dos grupos per-tencentes às minorias. Dadas essas condições, a partir da última década do século 20, passaram a ser implementadas no Brasil po-líticas públicas e privadas para combater todas as formas de discri-minação. A essas políticas, damos o nome de ações afirmativas. Elas foram estabelecidas, inicialmente, nos Estados Unidos e as-seguravam cotas de ingresso às minorias raciais e às mulheres na escola e no trabalho, favorecendo a ascensão social aos negros,

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que passaram a exercer profissões de prestígio e a ocupar cargos e posições de poder.

No Brasil, a obrigatoriedade da reserva de vagas para mu-lheres nos partidos políticos brasileiros, da reserva de vagas para pessoas deficientes em concursos públicos e da reserva de vagas para pobres e negros nas universidades públicas são exemplos de ações afirmativas.

Há nas sociedades em geral uma tendência que se amplia: de lutar a todo custo contra as mais diversas formas de preconcei-to. É importante esclarecer que essa tendência pode, em alguns casos, não ter qualquer fundamento nem qualquer justificativa e, também, ser fruto da intolerância, da ignorância ou da manipu-lação de ideias. As implicações sociais desse tipo de compromis-so são grandes, e, para não corrermos o risco de nos afastarmos de uma sociedade democrática na qual as pessoas possam viver como cidadãos conscientes de seus direitos e de suas reivindica-ções, é preciso aprender a observar a realidade, compreendê-la e analisá-la sem deixar de considerar todas as experiências que já foram realizadas em outras sociedades, próximas ou distantes.

O estudo sociológico, em sua particularização e em seus ma-tizes, oferece algumas possibilidades de impedir, eficazmente, a repetição de calamidades ligadas ao preconceito e à discriminação na qual elas surgirem como ameaça, sejam quais forem as vítimas designadas.

Não se trata de oferecer receita. Trata-se de conhecer e re-conhecer as motivações do preconceito e do preconceituoso no sentido de que quem conhece essas motivações resistirá em ser levado por aqueles que se voltam contra os que são mais frágeis. Escritos e campanhas objetivas e esclarecedoras; colaboração do rádio, da televisão, do cinema e dos meios escritos de comunica-ção de massa; bem como a elaboração dos resultados científicos para ensino nas escolas, poderiam ser medidas práticas de comba-te ao preconceito e à discriminação.

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A luta eficaz contra o preconceito e a discriminação não é possível sem o conhecimento de suas causas, sobretudo se dese-jarmos que essa luta atinja as raízes da intolerância. A missão da Sociologia como ciência é formular uma concepção das formas de organizações das estruturas sociais capaz de ser interpretada de forma racional. Embora ela, por si só, não baste para fazer o neces-sário nessa luta, não deixa de constituir uma contribuição indis-pensável para a resolução dessas questões sociais.

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS

Conforme procedemos nas unidades anteriores, vamos no-vamente fazer uma pausa para que você fixe os conceitos aborda-dos nesta unidade.

1) O que são questões sociais ou problemas sociais?2) O que caracteriza o preconceito?3) O que caracteriza a discriminação?4) Quais são as generalizações empíricas referentes ao pre-

conceito apresentadas no Dicionário do pensamento so-cial do século XX?

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos traduzir esta unidade de estudo na compreensão do fato de que, na mesma sociedade em que se desenvolveu a indústria de massa, provocando homogeneização nos modos de vidas, surgiram grupos distintos que se distinguem da população.

Cada um desses grupos procura definir sua própria história e elabora suas formas de organização e suas reivindicações. Todo esforço é dirigido no sentido de criar e de firmar sua identidade, de buscar diferenças mais profundas e radicais. Diferenças que revelem as contradições, as injustiças e os privilégios de alguns grupos.

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Observar a dinâmica social coloca-nos diante de circunstân-cias que nos permitem perceber que o coletivo pode encobrir dife-renças e discriminações, perseguições e injustiças, cuja superação só é possível diante da força dos grupos, que, por suas caracterís-ticas, se diferenciam dos outros membros da sociedade em que vivem e, por essa razão, recebem tratamento desigual.

São os grupos minoritários, socialmente dominados por outros grupos cujos membros possuem mais poder, controle e influência.

É minoritário o grupo cujos membros, em decorrência do pre-conceito e da discriminação, têm menos poder e controle sobre si mesmos do que os membros do grupo ou dos grupos que o dominam.

Na sequência dessas ideias, vimos que preconceito e dis-criminação são diferentes. O preconceito está ligado a um pensa-mento ou a uma opinião desfavorável que se organiza em relação a outros indivíduos ou grupos. Preconceito esse que se baseia em um prejulgamento sem fundamentos racionais, um julgamento baseado em estereótipos e generalizações. Em um campo diferen-te do preconceito, encontramos a discriminação, uma ação delibe-rada, intencional, que conduz a um tratamento injusto e desigual.

Muito teríamos de estudar e refletir sobre temas como a desigualdade social, a pobreza, as minorias, o preconceito e a dis-criminação. No entanto, considerando que nosso tempo tem co-meço, meio e fim estabelecidos, nossa contribuição com os temas apresentados procura despertar em você um desejo incontido de busca pela compreensão e por explicações para as realidades so-ciais, sejam elas próximas, sejam distantes.

As questões que apresentamos aqui não são pequenas nem simples, porém, isto não impede que busquemos recursos nos es-tudos sociológicos, que podem nos oferecer conhecimentos que possibilitem nosso entendimento sobre o que ocorre no mundo em que vivemos.

Até uma próxima oportunidade!

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9. E-REFERÊNCIA

Lista de figuraFigura 1 – 12 Faces do Preconceito, de Jaime Pinsky: disponível em: <http://www.educarede.org.br/educa/img_conteudo/1527_preconceito.jpg>. Acesso em: 13 maio 2010.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Neste tópico, além das referências citadas nesta unidade, há outras que podem contribuir para melhorar a compreensão em torno das questões abordadas no texto.

BAGNO, M. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2000.COVRE, M. L. M. (Org.) A cidadania que não temos. São Paulo: Brasiliense, 1987.HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. (Org). Preconceito. In: ______. Temas básicos de Sociologia. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1978, p. 171-183.KOENIG, S. Elementos de Sociologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.OUTHWHAITE, W.; BOTTOMORE, T. (Eds.). Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.SILVA QUEIROZ, R. da. Não vi e não gostei: o fenômeno do preconceito. São Paulo: Moderna, 1996.VALENTE, A. L. Educação e diversidade cultural: um desafio da atualidade. São Paulo: Editora Moderna, 1999.

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