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Alexandre Faraoni Débora Cristina de Carvalho

SOCIOLOGIAENSINO MÉDIOORGANIZADORA EDIÇÕES SMObra coletiva concebida, desenvolvida e produzida por Edições SM.

Ao final do Ensino Médio, há dois tipos principais de exames seletivos para aqueles que desejam ingres-sar na universidade: o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e os vestibulares, concebidos pelas próprias universidades. Alguns vestibulares têm foco nos conteúdos e nas informações factuais, enquanto outros adotam a linha das competências e habilidades praticada pelo Enem.

A coleção Ser Protagonista prepara o estudante para enfrentar com sucesso esses dois modelos de exames seletivos, pois integra o estudo contextuali-zado dos conteúdos ao desenvolvimento do espírito crítico e da capacidade de propor soluções a proble-mas sociais concretos. Essas soluções mobilizam, necessariamente, vários componentes curricula-res, que são colocados em diálogo nas seções inter-disciplinares e nos projetos propostos pela coleção.

Em cada capítulo, atividades diversificadas, criadas pelos autores, propiciam a reflexão sobre os con-teúdos estudados e o aperfeiçoamento de compe-tências e habilidades. Ao final de todas as unidades, as atividades autorais são complementadas por um conjunto de questões de vestibular e do Enem.

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Neste capítulo

� Senso comum e conhecimento científico

� A origem da ciência moderna

� O nascimento da Sociologia

� Auguste Comte � Émile Durkheim � Karl Marx e Friedrich Engels

� Max Weber � A Sociologia aplicada ao cotidiano

Neste capítulo, você vai estudar o nasci-mento da Sociologia e conhecer os primeiros pensadores que obtiveram reconhecimento científico para a nova ciência. Vai investigar ainda alguns dos requisitos básicos para a prática dessa forma de conhecimento e a im-portância do pensar sociológico para enten-der o mundo em que vivemos.

O ponto de partida dessa reflexão será a distinção entre duas maneiras de compreen-der o que vemos e o que fazemos: o senso comum e o conhecimento científico.

Você já ouviu a expressão “senso comum”? A que ela se refere? Podemos dizer que o sen-so comum é a primeira forma de conheci-mento produzida pelo ser humano. Ele resul-ta do contato contínuo entre as pessoas, que passam a trocar informações e experiências. No entanto, nem sempre todos os conheci-mentos adquiridos nesse tipo de convivência são confiáveis, pois, por serem cotidianos e, consequentemente, repetitivos, são obtidos sem qualquer questionamento e tendem a se incorporar ao nosso comportamento. O sen-so comum ora se apoia em informações úteis para nosso dia a dia, ora em informações fal-sas, cujo caráter rotineiro dá a impressão de que se trata de uma verdade consolidada, quando, de fato, nos induz a uma conclusão precipitada e equivocada.

E quanto à ciência? Quais são as caracte-rísticas que a distinguem do senso comum? No caso das ciências que se formaram a par-tir do estudo da natureza, por isso chamadas ciências naturais, a observação dos fenôme-nos e a experimentação foram decisivas para seu sucesso. E, se analisar sua história, você vai perceber que elas progridem por ensaio e erro. Muitos de seus estudiosos chegam mes-mo a afirmar que em ciência “a verdade de hoje será o erro de amanhã”. Com base nisso, será que o termo “exato” pode se aplicar às ciências?

E a Sociologia? Qual será a relação dela com as outras ciências? Qual o seu objeto de estudo? E que métodos ela deve empre-gar para compreender determinado fenô-meno? Para começar a refletir sobre essa questão, pense no que você faria ou que atitude adotaria a fim de estudar um fato ou algum aspecto dele caso ele lhe fosse tre-mendamente familiar e você nutrisse mui-tas opiniões sobre ele, a tal ponto que até pudesse pensar que já o conhece bastante. Nessas circunstâncias, você diria que tomar alguma distância dele seria importante? Que seria necessário ter certo estranha-mento em relação a um problema? Pois são essas as questões sobre as quais este capí-tulo se deterá.

Vamos pensar a sociedade

Na convivência com os colegas, na realização das tarefas escolares, nas atividades de lazer, entre outras, adquirimos conhecimentos. A distinção entre o conhecimento científico e o conhecimento do senso comum constitui um dos assuntos centrais deste capítulo. Fotografia de 2008.

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Senso comum e conhecimento científicoVamos imaginar a seguinte situação: para

chegar à escola pelo caminho que considera mais curto, você deve atravessar uma rua movimentada, onde os veículos trafegam nas duas direções. Como faz todos os dias, antes de seguir em frente, você olha com atenção para os dois lados e acha que pode atravessar sem riscos. No entanto, assim que põe os pés na rua, um carro que estava estacionado por perto sai bruscamente e quase o atinge; você acaba levando um sus-to enorme. Ao chegar à escola, ainda assus-tado, conta o que aconteceu e, para que se acalme, alguns colegas oferecem a você um pouco de água com açúcar.

Procedimentos como escolher um cami-nho entre tantos possíveis para chegar a um lugar, olhar para os dois lados ao atravessar uma rua e oferecer água com açúcar a quem passa por uma situação de tensão são consi-derados uma espécie de conhecimento “na-tural” – de algum modo, parece que sempre sabemos o que fazer em situações como essas, e muitas vezes nem ao menos nos lembramos exatamente onde e quando os aprendemos. No entanto, se refletirmos so-bre esses conhecimentos, perceberemos que os apreendemos em nossa convivência diá-ria com outros seres humanos – parentes, amigos, colegas de trabalho e até mesmo pessoas desconhecidas. Esse conhecimento comum a uma população é chamado de senso comum.

> A rotina diáriaVamos continuar pensando em situações

cotidianas. Desde a hora em que acordamos até o momento em que vamos dormir, reali-zamos uma série de atividades – por exem-plo: escovamos os dentes, tomamos banho, nos alimentamos, saímos para a escola ou para o trabalho, voltamos para casa… Mui-tas das tarefas diárias são realizadas de for-ma “mecânica”, ou seja, sem nos darmos conta de todos os detalhes envolvidos na ação que estamos realizando. Mesmo no fim de semana, quando, em geral, trocamos parte dos afazeres diários por atividades mais descontraídas, não nos libertamos de todas as tarefas “mecânicas”, pois escova-mos os dentes, nos alimentamos, tomamos banho, etc. Tudo como se sempre soubésse-mos o que estamos fazendo. São essas repe-

tições no dia a dia que constituem a rotina individual.

Essa rotina se repete até que alguma mudança promova uma quebra nesse pa-drão. Quando isso acontece, novas práticas cotidianas são instauradas e substituem as anteriores.

A rotina diária faz parte do que os so- ciólogos Peter Berger (1929-) e Thomas Luckmann (1927-) chamam, em seu livro A construção social da realidade (1966), de rea lidade imediata, ou seja, a realidade que o indivíduo percebe ao seu redor e vive no momento presente, que exige sempre soluções que garantam sua sobrevivência. Esses autores observam que qualquer ação repetida com frequência torna-se parte de um padrão, que pode então ser reproduzi-do com economia de esforço e, por isso mesmo, é apreendido por seu realizador. De fato, sem essa rotinização, uma pessoa teria de despender muito tempo refletindo sobre como realizar as pequenas tarefas que lhe possibilitam a existência. Se o tempo fosse tomado exclusivamente por essas ta-refas cotidianas, a pessoa não teria condi-ções de pensar ou refletir sobre outros as-suntos e acontecimentos mais relevantes.

O ato de ir para a escola faz parte da rotina diária de muitas crianças e jovens de todo o mundo. Alunos chegando à escola na cidade de São Carlos (SP), em fotografia de 2010.

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> Senso comum e tradiçãoOs conhecimentos úteis para a sobrevivência dos seres

humanos, que tornam possível o estabelecimento de uma rotina, fazem parte do senso comum, definido como o co-nhecimento produzido coletivamente e incorporado pe-las pessoas nas experiências cotidianas. Esse conheci-mento coletivo existe desde que os seres humanos passaram a se organizar em grupos, e graças a ele foi possível a so-brevivência de nossa espécie ao longo de milênios. Regis-trar os padrões de repetição dos fenômenos naturais, como as diferenças entre as estações do ano, por exemplo, repre-sentou o primeiro passo para entender esses fenômenos.

Também fazem parte do senso comum os valores, as normas e as regras que regulam as relações entre os in-divíduos. A transmissão desses conhecimentos de gera-ção a geração dá forma à tradição, aos costumes passados por parentes e ancestrais, que contribuem para a forma-ção da identidade individual e coletiva.

A tradição pode, por exemplo, manifestar-se em co-nhecimentos populares como as afirmações de que criança não deve mexer com fogo, pois quando vai dor-mir molha a cama, ou que não se deve tomar leite com manga porque há risco de indigestão, entre tantas outras. Essas crenças, mesmo que não tenham fundamento científico, muitas vezes são incorporadas como verda-deiras e determinam nosso padrão de comportamento, o que mostra a relevância e o impacto do conhecimento produzido pelo senso comum em nossas vidas.

Essas certezas que constituem o senso comum tam-bém podem ser observadas na esfera religiosa. Por muito tempo, os dogmas – pontos ou princípios de fé apresen-tados como incontestáveis e indiscutíveis – predomina-ram como principal forma de explicação da realidade na sociedade ocidental, passando a ser contestados apenas na modernidade, com o surgimento de uma visão mais racional dos fatos.

> Características do senso comumApesar de se manifestar de diversas formas, o sen-

so comum pode ser identificado e interpretado com

base em suas características, que serão apresentadas a seguir.

O senso comum é subjetivo: como está relacionado às experiências que vivenciamos no cotidiano, ele varia de indivíduo para indivíduo, produzindo uma perspec-tiva única e particular. Para exemplificar esse ponto, va-mos imaginar uma viagem internacional e as expectati-vas que dela criamos. Nessa viagem, mesmo visitando pontos turísticos que milhares de pessoas também já vi-sitaram, a vivência de conhecer esses locais muda a mim, e não aos outros, já que sou eu quem a experi-mento e, ao ter essa experiência, emito opiniões ou jul-gamentos de valores sobre o que vivenciei.

Assim, o senso comum possui também características qualitativas (atribuímos qualidades às coisas) e hetero-gêneas (percebemos o mesmo fenômeno de maneiras distintas). Supondo que a viagem transcorra sem ne-nhum incidente grave, passamos a elogiar paisagens e pessoas com quem nos relacionamos ao longo da aven-tura; caso tenhamos problemas, porém, a tendência é que venhamos a criticar e exagerar os pontos negati-vos, que em outras circunstâncias poderiam até mesmo ser esquecidos ou amenizados.

Por fim, o senso comum nos leva a promover genera-lizações. Conhecemos apenas alguns pontos específi-cos de certo país e, instantaneamente, estendemos essa impressão a todo o território nacional, nos relacionamos com algumas pessoas e consideramos que todos os ha-bitantes dessa nação se comportam da mesma forma, o que não é necessariamente verdade.

Embora o senso comum possa nos conduzir a sérios enganos em relação ao ambiente natural e social, o vasto leque de informações obtidas por seu intermédio com-provou ao longo de milênios sua importância para a so-brevivência da espécie humana. Na verdade, ele perma-nece bastante útil ainda hoje, mesmo sabendo que a ciência fornece um conhecimento bem mais rigoroso e abrangente sobre a realidade. O fato é que todas as pes-soas, entre elas os cientistas, usam o senso comum o tempo todo: ele é essencial à comunicação e à invenção.

Quadrinhos

O senso comum é uma verdade aceita sem críticas, com base na fé, como o dogma. Como se pode perceber no quadrinho acima, qualquer forma de questionamento do dogma implica a repressão aos mais curiosos.

Tira de Laerte, disponível em <www2.uol.com.br/laerte/tiras/ index-overman.html>, acesso em: 12 jun. 2013.

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Conheça melhor

O indivíduo na multidãoUmas das características da vida nas grandes cidades é o contato cotidiano com desconhecidos, que ocorre nos

trajetos para a escola e para o trabalho, em feiras, mercados, praças e parques, entre outros locais. Esse contato é analisado pela Sociologia com base em diferentes posições teóricas.

O sociólogo canadense Erving Goffman (1922-1982), em sua obra A representação do Eu na vida cotidiana (1959), classifica como desatenção civil as situações em que o contato com desconhecidos é evitado. Segundo o autor, tal mecanismo é utilizado de forma consciente ou inconsciente por aqueles que notam a presença de outras pessoas ao seu redor, mas optam por ignorá-las, deixando de se relacionar com elas. Essa atitude é considerada um mecanismo de defesa que permite ao indivíduo dar continuidade a seus objetivos sem se dispersar.

Já o sociólogo norte-americano David Riesman (1909-2002), em seu livro A multidão solitária (1950), afirma que o homem contemporâneo não tende a agir movido pela reflexão, e sim a reagir com base no que, real ou supostamente, os outros pensam dele. Conforme essa pers-pectiva, ele é, mais do que nunca, um ser so-cial, pois só existe na multidão, porém é cada vez mais solitário e incapaz de encontrar um interlocutor para um diálogo fecundo.

� Faça um contraponto entre a análise de Erving Goffman, que considera a desaten-ção civil um mecanismo de defesa do indi-víduo, para não se dispersar, e a de David Riesman, que vê o homem na multidão como um ser solitário, incapaz de estabe-lecer um diálogo efetivo com o próximo.

> EscolhasEntre os principais aspectos do senso comum está o fato de que o co-

nhecimento obtido por meio da experiência cotidiana é essencial para construir a vida em sociedade. Mais do que isso, com ele, a pessoa tem suas possibilidades de escolha ampliadas. Ela pode se dedicar a assun-tos e afazeres que considere merecedores de sua atenção, em vez de gas-tar energia com atividades ou questões que ache irrelevantes.

A experiência cotidiana pode estimular a pessoa a ser mais atenciosa com os outros e realizar com mais capricho as tarefas diárias. Com isso, ela passa a aprender mais sobre si mesma e sobre os outros, pois é leva-da a prestar mais atenção às demais pessoas e àquilo que ela mesma faz. Desse modo, aperfeiçoa o seu convívio social e pode tornar-se um ser humano melhor. Essa convivência coletiva também ajuda a moldar a so-ciedade, contribuindo para a solução de problemas que abalam a rotina cotidiana. Quando isso ocorre, a rotina é reformulada, com a organiza-ção de novos procedimentos que aperfeiçoam o convívio social.

Procure pensar em momentos em que ocorre uma mudança relevan-te, nos quais o chão parece faltar, como mudar de escola. Em uma situa-ção como essa, relacionamo-nos com uma série de novos fatores: novos colegas, novo ambiente físico, novos funcionários, novo caminho de casa. Pouco a pouco, as dificuldades iniciais vão sendo superadas, quase sempre por meio de conhecimentos vindos do contato com os novos colegas, que nos trazem informações sobre as novas rotinas – são os co-nhecimentos do senso comum que passam a nortear nosso comporta-mento e, por consequência, a nos dar a segurança de que precisamos.

Transeuntes passam diante de homens que dormem ao relento no centro da cidade de São Paulo (SP), cena comum nas vias públicas dos grandes centros urbanos. Fotografia de 2008.

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> As armadilhas do senso comumO uso contínuo do senso comum e a con-

sequente padronização mecânica do pensa-mento podem nos levar a “engessar” o co-nhecimento, ao considerarmos que ele está pronto e acabado. Assim, aceitam-se muitas “verdades” sem ao menos questioná-las, sem se preocupar com a origem delas ou mesmo com o seu significado. Mais do que isso: in-corporam-se valores que dificultam a intera-ção social e colocam em risco a própria ideia de sociedade.

Exemplos típicos de ideias do senso co-mum que desvirtuam o conceito de socie-dade são os estereótipos. Ideias precon-cebidas, muitas vezes resultantes de falsas generalizações ou da falta de conhecimento real sobre determinado assunto, podem re-cair sobre qualquer pessoa. No entanto, cer-tas categorias de indivíduos, de grupos so-ciais, de populações e de instituições, como as religiosas, são alvos mais frequentes de

visões estereotipadas. Nessas situações, es-ses grupos são considerados inferiores sim-plesmente porque parecem encaixar-se em um estereótipo construído socialmente. No momento em que essa inferiorização ocorre, o estereótipo alimenta o preconceito.

De acordo com o Dicionário Houaiss, preconceito se refere a “atitude, sentimento ou parecer insensatos, especialmente de natureza hostil, assumidos em consequên-cia da generalização apressada de uma ex-periência pessoal ou imposta pelo meio”. Os mais diferentes segmentos sociais po-dem ser vítimas de preconceitos: mulheres, negros, judeus, homossexuais, migrantes e muitos outros.

Por esse motivo, o senso comum, mes-mo sendo importante, não é suficiente para uma vida equilibrada e enriquecedora, de-vendo ser superado. Para que essa supera-ção seja possível, é preciso falar sobre a prática científica, objeto de estudo do pró-ximo módulo.

Conheça melhor

A superação do senso comumLeia o texto a seguir, escrito pelo norte-americano Carl Sagan

(1934-1996), importante divulgador da ciência, que trata da di-ferença entre a ciência e a pseudociência (o senso comum).

Talvez a distinção mais clara entre a ciência e a pseudo ciência seja o fato de que a primeira sabe avaliar com mais perspicácia as imperfeições e a falibilidade hu-manas do que a segunda (ou a revelação “infalível”). Se nos recusarmos radicalmente a reconhecer em que pon-tos somos propensos a cair em erro, podemos ter quase certeza de que o erro – mesmo o engano sério, os erros profundos – nos acompanhará para sempre. Mas, se so-mos capazes de uma pequena autoavaliação corajosa, quaisquer que sejam as reflexões tristes que possa pro-vocar, as nossas chances melhoram muito.SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 37.

1. Que aproximação você faz entre as palavras de Carl Sa-gan e o episódio histórico retratado na pintura?

2. Que aspecto essencial a prática científica revela sobre cada um de nós?

Execução de Joana d’Arc (1412-1431) em 30 de maio de 1431, litografia do século XIX, Escola Francesa, coleção particular. Joana d’Arc, heroína

francesa na Guerra dos Cem Anos, foi condenada à fogueira por “ligações com o demônio”. As mulheres que se destacavam, ao abandonar sua

posição de submissão, eram vistas como ameaças à ordem estabelecida e, por esse motivo, punidas severamente de acordo com o senso comum

do período, marcado pelo predomínio dos dogmas religiosos.

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A origem da ciência modernaComo vimos, o senso comum pode ser

útil no cotidiano, mas não é suficiente para a apreensão de um conhecimento objetivo da realidade. Para isso, é preciso buscar um conhecimento que não deixe que sejamos levados pelas primeiras impressões. Isso significa que é preciso superar o senso co-mum por meio do método científico.

A tecnologia e o conforto de que dispo-mos no mundo atual são acessíveis apenas porque, nas gerações anteriores, alguns se dedicaram à investigação da natureza, aban-donando antigas crenças e dogmas e ques-tionando-se insistentemente. Compreender como e por que acontecem os fenômenos permite saber como dominá-los, ampliando o controle sobre a natureza.

A ciência moderna, que permite a aplica-ção prática da teoria científica no cotidiano, originou-se durante o Renascimento euro-peu. Artistas e pensadores do porte de Leo-nardo da Vinci (1452-1519), cientista e artis-ta, figura típica de homem renascentista, de Nicolau Maquiavel (1469-1527), pioneiro da ciência política, e dos astrônomos Nicolau Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642) desafiaram os dogmas e a visão de mundo da Igreja cristã para explicar cien-tificamente os fenômenos da natureza.

Mais do que isso, o Renascimento euro-peu foi responsável por introduzir a visão do ser humano como indivíduo concreto, o

que implicava valorizar o indivíduo dentro da sociedade, mudando a concepção coleti-vista até então predominante na sociedade europeia medieval.

O individualismo renascentista, que des-locou o ser humano para o centro dos acontecimentos, influenciou outras esferas do mundo medieval, produzindo efeitos que mudaram a sociedade. A Igreja católi-ca sentiu o avanço dos valores renascentis-tas através da postura de insubordinação de alguns de seus membros, como o mon-ge Martinho Lutero (1483-1546), que pas-sou a questionar o determinismo religioso e a pregar o livre-arbítrio dos fiéis diante dos padres e bispos.

Segundo a concepção de Lutero, os mi-nistros da Igreja teriam apenas o papel de confortar espiritualmente os fiéis, e não mais de determinar e interpretar a Bíblia de modo a impor certo ponto de vista à comu-nidade religiosa.

Individualismo e livre-arbítrio são duas das pedras angulares da modernidade e fo-ram utilizados pelos cientistas da época como instrumentos na produção de um método de conhecimento que superasse não apenas o senso comum, representado naquela época pelas tradições medievais e pelos dogmas ca-tólicos, mas também o próprio pensar filosó-fico, de caráter contemplativo e sem aplica-ção prática na natureza.

Martinho Lutero durante a Dieta de Worms, 1877, óleo sobre tela de Anton von Werner, Staatsgalerie de Stuttgart, Alemanha. Na reunião realizada na cidade de Worms, na Alemanha, em 1521, Lutero reafirmou seu questionamento de diversas práticas da Igreja católica.

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A consequência desses acontecimentos foi o que se convencionou chamar de revo-lução científica, que engloba as grandes transformações históricas, políticas e cientí-ficas que assinalaram a passagem do perío-do medieval para o moderno. Um dos mar-cos mais importantes desse processo foi a revolução copernicana – nome devido a Ni-colau Copérnico, que afirmou que o Sol era o centro do sistema solar (até então se acha-va que a Terra era o centro). Outro passo importante, que contribuiu para consolidar a concepção de Copérnico, foi dado pelas descobertas astronômicas de Giordano Bru-no (1548-1600), que apontou a existência de um Universo infinito, e não finito, como pregava a Igreja. Sendo infinito, o Universo estaria em expansão, o que questionava a ideia de perfeição da criação divina, consi-derada imutável porque perfeita.

Outra importante transformação do pe-ríodo foi a Reforma Protestante, iniciada pelo monge agostiniano Martinho Lutero, mencionado acima, que rompeu com a ideia de uma cristandade unida em uma mesma e única identidade religiosa. Com a Reforma Protestante, novas organizações religiosas, diferentes e separadas da Igreja católica, surgiram em diversos países da Europa.

Por fim, podemos citar as transforma-ções políticas relacionadas ao surgimento

do Estado nacional moderno e da centra-lização do poder e da arrecadação de tri-butos nas mãos dos reis, o que iniciou um lento processo de laicização da sociedade e de enfraquecimento do poder da Igreja católica, fenômeno que se completou no século XIX.

É nesse período que a visão científica moderna voltou-se para o mundo, opondo--se ao senso comum reinante, totalmente baseado nos dogmas religiosos, segundo os quais tudo o que diz respeito ao ser humano seria fruto da vontade divina. A visão cientí-fica não admite essa aceitação cega de uma vontade sobrenatural e sempre duvida da realidade imediata.

O uso do método racional, que mais tar-de se somou ao método indutivo (pelo qual o conhecimento se estabelece por meio da observação da regularidade de um mesmo evento), permitiu a aplicação prática do co-nhecimento, que teve como consequência o desenvolvimento tecnológico do século XIX. A explosão industrial-tecnológica ocorrida naquele século mudou os hábitos da popu-lação europeia, que passou, pela primeira vez em sua história, a concentrar-se nos cen-tros urbanos em vertiginoso crescimento. Foi essa transformação espacial e comporta-mental o ponto de partida para o surgimento da Sociologia.

Perfil

René Descartes e o método científico racionalVisto como o “pai do racionalismo”, o francês René Descartes (1596-1650) negou o

conhecimento produzido pelo senso comum, chamado pelo autor de res extensa, em fa-vor do conhecimento real, o res cogito, obtido por meio da dúvida sistemática e da utili-zação da razão.

O pensamento racional utiliza a matemática como uma linguagem que traduz a realida-de, que, portanto, deve ser lógica, como a linguagem que a revela. Dessa forma, se a ma-temática confirma a possibilidade de um evento, significa que ele certamente existe, mesmo que nunca se tenha percebido sua existência. Ele apenas ainda não foi identifica-do (ou verificado).

A defesa da razão cartesiana é feita no Discurso do mé-todo (1637), obra na qual Descartes fundamenta seu pen-samento, que se traduz na máxima “penso, logo existo”. O ato de pensar, por se traduzir em uma atividade indivi-dual única, comprova por si só a existência do sujeito, se-nhor de seu próprio pensar.

� Antes de Descartes, a filosofia predominante na Europa era a escolástica. Pesquise e cite algumas característi-cas dessa escola de Filosofia.

Retrato de René Descartes, c. 1649, óleo sobre tela de Frans Hals, Museu do Louvre, Paris.

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O nascimento da SociologiaA rápida urbanização e o desenvolvimento de novas

tecnologias de transporte e de comunicação (a expan-são das ferrovias, o surgimento do telégrafo e, logo de-pois, do telefone, por exemplo), bem como a elabora-ção de novos métodos de produção e organização industrial, no século XIX, são fenômenos que chama-ram a atenção de muitos pensadores, que procuraram compreender como essas mudanças afetavam a vida das pessoas.

A curiosidade em relação ao comportamento, ao modo de pensar e às concepções dos indivíduos e às relações que se estabelecem entre estes e a sociedade levou ao desenvolvimento das ciências humanas e, em particular, da Sociologia. Elas consolidaram-se depois das ciências naturais, cujos métodos de investigação científica encon-travam-se plenamente formulados e em aplicação du-rante o século XIX.

No entanto, a curiosidade não pode ser entendida como elemento suficiente para transformar as relações entre in-divíduo e sociedade em objeto de estudo e constituir uma nova área da ciência. Era necessário determinar um método de investigação científica que se adequasse a esse objeto.

Esse método foi construído ao longo de todo o sé-culo XIX; e sua autoria, no entanto, não é única. Para compreender a modernidade e sua dinâmica de trans-formação, alguns intelectuais, cada um com determi-nada base metodológica, vão procurar analisar as mu-danças pelas quais a sociedade capitalista passava na época, atentando para as estruturas religiosas, econô-micas, sociais e políticas. Entre esses pensadores, des-tacam-se Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx, Friedrich Engels e Max Weber, considerados os funda-dores da Sociologia e os responsáveis pelos principais fundamentos científicos do investigar sociológico.

Auguste ComteFoi o pensador francês Auguste Comte (1798-1857)

quem deu o nome de Sociologia a esse campo do co-nhecimento, com o objetivo de destacar o papel da nova ciência como uma espécie de “física social”. Segundo ele, o sociólogo deve investigar o ser humano inserido na sociedade com o mesmo distanciamento e neutrali-dade com os quais as ciências naturais analisam os seus objetos de estudo.

Como fundava um novo campo científico, a Sociolo-gia buscou espelhar-se nessas ciências, cujo método de investigação era eficiente e apresentava resultados con-vincentes. Segundo Comte, as leis referentes ao desenvol-vimento da espécie humana eram tão rigorosas quanto a lei da gravidade, ou seja, o indivíduo e a sociedade esta-riam submetidos a leis semelhantes às que regem a na-tureza, mesmo porque a espécie humana faz parte dela.

Amparado por essa visão, Comte procurava aplicar o método científico ao estudo da sociedade europeia de sua época, com o objetivo de desvendar as leis que a

determinam. Para isso, era preciso identificar e observar o objeto de estudo, bem como quantificar os dados co-lhidos, que posteriormente seriam analisados por meio da comparação, que possibilitaria a descoberta de evi-dências da existência de um determinado padrão ou causalidade. No fim, colocavam-se à prova esse padrão ou causalidade, por meio de experiências que deviam comprovar os dados inicialmente colhidos.

Perfil

Saint-Simon, precursor do pensamento sociológicoPertencente à alta nobreza da França, Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon (1760-1825), renunciou a

seu título e a seus privilégios aos 40 anos, pregando a aplicação incondicional da razão às questões humanas.Segundo Saint-Simon, o uso do pensamento racional é o caminho para a descoberta do funcionamento dos meca-

nismos da natureza. Logo, possibilitaria saltos tecnológicos que reduziriam as diferenças e a exploração econômica, propiciando uma era de paz, riqueza e harmonia entre os seres humanos.

Ele também era obcecado pela racionalização da produção, preocupando-se com o aumento da produtividade, que devia estar fundamentada na especialização e na hierarquização das funções e das atividades na fábrica. Essa concepção influenciou Auguste Comte, que foi assistente de Saint-Simon na adolescência e no início da vida adulta.1. Por que, para Saint-Simon, tecnologia e progresso são conceitos que caminham paralelamente?2. O que você entende por racionalização da produção? Procure explicar por meio de exemplos práticos.

Retrato de Comte em litografia de Tony Toullion, século XIX, Biblioteca Nacional de Paris.

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> Os três estágiosBaseando-se no método utilizado pelas ciências na-

turais, Comte chegou à conclusão de que o espírito humano transforma-se progressivamente em relação à sua capacidade de investigação da realidade.

Em um primeiro momento, no qual o domínio so-bre a natureza ainda é limitado, recorre-se a entida-des e figuras divinas e espirituais, consideradas res-ponsáveis pela criação de tudo; trata-se do estágio teológico.

Esse primeiro estágio seria ultrapassado no instante em que as respostas espirituais não fossem mais suficien-tes para explicar os mecanismos da realidade, abrindo caminho para o estágio metafísico, no qual o homem abandona as explicações de cunho religioso e busca na natureza e em si próprio as respostas para a compreensão da realidade material.

Por fim, esse conhecimento metafísico, contemplati-vo e filosófico cede espaço para o estágio positivo – que constitui o positivismo –, quando o homem passa a aplicar o conhecimento pensado e teorizado no mo-mento anterior.

Segundo essa perspectiva, esses estágios ocorrem de forma organizada, um após o outro, constituindo a evo-lução do pensamento – e, automaticamente, a evolução da própria sociedade, favorecida, em termos tecnológi-cos, pelas novas descobertas.

> Classificação das ciênciasCom base na Lei dos Três Estágios, Comte procurou

classificar as ciências, considerando fatores como a sim-plicidade e a complexidade de sua produção teórica, as-sim como o momento em que elas deixariam para trás os aspectos metafísicos para tornarem-se positivas. Assim, haveria seis grandes disciplinas científicas: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia e Sociologia.

Segundo Comte, o acelerado desenvolvimento da ciência e da tecnologia de seu tempo era fruto da espe-cialização científica. No entanto, era preciso evitar os efeitos perniciosos da especialização exagerada, entre os quais a atenção excessiva aos detalhes e a recusa à “universalidade das investigações especiais, tão fácil e comum nos tempos antigos”. Essas ideias são desen-volvidas em sua obra Curso de Filosofia positiva, publi-cada em seis volumes, de 1830 a 1842.

Para Comte, a sociedade europeia supera o medievalismo cristão da Idade Média ao entrar, com o Renascimento, em uma era de descobertas humanísticas; e, com as descobertas de Galileu e Newton, abre-se caminho para a sociedade industrial. Na foto (A): Coroação de Filipe II Augusto da França, século XV, livro de iluminuras atribuído a Jean Fouquet; em (B): O homem vitruviano, 1492, de Leonardo da Vinci; em (C): Ferrovia elevada em Nova York, c. 1880, litogravura colorida.

Leitura das fontes

Conceito de Sociologia por Auguste Comte

Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, como submeti-dos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a ex-plicar diretamente, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana, considerado em todas as suas partes essenciais; isto é, a descobrir o encadeamento necessário de transforma-ções sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de um estado apenas superior ao das sociedades dos grandes macacos, foi conduzido gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na Europa civilizada. O espí-rito dessa ciência consiste sobretudo em ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do presente e a manifestação geral do futuro.COMTE, Auguste. Sociologia – conceitos gerais e surgimento. In: MORAES FILHO, E. de (Org.). Comte. São Paulo: Ática, 1983. p. 53 (Coleção Grandes Cientistas Sociais).

1. Segundo Comte, como se define a Física Social?2. Que papel o autor reserva a essa ciência?

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> A Religião da HumanidadeEm 1852, Comte adicionou às seis ciên-

cias positivas citadas anteriormente uma sé-tima, a moral, que deveria estudar a psico-logia do indivíduo e suas interações sociais.

Nessa época, suas preocupações voltavam--se, cada vez mais, para a espiritualidade. Em sua concepção, seria preciso retirar os elementos sobrenaturais da dimensão espi-ritual e religiosa do ser humano. As formu-lações de uma “Religião da Humanidade”, baseadas no altruísmo, e não na crença em um ser divino, foram apresentadas em 1854 no último volume de sua obra Sistema de po-lítica positiva, publicada em 1851. A Igreja positivista difundiu-se em diversos países.

Muitos intelectuais até então influencia-dos pelo positivismo afastaram-se de Comte por causa do “retrocesso metafísico” implícito nessa concepção religio-sa. Isso, porém, não o desanimou, e certa vez ele declarou ter seguido duas carreiras diferentes: a primeira, apoiada nos princípios de Aristó-teles (referência às suas preocupações filosóficas), e a segunda, nos de Paulo (o apóstolo de um novo credo).

> Alcance e limitações do positivismoA grande limitação do positivismo é a identificação do homem como

um elemento natural, que reage ao meio e aos acontecimentos de ma-neira determinista, sendo incapaz de, por vontade própria, buscar alter-nativas distintas daquelas para as quais as condições sociais o levariam. De todo modo, contudo, o esforço metodológico de Comte abriu espa-ço para que outros pensadores do século XIX pudessem consolidar os estudos sociológicos, tornando-se referência para eles.

Primeiro templo da Igreja positivista no Brasil, localizado na cidade do Rio de Janeiro e fundado em 1881 com o objetivo de difundir a Religião da Humanidade formulada por Comte. Fotografia de 2003.

Bandeira brasileira. O lema inscrito em nossa bandeira — “Ordem e Progresso” — teve influência positivista.

Conheça melhor

O impacto político do positivismoA doutrina positivista exerceu forte influência sobre os militares brasileiros que proclamaram a República, a

ponto de parte do lema da “Religião da Humanidade” — o Amor por princípio, a Ordem por base, o Progresso por fim — estar inscrita na bandeira nacional, por meio da expressão “Ordem e Progresso”. Entre os seus prin-cipais divulgadores estava o republicano Benjamin Constant, que não apenas era adepto das concepções filosóficas de Comte, mas também chegou a frequentar a Igreja positivista.

O ideário comtiano também marcou a vida política do Rio Grande do Sul. A Constituição gaúcha de 1891 possuía inspiração positivista. Tanto Júlio de Castilhos quanto seu sucessor, Borges de Medeiros, que controlaram a política do Rio Grande do Sul durante toda a República Velha, di-ziam-se influenciados por Auguste Comte.

A doutrina positivista lançou igualmente raízes no México, onde se tornou uma espécie de “ideologia oficio-sa” do regime autoritário de Porfírio Díaz, que governou o país de 1876 a 1880 e, depois, de 1884 a 1911. No entan-to, os impactos da produção teórica de Comte no contexto político do Brasil, no México e em outros países, perten-cem ao passado.

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Émile DurkheimApesar de ser considerado discípulo de

Auguste Comte, o francês Émile Durkheim (1858-1917) não poupou críticas ao seu antecessor ao afirmar que Comte praticava uma investigação sociológica carente do verdadeiro espírito científico, baseada em ideias vagas e especulativas. Essa tendên-cia se tornaria mais evidente na fase final da trajetória de Comte, quando a Sociolo-gia, de ciência da sociedade baseada em leis racionais, “física social”, passou a ser considerada o fundamento de uma nova concepção moral e religiosa: a “Religião da Humanidade”.

As críticas a Comte não escondem, po-rém, a enorme influência que esse autor (as-sim como Saint-Simon) teve no pensamento durkheimiano. Seguindo seus antecessores, Durkheim acreditava e defendia a ideia do progresso da humanidade em direção à feli-cidade, o que apenas seria possível por meio do estudo da sociedade, prática que exigia um método próprio às ciências humanas e, mais especificamente, à Sociologia.

A metodologia desenvolvida por Durkheim foi apresentada em um de seus livros mais importantes, As regras do método sociológico (1895), que atribuiu à Sociologia um efeti-vo estatuto científico. Segundo ele, era ne-cessário ao sociólogo livrar-se de todo e qualquer tipo de prenoção ou paixão pes-soal ao analisar um acontecimento, manter um distanciamento semelhante ao do pes-quisador das ciências naturais, de modo a garantir uma neutralidade real diante do objeto de estudo. A partir do momento em que cumpre com esses parâmetros, o soció-logo pode focar sua atenção no estudo dos fatos sociais, o principal objeto de estudo da Sociologia.

> O que são fatos sociaisSegundo Durkheim, fatos sociais – con-

ceito central na teoria desenvolvida pelo autor – são elementos da vida social esta-belecidos pela sociedade antes mesmo do nascimento dos indivíduos que lhe dão corpo. Os fatos sociais correspondem aos costumes aos quais nos submetemos, às regras éticas e morais que devemos respei-tar, à língua que aprendemos para nos co-municar, ou seja, a cada um dos valores que existem na sociedade e que devemos

apreen der para garantir nossa socialização – a prática que nos humaniza –, dando-nos o sentimento de pertencer a algo maior do que nós mesmos, o que fortalece nossa identidade. A consciência coletiva resulta-ria do conjunto de crenças, normas e valo-res comuns a determinada sociedade.

Essa definição nos permite compreender por que Durkheim afirmou que os fatos so-ciais devem ser tratados como coisas, ou seja, elementos exteriores ao ser humano e que não pertencem a ele, pois são, na verdade, plena-mente independentes de sua vontade. Mais do que isso, os fatos sociais são coercitivos, já que forçam os indivíduos a posicionar-se e a integrar--se dentro do todo social.

Apenas quando o pes-quisador identifica os fatos sociais como externos a ele e desconhecidos de si mes-mo, é possível alcançar a objetividade e a neutralida-de pretendidas, livrando-se de preconceitos e certezas preconcebidas. Assim, ele está preparado para estudar e compreender a sociedade.

Leitura das fontes

O papel da educaçãoDe acordo com Durkheim, a educação é uma das formas de in-

ternalização dos fatos sociais pelos indivíduos, como esclarece no trecho abaixo:

Toda educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais elas não chegariam espontaneamente, – observação que salta aos olhos todas as vezes que os fatos são encarados tais quais são e tais quais sempre foram. Desde os primeiros anos de vida, são as crianças forçadas a comer, beber, dormir em horas re-gulares; são constrangidas a terem hábitos higiênicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las a aprender a pensar nos demais, a respeitar usos e conveniências, forçamo--las ao trabalho, etc., etc. Se, com o tempo, esta coerção deixa de ser sentida, é porque pouco a pouco dá lugar aos hábitos, a tendências internas que a tornam inútil, mas que não a subs-tituem senão porque dela derivam.DURKHEIM, Émile. O que é fato social. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Émile Durkheim. São Paulo: Ática, 2000. p. 48-49 (Coleção Grandes Cientistas Sociais).

O sociólogo francês Émile Durkheim.

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> Solidariedade e coesão socialO estudo da sociedade desenvolvido por

Durkheim era movido por sua curiosidade em compreender como ocorria a transição das sociedades tradicionais para as socieda-des modernas, reflexo das trans formações históricas vivenciadas por ele.

Para acompanharmos o caminho percorri-do por esse pensador, precisamos entender a forma como ele define a sociedade. Segundo Durkheim, a sociedade é composta de indi-víduos, mas não se restringe à simples soma destes, já que a interação social entre eles gera regras, costumes e instituições que es-tão acima do indivíduo e que passam a de-terminar seu comportamento em grupo. Decorre daí a necessidade de uma espécie de alicerce ou argamassa que mantenha to-dos unidos, de modo que convivam social-mente. Durkheim chamou esse elemento que une os indivíduos e fortalece seus laços sociais de solidariedade social, e ela se ma-nifesta de duas formas distintas, de acordo com a organização da sociedade: a solidarie-dade mecânica e a solidariedade orgânica.

Solidariedade mecânicaA solidariedade mecânica prevalece nas

sociedades ditas tradicionais ou agrárias. Conforme Durkheim, essas sociedades estão assentadas em uma ampla divisão do trabalho – que está presente em todos os estratos sociais, mas sem grande especialização –, e os indi-víduos pouco se diferenciam entre si. Nelas, a consciência coletiva prevalece sobre as consciências in-dividuais e, por isso, abrange pra-ticamente toda a sociedade. Ao se perceberem semelhantes, os indiví-duos desenvolvem uma consciência apenas parcial de sua individuali-dade. Tais sociedades apresentam, portanto, alto grau de coesão, em função dessa escassa diferenciação entre os indivíduos.

Quando dominante, a cons-ciên cia coletiva conduz à homo-geneização do comportamento e do pensamento; norteia a existên-cia individual impondo determi-nações e proibições de origem social; define socialmente o que é moral, imoral, desvio, crime, etc. Os processos de socialização resul-

tam, desse modo, da inserção de normas co-letivas na consciência e na adoção do com-portamento requerido pela sociedade para a manutenção da coesão social. A sociedade medieval é um exemplo do predomínio da solidariedade mecânica.

Solidariedade orgânicaNas sociedades modernas, no entanto,

cuja divisão social do trabalho é mais com-plexa, Durkheim apontou que se desenvol-veu um novo tipo de solidariedade, definida por ele como orgânica. Ao utilizar esse ter-mo, o autor procurou estabelecer uma ana-logia com os órgãos do corpo humano, em que cada um desempenharia uma função complementar e indispensável. Nessas so-ciedades, as pessoas se diferenciariam bas-tante umas das outras: elas se sentiriam úni-cas, verdadeiramente individualizadas.

Essa seria, segundo Durkheim, a condi-ção para o surgimento do que foi caracteri-zado como liberdade individual. Os indiví-duos desenvolveriam papéis e preencheriam funções socialmente distintas, mas comple-mentares. Com a divisão social do trabalho, o sistema de papéis sociais se diferencia cada vez mais, o que, por sua vez, provoca mudanças significativas no sistema de nor-mas e valores.

Colheita, ilustração em velino alemã, século XIII, Rheinisches Landesmuseum, Bonn, Alemanha. A sociedade medieval é um exemplo de sociedade em que predomina a solidariedade mecânica.

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O sistema repressivo de normas e valores, característico da solidariedade mecânica, aos poucos cede lugar a um sistema cooperativo. Mesmo assim, o individualismo tende a pro-gredir, minando a possibilidade de homo-geneização da ação e do comportamento. A divisão social do trabalho, mais complexa, resultaria em uma ampla diversificação das consciências individuais. Dessa forma, cada um procurará desenvolver formas particula-res de ação e de pensamento, apresentando autonomia de julgamento e de ação.

Nesse contexto, é possível observar o en-fraquecimento da consciência coletiva e das proibições sociais, bem como o desenvolvi-mento do individualismo, que exerce um efeito destrutivo sobre a solidariedade. A predominância da consciência individual, conforme observou Durkheim, desencadeia a necessidade de manutenção, mesmo que parcial, da consciência coletiva, pois a ausên-cia de solidariedade conduz a um rápido processo de desintegração social.

Apesar da constatação do enfraqueci-mento da consciência coletiva como fator de coesão social, o autor sustentou em toda a sua trajetória intelectual que o indivíduo nasce da sociedade, e não o contrário. Ele é a expressão da coletividade, e as consciên-cias individuais são povoadas, ainda que parcialmente, por uma parcela de consciên-cia coletiva.

AnomiaQuando os laços que unem os membros

de uma sociedade tradicional começam a se enfraquecer, esse processo resulta do surgi-mento de um grupo de indivíduos que dis-corda das regras existentes e que, com o tempo, passa a ter força para se impor e, com isso, alterar as regras e a estrutura social exis-tente. Esse processo de dissolução dos laços de solidariedade mecânica, que leva ao desa-parecimento dos traços tradicionais dessa sociedade, Durkheim chamou de anomia.

O estado de anomia não significa, no en-tanto, o fim da sociedade, mas da forma como esta se organiza e das regras sociais existentes. Ou seja, o estado de anomia gera uma transformação na sociedade, criando novos laços de solidariedade e novas regras sociais, que tendem a se impor ao corpo so-cial como um todo.

Assim, as sociedades tradicionais tendem a dar lugar às sociedades modernas no mo-

mento em que as atividades de subsistência são substituídas por um sistema de produção que gera excedentes, o que leva ao fortaleci-mento de comerciantes e produtores que lu-tam contra as relações tradicionais que carac-terizaram o período anterior da sociedade. Logo, as sociedades modernas são marcadas pela existência de um grande número de ins-tituições que distanciam o indivíduo da so-ciedade, fortalecendo sua personalidade pes-soal. O tipo coletivo, nessa nova realidade, dá lugar ao indivíduo propriamente dito.

Tipicamente urbanizadas, as sociedades modernas tendem a apresentar elevado grau de especialização da divisão do trabalho e sua esfera econômica passa a ter maior rele-vância, já que cada pessoa necessita das de-mais para viver em sociedade.

Nesse caso, Durkheim observa uma preo- cupante ausência de valores morais, já que o desenvolvimento tecnológico e científico tende a dissolver as verdades sustentadas pelos dogmas religiosos, ao mesmo tempo em que a divisão técnica do trabalho tende a fortalecer o caráter individualista de cada membro da sociedade. Esses indivíduos, por vezes, sentem-se perdidos, como se es-tivessem descolados da estrutura, como se nunca tivessem feito parte dela, sensação que resulta em indivíduos portadores de um estado de desalento.

O conceito de anomia é apresentado na obra intitulada O suicídio (1897). Nesse li-vro, Durkheim mostra que o ato individual e solitário dos suicidas sofre profunda in-fluência dos fatores so-ciais e verifica, ainda, que o suicídio é, por exemplo, mais frequente entre os solteiros, viúvos e divor-ciados do que entre pes-soas casadas e com filhos. Nessa obra, o autor classi-fica os diferentes tipos de suicídio e, entre eles, o suicídio por anomia, que está associado à não iden-tificação do indivíduo com as normas da socie-dade. Assim, a tendência à multiplicação dos suicí-dios registrada em diver-sos países trata-se de um sintoma de uma socieda-de doente ou anômica.

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Trabalhadoras em fábrica de montagem de televisores, na cidade chinesa de Chengdu, em fotografia de 2009. A situação retratada na imagem pode ser considerada um exemplo de solidariedade orgânica na divisão do trabalho.

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Karl Marx e Friedrich EngelsEmbora a Sociologia tenha nascido e se

consolidado na França, foram dois alemães que abriram novos horizontes para esse campo do conhecimento: Karl Marx (1818- -1883) e Friedrich Engels (1820-1895).

Assim como Durkheim, Marx e Engels dedicaram especial atenção ao estudo da so-ciedade capitalista industrial do século XIX. Eles desenvolveram uma teoria crítica que procurava explicar como o sistema capitalis-ta favorecia a classe dominante – a burgue-sia – por meio da exploração da mão de obra do proletariado urbano.

A teoria desenvolvida por eles baseia-se no fato de que a sociedade capitalista, assim como as anteriores a ela, tem um objetivo central: possibilitar a sobrevivência de todos os seus membros por meio da produção dos bens necessários para o consumo, o que exi-ge a organização coletiva do trabalho.

Com base nessa constatação, Marx e En-gels procuraram desenvolver um método de estudo que permitisse compreender os mecanismos de funcionamento da socieda-de capi talista. Esse método foi denominado materialismo histórico. De acordo com ele, a compreensão da sociedade só é possí-vel por meio do entendimento das condi-ções que permitem a sua reprodução; como tais condições são dadas pelo trabalho humano, Marx e Engels afirmavam que a

esfera econômica tem importância central no estudo da sociedade.

A esfera econômica, por sua centralida-de, compõe a infraestrutura, a base de sustentação da sociedade capitalista, que se organiza com base em suas forças pro-dutivas. A organização dessas forças cons-titui a estrutura das relações sociais de produção, que envolvem a compra, a co-mercialização e a incorporação do lucro pelos indivíduos.

Para regular as rela-ções econômicas e a vida em sociedade, surgem ainda outras esferas de poder, como a social, a política, a cultural e a re-ligiosa. Estas, em conjun-to, formam a superestru-tura e relacionam-se com a infraestrutura, de modo que uma influencia a ou-tra. Para Marx e Engels, nas relações sociais veri-fica-se o predomínio das relações econômicas. As-sim, por exemplo, são as relações econômicas que influenciam e determi-nam a configuração do poder político.

Na fotografia de 1864, veem-se Engels (em pé, à esquerda) e Marx (em pé, à direita); sentadas, a esposa, Jenny, e duas filhas, Laura e Eleanor, de Marx.

Conheça melhor

As raízes do marxismoAs ideias de Karl Marx foram inspiradas por movimentos sociais e por pensadores da sociedade ocidental com for-

te conexão com os acontecimentos de sua vida pessoal. Nascido em Trier, cidade localizada no sul da atual Alema-nha, ainda jovem, travou contato com Hegel (1770-1831), o primeiro grande intelectual a influenciar seu pensamento. Nesse momento de sua trajetória intelectual, é tocado, sobretudo, pelo conceito da dialética hegeliana, a qual associa à obtenção das condições materiais de existência por meio das relações de produção e do antagonis-mo entre as classes sociais — burguesia e proletariado.

Em 1843, ao se casar com uma jovem aristocrata, Jenny Westphalen, Marx muda-se para a França, onde se dedica ao jornalismo, momento em que se aproxima das agitações políticas que tomavam conta da Europa do século XIX. O trabalho no ramo do jornalismo lhe trouxe duas importantes contribuições: o contato com representantes do socia-lismo utópico, termo cunhado pelo próprio Marx por admirar as ideias de igualdade proferidas pelos socialistas, os quais, no entanto, não apontavam os meios materiais necessários para se alcançar tal ideal; e a amizade estabeleci-da com Engels, cujos textos críticos causaram admiração em Marx, o que motivou essa aproximação e o contato de Marx com os princípios da economia clássica, representada essencialmente pelos escritos do economista escocês Adam Smith (1723-1790) e do economista inglês David Ricardo (1772-1823).

Após perseguição política promovida pelo governo francês — que o acusou de participar de atividades subver-sivas —, Marx vai para a Inglaterra, o berço do capitalismo industrial moderno, onde encontra ambiente político e inte-lectual propício para estudar a economia clássica, dedicando-se ao estudo dos textos de Smith e Ricardo.

Após os acontecimentos revolucionários de 1848, o clima de intolerância e perseguição política na Europa conti-nental levou Marx a permanecer na Inglaterra, vindo a falecer mais tarde, em 1883, sem que tivesse tido condições para concluir sua maior obra, O Capital, conjunto de livros do qual o primeiro foi publicado em 1867.

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> A luta de classes e a transformação da sociedadeNa análise da sociedade empreendida por

Marx e Engels, a ênfase na esfera econômica os levou a fixar sua atenção na fábrica, consi-derada a célula da sociedade capitalista. Nela, existem dois elementos que participam dire-tamente do processo de produção: o capital e o trabalho. Ambos se relacionam a classes so-ciais antagônicas: enquanto a burguesia é proprietária dos meios de produção (a fábri-ca e as ferramentas necessárias para produ-zir), os operários detêm a força de trabalho que movimenta os meios de produção.

A diferença significativa entre essa forma de produção e as formas tradicionais (que re-metem à produção manufatureira e ao papel central do artesão como responsável pela produção) está na existência de uma merca-doria especial: a força de trabalho assalariada. É essa mercadoria que acrescenta valor às mercadorias produzidas, o que levou ao de-senvolvimento do conceito de mais-valia.

A força de trabalho torna-se uma mer-cadoria especial como resultado da im-plantação da divisão técnica do trabalho no sistema de produção. Essa divisão com-partimentou o processo produtivo em deze-nas de etapas menores, cada uma delas rea-lizada por um operário especializado nessa operação específica. Apesar de elevar a pro-dutividade, essa prática teve uma conse-quência negativa: ao contrário do artesão, que dominava todas as etapas do processo produtivo, o operário torna-se incapaz de ver na mercadoria produzida o reflexo do pró-prio trabalho. Dessa forma, é vítima do processo de alienação, pois não consegue determinar o valor da mercadoria produzi-da, uma vez que contribui em apenas uma pequena etapa da sua produção. O salário recebido garante a sobrevivência do operá-rio, mas não corresponde à riqueza produ-zida por ele dentro da fábrica. Essa riqueza que o trabalhador não mais detém, esse va-lor adicional que é incorporado pelo capita-lista, é o que chamamos de mais-valia.

Tal situação só pode ser superada pelo proletariado por meio da consciência de classe, quando o operário passa a compreen-der que, independentemente de sua nacio-nalidade ou da função fabril que exerça, é explorado por capitalistas da mesma forma que milhões de outros operários ao redor do mundo.

A consciência da exploração comum leva à união do proletariado, condição essencial para que se possa superar o capitalismo por meio da luta de classes, ou seja, o choque di-reto com a burguesia. Os confrontos entre as duas classes tornam-se cada vez mais agu-dos, até a eclosão do conflito final – a revo-lução, que teria como consequência a vitória dos explorados e instauraria o governo do proletariado, fase intermediária e indispen-sável para se alcançar o estágio do comunis-mo – a sociedade igualitária e sem classes.

Nessa fase intermediária, o proletariado controla o Estado e dá início a um processo que leva à extinção da propriedade privada, responsável por garantir à burguesia o con-trole econômico sobre as demais classes so-ciais. A extinção da propriedade privada e sua substituição pela propriedade coletiva e pública tornariam, por sua vez, o Estado desnecessário, já que este era visto por Marx e Engels como uma estrutura que reprodu-zia a hegemonia burguesa por meio do con-trole das forças de coerção física e jurídica.

Leitura das fontes

A exploração capitalistaO caráter progressista da teoria marxista pode ser notado na

forma como Marx e Engles explicam a luta de classes e a superação da hegemonia da burguesia, classe cuja existência é incompatível com a sociedade, como se lê no texto abaixo:

Até hoje […] todas as sociedades sempre se assentaram na oposição entre as classes opressoras e oprimidas. Contudo, para que uma classe possa ser oprimida, é preciso que lhe se-jam asseguradas condições sob as quais ela possa ao menos le-var sua existência servil. O servo, em sua servidão, fez-se membro da comuna, assim como, sob o jugo do absolutismo feudal, o pequeno-burguês se transformou em burguês. O tra-balhador moderno, ao contrário, em vez de se erguer com o progresso da indústria, afunda cada vez mais, abaixo das con-dições de sua própria classe. O trabalhador transforma-se em miserável, e a miséria desenvolve-se com rapidez ainda maior que a população e a riqueza. Evidencia-se, assim, claramente que a burguesia é incapaz de se manter por mais tempo como a classe dominante da sociedade e de impor a ela, como lei re-guladora, as condições de vida de sua classe. Ela é incapaz de dominar em razão de sua incapacidade de assegurar a seu es-cravo até mesmo uma existência no interior dessa escravidão, vendo-se obrigada a rebaixá-lo a uma condição na qual, em vez de se alimentar dele, precisa alimentá-lo. A sociedade não pode viver sob ela, ou seja, a vida da burguesia deixa de ser compatível com a sociedade.MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Penguin Classics/Companhia das Letras, 2012. p. 57.

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Max WeberO alemão Max Weber (1864-1920) tam-

bém se interessou pelo desenvolvimento do sistema e da sociedade capitalistas, ainda que esta, à época de seus estudos e observa-ções (final do século XIX e início do século XX), fosse distinta da sociedade capitalista de meados do século XIX, estudada por Durkheim e Marx.

Ao contrário desses pensadores, Weber acreditava que as estruturas que configuram a sociedade, apesar de importantes, não eram determinantes para a formação e para o desenvolvimento da sociedade. Na verda-de, elas apenas funcionavam como resulta-do da interação social entre os indivíduos, elemento que originariamente dá forma à estrutura social; portanto, é o fenômeno da interação social que deve ser estudado para se compreender a sociedade.

Assim como Durkheim, Weber enfatiza a necessidade da postura objetiva do cientis-ta, fundamental para o emprego dos méto-dos científicos de compreensão da socieda-de. Discorda, porém, da neutralidade que o cientista social deve sustentar diante do ob-jeto de estudo. Weber considera impossível dissociar o cientista dos valores que o for-mam, pois tais valores o auxiliam na escolha do fenômeno social a ser analisado, o que exige uma ética absoluta, em que o cientista se compromete em expor a verdade.

O estudo das interações sociais e a objeti-vidade nas ciências sociais devem, portanto, caminhar lado a lado; daí a necessidade de se recorrer ao conceito de ação social e de tipo ideal como formas de melhor compre-ender a realidade histórica e empírica.

> Ação socialA compreensão da relação entre os indi-

víduos associa-se, na metodologia weberia-na, ao entendimento do conceito de ação social. Em sua obra Economia e sociedade, publicada postumamente em 1922, Weber define a ação social como a

“ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso”.WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Ed. da UnB; São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. p. 3.

Uma característica da ação social é ser uma conduta humana dotada de sentido,

isto é, de uma justificativa elaborada pelo su-jeito. É o ser humano quem atribui sentido à ação social: é ele quem estabelece a conexão entre o motivo da ação, a ação propriamente dita e os efeitos que produz.

Daí resulta que a ação social constitui o principal objeto de estudo do cientista, cuja tarefa é buscar compreender os nexos que dão sentido às ações sociais. Segundo We-ber, são três os sentidos que podem caracte-rizar uma ação social: ▪ ela pode estar relacionada à racionalida-

de do indivíduo, a qual, por sua vez, é movida de acordo com os fins pelos quais age (aonde deseja chegar, qual o objetivo final da ação, o que o leva a elencar os re-cursos disponíveis e os meios necessários para fazê-lo);

▪ ela pode estar relacionada aos valores do indivíduo (aquilo que o move e que faz parte de sua forma de atuar em socieda-de, como optar por consumir produtos naturais, em vez de industrializados);

▪ ela também se manifesta por meio da afe-tividade e da tradição; nesses dois casos não há qualquer conexão com a esfera ra-cional, já que as motivações são outras. A motivação afetiva refere-se à atitude to-mada para agradar ao outro (como ofere-cer uma rosa à pessoa amada); no caso da tradição, trata-se da força exercida por costumes (por exemplo, a autoridade que o pai detém diante da vida do filho ou o poder que um chefe tribal exerce sobre os membros do seu grupo).

Max Weber em fotografia de 1894.

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> Tipo ideal e racionalização do mundoWeber nos alerta quanto aos tipos de ação social por

ele descritos, afirmando que eles não existem na realida-de prática, mas são antes construções teóricas que auxi-liam o cientista a compreender a riqueza das relações sociais. Ele chama a essas construções de tipos ideais.

O tipo ideal é uma ferramenta de pesquisa que con-tribui para a análise dos fenômenos sociais. Ao se obser-var um fenômeno social, buscam-se seus traços mais significativos, que são estudados de modo a se construir uma referência teórica deles e que se torna a referência do estudo empírico.

Munido desses instrumentos de análise, Weber pro-curou compreender melhor a sociedade capitalista, identificando em sua racionalidade o elemento essencial de sua sustentação. Daí a necessidade de compreender como e quando tal racionalidade tornou-se preponde-rante na sociedade, o que ocorreu com o declínio da so-ciedade feudal diante do avanço do pensamento racio-nal, cujo marco inicial é o Renascimento italiano. O predomínio do pensamento racional se dá com o pro-cesso de fortalecimento da interdependência entre os indivíduos, que acompanha o desenvolvimento técnico e científico na busca de maior eficiência produtiva, pois a aplicação da racionalidade na produção evita desper-dícios e amplia os ganhos econômicos, o objetivo últi-mo dos agentes capitalistas.

No desenvolvimento da sociedade moderna, diversos elementos contribuíram para reforçar a racionalidade como importante suporte do capitalismo. Entre eles, Weber destaca a ética do trabalho dos puritanos – gru-pos protestantes do norte da Europa que adotaram a re-ligião calvinista. A explicação dessa tese está em seu livro A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-1905), no qual Weber afirma:

Basta uma vista de olhos pelas estatísticas ocupa-cionais de um país pluriconfessional para constatar a notável frequência de um fenômeno por diversas vezes vivamente discutido na imprensa e a literatura católicas bem como nos congressos católicos da Ale-manha: o caráter predominantemente protestante dos proprietários do capital e empresários, assim como das camadas superiores da mão de obra qualificada, notadamente do pessoal de mais alta qualificação téc-nica ou comercial das empresas modernas.WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 29.

Para Weber, as crenças ligadas à Reforma Protestante (em especial o calvinismo) favoreceram o comporta-mento econômico racional dos devotos. A riqueza asso-ciada ao trabalho e a uma vida frugal era um indício de aprovação divina, um sinal de que a pessoa estava entre os “eleitos”. A salvação, e não o enriquecimento, era o objetivo; a prosperidade era um efeito dos hábitos de vida valorizados pelo calvinismo.

Assim, o autor sustentou a tese de que uma dimensão cultural, o protestantismo, e, em especial, a crença calvinis-ta, pode ser considerada a “semente da economia capita-lista”, produzindo efeitos sobre as estruturas econômicas.

> O desencantamento do mundoNa sua análise sobre as transformações da sociedade,

Weber contraria os iluministas e seus seguidores, para os quais a sociedade caminha em direção ao progresso e à felicidade dos povos. Para o sociólogo alemão, a pri-mazia da ação racional não significa que a sociedade vai evoluir nessa direção. Weber destoa também da visão progressista e evolutiva da história defendida (com in-terpretações distintas) por Durkheim e Marx.

Para ele, a primazia da ação racional leva ao desen-cantamento do mundo. Com essa expressão, Weber ca-racterizou o processo por meio do qual o desenvolvimen-to da ciência, da atitude científica e da racionalidade provoca uma “desmagificação” do mundo, isto é, uma perda do sentido mágico das coisas. Assim, cada ser ou aspecto do mundo é desinvestido do sentido fornecido por crenças, superstições, mitos e tradições.

Quadrinhos

Política de cortesO cartunista Angeli satiriza a visão dos capitalis-

tas sobre os procedimentos que as empresas devem adotar para aumentar os lucros por meio da política de cortes de postos de trabalho. Tais procedimentos são caracterizados por Weber como relacionados ao processo de racionalização: o conjunto de medidas instrumentais vistas como necessárias para o bom de-sempenho da empresa ou da sociedade. Nesse caso, a racionalização é a adoção da política de cortes. A ra-cionalização considera os meios, que se tornam fins em si mesmos.

1. O que é racionalização?2. Resuma a mensagem que a charge apresenta.

Charge de Angeli publicada no UOL Notícias, em 17 de março de 2009.

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A Sociologia aplicada ao cotidianoMas, afinal, para que serve efetivamente

o saber sociológico?A melhor forma de responder a essa ques-

tão é por meio de um exemplo prático. Para que seja convincente, o ideal é que ele se ar-ticule com os seus interesses imediatos como aluno. Como está lendo este livro, você pro-vavelmente está cursando o Ensino Médio e talvez considere – com uma pitada de ansie-dade – a perspectiva de se preparar para o desafio do vestibular.

Para todos os estudantes, a aprovação no vestibular está diretamente ligada ao rendi-mento escolar. Passar nesse tipo de exame significa uma vitória intelectual pessoal, porque somente os que são classificados en-tre os aprovados podem cursar as discipli-nas universitárias.

Ser aprovado no vestibular também re-presenta sucesso social, pois o jovem uni-versitário torna-se parte de uma elite que tem acesso à educação superior. Esse reco-nhecimento social é sinônimo de status, que também satisfaz seu desejo de realização, pois muitas pessoas depositaram confiança em você: professores, amigos, pais e paren-

tes que acreditaram no seu potencial e in-vestiram em seus estudos.

Muitos estudiosos identificam traços si-milares entre a preparação para o vestibular em sociedades urbano-industriais e a reali-zação dos ritos de passagem a que se sub-metem adolescentes e jovens em muitas so-ciedades indígenas, para a conquista do status de adultos.

Dessa perspectiva, o período de prepara-ção para os exames, durante o qual os en-contros com os amigos são trocados por noites de estudo, assume grande importân-cia. Em certa medida, essa fase pode ser comparada ao tempo de reclusão na “casa dos homens” ou seu equivalente feminino em certos grupos nativos, durante o qual os rapazes e as moças que em breve vão iniciar a vida adulta assimilam conhecimentos so-cialmente valorizados e transmitidos pelos mais velhos. Em outras palavras, a prepara-ção para o estágio adulto começa bem antes da realização do vestibular, rito de passa-gem que exige a renúncia temporária às ba-ladas, às excursões e a outros prazeres em geral associados à condição juvenil.

Conheça melhor

Ritos de passagemVárias etapas marcam o desenvolvimen-

to de um indivíduo: nascimento, passagem da infância ou adolescência para a vida adulta, casamento, velhice. Para lidar com essas etapas, as sociedades podem estabe-lecer ritos de passagem, ou seja, cerimônias que assinalam essas transições importantes na vida de uma pessoa, nas quais ocorre a mudança de estatuto social. Por exemplo, os ritos ligados ao nascimento (como o batis-mo e a circuncisão) e à morte (como o fune-ral), à vida a dois e ao parentesco (como o casamento), entre outros. Esses ritos permi-tem a introdução do indivíduo na sociedade, seu reconhecimento pelos outros membros do grupo e de seus direitos e deveres.

Em muitas sociedades indígenas, para conquistar o status de adultos, os jovens se submetem a ritos de passagem. Entre o povo Galibi do Oiapoque, por exemplo, as moças tinham de ficar em resguardo após a primeira menstruação, não podendo ir ao rio ou à roça, nem cozinhar. Se não respei-tassem esse resguardo, poderiam atrair es-píritos malignos.

Jovem indígena em reclusão pubertária, em aldeia Kuikuro, no Parque Indígena do Xingu. Fotografia de 2012.

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Outra consideração a ser feita sobre o vestibular é com relação ao im-pacto que ele produz na vida cotidiana das pessoas que moram nas pro-ximidades dos locais onde as provas são aplicadas. Os trabalhadores responsáveis pela limpeza, por exemplo, no final das provas devem fa-zer um esforço extra, recolhendo papéis, copos plásticos, embalagens de alimentos, latas de refrigerante, etc. Além disso, costuma haver alte-rações no transporte coletivo, cujas rotas e horários são redimensiona-dos para atender aos estudantes. Isso implica uma mudança, por vezes desconfortável, da rotina da comunidade.

Por fim, a realização das provas movimenta grande contingente de profissionais responsáveis por elaborar as questões, editá-las, imprimi--las e distribuí-las na hora correta e ao mesmo tempo para todos os concorrentes. Esses profissionais, que tornam o vestibular possível, são remunerados, aspecto que tem certo impacto sobre as atividades econômicas no período em que o exame ocorre.

Quadrinhos

A pressão do vestibularO vestibular não é o único “bicho-papão” no ca-

minho dos adolescentes e dos jovens: é o que mos-tra a bem-humorada charge do cartunista Angeli. Nela, o exame é tratado como mais uma etapa na vida do estudante, que ainda enfrentará novos de-safios e perturbações em sua vida pessoal, como a obtenção do primeiro emprego, a consolidação de uma carreira, uma demissão imprevista, problemas na esfera amorosa, e assim por diante. Compreen-der essa dimensão do vestibular é essencial para que o aluno possa resistir à pressão, dominar a an-siedade e triunfar sobre mais um dos obstáculos que se colocam à sua frente.

� Escreva um pequeno texto explicando qual é, para você, a situação mais angustiante: passar no ves-tibular ou conquistar o primeiro emprego?

Estudantes se manifestam em frente ao prédio da reitoria da Universidade de São Paulo (USP) em São Paulo (SP), em 2011, a favor do sistema de cotas raciais.

Charge de Angeli publicada no jornal Folha de S.Paulo, em 20 de dezembro de 2001.

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> A prática sociológica: estranhamento e desnaturalizaçãoQuando você pensa no vestibular, concentra sua imaginação na necessidade de vencer esse

desafio, talvez sem perceber que, na realidade, ele envolve um número muito maior de pessoas e relações sociais, interligando-as. Ao fazer isso, inconscientemente, você está aplicando o co-nhecimento proveniente do senso comum, procurando entender de forma imediata a relevância do vestibular para você, transformando-o, muitas vezes, em um “monstro” indecifrável e impos-sível de ser vencido.

Mas, ao se concentrar nesse tema, é possível superar a compreensão imediata e buscar, como fizemos acima, problematizá-lo de modo a incorporar outras perspectivas e percepções sobre o mesmo tópico.

A problematização do tema investigado é um dos primeiros passos para a aplicação correta da Sociologia; a esta problematização chamamos estranhamento. Este, quando aplicado em conjunto com os métodos de análise sociológica, permite ao sociólogo fugir das explicações ge-ralmente associadas ao senso comum. Praticar o estranhamento nada mais é do que duvidar da aparência de verdade que tem a realidade imediata; é procurar ir mais fundo na curiosidade que se tem diante de certo tema e não aceitar as explicações que tendem a surgir de forma imediata, nublando nossa capacidade de compreensão do todo social.

O estranhamento é particularmente útil para que possamos promover outro importante mo-vimento: a desnaturalização. A Sociologia combate as verdades preestabelecidas e consolida-das, que tendem a se firmar em tradições e rotinas que, ao serem incorporadas pelos indivíduos em sociedade, deixam de ser questionadas, como se aqueles acontecimentos e valores sempre estivessem presentes, como se fossem uma ocorrência natural. Nós nos sentimos, então, inca-pazes de agir, como se tal situação fosse semelhante ao efeito de uma grande tempestade devas-tando tudo o que temos.

Por meio da desnaturalização, o sociólogo procura ângulos distintos para um mesmo tema, ao mesmo tempo que o retira de seu isolamento e entendimento imediato, tentando esgotar as formas de compreendê-lo historicamente para, então, se posicionar sociologicamente diante desse mesmo tema. Na prática, a desnaturalização questiona a antiga constatação que sempre temos diante do inevitável, já que “as coisas sempre foram assim”.

> A imaginação sociológicaO sociólogo norte-americano Charles Wright Mills (1916-1982) chamou de imaginação so-

ciológica a capacidade de passar de uma perspectiva a outra do conhecimento, conectando-as como parte de um mesmo evento ou ocorrência social. Dessa forma, a imaginação sociológica permite abandonar a perspectiva individual e adotar uma noção mais coletivizante do evento em si. Nas palavras desse autor:

A imaginação sociológica capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais amplo, em termos de seu significado para a vida íntima e para a carreira exterior de numerosos indivíduos. Permite-lhe levar em conta como os indivíduos, na agitação de sua experiência diária, adquirem frequentemente uma consciência falsa de suas posições sociais. Dentro dessa agitação, busca-se a estrutura da sociedade moderna, e dentro dessa estrutura são formuladas as psicologias de diferentes homens e mulheres. Através disso, a ansiedade pessoal dos indiví-duos é focalizada sobre fatos explícitos e a indiferença do público se transforma em participa-ção nas questões públicas. […]MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 11-12.

De certa forma, foi isso que os “pais fundadores” do pensar sociológico fizeram ao tentar ima-ginar a sociedade capitalista não apenas por sua unidade, o indivíduo, mas também por meio da coletividade formada por esses indivíduos. Ao pensar o vestibular além de suas necessidades imediatas, você está praticando a imaginação sociológica, já que está conectando essa necessi-dade a outras e interligando-as, o que lhe dá uma perspectiva mais ampla.

Outro exemplo de aplicação da imaginação sociológica pode ser visto na análise que Durkheim fez do suicídio: ainda que tal atitude, em um primeiro momento, seja entendida como uma decisão pessoal, ela ocorre por uma série de forças externas ao indivíduo que o con-duzem a esse desfecho. A Sociologia deseja entender por que isso acontece e o impacto que tem sobre a sociedade como um todo.

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Tendo uma noção de como o todo (a sociedade) fun-ciona, passamos a entender melhor a forma pela qual de-vemos agir para poder alcançar nossos objetivos, bem como as dificuldades que iremos enfrentar ao longo do caminho. Exercer a imaginação sociológica significa, por-tanto, praticar um valioso movimento de autoconheci-mento, que possibilita a cada pessoa avaliar de forma mais precisa suas qualidades e limitações, bem como o

coletivo em que vive. Assim, sofrer com a superlotação nos ônibus ou com um assalto à sua casa ou mesmo se alegrar com a realização de uma viagem nas férias são to-das práticas individuais que se conectam a uma realidade maior. O pensar sociológico procura justamente ampliar nossa capacidade de enxergar a realidade, abandonando o imediatismo individual para melhor entender tais situa-ções e, assim, propor soluções para elas.

Conheça melhor

As ciências sociaisAs ciências sociais se desenvolveram a partir da criação da Sociologia, ocorrida no século XIX. Diferentemente

das ciências naturais, os objetos de estudo das ciências sociais não estão inscritos na natureza, mas na sociedade. Logo, seus métodos não são os mesmos que os das ciências naturais — também chamadas de experimentais —, em-bora muitos cientistas sociais tenham ido buscar nestas um modelo metodológico.

É possível apontar alguns períodos na história dessa modalidade de ciência: num primeiro momento, que perdu-rou do início do século XIX até 1945, elas se desenvolveram de modo contínuo, o que permitiu uma divisão em seu interior na qual despontaram três grandes campos de trabalho, redundando no estabelecimento de três disciplinas básicas:

� a Sociologia, que conquistou reconhecimento social e científico com os trabalhos de Durkheim, Marx e Weber e se dedica a estudar a sociedade, ou seja, sua estrutura, modo de organização, dinamismo, instituições, processos de produção e de trabalho, transformações sociais, entre outros;

� a Política, que, embora tenha sido objeto de reflexão por parte da Filosofia por largo período, se torna moder-namente uma ciência social voltada à investigação da organização política da sociedade, do Estado e de suas instituições e partidos, suas práticas e formas de atuação, tipos de governo e, posteriormente, a formulação de políticas públicas;

� a Antropologia, que adquiriu reconhecimento científico no período em questão. Ela estuda as diferentes culturas, os diversos grupos étnicos ou sociais, os hábitos e costumes de uma sociedade ou grupo, as relações de parentes-co, podendo ainda estudar povos e sociedades em extinção, como é o caso de muitos povos indígenas. Em um segundo momento, de 1945 até o fim da década de 1970, as Ciências Sociais conhecem rearranjos inter-

nos; ainda subsiste a divisão tradicional em três grandes áreas, mas ela passa a ser questionada. O terceiro período, do fim do século passado até o presente momento, experimenta novos questionamentos,

inclusive porque as Ciências Sociais são obrigadas a redefinir objetos e formas de atuação graças às espetacula-res transformações sociais ocorridas nessa época. A globalização, por exemplo, força a Política a estudar de modo novo e original o Estado nacional, o qual perde importância no interior desse fenômeno. Além disso, hoje elas ten-dem a valorizar o aspecto dinâmico de seus objetos, em detrimento dos estruturais, que ganharam relevo na dé-cada de 1970 com a voga estruturalista. Em alguns países, como é o caso da Inglaterra e dos Estados Unidos, as ciências sociais foram pressio-nadas a mudar por força do apa-recimento de novas disciplinas, como os Estudos Culturais.

� Segundo o texto, como se divi-dem as ciências sociais? Essa divisão ainda se mantém?

Café, 1935, óleo sobre tela do pintor brasileiro Candido Portinari, Museu

Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Os processos de produção

e os diferentes tipos de trabalho são objetos da Sociologia.

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> Sociologia e aprimoramento da cidadaniaA Sociologia é um instrumento voltado para o autoconhecimento e

também para a compreensão e o aprimoramento da sociedade.Em uma organização social na qual a maior parte das decisões de in-

teresse da coletividade é tomada por representantes escolhidos pelos cidadãos por meio do voto, é relevante direcionar a imaginação e a aná-lise sociológicas para a política, para não cairmos nas tentações natura-lizadoras de que nada irá se alterar.

Nem sempre é possível monitorar a qualidade do mandato de nossos representantes; ainda assim, cabe registrar as promessas e, o mais im-portante, o que foi efetivamente realizado por eles em benefício da so-ciedade, e não de um pequeno grupo.

Por meio das realizações práticas de um político eleito, é possível avaliar a importância e o impacto de sua gestão para a comunidade. Por exemplo, quando se pretende ampliar a quantidade de pistas de um aeroporto e isso implica a remoção de famílias que residem nas proxi-midades do local, é preciso avaliar se essa medida vai trazer benefícios reais para a coletividade – e não apenas para grupos privados – e avaliar a forma como as famílias serão deslocadas para outras áreas, analisando se perderão ou não qualidade de vida. Também é necessário verificar se o dinheiro investido na obra não está sendo desviado para outras ativi-dades – ou, ainda mais grave, para o bolso de algumas pessoas.

Acompanhamentos e avaliações desse tipo aumentam a transparên-cia na atividade política e contribuem para o reforço da cidadania dos indivíduos mobilizados.

No momento em que o indivíduo e a comunidade permanecem mu-dos e incapazes de reagir a mudanças sociais amplas, é quando o soció-logo deve mostrar-se mais presente, apontando a inquietação dos gru-pos indefesos diante das mudanças (ou perturbações, como Mills preferiu chamar as situações em que a rotina é abalada por transforma-ções externas, mas que afetam as pessoas internamente).

Da mesma forma, a aplicação do pensar sociológico permite compre-ender melhor os indivíduos com quem a pessoa interage. Essa compreen-são e a maior interatividade auxiliam no difícil processo de entender o que o outro pensa e podem reduzir barreiras sociais. Como exemplo, te-mos a atuação dos agentes sociais que trabalham com mulheres violen-tadas ou com prostitutas (que sofrem violência diária, em meio ao descaso generalizado) e que precisam compreen-der a realidade em que elas vivem para saber como conversar a respeito do coti-diano delas e como atender a suas ex-pectativas, realizando melhor seu traba-lho de integração social. Em todos os casos mencionados, o pensar sociológi-co é uma ferramenta fundamental.

Um país de dimensões continentais e população diversificada como o Brasil é um vasto laboratório

para o sociólogo. Seu instrumental é útil para compreender como os brasileiros das diferentes regiões veem a si mesmos e como veem uns aos

outros, fornecendo elementos para o combate a atitudes estereotipadas que alimentam

preconceitos. Também ajuda a planejar melhor a distribuição da população e os recursos humanos

necessários para cada região.

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Observatório de Sociologia

Os dois textos a seguir abordam temas clássicos das pesquisas sociológicas: a desagregação social e o suicídio. Após cada texto é apresentado um breve questionário que favorece a com-preensão dos assuntos.

TEXTO JORNALÍSTICO

O suicídio entre indígenasPor Lilian Milena, do brasilianas.org

A taxa de suicídio entre indígenas é quatro ve-zes superior à média nacional, segundo o Mapa da Violência 2011 – Jovens do Brasil, que utili-za dados do Sistema de Informações sobre Mor-talidade (SIM) do Ministério da Saúde.

No contexto mundial, o Brasil é um país com baixo índice de suicídio (4,9 suicidas em 100 mil habitantes). Ainda assim, houve um aumento ex-pressivo de 33,5% no total de pessoas que tiraram a própria vida entre os anos de 1998 e 2008 […].

O autor do trabalho, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, chama atenção para municípios onde a taxa fica acima de 30 suicídios em 100 mil casos, marca de países que lideram a lista no nível inter-nacional, como Lituânia e Rússia.

Os locais que encabeçam a lista de mortalidade suicida são de assentamento de comunidades in-dígenas, como Amambaí, Paranhos, Dourados, cidades do Mato Grosso do Sul, e Tabatinga, no Amazonas.

“No ano de 2008, foram registrados pelo SIM exatamente 100 suicídios indígenas. Isso já daria uma taxa nacional de 20 suicídios a cada 100 mil índios, igual a quatro vezes a média nacional (4,9 suicídios em 100 mil)”, destaca Waiselfisz, levando em consideração dados da Fundação Nacional do Índio (Funai) que indicam uma população atual de 400 mil índios residindo em aldeias no país, correspondentes a 0,25% da po-pulação nacional.

[…]

O especialista em etnologia indígena, violên-cia e uso de bebidas alcoólicas entre grupos ori-

ginários Kaingang (interior de São Paulo), Krahô (norte do Tocantins) e Maxakali (divisa de Mi-nas Gerais com Bahia), Rodrigo Barbosa Ribei-ro, confirma que os dados de suicídios indígenas apontados pelo livro Mapa da Violência 2011 indicam a falta de perspectiva futura vivida por jovens índios.

[…]

Barbosa Ribeiro conta que presenciou a margi-nalização de índios por parte de todas as popula-ções vizinhas às tribos. Constatou também o consumo exagerado de álcool em todas as aldeias onde trabalhou – o uso dessa bebida pode ser considerado uma forma de se refugiar das condi-ções de vida que enfrentam hoje, e não porque o índio tem propensão ao alcoolismo.

[…]

Segundo o pesquisador [Miguel Vicente Foti], o modo como o território foi tirado dessas popu-lações, a perda de memória e da qualidade de vida que tinham representam as maiores ameaças que já conheceram.

“É quase impossível qualificar o clima de deses-pero quando o assunto é esse, contrastando com a imagem de um Guarani típico, que raramente perde a serenidade. ‘Por que isto está acontecendo conosco’ parece ser a pergunta que fica no ar. Se-gundo um entrevistado, após uma avaliação sagaz de causas e consequências, perder-se do tekoha [aldeia] ‘é pior do que desaparecer’. Não é raro o discurso apocalíptico. Certa feita, um Guarani considerado mestiço (filho de pai branco e criado em fazenda), chorou cerca de meia hora diante de nosso gravador, dizendo apenas ‘ajuda nós’.”

Disponível em: <http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-suicidio-entre-indigenas >. Acesso em: 20 out. 2012.

Responda

1. Relacione os altos índices de suicídio entre os indígenas brasileiros ao conceito de anomia.

2. Quais são as consequências sociais decorrentes do enfraquecimento dos laços de solidariedade dentro dos grupos indígenas?

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TEXTO CIENTÍFICO

O suicídioÉmile Durkheim

As condições individuais de que se admite a priori depender o suicídio são de duas espécies.

[…] temos a situação exterior em que se encon-tra colocado o agente. […] Vimos no entanto que essas particularidades individuais não explicam a taxa social dos suicídios; na realidade esta varia em proporções consideráveis enquanto as diver-sas combinações de circunstâncias, que deste modo surgem como antecedentes imediatos dos suicídios particulares, apresentam sensivelmente a mesma frequência relativa. […].

Aliás, as circunstâncias que são consideradas como causas do suicídio pelo fato de o acompa-nharem frequentemente são em número quase infinito. Um se mata no bem-estar e outro na pobreza […]. Os fatos mais diversos e mesmo os mais contraditórios da vida podem servir igualmente de pretexto para o suicídio. Quer isto portanto dizer que nenhum deles é a sua causa específica. Será que pelo menos se pode atribuir esta causalidade às características co-muns a todos eles? Mas será isto verdade? O máximo que se pode afirmar é que consistem geralmente em contrariedades, em desilusões, mas é impossível determinar a intensidade que devem atingir para provocar esta trágica conse-quência. […] Vemos homens resistir a desgra-ças horríveis enquanto outros se suicidam depois de aborrecimentos ligeiros. […] É antes o desafogo econômico que arma o homem con-tra si próprio. […] Em todo caso, se realmente acontecer que a situação pessoal da vítima seja a causa determinante da resolução, estes casos são certamente muito raros e, portanto, não será deste modo que se poderá explicar a taxa social dos suicídios.

Assim, mesmo aqueles que atribuem uma in-fluência determinante às condições individuais relacionam-nas mais com a natureza intrínseca do sujeito que com estes incidentes exteriores, ou

seja, com a constituição biológica e as característi-cas físicas de que esta depende. O suicídio foi as-sim apresentado como produto de um certo temperamento, como um episódio de neuraste-nia, submetido à influência dos mesmos fatores que ela. No entanto não descobrimos nenhuma relação imediata e regular entre a neurastenia e a taxa social de suicídios. […]. Também não desco-brimos relações definidas entre […] suicídios e os estados do meio físico que se consideram como tendo uma ação poderosa sobre o sistema nervo-so, tais como raça, clima, a temperatura.

Muito diferentes são os resultados que obtive-mos quando, abandonando o indivíduo, procura-mos na natureza das próprias sociedades as causas da inclinação que cada uma delas manifes-ta para o suicídio. Tanto eram equívocas e duvido-sas as relações do suicídio com fatores de ordem biológica e de ordem física quanto mais são ime-diatas e constantes com certos estados do meio social. Desta vez encontramo-nos enfim na pre-sença de verdadeiras leis que nos permitiram ten-tar estabelecer uma classificação metódica dos tipos de suicídios. […] De todos esses fatos resulta que a taxa social de suicídios só se possa explicar sociologicamente. É a constituição moral da so-ciedade que fixa em cada instante o contingente de mortos voluntários. Existe, portanto, para cada povo, uma energia determinada que leva os homens a matarem-se. Os movimentos que o paciente executa e que à primeira vista parecem representar exclusivamente seu temperamento pessoal constituem, na realidade, a continuação e o prolongamento de um estado social que mani-festam exteriormente. […]. Cada grupo social tem efetivamente uma inclinação coletiva específica para este ato da qual derivam as inclinações indi-viduais, em vez de ser a primeira a derivar destas últimas. O que a constitui são as correntes do egoísmo, de altruísmo ou de anomia que atuam dentro da sociedade […].

DURKHEIM, Émile. O suicídio. In: Comte e Durkheim. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 485-487 (Coleção Os Pensadores).

Responda

1. Qual é a relação entre o enfraquecimento da solidariedade mecânica e o desenvolvimento das correntes suicidógenas?

2. Para Durkheim, as motivações que conduzem ao suicídio são individuais ou sociais? Explique.

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Vestibular

1. (UEL-PR) Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber são considerados os pilares do pensamento socioló-gico moderno. Apesar das diferenças existentes en-tre eles a respeito do que é a vida social e sua base, há, nos três pensadores, uma intensa preocupação com o método de apreensão do objeto a ser investi-gado, no caso, as relações sociais. Com base nos co-nhecimentos sobre a reflexão metodológica de Marx, Durkheim e Weber, assinale a alternativa correta.a) Para Durkheim, os esforços para evidenciar o que

as sociedades poderiam ser e não o que efetiva-mente elas eram constituíam um dos grandes obs-táculos à investigação sociológica.

b) Em Marx, o método aspira à construção das leis gerais e invariáveis, o que se exprime na formu-lação de que “a História de todas as sociedades, até os dias de hoje, tem sido a história da luta de classes”.

c) De acordo com Weber, ao observar as culturas, o investigador deve apreendê-las em sua totalida-de. Escapar a este princípio, situado na origem do conceito de tipo ideal, é permanecer preso ao senso comum.

d) Marx, Durkheim e Weber romperam com o princí-pio indutivo na investigação do objeto, lançando, com isso, as bases para a construção da sociolo-gia enquanto ciência da sociedade.

e) Nos três autores, é comum a compreensão de que a aparência da vida social é coincidente com a sua essência, isto é, o que vemos reproduz, ime-diatamente, no plano do pensamento, a vida so-cial tal como ela é, em seus fundamentos.

2. (UFU-MG) Auguste Comte foi quem deu origem ao termo Sociologia, pensada como uma física social, capaz de pôr fim à anarquia científica que vigorava, em sua opinião, ainda no século XIX. A respeito das concepções fundamentais do autor para o surgimen-to dessa nova ciência, todas as alternativas abaixo são corretas, EXCETO:a) O objetivo era conhecer as leis sociais para se an-

tecipar, racionalmente, aos fenômenos e, com isso, agir com eficácia, na direção de se permitir uma organização racional da sociedade.

b) As preocupações de natureza científica, presen-tes na obra de Comte, não apresentavam relação prática com a desorganização social, moral e de ideias do seu tempo.

c) Era necessário aperfeiçoar os métodos de investi-gação das leis que regem os fenômenos sociais, no sentido de se descobrir a ordem inscrita na história humana.

d) Entre ordem e progresso há uma necessidade si-multânea, uma vez que a estabilidade (princípio estático) e a atividade (princípio dinâmico) so-ciais são inseparáveis.

3. (UEL-PR) Leia os depoimentos a seguir:

Sou um ser livre, penso apenas com minhas ideias, da minha cabeça, faço só o que desejo, sou único, in-dependente, autônomo. Não sigo o que me obrigam e pronto! Acredito que com a força dos meus pensa-mentos poderei realizar todos os meus sonhos, e o meu esforço ajuda a sociedade a progredir.Jovem estudante e trabalhadora em uma loja de shopping.

Sou um ser social, o que penso veio da minha fa-mília, dos meus amigos e parentes, gostaria de fazer o que desejo, mas é difícil! Às vezes faço o que quero, mas na maioria das vezes sigo meu grupo, meus amigos, minha religião, minha família, a escola, sei lá… Sinto que dependo disso tudo e gostaria muito de ser livre, mas não sou!Jovem estudante em uma escola pública que trabalha em empregos temporários.

Sinto que às vezes consigo fazer as coisas que dese-jo, como ir a raves, mesmo que minha mãe não per-mita ou concorde. Em outros momentos faço o que me mandam e acho que deve ser assim mesmo. É legal a gente viver segundo as regras e ao mesmo tempo poder mudá-las. Nas raves existem regras, muita gente não percebe, mas há toda uma estrutu-ra, seguranças, taxas, etc. Então, sinto que sou livre, posso escolher coisas, mas com alguns limites.Jovem estudante e office boy.

Assinale a alternativa que expressa, RESPECTIVA-MENTE, as explicações sociológicas sobre a relação entre indivíduo e sociedade presentes nas falas.a) Solidariedade mecânica, fundada no funcionalis-

mo de E. Durkheim; individualismo metodológico, fundado na teoria política liberal; teoria da cons-ciência de classe, fundada em K. Marx.

b) Teoria da consciência de classe, fundada em K. Marx; sociologia compreensiva, fundada no conceito de ação social e suas tipologias de M. Weber; teoria organicista de Spencer.

c) Individualismo, fundado no liberalismo de vá-rios autores dos séculos XVIII a XX; funcio- nalismo, fundado no conceito de consciência coletiva de E. Durkheim; sociologia compreensi-va, fundada no conceito de ação social e suas tipologias de M. Weber.

d) Sociologia compreensiva, fundada no conceito de ação social e suas tipologias de M. Weber; teoria da consciência de classe, fundada em K. Marx; funcionalismo, fundado no conceito dos três esta-dos de Auguste Comte.

e) Corporativismo positivista, fundado em Auguste Comte; individualismo, fundado no liberalismo de vários autores dos séculos XVIII a XX; teoria da consciência de classe, fundada em K. Marx.

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Laboratório de Sociologia

Análise de um texto teórico de SociologiaNeste trabalho, você e seus colegas realizarão uma análise interpretativa de um texto teórico de Sociologia.

Escolha dos textos1. Vocês e o professor responsável pela disciplina

definirão quais textos teóricos serão trabalhados. Para que a turma tenha contato com uma variedade maior de textos, pode-se dividir a classe em grupos: cada um deles ficará responsável pela análise de um texto.

  É importante que os textos não sejam muito lon-gos nem excessivamente complexos.

  A análise é individual, mas os alunos que estive-rem trabalhando com determinado texto podem trocar ideias entre si.

2. Como sugestão, vocês podem escolher entre as seguintes obras:   “Sociologia: — conceitos gerais e surgimento”. In:

Moraes Filho, Evaristo (Org.). Comte — v. 7. São Pau-lo: Ática, 1983 (Col. Grandes Cientistas Sociais).

  “Manifesto Comunista”. In: Fernandes, Florestan (Org.). Marx/Engels — História. v. 36. São Paulo: Ática, 1983 (Col. Grandes Cientistas Sociais).

  “Da divisão do trabalho social”, de Durkheim. In: Durkheim, E. Comte e Durkheim. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Col. Os Pensadores).

  “A ciência como vocação” ou “A política como vo-cação”, de Weber. In: Weber, Max. Ciência e Políti-ca: duas vocações. São Paulo: Cultrix, s/d.

  “A Promessa”. In: Mills, C. Wright. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

A leitura3. Após escolherem os textos, iniciem a leitura.

  Você deve ter uma visão integral do texto. Por-tanto, faça uma leitura completa, identifique pa-lavras desconhecidas, procure no dicionário os significados e faça anotações. Em seguida, releia o trecho.

  Após ter lido o texto todo e se apropriado do vo-cabulário antes desconhecido, faça uma divisão do texto em partes. Muitos textos encontram-se organizados em capítulos, tópicos, etc. No seu trabalho, essa divisão, que geralmente expressa o caminho argumentativo do autor, pode ou não ser adotada.

  Realize uma nova leitura. Para cada parte da di-visão que você fez procure identificar, selecionar e organizar hierarquicamente palavras-chave

que correspondam à trajetória argumentativa do pensador. Ao analisá-las, você deverá identi-ficar o caminho desenvolvido por ele. Essas pa-lavras-chave seriam o equivalente a um mapa do texto.

  Depois de identificar as palavras-chave de cada parte da obra, procure conectar a elas as ideias presentes no texto, que devem contribuir para esclarecer melhor o significado de cada palavra, além de permitir uma compreensão mais ampla do tema discutido.

  Para ter certeza de que as palavras e as ideias es-colhidas são de fato as que representam a traje-tória argumentativa do texto, procure conectar as palavras e suas respectivas ideias às demais. Ve-rifique se o resultado apresentado é próximo do resultado contido no texto. Caso não seja, reve-ja o material selecionado. Procure refletir sobre a ordem, a classificação e a hierarquização que você estabeleceu. Tente descobrir quais ideias estão fora do lugar.

  Após a realização desse raio X da obra, observe a relação que se estabelece entre as diferentes par-tes do trabalho. Nesse momento você poderá en-xergar com clareza qual é a posição tomada pelo autor diante do tema estudado.

  Faça uma nova leitura do texto. Com certeza você descobrirá elementos importantes. O trabalho rea lizado em cada parte da obra permitirá que você os identifique com mais facilidade. Até o momento você trabalhou com as ideias centrais, correspondentes à estrutura argumentativa do texto, porém uma obra sociológica é sempre ela-borada em determinado contexto histórico, que geralmente aparece organizado nas ideias “exter-nas” ou secundárias. Identifique-as e faça uma pesquisa mais aprofundada sobre o período em que o trabalho foi escrito.

  Introduza suas observações acerca do tema e da trajetória percorrida pelo autor, ou seja, realize uma crítica à obra. Elabore um texto contendo o resultado da análise e apresente sua posição quanto ao assunto.

Debate4. Para finalizar, pode ser feito um debate em que os

alunos apresentem suas análises.

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