sociologia da globalizacao - estado, economia, cidades ... · pdf fileprojeto: cidadão...
TRANSCRIPT
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
1/17
O livro apresenta (mas também vai além) compreensões da globalização que enfocam apenas
a crescente interdependência e instituições evidentemente globais. O que se está tentando
nomear com a palavra globalização? Segundo minha leitura [da autora], a palavra abrange dois
conjuntos distintos de dinâmicas: a formação de processos e instituições explicitamente
globais (OMC, mercados financeiros globais, Tribunais Penais Internacionais de Guerra) e
processos que não ocorrem necessariamente no nível global, mas dentro de territórios e
domínios institucionais nacionais, envolvendo redes transfronteiriças que conectam processos
e atores locais ou “nacionais” ou a recorrência de questões ou dinâmicas específicas em um
número cada vez maior de países e localidades.
Os processos e as formações globais podem estar desestabilizando a hierarquia escalar
centrada no Estado nacional. No passado, a formação do Estado nacional desestabilizou as
antigas hierarquias de escala constituídas por meio das práticas e projetos de poder, como os
impérios coloniais do século XVI e subseqüentes e as cidades medievais que dominavam o
comércio de longa distância entre certas partes da Europa no século XIV.
A formação do mercado global para o capital, um regime de comércio global e a
internacionalização da produção industrial às vezes são vistos como um retorno a antigas
espacialidades imperiais para operações econômicas. É crucial reconhecer as especificidades
das práticas atuais e das capacidades que as possibilitam. Essas especificidades resultam em
parte do fato de que as espacialidades transfronteiriças de hoje precisam ser produzidas em
um contexto em que a maioria do território está encerrada em uma estrutura nacional densa e
altamente formalizada, marcada pela autoridade exclusiva do Estado sobre seu território. Essa
proeminência do nacional traz consigo a participação necessária dos Estados nacionais na
formação de sistemas globais.
Um segundo aspecto é o caráter multiescalar de diversos processos de globalização. Um
centro financeiro em uma cidade global é uma entidade local, que também faz parte de um
mercado eletrônico de escala global – um caso em que o local é multiescalar. Por outro lado a
OMC é uma entidade global que se torna ativa quando inserida em economias e políticas
nacionais – um caso em que o global é multiescalar. Uma configuração multiescalar mais
complexa é o novo tipo de espaço operacional usado por empresas multinacionais, que inclui
redes de filiais espraiadas e concentração de funções estratégicas em um único lugar ou em
alguns lugares.
Uma das principais hipóteses organizadoras do modelo da cidade global é que, quanto mais
globalizadas e mais informatizadas se tornam as operações de empresas e mercados, mais
estratégicas e complexas se tornam sua administração central e suas funções de serviços
especializados, beneficiando-se assim de economias de aglomeração. Em graus variados essas
economias de aglomeração ainda são obtidas por meio de concentração territorial de recursos
múltiplos proporcionadas pelas cidades.
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
2/17
Essa variedade de dinâmicas multiescalares aponta para condições que não podem ser
organizadas como uma hierarquia, muito menos como uma hierarquia concatenada. É um
sistema multiescalar que opera em escalas e não simplesmente ascendendo na escala.
Uma tarefa central que enfrentamos é decodificar certos aspectos que ainda são
representados ou experimentados como nacionais, que podem de fato ter-se afastado daquilo
que historicamente era considerado ou constituído como nacional.
Três exemplos ilustram algumas das questões desse tipo de estudo:
• O papel do lugar em muitos dos circuitos que constituem a globalização econômica e
política
O foco no lugar nos permite investigar a globalização em termos dos diversos circuitos
transfronteiriços especializados onde se localizam diversos tipos de lugares. A emergência de
formas de globalidade centradas em disputas localizadas e atores que fazem parte de redes
transfronteiriças é uma forma de política global que se dá em meio a instituições locais em vez
de globais.
Enquanto a pesquisa sobre cadeias produtivas globais se concentra principalmente em
circuitos, o trabalho sobre as cidades globais chama atenção para lugares estratégicos na
economia global.
As cidades globais são lugares subnacionais em que diversos circuitos globais se cruzam e, a
partir daí, posicionam essas cidades em diversas geografias transfronteiriças estruturadas,
cada uma com alcance distinto e constituída em termos de práticas e atores distintos (alguns
dos circuitos que conectam São Paulo à dinâmica global são diferentes dos que conectam
Frankfurt, Johanesburgo ou Mumbai).
• O papel das novas tecnologias interativas no reposicionamento do local
Isso nos convida a uma análise crítica de como conceituamos o local. Por meio delas, uma
empresa de serviços financeiros se transforma em um microambiente com alcance global
contínuo. O mesmo se aplica a organizações com poucos recursos ou unidades familiares.
Esses microambientes podem ser orientados para outros microambientes muito distantes,
desestabilizando a noção de contexto, que costuma ser associada à do local e à noção de que a
proximidade física é um dos atributos ou indicadores do local.
• Interações entre dinâmicas globais e certos componentes dos Estados nacionais
Meu principal argumento é que até onde determinadas estruturações do global habitam o que
foi historicamente construído e institucionalizado como território nacional, elas engendram
uma variedade de negociações entre o global e o nacional. Algumas situações evidentes
atualmente é o que descrevo como uma desnacionalização parcial, incipiente e especializada
de certos componentes dos Estados nacionais.
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
3/17
Em todos os 3 casos, práticas e dinâmicas dizem respeito ao global, ainda que ocorram no que
historicamente foi construído como a escala do nacional.
Com poucas exceções, as ciências sociais não historicizaram a escala do nacional. A tendência
disso é enxergá-la como escala fixa e reificá-la. Associada a essa tendência existe a premissa
geralmente acrítica de que essas escalas são mutuamente excludentes. Finalmente os 3
exemplos citados vão de encontro à premissas e proposições que costumam ser descritas
como nacionalismo metodológico. A categoria de “nação como invólucro” é inadequada,
devido à proliferação de dinâmicas e formações transfronteiriças. Estou enfocando outro
conjunto de razões para defender a crítica do nacionalismo metodológico: o fato de haver
estruturações variadas e específicas do global dentro do que é construído historicamente
como nacional. Além disso, postulo que, como o nacional é altamente institucionalizado e
denso, as estruturações do global dentro do nacional acarretam uma desnacionalização parcial
e geralmente bastante especializada e específica de certos componentes do nacional.
*
* *
As redes transfronteiriças de cidades globais
Quando a atividade econômica se torna globalizada, ela reformula as ordens existentes e
contribui para a formação de novas ordens.
À medida que a economia global se expandiu nas duas últimas décadas assistimos à formação
de uma rede crescente de cidades globais, hoje em torno de 40, pelas quais a riqueza
econômica e os processos nacionais se articulam com uma proliferação de circuitos globais de
capital, investimento e comércio.
Propus 5 hipóteses para explicar a importância das cidades na institucionalização de processos
econômicos globais:
• quanto mais dispersas as operações da empresa em diferentes países, mais complexas
e estratégicas seriam a administração, a coordenação, a manutenção e o
financiamento da rede de operações da empresa
• quanto mais complexas se tornam essas funções centrais, mas provavelmente elas
serão “terceirizadas” pelas matrizes das grandes empresas globais
• quanto mais complexos e globalizados forem os mercados de uma firma prestadora de
serviços, mais suas funções centrais estarão sujeitas a economias de aglomeração – a
complexidade dos serviços, a incerteza do mercado em que estão envolvidos e a
crescente importância da velocidade de todas essas transações, tudo isso gera as
condições para uma nova dinâmica de aglomeração
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
4/17
• quanto mais as matrizes terceirizam suas funções mais complexas e não padronizadas,
mais livres elas serão para optar por um lugar, pois uma parcela menor do trabalho
feito na matriz estará sujeita a economias de aglomeração
• até onde essas empresas especializadas devem prestar um serviço global há um
fortalecimento das transações e redes fronteiriças entre as cidades
O crescimento das atividades globais de administração e manutenção trouxe consigo uma
massiva melhoria e expansão de áreas urbanas centrais, mesmo que grandes proporções
dessas cidades se aprofundem na pobreza e experimentem a decadência em sua infra-
estrutura.
Um sistema urbano transnacional é em parte uma estrutura organizacional para transações
transfronteiriças. Há muito tempo existem processos econômicos através das fronteiras. Nesse
sentido não há nada de novo nas redes interurbanas que surgem hoje em dia. Nos últimos 200
anos o sistema interestatal passou a ser a forma organizacional dominante para os fluxos
transfronteiriços em grande parte do mundo. Essa condição começou a mudar na década de
1980 e cresceu na de 1990, como resultado da privatização, desregulamentação e das novas
tecnologias da informação, da abertura de economias nacionais a empresas estrangeiras e da
participação crescente de atores nacionais em mercados globais. Os principais articuladores
agora não são apenas os Estados nacionais, mas empresas e mercados cujas operações globais
são facilitadas por novas políticas e padrões internacionais.
À medida que as transações transfronteiriças aumentam, também aumentam as redes que
conectam certas configurações de cidades, contribuindo para a formação de geografias
transfronteiriças específicas que conectam certos conjuntos de cidades. O resultado é o
reescalonamento dos lugares estratégicos que articulam o novo sistema.
Juntamente com o enfraquecimento do nacional como unidade espacial vêm condições para a
ascensão de outras unidades e escalas espaciais – escalas subnacionais, particularmente
cidades e regiões, regiões transfronteiriças que abrangem duas ou mais entidades
subnacionais e entidades supranacionais como os mercados eletrônicos globais e blocos de
livre comércio. A dinâmica e os processos que são territorializados ou localizados nessas
escalas variadas podem ser regionais, nacionais e globais.
As funções regulatórias deslocam-se cada vez mais para um conjunto de redes regulatórias
transnacionais emergentes ou revigoradas e para o desenvolvimento de uma variedade de
padrões que organizam o comércio mundial e as finanças globais. Agências regulatórias muitas
vezes semi-autônomas e as redes especializadas que elas formam estão assumindo funções
antes localizadas dentro de arcabouços legais nacionais, e os padrões estão substituindo as
regras do direito internacional.
*
* *
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
5/17
A importância de lugares estratégicos como as cidades globais para entender os processos
globais e a possibilidade de as localidades interagirem diretamente com as redes globais
problematizam a noção da dualidade global-nacional.
A economia global em grande medida materializa-se em territórios nacionais. As cidades
globais são locais onde a economia global é em grande parte organizada, mantida e financiada.
Os processos globais na precisam atravessar as hierarquias de Estados nacionais, eles podem
se articular diretamente com certos tipos de localidades e atores locais.
Vemos uma considerável institucionalização, especialmente na década de 1990, dos “direitos”
das empresas não nacionais, a desregulamentação de transações transfronteiriças e a
influência e poder crescente de algumas das instituições supranacionais. Se garantir esses
direitos e poderes acarretou uma renúncia mesmo que parcial de componentes da autoridade
construída ao longo do último século, podemos postular que esse processo estabelece as
condições para uma transformação do papel do Estado. Além disso, indica um envolvimento
necessário da parte dos Estados nacionais no processo de globalização.
O problema com a explicação dessa nova condição do Estado em termos de redução de
capacidades regulatórias – desregulação e liberalização financeira e comercial –, que também
envolve a privatização de empresas do setor público, é que esses termos somente captam o
retraimento do Estado na regulação da economia, mas não registram todas as maneiras em
que o Estado participa estabelecendo novas estruturas que promovem a globalização.
Também não captam as transformações correspondentes no interior do Estado.
Ao contrário presenciamos um reposicionamento do Estado em campo mais amplo de poder e
uma reconfiguração do trabalho dos Estados. Esse campo mais amplo de poder se constitui em
parte pela formação de uma nova ordem institucional privada ligada à economia global e em
parte pela importância crescente de uma variedade de ordens institucionais envolvidas em
vários aspectos do bem comum, entendida de forma mais ampla como uma rede internacional
de ONGs e o regime internacional de direitos humanos.
A análise dessa geografia do poder exige identificar e conceituar um conjunto específico de
operações que se dá dentro de cenários institucionais nacionais, mas voltados para agendas
não nacionais ou transnacionais.
Como os Estados lidam com esse envolvimento com o global? O consenso emergente, muitas
vezes imposto, na comunidade de Estados sobre promover a globalização não é uma simples
decisão política: ele implica tipos específicos de trabalho por um grande número de
instituições distintas em cada país. Nesse sentido o consenso força os Estados a trabalhar.
Pode-se dizer que o Estado incorpora o projeto global de encolher seu próprio papel de
regulamentar as transações econômicas. O Estado aqui pode ser concebido como uma
capacidade administrativa técnica que não pode ser reproduzida neste momento por nenhum
outro arranjo institucional. Visto da perspectiva das empresas que atuam no âmbito
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
6/17
transnacional, o objetivo é garantir as funções exercidas tradicionalmente pelo Estado no
campo nacional da economia, particularmente garantir os direitos de propriedade e contratos,
agora também estendidos a empresas estrangeiras.
Existe um conjunto de dinâmicas estratégicas e transformações institucionais em andamento.
Elas podem incorporar um pequeno número de agências estatais e unidades dentro de
ministérios ou um pequeno número de iniciativas legislativas e ordens executivas, e ainda
assim têm o poder de instituir uma nova normatividade no núcleo do Estado. Esses setores
estratégicos estão operando em interações complexas com atores privados, transnacionais e
poderosos, mesmo que grande parte do aparato institucional dos Estados permaneça
basicamente intocado. O que vemos aqui é a desnacionalização incipiente e parcial de ordens
institucionais e agendas estatais altamente especializadas e específicas. Argumento que essa
transformação acarreta a necessidade de decodificar o que é “nacional” (historicamente
construído) em relação a essas ordens institucionais especializadas dentro do Estado.
Essa ordem institucional contribui para fortalecer as vantagens de certos tipos de atores
econômicos e políticos e para enfraquecer as de outros. Ela é parcial, não universal, tem
influência indevida sobre grandes áreas do mundo institucional. Além disso, essa ordem não é
plenamente responsabilizável em relação aos sistemas políticos democráticos formais. Embora
parcialmente embutida em cenários institucionais nacionais, é diferente deles.
Entre seus aspectos característicos dessa nova ordem institucional privada no centro de várias
instituições estatais nacionais estão a capacidade de privatizar o que antes era público e de
desnacionalizar aquelas que antes eram autoridades e agendas nacionais. Essa nova ordem
institucional tem autoridade normativa – normatividade que vem do mundo do poder privado,
mas instala-se no domínio público e assim fazendo ajuda a desnacionalizar as agendas
nacionais.
Tanto as transformações específicas dentro do Estado, quanto a ordem institucional
privatizada emergente têm capacidade de alterar condições que podem ser cruciais para a
“democracia liberal” e para a arquitetura organizacional da lei internacional. Ambas têm a
capacidade de alterar o alcance da autoridade dos Estados e do sistema interestatal, os
domínios institucionais pelos quais o “Estado de Direito” é implementado. Não estamos
assistindo ao fim do Estado, mas pelo contrário que os Estados não são os únicos ou os mais
importantes agentes nesta nova ordem institucional.
Em termos de pesquisa isso significa estabelecer quais são as novas condições territoriais e
institucionais em que os Estados nacionais atuam.
1. O Estado, a economia global e as redes digitais
O esforço aqui é o de ampliar o terreno analítico em que a questão da globalização é mapeada
para além das narrativas dualizadas (Estado vitimado pela globalização ou pouca coisa mudou
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
7/17
ou o Estado se adapta). Aqui a idéia é que o Estado se torna o lugar para as transformações
fundamentais na relação entre os domínios privado e público.
Enquanto os Estados são "organizações coercitivas que são diferentes de famílias e grupos de
parentesco e exercem uma clara prioridade, em certos sentidos, sobre todas as outras
organizações dentro de territórios substanciais", os Estados nacionais se distinguem por
"governarem regiões contíguas múltiplas e suas cidades por meio de estruturas centralizadas,
diferenciadas e autônomas" (Charles Tilly, 1990. Coercion, Capital, and European States, A.D.
1990-1992. Cambridge: Blackwell).
Como a definição de Tilly, quase todas as definições sociológicas do Estado desde Max Weber
enfatizam uma dimensão territorial do poder estatal.
Os Estados não enfrentam mudanças em seus ambientes com submissão. Isso envolve a
modificação de capacidades existentes para as novas situações e a tentativa de atores estatais
de se conectarem à economia global, de reivindicar jurisdição sobre as tarefas envolvidas na
globalização, garantindo assim o seu próprio poder.
À medida que componentes específicos de Estados nacionais se tornam a casa institucional
para algumas das dinâmicas centrais à globalização, eles passam por uma mudança. A hipótese
aqui é de que esses componentes, ainda que formalmente nacionais, não são nacionais no
sentido em que construímos o significado do termo nos últimos séculos. A desnacionalização
endogeniza agendas globais de tipos diferentes de atores.
Depois de quase um século de fortalecimento do Estado nacional, assistimos desde o final da
década de 1980 a uma considerável institucionalização dos "direitos" de empresas não
nacionais, à desregulamentação de transações transfronteiriças e à influência do poder
crescente de certas organizações supranacionais.
Se garantir esses direitos e poderes acarretou uma renúncia parcial de componentes da
autoridade estatal, postulamos que isso estabelece as condições para um engajamento
necessário dos Estados nacionais no processo de globalização. O papel do Estado no processo
de desregulamentação envolve a criação de novos tipos de regulamentações, atos legislativos
e decisões judiciais - em suma a criação de uma série de novas "legalidades". O Estado
permanece sendo o fiador final dos "direitos" do capital global - a proteção de contratos e
direitos de propriedade.
O estudo do Estado tem sido dominado por categorias analíticas centradas principalmente no
Ocidente. Uma linha crítica crescente (chamada muitas vezes de estudos pós-coloniais) busca
descentralizar a análise do Estado em um mapa histórico mais amplo, como um meio de
incorporar as diferentes trajetórias do Estado em outras partes do mundo.
De fato alguns Estados, particularmente Estados Unidos e Reino Unido, são os mais poderosos
produtores de novos padrões e legalidades, pois a maioria desses deriva do direito comercial e
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
8/17
dos padrões contábeis anglo-americanos, os quais devem ser criados por meio das estruturas
institucionais e políticas dos outros Estados.
O papel do Estado varia significativamente dependendo do poder que tem interna e
internacionalmente. Há uma variedade de maneiras em que o Estado pode ser envolvido no
enraizamento institucional e locacional da globalização.
A geografia da globalização econômica é estratégica, em vez de abranger tudo, em especial
quando diz respeito à administração, coordenação, manutenção e financiamento de operações
econômicas globais.
Essa geografia difere daquela vista pela perspectiva do sistema mundial, que define uma
economia global e uma divisão contínua do trabalho entre Estados. A diferenciação entre
centro e periferia não compreende mais uma diferenciação entre processos ou locais de
produção em cadeias produtivas; pelo contrário a diferenciação é principalmente funcional e
permeia aquelas espacialidades pressupostas. A geografia estratégica da globalização está
parcialmente enraizada em territórios nacionais - em cidades globais e em vales do silício.
Existem locais nessa geografia estratégica onde a densidade de transações econômicas e a
intensidade de esforços regulatórios se unem e formam configurações novas e complexas.
O investimento estrangeiro direto - que em sua maior parte consiste em fusões e aquisições
transnacionais - e o mercado global de capitais (a força dominante atualmente na economia
global), juntamente com o comércio, estão no centro das mudanças estruturais que
constituem a globalização.
Existe um aumento enorme na complexidade da gestão, coordenação, manuntenção e no
financiamento das empresas que operam redes mundiais de fábricas, estabelecimentos de
serviços, escritórios, empresas. Esse aumento de complexidade tem causado o crescimento
nas funções de controle e comando e sua concentração em uma rede transnacional de cidades
globais, contribuindo para a formação de uma geografia estratégica para a gestão da
globalização.
A rede mundial de locais para investimento, comércio e transações financeiras é hierárquica e
centrada no Atlântico Norte. Assistimos hoje a uma nova malha de transações econômicas
sobreposta aos velhos padrões geoeconômicos. Esses persistem em graus variados, mas cada
vez mais essa nova malha transfronteiriça acarreta uma geoeconomia nova.1
As formas específicas que a globalização assumiu na última década criaram requisitos
organizacionais específicos. A emergência dos mercados globais para finanças e serviços
especializados e o crescimento do investimento como um tipo importante de transação
1 É sintomático o declínio do modelo de desenvolvimento de substituição de importações, no qual o
Estado, como interface de economias nacionais e internacionais, estabelece proteções a indústrias novas.
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
9/17
internacional contribuíram para a expansão das funções de comando e da demanda das
empresas por serviços especializados.
A interpretação do impacto da globalização como algo que cria uma economia espacial que se
estende além da capacidade regulatória de um único Estado é apenas parte da história. A
outra metade é que as funções centrais se concentram desproporcionalmente nos territórios
nacionais dos países mais desenvolvidos.
Com a expressão funções centrais não quero dizer apenas as matrizes de alto nível, mas todas
as funções superiores financeiras, legais, contábeis, gerenciais, executivas e de planejamento
necessárias para administrar uma organização corporativa que opera em mais de um país.
Essas funções centrais são parcialmente enraizadas nas matrizes, mas também em grande
parte do que tem sido chamado de complexo de serviços corporativos - a rede de empresas
financeiras, legais, contábeis, de publicidade, que lidam com mais de um sistema legal
nacional, sistema contábil nacional, mais de uma cultura. Esses serviços se tornam tão
especializados e complexos que as matrizes cada vez mais os compram de empresas
especializadas.
As funções globais de comando e controle são parcialmente enraizadas nas estruturas
corporativas nacionais, mas também constituem um subsetor corporativo distinto que pode
ser concebido como parte de uma rede que conecta cidades globais.
A distribuição de funções estratégicas para cidades globais pode ser vista como a rearticulação
de um modo de regulação que contribui para um novo regime global de acumulação. Cada
centro financeiro representa uma concentração massiva e altamente especializada de recursos
e talentos, e a rede composta por esses centros constitui a arquitetura operacional para o
mercado global de capitais.
Juntas, as cidades globais proporcionam uma infraestrutura em rede crítica para a gestão e o
controle de cadeias globais de transações, cada uma com considerável especificidade de
funções. O resultado se dá nas múltiplas divisões de trabalho entre cidades, contribuindo para
articulações características da economia global que vão além da articulação centro-periferia.
As redes transfronteiriças especializadas que as agências regulatórias estão formando
assumem funções antes encerradas em estruturas legais nacionais, e os padrões estão
substituindo as regras do direito internacional.
As cidades globais são o espaço organizacional e institucional para as principais dinâmicas da
desnacionalização. Sua topografia avança entre o espaço digital e os territórios nacionais. O
trabalho dos Estados em produzir parte da infraestrutura técnica e legal para a globalização
econômica envolve uma mudança na exclusividade da autoridade estatal e na composição do
trabalho dos Estados.
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
10/17
À medida que certos segmentos do governo alcançam um nível maior de organização do que
outros, sua capacidade relativa varia. A desigualdade portanto resulta não apenas do poder
relativo do Estado e da sociedade mas também dos tipos de problemas que o Estado e a
sociedade enfrentam. A forma do Estado ou o desenvolvimento de suas capacidades
específicas depende mais do desenvolvimento de uma função do Estado do que de sua
estrutura.
À medida que as funções públicas de criar normas e regras se tornam cada vez mais
subordinadas a padrões técnicos que possibilitam a globalização corporativa, podemos
observar a emergência de uma agenda substancialmente privada dentro dos limites de uma
autoridade pública formalmente legítima.
O Estado é um lugar estratégico para a globalização também por proporcionar um domínio
em que as "estratégias" de ação coletiva possam ser articuladas, as maneiras em que a ação
coletiva possa ser coordenada: o que será permitido, como os benefícios serão distribuídos e
assim por diante.
Aspectos básicos da globalização econômica permitem uma faixa mais ampla de formas de
participação estatal do que geralmente se reconhece. A atual condição, marcada pela
ascensão da autoridade privada é apenas um dos modos possíveis pelos quais o Estado pode
ser articulado.
Regulamentação estatal e internet
Embora a internet fuja ou anule a maioria das jurisdições convencionais, isso não implica
necessariamente ausência de regulamentação e/ou controle. Grande parte da literatura sobre
isto atua em 2 níveis diferentes: o primeiro é um conjunto de noções generalizadas que se
enraíza na fase anterior da internet como espaço descentralizado, onde não podem ser
instituídas estruturas de autoridade. O outro é uma literatura técnica estimulada pela
importância cada vez maior dos endereços de internet e do sistema de registro de domínios,
juntamente com questões legais e políticas que geraram.
Um fato que com frequência fica fora dos comentários generalizados é que pelos menos 3
fatores constituem uma gestão de facto dela:
• O primeiro é a autoridade governamental por meio do estabelecimento de padrões
técnicos e operacionais para hardware e software.
• O segundo é o poder de interesses corporativos privados em determinar o espaço de
atividade da internet.2
2 Mais recentemente tem havido um fortalecimento de grupos cívicos e políticos preocupados com isso.
Uma das críticas mais radicais considera que a cultura aberta original da internet perdeu sua capacidade de proporcionar acesso pleno à sociedade civil.
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
11/17
Desde 1995-1996 os avanços políticos e tecnológicos trouxeram o que pode ser
interpretado como um aumento do controle. Antes de 1995, os usuários poderiam
manter seu anonimato facilmente enquanto estavam conectados. A arquitetura da
internet inibia o "zoneamento". Desde então, com o ímpeto de facilitar o comércio
eletrônico, a situação mudou: a arquitetura da internet hoje facilita o zoneamento.
• O terceiro elemento que constitui uma gestão de facto da internet é a existência de
uma autoridade central, cada vez mais formalizada, que governa suas principais
funções. A natureza dessa autoridade não é necessariamente semelhante à de uma
autoridade regulatória, mas é um tipo de sistema guardião e levanta novas
capacidades de supervisão.3
Essas tendências indicam a existência de um gerenciamento da internet. Elas mostram a
necessidade de uma governança justa para que possamos garantir que questões ligadas ao
interesse público também influenciem o desenvolvimento da internet. O debate está dividido:
para alguns a internet é uma entidade que pode ser submetida a um mecanismo de
governança; para outros essa entidade não existe, havendo uma rede descentralizada de redes
que na melhor hipótese se submeteria à coordenação de padrões e regras. Os especialistas
que consideram que a entidade internet não existe, mas apenas uma rede descentralizada de
redes, argumentam que não existe necessidade de regulamentação ou coordenação externa.
Além disso a natureza descentralizada do sistema tornaria ineficiente a regulamentação
externa. Para autores que enfatizam a questão da tecnologia, a internet é um ambiente
regulamentado, devido aos padrões e limitações embutidos no hardware e no software.
A internet de acesso público é apenas uma porção do vasto mundo do espaço digital e,
segundo minha leitura, grande parte do poder de enfraquecer ou desestabilizar a autoridade
estatal atribuído à internet na verdade advém da existência de redes digitais dedicadas e
privadas, como aquelas usadas nas finanças globais em atacado.
As redes digitais privadas é um tipo de espaço que pode incluir por um lado espaços privados
como sites e túneis protegidos por firewalls e, por outro, as redes dedicadas. As redes digitais
privadas possibilitam formas de poder diferentes do poder distribuído que associamos às
redes digitais públicas. As três propriedades das redes eletrônicas - descentralização,
simultaneidade e interconectividade - produziram aumentos súbitos nas ordens de magnitude
do mercado global de capitais. Como estão enraizadas em um campo social específico - o setor
financeiro - o resultado desses aspectos técnicos é uma maior concentração do capital em vez
de maior distribuição.
3 O estabelecimento da internet Corporation for Assgined Names and Numbers (ICANN) em 1998,
atualmente responsável por supervisionar o sistema de endereços da internet, representa a formalização da autoridade existente. Desde outubro de 2000, a diretoria do ICANN tem sido a autoridade decisória final no que diz respeito a padrões. Todavia existe uma rede complexa de organizações envolvidas em aspectos da operação da internet. A Internet Societal Task Force é responsável por identificar questões ligadas a políticas de internet.
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
12/17
A informatização contribuiu para o salto na ordem de magnitude do mercado de capitais de 3
maneiras:
• aumentou a possibilidade de conferir liquidez a forma de riqueza até então
consideradas não líquidas;
• abriu possibilidade a fluxos de transações interconectados e simultâneos, o que, junto
com a desregulamentação das economias, aumentou o impacto da informatização de
mercados e instrumentos rumo à integração global dos centros financeiros;
• como as finanças envolvem mais transações do que fluxo de dinheiro, as propriedades
técnicas das redes assumiram maior significado.
A combinação dessas condições contribuiu para a posição diferenciada do mercado global de
capitais em relação a outros componentes da globalização econômica.
A inserção do espaço econômico eletrônico privado acarreta a formação de concentrações
massivas de infraestrutura, não apenas uma dispersão mundial, e uma interação complexa
entre a informatização e transações mais situadas, que estão sujeitas à autoridade direta do
Estado.
A inserção parcial dos mercados financeiros mais informatizados em centros financeiros reais
torna legível algumas das novas complexas imbricações entre lei e lugar e o fato de que isso
não significa apenas a anulação da autoridade nacional. Pelo contrário, consiste em usar essa
autoridade para implementar regulamentações e leis que respondem aos interesses das
finanças globais e no peso renovado dessa autoridade no caso dos centros financeiros.
2. A cidade global
Imagens dominantes sobre a globalização enfatizam a hipermobilidade, as comunicações
globais e a neutralização do lugar e da distância. Há uma tendência a considerar a existência
de um sistema econômico global como algo dado, uma função do poder das empresas
transnacionais e das comunicações globais. Uma análise sociológica deve ir além, deve
examinar a criação dessas condições e suas conseqüências.
Referenciando-se à geração dessas capacidades, a ênfase recai sobre práticas: o trabalho de
produzir e reproduzir a organização e a gestão de um sistema de produção global. O foco nas
práticas inclui na análise as categorias do lugar e do processo de produção, colocando em
primeiro plano o fato de que muitos dos recursos necessários para atividades econômicas
globais não são hipermóveis e de fato estão enraizados em lugares como as cidades globais e
as zonas de processamento de exportação. Também nos permite recuperar os processos
concretos e localizados pelos quais a globalização toma forma e argumentar que grande parte
do multiculturalismo nas grandes cidades é tanto parte da globalização quanto são as finanças
internacionais.
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
13/17
A cidade há muito é um local estratégico para a exploração de muitos temas importantes que
confrontam a sociedade e a sociologia. Porém ela nem sempre foi um espaço heurístico – um
espaço capaz de produzir conhecimento sobre algumas das grandes transformações de uma
dada época. Na primeira metade do século XX, o estudo das cidades estava no centro da
sociologia: Georg Simmel, Max Weber, Walter Benjamin; Robert Park e Louis Wirth da escola
de Chicago, ambos profundamente influenciados pela sociologia alemã; Henri Lefebvre. Eles
confrontaram processos massivos – a industrialização, a urbanização, a alienação – em uma
nova forma cultura, que chamaram de urbanidade. Para eles estudar a cidade envolvia estudas
os principais processos sociais de uma era.
É crítico o fato de que a cidade deixou de servir como o fulcro para grandes transformações e,
assim, como local estratégico para pesquisas sobre processos não urbanos. A sociologia urbana
passou a se preocupar cada vez mais com o que veio a se chamar problemas sociais.
À medida que começamos um novo século, a cidade emerge mais uma vez como um local
estratégico para entender algumas das principais tendências que reconfiguram a ordem social.
A cidade, juntamente com a região metropolitana, é um dos espaços onde grandes tendências
macrossociais se materializam e assim podem ser constituídas como objeto de estudo. Pode o
estudo sociológico das cidades, como no século passado, gerar conhecimento e instrumentos
analíticos que nos ajudem a entender as transformações sociais mais amplas em andamento?
Historicamente as principais cidades são nós onde uma variedade de processos se
entrecruzam em concentrações particularmente acentuadas. No contexto da globalização
muitos desses processos operam em uma escala global que trespassa fronteiras históricas. As
cidades emergem como um momento territorial ou escalar em uma dinâmica transurbana. A
cidade, aqui, não é uma unidade limitada mas uma estrutura complexa que pode articular
processos transfronteiriços. Esse tipo de cidade não pode ser simplesmente localizado em uma
hierarquia escalar que o coloca abaixo do nacional, do regional e do global. Ela é um dos
espaços do global, e o aciona diretamente muitas vezes passando por cima do nacional.
No coração do estatismo enraizado está a premissa de que o Estado-Nação é o contentor dos
processos sociais. A isso acrescento a correspondência presumida do território nacional com o
nacional e a implicação associada de que o nacional e o não nacional são condições
mutuamente excludentes.
Embora descrevam condições que valeram por muito tempo – na maior parte da história do
Estado moderno desde a Primeira Guerra Mundial e, em alguns casos, ainda por mais tempo –
hoje estamos assistindo a desvinculação parcial do nacional.
Concentrar-se na teorização e pesquisa sobre a cidade é uma maneira de evitar esse estatismo
enraizado e abordar o reescalonamento de hierarquias espaciais que têm ocorrido. Os
instrumentos tradicionais da sociologia e da teoria social, incluindo a sociologia urbana, podem
acomodar apenas alguns aspectos das principais dinâmicas contemporâneas. Hoje, uma
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
14/17
produção sociológica pequena, mas em crescimento, busca teorizar essas novas condições e
especificá-las de forma empírica.
Talvez algumas das antigas questões da escola de sociologia urbana de Chicago devam voltar à
tona como um elemento promissor da compreensão de certas questões críticas da atualidade.
Ainda assim as antigas categorias não são suficientes. O trabalho de campo é um passo
necessário para compreender muitos dos novos aspectos da condição urbana. Porém
pressupor complementaridade ou funcionalidade nos traz de volta a noção de cidade como
espaço limitado, ao invés de um local onde diversos processos transfronteiriços se cruzam e
produzem formações socioespaciais distintas. A recuperação do lugar pode ser apenas
parcialmente atingida com as técnicas de pesquisa da velha escola de sociologia urbana de
Chicago.
Recuperar o lugar significa recuperar a multiplicidade de presenças nessa paisagem. A perda
de poder no nível nacional leva à possibilidade para novas formas de poder e política no nível
subnacional. Isso abre possibilidades para uma geografia da política que relaciona espaços
subnacionais através das fronteiras. Uma questão que as novas geografias levantam é se
estamos assistindo à formação de um novo tipo de política transnacional localizado nessas
cidades.
A imigração, por exemplo, é um dos principais processos pelos quais está sendo constituída
uma nova economia política transnacional, tanto no nível macro quanto no nível micro.
Para alguns estudiosos a imigração é um dos processos constitutivos da globalização
atualmente. A cidade é um dos principais locais para o estudo empírico desses fluxos
transnacionais e estratégias familiares. O capital global e a nova força de trabalho imigrante
são dois casos importantes de atores transnacionalizados, com características tais que
constituem cada um deles como um ator unitário que ignora fronteiras, mas que muitas vezes
combate um ao outro dentro das cidades.
A pesquisa e a teorização sobre essas questões exigem abordagens que divergem das usadas
pelos estudos mais tradicionais de elites políticas, da política partidária local, de associações de
bairro, comunidades de imigrantes e outros, a partir dos quais a paisagem política das cidades
e regiões metropolitanas foi conceituada tradicionalmente na sociologia.
Uma nova geografia de centros e margens
Zonas de processamento de exportação, centros bancários offshore e, em um nível muito mais
complexo, as cidades globais, esses locais geram geografias específicas da globalização.
A mais poderosa das novas geografias da centralidade no nível global conecta os grandes
centros financeiros e de negócios internacionais: Nova York, Londres, Paris, Frankfurt, Zurique,
Amsterdã, Los Angeles, Toronto, Sydney e Hong Kong, entre outros. Porém essa geografia hoje
também inclui cidades como Bangkok, Taipei, São Paulo e a Cidade do México. A intensidade
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
15/17
de transações entre essas cidades, particularmente nos mercados financeiros, no comércio de
serviços e investimentos, aumentou notavelmente, assim como as ordens de magnitude
envolvidas.
O que não foi reconhecido é a possibilidade de estarmos assistindo a um mercado de trabalho
internacionalizado para trabalhadores manuais e prestadores de serviços de baixos
rendimentos, ou de existir um ambiente de negócios internacionalizado em muitas
comunidades imigrantes.
Creio que grande parte do que ainda narramos na linguagem da imigração e da etnia, na
verdade, é uma série de processos que têm a ver com, em primeiro lugar, a globalização da
atividade econômica, da atividade cultural e da formação de identidades e, em segundo, a
racialização cada vez mais acentuada da segmentação do mercado de trabalho.
A imigração e a etnia são constituídas como alteridade. Entendê-las como um conjunto de
processos pelos quais os elementos globais são localizados, os mercados de trabalho
internacionais são constituídos, e culturas de todo o mundo são desterritorializadas e
reterritorializadas, coloca-as exatamente no centro, juntamente com a internacionalização do
capital, como um aspecto fundamental da globalização.
*
* *
A presença de uma massa crítica de empresas com capacidades extremamente elevadas de
lucrar contribui para a elevação dos preços dos espaços comerciais, serviços industriais e
outras necessidades empresariais. Os preços elevados e os elevados níveis de lucratividade do
setor internacionalizado e suas empresas auxiliares (restaurantes, hotéis de alto nível) tornam
cada vez mais difícil para outros setores competirem por espaço e investimento. Resumindo:
as condições que contribuíram para a expansão e poder político-econômico dos estratos
médios nas décadas do pós-guerra – a centralidade da produção em massa e do consumo em
massa no crescimento econômico e na realização dos lucros – foram substituídas por novas
fontes de crescimento. Essa substituição se encontra em seu grau mais claro nas cidades
globais.
Nas grandes cidades do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, vemos uma geografia de
centros e margens. Os novos tipos de informalização evidentes em cidades globais
representam uma das novas dinâmicas de desigualdade colocadas em movimento por essa
geografia. Podemos conceituar a informalização em economias urbanas avançadas autalmente
como o equivalente sistêmico do que chamamos desregulamentação no topo da economia.
Tanto a desregulamentação de um número crescente de avançadas indústrias da informação
quanto a informalização de um número crescente de setores com pouca capacidade lucrativa
podem ser conceituadas como ajustes.
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
16/17
A desvalorização de trabalhadores em setores de crescimento é uma ruptura com a tradicional
dinâmica pela qual a participação nos setores econômicos de ponta contribui para o
empoderamento dos trabalhadores. As mulheres e os imigrantes substituem a categoria
fordista de mulheres e crianças que recebiam um salário como família.
A informalização reintroduz a comunidade e o lar como espaços econômicos importantes em
cidades globais. Como ocorre com a desregulamentação, a informalização introduz
flexibilidade e diminui os custos. Com a informalização, a vizinhança e o lar reemergem como
locais para atividades econômicas.
As grandes cidades emergiram como locais estratégicos tanto para a transnacionalização do
trabalho quanto para a formação de identidades transnacionais. Nesse sentido, elas formam
um local para novos tipos de políticas, incluindo políticas transnacionais.
O caráter internacional das grandes cidades não está apenas em sua infraestrutura de
telecomunicações e empresas internacionais, mas também nos muitos ambientes culturais em
que seus trabalhadores vivem. Não se pode mais pensar em centros de negócios e finanças
internacionais simplesmente em termos de suas torres empresariais e sua cultura corporativa.
A grande cidade ocidental de hoje concentra a diversidade.
Uma variedade imensa de culturas do mundo todo, cada uma enraizada em um país ou aldeia,
hoje é reterritorializada em alguns locais, como Nova York, Los Angeles, Paris, Londres e, mais
recentemente, Tóquio. As cidades globais de hoje são, em parte, os espaços do pós-
colonialismo e, de fato, contêm condições para a formação de um discurso pós-colonialista.
A imigração e a etnicidade costumam ser constituídas como alteridade. Entendê-las como um
conjunto de processos por meio dos quais elementos globais são localizados, mercados
laborais internacionais são constituídos e culturas de todo mundo são desterritorializadas
coloca-as no centro do palco. Juntamente com a internacionalização do capital.
As cidades globais emergiram como um local para reivindicações tanto do capital global, que
usa a cidade como uma “mercadoria organizacional”, quanto de setores da população urbana
em desvantagem, que muitas vezes são uma presença tão internacionalizada nas grandes
cidades quanto o capital.
Vejo isso como um tipo de abertura política que contém capacidades unificadoras entre as
fronteiras nacionais e o acirramento de conflitos dentro dessas fronteiras.
Nas cidades globais o afrouxamento das identidades de suas fontes tradicionais, notadamente
a nação ou a aldeia, pode levar a novas noções de comunidade de pertencimento e direitos.
As empresas estrangeiras e os executivos internacionais estão entre os novos “usuários da
cidade” que marcam profundamente a paisagem urbana.
Projeto: Cidadão em Rede: De Consumidor a Produtor de Informação sobre o Território Convênio de Cooperação Tecnológica Prodeb/UFBA Período: jul 2011/jan 2013
Título: Sociologia da Globalização: Estado, economia, cidades globais e as redes digitais
Fonte: SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Resumo parcial
Maria Célia Furtado Rocha
17/17
No contexto de um espaço estratégico como a cidade global, os tipos de pessoas
desprivilegiadas não são apenas marginais; elas adquirem presença em um processo político
mais amplo que escapa aos limites da comunidade política formal. Se o sentido de
pertencimento dessas comunidades não for subsumido no nacional ele pode muito bem
indicar a possibildade de uma política transnacional centrada em localidades concretas.
*
* * A enormidade da experiência urbana, a presença avassaladora de arquiteturas imensas e
infraestruturas densas geraram deslocamento e estranhamento entre muitos indivíduos e
comunidades inteiras. Essas condições alteram as velhas noções e experiências da cidade em
geral e do espaço público em particular. Embora os espaços públicos monumentalizados das
cidades européias permaneçam sendo locais vibrantes para rituais e rotinas, para
demonstrações e festivais, cada vez mais a sensação geral é de mudança de um espaço urbano
cívico para um espaço urbano politizado, com fragmentações ao longo de diferenças múltiplas.
O espaço constituído pela malha mundial de cidades globais, um espaço com novas
potencialidades econômicas e políticas, talvez seja um dos espaços mais estratégicos para a
formação de novos tipos de políticas, identidades e comunidades, incluindo aquelas
transnacionais. Esse é um espaço centrado no lugar, no sentido de que está enraizado em
locais específicos e estratégicos, e transterritorial, no sentido de que conecta locais que não
são geograficamente próximos, mas que são intensamente conectados entre si.
Não é apenas a transmigração do capital que ocorre nessa malha global, mas também de
pessoas, tanto ricas quanto pobres, e é um espaço para transmigração de formas culturais ou
reterritorialização de subculturas “locais”. Uma questão importante é se ele também é um
espaço para uma nova política, que vá além da política de cultura e identidade.
A centralidade do lugar no contexto de processos globais leva a uma abertura econômica e
política transnacional na formação de novas reivindicações e, assim, na constituição de direitos
– notadamente direito ao lugar – e finalmente na constituição de novas formas de “cidadania”
e na diversificação de práticas de cidadania.
A desnacionalização do espaço urbano e a formação de novas reivindicações centradas em
atores transnacionais e envolvendo a contestação constituem a cidade global como uma zona
de fronteira para um novo tipo de relação.