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100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA E A COMUNA DE PARIS: EXPERIMENTOS QUE ALIMENTAM O SONHO REAL DE UMA SOCIEDADE LIVRE DA EXPLORAÇÃO Jose Fernando Santos Gramoza 1 [email protected] UFS Victor Francisco de Souza 2 [email protected] UFS GT5: Movimentos Sociais e Estratégias de Resistência Resumo Esse ano (2017) será celebrado 100 anos da Revolução Russa. Mais especificamente, no dia 26 de outubro a esquerda mundial comemora a experiência de uma das formas de resistência contra o sistema político-econômico vigente. Muitas das vezes que os trabalhadores se reuniram em prol de lutas sociais, por condições melhores e dignas de vida, o Estado, enquanto representante da classe dirigente, freou o ímpeto proletário. Seja na revolução da URSS (1917-1919) ou antes, com a Comuna de Paris (1871). Assim, tecemos esta reflexão acerca da Revolução de Outubro, pois esta legou marcas indeléveis na história à vida das pessoas que lutam por dias melhores sem preconceito ou exploração rumo à emancipação humana. Palavras-chave: URSS. Comuna de Paris. Ideologia. História. Marxismo. 1. Considerações Iniciais A ideologia burguesa, aquela a qual Karl Marx inclui na “superestrutura” da sociedade, permeia a vida em todas as suas esferas de concepção da realidade. Esta possui um papel importante na despolitização do trato da “questão social 3 ” e se adapta, de forma 1 Professor graduado em Filosofia e Graduando em Serviço Social ambos pela Universidade Federal de Sergipe. Com experiência no ensino fundamental e médio, trabalha com metodologia científica e pesquisa questões voltadas aos problemas sociais do Brasil. Integra o Núcleo de Pesquisas Sociedade e Educação NPSE/UFS, vinculado ao HISTEDBr, contribuindo na linha de pesquisa, História, Sociedade e Educação no Brasil. 2 Arquiteto graduado em Arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal de Sergipe. Com experiência em pesquisa sobre mídias digitais e patrimônio. 3 Aqui entendida como: o “fenômeno do pauperismo [...]. Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas.” (NETTO, 2001, p. 42).

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100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA E A COMUNA DE PARIS:

EXPERIMENTOS QUE ALIMENTAM O SONHO REAL DE UMA SOCIEDADE

LIVRE DA EXPLORAÇÃO

Jose Fernando Santos Gramoza1

[email protected] UFS

Victor Francisco de Souza2

[email protected]

UFS

GT5: Movimentos Sociais e Estratégias de Resistência

Resumo

Esse ano (2017) será celebrado 100 anos da Revolução Russa. Mais especificamente, no dia 26 de

outubro a esquerda mundial comemora a experiência de uma das formas de resistência contra o

sistema político-econômico vigente. Muitas das vezes que os trabalhadores se reuniram em prol de

lutas sociais, por condições melhores e dignas de vida, o Estado, enquanto representante da classe

dirigente, freou o ímpeto proletário. Seja na revolução da URSS (1917-1919) ou antes, com a Comuna

de Paris (1871). Assim, tecemos esta reflexão acerca da Revolução de Outubro, pois esta legou marcas

indeléveis na história à vida das pessoas que lutam por dias melhores sem preconceito ou exploração

rumo à emancipação humana.

Palavras-chave: URSS. Comuna de Paris. Ideologia. História. Marxismo.

1. Considerações Iniciais

A ideologia burguesa, aquela a qual Karl Marx inclui na “superestrutura” da

sociedade, permeia a vida em todas as suas esferas de concepção da realidade. Esta possui um

papel importante na despolitização do trato da “questão social3” e se adapta, de forma

1 Professor graduado em Filosofia e Graduando em Serviço Social ambos pela Universidade Federal de Sergipe.

Com experiência no ensino fundamental e médio, trabalha com metodologia científica e pesquisa questões

voltadas aos problemas sociais do Brasil. Integra o Núcleo de Pesquisas Sociedade e Educação – NPSE/UFS,

vinculado ao HISTEDBr, contribuindo na linha de pesquisa, História, Sociedade e Educação no Brasil. 2 Arquiteto graduado em Arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal de Sergipe. Com experiência em

pesquisa sobre mídias digitais e patrimônio. 3 Aqui entendida como: o “fenômeno do pauperismo [...]. Pela primeira vez na história registrada, a pobreza

crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas.” (NETTO, 2001, p. 42).

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cômoda, às condições de exploração, imprimindo uma imagem turva ou mesmo invertida do

mundo e das relações de reprodução da vida. De acordo com Viana (2011), isso possui uma

íntima ligação com o desenvolvimento da consciência ou, mesmo, da perspectiva de classe.

Assim as contradições existentes nesse mundo se voltarão para saídas pelo caminho

possibilitado pela concepção da classe dominante, que, desta forma não rompo com seus

limites. Aqui vemos o alcance e mesmo a suscetibilidade da cooptação do proletário para a

democracia burguesa, essa ideologia que dá suporte à manutenção da sua dominação

inconsciente.

Essa concepção política, com viés reformista do capitalismo, é uma prisão pacífica

para o trabalhador, pois limita a sua consciência em direção a um avanço da “questão social”

e à ruptura com essa sociedade, marcada pela divisão em classes. Desse modo, uma explora a

outra, ludibriando-a e distanciando-a da leitura pura da realidade concreta de sua condição de

vida e de seu papel crucial na história que é a destruição desses laços de servidão que

esmagam aquela que tudo produz, mas nada tem.

Neste século vivemos uma intensificação da alienação que mitiga a revolta diante das

condições impostas à produção da vida material. O liberalismo versa que a miséria é

necessária e esta é explicada como algo „natural‟, ou até justa e merecida, suportada por

discursos que se coadunam com o senso comum, tais como, que o esforço do indivíduo não

foi o suficiente ou este „não fez por merecer‟, não teve mérito: eis a tão propalada

culpabilização do indivíduo. A ideologia e o status quo dominantes transplantados à classe

trabalhadora são reproduzidos, permanecendo velados e latentes, no seio da sociedade. Acerca

destas, segundo Marx (1985), mesmo nas crises do modo produção resultantes das

contradições que emergem da relação de produção da vida material e de seu embate com as

forças produtivas expõem a exigência de superá-las.

A “superestrutura” represa a fúria da classe explorada através de artifícios como a

religião, a lei, o direito, com destaque também para os meios de comunicação, através da

propaganda tendenciosa e das mídias que chegam à casa dos trabalhadores. Em tal situação,

semelhante aos acontecimentos datados de 1871, cabe a analogia com o avanço dos operários

franceses ao poder, em seu Estado. A Comuna de Paris mostrou que os trabalhadores

enfrentaram diversos ataques da mídia burguesa europeia, tais como pechas destruidores da

moral vigente e da família tradicional. Essas e outras calúnias visavam descredibilizar esse

movimento, colocando-o como contrário à todas as construções humanas conservadoras. Já na

Revolução Russa de 1917, as condições atrasadas (agrícola e tecnológica) foram suficientes

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para desencadear a fúria do proletariado, este que não aguentava mais sofrer nem com o

czarismo nem com a Guerra.

2. A Comuna de Paris e seu legado

Nessa parte iremos traçar a importância desse governo operário conhecido como a

Comuna de Paris de 18714, indicando suas características fundamentais, e sua importância

impar, na luta pela emancipação do trabalhador. É importante ressaltar os aprendizados a seu

modo particular, as perspectivas de futuro extraídas da Comuna, a exemplo, de Lênin, em seu

livro “Estado e Revolução”, de 1917, que serviu como guia de ação para a tomada do poder

pelo proletário russo à época.

Segundo Viana (2011), o sucesso perpetrado pela Comuna ficou manifesto em sua

essência autogestionária. Infelizmente não seguida a cabo na Rússia dada a tensão e disputa

política formada por diversas correntes que cresciam, desde socialdemocratas até anarquistas.

A negação proletária das instituições burguesas, como o Estado, conviveu com o

esboço de afirmação por uma autogestão social que atendesse as necessidades vitais em nome

de um „bem comum‟ da classe proletária. Mesmo com a derrota proletária da Comuna, ainda

resistem abertas as marcas e o significado político deste evento, que germinou a visão de que

a mudança passa pela luta, de classes propriamente dita, ou seja, a luta de duas concepções e

práticas políticas radicalmente antagônicas e que, portanto, não podem ser conciliadas.

É possível dizer que a importância marcante dessa insurreição se alinha à sua práxis de

valor inestimável e indelével até mesmo para pensar a política contemporânea. Ela possui o

desejo mais profundo presente na esquerda marxista revolucionária: visou a transformação

radical das relações sociais e o fim da hierarquia que remete à divisão do ser humano em

classes e as entrega nas mãos daqueles que produzem. Aqui podemos concluir o que a classe

trabalhadora precisa ou não para sua vida, finalmente, usufruir o resultado de seu duro

trabalho.

A distinção entre seres humanos ricos e pobres, burgueses e proletários não é natural e

não pode ser naturalizada. Essa distinção nem sempre existiu, sendo, portanto, socialmente

construída. Quem produz a riqueza é o trabalhador e não os ricos que exploram o seu

trabalho. Sendo assim, de acordo com MARX (2007) se a classe trabalhadora tudo produz,

então tudo lhe pertence, tudo lhe é devido.

4 Comuna de Paris segundo Gruppi, “é definida [...] como governo da classe operária, como resultado da luta de

classes dos produtores contra a classe exploradora, a forma política finalmente descoberta com que se podia

levar a cabo a emancipação econômica do trabalho.” (GRUPPI, 1980, p. 41)

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Com tantos problemas socioeconômicos, como os constatados na realidade, de

violência, exclusão social e de limitações materiais, é preciso entender, firmemente, para não

perder de vista o horizonte de revolução social, tal qual aponta Marx (2011) que

os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e

espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob

as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se

encontram. A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo

que comprime o cérebro dos vivos. (MARX, 2011, p. 25)

Se o proletariado é a classe operária, a classe que produz o “conteúdo material da

riqueza”, então, somente ele deve consumir o que produz. Ainda é este que sustenta a outra

classe dita “parasitária”: a burguesia. Será este o argumento central de Lessa para afirmar:

“Sumariamente: o proletariado, por ser a única classe rigorosamente não-parasitária da

sociedade capitalista é „a classe cuja missão histórica é a derrubada do modo de produção

capitalista e a abolição final das classes‟” (LESSA, 2007, p. 181).

Bakunin (2011), em consonância com esse ideal, no seu “A Comuna de Paris e a

noção de Estado” traz esse objetivo revolucionário que representou a base encontrada na

Comuna:

Igualdade estabelecida no mundo pela organização espontânea do trabalho e

da propriedade coletiva das associações produtoras livremente organizadas e

federadas nas comunas, e pela federação também espontânea das comunas,

mas não pela ação suprema e tutelar do Estado. Este é o ponto [...] querem

uma nova ordem social, fundada apenas sobre a organização do trabalho

coletivo [...], em condições econômicas iguais para todos, e sobre a

apropriação coletiva dos instrumentos de trabalho. (BAKUNIN, 2011, p.

78).

De acordo com Viana (2011), o significado está na essência do ser. A Comuna pode

ser definida como um evento passado, que anuncia o porvir, um passado que traz consigo um

germe do futuro. Esse é o mais puro significado político da Comuna de Paris. A partir do que

escreve Viana apud Miliband (2011), Marx considera que a política está intimamente ligada à

dominação e luta de classes. Essas lutas são aquelas travadas por grupos sociais específicos e

hostis entre eles não podendo, deste modo, haver cooperação, por possuírem modos de vida e

interesses opostos derivados de sua posição na divisão social do trabalho – burgueses vs

proletários.

A forma da luta política está intimamente ligada ao entendimento do conteúdo do

respectivo obstáculo a ultrapassar, o seu alvo final, ou seja, interesses históricos das classes

sociais. Por conseguinte, a definição de política como: esfera de atividades específicas que

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remetem ao Estado e seus aparatos, é correspondente, como versa Viana (2011), aos

interesses que prevalecem, que são sempre os da elite, bem como de suas classes auxiliares.

Assim, Viana (2011) traz que a política proletária é anti-institucional, ela não é

canalizada para a luta pelo poder estatal e sim contra ele. Por isso a definição de política que

lhe corresponde e reforça. Sendo assim não existe despolitização na recusa das instituições

burguesas e também na negação da luta pelo poder estatal. Vemos assim que a luta, hoje, deve

passar por fora do Estado, criando focos insurrecionais.

A Comuna foi essa manifestação ideal da luta de classes radicalizada, embora a

política burguesa ainda tivesse elementos presentes no decorrer do processo. Mas nada que

retirasse as vitórias registradas e os aspectos fundamentais do movimento, e isso não deve ser

deixado de lado. Foi assim com a destruição do poder estatal francês, tal qual como descrito

por Marx:

A primeira medida importante da ação da Comuna foi a destruição do poder

estatal centralizado. As mensagens para a Associação Internacional dos

Trabalhadores, que culminaria com o livro A Guerra Civil na França, a

colocava claramente como uma revolução contra o Estado, ou seja, a

execução de uma política proletária (anti-instucional) contra a política

burguesa (institucional e Estatal): “Aborto sobrenatural da sociedade, a

reabsorção pelo povo e para o povo de sua própria vida social. Revolução

para acabar com a própria horrenda maquinaria da dominação de classe. Não

foi uma dessas lutas mesquinhas entre as formas executivas de dominação de

classe e as parlamentares, mas uma rebelião contra estas duas formas juntas,

que se integram uma à outra, e das quais a forma parlamentar não era senão

o enganoso apêndice do Executivo. (MARX, 1978, p.184-185).

De acordo com Bakunin (2011), a derrubada da principal instituição burguesa de

reprodução do capital foi também „uma negação audaz‟ do Estado. A burocracia estatal, o

exército permanente, entre outros aspectos do Estado burguês foram abolidos. Porém, não foi

apenas o aparato estatal que foi abolido, já que, relacionado mais diretamente ou não com ele,

outras relações sociais foram transformadas e seguiriam o caminho empreendido pelos

revolucionários.

O principal e fundamental limite da Comuna de Paris foi a não abolição total e

completa das relações de produção capitalista. Textos de Marx e Kropotkin demonstram a

intenção audaz dos comunardos em abolir as relações de produção capitalistas. Outros limites

importantes que surgem como possíveis equívocos podem ser elencados, como a não

destruição do Banco da França etc. Na França tínhamos um capitalismo ainda incipiente.

Sobre as correntes que compunham a Comuna tínhamos: os Blanquistas e os Proudhonianos

como as forças políticas mais influentes, a primeira sendo um derivado do jacobinismo e de

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tendência burocrática e os demais possuíam uma concepção pequeno-burguesa, ligada à

pequena propriedade. As minorias revolucionárias eram compostas por poucos militantes e

muitos com equívocos e limitações, convivendo com outras tendências de caráter muito mais

rebelde do que revolucionário.

Lênin (1978), posteriormente, identificando tais limites irá precaver que um dos

ensinamentos tirados da Comuna é não repetir erros, tal como não se apoderar de instituições

como, por exemplo, o banco.

Debord (2011) e Lefebvre (2011) versaram sobre que a “força do hábito” também

atingiu parte da população parisiense. Eles visualizaram que esta foi outra dificuldade que

precisou ser superada, o que em parte aconteceu, mas não em sua totalidade.

O exemplo da Comuna de Paris abre campo para novas experiências revolucionárias,

em melhores condições, em nossa sociedade de rede marcada pela compressão do espaço e

tempo como diz Harvey (2004). Embora ainda em situações desfavoráveis que, no entanto,

abrem novas perspectivas e oferecem novas lições, que hoje abrem espaço para uma

transformação radical das relações sociais no sentido da autogestão social, quando o domínio

do capital e desenvolvimento tecnológico se generalizam mundialmente e, contraditoriamente,

permitem a revolução mundial. Não pode haver cerco contrarrevolucionário se não houver

centro revolucionário.

Dando continuidade à luta do proletário ao longo da história, é notória a experiência

riquíssima da Comuna que será absorvida quase que inteiramente pelos bolcheviques em

1917. Dentre esses aprendizados, três se destacam. A primeira seria a independência de classe

em relação à burguesia e seus governos, ao contrário dos governos que se aproximaram a uma

ditadura do proletariado que sempre encontrava o caminho de volta para a subordinação do

proletário à burguesia. O segundo, o que se chamaria de formação do embrião dos futuros

soviets. Mesmo não sendo conhecidos assim, foi o comitê central da guarda nacional, essa que

reunia cerca de 300 operários armados para garantir o poder, e delegados eleitos com

mandatos revogáveis que serviria de inspiração para os soviets de 1905 e 1917 na Rússia. Por

fim, o ensinamento seria o que Marx já apontava, da necessidade da abolição do Estado

burguês, para a substituição de seu governo, parlamento – ideia que Lênin irá retomar com

grande ênfase.

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3. A Revolução Russa

Não foram poucas as vezes em que os grandes líderes da Revolução Russa Lênin e

Trotsky afirmaram que, sem o estudo acerca da Comuna de Paris, não seria possível a

realização da Revolução bolchevique de 1917. Essa Revolução dá continuidade à luta do

proletário desde a destruição da Comuna pela burguesia francesa e pelo exército prussiano,

estes que interromperam, temporariamente, o destino histórico de protagonista na libertação

da classe dos grilhões que a prenderam. Mais de cem anos após a primeira experiência do

proletariado no poder, os revolucionários bolcheviques encontram um ambiente novo

marcado por uma Rússia devastada, tanto pelo seu atraso econômico quanto pela guerra.

Ainda com todo problema de se desvencilhar das instituições burocráticas burguesas,

segundo Luxemburgo (1988), “A Revolução Russa é, incontestavelmente, o fato mais

considerável da guerra mundial. A maneira como explodiu, seu radicalismo sem exemplo sua

ação duradoura, (LUXEMBURGO, 1988, p. 194)” legou marcas profundas à história de luta

dos trabalhadores em relações as condições hostis de vida.

Contudo, entendendo que também é esse um momento passível de crítica, por suas

limitações objetivas (humanas, agrícolas e tecnológicas), pois a Rússia, por ser um país

atrasado é que reunia as condições para a Revolução. Sendo assim “a Rússia, fruto do

entrelaçamento das relações internacionais e da questão agrária não pode caber no quadro da

sociedade burguesa” (Idem, p. 195).

A experiência é de tal magnitude que não contém em si todas as condições necessárias

ao seu pleno desenvolvimento. Acerca disto Luxemburgo expressa que,

é claro que só uma crítica aprofundada e não uma apologia superficial pode

tirar de todos esses fatos o tesouro de ensinamentos que eles comportam.

Seria, com efeito, uma loucura que no primeiro ensaio de importância

mundial de ditadura proletária e isto nas condições mais difíceis que se pode

imaginar, em meio a desordem e do caos de uma conflagração mundial, sob

a constante ameaça de uma intervenção militar por parte da potência mais

reacionária da Europa, e em face da carência completa do proletariado

internacional, seria uma loucura, digo, crer que nessa primeira experiência

do proletariado, realizada em condições tão anormais, tudo que se faz na

Rússia seja o cumulo da perfeição (Idem, p. 196).

Ainda assim, com toda força revolucionária que a construção da Revolução de

Outubro teve, não podemos nos esquecer da realidade objetiva como condicio5 sine qua non

6

5 Pelo significado etimológico, a palavra Condicio (Condicionis) é um substantivo feminino que aponta para um

"estado", isto é, para algo derivado, por exemplo de um "pacto". Há, portanto uma relação em que duas pessoas,

em um determinado momento, fixam uma "condição" para que algo se mantenha acordado. Poderíamos dizer

que é: condição, estado, pacto, estipulação, diferente de Conditio (Conditionis) também é substantivo

feminino, mas que tem um sentindo menos de "pactual", isto é, menos de um "acordo" e mais de condições para,

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nenhum processo terá pleno êxito. É sabido que, ao longo da história, sempre que a classe

trabalhadora se reuniu para construir uma vida sem exploração social do trabalho em busca de

melhores condições de vida teve como resposta a repressão e a ação desmobilizadora do

aparato estatal. Dito de outro modo, nenhuma construção político-social pode ser realizada em

plenitude sem que as possibilidades sejam favoráveis, isso pois,

a compreensão mais elementar da política socialista e de suas condições

históricas necessárias obriga a admitir que, em condições tão desfavoráveis,

o idealismo mais gigantesco e a energia revolucionária mais firme não pode

realizar, nem a democracia, nem o socialismo, mas apenas fracos rudimentos

de um e de outro. (LUXEMBURGO, 1988, p. 196)

Destarte, cabe aos críticos e aos desavisados lembrarem que muito foi feito com o que

se tinha, tanto na Revolução bolchevique quanto na Comuna de Paris, em relação ao

movimento dos trabalhadores unificados, ou não, em busca de uma vida melhor para todos,

sem ricos e pobres, sem exploração. Para tanto, cabe a todos os trabalhadores do mundo

entenderem que não é possível lutar através da compreensão da conjuntura atual – de tentativa

de conciliação de classe. Mas

Compreender bem este fato com todas as suas profundas consequências é um

dever elementar para os socialistas de todos os países, pois não é senão por

uma tão penosa compreensão que se pode medir toda a responsabilidade do

proletariado internacional no que concerne à sorte da Revolução Russa. Por

outro lado, não é senão desta maneira que aparece a importância decisiva da

ação internacional da revolução proletária como uma condição essencial,

sem a qual os maiores esforços e os mais sublimes sacrifícios do proletariado

de um só país devem inevitavelmente tombar num turbilhão de contradições

e de erros. (LUXEMBURGO, 1988, p. 196-7)

A Revolução Russa viu nascer o mais fiel, em seus primeiros anos, experimento da

“ditadura do proletariado” após o „ensaio‟ com a Comuna de Paris, seguindo os passos

descritos por Marx e Engels. Este último tratará da tomada do poder necessária pelo

proletário, invertendo a dominação existente. Segundo Lênin (1987), Engels chama o Estado

como uma entidade, como uma força nascida do desenvolvimento da sociedade,

especialmente econômica, ligada à divisão da sociedade em classes, que se encontra acima

por exemplo, a conservação de um produto (uma conserva). A preparação de algo exige algumas condições de

conservação, estoque, lacre, entre outros. Condicio tem o sentido político. Cícero nas Tusculanas cita no sentido

de acordo e estado de acordo. Cf. FARIA, Ernesto. Dicionário Escolar Latino-Português. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura - Departamento Nacional de Educação - Campanha de Material de Ensino. 3ª

ed. 1962. p. 224 e 225. 6 Significa em tradução literal "condição sem a qual não". Tal significado alude ao conceito que é fundante,

indispensável, essencial ao estabelecimento de uma teoria ou de outro conceito. Cf. FARIA, Ernesto. Dicionário

Escolar Latino-Português. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura - Departamento Nacional de

Educação - Campanha de Material de Ensino. 3ª ed. 1962.

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dessa sociedade, tornando-lhe cada vez mais estranho a essa – alienada. O Estado nasce da

necessidade de reprimir as contradições proveniente da luta de classe. Por nascer no seio

desse conflito representa importante arma da classe que domina a economia e que com auxílio

dele se torna também a classe política dominante, adquirindo novas formas de dominar e

explorar a classe trabalhadora.

Desta forma, a fórmula da tomada do poder e o que seguirá após esse acontecimento,

no qual se debruça Engels, será detalhada no livro „Estado e Revolução‟, por Lênin, que trata

assim a tomada de poder do Estado pelo proletariado:

o proletário toma o poder do Estado e transforma primeiramente os meios de

produção em propriedade do Estado. Mas, procedendo assim, suprime-se a si

próprio como proletariado, assim como suprime todas as desigualdades de

classe e antagonismos de classe e, ainda o Estado como Estado (LÊNIN,

1987, p. 19).

Ainda segundo Lênin (1987), o Estado não tem condições de ser abolido, como por

um decreto de um dia para a noite, ele extingue-se e adormece, naturalmente, à medida que

acontece a apropriação dos meios de produção, em nome da sociedade.

O autor ainda traz que a tal conciliação de classes, entre burguesia e proletariado, se

processa como um sonho dos socialdemocratas: uma submissão pacífica da minoria à maioria

consciente das próprias tarefas, rejeitando a revolta violenta das massas e considerando a

entrega do Estado pelos exploradores de forma pacífica. Tal atitude não passa de uma utopia

pequeno-burguesa; Lênin ira se reportar a Marx e a sua luta contra essa concepção pequeno-

burguesa, de defesa da manutenção do Estado, na seguinte passagem:

Marx lutou contra este socialismo pequeno-burguês ressuscitado nos nossos

dias, na Rússia, pelos partidos socialista-revolucionários e menchevique.

Marx desenvolveu, por uma forma consequente, a doutrina da luta de classe,

para chegar à doutrina sobre o poder político, à doutrina sore o poder

político, à doutrina sobre o Estado. O domínio burguês só pode ser abolido

pelo proletariado, classe diferenciada, que as próprias condições econômicas

de existência determinam a realizar tal abolição, dando-lhe a possibilidade e

a força necessária para a levar a efeito. (LÊNIN, 1987, p. 29).

Segundo Lênin, a doutrina da luta de classes, aplicada por Marx ao Estado e à

revolução socialista, conduz necessariamente ao reconhecimento da dominação política pelo

proletariado. Este tem necessidade do poder do Estado, de uma organização centralizadora da

força que reúna os meios de produção à sua vontade, em uma ditadura real do proletário, onde

impere a democracia e reprima, violentamente, a resistências dos exploradores. Lênin aplicará

integralmente essas teses na revolução de 1918, reprimindo a ascensão da sanha

socialdemocrata e seu fetiche quanto à reconciliação de classes.

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Sendo assim, como bem expressou Luxemburgo (1988), a Revolução Russa confirmou

os ensinamentos fundamentais de toda grande revolução, que se baseia em abater todos os

obstáculos que encontra pelo caminho. Assim, em nome dos objetivos, colocando-os sempre e

cada vez mais à frente, com o risco que caso isso não fosse feito, a revolução seria atirada a

seu frágil ponto de partida e esmagada por uma contrarrevolução. Contentar-se com o pouco

que atingiu não pode existir numa revolução, é imperioso avançar!

4. Considerações Finais

Dito tudo isto, não podemos nos esquecer da colaboração direta do Estado e seu braço

policialesco que agride nas batidas e na repressão grevista, que mata nas comunidades e

dispersa as manifestações sociais, recriminando, deste modo, a classe trabalhadora pobre e em

sua maioria negra. Isto ocorre de modo a relegar a culpabilidade à classe trabalhadora, e,

jogando seus membros uns contra os outros, induzindo a pensar que é aí que estão os

responsáveis pela violência e o crime original. Para romper essa barreira, é urgente a

construção de uma revolução social, que parta da classe revolucionária, a que move a

realidade material.

Ainda cientes que essa aconteça em pequena escala, de pontual, como focos que

irradiam, vista as condições fragmentadas que a sociedade se encontra, pós a reestruturação

do capital das últimas décadas, acreditam muitos que essa revolução já esteja inclusive

ocorrendo, mas sobre os ditames da classe dominante e de seus aparatos. Isso ocorre seguindo

o modelo tido como o único existente e capaz em consonância com os ditames que a ideologia

dominante oferece, que tem em seu cerne a atuação pacífica das massas, como foi dito,

seguindo os princípios da conquista de sua participação, finalmente, nas decisões por meio da

“democracia do povo”.

Esse modelo, afinal, nada mais é que a propaganda que tudo dependente da

democracia burguesa. O que, por definição, obstrui a revolução real, por tornar o trabalhador

apenas um figurante nessa encenação. Esse enlace já conhecemos, um desfecho contra o

interesse dessa classe. Ao apaziguar de „tempos em tempos‟ o ímpeto das massas proveniente

das contradições, e que angarie vitórias e conquistas sociais de modo a suprimir e mostrar que

é possível uma colaboração de classes e o fim da exploração fruto das divisões entre ricos e

pobre, vivendo pacificamente sob a égide da exploração.

Outrossim, as vitórias alcançadas dentro dessa democracia dos ricos não se

configuram como aceno a uma revolução propriamente. Esta que tenha a intenção de inverter

uma lógica dominante, mas sim como uma pequena benesse/manutenção – como as que

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ocorrerem em governos recentes no Brasil – dada pelas forças dominantes frente ao

acirramento das lutas entre as classes. Isso ocorre a fim de amenizar as tensões críticas que

emergem da situação de exploração, ou seja, das concessões dentro de um limite de segurança

oferecido para que ocorra uma conciliação de classes, onde a exploração seja naturalizada

como num pelego. Assim, a ideologia trabalhará como já foi dito, nesse campo como a

principal arma na inércia das massas. Em nossos tempos, não se faz necessário exércitos

gigantes para deter os revoltosos – embora os neocapitães do mato não deixem de matar –, em

suas ações de violência crua e direta, pois a própria ideologia, inserida em cada indivíduo

através dos meios de relação com a realidade principalmente mídia e outros, faz às vezes para

reafirmar como devemos seguir nossas vidas de modo passivo e com pouco sentido.

Não foi nos ditames citados no parágrafo anterior que ocorreu a luta na Comuna de

Paris e muito menos na Revolução Russa. Para se ter uma ideia até a arte teve seu papel

social, pois essa produção teve que reproduzir a realidade vivida de modo emancipado pelo

trabalhador, refletindo sua realidade concreta de trabalho e vida cotidiana sem exploração e

não apontar para um mundo ilusório ou moldado pela moral burguesa, com suas

extravagâncias e sordidez, ou seja: a arte imitou a vida. Nesta mesma linha reflexiva, a base

dessa revolução foram os conselhos populares, onde os trabalhadores e trabalhadoras

decidissem como reger seu trabalho e sua vida sem exploração.

Portanto, a revolução social que aconteceu antes em pequena escala na França e logo

após na Rússia não só projeta a base para fazer pensar essa manifestação social para todo o

mundo, com seus problemas frutos do capitalismo, como também serve para projetar a

revolução que precisamos para construirmos dias melhores.

Tais movimentos sociais se caracterizam como preparatórios para resistências às

investidas do capital, a favor da vida sem exploração e desigualdades sociais. Assim, por

questões cronológicas, discorremos sobre a Comuna, que a pesar de curta, pois durou cerca de

60 dias, lançou as bases para o futuro de luta e conquistas sociais, e sobre a Revolução Russa,

esta que colocou as bases para o comunismo possível, mas não determinou e estancou as

possibilidades revolucionárias. Somente com o cessar da vida é que finda o movimento de

construção de uma sociedade emancipada.

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