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Page 1: Sociologia da Globalizacao - Estado, economia, cidades ... · PDF fileProjeto: Cidadão em Rede: De Consu midor a Produtor de ... Enquanto a pesquisa sobre cadeias produtivas globais

Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013

Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais

Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

Resumo parcial

Maria Célia Furtado Rocha

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O livro apresenta (mas também vai além) compreensões da globalização que enfocam apenas

a crescente interdependência e instituições evidentemente globais. O que se está tentando

nomear com a palavra globalização? Segundo minha leitura [da autora], a palavra abrange dois

conjuntos distintos de dinâmicas: a formação de processos e instituições explicitamente

globais (OMC, mercados financeiros globais, Tribunais Penais Internacionais de Guerra) e

processos que não ocorrem necessariamente no nível global, mas dentro de territórios e

domínios institucionais nacionais, envolvendo redes transfronteiriças que conectam processos

e atores locais ou “nacionais” ou a recorrência de questões ou dinâmicas específicas em um

número cada vez maior de países e localidades.

Os processos e as formações globais podem estar desestabilizando a hierarquia escalar

centrada no Estado nacional. No passado, a formação do Estado nacional desestabilizou as

antigas hierarquias de escala constituídas por meio das práticas e projetos de poder, como os

impérios coloniais do século XVI e subseqüentes e as cidades medievais que dominavam o

comércio de longa distância entre certas partes da Europa no século XIV.

A formação do mercado global para o capital, um regime de comércio global e a

internacionalização da produção industrial às vezes são vistos como um retorno a antigas

espacialidades imperiais para operações econômicas. É crucial reconhecer as especificidades

das práticas atuais e das capacidades que as possibilitam. Essas especificidades resultam em

parte do fato de que as espacialidades transfronteiriças de hoje precisam ser produzidas em

um contexto em que a maioria do território está encerrada em uma estrutura nacional densa e

altamente formalizada, marcada pela autoridade exclusiva do Estado sobre seu território. Essa

proeminência do nacional traz consigo a participação necessária dos Estados nacionais na

formação de sistemas globais.

Um segundo aspecto é o caráter multiescalar de diversos processos de globalização. Um

centro financeiro em uma cidade global é uma entidade local, que também faz parte de um

mercado eletrônico de escala global – um caso em que o local é multiescalar. Por outro lado a

OMC é uma entidade global que se torna ativa quando inserida em economias e políticas

nacionais – um caso em que o global é multiescalar. Uma configuração multiescalar mais

complexa é o novo tipo de espaço operacional usado por empresas multinacionais, que inclui

redes de filiais espraiadas e concentração de funções estratégicas em um único lugar ou em

alguns lugares.

Uma das principais hipóteses organizadoras do modelo da cidade global é que, quanto mais

globalizadas e mais informatizadas se tornam as operações de empresas e mercados, mais

estratégicas e complexas se tornam sua administração central e suas funções de serviços

especializados, beneficiando-se assim de economias de aglomeração. Em graus variados essas

economias de aglomeração ainda são obtidas por meio de concentração territorial de recursos

múltiplos proporcionadas pelas cidades.

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Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013

Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais

Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

Resumo parcial

Maria Célia Furtado Rocha

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Essa variedade de dinâmicas multiescalares aponta para condições que não podem ser

organizadas como uma hierarquia, muito menos como uma hierarquia concatenada. É um

sistema multiescalar que opera em escalas e não simplesmente ascendendo na escala.

Uma tarefa central que enfrentamos é decodificar certos aspectos que ainda são

representados ou experimentados como nacionais, que podem de fato ter-se afastado daquilo

que historicamente era considerado ou constituído como nacional.

Três exemplos ilustram algumas das questões desse tipo de estudo:

• O papel do lugar em muitos dos circuitos que constituem a globalização econômica e

política

O foco no lugar nos permite investigar a globalização em termos dos diversos circuitos

transfronteiriços especializados onde se localizam diversos tipos de lugares. A emergência de

formas de globalidade centradas em disputas localizadas e atores que fazem parte de redes

transfronteiriças é uma forma de política global que se dá em meio a instituições locais em vez

de globais.

Enquanto a pesquisa sobre cadeias produtivas globais se concentra principalmente em

circuitos, o trabalho sobre as cidades globais chama atenção para lugares estratégicos na

economia global.

As cidades globais são lugares subnacionais em que diversos circuitos globais se cruzam e, a

partir daí, posicionam essas cidades em diversas geografias transfronteiriças estruturadas,

cada uma com alcance distinto e constituída em termos de práticas e atores distintos (alguns

dos circuitos que conectam São Paulo à dinâmica global são diferentes dos que conectam

Frankfurt, Johanesburgo ou Mumbai).

• O papel das novas tecnologias interativas no reposicionamento do local

Isso nos convida a uma análise crítica de como conceituamos o local. Por meio delas, uma

empresa de serviços financeiros se transforma em um microambiente com alcance global

contínuo. O mesmo se aplica a organizações com poucos recursos ou unidades familiares.

Esses microambientes podem ser orientados para outros microambientes muito distantes,

desestabilizando a noção de contexto, que costuma ser associada à do local e à noção de que a

proximidade física é um dos atributos ou indicadores do local.

• Interações entre dinâmicas globais e certos componentes dos Estados nacionais

Meu principal argumento é que até onde determinadas estruturações do global habitam o que

foi historicamente construído e institucionalizado como território nacional, elas engendram

uma variedade de negociações entre o global e o nacional. Algumas situações evidentes

atualmente é o que descrevo como uma desnacionalização parcial, incipiente e especializada

de certos componentes dos Estados nacionais.

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Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013

Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais

Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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Maria Célia Furtado Rocha

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Em todos os 3 casos, práticas e dinâmicas dizem respeito ao global, ainda que ocorram no que

historicamente foi construído como a escala do nacional.

Com poucas exceções, as ciências sociais não historicizaram a escala do nacional. A tendência

disso é enxergá-la como escala fixa e reificá-la. Associada a essa tendência existe a premissa

geralmente acrítica de que essas escalas são mutuamente excludentes. Finalmente os 3

exemplos citados vão de encontro à premissas e proposições que costumam ser descritas

como nacionalismo metodológico. A categoria de “nação como invólucro” é inadequada,

devido à proliferação de dinâmicas e formações transfronteiriças. Estou enfocando outro

conjunto de razões para defender a crítica do nacionalismo metodológico: o fato de haver

estruturações variadas e específicas do global dentro do que é construído historicamente

como nacional. Além disso, postulo que, como o nacional é altamente institucionalizado e

denso, as estruturações do global dentro do nacional acarretam uma desnacionalização parcial

e geralmente bastante especializada e específica de certos componentes do nacional.

*

* *

As redes transfronteiriças de cidades globais

Quando a atividade econômica se torna globalizada, ela reformula as ordens existentes e

contribui para a formação de novas ordens.

À medida que a economia global se expandiu nas duas últimas décadas assistimos à formação

de uma rede crescente de cidades globais, hoje em torno de 40, pelas quais a riqueza

econômica e os processos nacionais se articulam com uma proliferação de circuitos globais de

capital, investimento e comércio.

Propus 5 hipóteses para explicar a importância das cidades na institucionalização de processos

econômicos globais:

• quanto mais dispersas as operações da empresa em diferentes países, mais complexas

e estratégicas seriam a administração, a coordenação, a manutenção e o

financiamento da rede de operações da empresa

• quanto mais complexas se tornam essas funções centrais, mas provavelmente elas

serão “terceirizadas” pelas matrizes das grandes empresas globais

• quanto mais complexos e globalizados forem os mercados de uma firma prestadora de

serviços, mais suas funções centrais estarão sujeitas a economias de aglomeração – a

complexidade dos serviços, a incerteza do mercado em que estão envolvidos e a

crescente importância da velocidade de todas essas transações, tudo isso gera as

condições para uma nova dinâmica de aglomeração

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Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013

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Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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• quanto mais as matrizes terceirizam suas funções mais complexas e não padronizadas,

mais livres elas serão para optar por um lugar, pois uma parcela menor do trabalho

feito na matriz estará sujeita a economias de aglomeração

• até onde essas empresas especializadas devem prestar um serviço global há um

fortalecimento das transações e redes fronteiriças entre as cidades

O crescimento das atividades globais de administração e manutenção trouxe consigo uma

massiva melhoria e expansão de áreas urbanas centrais, mesmo que grandes proporções

dessas cidades se aprofundem na pobreza e experimentem a decadência em sua infra-

estrutura.

Um sistema urbano transnacional é em parte uma estrutura organizacional para transações

transfronteiriças. Há muito tempo existem processos econômicos através das fronteiras. Nesse

sentido não há nada de novo nas redes interurbanas que surgem hoje em dia. Nos últimos 200

anos o sistema interestatal passou a ser a forma organizacional dominante para os fluxos

transfronteiriços em grande parte do mundo. Essa condição começou a mudar na década de

1980 e cresceu na de 1990, como resultado da privatização, desregulamentação e das novas

tecnologias da informação, da abertura de economias nacionais a empresas estrangeiras e da

participação crescente de atores nacionais em mercados globais. Os principais articuladores

agora não são apenas os Estados nacionais, mas empresas e mercados cujas operações globais

são facilitadas por novas políticas e padrões internacionais.

À medida que as transações transfronteiriças aumentam, também aumentam as redes que

conectam certas configurações de cidades, contribuindo para a formação de geografias

transfronteiriças específicas que conectam certos conjuntos de cidades. O resultado é o

reescalonamento dos lugares estratégicos que articulam o novo sistema.

Juntamente com o enfraquecimento do nacional como unidade espacial vêm condições para a

ascensão de outras unidades e escalas espaciais – escalas subnacionais, particularmente

cidades e regiões, regiões transfronteiriças que abrangem duas ou mais entidades

subnacionais e entidades supranacionais como os mercados eletrônicos globais e blocos de

livre comércio. A dinâmica e os processos que são territorializados ou localizados nessas

escalas variadas podem ser regionais, nacionais e globais.

As funções regulatórias deslocam-se cada vez mais para um conjunto de redes regulatórias

transnacionais emergentes ou revigoradas e para o desenvolvimento de uma variedade de

padrões que organizam o comércio mundial e as finanças globais. Agências regulatórias muitas

vezes semi-autônomas e as redes especializadas que elas formam estão assumindo funções

antes localizadas dentro de arcabouços legais nacionais, e os padrões estão substituindo as

regras do direito internacional.

*

* *

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Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013

Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais

Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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Maria Célia Furtado Rocha

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A importância de lugares estratégicos como as cidades globais para entender os processos

globais e a possibilidade de as localidades interagirem diretamente com as redes globais

problematizam a noção da dualidade global-nacional.

A economia global em grande medida materializa-se em territórios nacionais. As cidades

globais são locais onde a economia global é em grande parte organizada, mantida e financiada.

Os processos globais na precisam atravessar as hierarquias de Estados nacionais, eles podem

se articular diretamente com certos tipos de localidades e atores locais.

Vemos uma considerável institucionalização, especialmente na década de 1990, dos “direitos”

das empresas não nacionais, a desregulamentação de transações transfronteiriças e a

influência e poder crescente de algumas das instituições supranacionais. Se garantir esses

direitos e poderes acarretou uma renúncia mesmo que parcial de componentes da autoridade

construída ao longo do último século, podemos postular que esse processo estabelece as

condições para uma transformação do papel do Estado. Além disso, indica um envolvimento

necessário da parte dos Estados nacionais no processo de globalização.

O problema com a explicação dessa nova condição do Estado em termos de redução de

capacidades regulatórias – desregulação e liberalização financeira e comercial –, que também

envolve a privatização de empresas do setor público, é que esses termos somente captam o

retraimento do Estado na regulação da economia, mas não registram todas as maneiras em

que o Estado participa estabelecendo novas estruturas que promovem a globalização.

Também não captam as transformações correspondentes no interior do Estado.

Ao contrário presenciamos um reposicionamento do Estado em campo mais amplo de poder e

uma reconfiguração do trabalho dos Estados. Esse campo mais amplo de poder se constitui em

parte pela formação de uma nova ordem institucional privada ligada à economia global e em

parte pela importância crescente de uma variedade de ordens institucionais envolvidas em

vários aspectos do bem comum, entendida de forma mais ampla como uma rede internacional

de ONGs e o regime internacional de direitos humanos.

A análise dessa geografia do poder exige identificar e conceituar um conjunto específico de

operações que se dá dentro de cenários institucionais nacionais, mas voltados para agendas

não nacionais ou transnacionais.

Como os Estados lidam com esse envolvimento com o global? O consenso emergente, muitas

vezes imposto, na comunidade de Estados sobre promover a globalização não é uma simples

decisão política: ele implica tipos específicos de trabalho por um grande número de

instituições distintas em cada país. Nesse sentido o consenso força os Estados a trabalhar.

Pode-se dizer que o Estado incorpora o projeto global de encolher seu próprio papel de

regulamentar as transações econômicas. O Estado aqui pode ser concebido como uma

capacidade administrativa técnica que não pode ser reproduzida neste momento por nenhum

outro arranjo institucional. Visto da perspectiva das empresas que atuam no âmbito

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transnacional, o objetivo é garantir as funções exercidas tradicionalmente pelo Estado no

campo nacional da economia, particularmente garantir os direitos de propriedade e contratos,

agora também estendidos a empresas estrangeiras.

Existe um conjunto de dinâmicas estratégicas e transformações institucionais em andamento.

Elas podem incorporar um pequeno número de agências estatais e unidades dentro de

ministérios ou um pequeno número de iniciativas legislativas e ordens executivas, e ainda

assim têm o poder de instituir uma nova normatividade no núcleo do Estado. Esses setores

estratégicos estão operando em interações complexas com atores privados, transnacionais e

poderosos, mesmo que grande parte do aparato institucional dos Estados permaneça

basicamente intocado. O que vemos aqui é a desnacionalização incipiente e parcial de ordens

institucionais e agendas estatais altamente especializadas e específicas. Argumento que essa

transformação acarreta a necessidade de decodificar o que é “nacional” (historicamente

construído) em relação a essas ordens institucionais especializadas dentro do Estado.

Essa ordem institucional contribui para fortalecer as vantagens de certos tipos de atores

econômicos e políticos e para enfraquecer as de outros. Ela é parcial, não universal, tem

influência indevida sobre grandes áreas do mundo institucional. Além disso, essa ordem não é

plenamente responsabilizável em relação aos sistemas políticos democráticos formais. Embora

parcialmente embutida em cenários institucionais nacionais, é diferente deles.

Entre seus aspectos característicos dessa nova ordem institucional privada no centro de várias

instituições estatais nacionais estão a capacidade de privatizar o que antes era público e de

desnacionalizar aquelas que antes eram autoridades e agendas nacionais. Essa nova ordem

institucional tem autoridade normativa – normatividade que vem do mundo do poder privado,

mas instala-se no domínio público e assim fazendo ajuda a desnacionalizar as agendas

nacionais.

Tanto as transformações específicas dentro do Estado, quanto a ordem institucional

privatizada emergente têm capacidade de alterar condições que podem ser cruciais para a

“democracia liberal” e para a arquitetura organizacional da lei internacional. Ambas têm a

capacidade de alterar o alcance da autoridade dos Estados e do sistema interestatal, os

domínios institucionais pelos quais o “Estado de Direito” é implementado. Não estamos

assistindo ao fim do Estado, mas pelo contrário que os Estados não são os únicos ou os mais

importantes agentes nesta nova ordem institucional.

Em termos de pesquisa isso significa estabelecer quais são as novas condições territoriais e

institucionais em que os Estados nacionais atuam.

1. O Estado, a economia global e as redes digitais

O esforço aqui é o de ampliar o terreno analítico em que a questão da globalização é mapeada

para além das narrativas dualizadas (Estado vitimado pela globalização ou pouca coisa mudou

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Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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ou o Estado se adapta). Aqui a idéia é que o Estado se torna o lugar para as transformações

fundamentais na relação entre os domínios privado e público.

Enquanto os Estados são "organizações coercitivas que são diferentes de famílias e grupos de

parentesco e exercem uma clara prioridade, em certos sentidos, sobre todas as outras

organizações dentro de territórios substanciais", os Estados nacionais se distinguem por

"governarem regiões contíguas múltiplas e suas cidades por meio de estruturas centralizadas,

diferenciadas e autônomas" (Charles Tilly, 1990. Coercion, Capital, and European States, A.D.

1990-1992. Cambridge: Blackwell).

Como a definição de Tilly, quase todas as definições sociológicas do Estado desde Max Weber

enfatizam uma dimensão territorial do poder estatal.

Os Estados não enfrentam mudanças em seus ambientes com submissão. Isso envolve a

modificação de capacidades existentes para as novas situações e a tentativa de atores estatais

de se conectarem à economia global, de reivindicar jurisdição sobre as tarefas envolvidas na

globalização, garantindo assim o seu próprio poder.

À medida que componentes específicos de Estados nacionais se tornam a casa institucional

para algumas das dinâmicas centrais à globalização, eles passam por uma mudança. A hipótese

aqui é de que esses componentes, ainda que formalmente nacionais, não são nacionais no

sentido em que construímos o significado do termo nos últimos séculos. A desnacionalização

endogeniza agendas globais de tipos diferentes de atores.

Depois de quase um século de fortalecimento do Estado nacional, assistimos desde o final da

década de 1980 a uma considerável institucionalização dos "direitos" de empresas não

nacionais, à desregulamentação de transações transfronteiriças e à influência do poder

crescente de certas organizações supranacionais.

Se garantir esses direitos e poderes acarretou uma renúncia parcial de componentes da

autoridade estatal, postulamos que isso estabelece as condições para um engajamento

necessário dos Estados nacionais no processo de globalização. O papel do Estado no processo

de desregulamentação envolve a criação de novos tipos de regulamentações, atos legislativos

e decisões judiciais - em suma a criação de uma série de novas "legalidades". O Estado

permanece sendo o fiador final dos "direitos" do capital global - a proteção de contratos e

direitos de propriedade.

O estudo do Estado tem sido dominado por categorias analíticas centradas principalmente no

Ocidente. Uma linha crítica crescente (chamada muitas vezes de estudos pós-coloniais) busca

descentralizar a análise do Estado em um mapa histórico mais amplo, como um meio de

incorporar as diferentes trajetórias do Estado em outras partes do mundo.

De fato alguns Estados, particularmente Estados Unidos e Reino Unido, são os mais poderosos

produtores de novos padrões e legalidades, pois a maioria desses deriva do direito comercial e

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dos padrões contábeis anglo-americanos, os quais devem ser criados por meio das estruturas

institucionais e políticas dos outros Estados.

O papel do Estado varia significativamente dependendo do poder que tem interna e

internacionalmente. Há uma variedade de maneiras em que o Estado pode ser envolvido no

enraizamento institucional e locacional da globalização.

A geografia da globalização econômica é estratégica, em vez de abranger tudo, em especial

quando diz respeito à administração, coordenação, manutenção e financiamento de operações

econômicas globais.

Essa geografia difere daquela vista pela perspectiva do sistema mundial, que define uma

economia global e uma divisão contínua do trabalho entre Estados. A diferenciação entre

centro e periferia não compreende mais uma diferenciação entre processos ou locais de

produção em cadeias produtivas; pelo contrário a diferenciação é principalmente funcional e

permeia aquelas espacialidades pressupostas. A geografia estratégica da globalização está

parcialmente enraizada em territórios nacionais - em cidades globais e em vales do silício.

Existem locais nessa geografia estratégica onde a densidade de transações econômicas e a

intensidade de esforços regulatórios se unem e formam configurações novas e complexas.

O investimento estrangeiro direto - que em sua maior parte consiste em fusões e aquisições

transnacionais - e o mercado global de capitais (a força dominante atualmente na economia

global), juntamente com o comércio, estão no centro das mudanças estruturais que

constituem a globalização.

Existe um aumento enorme na complexidade da gestão, coordenação, manuntenção e no

financiamento das empresas que operam redes mundiais de fábricas, estabelecimentos de

serviços, escritórios, empresas. Esse aumento de complexidade tem causado o crescimento

nas funções de controle e comando e sua concentração em uma rede transnacional de cidades

globais, contribuindo para a formação de uma geografia estratégica para a gestão da

globalização.

A rede mundial de locais para investimento, comércio e transações financeiras é hierárquica e

centrada no Atlântico Norte. Assistimos hoje a uma nova malha de transações econômicas

sobreposta aos velhos padrões geoeconômicos. Esses persistem em graus variados, mas cada

vez mais essa nova malha transfronteiriça acarreta uma geoeconomia nova.1

As formas específicas que a globalização assumiu na última década criaram requisitos

organizacionais específicos. A emergência dos mercados globais para finanças e serviços

especializados e o crescimento do investimento como um tipo importante de transação

1 É sintomático o declínio do modelo de desenvolvimento de substituição de importações, no qual o

Estado, como interface de economias nacionais e internacionais, estabelece proteções a indústrias novas.

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internacional contribuíram para a expansão das funções de comando e da demanda das

empresas por serviços especializados.

A interpretação do impacto da globalização como algo que cria uma economia espacial que se

estende além da capacidade regulatória de um único Estado é apenas parte da história. A

outra metade é que as funções centrais se concentram desproporcionalmente nos territórios

nacionais dos países mais desenvolvidos.

Com a expressão funções centrais não quero dizer apenas as matrizes de alto nível, mas todas

as funções superiores financeiras, legais, contábeis, gerenciais, executivas e de planejamento

necessárias para administrar uma organização corporativa que opera em mais de um país.

Essas funções centrais são parcialmente enraizadas nas matrizes, mas também em grande

parte do que tem sido chamado de complexo de serviços corporativos - a rede de empresas

financeiras, legais, contábeis, de publicidade, que lidam com mais de um sistema legal

nacional, sistema contábil nacional, mais de uma cultura. Esses serviços se tornam tão

especializados e complexos que as matrizes cada vez mais os compram de empresas

especializadas.

As funções globais de comando e controle são parcialmente enraizadas nas estruturas

corporativas nacionais, mas também constituem um subsetor corporativo distinto que pode

ser concebido como parte de uma rede que conecta cidades globais.

A distribuição de funções estratégicas para cidades globais pode ser vista como a rearticulação

de um modo de regulação que contribui para um novo regime global de acumulação. Cada

centro financeiro representa uma concentração massiva e altamente especializada de recursos

e talentos, e a rede composta por esses centros constitui a arquitetura operacional para o

mercado global de capitais.

Juntas, as cidades globais proporcionam uma infraestrutura em rede crítica para a gestão e o

controle de cadeias globais de transações, cada uma com considerável especificidade de

funções. O resultado se dá nas múltiplas divisões de trabalho entre cidades, contribuindo para

articulações características da economia global que vão além da articulação centro-periferia.

As redes transfronteiriças especializadas que as agências regulatórias estão formando

assumem funções antes encerradas em estruturas legais nacionais, e os padrões estão

substituindo as regras do direito internacional.

As cidades globais são o espaço organizacional e institucional para as principais dinâmicas da

desnacionalização. Sua topografia avança entre o espaço digital e os territórios nacionais. O

trabalho dos Estados em produzir parte da infraestrutura técnica e legal para a globalização

econômica envolve uma mudança na exclusividade da autoridade estatal e na composição do

trabalho dos Estados.

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Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais

Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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Maria Célia Furtado Rocha

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À medida que certos segmentos do governo alcançam um nível maior de organização do que

outros, sua capacidade relativa varia. A desigualdade portanto resulta não apenas do poder

relativo do Estado e da sociedade mas também dos tipos de problemas que o Estado e a

sociedade enfrentam. A forma do Estado ou o desenvolvimento de suas capacidades

específicas depende mais do desenvolvimento de uma função do Estado do que de sua

estrutura.

À medida que as funções públicas de criar normas e regras se tornam cada vez mais

subordinadas a padrões técnicos que possibilitam a globalização corporativa, podemos

observar a emergência de uma agenda substancialmente privada dentro dos limites de uma

autoridade pública formalmente legítima.

O Estado é um lugar estratégico para a globalização também por proporcionar um domínio

em que as "estratégias" de ação coletiva possam ser articuladas, as maneiras em que a ação

coletiva possa ser coordenada: o que será permitido, como os benefícios serão distribuídos e

assim por diante.

Aspectos básicos da globalização econômica permitem uma faixa mais ampla de formas de

participação estatal do que geralmente se reconhece. A atual condição, marcada pela

ascensão da autoridade privada é apenas um dos modos possíveis pelos quais o Estado pode

ser articulado.

Regulamentação estatal e internet

Embora a internet fuja ou anule a maioria das jurisdições convencionais, isso não implica

necessariamente ausência de regulamentação e/ou controle. Grande parte da literatura sobre

isto atua em 2 níveis diferentes: o primeiro é um conjunto de noções generalizadas que se

enraíza na fase anterior da internet como espaço descentralizado, onde não podem ser

instituídas estruturas de autoridade. O outro é uma literatura técnica estimulada pela

importância cada vez maior dos endereços de internet e do sistema de registro de domínios,

juntamente com questões legais e políticas que geraram.

Um fato que com frequência fica fora dos comentários generalizados é que pelos menos 3

fatores constituem uma gestão de facto dela:

• O primeiro é a autoridade governamental por meio do estabelecimento de padrões

técnicos e operacionais para hardware e software.

• O segundo é o poder de interesses corporativos privados em determinar o espaço de

atividade da internet.2

2 Mais recentemente tem havido um fortalecimento de grupos cívicos e políticos preocupados com isso.

Uma das críticas mais radicais considera que a cultura aberta original da internet perdeu sua capacidade de proporcionar acesso pleno à sociedade civil.

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Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013

Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais

Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

Resumo parcial

Maria Célia Furtado Rocha

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Desde 1995-1996 os avanços políticos e tecnológicos trouxeram o que pode ser

interpretado como um aumento do controle. Antes de 1995, os usuários poderiam

manter seu anonimato facilmente enquanto estavam conectados. A arquitetura da

internet inibia o "zoneamento". Desde então, com o ímpeto de facilitar o comércio

eletrônico, a situação mudou: a arquitetura da internet hoje facilita o zoneamento.

• O terceiro elemento que constitui uma gestão de facto da internet é a existência de

uma autoridade central, cada vez mais formalizada, que governa suas principais

funções. A natureza dessa autoridade não é necessariamente semelhante à de uma

autoridade regulatória, mas é um tipo de sistema guardião e levanta novas

capacidades de supervisão.3

Essas tendências indicam a existência de um gerenciamento da internet. Elas mostram a

necessidade de uma governança justa para que possamos garantir que questões ligadas ao

interesse público também influenciem o desenvolvimento da internet. O debate está dividido:

para alguns a internet é uma entidade que pode ser submetida a um mecanismo de

governança; para outros essa entidade não existe, havendo uma rede descentralizada de redes

que na melhor hipótese se submeteria à coordenação de padrões e regras. Os especialistas

que consideram que a entidade internet não existe, mas apenas uma rede descentralizada de

redes, argumentam que não existe necessidade de regulamentação ou coordenação externa.

Além disso a natureza descentralizada do sistema tornaria ineficiente a regulamentação

externa. Para autores que enfatizam a questão da tecnologia, a internet é um ambiente

regulamentado, devido aos padrões e limitações embutidos no hardware e no software.

A internet de acesso público é apenas uma porção do vasto mundo do espaço digital e,

segundo minha leitura, grande parte do poder de enfraquecer ou desestabilizar a autoridade

estatal atribuído à internet na verdade advém da existência de redes digitais dedicadas e

privadas, como aquelas usadas nas finanças globais em atacado.

As redes digitais privadas é um tipo de espaço que pode incluir por um lado espaços privados

como sites e túneis protegidos por firewalls e, por outro, as redes dedicadas. As redes digitais

privadas possibilitam formas de poder diferentes do poder distribuído que associamos às

redes digitais públicas. As três propriedades das redes eletrônicas - descentralização,

simultaneidade e interconectividade - produziram aumentos súbitos nas ordens de magnitude

do mercado global de capitais. Como estão enraizadas em um campo social específico - o setor

financeiro - o resultado desses aspectos técnicos é uma maior concentração do capital em vez

de maior distribuição.

3 O estabelecimento da internet Corporation for Assgined Names and Numbers (ICANN) em 1998,

atualmente responsável por supervisionar o sistema de endereços da internet, representa a formalização da autoridade existente. Desde outubro de 2000, a diretoria do ICANN tem sido a autoridade decisória final no que diz respeito a padrões. Todavia existe uma rede complexa de organizações envolvidas em aspectos da operação da internet. A Internet Societal Task Force é responsável por identificar questões ligadas a políticas de internet.

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Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013

Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais

Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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Maria Célia Furtado Rocha

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A informatização contribuiu para o salto na ordem de magnitude do mercado de capitais de 3

maneiras:

• aumentou a possibilidade de conferir liquidez a forma de riqueza até então

consideradas não líquidas;

• abriu possibilidade a fluxos de transações interconectados e simultâneos, o que, junto

com a desregulamentação das economias, aumentou o impacto da informatização de

mercados e instrumentos rumo à integração global dos centros financeiros;

• como as finanças envolvem mais transações do que fluxo de dinheiro, as propriedades

técnicas das redes assumiram maior significado.

A combinação dessas condições contribuiu para a posição diferenciada do mercado global de

capitais em relação a outros componentes da globalização econômica.

A inserção do espaço econômico eletrônico privado acarreta a formação de concentrações

massivas de infraestrutura, não apenas uma dispersão mundial, e uma interação complexa

entre a informatização e transações mais situadas, que estão sujeitas à autoridade direta do

Estado.

A inserção parcial dos mercados financeiros mais informatizados em centros financeiros reais

torna legível algumas das novas complexas imbricações entre lei e lugar e o fato de que isso

não significa apenas a anulação da autoridade nacional. Pelo contrário, consiste em usar essa

autoridade para implementar regulamentações e leis que respondem aos interesses das

finanças globais e no peso renovado dessa autoridade no caso dos centros financeiros.

2. A cidade global

Imagens dominantes sobre a globalização enfatizam a hipermobilidade, as comunicações

globais e a neutralização do lugar e da distância. Há uma tendência a considerar a existência

de um sistema econômico global como algo dado, uma função do poder das empresas

transnacionais e das comunicações globais. Uma análise sociológica deve ir além, deve

examinar a criação dessas condições e suas conseqüências.

Referenciando-se à geração dessas capacidades, a ênfase recai sobre práticas: o trabalho de

produzir e reproduzir a organização e a gestão de um sistema de produção global. O foco nas

práticas inclui na análise as categorias do lugar e do processo de produção, colocando em

primeiro plano o fato de que muitos dos recursos necessários para atividades econômicas

globais não são hipermóveis e de fato estão enraizados em lugares como as cidades globais e

as zonas de processamento de exportação. Também nos permite recuperar os processos

concretos e localizados pelos quais a globalização toma forma e argumentar que grande parte

do multiculturalismo nas grandes cidades é tanto parte da globalização quanto são as finanças

internacionais.

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Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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Maria Célia Furtado Rocha

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A cidade há muito é um local estratégico para a exploração de muitos temas importantes que

confrontam a sociedade e a sociologia. Porém ela nem sempre foi um espaço heurístico – um

espaço capaz de produzir conhecimento sobre algumas das grandes transformações de uma

dada época. Na primeira metade do século XX, o estudo das cidades estava no centro da

sociologia: Georg Simmel, Max Weber, Walter Benjamin; Robert Park e Louis Wirth da escola

de Chicago, ambos profundamente influenciados pela sociologia alemã; Henri Lefebvre. Eles

confrontaram processos massivos – a industrialização, a urbanização, a alienação – em uma

nova forma cultura, que chamaram de urbanidade. Para eles estudar a cidade envolvia estudas

os principais processos sociais de uma era.

É crítico o fato de que a cidade deixou de servir como o fulcro para grandes transformações e,

assim, como local estratégico para pesquisas sobre processos não urbanos. A sociologia urbana

passou a se preocupar cada vez mais com o que veio a se chamar problemas sociais.

À medida que começamos um novo século, a cidade emerge mais uma vez como um local

estratégico para entender algumas das principais tendências que reconfiguram a ordem social.

A cidade, juntamente com a região metropolitana, é um dos espaços onde grandes tendências

macrossociais se materializam e assim podem ser constituídas como objeto de estudo. Pode o

estudo sociológico das cidades, como no século passado, gerar conhecimento e instrumentos

analíticos que nos ajudem a entender as transformações sociais mais amplas em andamento?

Historicamente as principais cidades são nós onde uma variedade de processos se

entrecruzam em concentrações particularmente acentuadas. No contexto da globalização

muitos desses processos operam em uma escala global que trespassa fronteiras históricas. As

cidades emergem como um momento territorial ou escalar em uma dinâmica transurbana. A

cidade, aqui, não é uma unidade limitada mas uma estrutura complexa que pode articular

processos transfronteiriços. Esse tipo de cidade não pode ser simplesmente localizado em uma

hierarquia escalar que o coloca abaixo do nacional, do regional e do global. Ela é um dos

espaços do global, e o aciona diretamente muitas vezes passando por cima do nacional.

No coração do estatismo enraizado está a premissa de que o Estado-Nação é o contentor dos

processos sociais. A isso acrescento a correspondência presumida do território nacional com o

nacional e a implicação associada de que o nacional e o não nacional são condições

mutuamente excludentes.

Embora descrevam condições que valeram por muito tempo – na maior parte da história do

Estado moderno desde a Primeira Guerra Mundial e, em alguns casos, ainda por mais tempo –

hoje estamos assistindo a desvinculação parcial do nacional.

Concentrar-se na teorização e pesquisa sobre a cidade é uma maneira de evitar esse estatismo

enraizado e abordar o reescalonamento de hierarquias espaciais que têm ocorrido. Os

instrumentos tradicionais da sociologia e da teoria social, incluindo a sociologia urbana, podem

acomodar apenas alguns aspectos das principais dinâmicas contemporâneas. Hoje, uma

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produção sociológica pequena, mas em crescimento, busca teorizar essas novas condições e

especificá-las de forma empírica.

Talvez algumas das antigas questões da escola de sociologia urbana de Chicago devam voltar à

tona como um elemento promissor da compreensão de certas questões críticas da atualidade.

Ainda assim as antigas categorias não são suficientes. O trabalho de campo é um passo

necessário para compreender muitos dos novos aspectos da condição urbana. Porém

pressupor complementaridade ou funcionalidade nos traz de volta a noção de cidade como

espaço limitado, ao invés de um local onde diversos processos transfronteiriços se cruzam e

produzem formações socioespaciais distintas. A recuperação do lugar pode ser apenas

parcialmente atingida com as técnicas de pesquisa da velha escola de sociologia urbana de

Chicago.

Recuperar o lugar significa recuperar a multiplicidade de presenças nessa paisagem. A perda

de poder no nível nacional leva à possibilidade para novas formas de poder e política no nível

subnacional. Isso abre possibilidades para uma geografia da política que relaciona espaços

subnacionais através das fronteiras. Uma questão que as novas geografias levantam é se

estamos assistindo à formação de um novo tipo de política transnacional localizado nessas

cidades.

A imigração, por exemplo, é um dos principais processos pelos quais está sendo constituída

uma nova economia política transnacional, tanto no nível macro quanto no nível micro.

Para alguns estudiosos a imigração é um dos processos constitutivos da globalização

atualmente. A cidade é um dos principais locais para o estudo empírico desses fluxos

transnacionais e estratégias familiares. O capital global e a nova força de trabalho imigrante

são dois casos importantes de atores transnacionalizados, com características tais que

constituem cada um deles como um ator unitário que ignora fronteiras, mas que muitas vezes

combate um ao outro dentro das cidades.

A pesquisa e a teorização sobre essas questões exigem abordagens que divergem das usadas

pelos estudos mais tradicionais de elites políticas, da política partidária local, de associações de

bairro, comunidades de imigrantes e outros, a partir dos quais a paisagem política das cidades

e regiões metropolitanas foi conceituada tradicionalmente na sociologia.

Uma nova geografia de centros e margens

Zonas de processamento de exportação, centros bancários offshore e, em um nível muito mais

complexo, as cidades globais, esses locais geram geografias específicas da globalização.

A mais poderosa das novas geografias da centralidade no nível global conecta os grandes

centros financeiros e de negócios internacionais: Nova York, Londres, Paris, Frankfurt, Zurique,

Amsterdã, Los Angeles, Toronto, Sydney e Hong Kong, entre outros. Porém essa geografia hoje

também inclui cidades como Bangkok, Taipei, São Paulo e a Cidade do México. A intensidade

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de transações entre essas cidades, particularmente nos mercados financeiros, no comércio de

serviços e investimentos, aumentou notavelmente, assim como as ordens de magnitude

envolvidas.

O que não foi reconhecido é a possibilidade de estarmos assistindo a um mercado de trabalho

internacionalizado para trabalhadores manuais e prestadores de serviços de baixos

rendimentos, ou de existir um ambiente de negócios internacionalizado em muitas

comunidades imigrantes.

Creio que grande parte do que ainda narramos na linguagem da imigração e da etnia, na

verdade, é uma série de processos que têm a ver com, em primeiro lugar, a globalização da

atividade econômica, da atividade cultural e da formação de identidades e, em segundo, a

racialização cada vez mais acentuada da segmentação do mercado de trabalho.

A imigração e a etnia são constituídas como alteridade. Entendê-las como um conjunto de

processos pelos quais os elementos globais são localizados, os mercados de trabalho

internacionais são constituídos, e culturas de todo o mundo são desterritorializadas e

reterritorializadas, coloca-as exatamente no centro, juntamente com a internacionalização do

capital, como um aspecto fundamental da globalização.

*

* *

A presença de uma massa crítica de empresas com capacidades extremamente elevadas de

lucrar contribui para a elevação dos preços dos espaços comerciais, serviços industriais e

outras necessidades empresariais. Os preços elevados e os elevados níveis de lucratividade do

setor internacionalizado e suas empresas auxiliares (restaurantes, hotéis de alto nível) tornam

cada vez mais difícil para outros setores competirem por espaço e investimento. Resumindo:

as condições que contribuíram para a expansão e poder político-econômico dos estratos

médios nas décadas do pós-guerra – a centralidade da produção em massa e do consumo em

massa no crescimento econômico e na realização dos lucros – foram substituídas por novas

fontes de crescimento. Essa substituição se encontra em seu grau mais claro nas cidades

globais.

Nas grandes cidades do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, vemos uma geografia de

centros e margens. Os novos tipos de informalização evidentes em cidades globais

representam uma das novas dinâmicas de desigualdade colocadas em movimento por essa

geografia. Podemos conceituar a informalização em economias urbanas avançadas autalmente

como o equivalente sistêmico do que chamamos desregulamentação no topo da economia.

Tanto a desregulamentação de um número crescente de avançadas indústrias da informação

quanto a informalização de um número crescente de setores com pouca capacidade lucrativa

podem ser conceituadas como ajustes.

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Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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A desvalorização de trabalhadores em setores de crescimento é uma ruptura com a tradicional

dinâmica pela qual a participação nos setores econômicos de ponta contribui para o

empoderamento dos trabalhadores. As mulheres e os imigrantes substituem a categoria

fordista de mulheres e crianças que recebiam um salário como família.

A informalização reintroduz a comunidade e o lar como espaços econômicos importantes em

cidades globais. Como ocorre com a desregulamentação, a informalização introduz

flexibilidade e diminui os custos. Com a informalização, a vizinhança e o lar reemergem como

locais para atividades econômicas.

As grandes cidades emergiram como locais estratégicos tanto para a transnacionalização do

trabalho quanto para a formação de identidades transnacionais. Nesse sentido, elas formam

um local para novos tipos de políticas, incluindo políticas transnacionais.

O caráter internacional das grandes cidades não está apenas em sua infraestrutura de

telecomunicações e empresas internacionais, mas também nos muitos ambientes culturais em

que seus trabalhadores vivem. Não se pode mais pensar em centros de negócios e finanças

internacionais simplesmente em termos de suas torres empresariais e sua cultura corporativa.

A grande cidade ocidental de hoje concentra a diversidade.

Uma variedade imensa de culturas do mundo todo, cada uma enraizada em um país ou aldeia,

hoje é reterritorializada em alguns locais, como Nova York, Los Angeles, Paris, Londres e, mais

recentemente, Tóquio. As cidades globais de hoje são, em parte, os espaços do pós-

colonialismo e, de fato, contêm condições para a formação de um discurso pós-colonialista.

A imigração e a etnicidade costumam ser constituídas como alteridade. Entendê-las como um

conjunto de processos por meio dos quais elementos globais são localizados, mercados

laborais internacionais são constituídos e culturas de todo mundo são desterritorializadas

coloca-as no centro do palco. Juntamente com a internacionalização do capital.

As cidades globais emergiram como um local para reivindicações tanto do capital global, que

usa a cidade como uma “mercadoria organizacional”, quanto de setores da população urbana

em desvantagem, que muitas vezes são uma presença tão internacionalizada nas grandes

cidades quanto o capital.

Vejo isso como um tipo de abertura política que contém capacidades unificadoras entre as

fronteiras nacionais e o acirramento de conflitos dentro dessas fronteiras.

Nas cidades globais o afrouxamento das identidades de suas fontes tradicionais, notadamente

a nação ou a aldeia, pode levar a novas noções de comunidade de pertencimento e direitos.

As empresas estrangeiras e os executivos internacionais estão entre os novos “usuários da

cidade” que marcam profundamente a paisagem urbana.

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Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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Maria Célia Furtado Rocha

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No contexto de um espaço estratégico como a cidade global, os tipos de pessoas

desprivilegiadas não são apenas marginais; elas adquirem presença em um processo político

mais amplo que escapa aos limites da comunidade política formal. Se o sentido de

pertencimento dessas comunidades não for subsumido no nacional ele pode muito bem

indicar a possibildade de uma política transnacional centrada em localidades concretas.

*

* * A enormidade da experiência urbana, a presença avassaladora de arquiteturas imensas e

infraestruturas densas geraram deslocamento e estranhamento entre muitos indivíduos e

comunidades inteiras. Essas condições alteram as velhas noções e experiências da cidade em

geral e do espaço público em particular. Embora os espaços públicos monumentalizados das

cidades européias permaneçam sendo locais vibrantes para rituais e rotinas, para

demonstrações e festivais, cada vez mais a sensação geral é de mudança de um espaço urbano

cívico para um espaço urbano politizado, com fragmentações ao longo de diferenças múltiplas.

O espaço constituído pela malha mundial de cidades globais, um espaço com novas

potencialidades econômicas e políticas, talvez seja um dos espaços mais estratégicos para a

formação de novos tipos de políticas, identidades e comunidades, incluindo aquelas

transnacionais. Esse é um espaço centrado no lugar, no sentido de que está enraizado em

locais específicos e estratégicos, e transterritorial, no sentido de que conecta locais que não

são geograficamente próximos, mas que são intensamente conectados entre si.

Não é apenas a transmigração do capital que ocorre nessa malha global, mas também de

pessoas, tanto ricas quanto pobres, e é um espaço para transmigração de formas culturais ou

reterritorialização de subculturas “locais”. Uma questão importante é se ele também é um

espaço para uma nova política, que vá além da política de cultura e identidade.

A centralidade do lugar no contexto de processos globais leva a uma abertura econômica e

política transnacional na formação de novas reivindicações e, assim, na constituição de direitos

– notadamente direito ao lugar – e finalmente na constituição de novas formas de “cidadania”

e na diversificação de práticas de cidadania.

A desnacionalização do espaço urbano e a formação de novas reivindicações centradas em

atores transnacionais e envolvendo a contestação constituem a cidade global como uma zona

de fronteira para um novo tipo de relação.