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Sérgio Goes Barboza Wilson Sanches Elias Barreiros Sociedade e meio ambiente Sociedade e meio ambiente

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Sociedade e meio ambiente

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Barboza, Sérgio Goes

ISBN 9788584826421

1. Meio ambiente - Sociedade. 2. Ambientalismo. I. Sanches, Wilson. II. Barreiros, Elias. III Título.

CDD 363.7

Wilson Sanches, Elias Barreiros. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2017. 168 p.

B239s Sociedade e meio ambiente / Sérgio Goes Barboza,

© 2017 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo

de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A.

PresidenteRodrigo Galindo

Vice-Presidente Acadêmico de GraduaçãoMário Ghio Júnior

Conselho Acadêmico Alberto S. Santana

Ana Lucia Jankovic BarduchiCamila Cardoso Rotella

Cristiane Lisandra DannaDanielly Nunes Andrade Noé

Emanuel SantanaGrasiele Aparecida LourençoLidiane Cristina Vivaldini OloPaulo Heraldo Costa do Valle

Thatiane Cristina dos Santos de Carvalho Ribeiro

Revisão TécnicaFábio Pires Gavião

EditoraçãoAdilson Braga Fontes

André Augusto de Andrade RamosCristiane Lisandra Danna

Diogo Ribeiro GarciaEmanuel SantanaErick Silva Griep

Lidiane Cristina Vivaldini Olo

2017Editora e Distribuidora Educacional S.A.

Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João PizaCEP: 86041-100 — Londrina — PR

e-mail: [email protected]: http://www.kroton.com.br/

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Unidade 1 | Sociedades humanas e ambiente natural

Seção 1 - Capitalismo e Meio Ambiente1.1 | O controle do meio natural e suas consequências1.2 | Economia ambiental1.3 | Economia ecológica1.4 | Marxismo e Meio Ambiente

Seção 2 - Sociedade se Afluência

Seção 3 - Do Antropoceno à Idade da Terra

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Unidade 2 | Relações etnorraciais

Seção 1 - Percurso teórico do conceito de etnicidade nasciências sociais1.1 | Definição do conceito

Seção 2 - Relações etnorraciais no Brasil2.1 | O povo brasileiro2.2 | Movimento negro2.3 | Políticas de ações afirmativas2.4 | A cultura indígena

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Unidade 3 | Meio ambiente e direitos humanos

Seção 1 - História dos direitos humanos1.1 | A Declaração Universal dos Direitos Humanos1.2 | Os direitos humanos e o Estado moderno1.3 | Universal versus particular1.4 | Direitos humanos e multiculturalismo

Seção 2 - Dignidade, igualdade humana e direitos humanos2.1 | Direitos humanos e diversidade cultural2.2 | Direitos humanos e diálogo intercultural2.2 | Minorias e o direito à diferença2.3 | Os direitos humanos e as minorias no Brasil: a questão

Seção 3 - Direitos humanos e meio ambiente3.1 | Meio ambiente e direito social no Brasil3.2 | Direitos humanos, meio ambiente e direitos sociais

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Sumário

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3.3 | Justiça ambiental no Brasil 125

Unidade 4 | Desenvolvimento sustentável e educação ambiental

Seção 1 - O desenvolvimento social e sustentável1.1 | Políticas públicas e meio ambiente1.2 | Sustentabilidade socioambiental1.3 | Conflitos socioambientais

Seção 2 - Tecnologia e sustentabilidade2.1 | Tecnologia e desenvolvimento humano2.2 | Fundamentos políticos da proteção do meio ambiente

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Apresentação

Neste livro, buscaremos, na primeira unidade Sociedades humanas e ambiente natural compreender as relações existentes entre a sociedade e o meio ambiente, passando pelo pressuposto de entender as formas e as bases sob as quais essas relações se dão. Neste sentido, a preocupação será debatê-las relações em um primeiro momento. Perpassaremos também pela relação entre o meio ambiente e outras sociedades humanas que não estão submetidas ao modo de produção capitalista, mas que mesmo assim acabam por sentir os efeitos do avanço do capitalismo sobre o mundo.

A segunda unidade, Relações etnorraciais, tem por objetivo proporcionar ao aluno uma visão, a partir das discussões das ciências sociais, de como o conceito de etnicidade e etnia foi se construindo, bem como mostrar como essas relações se deram no Brasil, sobretudo no que diz respeito à questão do negro e dos indígenas. Portanto, perpassaremos pela discussão do conceito de etnicidade e de grupos étnicos e seu desenvolvimento dentro das ciências sociais; em seguida, abordaremos a questão das relações etnorraciais no Brasil.

A terceira unidade, Meio ambiente e direitos humanos, tem como objetivo refletir sobre a construção histórica dos direitos humanos, dando ênfase na maneira como se constituiu, no Ocidente moderno, a noção de indivíduo e dos direitos individuais; discutiremos ainda a pretensão da aplicação dos direitos humanos em toda e qualquer realidade social, com ênfase sobre as diferentes concepções socioculturais da dignidade humana e sobre noção de igualdade; e, finalmente, abordaremos a relação dos direitos humanos com as questões ambientais, discutindo a importância do meio ambiente para a garantia de uma boa qualidade de vida, bem como as relações entre a chamada justiça ambiental e justiça social.

E, por fim, na Unidade 4, Desenvolvimento sustentável e educação ambiental, o objetivo é levar o aluno a aprender sobre a importância das políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e a educação ambiental, tendo como exemplos de boas políticas as que surgem a partir do programa "Cidades Sustentáveis". Neste sentido, tem-se como objetivo o estudo sobre sustentabilidade socioambiental; conflitos socioambientais; meio ambiente, tecnologia e sustentabilidade; fundamentos políticos da proteção do meio ambiente.

O objetivo deste livro, portanto, é discorrer sobre os temas acerca da disciplina

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Sociedade e meio Ambiente, utilizando as reflexões das principais matrizes teóricas, conforme apresentadas nesta leitura. O propósito é que esta abordagem temática propicie a motivação necessária a um bom entendimento deste conceito. Neste sentido, os autores alvitram incentivar o aluno a refletir sobre o aprendizado, cujos textos servirão de base para um aprendizado ímpar e contínuo na busca de novos conhecimentos.

Prof. Sérgio de Goes Barboza

Coordenação de Curso

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Unidade 1

SOCIEDADES HUMANAS E AMBIENTE NATURAL

Objetivos de aprendizagem:

Introduzir o aluno às principais discussões em torno do tema “ambiente natural e sociedades humanas”. Para tanto, expomos as formas de relação nas sociedades capitalistas e as principais correntes teóricas que travam essa discussão, para, em seguida, tratarmos das sociedades não capitalistas, colocando, ao final, alguns posicionamentos alternativos para este debate.

Enquanto o paradigma evolucionista vigorou de maneira hegemônica, as sociedades humanas foram classificadas a partir de sua relação com o meio ambiente. Identificaram-se os povos primitivos como possuindo uma grande dependência em relação ao meio ambiente, ao passo que os povos modernos teriam uma maior independência. No entanto, diante dos problemas que afetam o nosso cotidiano pela destruição ambiental, é importante nos questionarmos: qual é a nossa real independência em relação ao meio ambiente?

Compreender as relações existentes entre as sociedades humanas e o meio ambiente passa pelo pressuposto de compreender as formas e as bases sobre as quais esta relação se dá. Assim, não podemos falar de uma sociedade humana generalizada, por isso a unidade chama-se “sociedades humanas”, muito menos entender que há uma única forma de relação entre as diversas sociedades humanas e o meio ambiente.

Como vivemos em uma sociedade capitalista, será tarefa desta unidade se preocupar em debater, em um primeiro momento, a relação entre o meio ambiente e a sociedade capitalista, visto que o avanço da economia capitalista sobre sua fonte de recursos primários é devastador e acarretou toda uma preocupação ambiental no Ocidente; também, trataremos da relação entre o meio ambiente e outras sociedades humanas que não estão submetidas ao modo de produção capitalista, mas que mesmo assim acabam por sentir os efeitos do avanço do capitalismo no mundo.

Wilson Sanches

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Sociedades humanas e ambiente natural

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Seção 1 | Capitalismo e Meio Ambiente

Seção 2 | Sociedade se afluência

Seção 3 | Do Antropoceno à Idade da Terra

Nesta seção iremos debater as consequências do modo de produção capitalista para o meio ambiente, bem como as principais correntes de pensamento que se debruçaram sobre estes problemas.

Nesta seção teremos como finalidade discutir as relações entre as sociedades não capitalistas e o meio ambiente, revendo a ideia de que as sociedades não capitalistas seriam sociedades da escassez, mas sociedades de afluência.

Esta seção propõe discutir o meio ambiente como um ente que possui agência dentro das discussões políticas da atualidade.

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Seção 1

Capitalismo e Meio Ambiente

Introdução à seção

1.1 O controle do meio natural e suas consequências

O paradigma da modernidade está atrelado às mudanças ocorridas a partir do século XVII, na Europa, e que se desdobraram por todo o Ocidente nos séculos que se seguiram.

O século XVII é marcado por diversas mudanças que atingem diretamente a forma como os homens se veem e como estes se relacionam com o mundo natural. O avanço das ciências e a ascensão da burguesia como classe economicamente dominante promovem a união entre técnica e ciência, separadas desde os escritos aristotélicos na antiguidade clássica grega.

A possibilidade de compreensão do mundo, aviltada por Galileu Galilei quando afirmou que o livro do Universo está escrito em caracteres matemáticos, possibilita também o seu controle. Assim, avança algo que podemos chamar de ciências produtivas, ou seja, a capacidade de usar as descobertas das ciências para o aprimoramento das técnicas produtivas, expandindo, de forma acelerada, a capacidade de produção.

As mudanças em relação ao mundo e à concepção de homem, aliados à mudança política que ocorria na Europa no século XVIII provocam uma mudança no que tange à dominação, como afirma Augusto Comte:

Como as mudanças na forma de pensar mudam a maneira como o homem se relaciona com o ambiente natural?

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O desenvolvimento da ação sobre a natureza mudou a direção desse sentimento de dominação, transportando-o para as coisas. O desejo de comandar transformou-se gradativamente no de fazer e desfazer a natureza à vontade [...] Em última análise, o desejo de quase todos os indivíduos não é atuar sobre o homem, mas sobre a natureza (COMTE apud MORAES FILHO, 1978, p. 13).

Por mais que possa haver um equívoco nesta afirmação de Comte − pois partimos do pressuposto de que a forma como os homens produzem sua vida material determina seu ser social e, nesse sentido, a dominação de um homem sobre outro se dá pela posse que alguns têm dos meios de produção em detrimento da maioria que não possui −, o que muda é que em cada modo de produção há um determinado conjunto de forças produtivas, que é chamado de meio de produção, assim, enquanto no período feudal a dominação era exercida mediante os títulos e a posse da terra, pois a terra era, e ainda é, o principal meio de produção, e os títulos servem como um véu que cobre as verdadeiras relações de exploração, no capitalismo a dominação é exercida pela posse dos meios de produção, que envolvem a matéria-prima, as ferramentas, o maquinário etc., que pertencem a poucos sobre muitos que possuem somente a força de trabalho. Interessa-nos, neste trecho, a ideia da atuação do homem sobre a natureza, extraindo-lhe todo o possível de forma cada vez mais organizada e ágil.

A partir do século XVII, começa-se a perceber um crescimento considerável da população, coisa que passou desapercebida em épocas anteriores, e apesar dos avanços no campo técnico-cientifico que conduziam ao aumento da produção, isso começou a fazer parte das preocupações dos economistas da época, entre eles Thomas Malthus, que afirma:

A população, quando não obstaculizada, aumenta a uma razão geométrica. Os meios de subsistência aumentam apenas a uma razão aritmética. Uma ligeira familiaridade com números mostrará a imensidade da primeira capacidade comparativamente à segunda. [...] Essa desigualdade natural das duas capacidades, da população e da produção da terra, [...] formam a grande dificuldade que me parece insuperável no avanço da perfectibilidade da sociedade (MALTHUS apud SZMRECSÁNYI, 1982, p. 57-58).

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Malthus apresenta neste excerto uma primeira preocupação a respeito dos limites dados pelo meio natural. Para este autor, o aumento da população deveria coincidir com as possibilidades de o meio natural prover o necessário para sua subsistência. Não obstante o crescimento da produção, sempre haveria o limitador dado pelo meio natural em prover recursos para esta população. A preocupação de Malthus com o crescimento populacional pauta diversos debates sobre a questão ambiental, no entanto, não se pode determinar que apenas o crescimento da população atua como elemento para a corrosão do meio ambiente. A partir da Revolução Industrial, a busca por novas escalas de produtividade não está pautada apenas para suprir as necessidades da população crescente, sobretudo para a obtenção de lucros extraordinários por meio da ampliação do mercado e do consumo. Neste sentido, Borges e Tachibana (2005, p. 5236) apontam que a “maneira como a produção e o consumo estão sendo conduzidos desde então [aqui os autores estão se referindo à Revolução Industrial] exige recursos e gera resíduos, ambos em quantidades vultosas, que estão ameaçando a capacidade de suporte do próprio planeta”.

Barbieri (2004, p. 6) também indica a Revolução Industrial como marco da intensificação dos problemas ambientais. Para este autor, a era industrial alterou “a maneira de produzir degradação ambiental, pois ela trouxe técnicas produtivas intensivas em material e energia para atender mercados de grandes dimensões”.

No entanto, o que não está presente nesta fala é o porquê de ser preciso atender os mercados de grandes dimensões. Isso nos leva a pensar que as indústrias surgiram para atender o mercado, e não o contrário, isto é, com a produção em grande escala, foi necessário um grande mercado para consumir tudo o que se estava produzindo. Este tipo de análise não difere muito daquilo que Malthus estava anunciando em seu primeiro ensaio, a ideia de que o aumento da população é que produz o risco, aqui novamente parece que as necessidades humanas crescentes são as responsáveis pelo aumento da produção.

Partimos da ideia de que a ampliação do mercado é uma necessidade constante das economias capitalistas. Sendo assim, as novas formas de produzir degradação ambiental estão ligadas à produção em si, e não à expansão do mercado, que atende à necessidade da economia capitalista. Uma análise que tome o efeito pela causa pode recair em resultados que, na prática, não conseguem desvendar os problemas ambientais, e é o que veremos a seguir.

1.2 Economia ambiental

A partir da década de 1920, há o surgimento de um campo da economia preocupado com a degradação ambiental, o qual recebeu o nome de economia ambiental.

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A economia ambiental parte da premissa de que os recursos naturais não são finitos, mas que o mercado deve se preocupar em desenvolver estratégias que tenham por objetivo a alocação eficiente dos recursos naturais (SOUZA, 2008, s.p.)

Foladori (1999) explica que, a partir de 1920, existe a ideia de que o Estado deve tentar corrigir as falhas que o mercado apresenta. Assim, como a produção esbarra em limites naturais dados pelo meio externo, seria preciso impor aos responsáveis pelo consumo destes meios uma taxa para utilização dos recursos naturais, tentando, com isso, moderar o uso destes recursos, no entanto, o mercado ainda poderia utilizar os meios naturais.

A partir da década de 1960, segundo Foladori (1999), a discussão avançou no terreno jurídico e descartou a intervenção estatal, propondo que os recursos naturais sejam preservados mediante uma negociação “poluidores e afetados que resolvam o problema” (FOLADORI, 1999, p. 84).

Munidos deste instrumental teórico, os economistas ambientais avançaram na implementação de políticas tendentes a encarar os problemas ambientais. Por um lado, criando mecanismos de controle e de planejamento do uso dos recursos naturais e de geração de dejetos. Por outro, procurando instrumentos de mercado que atribuam preços ao que o mercado livremente não engendra (FOLADORI, 1999, p. 84).

A proposta, a partir de então, seria criar um valor para os recursos ambientais, o qual poderia refletir o nível de escassez dos recursos naturais para o mercado. Esta valoração criaria condições para que o mercado, por meio da “livre negociação” – aqui, usamos o termo “livre negociação” entre aspas porque, se há a criação de um valor objetivo com vista à escassez de produto e não na demanda de mercado, não poderíamos falar de livre negociação como é entendida pelo Liberalismo Clássico –, definisse os níveis ótimos de exploração e alocação destes recursos (SOUZA, 2008).

A teoria apresentada por Adam Smith enfatiza que o crescimento econômico se dá pela livre circulação da mercadoria, apesar das aspirações egoístas da busca pelo lucro, as atividades comerciais seriam guiadas por uma “mão invisível” a produzir muito mais do que se pretendia no início, se promoveria um aumento da renda da sociedade.

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Para melhor compreensão deste ponto, sugerimos a leitura do artigo:PRADO, Eleutério F. S. Uma formalização da mão invisível. Est. Econ., São Paulo, v. 36, n. 1, p. 47-65, jan./mar. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ee/v36n1/v36n1a02>. Acesso em: 5 set. 2016.

Segundo Foladori (1999), a tentativa de intervenção na economia com a atribuição de valores aos recursos naturais como tentativa de que estes sejam melhor aproveitados, ou melhor alocados, demonstra que o mercado fracassou em tentar criar uma sociedade sustentável.

Outra tentativa de compreender as relações entre meio ambiente e produção veio da economia ecológica. Vamos compreender essa teoria.

1.3 Economia ecológica

A economia ecológica, assim como a ecologia ambiental, apresenta a necessidade de se utilizar com eficiência os recursos naturais existentes, mas também compreende que os sistemas econômicos devem levar em conta a escala de utilização destes recursos, bem como a ideia de uma distribuição justa entre os membros de uma sociedade, levando em consideração, também, a interferência que a utilização de determinados recursos naturais pode causar nas gerações futuras.

Quais são as possibilidades de uma produção ecologicamente sustentável em uma economia capitalista?

Souza (2008, s.p.) aponta que a inovação trazida pela economia ecológica é a proposição de que “a economia é um subsistema que faz parte de um ecossistema natural global fechado e que há ocorrência de trocas de materiais e energia entre o subsistema e o sistema global”.

A ideia sustentada nesta definição é a de que a forma como o subsistema utiliza os recursos impacta diretamente em outra parte do sistema, que é fechado, portanto é preciso impor limites na própria utilização de recursos e energia. Isso parece bem próximo da ideia presente na economia ambiental, mas, nesta última, o limite seria dado em razão das negociações, sendo assim, acertadas as negociações, poderia se

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utilizar qualquer recurso oferecido pela natureza; no caso da economia ecológica, a decisão de utilização perpassa a ideia de que alguns recursos não podem ser utilizados em função dos impactos que se dariam no ecossistema global e de que a utilização de alguns recursos para um determinado fim impossibilitaria a utilização deles para outros fins.

A economia ecológica defende a ideia de que a utilização de recursos não deva somente ser objeto de debate dos economistas, mas de uma gama de profissionais que poderiam avaliar as questões de maneira “não econômica”, isto poderia fazer com que aspectos éticos, sociais e biológicos fizessem parte da discussão sobre o que produzir e como produzir.

De acordo com Foladori (1999), o limite para que a economia ecológica possa obter os resultados desejados, que também podem ser associados à economia ambiental, se relaciona à separação entre economia e ecologia.

Ao ver o mundo de maneira sistêmica, não se tem a noção de totalidade, a atividade econômica como um subsistema aberto aparece separada dos demais subsistemas que compõem o ecossistema global, assim, por mais que a economia devesse ouvir outras áreas não econômicas, a decisão final sobre a produção apareceria como uma lógica pertencente ao mercado, levando em conta as necessidades e aspirações deste mercado.

A imposição de limites via políticas, que seria entendido como outro subsistema, seria questionável, uma vez que teríamos que entender qual a relação deste subsistema com outros subsistemas, isto é, quem faria parte da política e qual seria o seu poder de intervenção dentro da economia. A título de questionamento, poderíamos nos perguntar: se os tratados internacionais sobre meio ambiente visam a um bem não econômico, que é o bem-estar social de todos, por que os países ricos se recusam a assinar esses tratados?

Cavalcanti (2004) chama atenção para o fato de que a preocupação ecológica ganha status de retórica vazia, uma vez que está cada vez mais em moda falar sobre desenvolvimento sustentável, mas que, na prática, se percebe a desregulamentação, sobretudo nos países pobres, das leis ambientais para que as empresas transnacionais possam explorar os recursos naturais de maneira cada vez mais insustentável. Este autor faz uma reflexão sobre o caso brasileiro afirmando:

No Brasil, ao mesmo tempo que aparece grande preocupação com a Amazônia, cortam-se as verbas para a fiscalização ambiental e se permite total liberdade de ação de empresas madeireiras asiáticas. A tolerância é alta com relação a projetos

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de grande porte que causam enorme impacto ecológico, desfigurando a paisagem e deslocando populações locais (CAVALCANTI, 2004, p. 151).

Partindo da afirmação de Cavalcanti (2004), podemos questionar qual a capacidade de se sobrepor algum tipo de limite dentro de um sistema econômico que está separado da ecologia, bem como da economia.

A questão que tentamos apresentar, mostrando estas duas teorias que se preocupam com as questões ambientais, é que há um limite posto nestas análises, o qual se dá pela crítica não partir da crítica do próprio sistema capitalista. Assim, no nosso próximo tópico, iremos discutir a crítica ao capitalismo como forma de pensar a questão ecológica.

O desmatamento moderno da Amazônia tem sua origem na inauguração da rodovia Transamazônica, e seus índices desde então crescem rapidamente. Para compreensão desta história, sugerimos a leitura do artigo:FEARNSIDE, Philip M. Desmatamento na Amazônia brasileira: história, índices e consequências. Megadiversidade, v. 1, n. 1, jul. 2005. Disponível em: <http://www.mstemdados.org/sites/default/files/Desmatamento%20na%20Amazonia%20brasileira,%20historia,%20indices%20e%20consequencias%20-%20Philip%20Fearnside%20-%202005.pdf>. Acesso em: 5 set. 2016.

1.4 Marxismo e Meio Ambiente

Para muitos autores, a tese construída por Marx em “O Capital” não tem um fundamento propriamente ecológico, pois sua ocupação está em tentar decifrar os elementos do modo de produção capitalista que mostram as contradições dentro deste. Estes elementos não eram alvos dos escritos das teorias clássicas, sobretudo de Adam Smith, que previa a possibilidade de um equilíbrio dentro do capitalismo em função do seu caráter “racional”. Com exceção do livro de Engels, A dialética da Natureza (1976), não há, na elaboração destes autores, outro título que exponha a questão relativa aos problemas decorrentes da superexploração dos meios naturais. No entanto, não haver um título que tenha por referência a natureza não significa

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afirmar que as contradições do modo de produção capitalista em relação ao meio natural não tenham sido tratadas por Marx.

Foster (2005) defende a ideia de que as contradições do capitalismo em relação ao meio natural está presente no livro O Capital de Marx, não de forma subjacente, mas como elemento primordial que conduz as análises sobre o modo de produção capitalista. Este autor afirma que “foi no O Capital que a concepção materialista de natureza em Marx alcançou plena integração com a sua concepção materialista de história” (FOSTER, 2005, p. 201).

O conceito de “metabolismo”, utilizado por Marx em O Capital, permitiu a crítica das principais ênfases da economia política burguesa. De fato, Marx utiliza o conceito de “metabolismo” para pensar a relação do homem com a natureza.

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. [...] A terra (que do ponto de vista econômico inclui também a água), como fonte original de víveres e meios já prontos de subsistência para o homem, é encontrada sem contribuição dele, como objeto geral do trabalho (MARX, 1983, p.149-150).

O que significa este metabolismo entre homem e natureza? O conceito de metabolismo foi, originalmente, cunhado pela química e biologia no início do século XIX. Ele foi utilizado para explicar o processo pelo qual um organismo, ou mesmo uma célula, extrai energia e materiais de um determinado sistema e os converte, por meio de processos bioquímicos, em elementos para o seu crescimento. Para Marx, este conceito terá um significado socioecológico, isto é, por meio do trabalho os homens interagem com o meio ambiente, transformando-o conforme as suas necessidades de crescimento, mas, ao mesmo tempo em que os homens transformam a natureza, eles transformam-se a si mesmos.

A análise metabólica de Marx reconheceu que os ecossistemas incorporam processos regulatórios específicos que envolvem complexas relações históricas de intercâmbio que auxiliam em sua regeneração e continuidade. Devido à interpenetração entre natureza e sociedade, os humanos têm o potencial e a habilidade de alterar as condições naturalmente postas de maneira que ultrapassam as barreiras naturais. Essa análise

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permitiu a Marx acessar as reais interações metabólicas entre sociedade e natureza, via trabalho humano. Ao mesmo tempo, pôde assim estudar o conjunto constantemente cambiante de desejos e necessidade que emergiu com o advento e o desenvolvimento do sistema capitalista, o qual transformou o intercâmbio social com a natureza direcionando-o para busca constante de lucro (CLARK; FOSTER, 2010, p. 23).

Se o trabalho é metabolismo entre o homem e a natureza, as necessidades constantes do capital de obter cada vez mais lucros intensificou as demandas sobre a natureza. A partir deste dado, temos um novo tipo de relação socioecológica que tem como consequência uma falha metabólica da relação homem/natureza que “leva a práticas insustentáveis de um sistema em seu conjunto” (CLARK; FOSTER, 2010, p. 23).

Por que um novo tipo de relação? O trabalho aparece como ação humana que media e controla o seu metabolismo com a natureza. Nas sociedades pré-capitalistas, o que se extraía deste processo sociometabólico eram valores de uso. Uma vez que os valores de uso se realizam somente quando determinado produto é usado ou consumido, o limite da produção está na satisfação das necessidades. A produção capitalista, no entanto, está voltada para a produção de valor, a qual implica, necessariamente, uma produção voltada para as necessidades do capital, em que se empregam novas tecnologias tanto para intensificação da produção quanto para o barateamento da força de trabalho. A tecnologia empregada para condicionar a produção agrícola aos anseios capitalistas tenta superar as barreiras naturais postas, como nutrientes para o solo, por exemplo. A prática intensiva na agricultura leva, impreterivelmente, à degradação da terra. Quanto à tecnologia imposta para baratear a força de trabalho, leva à precarização das condições de vida de uma parcela significativa da humanidade.

Ao converter a força de trabalho em mercadoria, [o capitalismo] a sujeita ao crescimento da composição orgânica do capital e aos vaivéns da oferta e da demanda, gerando esbanjamento de trabalho humano na forma de desemprego, miséria e enfermidades. E, mediante a divisão classista do trabalho, limita as possibilidades da criatividade humana (FOLADORI, 1999, p. 89).

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Mészáros (2002), discutindo a questão da destruição ecológica moderna e suas proporções globais no início do século XXI, aponta que o problema ecológico ocasionado pelo modo de produção capitalista é concreto, a questão que se coloca agora é a necessidade do controle social.

Aqui, Mészáros (2002) tem claro que a questão de se produzir não é a discussão central. É evidente que toda a tecnologia produzida atua de forma a ampliar as possibilidades e a longevidade humana, a questão posta não se trata de negar os avanços técnicos alcançados, mas a base social da exploração do meio natural. A necessidade constante de crescimento do capital e de aumento do lucro não pode ser o único tipo de controle imposto à relação metabólica homem/natureza, mas este controle deve ser feito pela coletividade e para o interesse comum, a fim de se assegurar as condições vitais para a existência humana.

A possibilidade de uma sociedade sustentável não se dá por reformas feitas no atual modo de produção. De acordo com os autores que trabalhamos até aqui, a questão é outra: uma sociedade sustentável é uma sociedade qualitativamente diferente.

O que está em causa não é se produzimos ou não sob alguma forma de controle, mas sob que tipo de controle; dado que as condições atuais foram produzidas sob o “férreo controle” do capital que nossos políticos pretendem perpetuar como força reguladora fundamental de nossas vidas (MÉSZÁROS, 2002, p. 989).

1. Thomas Malthus publicou, em 1798, um texto sobre questões demográficas chamado: “Um ensaio sobre o princípio de população”. Este texto é importante porque demonstra a preocupação de Malthus em relação ao crescimento da população.

Sabendo disso, assinale a alternativa correta quanto ao pensamento de Thomas Malthus sobre a questão populacional.

a. Para Malthus, há um descompasso entre o crescimento populacional, que é geométrico, e o aumento dos meios de

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subsistência, que ocorre a uma razão aritmética, o que, a longo prazo, poderia criar um problema social.

b. Para Malthus, o crescimento populacional tende a se uniformizar de acordo com a oferta de bens de consumo, assim o crescimento é maior em períodos de fartura e é menor, naturalmente, nos períodos de carestia.

c. Para Malthus, o vertiginoso progresso produtivo não encontra nenhum tipo de obstáculo, podendo crescer infinitamente, e o crescimento populacional tende a permanecer estável sem sofrer alterações.

d. Para Malthus, há duas certezas que podem ser comprovadas empiricamente: a primeira é que a população cresce vertiginosamente, e a segunda é que a produção de alimentos sempre acompanha este crescimento.

e. Para Malthus, não deve se impor um limitador para o crescimento populacional, uma vez que a produção de alimento jamais se tornará um problema, mas a falta de braços para o trabalho pode interferir na perfectibilidade de uma sociedade.

2. Os anos entre 1760 e 1820 foram um período de transição para novos processos de produção conhecido como Revolução Industrial.

Tendo em vista este período histórico, observe atentamente as proposições a seguir:

I. A maneira como a produção e o consumo estão sendo conduzidos desde a Revolução Industrial exige recursos e gera resíduos, ambos em quantidades vultosas, que estão ameaçando a capacidade de suporte do próprio planeta.

II. A Revolução Industrial como marco da intensificação dos problemas ambientais alterou a maneira de produzir degradação ambiental, pois ela trouxe técnicas produtivas intensivas em material e energia para atender mercados de grandes dimensões.

III. A Revolução Industrial aparece como momento único de produção que sabe preservar plenamente a natureza. Desde o início, essa revolução deseja que as pessoas consumam somente o necessário.

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Sobre a Revolução Industrial e sua relação com o meio ambiente, podemos afirmar:

a. Somente a proposição I está correta.

b. Somente a proposição III está correta.

c. Somente as proposições I e II estão corretas.

d. Somente as proposições I e III estão corretas.

e. Somente as proposições II e III estão corretas.

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Seção 2

Sociedade se afluência

Introdução à seção

Até agora apresentamos algumas discussões sobre meio ambiente e as sociedades humanas, partindo da análise da nossa sociedade. Por essa razão, a primeira discussão necessária foi a relação entre capitalismo e meio ambiente. No entanto, apesar de o capitalismo só existir sob a condição de internacionalização e globalização de suas atividades, e sabendo que os problemas ambientais gerados pela utilização intensiva dos recursos naturais do lucro particular não se restringem aos países industrializados, mas atingem todo o globo, não podemos nos esquecer de outras análises e outras sociedades que se relacionam, ou se relacionaram, com o seu meio natural de maneira diferente.

Os estudos de Bronislaw Malinowski sobre o sistema de trocas nas Ilhas Trobriand, segundo Machado (2012), marcam o início da antropologia econômica. Qual a importância deste estudo para nosso tema? A questão fundamental é a possibilidade de lançar outro olhar sobre o homem, o que regula suas trocas, e sobre a economia. Ao descrever o circuito do Kula, Malinowski rompe com a ideia de um homem econômico universal, uma vez que o sistema de troca dos trobriandeses é relatado como um sistema de comércio “organizado sem a existência de mercados, dinheiro ou estado e na base da generosidade, não da ganância” (MACHADO, 2012, p. 169). A contribuição fundamental está em afirmar que não é possível pensar nos modelos econômicos das sociedades não capitalistas a partir das concepções econômicas próprias do capitalismo, assim não se pode falar que a ação dos homens é sempre movida por uma visão racional em busca do interesse próprio.

É possível outra relação do homem com o meio natural em que o homem não sofra privações e que a natureza não seja destruída?

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Dessa forma, se afasta uma noção formal de economia, que a identifica com a ideia de existência de um determinado mercado, para compreensão destas sociedades que não estão submetidas ao modo de produção capitalista, e se aproximam de uma visão substantivista da economia.

Esta concepção substantivista de economia tem como principal autor Karl Polanyi. Para ele, a ideia de necessidade supera a ideia de subsistência, pois, por mais que os meios para se atender as necessidades sejam materiais, as necessidades em si podem ser materiais ou não. O fundamental desta ideia está em rechaçar qualquer afirmação que aponte que as economias não capitalistas são economias de escassez, pois, na citação acima, está afirmado que o meio natural oferece de maneira contínua os meios para satisfazer as necessidades humanas.

Este debate sobre as sociedades não capitalistas basearem suas produções na escassez está presente em Marshall Sahlins. Sahlins, segundo Machado (2012), não é um dos substantivistas “puros”, mas utiliza diversos conceitos que são emprestados diretamente de Polanyi.

Para Sahlins (2004), os manuais de economia, que analisam as questões econômicas pelo viés formalista, apontam que as sociedades “primitivas”, ou sociedades caçadoras e coletoras, são sociedades em que a fome e a escassez estão sempre presentes. Essas sociedades possuem uma determinada incompetência técnica que devem gastar todo o tempo e a energia em tentar conseguir o suficiente para sobreviver que não lhes é possível nem mesmo ter condições materiais para criar cultura. Todos estes povos caçadores e coletores pertencem ao grupo das chamadas economias de subsistência, segundo estes manuais formalistas.

No entanto, Sahlins (2004) lança um olhar de oposição a estas afirmações. Segundo as palavras do próprio autor:

[...] que define a economia como um processo instituído de interação entre o homem e o ambiente natural e social que o rodeia, o qual resulta em contínua oferta de meios para satisfazer as necessidades humanas (MACHADO, 2012, p. 166).

A sabedoria tradicional é sempre resistente. Somos obrigados a contestá-la em termos polêmicos, a formular as revisões necessárias em termos dialéticos: na verdade, quando se chega a analisá-las [o autor está falando da sociedade caçadora e coletora] essa era a sociedade afluente original (SAHLINS, 2004, p. 105-106).

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Estas revisões necessárias apontadas por Sahlins o leva a afirmar que a sociedade caçadora e coletora é a primeira sociedade de afluência.

O termo afluência significa aqui, em sentido figurado, um estado de riqueza, desenvolvimento e prosperidade. Portanto, a sociedade caçadora e coletora não é uma sociedade de escassez e busca constante de alimento, mas a primeira sociedade de abundância, situação que as modernas sociedades capitalistas não atingiram, apesar de todos os seus supostos avanços tecnológicos.

Segundo Sahlins (2004), a afluência pode se apresentar de duas formas distintas: a primeira forma de afluência se dá em razão das necessidades que podem ser facilmente atendidas devido à produção abundante de bens e serviços que poderiam ser facilmente acessados por todos. Esta forma poderia ser atendida por uma sociedade industrial, que diante de desejos infinitos e recursos finitos poderia aperfeiçoar as técnicas de produção a fim de que o descompasso entre desejos e recursos fosse superado. Uma segunda forma de afluência se dá devido aos desejos moderados. Neste caso, os desejos de uma sociedade são tão poucos que qualquer tipo de disponibilidade de bens e de produção poderia facilmente atendê-los. Assim, os desejos seriam finitos e os recursos seriam adequados para atendê-los. Portanto, a abundância seria sem paralelo.

Para Sahlins (2004), esta última forma de afluência seria típica das sociedades caçadoras e coletoras. Contudo, ao invés de imaginar que estas sociedades teriam uma economia de escassez, elas possuem uma abundância consistente, que, segundo Sahlins, superaria a abundância das sociedades industriais modernas. Aqui, a questão da abundância não está ligada à fartura de alguns em detrimento de outros, se pensa em uma abundância para todos, por isso que, para este autor, as economias das nações ricas são marcadas por uma grande parte da população que, geralmente, é pobre.

Sahlins levanta alguns pensamentos recolhidos por diversos etnólogos para contestar a “opinião média” antropológica de que as sociedades caçadoras e coletoras são sociedades de subsistência, ou de busca ininterrupta pela comida, e que as sociedades industriais são sociedades de afluência. Para Sahlins“o sistema industrial e de mercado instituiu a escassez de um modo completamente ímpar e num grau que não encontra equivalente em parte alguma” (2004, p. 108).

Para este autor, na medida em que o mercado determina os comportamentos de consumo numa lógica de obter e gastar, a escassez de recursos torna-se o ponto de partida da economia. Esta crítica de Sahlins aponta para o modo como as sociedades capitalistas olham as formas de existência das outras sociedades que não são capitalistas, em especial as sociedades coletoras e caçadoras. Mas, apesar de a escassez ser o ponto nodal de nossas economias, ela deve ser entendida, segundo Sahlins, como uma relação entre meios e fins. Não somente contra este

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pensamento dominante em relação à questão econômica que o autor afirma ser necessária uma postura dialética, mas à própria compreensão evolucionista de que apenas os avanços tecnológicos é que deram possibilidade de o homem se “livrar” da eterna obrigação de procurar alimento, e passa-se, com mais tempo, à criação da cultura em si.

Sahlins destaca que alguns relatos de etnógrafos sobre os chamados “povos primitivos” endossam a ideia de que estes vivem em lugares pobres em um meio ambiente hostil que lhes nega a possibilidade de uma existência que não seja voltada para a busca de alimento. No entanto, estes relatos cometem alguns erros, pois não levam em conta as tradições alimentares locais, que podem variar de maneira ampla e se distinguem grandemente das tradições alimentares dos etnógrafos europeus, e também não fazem menção ao meio ambiente que foi empobrecido e deteriorado pela exploração colonial europeia.

Quando se analisam os diversos relatos dos etnógrafos junto aos povos caçadores e coletores de diversas partes do mundo, se tem a ideia da existência de “uma espécie de fartura material” (SAHLINS, 2004, p. 114). Esta fartura está relacionada à facilidade de produzir os bens necessários para a sociedade em virtude da simplicidade tecnológica e da democracia da propriedade. Utilizam-se ferramentas extremamente simples e partilhadas por todos para atender à necessidade geral. Isto só é possível em virtude de “um padrão de vida objetivamente baixo”. Este padrão de vida não está ligado a uma questão de subsistência, mas a um princípio. Portanto, estes povos não sofrem o infortúnio da escassez, mas o desprendimento das necessidades materiais que é institucionalizado, pois estes povos são nômades e a posse de bens se transforma em um fardo para a mobilidade necessária, portanto, o desprendimento material é visto por Sahlins como um “fator cultural positivo expresso em uma multiplicidade de arranjos” (SAHLINS, 2004, p. 117).

O caçador, ficamos tentados a dizer, é um 'homem não econômico'. Pelo menos no que concerne aos produtos não ligados à subsistência, ele é o avesso da criatura padrão imortalizada na primeira página de qualquer livro de 'princípios gerais de economia'. Suas necessidades são escassas e seus recursos (em relação a elas), abundantes. Por isso, ele é 'comparativamente isento de pressões materiais', não tem 'nenhum sentimento de posse', exibe um sentido de propriedade pouco desenvolvido, é 'completamente indiferente a qualquer posse material' e manifesta desinteresse pelo desenvolvimento de seu equipamento tecnológico (SAHLINS, 2004, p. 119).

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A ideia de um homem não econômico aparece em oposição ao homem econômico, obra do pensamento burguês. A diferença entre estes caçadores e o homem econômico burguês é que o primeiro não transformou os impulsos materialistas em uma instituição, como fez o segundo. Assim, a maior riqueza destes homens é estarem completamente livres e poderem gozar a vida sem as pressões de terem que acumular. Por essa razão, Sahlins afirma:

Sahlins se ocupa de diversos estudos para mostrar que as horas trabalhadas em diversas sociedades coletoras e caçadoras são bem menores do que as praticadas nas sociedades capitalistas em que os desejos são infinitos, porque foram criados para serem infinitos.

O que a experiência das sociedades originais de afluência tem a ver com nossos debates sobre sociedades humanas e meio ambiente? As sociedades caçadoras e coletoras nos dão uma visão de outra possibilidade de relação entre o homem e seu meio natural.

Esta outra visão é um elemento extremamente importante, pois muitas vezes ficamos presos a determinadas formas de pensar, de trabalhar e de se relacionar com a natureza que parecem que são únicas e eternas; é preciso desnaturalizar estas relações para que se possa vislumbrar novas possibilidades; e o entendimento de que nossa forma de vida é uma entre tantas outras possíveis. Também, temos que ter ciência de que nosso modo de vida pode sofrer profundas mudanças, como ocorreu com outros povos que tiveram que se adaptar em função do fim de seu mundo.

Pode-se alegar, de modo convincente, que os caçadores e coletores trabalham menos que nós; e, em vez de ser uma labuta contínua, a busca de alimento é intermitente, o lazer é abundante e há uma quantidade maior de horas de sono diurno per capita, anualmente, do que em qualquer outra condição de existência social (SAHLINS, 2004, p. 120).

1. Os estudos de Bronislaw Malinowski sobre o sistema de trocas nas Ilhas Trobriand, segundo Machado (2012), marcam o início

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da antropologia econômica. Durante um certo período, se acirraram os debates dentro da antropologia econômica no que tange ao seu caráter formal ou substantivista.

Sabendo disso, assinale a alternativa que define de forma correta a concepção substantivista da antropologia econômica:

a. A visão subtantivista identifica a economia como a substância da vida material e suas análises são voltadas para uma visão romântica de toda a vida, sem levar em conta os problemas materiais concretos.

b. A visão substantivista identifica a economia com a ideia de existência de um determinado mercado, para compreensão estas sociedades não estão submetidas ao modo de produção capitalista.

c. A visão substantivista é entendida como um processo instituído de interação entre o homem e o ambiente natural e social que o rodeia, o qual resulta em contínua oferta de meios para satisfazer as necessidades humanas.

d. A visão substantivista aparece ligada à escola marxista, exclusivamente, uma vez que foi Marx quem lançou as bases do idealismo alemão responsável por fundar esta escola de pensamento.

e. A visão substantivista é aquela preocupada em pensar como a produção capitalista irá suprir, basicamente, todos os homens, uma vez que a humanidade cresce muito rapidamente.

2. O termo afluência significa aqui, em sentido figurado, um estado de riqueza, desenvolvimento e prosperidade. Sabendo disso, observe as proposições a seguir:

I. Segundo Marshall Sahlins, as sociedades caçadoras e coletoras não são sociedades de escassez e pela busca constante de alimento, mas a sociedade da abundância, a primeira sociedade de abundância, situação que as modernas sociedades capitalistas não atingiram, apesar de todos os seus supostos avanços tecnológicos.

II. A primeira forma de afluência se dá em razão das necessidades que podem ser facilmente atendidas devido a

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uma produção abundante de bens e serviços que poderiam ser facilmente acessados por todos.

III. A segunda forma de afluência se dá em razão dos desejos moderados. Neste caso, os desejos são tão poucos que qualquer tipo de disponibilidade de bens e de produção poderia facilmente atender os desejos de uma sociedade.

Assumindo V para o que for verdadeiro sobre as sociedades de afluência na concepção de Marshall Sahlins e F para o que for falso, assinale a alternativa que contém a sequência correta:

a. V-V-V.

b. V-V-F.

c. F-V-F.

d. V-F-V.

e. F-F-F.

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Seção 3

Do Antropoceno à Idade da Terra

Introdução à seção

Em 1971, Guy Debord escreveu um texto para a Revista Internacional Situacionista intitulado “O planeta doente” (La planète malade, em francês). Este texto mantém uma atualidade impressionante, pois trata da degradação ambiental ocasionada pelo modo de produção capitalista. Uma degradação tão perceptível que é impossível para o próprio capitalismo negar, tanto que os discursos sobre a poluição se tonaram moda, está espetacularizada nas mídias. Mas, como tudo aquilo que está espetacularizado, serve apenas para fazer diversos alardes sem nenhum resultado prático (DEBORD, 2011).

O desenvolvimento científico aumentou drasticamente o nível de produção e também criou as ferramentas necessárias para medir o grau de degradação do ambiente, no entanto, enquanto a grande força política que orienta as transformações sociais são as forças capitalistas, essa ciência apenas consegue prever, de maneira mais ou menos exata, o tempo de degradação da Terra sem que se possam produzir mudanças significativas para que cessem, aquilo que Debord chamou de produção da morte (DEBORD, 2011).

Por que a ciência não consegue mudar estas previsões? Porque esta mudança não é de cunho quantitativo, ou seja, de como se produzir mais com menos, mas de cunho qualitativo, como viver e produzir os elementos necessários para a manutenção da vida; aqui, manutenção da vida deve ser entendida de maneira ampliada, de outra forma. Essa decisão não é apenas técnica, mas uma decisão política, que envolve a preservação da vida ou sua completa aniquilação.

Os senhores da sociedade são obrigados agora a falar da poluição, tanto para combatê-la (pois eles vivem, apesar de tudo, no mesmo planeta que nós; é este o único sentido ao qual se pode admitir que o desenvolvimento do capitalismo realizou efetivamente uma certa fusão das classes) e para

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a dissimular, pois a simples verdade dos danos e dos riscos presentes basta para constituir um imenso fator de revolta, uma exigência materialista dos explorados, tão inteiramente vital quanto foi a luta dos proletários do século XIX pela possibilidade de comer. Após o fracasso fundamental de todos os reformismos do passado − que aspiram todos eles à solução definitiva do problema das classes −, um novo reformismo se desenha, que obedece às mesmas necessidades que os precedentes: lubrificar a máquina e abrir novas oportunidades de lucros às empresas de ponta. O setor mais moderno da indústria se lança nos diferentes paliativos da poluição, como em um novo nicho de mercado, tanto mais rentável quanto mais uma boa parte do capital monopolizado pelo Estado nele está a empregar e a manobrar. Mas se este novo reformismo tem de antemão a garantia de seu fracasso, exatamente pelas mesmas razões que os reformismos passados, ele guarda em face deles a radical diferença de que não tem mais tempo diante de si (DEBORD, 2011, p. 5).

No cerne deste debate, iniciado por Debord já em 1971, é que se insere a discussão sobre o Antropoceno e a idade da Terra. Afinal de contas, o que significa este termo: Antropoceno?

Segundo Artaxo (2014), a Terra, desde sua origem há 4,5 bilhões de anos, evolui a partir de determinadas forças geológicas. O Holoceno é um período geológico iniciado há mais de 11.700 anos, com o fim do período glacial. Esse período é conhecido como sendo de relativa estabilidade do ponto de vista climático.

No entanto, alguns pesquisadores, a partir dos anos de 1980, começaram a estudar os efeitos da ação dos homens sobre a formação do planeta, a geofísica, e não apenas a formação social. Que tipo de transformações ocorreram?

Desde que os homens apareceram na Terra, há cerca de 200 mil anos, sempre produziram algum tipo de efeito sobre ela. No entanto, desde a Revolução Industrial,

Qual é a capacidade dos humanos em alterarem a composição geofísica do planeta em que vivemos?

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no século XVIII, as atividades socioeconômicas dos homens sobre a Terra cresceram de maneira vertiginosa.

Com o desenvolvimento das máquinas a vapor e, posteriormente, dos motores à combustão interna, o uso de combustíveis fósseis (inicialmente carvão, depois petróleo e gás) cresceu exponencialmente, até esses se tornarem hoje responsáveis por 70% a 80% da energia total utilizada em nosso planeta. Isso levou ao aumento da concentração atmosférica de dióxido de carbono (CO

2), que passou de cerca

de 280 ppm, na era pré-industrial, para uma concentração média de 399 ppm, em 2015. Essa alta concentração não foi observada ao longo dos últimos 800 mil anos, pelo menos. O aumento nas concentrações de metano (CH

4), óxido nitroso

(N2O), ozônio (O

3) e outros gases de efeito estufa também foi

muito significante (ARTAXO, 2014, p. 16).

Todas essas mudanças, e outras, provocadas pela forma como os homens interagem com a natureza a fim de aumentar sua produção, estão afetando o solo e a radiação, provocaram mudanças climáticas substanciais e afetaram os recursos hídricos.

Pensando nessas mudanças provocadas pela ação do homem sobre o meio físico é que se cogitou a ideia de que o homem, como força geofísica, está fazendo a Terra adentrar em outra era geológica, o Antropoceno. O termo foi bastante divulgado pelo químico Paul Crutzem, Nobel de Química. No entanto, é preciso que compreendamos que este termo não é um elogio à ação humana, mas uma constatação de que essas ações se constituem na terceira era geológica do período quaternário, e de que essa era durará muito mais do que nossa espécie, ou seja, os efeitos provocados pela ação do homem sobre a Terra são tão profundos que, mesmo após o desaparecimento da humanidade, o planeta continuará a sentir esses efeitos.

Há uma compreensão, todavia, que não é a humanidade inteira que provoca essas mudanças, mas o modo de produção capitalista, no entanto, como o modelo de consumo dos países industrializados se torna padrão para todos os outros países, sobretudo no Ocidente, essa força geofísica tende a aumentar sua amplitude e seus efeitos são sentidos por todos.

Mantidos os atuais níveis de crescimento do consumo e a forma como se produz, um efeito é aviltado para um futuro ainda indeterminado, dado a continuidade deste regime termodinâmico, o fim do mundo.

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Em um mundo em que a ação humana supera a ideia de uma ação exclusivamente política ou social e a humanidade se converte em força geofísica, a Terra também não pode ser simplesmente encarada como um elemento natural, mas torna-se uma personagem, uma interlocutora política, um agente que, em diversas conferências sobre o tema do fim do mundo, recebe o nome de Gaia.

Um colóquio internacional realizado no Rio de Janeiro, em setembro de 2014, sob o nome “Os mil nomes de Gaia: do Antropoceno à idade da Terra”, afirma em seu texto de proposição que:

'Gaia' nomearia uma nova maneira de ocupar e de imaginar o espaço, chamando a atenção para o fato de que nosso mundo, a Terra, tornado, de um lado, subitamente exíguo e frágil, e, de futuro lado, suscetível e implacável, assumiu a aparência de uma potência ameaçadora que evoca aquelas divindades indiferentes, imprevisíveis e incompreensíveis de nosso passado arcaico. Imprevisibilidade, incompreensibilidade, sensação de pânico diante da perda do controle, e talvez mesmo de perda da esperança: eis o que são certamente desafios inéditos para a orgulhosa segurança intelectual e o destemido otimismo histórico da modernidade (COLÓQUIO INTERNACIONAL, 2014, p. 1).

Mas, por que manter o nome Gaia é importante para o pano de fundo teórico que queremos utilizar aqui? Poderíamos falar em Terra, em sistema biogeofísico terrestre, mas nos importa pensar Gaia como ser vivo, autorregulado, que possui agência sobre as ações que se desenvolvem nela, e não apenas um bloco de terra solto no espaço, cujo destino cabe somente aos humanos.

O colóquio “Os mil nomes de Gaia: do Antropoceno à idade da Terra” debateu os desafios da contemporaneidade. Os textos dos palestrantes estão disponíveis no site do evento: <https://osmilnomesdegaia.eco.br/sobre/>. Acesso em: 12 set. 2016.

Para compreendermos um pouco melhor este conceito de agência, utilizaremos um autor francês chamado Bruno Latour.

Bruno Latour formou-se em Filosofia e prestou serviço militar por dois anos na Costa do Marfim. No período em que esteve neste país, Latour ficou encarregado

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de desenvolver pesquisa em sociologia do desenvolvimento. De sua experiência no país do continente africano, ele cogitou a possibilidade de transpor as categorias analíticas das ciências sociais para uma investigação em laboratório. Seu interesse o levou a estudar sobre a prática científica.

De seus estudos sobre a prática científica, Latour propôs uma disciplina que se situa entre as ciências sociais e as ciências exatas, cujo objeto de estudo são os processos que surgem da científica e da técnica. Para este autor, é importante perceber que os conteúdos científicos não estão separados dos contextos sociais. Há, em Latour, uma discussão que visa repensar essa questão do social dentro da sociologia.

No livro Reagrupar o Social, Latour (2012, p. 18) tem por objetivo “redefinir a noção de social remontando a seu significado primitivo e capacitando-o a rastrear conexões novamente”. Com isso, o autor pretende voltar ao objetivo que sempre foi o das ciências sociais, “mas com instrumentos mais bem ajustados à tarefa”. Para ele, o problema a ser enfrentado é que o termo social acabou e é usado de maneira dicotômica, ou seja, para distinguir fenômenos sociais dos fenômenos, ou objetos, ou coisas, que não podem ser designados por este substantivo.

Para Latour (2012, p. 19), “o social parece diluído por toda parte e por nenhuma em particular”, assim, para retomar as primeiras pretensões de uma ciência do social, como é o caso da sociologia, é preciso repensar tanto o objeto quanto o método de estudo. Para isso, o autor em tela afirma que a abordagem por ele proposta deve partir da premissa de que não há nenhuma dimensão específica que possa receber o rótulo de social ou de sociedade, para ele “a 'sociedade', longe de representar o contexto 'no qual' tudo se enquadra, deveria antes ser vista como um dos muitos elementos de ligação que circulam por estreitos canais” (LATOUR, 2012, p. 19).

No extremo, Latour (2012) afirma, parafraseando Margareth Thatcher, que “sociedade é coisa que não existe”. Então, o que o autor entende por social ou por sociedade?

Conforme Latour (2012, p. 22), o social “é aquilo que outros tipos de conectores amalgamam”. Estes agregados sociais seriam explicados em função das suas associações. A sociologia, nesse sentido, seria entendida como a busca de associações. E o termo “social” é entendido por Bruno Latour (2012, p. 23) não como uma coisa em si, mas como um “tipo de conexão entre coisas que não são, em si mesmas, sociais”.

Latour chama a atenção para o fato de que a sociologia só pode dar continuidade ao seu projeto original se levar em conta todos os tipos de agregados que formam o social, um vírus que pode alterar as formas de sociabilidade da mesma maneira que uma arma nuclear e que um partido político. “A cada instância precisamos reformular nossas concepções daquilo que estava associado, pois a definição anterior se tornou praticamente irrelevante” (LATOUR, 2012, p. 23).

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Portanto, para este autor, o social é compreendido como um tipo de movimento de reassociação e reagregação. É a partir desta definição de social que Latour constrói a sua teoria de análise, a Teoria do Ator-Rede. Alguns livros trazem esta teoria sob a sigla TAR, mas outros autores preferem manter o acrônimo ANT, que é a sigla em inglês de Actor-Network Theory, em virtude de uma metáfora que o autor faz com o trabalho de uma formiga, ant em inglês. Para Latour, o sociólogo deve percorrer as conexões entre os diversos tipos de elementos agregados para compreender as associações que formam o social naquele contexto específico.

Não obstante, Latour tenha certas reservas a este nome, esta teoria pode ser expressada da seguinte forma: há que se atribuir o devido papel aos não humanos para compreender as associações, ou nesse caso específico, compreender as redes que se estabelecem entre atores heterogêneos. O papel do não humano não pode ser restringir a um papel meramente simbólico, mas um papel concreto de participação nas redes para compreensão de como o social se reagrupa. Tanto humanos quanto os não humanos são compreendidos nesta teoria como “atores”, não apenas coadjuvantes que apenas informam aos cientistas como o social está, mas atores capazes de construir suas próprias teorias. Os pesquisadores que se utilizam da Teoria do Ator-Rede devem seguir estes atores e compreender como o social se reagrupa, e não elaborar como os atores são ou dar lucidez às práticas deles.

A teoria que acabamos de expor é importante para a compreensão daquilo que discutíamos em relação ao meio ambiente. Gaia é um ator, possui a capacidade de agir e participar da reagregação do social, assim, não é apenas algo que sofre as influências dos humanos. Os estudos ambientais que se valem da Teoria do Ator-Rede podem configurar uma nova forma de compreensão da atual crise e da forma de sua superação, que é uma questão política, tem a ver com as definições de determinadas ações, mas estas ações são realizadas e conectadas levando as conexões entre humanos e não humanos.

Há uma crise objetiva que atinge tanto a questão ecológica quanto a questão política, a qual aponta para a falência teórica e prática da cultura ocidental, que cindiu o social do natural e que atribuiu ao homem o poder de agir sobre a natureza como senhor absoluto desta, sem levar em conta como a natureza responderia.

O Antropoceno coloca a nós, humanos, em uma encruzilhada, para alguns autores esta era a marca do fim do humano e a necessidade de ter novos sonhos. O que ele quer dizer com o fim do humano? O fim do projeto de humanidade surgido na modernidade ocidental, cuja figura emblemática é o pensamento exclusivamente antropocêntrico.

Neste sentido, muitos empreendimentos que têm por finalidade “salvar a natureza” estão fadados ao fracasso desde o início, porque estão baseados na cisão entre o reino humano, o qual cabe agir de maneira política, e o reino natural, que em

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si mesmo não passa de algo que não tem capacidade de agir politicamente. Para Latour (2004), sociedade e natureza são termos que carecem de explicação simétrica entre não humanos e humanos. Ecologia e política são, para o autor, vocábulos que devem ser conjugados para se fazer ecologia política. Ecologia política implica reagrupar, reagregar política e ciência da natureza. A ideia proposta por Latour é bem vaga, no sentido prático, a ideia é se fazer “ecologia política” reunindo todos os atores que fazem parte da realidade como entes que possuem agência para que possamos habitar a morada comum que é o bom mundo comum (LATOUR, 2004, p. 363).

Em uma discussão sobre sociedades humanas e meio ambiente, não seria justo pensar somente como nós, ocidentais modernos, evocamos esta discussão. É preciso também discutir as possibilidades trazidas por outros povos sobre a relação sociedade e natureza. Neste sentido, nos parece de fundamental importância a obra de Eduardo Viveiros de Castro, quem propõe uma teoria que não tem como ponto de partida aquilo que os ocidentais pensam sobre os diversos povos que habitam a Terra, uma perspectiva comum às ciências sociais, uma vez que a ciência é fruto do Ocidente moderno e o ponto de partida das discussões sobre os “outros” povos.

A crítica de Eduardo Viveiros de Castro é justamente esta, a compreensão do outro a partir do “nós”, ou seja, por mais que o pensamento ocidental tenha se valido ao longo dos anos de um certo relativismo para pensar os outros povos, a perspectiva assumida ainda é o que se é produzido no Ocidente, e este se vê ainda como portador de um projeto científico e de uma cosmologia que tendem a ser aplicados a todos os estudos sobre o “outro”.

Para além dos relativismos produzidos pelas ciências sociais ocidentais, adiante dos fins das dualidades, como vimos há pouco com Bruno Latour, Eduardo Viveiros de Castro propõe outra perspectiva, o perspectivismo ameríndio, que evoca uma abordagem diferente da que temos visto até agora. Se dentro da Antropologia praticada até então se parte do pressuposto de que há, nos estudos das diversas sociedades, um elemento universal que é a natureza, ou seja, que o mundo natural é o objetivo que nos força a percebermos que ele é regido por leis claras e objetivas de causa e consequência, e outro particular que é a cultura, porque é produzida de maneira subjetiva pelas interações e pelos simbolismos que há no grupo, a proposta de Castro é compreender que a cosmologia presente nos povos ameríndios parte do oposto da cosmologia ocidental. O que isto quer dizer? Que dentro da perspectiva dos povos ameríndios a cultura é o universal e a natureza é particular, donde a afirmação de Castro de que o que há dentro desta perspectiva é o multinaturalismo, e não o multiculturalismo (CASTRO, 1996).

Em primeiro lugar, precisamos entender o que é esta qualidade perspectiva dos povos ameríndios que o autor trabalha:

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O perspectivismo parte de diversas etnografias dos povos amazônicos que apontam para uma “teoria indígena” em que:

Assim, há uma mesma natureza humana em todos os animais, a qual está “escondida” sob uma roupagem, uma forma na qual as espécies não humanas se manifestam. Uma onça, por exemplo, se vê como um homem, e o homem que ela espreita para atacar é visto por ela como presa, como qualquer outra presa. Da mesma forma que o homem se vê como homem e vê sua presa como animal, a presa que é perseguida pelo homem se vê como homem e vê seu perseguidor como um predador voraz, como qualquer outro predador que ele possui na natureza, ou seja, como animal.

O perspectivismo ameríndio se difere do relativismo proposto pelas ciências ocidentais e da própria cosmologia ocidental; no início, para diversos povos indígenas das Américas, tudo era humano.

Trata-se da concepção, comum a muitos povos do continente, segundo a qual o mundo é habitado por diferentes espécies de sujeitos ou pessoas, humanas e não humanas, que o apreendem segundo pontos de vista distintos (CASTRO, 1996, p. 115).

[...] o modo como os humanos veem os animais e outras subjetividades que povoam o universo − deuses, espíritos, mortos, habitantes de outros níveis cósmicos, fenômenos meteorológicos, vegetais, às vezes mesmo objetos e artefatos −, é profundamente diferente do modo como esses seres os veem e se veem (CASTRO, 1996, p. 116).

Tudo era humano, mas tudo não era um. A humanidade era uma multidão polinômica; ela se apresentou desde o início sob a forma da multiplicidade interna, cuja externalização morfológica, isto é, a especiação, é precisamente a matéria da narrativa cosmogônica. É a Natureza que nasce ou se 'separa' da Cultura e não o contrário, como para nossa antropologia e nossa filosofa (DANOWSKI; CASTRO, 2014, p. 92).

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O mundo, para os indígenas da Amazônia, é uma multiplicidade conectada. As espécies animais são entes políticos, não apenas os homens no sentido ocidental do termo. O ambiente é uma sociedade de sociedades, uma cosmopoliteia (DANOWSKI; CASTRO, 2014, p. 94). Assim, na produção de sua vida, os povos amazônicos sabem que algo precisa ser destruído, mas como o solo é também vivo, é preciso tomar cuidado com as marcas que se deixam sob a terra. Por essa razão, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, em entrevista a Eliane Brum, afirma:

Acho que os índios podem nos ensinar a repensar a relação com o mundo material, uma relação que seja menos fortemente mediada por um sistema econômico baseado na obsolescência planejada e, portanto, na acumulação de lixo como principal produto. Eles podem nos ensinar a voltar à Terra como lugar do qual depende toda a autonomia política, econômica e existencial. Em outras palavras: os índios podem nos ensinar a viver melhor em um mundo pior. Porque o mundo vai piorar. E os índios podem nos ensinar a viver com pouco, a viver portátil, e a ser tecnologicamente polivalente e flexível, em vez de depender de megamáquinas de produção de energia e de consumo de energia como nós. Quando eu falo índio é índio aqui, na Austrália, o pessoal da Nova Guiné, esquimós... Para mim, índios são todas as grandes minorias que estão fora, de alguma maneira, dessa megamáquina do capitalismo, do consumo, da produção, do trabalho 24 horas por dia, sete dias por semana (BRUM, 2014, p. 1).

A afirmação de Eduardo Viveiros de Castro é importante para pensarmos a nossa relação com a Terra a partir de outra perspectiva.

1. A partir de década de 1920, há o surgimento de um campo da economia preocupado com a degradação ambiental, o qual recebeu o nome de economia ambiental.

Sabendo disso, analise as proposições a seguir:

I. A economia ambiental parte da premissa de que os recursos naturais não são finitos, mas que o mercado deve se preocupar em desenvolver estratégias que tenham por

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objetivo a alocação eficiente dos recursos naturais.

II. Para a economia ambiental, como a produção esbarra em limites naturais dados pelo meio externo, seria preciso impor aos responsáveis pelo consumo destes meios uma taxa para utilização dos recursos naturais, tentando, com isso, moderar o uso destes recursos, no entanto, o mercado ainda poderia utilizar os meios naturais.

III. Os economistas ambientais avançaram na implementação de políticas tendentes a encarar os problemas ambientais. Por um lado, criando mecanismos de controle e de planejamento do uso dos recursos naturais e de geração de dejetos. Por outro, procurando instrumentos de mercado que atribuam preços ao que o mercado livremente não engendra.

Marcando V para o que for verdadeiro sobre a economia ambiental e F para o que for falso, assinale a alternativa que tem a sequência correta:

a. V-V-V.

b. V-F-V.

c. V-F-F.

d. F-F-F.

e. F-V-F.

2. A economia ecológica, assim como a ecologia ambiental, apresenta a necessidade de se utilizar com eficiência os recursos naturais existentes, mas há outras compreensões possíveis na economia ecológica.

Observe as proposições a seguir:

I. A economia ecológica também compreende que os sistemas econômicos devem levar em conta a escala de utilização destes recursos, bem como a ideia de uma distribuição justa entre os membros de uma sociedade, levando em consideração, também, a interferência que a utilização de determinados recursos naturais podem causar nas gerações futuras.

II. A economia ecológica vê a ecologia apenas como um passivo a ser consumido durante o processo de produção e qualquer mercadoria para atender o consumismo humano.

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III. Para a economia ecológica, a economia é um subsistema que faz parte de um ecossistema natural global fechado e que há ocorrência de trocas de materiais e energia entre o subsistema e o sistema global.

IV. A economia ecológica se limita ao controle do meio ambiente, criando um mercado imaginário de bens de consumos que não precisa levar em conta as trocas energéticas entre a sociedade e o meio ambiente.

Sobre a economia ecológica, podemos afirmar que estão corretas as proposições:

a. I-II.

b. I-III.

c. II-III.

d. II-IV.

e. III-IV.

3. Para muitos autores, a tese construída por Marx em O Capital não tem um fundamento propriamente ecológico, pois sua ocupação está em tentar decifrar os elementos contraditórios do modo de produção capitalista. No entanto, alguns autores percebem que o tema da ecologia está presente em Marx.

Sabendo disso, assinale a alternativa correta:

a. A análise de Marx privilegia alguns aspectos do pensamento humano que possibilita uma visão da ecologia idealista, mas nunca um pensamento materialista da história e das relações entre os homens.

b. A análise de Marx aponta para a necessidade crescente de uma regulação de mercado via estado liberal, para que os homens pudessem respeitar o reino natural do qual depende toda a produção capitalista.

c. A análise de Marx aponta para a importância do mercado no controle da produção sócia. Uma vez que o mercado tende a se regular, a liberdade comercial aparece como única saída para a crise ambiental vivida.

d. A análise de Marx aponta para uma crescente consciência

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da força capitalista e uma tendência de controle social amplo, via burguesia, dos processos econômicos que podem ser a solução para o impasse ambiental.

e. A análise metabólica de Marx reconheceu que os ecossistemas incorporam processos regulatórios específicos que envolvem complexas relações históricas de intercâmbio que auxiliam em sua regeneração e continuidade.

Nesta unidade, tivemos a oportunidade de discutir, sob alguns aspectos, um tema que, dada as atuais conjunturas, é de fundamental importância: sociedade humanas e meio ambiente.

Para compreendermos a importância deste tema, nos preocupamos, em um primeiro momento, em compreender a nossa própria sociedade. Experimentamos, sem dúvidas, importantes avanços tecnológicos, melhoria de qualidade de vida para um grande número de pessoas, não obstante precisemos refletir que os avanços conquistados não foram distribuídos igualmente, mas esta sociedade produziu enormes danos ao ambiente natural em função da concepção de homem e de natureza produzida na modernidade. A produção avançou sobre a natureza sem se preocupar com sua finitude. Quando essa preocupação apareceu, diversos teóricos começaram a se questionar se era possível outra relação entre as sociedades capitalistas e o seu meio natural, assim tivemos o aparecimento da economia ambiental, da economia ecológica e um retorno aos escritos da economia política de Marx para tentar dar conta da realidade fatalista que se nos apresentava.

Mas como o título da unidade é sociedades humanas e meio ambiente, procuramos também mostrar que outras “sociedades” produziram outras relações com a natureza, chegando à conclusão que estas relações surgem de outra explicação cosmológica da ligação homem/natureza ou sociedade/natureza, e a partir desta nova perspectiva é possível pensar em um novo vínculo de nossa sociedade com a natureza.

A unidade não conclui dando respostas ou apresentando caminhos para o dilema “sociedade humana e meio ambiente”, mas mostra

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a possibilidade dos diversos saberes e produções das ciências sociais por meio de uma reflexão sobre si mesmo e do conhecimento do outro, por pensar essa questão de maneira mais ampla.

Nesta unidade, você aprendeu que:

• As mudanças ocorridas no Ocidente a partir do século XVII mudaram a forma como os homens se veem e como se relacionam com a natureza.

• Os avanços técnicos e tecnológicos sob o modo de produção capitalista provocaram a busca pelo domínio da natureza.

• Thomas Malthus foi um dos primeiros a levantar a questão da finitude do mundo natural e os problemas trazidos pelo crescimento populacional.

• A Revolução Industrial aparece como marco da intensificação dos problemas ambientais.

• No início do século XX, a economia ambiental lançou-se à tarefa de pensar a questão da produção capitalista levando em conta a preocupação com a degradação ambiental.

• A economia ambiental parte da premissa de que os recursos naturais não são finitos, mas que o mercado deve se preocupar em desenvolver estratégias que tenham por objetivo a alocação eficiente dos recursos naturais.

• A economia ecológica é outra forma de abordar os problemas relacionados à produção capitalista e suas consequências para o meio ambiente.

• A economia ecológica preocupa-se com a eficiência na utilização dos recursos naturais, bem como a escala de utilização de recursos naturais e a distribuição justa dos bens produzidos em uma sociedade.

• O marxismo não surge como uma preocupação estritamente ambiental, no entanto, alguns autores apontam para as possibilidades de uma leitura ecológica do marxismo, uma vez que esta teoria propõe uma crítica radical ao modo de produção capitalista.

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• Para além do modo de produção capitalista, outros povos desenvolveram outras formas de relação com meio natural.

• Marshall Sahlins apresenta as sociedades coletoras e caçadoras como a sociedade de afluência original.

• A sociedade de afluência é entendida como a sociedade em que os bens afluem para todos os seus membros; ela é o oposto das sociedades de escassez.

• Desenvolveu-se uma ideia de que as sociedades capitalistas poderiam chegar a ser as sociedades de afluência, ao passo que as sociedades não capitalistas eram as sociedades de escassez, porém Sahlins aponta justamente para o contrário.

• A visão de Sahlins nos ajuda a perceber que há outras formas possíveis de relação com a produção e a satisfação da sociedade, e isso implica uma maneira de diferente de lidar com o trabalho e com o meio natural.

• As mudanças provocadas pelos homens afetaram de tal modo a composição geofísica da Terra que alguns estudiosos afirmam que estamos entrando em outra era geológica: o Antropoceno.

• O Antropoceno marca a humanidade como força físico-química, e neste interregno a Terra surge como força política.

• A possibilidade de compreender a Terra como tendo a capacidade de interferir como agente político no meio social só pode ser entendida por meio da Teoria do Ator-Rede, de Bruno Latour.

• A teoria proposta por Latour tem por objetivo superar os dualismos sob os quais se assenta a ciência moderna; humanos e não humanos possuem agência dentro da realidade empírica.

• Eduardo Viveiros de Castro, com o perspectivismo ameríndio, oferece outra visão sobre a relação homem e natureza.

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Unidade 2

RELAÇÕES ETNORRACIAIS

Objetivos de aprendizagem:

Esta unidade tem por objetivo proporcionar a você uma visão, a partir das discussões das Ciências Sociais, de como o conceito de etnicidade e etnia foi se construindo, bem como mostrar como estas relações se deram no Brasil, sobretudo no que diz respeito à questão do negro e dos indígenas.Essa arrecadação e o dispêndio do dinheiro arrecadado devem ser feitos com rigorosa previsão, sóbrio planejamento e rígido controle – e a Constituição brasileira de 1988 estabeleceu instrumentos para a execução austera, fiscalização permanente e controle severo sobre o dinheiro público, conforme veremos nas leis que prescrevem os planejamentos, as diretrizes e a execução do orçamento.

Wilson Sanches

Nesta seção, discutiremos o conceito de etnicidade e de grupos étnicos e seu desenvolvimento dentro das ciências sociais.

Nesta seção, iremos abordar a questão das relações etnorraciais no Brasil.

Seção 1 | Percurso teórico do conceito de etnicidade nas ciências sociais

Seção 2 | Relações etnorraciais no Brasil

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Introdução à unidade

A discussão sobre a diversidade humana passou por diversas fases. No século XVIII, uma discussão pretensamente científica teorizou que as diferenças entre os grupos humanos era uma diferença biológica, atrelada à ideia de raça. Durante algum tempo, o termo raça, em seu sentido biológico, dominou a discussão nas ciências sociais. Com o abandono desta palavra, emerge o termo etnia, para nominar a diferença entre os agrupamentos humanos. O interesse pelo termo etnia começa a ganhar relevância nos estudos das ciências sociais quando começam a descortinar, no interior do Estado-Nação, grupos, ou coletividades, formados por afinidades de identidade e por repulsa de outros grupos. A partir dos anos de 1970, a discussão sobre grupos étnicos ganha relevância nas ciências sociais em função das lutas travadas por estes grupos. No Brasil, as lutas mais visíveis, neste sentido, são do movimento negro, mas também a questão indígena ganha relevância com o reconhecimento da diversidade. Esta unidade tem por objetivo lançar luz sobre estes debates.

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Seção 1

Percurso teórico do conceito de etnicidade nas ciências sociais

Introdução à seção

1.1 Definição do conceito

Definir um determinado conceito é um elemento essencial para toda ciência, pois, mais que um significado etimológico, o termo possui uma historicidade e precisa ser pensado dentro deste contexto. Termos como raça e etnia, etnicidade já figuraram em diversos escritos antes de serem apropriados pelas ciências sociais, no entanto, possuíam significado diverso do que é usado nos dias atuais, sendo assim é nosso interesse pensar no conceito de etnicidade, bem como de grupos étnicos e seu desenvolvimento dentro das ciências sociais.

Etnia ou Raça?

A etnicidade pode ser definida como “a condição de pertencer a um grupo étnico” (FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS, 1986, p. 436), ou seja, a qualidade, a característica, de um grupo étnico.

Assim, o conceito de etnicidade é inseparável do conceito de grupos étnicos.

O grupo étnico pode ser definido, de maneira bastante objetiva, como uma

A etnicidade reflete as tendências positivas de identificação e inclusão num grupo étnico. Nesse caso, é possível vê-la como uma qualidade da qual se participa, e que expressa a ênfase na atribuição de membro do grupo étnico (FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS, 1986, p. 436).

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coletividade de pessoas que possuem um determinado padrão de comportamento e que fazem parte de uma população maior em que interagem com outras coletividades dentro de um sistema social global (FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS, 1986). Nesse sentido, a etnicidade está relacionada à interação de grupos étnicos diferentes dentro de uma mesma sociedade, ou de um mesmo sistema social.

Diante desta definição, verificamos que a utilização da expressão “grupo étnico” não poderia se dar em lugares em que as diferenças étnicas sejam inexistentes, ou ainda, não há como falar de etnicidade quando estamos comparando populações diferentes que moram em locais diferentes e desenvolvem seus padrões de comportamento com uma certa autonomia, assim, por exemplo, quando se consideram as diferenças entre determinados países, como China e Índia, estamos falando de diferenças nacionais, mas quando falamos dos imigrantes chineses e dos imigrantes indianos dentro de um território estrangeiro podemos nos referir a estes grupos como grupos étnicos. Dada esta compreensão dos grupos étnicos, podemos estabelecer que a “etnicidade é essencialmente uma forma de interação de grupos culturais que operam num contexto social comum” (FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS, 1986, p. 436).

Poutignat e Streiff-Fenart (1998) apontam que o conceito de etnicidade começa a ser forjado pelos cientistas sociais, em especial pelos cientistas sociais de língua inglesa, para dar conta da problemática dos grupos sociais que, dentro de uma determinado Estado, mantêm laços de identidade cultural diferentes daqueles praticados dentro de um determinado país. O termo etnicidade começa a aparecer nas obras de alguns autores no século XIX, mas ganha maior relevância a partir dos anos de 1960, continuando um tema de grande relevância nos dias atuais. Assim, será nosso intuito percorrer brevemente os caminhos da construção deste termo para compreender melhor sua importância nos dias atuais.

Na obra Economia e Sociedade, Weber (2012), apresenta uma definição de coletividade étnica. O capítulo em que o autor trata do tema começa falando da pertinência da ideia de raça para compreender algumas relações comunitárias, sobretudo em países que foram colonizados e/ou que acorreram um grande número de migrantes. Em um sentido objetivo, a ideia de raça está ligada aos laços sanguíneos, mas em caráter subjetivo estes grupos são marcados por sentimentos comuns. Esta definição que Weber chama de pertinência à raça (WEBER, 2012, p. 267) torna-se importante para compreender as relações de atração e repulsão entre diversas comunidades em uma mesma sociedade, bem como para compreender a formação de uma comunidade política no interior de um Estado, que se distingue de outras formas de sociação, por exemplo partidos políticos, sindicatos e associações de moradores de uma determinada localidade.

As semelhanças entre as crenças comuns, ou costumes partilhados por certos indivíduos, ou ainda a crença na origem comum de um grupo de indivíduos no

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interior de uma sociedade mais ampla, bem como o sentimento de repulsa que estes grupos sofrem em relação a outros grupos, podem atuar como força criadora desta coletividade.

Portanto, para Weber, a comunhão étnica está relacionada a um sentimento de comunidade entre indivíduos que acreditam em uma procedência comum, ou uma origem comum. Este sentimento vai estabelecer algumas condições para o intercâmbio social, ou seja, a relação entre os membros dos diversos grupos étnicos, ou mesmo com os membros do grupo dominante, esta relação também implica uma repulsão entre os membros de grupos diferentes. Por vezes, a repulsão dos demais grupos, ou do grupo dominante, aparece como elemento mais importante para a formação da identidade étnica.

É interessante perceber que as discussões sobre grupos étnicos e, por conseguinte, sobre etnicidade, em sociologia e ciências políticas, se dá em relação ao Estado-Nação. Neste, quando tomamos uma definição mais geral sem observar as particularidades que envolvem esta entidade, as pessoas são caracterizadas como cidadãs com um determinado estatuto legal, ou seja, um conjunto de leis impessoais que determinam os direitos e deveres destes cidadãos de maneira objetiva, e que o laço de ancestralidade e origem não precisa ser necessariamente partilhado. No entanto, o fenômeno da formação de grupos étnicos dentro do Estado desafia esta definição geral, sobretudo a definição de um povo que pertence a um determinado Estado entendido como uma massa de cidadãos homogênea.

O fenômeno da diferenciação de uma determinada localidade dentro de um Estado também chama a atenção da Escola de Chicago, nos Estados Unidos da América. Os Estados Unidos da América podem ser pensados como uma sociedade formada a partir da imigração, portanto uma formação heterogênea desde sua origem, mas há determinados grupos imigrantes que guardam certos laços comuns com suas sociedades de origem e que, em razão disso, têm suas condutas

A crença na afinidade de origem – seja esta objetivamente fundada ou não – pode ter consequências importantes particularmente para a formação de comunidades políticas. Como não se trata de clãs, chamaremos de 'grupos étnicos' aqueles grupos humanos que, em virtude de semelhanças no habitus externo ou nos costumes, ou em ambos, ou em virtude da lembrança de colonização e migração, nutrem uma crença subjetiva na procedência comum, de tal modo que esta se torna importante para a propagação de relações comunitárias, sendo indiferente se existe ou não uma comunidade de sangue efetiva (WEBER, 2012, p. 270).

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influenciadas por estes laços de pertencimento. Neste sentido, como é possível falar de grupos étnicos em uma sociedade pluriétnica?

O sociólogo norte-americano Willian Lloyd Warner foi, provavelmente, o primeiro autor a utilizar o termo etnicidade (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998). Neste autor, a expressão “grupos étnicos” é utilizada para designar os grupos que moram nos Estados Unidos, mas que não são anglo-americanos, ou seja, independentemente de suas crenças religiosas e de suas classes sociais, elementos utilizados para apontar traços de distinção no interior de um Estado nacional, haveria grupos no interior da sociedade norte-americana que possuíam origem distinta dos anglo-americanos, e essa origem influenciaria no comportamento destes indivíduos.

Para Warner, a crença na origem comum e a forma como os grupos se formavam afetava o comportamento destes indivíduos na relação com os outros grupos étnicos, bem como na relação com aqueles considerados norte-americanos, ou seja, o grupo dominante. É interessante perceber que, apesar de a sociedade norte-americana ser formada quase que exclusivamente por imigrantes dado o seu passado colonial, Warner nomeia apenas os grupos de não anglo-americanos como etnias, assim, haveria um grupo, os de anglo-americanos, que não receberia o rótulo de étnico (ethnics) ao passo que todos os outros tipos de grupos de imigrantes seriam reconhecidos pelo termo étnico. Há, na utilização deste termo, neste momento, um caráter etnocêntrico, a ideia de que um determinado grupo teria a capacidade de nomear e classificar todos os demais a partir de seus próprios valores.

A etnicidade em Warner é “uma característica que modifica o sistema social e é modificado por ele” (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 22). A etnicidade é entendida como uma característica que afeta o comportamento dos indivíduos, assim como a idade e a religião. Para reconhecer esta característica, é preciso responder a uma pergunta: “De qual país veio a maioria de seus ancestrais?” (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 23), ou seja, em Warner, a caracterização de um grupo étnico é objetiva, dada por um cientista social que consegue, por meio de dados objetivos, determinar os diversos grupos étnicos no interior de um sistema social mais amplo.

De acordo com Warner, os grupos étnicos tenderiam a desaparecer no interior da sociedade norte-americana em função das assimilações dos valores do grupo dominante (FENTON, 2003).

Na década de 1960, outros dois autores utilizam o termo etnicidade de maneira distinta da utilizada por Warner, são eles: Wallerstein, que estudou as tribos do oeste da África, e Gordon, que estudou a sociedade norte-americana. Estes dois autores:

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Utilizam o termo etnicidade para designar não a pertença étnica, mas os sentimentos que lhe estão associados: o sentimento de formar um povo (sense of peoplehood) partilhados pelos membros de subgrupos no interior das fronteiras nacionais americanas, ou o sentimento de lealdade (feeling of loyalty) manifestado em relação aos novos grupos étnicos urbanos pelos africanos destribalizados (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 24).

As pesquisas de Warner tinham uma pergunta fundamental para descobrir a etnicidade: “De que país veio a maioria de seus ancestrais?”. Dessa forma se encontrava uma maneira objetiva de definir a etnicidade, ao passo que as pesquisas de Gordon e Wallerstein perguntavam sobre os sentimentos de pertença aos grupos no interior de uma sociedade mais ampla. Neste último caso, a definição de etnicidade era subjetiva, ou seja, o indivíduo se identificava com o grupo.

No final da década de 1960, eclodem diversos conflitos e reivindicações que foram categorizadas como “étnicas”. Estes conflitos aconteceram nas sociedades industrializadas para a qual acorreram pessoas de diversas origens, mas também se deu na sociedade que ainda não havia se industrializado. Conflitos surgiram em sociedades que eram tidas como homogêneas e em sociedades pluriétnicas. Estes conflitos chamaram a atenção da produção sociológica, e o conceito de etnicidade, a partir dos anos 1970, irá impor-se às ciências sociais.

A questão da etnicidade passa a ser vista, segundo alguns autores, como um fenômeno presente nos modernos Estados-Nações, pois ao invés de promover a homogeneização do mundo, a expansão do capitalismo internacional – caracterizado por uma economia monetária que tende à individualização e à produção de uma sociedade marcada pelas relações impessoais − inaugura o nacionalismo étnico e o racismo. As facilidades das comunicações do mundo moderno permitiram a constituição de redes internacionais de contatos que facilitaram a formação de identidades étnicas. Outros autores afirmam que as questões ligadas à etnicidade sempre tiveram presentes, mas foram ocultadas pelos pesquisadores anteriores em função da verve funcionalista, que tinha como objetivo realçar os fenômenos que agiam para a integração do grupo, e não para perceber os elementos dissociadores no interior das sociedades.

O fato que se apresenta é que as ciências sociais, a partir dos anos de 1970, estão diante de novas questões empíricas, os conflitos e as reinvindicações étnicas, que apontam para novos desafios teóricos.

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As categorias gênero, classe social e raça são elementos presentes em diversos estudos sociológicos. Para entender a relação entre estes termos, sugerimos a leitura do artigo:AGUIAR, Márcio Mucedula. A construção das hierarquias sociais: classe, raça, gênero e etnicidade. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, Uberlândia, n. 36/37, ano 20, p. 83-88, 2007. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/download/1204/1071>. Acesso em: 21 out. 2016.

Entre os autores que se lançaram a este desafio está Fredrik Barth. Em 1969, ele publica uma obra coletiva chamada Ethnics groups and boundaries. The social organization of culture difference (que pode ser livremente traduzida como Grupos étnicos e suas fronteiras. A organização social das diferenças culturais) cuja introdução foi publicada na obra de Poutignat e Streiff-Fenart (1998), que utilizamos neste texto.

No trabalho de Fredrik Barth, importa compreender a “constituição dos grupos étnicos e a natureza de suas fronteiras” (BARTH apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 186), pois, segundo o autor, nos estudos precedentes se deu muita ênfase em estudar os traços distintivos dos grupos étnicos sem, contudo, examinar de maneira sistemática as fronteiras e as características empíricas dos grupos étnicos.

Nos estudos sobre os grupos étnicos, estes são geralmente caracterizados como uma população que:

1. Perpetua-se biologicamente de modo amplo.

2. Compartilha valores culturais fundamentais, realizados em patentes unidades nas formas culturais.

3. Constitui um campo de comunicação e interação.

4. Possui um grupo de membros que se identifica e é identificado por outros como se constituísse uma categoria diferencial de outras categorias do mesmo tipo (BARTH apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 189-190).

Segundo Barth, essa é uma definição ideal de grupos étnicos e que apenas sua utilização inviabiliza a verdadeira problemática destes grupos, que é: entender os grupos étnicos e seu lugar na sociedade e nas culturas humanas.

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O mais grave de tudo é que ela [a caracterização dos grupos étnicos acima colocada] nos induz a assumir que a manutenção das fronteiras não é problemática e decorre do isolamento implicado pelas características itemizadas acima: diferença racial, diferença cultural, separação social e barreiras linguísticas, hostilidade espontânea e organizada. Isso limita igualmente o âmbito dos fatores que utilizamos para explicar a diversidade cultural: somos levados a imaginar cada grupo desenvolvendo sua forma cultural e social em isolamento relativo, essencialmente, reagindo a fatores ecológicos locais, ao longo de uma história de adaptação por invenção e empréstimo seletivo (BARTH apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 190).

Para Barth, há uma importância excessiva no fato de os grupos étnicos partilharem uma mesma cultura, essa característica deve ser considerada como um fato, ou um resultado, mais do que um fator primordial para a formação dos grupos étnicos, pois quando se leva em conta a construção cultural como fator primordial, se liga a uma ideia de que a cultura é construída isoladamente por cada sociedade e se parte de uma análise sincrônica da cultura, ou seja, de que a cultura deve ser analisada naquele dado momento histórico sem a compreensão de que os fatores ecológicos determinaram mudanças significativas na cultura de um grupo étnico.

É importante reconhecer que, embora as categorias étnicas tomem em consideração as diferenças culturais, não podemos deduzir disso uma simples relação de um para um entre as unidades étnicas e as semelhanças e diferenças culturais. As características que são levadas em consideração não são a soma das diferenças 'objetivas', mas aquela que os próprios atores consideram significantes (BARTH apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 194).

Assim, para Barth (apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998), o item 4, do conjunto de itens que apresentamos acima para classificar os grupos étnicos, é de especial importância, pois apresenta a possibilidade de o indivíduo se definir como membro de um grupo étnico com as características que são significativas e importantes para ele. Esta percepção de que o indivíduo se define como membro de um grupo resolve dois problemas conceituais: 1°) uma vez que as fronteiras entre os grupos étnicos podem mudar, em função de diversos fatores, como localidade que o grupo se encontra e os outros grupos com que se relaciona, a percepção do

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que é significativo com traço distintivo também muda, e o indivíduo que pertence a determinado grupo pode se adaptar a estes traços; 2°) as diferenças existentes entre os membros de um determinado grupo étnico têm pouca importância, pois se um indivíduo afirma pertencer a um determinada grupo, ele quer que suas ações sejam interpretadas e julgadas como ações de um indivíduo que pertence àquele grupo. Mas o que são essas fronteiras que o autor fala e aponta a importância de compreender os seus limites?

Fredrik Barth é um dos autores importantes sobre a teoria da etnicidade.Para uma leitura mais aprofundada sobre este autor e esta temática, sugerimos o artigo: VILLAR, Diego. Uma abordagem crítica do conceito de “etnicidade” na obra de Fredrik Barth. Mana, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 165-192, abr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132004000100006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 out. 2016.

Para Barth, o ponto central em uma pesquisa sobre grupos étnicos são as fronteiras étnicas, pois são estas, e não a matéria cultural, que definem os grupos. As fronteiras são fronteiras sociais.

Se um grupo conserva sua identidade quando os membros interagem com outros, isso implica critérios para determinar a pertença e meios para tornar manifesta a pertença e a exclusão. Os grupos étnicos não são simples ou necessariamente baseados na ocupação de territórios exclusivos; e os diferentes modos pelos quais eles se conservam, não só por meio de um recrutamento definitivo, mas por uma expressão e validação contínuas, precisam ser analisados (BARTH apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 196).

As fronteiras étnicas canalizam a vida social, uma vez que os membros de grupos étnicos diferentes jogam o mesmo jogo, o de reconhecimento de pertença a grupos determinados dentro de um mesmo sistema social, que necessita que estes interajam entre si. A interação entre membros de grupos distintos não conduz ao fim de um dos grupos.

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Assim, a persistência de grupos étnicos com contato implica não apenas critérios e sinais de identificação, mas igualmente uma estruturação de interação que permite a persistência das diferenças culturais. O traço organizacional que, segundo a minha tese, deve ser encontrado em quaisquer relações interétnicas consiste em um conjunto sistemático de regras dirigindo os contatos interétnicos (BARTH apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 196).

Nas sociedades poliétnicas, que são aquelas dominadas por um sistema estatal controlado por um dos grupos, mas que há espaço para a diversidade, o comportamento macrossocial é guiado por uma tendência a homogeneizar as relações, no entanto, é possível perceber as marcas distintivas dos grupos étnicos e as fronteiras que determinam uma forma de relação dos grupos étnicos entre si e dos grupos étnicos com o grupo dominante que detém o poder estatal.

Com base no que expomos até aqui, levantamos algumas questões pertinentes: sendo o Brasil uma nação formada a partir da afluência de diversos grupos étnicos, como perceber estas fronteiras étnicas em nosso país? Como os estudos sobre a interação dos grupos étnicos nos permite compreender melhor as relações etnorraciais que se desenvolvem no interior da nação? Estas questões tentaremos responder nas próximas seções.

1. A etnicidade reflete as tendências positivas de identificação e inclusão num grupo étnico. Nesse caso, é possível vê-la como uma qualidade da qual se participa, e que expressa a ênfase na atribuição de membro do grupo étnico (FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS, 1986, p. 436).

Sabendo que o conceito de grupo étnico é inseparável do conceito de etnicidade, assinale a alternativa correta quanto ao primeiro conceito:

a) O grupo étnico pode ser definido, de maneira bastante objetiva, como uma coletividade de pessoas que possuem um determinado padrão de comportamento e que fazem parte de uma população maior em que interagem com outras coletividades dentro de um sistema social global.

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b) O grupo étnico pode ser definido, de uma maneira bastante objetiva, como uma coletividade de pessoas que possuem um determinado padrão físico herdado de suas origens ancestrais, que impede qualquer outra forma de associação que não esteja ligada ao elemento racial em questão.

c) O grupo étnico pode ser definido, de uma maneira bastante objetiva, como uma coletividade de pessoas que vivem em uma nação separada de outras, desenvolvendo características próprias que as impossibilitam de qualquer contato com sociedade ou comunidade civilizadas.

d) O grupo étnico pode ser definido, de uma maneira bastante objetiva, como uma coletividade de pessoas que possuem entre si apenas laços afetivos e que se unem para obter vantagens políticas que são negadas às pessoas comuns, portanto são grupos antidemocráticos.

e) O grupo étnico pode ser definido, de uma maneira bastante objetiva, como uma coletividade de pessoas que não possuem pátria, ou uma nação de origem específica, e vivem como desterradas nos Estados-Nações sem nenhum tipo de sentimento de pertença, e se juntam para não ficarem sós.

2. Weber foi um dos primeiros autores das ciências sociais a escrever sobre coletividade étnica. Sabendo disso, leia atentamente as proposições a seguir:

I. Para Weber, num sentido objetivo, a ideia de raça está ligada aos laços sanguíneos, mas em caráter subjetivo os grupos étnicos são marcados por sentimentos comuns.

II. Para Weber, é importante compreender as relações de atração e repulsão entre diversas coletividades étnicas em uma mesma sociedade, para compreender a formação de uma comunidade política no interior de um Estado, que se distingue de outras formas de associação, por exemplo, partidos políticos, sindicatos e associações de moradores de uma determinada localidade.

III. As semelhanças entre as crenças comuns, ou costumes partilhados por certos indivíduos, ou ainda a crença na origem comum de um grupo de indivíduos no interior de uma sociedade mais ampla, bem como o sentimento de repulsa

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que estes grupos sofrem em relação a outros grupos, podem atuar como força criadora desta coletividade étnica.

Levando em conta o pensamento de Weber, podemos afirmar que:

a) Apenas a proposição I está correta.

b) Apenas a proposição II está correta.

c) Apenas as proposições I e II estão corretas.

d) Apenas as proposições II e III estão corretas.

e) As proposições I, II e III estão corretas.

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Seção 2

Relações etnorraciais no Brasil

Introdução à seção

2.1 O povo brasileiro

Diversos autores, a partir do início do século XX, empreenderam várias tentativas de interpretação do Brasil. Estas tentativas passaram por temas, como formação econômica do país, formação dos tipos que compõem o amplo território brasileiro e formação do povo brasileiro. Será nosso interesse nessa seção discutir justamente a formação do povo brasileiro, bem como discutir de maneira crítica as relações entre as diversas etnias.

Em relação ao desenvolvimento do povo brasileiro, se destaca a ideia de um povo construído a partir da mestiçagem (FREYRE, 2000) em função do caráter permissivo do colonizador que se instaurou neste território (HOLANDA, 1995).

Sob a formação do povo brasileiro, Darcy Ribeiro afirmou: “Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos” (RIBEIRO, 2006, p. 17). Não obstante o destaque dado à obra sobre os entrechoques ocorridos entre os povos que aqui estavam com os colonizadores e os que foram trazidos à força, Darcy Ribeiro está imbuído da ideia de que formamos um povo novo a partir de elementos que poderiam atuar como força desagregadora, por esta razão ele também afirma:

O Brasil é um país livre do racismo?

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A confluência de tantas e tão variadas matrizes formadoras poderia ter resultado numa sociedade multiétnica, dilacerada pela oposição de componentes diferenciados e imiscíveis. Ocorreu justamente o contrário, uma vez que, apesar de sobreviverem na fisionomia somática e no espírito dos brasileiros os signos de sua múltipla ancestralidade, não se diferenciam em antagônicas minorias raciais, culturais ou regionais, vinculadas a lealdades étnicas próprias e disputantes de autonomia frente à nação (RIBEIRO, 2006, p. 18).

Darcy Ribeiro não nega as diferenças existentes entre os brasileiros e, mais tarde, algumas diferenças introduzidas pelos imigrantes europeus que para cá vieram “tentar a vida” depois do século XIX, mas ele afirma que há mais características comuns entre estes diversos tipos de brasileiros do que diferenças, uma vez que são todos conformados à brasilidade. Mesmo a industrialização e o processo de urbanização, que serviram para “borrar algumas diferenças”, “os brasileiros se comportam como uma só gente, pertencentes a uma mesma etnia” (RIBEIRO, 2006, p. 21).

A ideia de que o Brasil se constitui em uma experiência de acomodação sem choques de diversas etnias, ou de uma relação racial relativamente harmoniosa, começa a ser desenhada na segunda metade da década de 1930, com a visita de alguns estudiosos à Bahia. Essa ideia orientou os estudos feitos, com o patrocínio da Unesco, sobre as relações raciais em nosso país na década de 1950 (GUIMARÃES, 1996).

Na Bahia, tais estudos desenvolveram-se no âmbito de um acordo de cooperação entre o Governo de Estado da Bahia, através da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia (Fundec) e a Universidade de Columbia, New York. O acordo, dirigido por Thales de Azevedo, pela Fundec, e por Charles Wagley, pela Universidade de Columbia, visava retratar situações raciais relativamente harmônicas, sendo a Bahia, obviamente, uma localização privilegiada haja visto os resultados anteriormente alcançados por Donald Pierson, Melville Herskovitz, Franklin Frazier e Ruth Landes, nos anos 1940, todos unânimes em afirmar o caráter relativamente cordial de suas relações raciais (GUIMARÃES, 1996, p. 67-68).

Este estudo patrocinado pela Unesco originou o livro As elites de cor publicado em 1953, e tinha um objetivo político bastante claro: reforçar a ideia de que a Bahia é o exemplo de uma sociedade multirracial de classe em que a ascensão social

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não é restringida em função da cor dos indivíduos. Para chegar a esta conclusão foi realizado um conjunto de entrevistas abertas entre fevereiro e outubro de 1951, com “com negros e mulatos ocupando posições de prestígio na sociedade local” (GUIMARÃES, 1996, p. 68). Thales de Azevedo afirma na introdução do livro que o estudo serve:

O próprio Thales de Azevedo irá afirmar mais tarde que esta é uma obra com caráter descritivo e não interpretativo, além de ser politicamente orientada para reforçar a ideia construída anteriormente da Bahia como sociedade relativamente harmoniosa no que diz respeito às relações raciais.

[...] para que nossa terra possa sempre ser apontada como aquelas raras, em todo o mundo hodierno, em que pessoas de origens étnicas diferentes convivem de modo bastante satisfatório sem embargo da diversidade e até do contraste entre seus tipos físicos (AZEVEDO, 1953, p. 21 apud GUIMARÃES, 1996, p. 69).

Sobre o projeto Unesco, sugerimos o seguinte artigo:MAIO, M. C. O projeto Unesco e a agenda das ciências sociais no Brasil dos anos 40 e 50. Rev. Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 41, out. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69091999000300009#back>. Acesso em: 21 out. 2016.

Apesar da produção politicamente orientada, o projeto da Unesco possibilitou que, de uma maneira geral, as ciências sociais se debruçassem sobre as relações raciais no Brasil de maneira mais aprofundada. Segundo Maio (2000), já havia alguns estudos sobre as questões raciais no Brasil no período anterior ao projeto da Unesco, mas esta iniciativa colaborou para o desenvolvimento das pesquisas sobre a questão racial, conforme aponta Octavio Ianni:

[...] as iniciativas da Unesco e outras instituições estrangeiras colaboraram no desenvolvimento das investigações sobre o assunto. Note-se que dizemos ‘colaboraram’ e não ‘iniciaram’.

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Na verdade, esses institutos encontraram condições favoráveis à sua realização, inclusive nos meios acadêmicos, sendo chefiados por especialistas brasileiros (Florestan Fernandes, Thales de Azevedo, Oracy Nogueira, L. A. Costa Pinto e outros). Note-se que foram as preocupações humanitárias da Unesco que a levaram a iniciar essas pesquisas, pois que se havia difundido também no exterior que no Brasil reinava a ‘democracia biológica’. Recordemos, entretanto, que, antes das iniciativas da Universidade de Chicago e da Unesco, já se realizavam no país investigações científicas a respeito das relações raciais em geral, desde alguns aspectos da integração sociocultural dos indígenas, ou as técnicas de infiltração social dos mulatos, até a análise dos produtos marginais da assimilação dos alemães (IANNI, 1966, p. 71).

Essa possibilidade foi dada pela ampliação da pesquisa:

Dentro desta perspectiva mais ampliada da investigação aparece a figura de Florestan Fernandes, em um primeiro momento, como assistente de Roger Bastides e, depois, como professor titular da cadeira de Sociologia I da Universidade de São Paulo, que a partir de uma análise sociológica se valendo da perspectiva histórica apontou que a passagem do trabalho escravo para o trabalho livre não teve o papel de revalorizar socialmente o negro, mas as imagens sobre o negro e o pardo persistiram no período pós-abolicionista, e que se conservou a mesma lógica de tratamento nas relações raciais, ou seja, de assimetria entre brancos e negros na sociedade de classe.

A pesquisa de Florestan na década de 1950 gerou os relatórios para a Unesco, mas também resultou em um livro publicado em 1964, intitulado A integração do negro na sociedade de classes (FERNANDES, 2008). Esta obra faz uma análise sociodinâmica de como o homem comum se integrou em uma ordem social competitiva no Brasil, bem como de quais foram as respostas do sistema de relações raciais no Brasil em uma sociedade de classes. Ao fazer sua análise, Florestan afirma:

No entanto, os objetivos da investigação foram ampliados, graças sobretudo à atuação de Charles Wagley, Luiz de Aguiar Costa Pinto, Roger Bastide, Ruy Coelho e Otto Klineberg, acrescida da visita de Alfred Métraux ao Brasil, no final de 1950, após a qual ele veio a afirmar que o caso paulista seria suscetível de alterar a imagem por demais otimista que se fez do problema racial no Brasil (MAIO, 2000, p. 117).

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Evidencia-se, aí, como a modernização tem ocorrido, na esfera das relações raciais, como um fenômeno heterogêneo, descontínuo e unilateral, engendrando um dos problemas sociais mais graves para a continuidade do desenvolvimento da ordem social competitiva na sociedade brasileira. Por conseguinte, a análise se converte em um estudo de formação, consolidação e expansão do regime de classes sociais no Brasil do ângulo das relações raciais e, em particular, da absorção do negro e do mulato. Dadas as dificuldades com que se depararam para compartilhar do destino comum no plano nacional, os resultados da investigação são extremamente úteis para se entender os dilemas materiais e morais não só da democratização das relações raciais, mas da própria sorte da democracia no Brasil (FERNANDES, 2008, p. 22).

O trabalho de Florestan se torna importante para apontar que o ideal de uma “democracia racial” pensada para o Brasil era um mito, não no sentido de falsidade, mas com sentido de uma ideologia dominante que tendia a pensar as desigualdades raciais apenas como consequência das desigualdades sociais próprias do capitalismo, e não como uma condição herdada da ordem social escravocrata. Assim, se encobria o racismo presente na sociedade brasileira.

Não obstante algumas teses apresentadas por Florestan terem sido contrariadas no decorrer do tempo, como a ideia de autoexclusão do negro na sociedade de classe. Sua obra indica um marco para começar a pensar na tese de que é impossível falar das questões sociais que marcam a realidade brasileira sem passar pela “gênese do pauperismo, que está intrinsicamente ligada, como herança, às relações etnorraciais que se conformaram neste país” (DURANS, 2014, p. 392).

Outro elemento importante neste período é a retomada do conceito de raça. O conceito de raça implica a classificação de pessoas por meio de características físicas, como cor da pele, olhos, tamanho do crânio etc. Este conceito muito utilizado, em sua definição biologizante, até os anos de 1930, é substituído pelas discussões que levam em conta a dimensão sociocultural da formação das relações raciais, conforme mostramos anteriormente em Florestan Fernandes (2008), e perdura esta discussão até o final dos anos de 1960. A discussão sobre as questões raciais no Brasil tem uma pequena pausa no início da ditadura militar no país, em função de outras discussões que teriam mais urgências, bem como pela formação do ideal de nação brasileira. No final dos anos de 1970, o termo raça é recuperado pelo movimento negro com um caráter político.

Esta retomada é influenciada, teoricamente, pelos estudos sobre a questão racial no Brasil realizados nos Estados Unidos da América por dois estudantes brasileiros.

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Nelson do Valle e Silva (1978) e Carlos Hasenbalg (1979), dois jovens estudantes de doutorado em diferentes universidades americanas, um em Michigan, outro em Berkeley, defenderam suas teses problematizando o fenômeno das crescentes desigualdades sociais entre brancos e negros no país (GUIMARÃES, 1999, p. 154).

Estes dois autores concordam com os estudos anteriores que tomam as diferenças de renda entre brancos e negros, bem como as diferenças de escolaridade e de classe social, sempre em prejuízo do negro, no entanto, eles trazem um componente novo em seus estudos que lança luzes sobre os outros elementos de discriminação, que é a desigualdade de tratamento, ou seja, a discriminação racial propriamente dita.

A partir de então, em termos estatísticos, os dados produzidos pelos censos e pelas pesquisas amostrais podem ser divididos em dois grupos: brancos e não brancos, nesta última categoria conta-se, principalmente, com pardos e pretos. Esta divisão pode ser feita porque em todas as variáveis importantes, como renda, educação, residência e outras, há uma semelhança entre os membros dos grupos de não brancos e uma diferença profunda entre estes e os brancos.

Assim, a produção destes autores põe fim à esperança de Florestan Fernandes (2008) da integração tardia do negro na sociedade de classe, criando uma situação de desvantagem permanente. Neste sentido, Jaccoud afirma:

Mesmo quando se esgotam as variáveis de status e de classe social nos modelos explicativos (renda, escolaridade, naturalidade, local de residência etc.), persiste inexplicado um resíduo substantivo, que só pode ser atribuído à própria cor ou raça dos indivíduos (GUIMARÃES, 1999, p. 155).

Dos estudos dedicados à análise das desigualdades raciais no país não se infere a ausência de mudanças na sociedade brasileira, mas sim a ausência de uma mobilidade relativa dos negros. Examinando as desigualdades raciais entre as décadas de 1940 e 1990, conclui-se que a posição relativa dos negros e brancos na hierarquia social não foi substancialmente alterada com o processo de crescimento e modernização econômica.

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A industrialização não eliminou a raça como fator organizador de relações sociais e oportunidades econômicas, nem reverteu a subordinação social das minorias raciais (JACCOUD apud THEODORO, 2008, p. 54).

Esta autora afirma que, neste período, o que se pode observar é a piora relativa da posição dos negros em ocupações que exigem nível superior. No entanto, ela adverte:

A autora afirma que todos os indicadores apontam para a desigualdade racial no Brasil, no entanto, como o quadro é complexo e de difícil análise, há uma tendência a naturalizar a situação do negro na sociedade brasileira. Ela aponta que a condição de ser negro impacta diretamente na distribuição dos privilégios e do prestigio social. Alguns dados podem nos ajudar a pensar nesta questão.

Segundo Durans (2014), 97 milhões de brasileiros, num total de pouco mais de 190 milhões, segundo o censo de 2010, se declararam pretos e pardos, ou seja, pouco mais de 50% dos brasileiros são negros, no entanto, entre os 10% mais pobres da população brasileira, 65% são negros, e entre os 10% mais ricos, 86% são brancos. O IBGE apontou, segundo Durans (2014), que entre os brancos a média salarial é de R$ 1.538,00, ao passo que entre os negros é de R$ 834,00, e entre os pardos é de R$ 845,00. No quesito educação, a taxa de analfabetismo para pessoas com mais de 15 anos é de 5,9% entre os brancos, de 14,4% entre os negros e de 13% para os pardos. Assim, parece que há dois países distintos.

Os estudos sobre esses temas têm, assim, avançado de forma significativa. Mas limites ainda são enfrentados. De um lado, existem dificuldades de se medir o fenômeno da discriminação, seja porque suas manifestações e efeitos são múltiplos, seja porque é difícil isolar seus efeitos nos indicadores de desigualdade. De outro lado, a discriminação não atua isoladamente, mas em conjunto com outros mecanismos, no processo de produção e reprodução da pobreza e da restrição de oportunidades para os negros no país (JACCOUD apud THEODORO, 2008, p. 155).

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Do ponto de vista do Índice de Desenvolvimento, dados da ONU de 2009 mostram que o Brasil ocupava a 75ª posição, entre os 182 países. Porém, há uma diferença entre os indicadores para os brancos, onde o país ocuparia o 46° lugar e para os negros cuja colocação subiria para a 105ª posição. Esse dado da posição do Brasil negro revela o quão vulnerável está a população afrodescendente. Por exemplo, segundo o Ipea (2008) existem 16,2 milhões de brasileiros (8,5%) que sobrevivem com menos de R$ 70,00/mês. Desses 8,5%, 70,8% são negros, 63% da população que vive abaixo da linha da pobreza é negra e o mesmo ocorre com a condição racial de 70% que vivem abaixo da linha de indigência (DURANS, 2014, p. 393).

Os dados sobre a desigualdade racial no Brasil, o novo enfoque de interpretação para estes dados que mostravam que a tendência era a perpetuação da condição subalterna do negro e a retomada do conceito de raça como referencial político orientaram, de certa forma, as lutas do movimento negro no Brasil no pós-década de 1980.

2.2 Movimento negro

O primeiro ponto importante para compreendermos a ideia de movimento negro é termos uma definição bem clara deste fenômeno social, o que se revela uma tarefa complexa.

Joel Rufino dos Santos (apud SANTOS; BARBOSA, 1994) irá apresentar uma definição de movimento negro bastante ampla, que inclui todas as entidades fundadas e promovidas por negros para sua defesa, seja ela de qualquer espécie. Inclui nesta definição os terreiros de candomblé responsáveis pela defesa religiosa, as confrarias para as defesas sociais, os clubes de negros, os grupos de danças, teatro, capoeira e diversos centros de pesquisa, além do Movimento Negro Unificado mais responsável pelas ações políticas, “toda essa complexa dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui movimento negro” (SANTOS apud SANTOS; BARBOSA, 1994, p. 157).

Se essa definição ampla é importante para a militância, para fins de estudo, segundo Domingues (2007), não é tão proveitosa. Dessa forma, iremos tratar aqui do movimento negro em sua faceta política, que pode ser brevemente entendido como:

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[...]a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural (DOMINGUES, 2007, p. 101).

Se o início da república brasileira coincide com o racismo embasado nas teorias biológicas, pretensamente científicas, sobre as raças, e com a teoria do branqueamento no território nacional, as primeiras associações negras se deram com a criação de grêmios e clubes de associação em diversos estados brasileiros. O aparecimento da imprensa negra é um elemento fundamental para a divulgação de informações que não poderiam ser encontradas em outros periódicos.

Esses jornais enfocavam as mais diversas mazelas que afetavam a população negra no âmbito do trabalho, da habitação, da educação e da saúde, tornando-se uma tribuna privilegiada para se pensar em soluções concretas para o problema do racismo na sociedade brasileira. Além disso, as páginas desses periódicos constituíram veículos de denúncia do regime de 'segregação racial' que incidia em várias cidades do país, impedindo o negro de ingressar ou frequentar determinados hotéis, clubes, cinemas, teatros, restaurantes, orfanatos, estabelecimentos comerciais e religiosos, além de algumas escolas, ruas e praças públicas. Nesta etapa, o movimento negro organizado era desprovido de caráter explicitamente político, com um programa definido e projeto ideológico mais amplo (DOMINGUES, 2007, p. 105).

Na primeira metade do século XX, a FNB foi a mais importante entidade negra do país. Com 'delegações' – espécie de filiais – e grupos homônimos em diversos estados (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia), arregimentou milhares de 'pessoas de cor', conseguindo converter o Movimento Negro Brasileiro em

Em 1930, foi criada a Frente Negra Brasileira (FNB), que foi uma organização com reinvindicações políticas mais explícitas.

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movimento de massa. Pelas estimativas de um de seus dirigentes, a FNB chegou a superar os 20 mil associados (DOMINGUES, 2007, p. 106).

É importante ressaltar a participação das mulheres negras no movimento desde seu início. A FNB era formada, em grande parte, por mulheres que assumiam diversas funções dentro da Frente.

Em 1936, segundo Domingues (2007), a Frente Negra Brasileira transformou-se em partido político. Membros da FNB foram recebidos pelo presidente Getúlio Vargas e tiveram algumas reivindicações atendidas, dentre elas destaca-se o fim da proibição dos negros integrarem a guarda municipal de São Paulo.

Neste período, a Frente Nacional Brasileira não foi a única associação de negros para as lutas políticas.

Vale salientar que, além da Frente Negra Brasileira, outras entidades floresceram com o propósito de promover a integração do negro à sociedade mais abrangente, dentre as quais destacam-se o Clube Negro de Cultura Social (1932) e a Frente Negra Socialista (1932), em São Paulo; a Sociedade Flor do Abacate, no Rio de Janeiro, a Legião Negra (1934), em Uberlândia/MG, e a Sociedade Henrique Dias (1937), em Salvador (DOMINGUES, 2007, p. 107).

Com a ampliação do mercado de trabalho, ampliava-se também a competição entre os trabalhadores e, segundo Guimarães (2002), com a continuidade da situação de marginalidade do negro e do preconceito, ampliam-se também as reivindicações e os protestos do movimento negro organizado.

A União dos Homens de Cor, fundada em Porto Alegre em 1943, tinha como objetivo “elevar o nível econômico e intelectual das pessoas de cor em todo o território nacional, para torná-las aptas a ingressarem na vida social e administrativa do país, em todos os setores de suas atividades” (DOMINGUES, 2007, p. 108).

A União dos Homens de Cor (UHC) ganhou bastante notoriedade nos anos que se seguiram à sua fundação, tendo aberto diversas sucursais em vários estados brasileiros. No entanto, com a implantação da ditadura militar, houve o recuo na atuação de diversos movimentos sociais, inclusive do UHC.

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Neste período, também é importante destacar a atuação do Teatro Experimental do Negro. A fundação deste grupo se deu no Rio de Janeiro, em 1944, sob a liderança de Abdias Nascimento, entre outros nomes. Se, em um primeiro momento, o Teatro Experimental do Negro tinha por objetivo formar um grupo teatral apenas com atores negros, sua abrangência e atuação foram se expandindo durante os anos em busca dos direitos civis dos negros e chegando a propor uma legislação antidiscriminatória no país (DOMINGUES, 2007).

O Teatro Experimental do Negro sofreu também com a ditadura militar e foi extinto em 1968. Sua importância se dá, também, por ter introduzido nos debates brasileiros sobre a questão racial a proposta de negritude do movimento negro francês. O conceito de negritude implica a valorização da cultura negra tanto nos países africanos como nos países com população afrodescendente vítimas do colonialismo.

Nessa segunda etapa do movimento negro, a UHC ou o TEN não eram os únicos grupos que empreendiam a luta antirracista, mas foram aqueles cujas ações adquiriram mais visibilidade. Além deles, articulou-se o Conselho Nacional das Mulheres Negras, em 1950. Em Minas Gerais, foi criado o Grêmio Literário Cruz e Souza, em 1943; e a Associação José do Patrocínio, em 1951. Em São Paulo, surgiram a Associação do Negro Brasileiro, em 1945, a Frente Negra Trabalhista e a Associação Cultural do Negro, em 1954, com inserção no meio negro mais tradicional. No Rio de Janeiro, em 1944, ainda veio a lume o Comitê Democrático Afro-Brasileiro – que defendeu a convocação da Assembleia Constituinte, a Anistia e o fim do preconceito racial –, entre dezenas de outros grupos dispersos pelo Brasil (DOMINGUES, 2007, p. 110).

Com a desarticulação dos movimentos sociais no pós-golpe de 1964 e, consequentemente, o fim das discussões públicas sobre as questões raciais, o movimento negro volta a tomar fôlego no final da década de 1970, com a ascensão dos movimentos sociais, sindicais e estudantis.

Em 1978, foi fundado o Movimento Negro Unificado (MNU), com o intuito de retomar as discussões políticas abandonadas no período anterior. Domingues (2007) identifica dois tipos de inspiração para a fundação do MNU, uma no plano externo e outra no plano interno.

No plano externo, a inspiração está nas lutas dos negros norte-americanos por direitos civis sob a liderança de Martin Luther King e Malcon X, bem como no movimento dos Panteras Negras. Os movimentos de libertação de diversos

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países africanos, como Guiné Bissau, Moçambique e Angola, também serviram de inspiração ao Movimento Negro Unificado.

A inspiração interna, segundo Domingues (2007), foi a Convergência Socialista, uma organização marxista com direcionamento trotskista, que foi o lócus de formação de diversas lideranças do movimento negro.

No Programa de Ação, de 1982, o MNU defendia as seguintes reivindicações 'mínimas': desmistificação da democracia racial brasileira; organização política da população negra; transformação do Movimento Negro em movimento de massas; formação de um amplo leque de alianças na luta contra o racismo e a exploração do trabalhador; organização para enfrentar a violência policial; organização nos sindicatos e partidos políticos; luta pela introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares, bem como a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país (DOMINGUES, 2007, p. 114).

A tônica do movimento negro neste momento histórico do país, ou seja, no período de redemocratização, foi contestar a ordem social instalada no país combinando a luta dos negros com a de todos os oprimidos da sociedade. O Movimento Unificado Negro adotou o termo negro para identificar os descendentes dos africanos no território brasileiro ao invés de “homem de cor”, que passou a ser considerado pejorativo.

O MNU tinha como objetivo a promoção de uma identidade étnica do negro, assim o resgate das raízes africanas e o discurso da negritude serviram de norte para o movimento.

Durante as décadas de 1980 e 1990, ocorreram diversos encontros entre grupos do movimento negro, organização de encontro dos estudantes universitários negros, bem como de pesquisadores negros das universidades brasileiras, tendo como base a discussão do racismo em âmbito nacional (SILVA, 2008;2010).

Um evento marcante dentro das lutas contra o racismo no Brasil foi a Marcha Zumbi dos Palmares, realizada em 20 de novembro de 1995. Essa marcha marcou a comemoração dos 300 anos de morte de Zumbi dos Palmares, bem como denunciava o racismo e a exclusão do negro na sociedade brasileira. Uma carta foi entregue ao presidente Fernando Henrique Cardoso exigindo ações governamentais para combater o racismo.

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A partir de então, seguindo pistas já lançadas pelo núcleo de consciência negra da USP em 1992, propondo reparações, inclusive por meio de ações jurídicas, as organizações do movimento social negro passaram a assumir explicitamente a reivindicação pró-políticas de promoção da igualdade racial. Em que pesem algumas reações mais radicais de algumas lideranças de esquerda, que interpretavam as reivindicações por inclusão como 'integracionistas' a marcha contribuiu para que políticas de promoção da igualdade racial através da implantação de políticas de ações afirmativas na educação e no mercado de trabalho constituíssem um tema de amplos debates, na sociedade brasileira, para além de militância negra, seja na academia, seja na sociedade civil (SILVA, 2008;2010, p. 134-135).

A partir de então, tem-se a discussão sobre políticas de promoção da igualdade racial por meio de políticas compensatórias.

2.3 Políticas de ações afirmativas

As políticas de ações afirmativas têm por objetivo oferecer aos grupos discriminados tratamento diferenciado para compensar as desvantagens oriundas do racismo, ou de outra forma de discriminação, por essa razão estas políticas são também chamadas de políticas compensatórias. Elas são aplicadas nos Estados Unidos, por exemplo, desde a década de 1960, para garantir aos afro-americanos participação na mobilidade social (MUNANGA, 2003).

Sobre as ações afirmativas no Brasil, sugerimos o artigo:HOFBAUER, Andreas. Ações afirmativas e o debate sobre racismo no Brasil. Lua Nova, São Paulo, n. 68, p. 9-56, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n68/a02n68.pdf>. Acesso em: 20 out. 2016.

No Brasil, as discussões sobre as políticas de ação afirmativa ganham destaque a partir da Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Outras Formas de Intolerância, realizada em Durban, em 2001 (HOFBAUER, 2006; SILVA, 2008/2010; JACCOUD apud THEODORO, 2008). Durante o segundo governo Fernando Henrique Cardoso, percebe-se uma mudança de discurso oficial apontando para a existência, no Brasil, de um problema racial.

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Porém, somente em 2003 criou-se a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

Não obstante estas discussões, viu-se o avanço sistemático das ações afirmativas no Brasil durante os anos 2000, cabe-nos pensar quais são estas ações e quais resultados obtiveram.

Destaca-se em primeiro lugar o combate ao racismo institucional. O racismo institucional pode ser compreendido um tipo de racismo presente “no cotidiano organizacional, inclusive na implementação efetiva de políticas públicas, gerando de forma ampla, mesmo que difusa, desigualdades e iniquidades” (JACCOUD apud THEODORO, 2008, p. 136).

O Ministério da Saúde e algumas prefeituras desenvolvem durante os anos de 2004 e 2006 o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI).

A proposta de introduzir ações afirmativas como meio para contrabalançar os efeitos históricos de discriminações estruturais, não consegue, porém, gerar consenso nem mesmo entre estudiosos do assunto. Enquanto alguns entendem a introdução de ações afirmativas como uma espécie de precondição para a superação da discriminação racial – uma vez que, segundo esta interpretação, a discriminação positiva ajudará os historicamente desprivilegiados a criar e fortalecer uma identidade positiva –, outros veem em tais medidas um ataque perigoso contra a “maneira tradicional brasileira” de se relacionar com as diferenças humanas, e temem que por meio delas possam ser instigados conflitos raciais abertos (HOFBAUER, 2006, p. 10).

Esse programa resgata o debate de como o setor público poderia desenvolver atividades efetivas de combate ao racismo e à discriminação racial de uma forma inovadora. Parte do pressuposto de que os tratamentos desiguais têm como base as práticas dos corpos funcionais das instituições, e essas práticas devem ser tornadas visíveis, combatidas e prevenidas por meio de novas normas, procedimentos e cultura institucional (JACCOUD apud THEODORO, 2008, p. 141).

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Esse programa tinha como foco a discussão sobre a saúde da população negra, e dois objetivos fundamentais: identificar e prevenir o racismo institucional no setor público, bem como incentivar a participação da população nos diálogos sobre políticas públicas.

O PCRI possibilitou ampliar a discussão sobre o tema da desigualdade racial no setor da saúde. Como resultado dessas discussões houve o reconhecimento de que o Sistema Único de Saúde (SUS) não tratava de maneira igualitária brancos e negros nos cuidados continuados de saúde.

No campo das ações afirmativas, a mais conhecida é a política de cotas, que passou a ser adotada nas universidades brasileiras, de forma voluntária, a partir de 2001, como forma de promover o ingresso de estudantes negros em seus cursos (JACCOUD apud THEODORO, 2008).

Esta política é uma das mais debatidas e com implementação mais possível de ser visualizada pela sociedade. Segundo Munanga (apud PACHECO; SILVA, 2007), ela tem uma importância fundamental, pois combate um determinado tipo de preconceito que tende a naturalizar a discriminação racial e coloca como uma faceta “apenas” da falta de oportunidade social. Para este autor, a desigualdade na educação ocupa uma posição de destaque, pois atinge demais áreas.

Diz-se que os negros não conseguem bons empregos e bons salários porque não tiveram acesso a uma boa educação e que não tiveram acesso a uma boa educação porque seus pais são pobres. Neste beco sem saída entre educação, pobreza e mobilidade social, a discriminação racial nunca é considerada como uma das causas das desigualdades. E esta falta de consideração da discriminação racial como umas das variáveis na discussão sobre cotas se constitui como complicadora, quando as chamadas cotas raciais ou étnicas são interpretadas como introdução do racismo no sistema educativo brasileiro, em vez de considerá-la como uma política para corrigir e reduzir as desigualdades acumuladas ao longo dos séculos (MUNANGA apud PACHECO; SILVA, 2007, p. 7).

Conforme Munanga (apud PACHECO; SILVA, 2007), as cotas no ensino superior não são uma invenção brasileira, esta política compensatória já havia sido adotada em diversos países que conviveram com a segregação racial. Pode-se observar que esse sistema de cotas para o ensino superior foi adotado nos Estados Unidos a partir da década de 1960, o que implicou uma melhora significativa no grau de escolaridade desta população.

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Durante o período de 1960 a 2000, os dados mostram um quadro positivo e um aumento significativo daqueles que ingressaram na educação superior. A percentagem de negros na idade ideal (entre 18 e 25 anos), matriculados nesse nível de ensino passou de 13% em 1963 para 30,3% em 2000, sendo o período de maior crescimento os anos de 1967 a 1979, quando praticamente dobrou a percentagem daqueles ingressantes. A população negra matriculada no ensino superior representava 4,4% do total em 1966; dez anos depois, o número de negros subiu para 1 milhão e 33 mil e sua proporção para 9,6% (MUNANGA apud PACHECO; SILVA, 2007, p. 10).

A melhoria nos graus de escolaridade, de uma maneira geral, afetou a forma como o negro participa da dinâmica de mobilidade social na sociedade norte-americana.

No caso brasileiro, é possível observar uma extrema desigualdade no acesso ao ensino superior. Não obstante, Henriques (2001) aponta uma melhora nos índices de educação geral no Brasil durante a década de 1990, mantém-se uma inércia no que diz respeito à diferença de anos de estudo entre a população negra e branca adulta. Em média, a população branca adulta tem 2,3 anos de estudo a mais que a população negra adulta, isso levando em conta o total de anos estudados. Quando se filtra a informação para pensar no ingresso no ensino superior, Munanga (apud PACHECO; SILVA, 2007) aponta que, no final dos anos de 1990, 97% dos estudantes universitários eram brancos.

A partir de 2004, com a implementação do sistema de cotas nas universidades públicas e das bolsas de estudos (Prouni) para as universidades particulares, é possível perceber uma alteração significativa no perfil etnorracial dos estudantes universitários (ARTES; RICOLDI, 2015).

A taxa bruta de escolaridade no ensino superior da população residente branca passou de 12,4% em 1988, para 35,8% em 2008, correspondendo a uma elevação de 23,4 pontos percentuais, ou um aumento proporcional de 189,2%. Já no caso da população preta ou parda, a taxa bruta de escolaridade no nível superior passou de 3,6%, em 1988 para 16,4%. Essa evolução corresponde a um aumento de 12,7 pontos percentuais, ou em termos proporcionais, de 350,4% em 2008 (PAIXÃO, 2010, p. 229 apud ARTES; RICOLDI, 2015, p. 861).

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As autoras chamam a atenção para a demanda reprimida de acesso ao ensino superior por parte dos estudantes negros, o que significa o aumento expressivo de sua participação na universidade.

A aprovação da Lei n° 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do estudo da História e da Cultura Afro-Brasileira nos currículos do ensino básico, é um importante passo para uma formação capaz de compreender o processo de formação da sociedade brasileira em sua complexidade, bem como para diminuir o preconceito e evitar a reprodução dos valores racistas (JACCOUD apud THEODORO, 2008).

Em 2008, foi aprovada a Lei nº 11.645, que inclui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Essa lei possui ainda pouca visibilidade, chegando a passar desapercebida em muitos casos (SILVA, 2014). Uma das dificuldades, apontadas por Silva (2014), para o ensino da temática indígena, é a superação da visão exótica e folclórica que se tem sobre estas populações.

2.4 A cultura indígena

Manuela Carneiro da Cunha (1992) adverte que o que sabemos sobre história indígena é muito pouco. Não é de nosso conhecimento a origem destes povos, quantos habitavam o Brasil quando da colonização, ou ainda, pouco sabemos o que realmente aconteceu com estes povos. Some-se a isso a visão folclórica que a imagem do índio é passada pela escola, sobretudo nas comemorações do dia do índio, que acontecem, geralmente, com crianças se “vestindo de índio”, mas de que índio estamos falando? Há uma única etnia indígena no Brasil?

Silva (2014) aponta que:

O último Censo IBGE/2010 apontou que no Brasil existem 305 povos indígenas, falando 274 línguas e contabilizando cerca de 900 mil indivíduos. Significa que tratar sobre os grupos que se convencionou chamar-se genericamente de 'índios' é uma situação parecida ao olhar um caleidoscópio: são povos em suas múltiplas expressões socioculturais, diversos entre si e diferentes de nossa sociedade. Pensar os povos indígenas é, portanto, pensar sempre em experiências socio-históricas plurais e diferenciadas (SILVA, 2014, p. 29).

Vencer a visão etnocêntrica dos povos indígenas como povos primitivos e possuidores de uma historicidade é uma tarefa extremamente importante e complexa para que o ensino de cultura indígena supere esta visão folclórica e reducionista.

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Em primeiro lugar, dentro da história dos povos indígenas, é preciso afirmar que o território em que hoje se situa o Brasil era amplamente habitado, e os europeus que por aqui chegaram não ocuparam o vasto território ocioso, mas invadiram uma terra já ocupada.

É preciso compreender também que, se em um primeiro contato com os colonizadores os povos indígenas foram tratados como parceiros comerciais, em que algumas iguarias dos territórios por eles habitados eram trocados por utensílios com os portugueses, com a decisão de se instalar no país uma empresa comercial para fornecer lucro para a coroa, as relações entre os indígenas e os portugueses se tornaram mais tensas. Não eram mais parceiros, mas a partir de então os indígenas eram vistos tão somente como mão de obra para o bom andamento dos negócios (CUNHA, 1992). Ao longo dos anos, as relações entre o governo que se encontrava no Brasil e as populações indígenas foram bastantes tensas.

Em 1910, há a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), extinto em 1966, sendo substituído em 1967 pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Nos anos de 1970, houve o investimento em grandes obras de infraestrutura, como o caso da Transamazônica, da barragem de Tucuruí e Balbina, época do projeto Carajás, em todos esses casos os povos indígenas foram considerados como empecilho para o “progresso” da nação (CUNHA, 1992).

Assim, a história dos povos indígenas deve ser pensada como uma histórica marcada pelos poderes hegemônicos que constituíram a nação, ora vistos como parceiros, ora como mão de obra barata, ora como almas a serem conquistadas, ora como indivíduos que precisam da proteção do Estado, ora como empecilhos ao progresso. Somente no final dos anos de 1980 reconhece-se jurídica e politicamente os povos indígenas como portadores de direitos. Direito à sua própria história, bem como direito à terra que já ocupavam antes da invasão dos colonizadores.

Ora, não há dúvida de que os índios foram atores políticos importantes de sua própria história e de que, nos interstícios da política indigenista, se vislumbra algo do que foi a política indígena. Sabe-se que as potências metropolitanas perceberam desde cedo as potencialidades estratégicas das inimizades entre grupos indígenas: no século XVI, os franceses e os portugueses em guerra aliaram-se respectivamente aos Tamoio e aos Tupiniquins; e no século XVII os holandeses pela primeira vez se aliaram a grupos “tapuias” contra os portugueses. No século XIX, os Munduruku foram usados para 'desinfestar' o [Rio] Madeira de grupos hostis e os Krahô, no Tocantins, para combater outras etnias Jê (CUNHA, 1992, p. 18).

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Para que as metrópoles pudessem ter feito todas estas alianças, era preciso ter também uma política indígena, ou seja, há necessidade de uma compreensão dos povos indígenas como sujeitos históricos e políticos, e não apenas como um agregado da história dos “homens brancos”. A história dos povos indígenas é a história de suas opções, de suas escolhas, das razões de suas escolhas e, portanto, faz parte da história da formação do Brasil. A cultura indígena, rica e diversa, deve ser pensada neste contexto, caso contrário recairíamos na mesma atitude dos colonizadores, a de tratá-los como um povo sem história, sem memória.

1. Durante muito tempo, o Brasil, por meio até mesmo de propagada, propalou a ideia de um “paraíso racial”. Assinale a alternativa que melhor define a forma como este termo foi utilizado:

a) Foi um termo utilizado para demonstrar que, no Brasil, as políticas de cotas funcionam.

b) Foi um termo utilizado para demonstrar que, no Brasil, o preconceito racial é pior do que nos Estados Unidos.

c) Foi um termo utilizado para simbolizar a ideia do Brasil como um país miscigenado.

d) Foi um termo utilizado para identificar o nosso país com os ideais raciais norte-americanos.

e) Foi um termo utilizado para estigmatizar o Brasil como um país em que há segregação racial.

2. Um evento marcante dentro das lutas contra o racismo no Brasil foi a Marcha Zumbi dos Palmares, realizada em 20 de novembro de 1995. Esta marcha marcou a comemoração dos 300 anos de morte de Zumbi dos Palmares, bem como denunciava o racismo e a exclusão do negro na sociedade brasileira.

Sabendo disso, leia atentamente as proposições a seguir:

I. O documento elaborado pela Marcha e entregue ao governo defende a implementação de políticas específicas nos campos da educação, incluindo capacitação dos professores para

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lidar com o tema da diversidade racial e como as práticas discriminatórias poderiam gerar discriminação, e que todo tipo de política afirmativa era nociva à nação.

II. O documento elaborado pela Marcha propõe também a instituição de ações afirmativas para o acesso a cursos profissionalizantes e a universidades.

III. O documento elaborado pela Marcha propõe a representação proporcional dos grupos raciais nas campanhas de comunicação do governo e de entidades a ele vinculadas.

Assinale a alternativa correta sobre o documento elaborado pela Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e pela vida:

a) Somente a proposição I está correta.

b) Somente a proposição II está correta.

c) Somente a proposição III está correta.

d) Somente as proposições II e III estão corretas.

e) As proposições I, II e III estão corretas.

Nesta unidade, você aprendeu que:

• Etnicidade é a condição de pertença a um grupo étnico e implica em formas de relacionamento entre diversos grupos étnicos.

• Grupo étnico é aquele formado por pessoas que partilham de uma mesma identidade, que possuem um padrão de comportamento distinto dentro de uma coletividade.

• A formação do conceito de etnicidade e grupos étnicos no interior das ciências sociais se deu ao longo do tempo e pela superação do conceito biológico de raça.

• O Brasil foi concebido como um país multiétnico que, mesmo diante da diversidade, permaneceu com uma certa coesão.

• O Brasil foi considerado um laboratório em que a convivência interétnica se deu sem grandes confrontos.

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• Com o avanço das pesquisas em ciências sociais, sobretudo em relação à situação do negro no Brasil, se percebeu que esta suposta harmonia étnica poderia ser questionada.

• Florestan Fernandes é um dos autores que questiona o mito brasileiro da convivência harmônica entre as etnias que habitavam o território nacional.

• Pesquisas do fim da década de 1960 lançam nova luz às relações raciais no Brasil.

• O conceito de raça é retomado como conteúdo político e não biológico pelo movimento negro.

• As políticas afirmativas marcam um momento importante das lutas antirracistas no Brasil.

• As culturas afro-brasileira e indígena passam a ser contempladas como conteúdo obrigatório do ensino básico brasileiro.

• Em relação à cultura indígena, a principal questão a ser superada é a visão exótica e folclórica que se tem destas populações.

• O reconhecimento destas populações perpassa pela ideia de que é preciso compreendê-las como sujeitos de sua própria história.

O Brasil é um país multiétnico, sua constituição como Estado-Nação está repleta de contradições e complexidades. O conhecimento sobre esta condição só pode existir na medida em que compreendamos estas contradições. Esta compreensão só é possível pelo reconhecimento das diversas etnias que formam o país, o qual implica a superação de uma história contada apenas pelas forças hegemônicas no poder, mas se dá, sobretudo, pelo conhecimento da história e da cultura das diversas etnias aqui presentes. Essa história não pode ser encarada apenas como um conjunto de informações que ficaram no passado, mas como elemento presente nos dias atuais, que pautam as lutas por reconhecimento e redistribuição. Reconhecimento de suas existências em suas próprias diversidades, não tendo que se conformar a um determinado padrão imposto pelas forças hegemônicas; e redistribuição no sentido de terem asseguradas condições de existência social que historicamente foram negadas a estas populações.

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1. As políticas de ações afirmativas têm por objetivo oferecer aos grupos discriminados tratamento diferenciado para compensar as desvantagens oriundas do racismo, ou de outra forma de discriminação, por essa razão estas políticas são também chamadas de políticas compensatórias. Estas políticas são aplicadas nos Estados Unidos, por exemplo, desde a década de 1960, para garantir aos afro-americanos participação na mobilidade social.

Sabendo disso, assinale a alternativa correta sobre as ações afirmativas:

a) Entende-se por ação afirmativa o conjunto de medidas especiais voltadas para grupos sociais privilegiados no passado e no presente.

b) Entende-se por ação afirmativa o conjunto de medidas especiais voltadas para grupos exclusivamente negros.

c) Entende-se por ação afirmativa o conjunto de medidas especiais voltadas para grupos discriminados e vitimados pela exclusão social no passado e no presente.

d) As ações afirmativas são ações que visam estimular as propostas educacionais exclusivamente.

e) Ações afirmativas são ações que não adiantam para uma melhoria da população excluída.

2. Algumas pessoas que são contra as ações afirmativas dizem que elas ferem o artigo 5º da Constituição, que diz que todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza.

Assinale a alternativa que melhor explique porque as ações afirmativas não ferem o artigo 5º da Constituição:

a) Não há problemas aparentes neste artigo, ele deve ser respeitado e as ações afirmativas abolidas, pois elas são danosas ao país.

b) O problema deste artigo é que ele se refere a uma igualdade formal, genérica, abstrata. O problema é que essa forma genérica de tratar o indivíduo não é eficiente quando se pensa nas práticas cotidianas concretas.

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c) O problema deste artigo é que ele se refere a uma igualdade concreta. Muitas pessoas que são contra as ações afirmativas se valem deste artigo para dizer que tais ações são constitucionais, pois não tratam as pessoas de maneira igual perante a lei.

d) O problema é que essa forma genérica de tratar o indivíduo é eficiente quando se pensa nas práticas cotidianas concretas.

e) O problema deste artigo é que ele se refere a uma igualdade concreta. O problema é que essa forma concreta de tratar o indivíduo é eficiente quando se pensa nas práticas cotidianas concretas.

3. Leia as proposições a seguir:

I. As ações afirmativas visam promover a maior diversidade social de grupos sub-representados em certos espaços sociais.

II. As ações afirmativas teriam como objetivo tanto a igualdade de oportunidades como o combate às desigualdades não justificáveis.

III. As ações afirmativas não garantem a diversidade e o pluralismo.

IV. As ações afirmativas atuam para a manutenção da subordinação de determinados grupos.

Sobre as ações afirmativas, estão corretas as proposições:

a) I e II.

b) I e III.

c) I e IV.

d) II e III.

e) III e IV.

4. Leia as proposições a seguir:

I. Há perda na qualidade de ensino da instituição e uma diferença significativa entre os alunos cotistas e não cotistas no que tange ao desenvolvimento acadêmico.

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II. Democratização do acesso nas instituições, com ampliação de diferentes grupos raciais e sociais entre o alunado.

III. Nas universidades, não houve mudanças significativas.

Assinale a alternativa correta sobre os resultados obtidos com o sistema de cotas na universidade:

a) Somente a proposição I está correta.

b) Somente a proposição II está correta.

c) Somente a proposição III está correta.

d) Somente as proposições I e II estão corretas.

e) As proposições I, II e III estão corretas.

5. A história dos povos indígenas deve ser pensada como uma história marcada pelos poderes hegemônicos que constituíram o Brasil enquanto nação, ora vistos como parceiros, ora como mão de obra barata, ora como almas a serem conquistadas, ora como indivíduos que precisam da proteção do Estado, ora como empecilhos ao progresso.

Sabendo disso, analise as afirmações a seguir:

I. A situação dos povos indígena terá alguma modificação no final dos anos de 1980,

PORQUE

II. Foi somente neste período que se reconheceu jurídica e politicamente os povos indígenas como portadores de direitos. Direito à sua própria história, bem como direito à terra que já ocupavam antes da invasão dos colonizadores.

Assinale a alternativa correta:

a) As afirmações I e II estão corretas, no entanto, a afirmação II não explica a afirmação I.

b) As afirmações I e II estão corretas, e a afirmação II explica a afirmação I.

c) A afirmação I está incorreta, e a afirmação II está correta.

d) A afirmação I está correta, e a afirmação II está incorreta.

e) As afirmações I e II estão incorretas.

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Unidade 3

MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS

Nesta seção, abordaremos a história dos direitos humanos, com ênfase na maneira como se constitui, no Ocidente moderno, a noção de indivíduos e dos direitos individuais, pois é a partir dessa concepção que se fundamentam os direitos humanos universais.

Nesta seção, enfatizaremos a discussão sobre as diferentes concepções socioculturais sobre a ideia de dignidade humana e sobre a noção de igualdade. Também, discutiremos as diferentes situações que envolvem as minorias sociais, e os impasses para se garantir os direitos fundamentais de grupos sociais que se pautam em valores coletivos e nos direitos difusos.

Na terceira seção, discutiremos a importância do meio ambiente para a garantia de uma boa qualidade de vida, bem como ressaltam-se as relações entre a chamada justiça ambiental e justiça social.

Seção 1 | História dos direitos humanos

Seção 2 | Dignidade, igualdade humana e direitos humanos

Seção 3 | Direitos humanos e meio ambiente

Objetivos de aprendizagem: Nesta unidade, nós iremos refletir sobre a construção histórica dos

direitos humanos; discutiremos, ainda, a pretensão da aplicação dos direitos humanos em toda e qualquer realidade social; e, finalmente, abordaremos a relação dos direitos humanos com as questões ambientais.

Elias Barreiros

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Introdução à unidade

Os direitos humanos representam um avanço fundamental para a sociedade, contribuindo para a garantia de qualidade de vida em diversas partes do planeta. É importante considerarmos, desde já, que a diversidade sociocultural coloca dificuldades enormes para o diálogo entre os valores morais que fundamentam os direitos humanos e os valores que fundamentam as diversas culturas espalhadas pelo mundo. Esse debate é importante, pois os direitos humanos têm a pretensão de serem universais, ou seja, de serem aplicáveis em quaisquer grupos humanos.

É para dar conta desse debate que faremos uma apresentação da história dos direitos humanos, apresentando o contexto social e histórico no qual esses direitos foram elaborados. Posteriormente, abordaremos o tema da dignidade humana, e de que maneira esses direitos ajudam na consolidação da igualdade social em diversas sociedades e grupos sociais, pensando nos diversos impasses criados a partir da relação entre direitos individuais e coletivos. Por fim, faremos uma reflexão sobre a garantia a um ambiente saudável e sustentável para as sociedades que compartilham o planeta, bem como das futuras gerações que aqui viverão.

Qual é o papel que os direitos humanos têm exercido no mundo contemporâneo? Em que medida ele pode ser uma ferramenta de emancipação social? Os direitos humanos têm ajudado a melhorar a vida das pessoas em todo o mundo? O lugar que os direitos humanos ocupam é o mesmo em qualquer país do globo, nos países centrais e nos países em desenvolvimento? Vamos tentar responder a essas questões?

Espero que todos aproveitem a leitura desse capítulo e que ele contribua com a formação de profissionais com uma visão ampla sobre os direitos que usufruímos enquanto pessoas.

Boa leitura!

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Seção 1

História dos direitos humanos

O primeiro passo a ser dado na direção da reflexão sobre os direitos humanos é nos situarmos no contexto histórico de seu surgimento, bem como nos contornos sociais e morais que os fundamentam.

Ou seja, os direitos humanos são pensados aqui como resultado da história da sociedade ocidental, dos desdobramentos da concepção do que é o homem para essas sociedades, bem como para a maneira como esses direitos foram sendo consolidados no mundo moderno.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi proclamada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948. Porém, para se chegar a esse documento, a sociedade ocidental percorreu um longo caminho, que remete à própria história do pensamento moderno que culminou, por exemplo, na Revolução Francesa. Dessa forma, não podemos dissociar a Declaração Universal dos Direitos Humanos da concepção de homem moderno e, portanto, do Iluminismo.

Introdução à seção

1.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos

“Desde sua adoção, em 1948, a DUDH foi traduzida em mais de 360 idiomas – o documento mais traduzido do mundo – e inspirou as constituições de muitos Estados e democracias recentes. A DUDH, em conjunto com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois Protocolos Opcionais (sobre procedimento de queixa e sobre pena de morte) e com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,

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Sociais e Culturais e seu Protocolo Opcional, formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos.Uma série de tratados internacionais de direitos humanos e outros instrumentos adotados desde 1945 expandiram o corpo do direito internacional dos direitos humanos.Eles incluem a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), entre outras.” A Declaração Universal dos Direitos Humanos. ONU. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/declaracao>. Acesso em: 31 maio 2016.No mesmo link acima você pode acessar a Declaração Universal dos direitos humanos na íntegra.

Ao tratar da história dos direitos humanos universais, Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001) aponta para as transformações econômicas e culturais, que se processam desde o final da Idade Média, como a raiz de uma concepção ocidental de mundo que coloca o homem como um ‘universal concreto’.

Partindo de Dumont, Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001) remete à noção de indivíduo como um valor que está relacionado com a ideia cristã de igualdade de todos os homens frente a Deus. Nesta concepção, que antecede à do indivíduo moderno, temos a ideia do “Indivíduo-fora-do-mundo”, ou seja, os interesses desse sujeito estavam voltados para a vida espiritual, desprezando o “mundo”.

A passagem do “Indivíduo-fora-do-mundo” para o “Indivíduo-no-mundo”, conforme Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001), se dá com a aproximação entre Estado e Igreja, que se radicaliza por volta do século VIII e se intensifica ao longo da Idade Média. Nas palavras de Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001, p. 50):

Estas condições históricas de 'gênese do individualismo' perpassam outros campos da vida social, dentre eles o campo jurídico-filosófico. Pode-se identificar em polêmicas jurídico-filosóficas durante a Idade Média o germe de um direito universal do indivíduo, baseado em um nascente 'direito subjetivo'.

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Aqui, devemos nos remeter ao nascimento do sujeito de direito que está relacionado a dois paradigmas jurídicos: o jusnaturalismo e o Positivismo Jurídico. Como aponta Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001), este debate está situado no início da era moderna. O autor ainda aponta que o jusnaturalismo procura legitimar leis e sua moralidade a partir de uma concepção de justiça apoiada em um direito natural, que deve ser encontrado com o apoio da razão; já o Positivismo Jurídico está associado à busca de um ordenamento racional de um corpo de leis, independentemente de uma legitimidade moral, mas que se apoia em fatos empíricos do fenômeno jurídico.

Permita-me um aparte nessa construção histórica que estamos fazendo aqui, para chamar a atenção da importância desse debate para a construção da noção de direitos individuais que temos hoje no Ocidente, debate esse que será fundamental para refletirmos sobre a potencialidade de universalidade de direitos, como pretende a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Chamo a atenção, portanto, para a relação entre uma concepção de indivíduo que se coaduna com certa perspectiva de direitos individuais e universais.

É na primeira metade do século XIV que há, segundo Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001), uma verdadeira revolução no direito, quando Guilherme de Occam procura fundamentar o direito de cada indivíduo a utilizar o bem que lhe é necessário, e postula que não se pode deduzir leis naturais de uma ordem ideal sem que possuam uma existência concreta. Estamos vendo aqui a delineação de uma teoria subjetiva do direito e do sujeito de direito individual. Conforme Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001, p. 51):

Temos então três poderosos vetores de inclusão do indivíduo no mundo e que, por isso, conformam o indivíduo moderno tal como o conhecemos no Ocidente: os fatores políticos, indicados por Dumont, através dos quais a Igreja passa a intervir nos assuntos mundanos, coroando reis e declarando guerras; o fator econômico, explicado por Weber, impulsionado pela crença protestante no sucesso econômico neste mundo como precondição para salvação eterna; e o fator filosófico-jurídico que introduz o indivíduo no mundo dos direitos. A combinação destes vetores, e seus desdobramentos são

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estritamente particulares à história do Ocidente, o que já introduz o problema de sua generalização para outras partes do mundo que não compartilham da mesma condição histórica.

Percebemos, assim, como foi se constituindo uma concepção de indivíduo dentro de um contexto histórico particular ao Ocidente, que se apoia em valores, como a liberdade e a igualdade. Tal concepção deve ser observada junto ao quadro de formação do Estado moderno, como trataremos no tópico seguinte.

As abordagens contratualistas dos séculos XVI e XVII são importantes para refletir sobre o valor da igualdade e da liberdade, um dos pressupostos básicos da construção do Estado. Conforme Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001), os principais contratualistas, Hobbes, Locke e Rousseau, constroem suas reflexões a partir de uma ideia de que o homem viveu em um ‘estado de natureza’. Seria durante esse ‘estado de natureza’ que o indivíduo teria vivido intensamente a liberdade, na medida em que estaria livre de quaisquer laços de subordinação, além de não ter vínculos políticos ou sociais.

Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001) ressalta que essa ideia dos contratualistas tem um caráter ideológico importante para o liberalismo, e que o recurso de pensar essa pretensa igualdade original foi um importante instrumento da burguesia europeia, em particular a francesa, para lutar contra o Antigo Regime, na medida em que a existência da nobreza pressupunha uma rígida hierarquia.

Esse contexto econômico, político, jurídico, filosófico e social vai culminar na Revolução Francesa, com forte participação dos iluministas. Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001) lembra que, em 1789, temos a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que é expressão da ruptura com os privilégios estamentais do Antigo Regime.

Lembrem-se de que é nesse momento histórico que surge o lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade. É importante citar ainda a noção presente no jusnaturalismo e sua busca por uma ideia de justiça moral que deve ser posta a todos os homens e Estados, na medida em que seria próprio da natureza humana. Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001) aponta que os ideais da Revolução Francesa se amparam, em alguma medida, nesse pressuposto, ou seja, a vida deve ser submetida à lei natural, e é nesse pressuposto que o Estado burguês nascente vai legitimar suas pretensões universalizantes.

1.2 Os direitos humanos e o Estado moderno

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Fonte: <http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2007/06/revolucao-francesa.jpg>. Acesso em: 31 maio 2016.

Figura 3.1 | A queda da Bastilha

É interessante que, ao mesmo tempo que se apoiou em pressupostos jusnaturalistas, a Revolução Francesa também promoveu condições para o Positivismo Jurídico, como diz Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001, p. 54):

1LAFER, Celso. A Reconstrução dos direitos humanos, um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

2BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. Brasília: UnB, 1997.

Porém, o mesmo constitucionalismo, nascido na Revolução Francesa, e afirmado como condição de civilidade levou a um processo crescente de secularização, sistematização, positivação e, principalmente, historicização do direito, responsáveis pela erosão do Direito Natural. Celso Lafer situa a substituição deste pela Filosofia do Direito no final do século XVIII; na mesma direção Bobbio indica o fim do século XVIII como o marco da convergência das críticas ao direito natural, operadas pelo utilitarismo na Inglaterra, pelo positivismo na França e pelo historicismo na Alemanha. (LAFER, 1998 p. 16, BOBBIO, 1997, p. 24 apud SOUSA, 2001, p. 54)

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A junção desses aspectos, conforme Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001, p. 54), implicou no processo da “busca de universalização do um modelo normativo proposto pelo ideário político-revolucionário francês”. É a escola historicista alemã que vai se preocupar pela primeira vez, segundo o autor, com a diversidade histórica dos direitos. É nesse quadro que temos a reflexão sobre um dos grandes dilemas do direito moderno, qual seja: o universalismo versus o particularismo.

A relação entre universal e particular é um tema caro à Antropologia, o que nos leva ao aprofundamento do diálogo com essa área de conhecimento. Desde seu início, no final do século XIX e começo do XX, a Antropologia se deparou com essa reflexão quando se debruçou sobre a investigação de sociedades não ocidentais.

Ao se deparar com diferentes modos de vida e de organização social, a Antropologia privilegiou tanto a busca por Universais, como no caso das teorias evolucionistas que entendiam haver uma única cultura em diferentes estágios de evolução, apoiando-se numa concepção positivista e linear da análise histórica, quanto em abordagens relativistas, se dedicando ao entendimento do Particular, como no caso do Culturalismo americano, que chamava atenção para a necessidade de investigação da história particular de cada cultura sob análise.

1.3 Universal versus particular

Para uma excelente introdução ao pensamento Antropológico, ver:LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 2000.

Em outros termos, podemos falar também da relação entre igualdade e diferença, ou ainda, em processos de assimilação do diferente a um corpo moral que se coloque como hegemônico. Conforme Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001), a ordem liberal emergente no bojo da Revolução Francesa entende que a diferença é equivalente à desigualdade; nesse modelo, a incorporação da diferença implica o apagamento de atributos culturais que marcam a particularidade de certo grupo cultural/social.

Nessa linha de pensamento, não podemos deixar de nos referirmos a Boaventura de Sousa Santos (1997), que traz uma reflexão muito interessante sobre a relação entre direitos humanos e multiculturalismo. Note que até o momento discutimos a história dos direitos humanos e a maneira como ele foi se consolidando tomando o indivíduo como centro e como sujeito de direitos. O problema é que esses direitos

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que se propõem como universais se construíram tomando como base um corpo de valores próprios às sociedades ocidentais, particularmente da Europa. O desafio que nos deparamos, portanto, é o de relacionar esse corpo normativo às diferentes sociedades e culturas. É isso que discutiremos no próximo tópico.

Qual o papel que os direitos humanos têm exercido no mundo contemporâneo? Em que medida ele pode ser uma ferramenta de emancipação social? Os direitos humanos têm ajudado a melhorar a vida das pessoas em todo o mundo? O lugar que os direitos humanos ocupam é o mesmo em qualquer país do globo, nos países centrais e nos países em desenvolvimento? São essas perguntas que vão orientar nossa reflexão nas próximas páginas.

Temos discutido acerca de uma dificuldade própria de qualquer política ou norma que se queira universal, o fato de vivermos em meio a tanta diversidade, seja entre Estados nacionais ou no interior de um Estado-nação qualquer, nos impõe uma dificuldade inicial. É nesse contexto que nos deparamos com o debate da relação entre o universal e o particular, ou entre o global e o local, as reflexões acerca da globalização nos ajudam nesse debate.

E o que é a globalização? Santos (1997) lembra que é difícil defini-la, algumas vezes ela é definida pela perspectiva econômica, no contexto da nova economia mundial com o crescimento da transnacionalização da produção e dos mercados financeiros. O autor, no entanto, prefere ressaltar as dimensões sociais, políticas e culturais. Nas palavras de Santos (1997, p. 14):

1.4 Direitos humanos e multiculturalismo

Aquilo que habitualmente designamos por globalização são, de fato, conjuntos diferenciados de relações sociais; diferentes conjuntos de relações sociais dão origens a diferentes fenômenos de globalização. Nestes termos, não existe estritamente uma entidade única chamada globalização; existem, em vez disso, globalizações; em rigor, este termo só deveria ser usado no plural. Qualquer conceito mais abrangente deve ser de tipo processual e não substantivo. Por outro lado, enquanto feixes de relações sociais, as globalizações envolvem conflitos e, por isso, vencedores e vencidos. Frequentemente, o discurso sobre globalização é a história dos vencedores contada pelos próprios.

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E o autor finalmente conclui que a globalização deve ser pensada como um processo “[...] pelo qual determinada condição ou entidade local estende sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival” (SANTOS, 1997, p. 14).

Uma das características mais marcantes da globalização, afirma Santos (1997), é a compressão tempo-espaço, que se refere à aceleração de processos sociais e sua difusão pelo globo. O importante é notar que esse processo não acontece de modo arbitrário, mas responde a determinadas relações de poder, pois, segundo o autor, a classe capitalista transnacional transforma essas relações espaço-temporais a seu favor, enquanto classes e grupos subordinados – trabalhadores, migrantes e refugiados, por exemplo.

Assista ao filme documentário sobre Milton Santos, importante geógrafo brasileiro, sobre a globalização.Encontro com Milton Santos ou O mundo global visto do lado de cá. Direção: Silvio Tendler. Brasil: Distribuidora: Caliban Produções Cinematográficas Ltda, 2006. 89 minutos.

É importante não deixar de notar que estamos falando aqui de globalização para aprofundarmos a reflexão sobre a relação entre universal e particular, debate esse que é central para pensarmos no processo de universalização dos direitos humanos, que muitas vezes se impõem em relação a determinadas realidades locais. No que se refere à relação entre globalização e cultura, vale a pena refletir sobre os aspectos socioculturais que influenciam nossa realidade graças à aceleração provocada pelos novos meios de comunicação. Pense na importância que tem, hoje, na sociedade brasileira, o fast-food, um modelo de alimentação que vem de fora e que passa a fazer parte de nosso cotidiano. Pense também nas músicas e filmes que dominam nossos cinemas e televisores, de onde eles vêm? Será que nossa comida, nossa música e nosso cinema têm a mesma importância para outras sociedades? Faça a mesma relação para os direitos: será possível?

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Em coerência à ideia de que a globalização deve ser tratada de modo plural, Santos (1997) distingue quatro modos de produção da globalização, são eles: 1) o localismo globalizado; 2) o globalismo localizado; 3) cosmopolitismo; 4) patrimônio comum da humanidade. Vamos examinar cada um desses aspectos.

Em relação ao localismo globalizado, Santos (1997) explica que o conceito se refere ao processo de expansão pelo globo de determinada característica local, por exemplo, a transformação da língua inglesa em língua franca, a globalização do fast- food e do cinema americanos, a atividade mundial das multinacionais, e assim por diante.

O globalismo localizado, segundo o autor, remete ao impacto de práticas internacionais em realidades locais, que podem promover a reestruturação ou desestruturação de certas condições. Como exemplo, Santos (1997, p. 16-17) destaca:

Enclaves de comércio livre ou zonas francas; desflorestação e destruição maciça dos recursos naturais para pagamento da dívida externa; uso turístico de tesouros históricos, lugares ou cerimônias religiosas, artesanato e vida selvagem; dumping ecológico ('compra' pelos países do Terceiro Mundo de lixos tóxicos produzidos nos países capitalistas centrais para gerar divisas externas); conversão da agricultura de subsistência em agricultura para exportação como parte do 'ajustamento estrutural'; etnização do local de trabalho (desvalorização do salário pelo fato de os trabalhadores serem de um grupo étnico considerado 'inferior' ou 'menos exigente').

Nesse contexto, destaca Santos (1997), os países centrais tornaram-se os principais agentes do localismo globalizado, enquanto os países periféricos ficam reféns do globalismo localizado. Mas para além desses dois processos destacados, temos outras relações sociais que escapam a essas definições preliminares.

Um desses processos, Santos (1997) define como cosmopolitismo. Segundo o autor, há espaços que permitem aos países periféricos defenderem interesses comuns, assim, se valem do sistema de relações transnacionais para se organizarem e estabelecerem diálogos. Como exemplo, o autor cita, entre outros: as organizações mundiais de trabalhadores (Federação Mundial de Sindicatos e Confederação Internacional dos Sindicatos Livres); organizações Sul-Sul; redes internacionais de assistência jurídica; organizações transnacionais de direitos humanos; redes mundiais de movimentos feministas; associações ecológicas e de desenvolvimento alternativo.

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Dicas de filmes: dois filmes podem ser ilustrativos desse debate: “Babel” e “Crash: No limite”.Babel mostra como um fato ocorrido no Marrocos, com um casal de norte-americanos, que traz implicações em vários lugares do mundo. O filme trata das diferenças e das discriminações em torno do outro.Crash: No limite: é um filme que fala de racismo e violência.

“Babel”. Título Original: Babel. País de Origem: EUA / México. Gênero: Drama. Classificação etária: 16 anos. Tempo de Duração: 143 minutos. Ano de Lançamento: 2006.<http://www.adorocinema.com/filmes/filme-20151>. Estúdio/Distrib.: Paramount Pictures. Direção: Alejandro González Iñárritu. “Crash: No limite”. Título Original: Crash. País de Origem: EUA / Alemanha. Gênero: Suspense. Classificação etária: 14 anos. Tempo de Duração: 122 minutos. Ano de Lançamento: 2004. Site Oficial: <http://www.crashfilm.com>. Estúdio/Distrib.: Imagem Filmes. Direção: Paul Haggis.

Outro ponto que escapa ao localismo globalizado e ao globalismo localizado é o que Santos (1997) define como patrimônio comum da humanidade. Neste caso, acentuam-se temas que só fazem sentido se pensado em sua relação com todo o planeta, como exemplo, temos questões relativas à sustentabilidade da vida humana na Terra; a temas ambientais, como proteção da camada de ozônio; à preservação da Amazônia, da Antártida, da biodiversidade e dos oceanos. Percebemos, assim, que são temas que se referem a toda a humanidade e às gerações futuras.

A partir disso, podemos sugerir que há um campo produtivo de lutas, resistências e coligações em torno das ideias do cosmopolitismo e do patrimônio comum da humanidade. Desse modo, Santos (1997) aponta que a globalização é um conjunto de lutas transfonteiriças. Daí sua distinção entre localismo globalizado e globalismo localizado como uma globalização de-cima-para-baixo ou globalização hegemônica, e do cosmopolitismo e do patrimônio comum da humanidade como globalizações de-baixo-para-cima.

O interessante para nossa discussão sobre os direitos humanos é que Santos (1997) demonstra que os direitos humanos podem ser concebidos tanto como localismo globalizado quanto como cosmopolitismo, ou seja, podem ser tratados no âmbito de uma globalização hegemônica, mas também como uma globalização contra-hegemônica. Nas palavras do autor:

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A minha tese é que, enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado – uma forma de globalização de-cima-para-baixo. Serão sempre um instrumento do 'choque de civilização' tal como o concebe Samuel Huntington (1993), ou seja, como arma do Ocidente contra o resto do mundo ('the West against the rest'). A sua abrangência global será obtida à custa da sua legitimidade local. Para poderem operar como forma de cosmopolitismo, como globalização de-baixo-para-cima ou contra-hegemônica, os direitos humanos têm de ser reconceitualizados como multiculturais (SANTOS, 1997, p. 18-19).

Aqui, é interessante definirmos a importância do multiculturalismo na aplicação dos direitos humanos. Para Santos (1997), o multiculturalismo é fundamental para que haja equilíbrio nas relações globais, ou seja, que seja mutuamente potencializadora da competência global e para ter legitimidade local. Para o autor, essas são condições fundamentais para uma globalização contra-hegemônica e de garantia dos direitos humanos.

A questão é que, segundo Santos (1997), os direitos humanos não são universais em sua aplicação. Lembra o autor que todas as culturas têm uma tendência a considerar seus próprios valores como os mais abrangentes, mas é uma característica ocidental a busca pela universalização de seus valores. Nesse sentido, a questão da universalidade é uma particularidade, uma especificidade da cultura ocidental.

Vale a pena recorrermos mais uma vez ao autor para uma descrição precisa sobre os valores ocidentais que orientam o conceito de direitos humanos:

O conceito de direitos humanos num bem conhecido conjunto de pressupostos, todos eles tipicamente ocidentais, designadamente: existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente; a natureza humana é essencialmente diferente e superior à restante realidade; o indivíduo possui uma dignidade absoluta e irredutível que tem de ser defendida da sociedade ou do Estado; a autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não hierárquica, como soma de indivíduos livres (PANIKKAR, 1984, p. 30 apud SANTOS, 1997, p. 19).

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Percebam que tais características não são, necessariamente, encontradas em outras culturas, portanto, a concepção sobre o que é dignidade humana pode variar, e é nesse sentido que podemos questionar a universalidade dos direitos humanos. Ou seja, se quisermos discutir dignidade e igualdade em todos os contextos sociais, temos que ter um olhar relativizador para os direitos humanos.

Vamos discutir isso na próxima seção, que versará sobre as alternativas para pensarmos a funcionalidade dos direitos humanos como ferramenta emancipadora em contextos sociais que não são idênticos ao do europeu.

1. Qual é a relação entre os direitos humanos e a noção de indivíduo?

2. Por que podemos associar a ideia de multiculturalismo e direitos humanos?

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Seção 2

Dignidade, igualdade humana e direitos humanos

Olá! Nessa seção, vamos aprofundar o debate sobre as diferentes concepções existentes no planeta, e sobre questões básicas para se definir se uma sociedade é justa e igualitária, ou desigual. Para falar sobre isso, devemos nos fazer algumas perguntas centrais, tais como: o que é dignidade? Quais são os fatores mais importantes para a garantia de uma boa vida? O que é justiça? Vamos levantar algumas reflexões sobre essas perguntas. Espero que aproveite a leitura!

Para iniciarmos esta seção, é preciso destacar, desde o início, a partir da exposição de Santos (1997), que o discurso ocidental-liberal, caracteristicamente ocidental, foi fartamente utilizado pelos países centrais (leia-se Europa e Estados Unidos) para defender interesses próprios. Exemplos dessa prática é que a Declaração Universal de 1948 foi elaborada sem a participação da maior parte dos povos do mundo; foram reconhecidos quase que exclusivamente os direitos individuais, sendo que os únicos direitos sociais reconhecidos são os direitos coletivos à autodeterminação – quando um grupo social pode se declarar como pertencente a um grupo étnico, por exemplo: o direito aos povos indígenas brasileiros de se autodeterminarem como pertencentes à etnia x ou y −, mas, ainda assim, restrito aos povos subjugados pelo colonialismo europeu; houve a priorização dos direitos cívicos e políticos em detrimento dos direitos econômicos, sociais e culturais; entre os direitos econômicos, houve acentuada atenção ao direito à propriedade.

Porém, como destaca Santos (1997), milhares de ONGs e milhões de pessoas vêm lutando pela igualdade e dignidade humanas ao se contraporem à hegemonia dos países centrais e resistindo ao lado de classes sociais e grupos oprimidos. Nesse contexto, ressalta o autor, outras concepções de direitos humanos não ocidentais foram propostas a partir de um diálogo intercultural.

Introdução à seção

2.1 Direitos humanos e diversidade cultural

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E quais caminhos podem ser percorridos para que os direitos humanos se tornem, cada vez mais, ferramenta de promoção da igualdade e dignidade humanas? Santos (1997) parte da ideia de que o primeiro passo é superar o debate sobre universalismo e relativismo cultural. Para o autor, seria preciso encontrar um meio termo entre o universalismo e o relativismo cultural. Contra o universalismo seria necessário intensificar os diálogos interculturais, e contra o relativismo seria preciso produzir uma política progressista em busca da emancipação.

Dois conceitos importantes para a Antropologia contribuem para o entendimento de nosso debate: a ideia de Etnocentrismo e Relativismo Cultural.Etnocentrismo: é quando indivíduos de uma sociedade tendem a avaliar e julgar outra cultura – ou outro grupo social no interior de sua própria cultura − a partir de suas próprias referências do que é certo e errado, do que é aceitável ou não.Relativismo Cultural: é o exercício de procurar entender, ou interpretar, uma cultura ou um grupo social, prestando atenção em como eles se expressam em suas práticas sociais.

Dessa forma, aponta Santos (1997), torna-se fundamental que o diálogo intercultural não se torne uma disputa entre valores culturais, nesse sentido, busca-se uma espécie de denominador comum no diálogo transnacional. Não podemos perder de vista que todas as culturas possuem certa concepção do que é dignidade humana, mas, como coloca o autor, nem todas a concebem como direitos humanos. Destaca-se ainda que, apesar de diferentes concepções, é preciso identificar se elas não apontam para preocupações e aspirações semelhantes, o que facilitaria o diálogo.

Outro ponto central, de acordo com Santos (1997), é que todas as culturas são incompletas. Para o autor, essa qualidade é inescapável, na medida em que temos uma pluralidade de culturas e, se todas as culturas fossem tão completas, existiria apenas uma. É mais fácil perceber essa incompletude em outra cultura, já que a percepção de uma falta em si mesmo é sempre mais difícil. Esse é um elemento central, pois, ao passo que as culturas tomem consciência de sua incompletude, será mais fácil a construção de uma concepção multicultural de direitos humanos.

A questão fica ainda mais complexa se pensarmos que em todas as culturas as pessoas estão distribuídas em princípios hierárquicos, que podem ser divididos em igualdade e diferença. Conforme Santos (1997), o princípio da igualdade atua através de hierarquias entre grupos relativamente homogêneos, como acontece,

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por exemplo, entre classes sociais (no sentido de estratos socioeconômicos) e na diferenciação entre nativo/estrangeiro. Já a ideia de diferença remete às hierarquias que se estabelecem entre etnias; raças; sexo; orientação sexual; gênero; religiões.

Percebemos, assim, que há uma ampla gama de dificuldades a serem superadas na instrumentalização dos direitos humanos como ferramenta para a diminuição das desigualdades e o alcance de modelos de vida que respeitem a dignidade humana em todas as partes. Aprofundaremos esse debate no próximo tópico.

Quando falamos em diálogo intercultural, devemos ter em mente, alerta Santos (1997), que estamos tratando de trocas entre diferentes saberes de diferentes culturas, ou seja, são universos de sentido, muitas vezes, completamente diversos e, em alguns casos, incompatíveis. Para exemplificar a dificuldade dessa relação, vamos ver alguns exemplos: vamos comparar algumas características centrais do dharma da cultura hindu, ou da umma na cultura islâmica, com os direitos humanos na cultura ocidental.

O dharma dá sustentação e coesão a uma determinada coisa, ou à própria realidade, segundo Panikkar4 apud Santos (1997, p. 24), nessa concepção:

2.2 Direitos humanos e diálogo intercultural

4PANIKKAR, op. cit.

A justiça dá coesão às relações humanas; a moralidade mantém a pessoa em harmonia consigo mesma; o direito é o princípio do compromisso nas relações humanas; a religião é o que mantém vivo o universo; o destino é o que nos liga ao futuro; a verdade é a coesão interna das coisas... Um mundo onde a noção de Dharma é central e quase omnipresente não está preocupado em encontrar o 'direito' de um indivíduo contra outro ou do indivíduo perante a sociedade, mas antes em avaliar o caráter dharmico (correto, verdadeiro, consistente) ou adharmico de qualquer coisa ou ação [...].

Podemos perceber, como aponta Santos (1997), que se pensarmos a partir do ponto de vista do dharma, os direitos humanos são incompletos, já que não fazem a ligação entre a parte (indivíduo) e o todo (o cosmos), pois nessa perspectiva o indivíduo está subordinado à sociedade, diferente do modelo ocidental que se pauta numa relação entre direitos e deveres individuais, ou seja, só têm direitos os indivíduos que cumprem deveres. Se só são garantidos direitos de quem pode ser

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cobrado o exercício de deveres, criamos uma dificuldade na garantia de direitos às futuras gerações, bem como a natureza também não possui direitos.

Fonte: <http://www.telegraph.co.uk/travel/destinations/asia/india/galleries/Steve-McCurrys-India/mccurry6/>. Acesso em: 21 set. 2016.

Figura 3.2 | Festival Holi, Rajasthan, Índia. 1996 (mais conhecido como festival das cores)

Dito de outro modo, no Ocidente, o direito produz uma relação em que a sociedade funciona para garantir a existência do indivíduo como tal, enquanto que, na sociedade indiana, o indivíduo está subordinado ao interesse de a sociedade se manter como tal. Mas isso também aponta para um problema de completude em relação ao dharma, se visto do ponto de vista dos direitos humanos. Como mostra Santos (1997), o dharma acaba por negligenciar o indivíduo, que pode ser facilmente subjugado. Há, neste contexto, enorme dificuldade em se garantir princípios democráticos, a liberdade e autonomia do indivíduo. Além disso, o dharma, ao negligenciar os indivíduos, não percebe que é ele quem sofre, e não a sociedade.

Outro exemplo que podemos utilizar para reflexão é o umma na cultura islâmica, que tem significados variados, dificultando uma definição precisa. Entretanto algumas afirmações podem ser feitas, nas palavras de Santos (1997, p. 25):

O conceito de umma refere-se sempre a entidades étnicas, linguísticas ou religiosas de pessoas que são objeto do plano divino de salvação. À medida que a atividade profética de Maomé foi progredindo, os fundamentos religiosos da umma tornaram-se cada vez mais evidentes e, consequentemente, a

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umma dos árabes foi transformada na umma dos mulçumanos. Vista a partir do topo da umma, a incompletude dos direitos humanos individuais reside no fato de, com base neles, ser impossível fundar os laços de solidariedade coletivas sem as quais nenhuma sociedade pode sobreviver, e muito menos prosperar. Exemplo disto mesmo é a dificuldade da concepção ocidental de direitos humanos em aceitar direitos coletivos de grupos sociais ou povos, sejam eles minorias étnicas, as mulheres, as crianças ou os povos indígenas.

Já do ponto de vista dos direitos humanos, afirma Santos (1997), a umma enfatiza muito mais os deveres em detrimento dos direitos; ela tende a perdoar desigualdades, como as que ocorrem entre homens e mulheres e entre muçulmanos e não muçulmanos.

A comparação entre umma/direitos humanos e dharma/direitos humanos nos coloca, conforme Santos (1997), as seguintes questões: a cultura ocidental expressa nos direitos humanos estabelece uma dicotomia demasiada entre indivíduo e sociedade, o que pode acarretar em individualismo exacerbado, individualismo possessivo, narcisismo, alienação e anomia. Assim como, tanto entre os hindus quanto na cultura islâmica, não há o reconhecimento que o sofrimento humano tem uma dimensão individual irredutível.

É nesse sentido que um diálogo intercultural deve partir do reconhecimento das culturas de suas incompletudes. Segundo Santos (1997, p. 30, grifo do autor):

Uma vez que todas as culturas tendem a distribuir pessoas e grupos de acordo com dois princípios concorrentes de igualdade e diferença, as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza.

Tratamos, nas últimas linhas, das diferenças entre fundamentos básicos de grandes culturas e da dificuldade em efetivarmos um diálogo intercultural. Nesse último trecho destacado na citação acima, temos o alerta de Boaventura de Sousa Santos (1997) sobre a importância de pensarmos no reconhecimento das diferenças como um elemento fundamental para garantia de uma cidadania plena. No próximo item dessa seção, vamos aprofundar a reflexão sobre a relação entre minorias, diferenças e direitos humanos.

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Nesta unidade, temos feito uma crítica cuidadosa ao princípio de universalidade de um modelo de pessoa, que é o indivíduo moderno. Neste segundo momento, a crítica passa a ser realizada não somente à ideia da dificuldade de universalização do indivíduo, mas também de tomar como importante as questões relacionadas à alteridade, na medida em que incorporaremos a análise da relação entre minorias sociais e direitos humanos. Acompanharemos a crítica de Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001), que aponta a importância de levar em conta a crítica pós-colonial, que acentua a utilização da diferença como reivindicação legítima de autonomia dos grupos minoritários, especialmente no Terceiro Mundo.

2.2 Minorias e o direito à diferença

Minoria é um conceito que se refere aos grupos sociais de menor poder em uma dada sociedade. Dessa forma, não se refere a uma questão numérica, mas a uma questão social.

Trataremos, portanto, da luta de grupos sociais por direitos culturais, que não se resume à garantia do direito à diferença, como mostra Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001), mas na procura de legitimidade da própria diferença. Nesse tipo de reivindicação temos a busca pela legitimidade de um tipo diferente de sujeito de direitos tratado até aqui, qual seja: o sujeito coletivo de direito. Perceba que estamos falando de uma busca de direitos mais ampla do que aquele fundado no sujeito de direito individual. Nas palavras do autor:

Ao invés do indivíduo do liberalismo, trata-se agora de minorias culturais, étnicas, raciais, sociais ou de gênero, as quais reclamam direitos para seus respectivos grupos. O objeto de disputa de direitos também é peculiar: o direito a uma identidade cultural autêntica e a um processo de subjetivação autônoma, isto é, formação de identidades possíveis, baseadas em critérios valorativos próprios. Esta nova configuração social apresenta-se como um desafio ao campo jurídico, que deve enfrentar os impasses engendrados pela contraposição dos sujeitos de direitos coletivos versus sujeito de direito individual (SOUSA apud NOVAES; LIMA, 2001, p. 61).

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A questão é de difícil resolução, pois, conforme Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001), o artigo II, da Declaração de Direitos Humanos de 1948, ao proteger a dignidade humana, aponta para a igualdade de direitos dos indivíduos e condena todo tipo de distinção de sexo, língua, raça, religião, opinião política etc., e assim garante que os indivíduos não sejam subjugados por tais características, o problema é que, ao mesmo tempo, não percebe integralmente a diferença em sua natureza coletiva e social. Ou seja, protege a diferença somente como um atributo do sujeito-indivíduo isolado.

Como bem mostra Sousa (apud NOVAES; LIMA, 2001), o problema é que a igualdade não é, efetivamente, um dado, mas algo que se constrói no interior de instituições políticas – isso no que se refere à esfera do Estado −, colocando em diálogo, portanto, Estado e minorias, sejam elas étnicas, culturais, raciais, sociais ou de gênero.

O que acontece com as minorias é que, muitas vezes, os sujeitos a elas identificados carregam estigmas que os colocam em uma espécie de cidadania de “segunda classe”, tendo dificuldades estruturais para garantia de igualdade efetiva na sociedade.

A questão da relação conflituosa, no que toca aos direitos humanos, entre Estado e grupos sociais minoritários, se torna mais evidente quando consideramos os grupos nativos dos diversos países que passaram por processos de colonização.

Historicamente, em diferentes continentes, como África e América, houve um processo de tentativa de assimilação cultural das populações nativas; tal processo produz um esforço de apagamento das especificidades culturais – como língua, religião, modo de organização social − ao impor os princípios ideológicos e de produção material das sociedades colonizadoras.

A política indigenista brasileira, até a Constituição de 1989, propôs a assimilação das sociedades indígenas. Tais procedimentos constitucionais acompanhavam a teoria social positivista do começo do século XX, que anunciava o fim das populações tradicionais de todo o mundo, seja através de um processo de genocídio, ou através da aculturação.

2.3 Os direitos humanos e as minorias no Brasil: a questão indígena

Um dos melhores instrumentos para se obter informações sobre os povos indígenas no Brasil é o site do Instituto Socioambiental (ISA). Como

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exemplo, os dados a seguir: “Em pleno século XXI a grande maioria dos brasileiros ignora a imensa diversidade de povos indígenas que vivem no país. Estima-se que, na época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000 povos, somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Atualmente encontramos no território brasileiro 235 povos, falantes de mais de 180 línguas diferentes.Os povos indígenas somam, segundo o Censo IBGE 2010, 817.963 pessoas. Destas, 315.180 vivem em cidades e 502.783 em áreas rurais, o que corresponde aproximadamente a 0,42% da população total do país.A maior parte dessa população distribui-se por milhares de aldeias, situadas no interior de 674 Terras Indígenas, de norte a sul do território nacional”.Instituto Socioambiental. Povos Indígenas. Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quem-sao/povos-indigenas>. Acesso em: 22 set. 2016.

O positivismo considerava as populações nativas como espécies de “seres da idade da pedra” que não contribuíam com a sociedade, pois não produziam mercadorias de maneira adequada aos ideais de progresso predominante na época. Tais grupos e indivíduos poderiam se tornar úteis para a sociedade ao serem assimilados na sociedade envolvente.

Ao longo da história, a política indigenista brasileira passou por diferentes modelos de integração dos povos indígenas: 1) aldeamentos religiosos no período colonial; 2) aldeamentos no período imperial; 3) postos e parques indígenas criados pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) (o SPI existiu de 1910 a 1967, quando foi substituído pela Funai); 4) terras e áreas indígenas criadas pela Funai. Dessa forma, os índios seriam aldeados, temporariamente, em grandes terras, para num segundo momento, quando não precisassem mais de terras com o processo de integração e emancipação, seriam organizados em pequenas propriedades individuais com uma nova maneira de trabalhar a terra.

Como demonstra Cordeiro (1999), no plano do direito internacional, a questão indígena é tratada pela primeira vez em 1949, no âmbito das Nações Unidas, quando a Assembleia Geral pediu que fosse realizada uma pesquisa sobre a situação das populações indígenas da América.

Conforme Cordeiro (1999, p. 109), foi com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que se elaborou o primeiro instrumento jurídico internacional a tratar os direitos coletivos das populações indígenas. Nas palavras do autor:

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Em 1957, reagindo a um número crescente de informes sobre a discriminação nas relações laborais, a Organização Internacional do Trabalho aprovou a Convenção nº 107 sobre Populações Indígenas e outras Populações Tribais e Semitribais em Países Independentes. [...] Ao todo, 27 países tornaram-se parte da Convenção, dentre os quais 14 países latino-americanos. Em 1986 teve início o processo de revisão parcial da Convenção, com o propósito de escoimá-la do enfoque integracionalista de seu texto, já então incompatível com as aspirações das populações indígenas e com a evolução do pensamento antropológico em favor de posições que valorizam a preservação da diversidade cultural. Desse exercício resultou a aprovação em 1989 da Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes.

Esse é um instrumento importante para a proteção internacional dos direitos indígenas. Some-se à Convenção nº 169 outros instrumentos normativos vinculados à Declaração Universal dos Direitos Humanos, tais como: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção para a Prevenção e Sanção do Crime de Genocídio; a Convenção contra a Discriminação na Educação (Unesco).

Cordeiro (1999) também ressalta, no plano das Nações Unidas, a Agenda 21, ratificada pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992; e a Declaração e Programa de Ação de Viena, resultado da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em 1993.

Ainda conforme Cordeiro (1999), estima-se que, no mundo todo, as populações indígenas e tribais somem cerca de 300 milhões de pessoas; destas, de 30 a 40 milhões vivem no continente americano. Neste contexto, há uma diversidade imensa de culturas, o que dificulta a construção de conceitos capazes de abarcar a totalidade desses povos, daí conceitos genéricos, como: indígenas, aborígenes, autóctones, grupos tribais e populações nativas.

Para além da diversidade cultural desses povos, é possível encontrar características particulares comuns. Como mostra Cordeiro (1999), esses grupos mantêm modos de vida que os diferenciam dos padrões hegemônicos das sociedades nacionais, como uma relação mítica com a terra e, em muitos casos, a preservação da língua nativa; essas culturas são reconhecidas como culturas autônomas e diferenciadas.

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Ponto fundamental de reconhecimento da autonomia e diferenciação dessas culturas é o conceito de autodeterminação, segundo o qual índio é todo sujeito que se define como tal e é reconhecido pela comunidade indígena como pertencente ao grupo. Esse conceito é tratado da seguinte forma por Cordeiro (1999, p. 116-117), ao tratar do processo de identificação desses grupos:

Os exercícios de definição apoiam-se em última análise em critérios subjetivos de autoafirmação e reconhecimento, ou seja, grupos indígenas são os que se consideram como tais e são dessa forma reconhecidos pela sociedade envolvente. Os elementos objetivos de definição não conseguem ser mais do que meramente aproximativos [...]. Tão difícil quanto encontrar uma definição operacional que se acomode à imensa variedade de situações, é a questão de definir, no plano internacional, os direitos específicos que devem ser reconhecidos essas populações.

A partir disso, Cordeiro (1999) levanta a questão das possibilidades de reconhecimento dessas populações como sujeito de direitos no plano internacional. O debate em torno do direito internacional pontua dois grandes pontos: tratar essas populações como povos ou como minorias.

Tratar essas populações como povos com direito à autodeterminação, em tese, poderia provocar questionamentos sobre o direito desses grupos constituírem unidades políticas independentes com completa autonomia sobre os recursos naturais de seus territórios, porém, como bem aponta Cordeiro (1999, p. 119-120), a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (1993) indica que:

O exercício do direito à autodeterminação dos povos não deverá ser entendido como uma autorização ou estímulo a qualquer ação que possa desmembrar ou prejudicar, total ou parcialmente, a integridade territorial ou a unidade política de Estados Soberanos e independentes que se conduzam de acordo com o princípio da igualdade de direitos e autodeterminação dos povos e que possuam assim um governo representativo do povo como um todo, pertencente ao território, sem qualquer tipo de distinção.

Dessa forma, conseguiu-se manter o direito dos povos à autodeterminação sem colocar em risco a unidade política dos Estados. Já em relação à associação dos

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povos indígenas às minorias sociais, nos leva a outro problema. Ao menos em tese, como nos diz Cordeiro (1999, p. 120):

[...] tratar as populações indígenas como minorias implica, em princípio, negar-lhes a existência de direitos coletivos. Isso porque, no direito Internacional Positivo, os direitos das minorias étnicas, religiosas e linguísticas têm dimensão individual: são direitos das pessoas pertencentes a minorias, gozados em comunidade com os demais membros do grupo, mas que não podem ser coletivamente invocados perante o Estado. Essa é a interpretação que deriva do artigo 27 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Conforme demonstra Cordeiro (1999), a questão relativa aos direitos indígenas ganha especificidade própria nesse contexto. Desse modo, esses grupos não se confundem com a questão das minorias, mesmo tendo vários pontos de contato com a questão em termos conceituais.

É uma demanda das populações indígenas e das organizações que as representam o direito à autodeterminação (contemplado em nossa Constituição). Devemos notar que os direitos reivindicados por essas populações só fazem sentido dentro do rol dos direitos coletivos, como da posse coletiva das terras tradicionalmente ocupadas.

Assim, como demonstra Cordeiro (1999), o princípio da autodeterminação remete ao reconhecimento da participação política e da possibilidade de as populações indígenas participarem das decisões de seu interesse. Não se confunde a autodeterminação com a reivindicação de soberania externa, mas sim à autogestão e a diferentes graus de autonomia para a manutenção da identidade cultural.

No que toca à legislação brasileira sobre o tema, podemos afirmar que a questão indígena teve a atenção merecida apenas com a Constituição de 1988, na qual, pela primeira vez, temos um capítulo específico para a questão indígena, garantindo-lhes direitos coletivos e afastando a perspectiva assimilacionista.

A seguir, temos o Capítulo VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que trata dos índios: DOS ÍNDIOSArt. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que

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tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

Araújo e Leitão (2002) destacam que, desde a Constituição de 1988, os índios passam a ter capacidade processual, cabendo ao Ministério Público intervir em sua defesa e à Justiça Federal o julgamento das questões indígenas. Além disso, também se intensifica o debate sobre a necessidade de reformular o Estatuto do Índio, que é de 1973.

O Estatuto do Índio ainda mantém as noções de Tutela e Assimilação já superados pela Constituição. Araújo e Leitão (2002), apontam que, desde 1991, há projetos de lei para a substituição do Estatuto do Índio, porém, desde 1995, o debate em torno

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da questão está parado. Parte da discussão que se refere à reformulação do Estatuto passa pelo debate da Tutela, isso é o que garante a presença constante da Funai, como órgão representante do Estado nessa questão. O Congresso Nacional ratificou a Convenção 169, da OIT, em 2002, reafirmando o afastamento dos princípios de assimilação e aculturação desses povos.

Devemos notar que, em nossa sociedade, são tutelados, por exemplo, as crianças e os loucos. Isso nos coloca uma questão importante acerca da legitimidade da tutela dos povos indígenas. Você considera necessário esses povos serem mantidos em tutela, ou deveriam ser autônomos nas suas tomadas de decisão?

São inegáveis os avanços legislativos que tratam da questão indígena no Brasil. Araújo e Leitão (2002) lembram que o Novo Código Civil de 2001 retira o termo de relativamente incapaz ao se referir aos índios, e diz que a questão indígena deve ser tratada por código específico, por isso a necessidade de um novo Estatuto do Índio que se adeque aos preceitos internacionais de construção de autonomia dos povos indígenas.

1. Vimos, ao longo dessa seção, que todas as culturas são incompletas, o que nos remete para a discussão da necessidade de diálogo intercultural para a construção dos direitos humanos. Comente sobre o assunto.

2. Considere a citação a seguir: “Ainda conforme Cordeiro (1999), estima-se que, no mundo todo, as populações indígenas e tribais somem cerca de 300 milhões de pessoas; destas, de 30 a 40 milhões vivem no continente americano. Neste contexto, há uma diversidade imensa de culturas, o que dificulta a construção de conceitos capazes de abarcar a totalidade desses povos, daí conceitos genéricos, como: indígenas, aborígenes, autóctones, grupos tribais e populações

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nativas”. Analise as afirmações a seguir sobre a questão indígena:

I − Para além da diversidade cultural dos povos indígenas, é possível encontrar características particulares comuns, como uma maneira própria de se relacionar com a terra.

II − Podemos dizer que os povos indígenas devem ser considerados diferentes das sociedades ocidentais, pois se apoiam em direitos coletivos.

III − O fato de os povos indígenas serem diferentes das sociedades envolventes faz com que eles não sejam considerados portadores de direitos internacionais.

IV − Os povos indígenas têm reivindicado um tratamento diferente daquele oferecido aos indivíduos membros das sociedades ocidentais, pois querem autonomia para a autodeterminação coletiva.

Assinale a alternativa correta:

a) Estão corretas somente as afirmações I e II.

b) Estão corretas somente as afirmações I, II e III.

c) Estão corretas somente as afirmações I, II e IV.

d) Estão corretas somente as afirmações III e IV.

e) Estão corretas somente as afirmações I e IV.

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Seção 3

Direitos humanos e meio ambiente

Não há citações diretas na Declaração dos Direitos Humanos Universais acerca do direito ao meio ambiente equilibrado, o que é perfeitamente compreensível, na medida em que essa não era uma questão preocupante no bojo da elaboração desse corpo normativo.

A questão do meio ambiente não se refere unicamente aos problemas de impacto à Natureza, mas também à maneira como o processo de degradação ambiental afeta os grupos sociais menos favorecidos nas sociedades. Nesse sentido, falar em justiça ambiental é também discutir a justiça social.

No caso brasileiro, conforme Trentin e Santos (2012, p. 141), o modelo de desenvolvimento adotado com a promoção de grandes projetos de infraestrutura, que inclui certas formas de produção de energia, a manutenção do latifúndio e da pecuária extensiva, bem como o modelo de reordenamento das cidades, provoca um alto custo socioambiental para a sociedade brasileira e, em particular, às suas parcelas mais vulneráveis: “negros, mulheres, crianças, adolescentes e jovens, povos indígenas, pequenos produtores rurais, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas, moradores de favelas, trabalhadores sem-terra e sem-teto”.

A importância em tratar o meio ambiente saudável como um direito humano é ressaltado por Trentin e Santos (2012, p. 142):

Introdução à seção

3.1 Meio ambiente e direito social no Brasil

Para garantir o direito ao meio ambiente efetivamente, é necessário afirmá-lo como um direito humano. Os brasileiros têm o direito constitucional a um ambiente saudável e equilibrado, o que não representa sua garantia como um direito humano. Quando usamos a expressão direito humano

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ao meio ambiente estamos fazendo uma afirmação política, com a pretensão de gerar consequências, uma vez que os direitos humanos tendem a receber ampla proteção dos tribunais, da legislação e da sociedade. Afinal, os direitos humanos são básicos ou fundamentais porque ocupam uma posição transcendental sobre outros direitos. Apesar de não estar previsto desta maneira em nenhum tratado internacional específico a referência a outros direitos como dignidade, saúde, trabalho, vida, bem-estar, moradia, alimentação, água, livre determinação, inclui necessariamente o reconhecimento do meio ambiente como direito humano.

Para Trentin e Santos (2012), no Brasil, o direito humano ao meio ambiente é constantemente violado, seja na cidade ou no campo, e tanto pelos atores públicos quanto particulares. É importante notar que a violação aos direitos humanos, no que toca à esfera ambiental, é constatável na medida em que determinado modelo de exploração e organização dos territórios afetam a dignidade humana de grupos sociais e, mais intensamente, atinge as populações tradicionais.

A noção de meio ambiente como um direito humano é importante para trazer maior visibilidade às demandas das populações tradicionais, mas não só. Conforme Trentin e Santos (2012), o reconhecimento ao meio ambiente como direito humano vai tomando força e forma com diversos protocolos e acordos internacionais, entre os quais se destacam: a Declaração de Estocolmo da Convenção das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC); Rio 92 – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Os governos signatários dos acordos acima mencionados têm se comprometido, como mostram Trentin e Santos (2012), a reconhecer que os povos não podem ser privados de seus meios de subsistência, bem como os acordos internacionais têm se referido ao direito a uma vida saudável e ao meio ambiente como um direito humano e como uma forma de diminuição da pobreza.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, que produziu a Declaração de Estocolmo e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), promoveu, em 1972, a entrada do Direito Ambiental no cenário internacional, colocando o direito ao meio ambiente equilibrado como fundamental do indivíduo. Segundo Trentin e Santos (2012, p. 142), a Declaração de Estocolmo estabelece de início que:

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O ser humano tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras.

Ainda segundo as autoras, a ONU tem apontado para três grandes áreas de relação entre direitos humanos e proteção ambiental, são elas: 1) o ambiente é precondição para o pleno exercício dos direitos humanos, ou seja, oa estados deveriam incluir a garantia de proteção ao ambiente para a garantia do exercício dos outros direitos; 2) direitos humanos, como os de acesso à informação, à participação na tomada das decisões e o à justiça são fundamentais para se atingir a proteção ao ambiente; 3) e o direito a um ambiente seguro, sadio e ecologicamente equilibrado deveria ser considerado um direito humano.

Percebe-se assim, conforme Trentin e Santos (2012), que há um esforço para equiparar o direito a um ambiente saudável com direitos econômicos e sociais. Isso quer dizer que, quando se adotam determinados modelos de desenvolvimento, corre-se o risco de violar direitos fundamentais, como nos casos de projetos, por exemplo, de construção de grandes hidrelétricas, que causam impactos em direitos econômicos, sociais e culturais de uma gama significativa de pessoas ao destruir a base material de manutenção de grupos sociais, inviabilizando, inclusive, sua reprodução cultural, como é o caso de grupos sociais de pequenos pescadores, índios e demais sujeitos que vivem em certo território atingido. Nesse sentido, pode-se afirmar que:

Entendemos que a manutenção das bases materiais e culturais de reprodução, como objeto de direito fundamental, referem-se não apenas ao acesso (quantitativo e qualitativo) aos bens naturais, mas também à garantia das formas e modos de apropriação que asseguram condições de vida comunitária para o exercício da liberdade do grupo.A liberdade é compreendida aqui como 'liberdade igual', exercida na medida em que todos tenham acesso aos bens econômicos, sociais e culturais. A liberdade que trata o direito humano ao meio ambiente equilibrado é a liberdade da vida, é a liberdade de ter condições de manutenção e reprodução da existência garantidas, neste sentido, a vida se manifesta não só em cada indivíduo, mas também nas relações sociais que permitam a sua manutenção (DERANI, 19985 apud TRENTIN; SANTOS, 2012, p. 143).

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5DERANI, Cristiane. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: direito fundamental e princípio da atividade econômica. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (org.). Temas de direito ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998.

Apesar de todos esses debates, Trentin e Santos (2012) lembram que, em termos internacionais, não há instrumentos legais para proteger as pessoas vitimadas por qualquer tipo de degradação ambiental, e no plano nacional há intensas disputas políticas e legislativas para flexibilizar a proteção das pessoas e do meio ambiente, que, conforme as autoras, contribuem para intensificação de conflitos e violação de direitos.

Empreendimentos recentes no Brasil, segundo demonstram Trentin e Santos (2012), como a construção das Hidrelétricas de Belo Monte (PA) e Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira (RO), demonstram a perda de território pelos povos, a degradação da biodiversidade e a destruição de determinados modos de vida e de trabalho, tanto no campo quanto na cidade.

Tais empreendimentos são levados à frente em nome do “desenvolvimento”, mas raramente nos perguntamos: o que é desenvolvimento? Ou ainda: desenvolvimento para quem? Para realização desses empreendimentos, afirmam Trentin e Santos (2012), são articulados diversos instrumentos, tais como: pressão nas casas legislativas para modificação – e fragilização – de processos de licenciamento e proteção ambiental; pressão sobre órgãos de controle, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama); e revisão do Código Florestal, que regula a preservação ambiental.

Percebe-se, com isso, que há pressão constante de grandes corporações e do próprio Estado para levar a cabo um modelo de desenvolvimento voltado, segundo Trentin e Santos (2012), para exportação de commodities e, para tanto, buscam-se constantes mudanças no marco legal e jurídico para flexibilizar o uso de territórios e demais recursos naturais.

O que fica evidente também, na análise de Trentin e Santos (2012), é a importância da esfera política, na medida em que são áreas de intensos conflitos. Mostram as autoras que, a partir do final dos anos de 1980, as discussões sobre o combate às desigualdades passam a chamar a atenção para a inter-relação das questões ambientais com as do emprego e da renda.

Nesse sentido, torna-se preponderante a crítica ao modelo de desenvolvimento hegemônico e urgente o esclarecimento à sociedade que os modelos tradicionais de relação com o território e de exploração dos recursos ambientais são não só sustentáveis ambientalmente, como grande gerador de empregos e renda, além de garantir direitos sociais e culturais à reprodução de modos tradicionais de vida.

É importante termos em mente que, conforme demonstram Trentin e Santos

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(2012), que o ambiente é significado de formas diferentes, bem como há diversidade nas lógicas de uso e de definição dos territórios. Assim, os riscos ambientais também são diferentes na medida em que os grupos sociais são desigualmente atingidos. Frente a isso, Trentin e Santos (2012, p. 145) entendem que “o debate sobre o direito humano ao meio ambiente deve ser orientado sob o ponto de vista das populações mais diretamente atingidas”.

É no bojo desse processo que as autoras apontam para que uma Justiça Ambiental esteja em diálogo com a Justiça Social, pois os danos ambientais sempre afetam mais os grupos sociais vulneráveis, como os grupos étnicos tradicionais, para citar alguns: populações indígenas, populações quilombolas, pescadores e ribeirinhos. Além da violência, como assassinatos e ameaças, esses povos estão sujeitos a outras injustiças, como: a negação nos processos de tomada de decisão; a expulsão sumária; e a exploração do trabalho.

Quando se fala em crise ambiental, tendemos a pensar em grandes efeitos que atingem todo o planeta, dessa forma, as consequências ficam associadas a sujeitos abstratos. No entanto, um olhar mais atento, como o da análise de Trentin e Santos (2012), nos demonstra que é no território onde se exploram os recursos que está o efeito mais direto e cruel. Como exemplo, as autoras citam os casos da mineração de urânio, em Caetité (BA), e o Projeto Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, que significam perdas de bases materiais e culturais dos grupos sociais diretamente atingidos.

Frente a esse impacto, explicam Trentin e Santos (2012), muitas vezes, são garantidas aos atingidos determinadas compensações, que nem sempre são efetuadas e, em geral, são insuficientes. As perdas de terras e os deslocamentos forçados de populações provocam perdas culturais, desestruturação da vida de pessoas e de grupos inteiros. As autoras lembram ainda que é comum a falta de informações, que os processos de licenciamento são insuficientes e, dessa forma, mostram a associação direta dos fatores ambientais (ou do desrespeito ao direito humano ao ambiente sadio) para efetivação de injustiças sociais e, assim, concluem que:

3.2 Direitos humanos, meio ambiente e direitos sociais

Entendemos que a proteção ambiental é parte integrante das lutas sociais e se constitui cada vez mais em um projeto contra-hegemônico frente ao atual modelo desenvolvimentista brasileiro. Tanto no plano discursivo quanto nas formas de luta inovadoras desses atores sociais, a questão ambiental se constitui em um potente espaço de construção de justiça, em contraposição à racionalidade do mercado. O processo de

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construção, significação e ressignificação dos direitos humanos é constante através da disputa e sua salvaguarda não reside só nos documentos nem nas instituições, mas também – e principalmente – no sentido de dignidade (TRENTIN; SANTOS, 2012, p. 146).

Nesse mesmo sentido, Acselrad (2010) se pergunta sobre como dar legitimidade à preocupação ambiental num contexto no qual o discurso hegemônico, com frequência, aponta para as questões em torno do meio ambiente – ou o que seria uma preocupação excessiva com a proteção ao meio ambiente − como um entrave para o desenvolvimento e a geração de emprego e renda. E isso num país tão desigual como o Brasil.

Num primeiro momento, Acselrad (2010) discute o termo “ambientalização”, que remete tanto ao uso de um discurso ambiental genérico utilizado por uma diversidade de grupos sociais para justificar e legitimar práticas institucionais, políticas, científicas etc. quanto para caracterizar determinados fenômenos relacionados a contextos e momentos históricos específicos e, assim, uma gama significativa de processos são incorporados ao “guarda-chuva” do discurso da proteção ao meio ambiente.

Vejamos essas questões com mais detalhes. Conforme mostra Acselrad (2010), o ambientalismo brasileiro assume um lugar mais central a partir dos anos de 1990. Surgem, nesse período, organizações mais profissionalizadas e com maior capacidade de arrecadação de recursos; nesse momento, também, há um debate maior em relação aos sujeitos que reivindicam fazer parte do “movimento ambientalista”, ou seja, organizações e grupos que buscam legitimidade para falar/atuar na área ambiental.

As ambiguidades desse período aparecem, segundo Acselrad (2010), na visão pragmática estatal e empresarial versus a crítica ao modelo de desenvolvimento hegemônico; na ideia de uma certa modernização ecológica do capitalismo brasileiro versus a busca pela expansão dos direitos levada a cabo por determinados atores sociais.

Durante os anos de 1990 tomou força, segundo Acselrad (2010), a ideia de que um certo “ecologismo de resultados” substituiu o ambientalismo contestatário – este mais próximo aos movimentos sociais −, com o foco em ações pragmáticas e tecnicistas mais próximas ao modelo hegemônico de desenvolvimento e dentro de uma noção de capitalismo ecológico. Porém, alerta o autor, essa substituição não ocorreu plenamente, havendo um processo de neutralização das lutas ambientais entre o chamado “ecologismo desenraizado” – aquele que não tem suas bases nos movimentos sociais −, levada à frente por organismos multilaterais, empresas poluidoras e governos. Segundo o autor:

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Parte do 'ecologismo desenraizado' respondeu favoravelmente ao discurso consensualista propugnado por agências multilaterais, de apologia da parceria público-privada, de deslegitimação da esfera nacional em favor da esfera local, de favorecimento das ações fragmentárias em detrimento da coerência articulada da ação política (ACSELRAD, 2010, p. 107).

A noção de discurso consensualista, conforme Acselrad (2010), remete à ideia de que seria possível conciliar crescimento econômico com a resolução de problemas ambientais a partir do uso de novas tecnologias e da parceria entre sociedade civil e governos. Mas há resistências a esse projeto no bojo dos movimentos ligados a um ecologismo enraizado, que questionam a cooperação consensualista e se pautam pela legitimidade política de suas demandas contra-hegemônicas. Esse ambientalismo social é o que mais se aproxima da chamada justiça ambiental.

A noção de justiça ambiental está diretamente vinculada à de justiça social. Segundo Acselrad (2010), os atores sociais ligados à busca de justiça ambiental promovem uma ressignificação da questão ambiental ao atrelá-la ao processo de busca por justiça social, bem como ao associar a questão ambiental ao tema do emprego e da renda.

Ao passar em revisão a história dos significados atribuídos à questão ambiental, Acselrad (2010) enfatiza que pelo menos dois sentidos estiveram em disputa em uma história recente: uma visão contracultural e outra utilitária. No caso do sentido contracultural, ressalta-se a crítica ao estilo de vida hegemônico de apropriação do mundo material, com vistas ao consumismo, à industrialização químico-mecanizada da agricultura, e assim por diante; já a visão utilitária vislumbra a continuidade da acumulação do capital a partir de racionalização e economia de matéria-prima e energia. Nas palavras de Acselrad (2010, p. 108-109):

3.3 Justiça ambiental no Brasil

Para a razão utilitária hegemônica, o meio ambiente é uno e composto estritamente de recursos materiais, sem conteúdos socioculturais específicos e diferenciados; é expresso em quantidades; justifica interrogações sobre os meios e não sobre os fins para os quais a sociedade se apropria dos recursos

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do planeta; pressupõe um risco ambiental único, instrumental – o da ruptura das fontes de abastecimento do capital em insumos materiais e energéticos, assim como da ruptura das condições materiais da urbanidade capitalista –, ou seja, o risco de inviabilização crescente da cidade produtiva, por poluição, congestionamento etc. [...].Uma razão cultural, por sua vez, se interroga sobre os fins pelos quais os homens se apropriam dos recursos do planeta; o meio ambiente é múltiplo em qualidades socioculturais; não há ambiente sem sujeito – ou seja, ele tem distintas significações e lógicas de uso conforme os padrões das distintas sociedades e culturas. Os riscos ambientais, nessa óptica, são diferenciados e desigualmente distribuídos, dada a diferente capacidade de os grupos sociais escaparem aos efeitos das fontes de tais riscos.

É importante notar, como faz Acselrad (2010), que os sentidos atribuídos às bases materiais são múltiplos, ou seja, há diferentes sentidos atribuídos ao ambiente. No entanto, certas perspectivas tendem a se impor, por isso temos conflitos e a disputa pelo sentido que se fará hegemônico. Mas fica claro também que nem todos têm as mesmas ferramentas de luta e poder de influência nas sociedades.

Assim, a partir da razão cultural, temos um processo de denúncia e resistência. Acselrad (2010) mostra qu,e a partir dessa noção, temos a denúncia da distribuição desigual, tanto dos benefícios quanto dos danos ambientais; é desproporcional, também, a possibilidade de decisão sobre os recursos ambientais, sendo esse poder de decisão centrado nos poderosos que transferem, por sua vez, os reflexos da degradação ambiental para os mais vulneráveis e despossuídos.

É no seio da razão utilitária que cresce o discurso da modernização ecológica. Conforme Acselrad (2010), a busca da “sociedade de proprietários” pela eficiência é usada como justificativa para produzir e, ao mesmo tempo, “economizar” o planeta; assim constrói um consenso político e a afirmação no mercado. Nessa concepção, o “meio ambiente” tem um preço e é pensado como “oportunidade de negócios”; bens comunais – como territórios tradicionais de extração de recursos − são privatizados; a “ecologia” e a “sustentabilidade” tornam-se marcas a serem incorporadas para obtenção de vantagens na concorrência.

Para visualizarmos melhor esses conflitos, podemos citar os exemplos trazidos por Acselrad (2010), que demonstra que, para a ampliação da monocultura de eucalipto, pode-se “sacrificar” os quilombolas incorporando suas terras e suas fontes de água; ou ainda, para o aumento da produção de soja transgênica, são inviabilizadas as produções de pequenos agricultores orgânicos; para produção de energia que alimenta as multinacionais de alumínio, perdem pescadores, ribeirinhos

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e índios ao terem sido comprometidos os rios que utilizam tradicionalmente para suas atividades.

Frente a esse quadro, uma série de atores em âmbito nacional e internacional tem procurado consolidar as práticas de justiça ambiental. São pressupostos dessa ideia, segundo Acselrad (2010), os seguintes princípios: que os grupos étnicos, raciais ou de classe não sejam impactados desproporcionalmente dos efeitos negativos da degradação ambiental; que o acesso aos recursos ambientais sejam equitativos; que se assegure o acesso a informações sobre o uso de recursos ambientais, bem como sobre o destino de seus rejeitos; que seja garantida a participação mais democrática na definição de políticas, planos projetos e programas que afetem o ambiente; que seja facilitada a formação de sujeitos coletivos de direitos, e que esses sujeitos sejam protagonistas na produção de modelos de desenvolvimento democráticos em relação ao uso dos recursos ambientais.

Frente a esse contexto que estamos construindo até aqui, uma questão torna-se importante: é possível pensarmos em outro modelo de desenvolvimento que implique, ao mesmo tempo, no crescimento econômico e na justiça ambiental e social? Será que há alternativas para geração de empregos e renda sem que determinados grupos sociais tenham que sofrer para que a sociedade se desenvolva? É possível pensar que uma sociedade é desenvolvida quando há grupos sociais tendo seus direitos violados?

O país da África que se tornou um “cemitério de eletrônicos”Em um vasto lixão no oeste da capital de Gana, Acra, pequenas fogueiras queimam pilhas de velhos computadores, telas de TVs e laptops, lançando uma negra e espessa fumaça.Ao redor delas, catadores recolhem placas-mãe, metais valiosos e fios de cobre, queimando pelo caminho as capas de plástico – e, assim, enchendo o ar de substâncias tóxicas.Trata-se de um dos maiores “cemitérios de eletrônicos” do mundo, e um dos locais mais poluídos do planeta.A cada ano, centenas de milhares de toneladas de lixo eletrônico vindos da Europa e da América do Norte encontram neste espaço seu destino final, no qual têm seus metais valiosos extirpados em uma forma

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rudimentar de reciclagem.Para muitos, é um negócio lucrativo em um país onde perto de um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza.“É algo instantâneo”, diz Sam Sandu, um sucateiro que trabalha no local. “Você trabalha nisso hoje e consegue seu dinheiro no mesmo dia.”Especialistas alertam, porém, que as toxinas do lixão estão lentamente envenenando os trabalhadores locais, ao mesmo tempo em que poluem o solo e a atmosfera.“Mercúrio, chumbo, cádmio, arsênico – estas são as quatro substâncias mais tóxicas [no mundo], e são encontradas em grandes quantidades em lixões de eletrônicos”, explica Atiemo Sampson, um pesquisador da Comissão de Energia Atômica de Gana, que conduziu vários estudos sobre a área de Agbogbloshie, usada para o despejo [...]”.

Acesse o link a seguir para continuar a ler a matéria:Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160109_lixao_eletronicos_ab>. Acesso em: 14 set. 2016.

Fonte: <http://www.trendnotes.com.br/fotografo-mostra-a-poluicao-do-senegal-com-roupas-de-lixo/>. Acesso em: 14 set. 2016.

Figura 3.3 | Foto de Fabrice Monteiro, com o trabalho do estilista Doulsy (Jah Gal), com a organização de Eco Fund, para o projeto “Profecia”, que reflete sobre o problema do despejo de lixo em países africanos

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Não é tarefa fácil resistir ao processo de mercantilização das relações entre as pessoas e o ambiente. Os atores sociais – movimentos sociais, associações de produtores tradicionais etc. – que atuam num processo de resistência e manutenção de modelos tradicionais do uso do território enfrentam fortes agentes do mercado nacional e internacional, especialmente com a intensificação das relações comerciais no cenário da globalização.

Um dos maiores problemas enfrentados, segundo Acselrad (2010), é que o atual modelo de desenvolvimento brasileiro favorece aquilo que o autor nomeia de “chantagem locacional”. A ideia se refere à pressão que agentes do mercado mundial exercem, tanto no plano nacional, quando exigem vantagens financeiras, como liberdade de remessas de lucros e estabilidade, para não se estabelecerem em outros países, quanto num plano subnacional, ameaçando mudarem de estados ou municípios se não obtiverem vantagens, como terreno de graça, vantagens fiscais, flexibilização de normas ambientais e urbanísticas.

É importante notar que tal lógica, como demonstra Acselrad (2010), acaba por premiar estados e municípios onde a organização da sociedade em torno dos direitos é menos eficiente, e punir ao deixar de investir e gerar empregos, as localidades em que a sociedade está mais organizada. Isso faz com que as organizações tenham critérios distintos em diferentes localidades do planeta, ou seja, as organizações podem poluir e danificar mais o ambiente em lugares onde a organização social é mais frágil.

Frente a esse contexto, qual o lugar da chamada justiça ambiental? Acselrad (2010, p. 113-114) aponta para o seguinte quadro:

Em acepção ampliada e reinterpretada pelos atores sociais do país, são compreendidos, assim, como sujeitos da resistência à produção de desigualdades ambientais: as vítimas da contaminação de espaços não diretamente produtivos – entorno de grandes empreendimentos portadores de risco e periferias das cidades onde são localizadas instalações ambientalmente indesejáveis (lixões, depósitos de lixo tóxico etc.) [...].As lutas por justiça ambiental, tal como caracterizadas no caso brasileiro, combinam assim: a defesa dos direitos a ambientes culturalmente específicos – comunidades tradicionais situadas na fronteira da expansão das atividades capitalistas e de mercado; a defesa dos direitos a uma proteção ambiental equânime contra a segregação socioterritorial e a desigualdade ambiental promovidas pelo mercado; a defesa dos direitos de acesso equânime aos recursos ambientais,

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contra a concentração das terras férteis, das águas e do solo seguro nas mãos dos interesses econômicos fortes no mercado.

Além disso, destaca Acselrad (2010), é preciso estar atento para os direitos das populações futuras e, para tanto, o autor aponta para a necessidade de evitar que os mais pobres paguem a conta da degradação ambiental, na medida em que, enquanto houver a possibilidade de transferir para os mais pobres os custos ambientais do desenvolvimento, não haverá mudanças significativas. É nesse processo que se faz a articulação, como mostra o autor, da justiça social com a proteção ambiental.

Por fim, podemos notar que a questão dos direitos humanos sempre está atrelada a questões políticas, sociais e culturais, o que envolve uma busca contínua de diálogos com os diversos grupos sociais que compõem as sociedades. A busca por um ambiente saudável e a garantia da sustentabilidade ambiental para as gerações futuras depende do respeito às diferenças e, principalmente, da garantia da dignidade humana a todos os grupos sociais.

1. Considere as afirmações a seguir sobre a relação entre direitos humanos e meio ambiente:

I − A ONU tem apontado que o ambiente é precondição para o pleno exercício dos direitos humanos, ou seja, os estados deveriam incluir a garantia de proteção ao ambiente para a garantia do exercício dos outros direitos.

II – A ONU também tem chamado a atenção para a importância de acesso à informação, à participação na tomada das decisões e à justiça como fundamentais para se atingir a proteção ao ambiente.

III − O direito a um ambiente seguro, sadio e ecologicamente equilibrado deveria ser considerado um direito humano. Porém, para a ONU, esse é um aspecto que deve ser observado somente em países em desenvolvimento.

Assinale a alternativa correta:

a) Estão corretas somente as afirmações I e II.

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b) Estão corretas somente as afirmações II e III.

c) Estão corretas somente as afirmações I e III.

d) Está correta somente a afirmação I.

e) Está correta somente a afirmação III.

2. Por que, ao falarmos em crise ambiental, não podemos pensar somente em grandes efeitos que acometem o planeta como um todo?

Nesta unidade, vimos:

• A história dos direitos humanos: nesta seção, refletimos sobre a noção do indivíduo no Ocidente moderno e a maneira como essa noção fundamentou os direitos humanos.

• A ideia de dignidade e igualdade humana: a ideia central, aqui, foi a da dificuldade em se pensar na universalidade de direitos em um mundo tão diverso.

• Discutimos o multiculturalismo e a concepção multicultural dos direitos humanos.

• Vimos o problema das minorias sociais e a dificuldade de se tratar as relações entre direitos individuais e direitos coletivos.

• Tratamos da relação entre direitos humanos e meio ambiente; analisamos a relação entre justiça ambiental e justiça social.

• Discutimos os impasses entre desenvolvimento e sustentabilidade.

Chegamos ao fim de nossa leitura, o que deve nos levar a aprofundar as novas reflexões. Como vimos, o tema aqui tratado

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é de extrema complexidade, pois envolve uma variedade enorme de conceitos e abordagens.

Iniciamos discutindo a história dos direitos humanos, o que nos levou a refletir sobre a ideia de indivíduo, já que esse corpo normativo se apoia nos valores da sociedade ocidental moderna, que, por sua vez, tem seus próprios valores morais e filosóficos.

O fato de os direitos humanos serem constituídos a partir de fundamentos locais e se colocarem como uma ferramenta global e universal nos levou a discutir os limites desses direitos ao se depararem com sociedades nas quais a cultura, muitas vezes, leva a um certo distanciamento dos valores contidos nos direitos humanos universais, o que obriga ao estabelecimento de um diálogo intercultural de difícil realização.

Se a dificuldade ocorre na relação entre culturas de Estados-nação diferentes, não é diferente no interior de um mesmo Estado-nação, que comporta grupos com diferentes modos de vida e visões de mundo. Tal constatação leva ao debate sobre a aplicabilidade dos direitos humanos na garantia de direitos coletivos dos grupos sociais que compõem as chamadas minorias. Isso ficou evidente quando analisamos, por exemplo, a questão indígena brasileira.

À parte as críticas aqui tecidas ao pressuposto da universalidade contida nos direitos humanos, é inegável o avanço que esse corpo normativo trouxe para a sociedade humana. Os direitos humanos, mesmo apoiados nos direitos individuais, vêm possibilitando a garantia de direitos coletivos das minorias, sendo uma importante ferramenta internacional na busca de igualdade social e respeito à autonomia dos diferentes grupos sociais.

Por fim, refletimos sobre o meio ambiente como um direito humano, o que remete à reflexão sobre a relação entre direito a um meio ambiente saudável e direitos sociais. Isso acontece porque os impactos ambientais sempre acabam por atingir mais fortemente as populações mais vulneráveis da Terra

1. A relação entre universal e particular é um tema fundamental quando se discutem os direitos humanos universais. Nesse

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2. Considere as afirmações a seguir sobre a questão das terras indígenas:

I − O uso indígena do território é diferente da maneira como o não índio utiliza a terra, pois para as sociedades indígenas o território é muito mais do que uma maneira de se manterem materialmente.

II − Podemos afirmar que o território indígena é fundamental para sua manutenção e reprodução cultural, pois o território é interpretado de modo simbólico por esses povos.

III – Há uma dificuldade em se conciliar os direitos humanos universais e a concepção de direitos coletivos dos povos indígenas. Esses grupos, até hoje, ainda, não conseguiram reconhecimento internacional de seus direitos.

Assinale a alternativa correta:

a) Estão corretas somente as afirmações I e III.

b) Estão corretas somente as afirmações II e III.

c) Estão corretas somente as afirmações I e II.

sentido, analise as afirmações a seguir:

I − Diferentes modos de vida implicam diferentes maneiras de organização social e, portanto, também pode acarretar em diversos modos de se pensar os direitos fundamentais.

II – Os direitos humanos universais se propõem como universais, porém o problema é que esses direitos se construíram tomando como base um corpo de valores próprios às sociedades ocidentais, particularmente da Europa.

III − O desafio que nos deparamos, portanto, é o de relacionar esse corpo normativo às diferentes sociedades e culturas, tal tarefa exige a construção de um diálogo intercultural.

Assinale a alternativa correta:

a) Estão corretas somente as afirmações I e II.

b) Estão corretas somente as afirmações I e III.

c) Estão corretas somente as afirmações II e III.

d) Estão corretas as afirmações I, II e III.

e) Está correta somente a afirmação I.

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d) Está correta somente a afirmação I.

e) Está correta somente a afirmação III.

3. Considere as afirmações a seguir sobre a relação entre desenvolvimento e meio ambiente:

I – A legitimidade à proteção ambiental esbarra em ideias que colocam a proteção ao meio ambiente como um entrave ao desenvolvimento e, portanto, à resolução de problemas sociais.

II – Podemos concluir que a proteção ambiental tem sido excessiva, causando entraves para o desenvolvimento e a diminuição das desigualdades sociais, especialmente no Brasil.

III − Um termo importante nesse debate é o de “ambientalização”, que se refere a um discurso ambiental genérico para justificar e legitimar práticas institucionais, políticas, científicas.

Assinale a alternativa correta:

a) Estão corretas somente as afirmações I e II.

b) Estão corretas somente as afirmações II e III.

c) Estão corretas somente as afirmações I e III.

d) Está correta somente a afirmação I.

e) Está correta somente a afirmação II.

4. Considere as afirmações a seguir sobre o ambientalismo brasileiro:

I – As ambiguidades desse período aparecem na visão pragmática estatal e empresarial versus a crítica ao modelo de desenvolvimento hegemônico; na ideia de uma certa modernização ecológica do capitalismo brasileiro.

II – Nos anos de 1990, também há um debate maior em relação aos sujeitos que reivindicam fazer parte do “movimento ambientalista”, ou seja, organizações e grupos que buscam legitimidade para falar/atuar na área ambiental.

III − O ambientalismo brasileiro toma força a partir dos anos de 1990. Nesse período, temos um aumento significativo de

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5. Analise as afirmações a seguir, levando em conta as reflexões realizadas sobre a relação entre justiça ambiental e justiça social, bem como sobre as perspectivas contracultural e utilitarista:

I − As noções de justiça ambiental e de justiça social estão diretamente vinculadas. As questões ambientais podem estar relacionadas, por exemplo, ao tema do emprego e da renda.

II − Diversos atores sociais têm criticado o estilo de vida hegemônico baseado na apropriação do mundo material para o consumismo e para a industrialização química da agricultura; esses agentes podem ser associados à perspectiva contracultural.

III − Para a razão utilitária, o meio ambiente é composto estritamente de recursos materiais, sem conteúdos socioculturais específicos e diferenciados levando ao risco de inviabilização crescente da cidade produtiva, por poluição, congestionamento etc.

IV – A razão utilitária considera os conteúdos socioculturais que estão atrelados ao espaço ambiental, bem como critica o uso de recursos naturais para a geração de riqueza ou lucro.

Assinale a alternativa correta:

a) Somente as afirmações I e II estão corretas.

b) Somente as afirmações I e III estão corretas.

c) Somente as afirmações I, II e III estão corretas.

d) Somente as afirmações II, III e IV estão corretas.

e) Somente as afirmações I, II e IV estão corretas.

organizações profissionalizadas e com maior capacidade de arrecadação de recursos.

Assinale a alternativa correta:

a) Estão corretas somente as afirmações I e II.

b) Estão corretas somente as afirmações II e III.

c) Estão corretas somente as afirmações I e III.

d) Está correta somente a afirmação III.

e) Está correta somente a afirmação I.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Nesta seção, serão apresentadas as bases teóricas do presente estudo que fundamentarão o tema proposto. Para tanto, serão tratadas as seguintes temáticas: Desenvolvimento Social e Sustentável, Políticas Públicas e Meio Ambiente. Neste, veremos as boas práticas de políticas visando ao bem-estar da sociedade, o qual apresentaremos o programa “Cidades Sustentáveis”. Trataremos estas práticas a partir do contexto da Responsabilidade Social e da sustentabilidade socioambiental.

Nesta seção, mostraremos que os reflexos desse contexto para o ambiente corporativo, que exige mudanças na forma de gerenciar os processos produtivos, administrativos e também as pessoas, precisam ser repensados, pois o excesso da busca constante de riquezas e de exploração do meio ambiente força a necessidade de estudos e de novas alternativas para o equilíbrio socioambiental. Neste sentido, a

Seção 1 | O desenvolvimento social e sustentável

Seção 2 | Tecnologia e sustentabilidade

Objetivos de aprendizagem: Nesta unidade, você vai aprender sobre a importância das políticas

públicas para o desenvolvimento sustentável e a educação ambiental, tendo como exemplos de boas políticas as que surgem a partir do programa "Cidades Sustentáveis". Neste sentido, tem-se como objetivo o estudo sobre sustentabilidade socioambiental; conflitos socioambientais; meio ambiente, tecnologia e sustentabilidade; fundamentos políticos da proteção do meio ambiente.

Sérgio de Goes Barboza

Unidade 4

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sustentabilidade e o uso de inovações tecnológicas são necessárias para repensar a estabilização da relação homem e natureza. Percebe-se a necessidade, além dos instrumentais técnicos, também de comprometimentos com as consequências em todas as dimensões em que se pode trabalhar a sustentabilidade.

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Introdução à unidade

Nesta unidade, na primeira seção, apontaremos algumas considerações importantes referentes às políticas públicas. A intenção é mostrar a importância de construir políticas com base em indicadores e a realização de programas, como exemplo, “Cidades Sustentáveis”. A partir destas ações, as Políticas Públicas têm como proposta a harmonia na relação entre o homem e o meio ambiente fundamental para a sustentabilidade social e ambiental.

A sustentabilidade pode ser definida, também, como o desenvolvimento de ações para o meio ambiente e a sociedade, capazes de satisfazer as necessidades dessa sociedade sem prejudicar as oportunidades das gerações futuras. Portanto, o objetivo é mostrar que as políticas públicas devem partir das primícias focadas na essência desta temática. Não perpassaremos pelas nomeações de leis e políticas específicas sobre a área social e ambiental, mas o que se pretende é mostrar que a gênese da política ambiental brasileira tem como preocupação explícita a proteção, conservação e o uso dos recursos ambientais. Nos dias atuais, essa preocupação não é somente brasileira, mas ocorre em nível internacional.

O que se pretende, na primeira seção deste estudo, é mostrar que a falta de planejamento de responsabilidade socioambiental incentiva o crescimento desordenado dos municípios brasileiros; além disso, os excessos de consumo esgotam os recursos naturais. Portanto, a intenção é dar a ênfase de que a consciência política é fundamental na prática da Responsabilidade Social. Neste sentido, mostraremos um exemplo de carta de adesão ao Programa Cidades Sustentáveis, em que os prefeitos das cidades brasileiras assinam assumindo o compromisso com as ações para uma cidade sustentável. Neste documento, o prefeito concorda em produzir um documento de Diagnóstico da Situação atual que contenha, no mínimo, os indicadores básicos da Plataforma Cidades Sustentáveis.

Perpassaremos também pela análise do termo “Responsabilidade Social”, demonstrando que, ao contrário do seu real significado, esta terminologia é, muitas vezes, denominada para ações que na prática são puramente filantrópicas. Neste caso, o que se pretende é mostrar a distinção entre Responsabilidade Social e Filantropia, o que se conclui que uma organização deve assumir obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei. Em função da complexidade das relações internacionais e da necessidade de conservação do meio ambiente, o homem estabelece uma série de direitos considerados fundamentais para o convívio entre os povos. Sabe-se que existe um distante consenso entre a teoria e a prática.

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Neste contexto, a sociedade precisa cobrar dos governantes aquilo que foi estabelecido na teoria, fazendo, portanto, se estabelecer na prática. Esta proposta de reflexão é fazer com que o estudante tenha em mente que o Brasil deve conduzir suas relações internacionais tendo como objetivo a cooperação entre os povos para o progresso de toda a sociedade e, consequentemente, a proteção do meio ambiente, que é uma das partes importantes quando o assunto é a qualidade de vida das pessoas. Esta compreensão parte do questionamento: quais são os fundamentos da República? Não é o princípio da dignidade da pessoa humana? E o objetivo fundamental não é o desenvolvimento do país? Sendo assim, esta proposta não deve ficar só no âmbito da teoria, mas se concretizar.

Na segunda seção, tem-se como proposta descrever sobre as transformações que ocorreram ao longo dos últimos anos e que foram possível perceber, e acompanhar as transformações da sociedade advindas da globalização da economia e da revolução das tecnologias de comunicação e informação. Portanto, a ênfase aqui é a tecnologia ligada à sustentabilidade.

Observam-se, nas ações de desenvolvimento ambiental sustentável, as ideias positivas quanto às novas tecnologias, aquelas que conservem recursos e reduzam a poluição e se apresentam como um instrumento adequado que ajuda na busca da qualidade de vida, porém, por outro lado, há também uma certa desconfiança em relação às promessas e aos riscos das novas tecnologias. Compreende-se, portanto, que embora as tecnologias oferecem imensas oportunidades, é preciso também observar e compreender os possíveis riscos e entender o papel e a eficiência na consecução da sustentabilidade.

Quanto aos fundamentos políticos da proteção do meio ambiente, refletiremos sobre os discursos produzidos, hoje, sobre a Responsabilidade Social das empresas e sobre o que proporcionou o surgimento das organizações não governamentais como mais uma possibilidade de buscar soluções imediatas aos problemas mais emergentes. Busca-se, portanto, uma análise da Responsabilidade Social em comparação às responsabilidades jurídicas.

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Seção 1

O desenvolvimento social e sustentável

Nesta seção, você compreenderá a importância das políticas públicas no desenvolvimento de uma cidade, ou seja, buscando fazer sempre o melhor para a cidade e, consequentemente, para a população. Neste sentido, as Políticas Públicas visando à harmonia na relação entre o homem e o meio ambiente, além de corresponderem aos direitos assegurados constitucionalmente, são fundamentais pela sustentabilidade social e ambiental.

Introdução à seção

Por que é importante as políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e a educação ambiental?

Porque a devastação da natureza é uma realidade e o que se vê de forma concreta é a desertificação crescente. Neste sentido, é importante que sejam realizadas políticas públicas comprometidas com o desenvolvimento sustentável e, principalmente, com a conscientização da sociedade pela educação ambiental. Como mencionam Araújo e Arruda (2010, p. 289):

1.1 Políticas públicas e meio ambiente

A problemática ambiental é corrente no mundo todo, pois com o advento do capitalismo e das Revoluções Industriais, a alteração nos padrões de consumo e climático promoveu uma ação desenfreada que pôs em xeque a forma de vida pós-moderna. O alto crescimento do consumo é conflitante com o meio ambiente, ocasionando degradação ecológica e via de regra, social. Isto posto, é essencial que haja a preocupação com a educação ambiental, com o desenvolvimento sustentável e com o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas que são necessárias para coibir o avanço da

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desertificação e transformar a realidade ambiental e humana das áreas afetadas. No Brasil há um clima propício para o surgimento do processo de desertificação que é o do semiárido nordestino, que abrange além dos estados do Nordeste, o norte de Minas Gerais e o oeste da Bahia, cujas ações antrópicas, historicamente, em razão dos usos e costumes, comprometem o frágil ecossistema da Caatinga. O desenvolvimento sustentável atrelado a uma educação ambiental profícua, com políticas públicas orientadas para o combate e mitigação dos efeitos da desertificação, podem mudar o panorama ecológico-social do interior nordestino.

As questões sobre “homem e natureza” são recíprocas, considerando que um depende do outro para a sobrevivência e a continuidade de ambos. Sabe-se que o homem, ao explorar a natureza na produção de bens necessários para a vida, afeta diretamente a sociedade e o seu desenvolvimento. Se há, de um lado, a degradação ecológica, necessariamente há degradação social, poi o homem e a natureza se relacionam no mesmo espaço geográfico.

Neste sentido, as Políticas Públicas visando à harmonia nesta relação entre o homem e o meio ambiente são fundamentais pela sustentabilidade social e ambiental. Esta preocupação com o meio ambiente não é recente:

A gênese da política ambiental brasileira, preocupada explicitamente com a proteção, conservação e uso dos recursos ambientais, pode ser datada do primeiro governo de Vargas. A partir desse momento, a política ambiental sofreu alterações significativas, culminando com a promulgação da Constituição de 1988. O início das ações governamentais no campo das políticas de meio ambiente corresponde à adoção, em 1934, do Código das Águas, do Código de Minas e do Código Florestal, além da criação, em 1937, do Parque Nacional de Itatiaia e da legislação de proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional. De um modo geral, o primeiro momento da política ambiental brasileira foi marcado por duas preocupações básicas: a racionalização do uso e exploração dos recursos naturais e a definição de áreas de preservação permanente, estabelecendo, assim, alguns limites à propriedade privada (SALHEB et al., 2009, p. 8).

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Atualmente, o que se tem apresentado como exemplo de boas políticas nesta área é o programa "Cidades Sustentáveis".

O que são cidades sustentáveis? Primeiramente, vamos entender o que é sustentabilidade. Está é a palavra de ordem no mundo hoje, que significa a ação de nossos governantes quanto ao planejamento, boa gestão, consciência política, participação, economia responsável, compromisso com os valores humanos e cuidado com a natureza e as pessoas. Todas essas ações são locais, porém com visão global.

Portanto, as cidades sustentáveis são aquelas cujos governantes têm um olhar para os verdadeiros problemas das cidades, como mobilidade, iluminação com células solares, políticas de reduções de carbono, a questão da biodiversidade, resíduos sólidos, redução das emissões de gases que causam o efeito estufa, conservação dos recursos naturais e proteção ambiental. Assim, a meta de qualquer governante deve ser o de fortalecer esta rede de cidades que buscam o desenvolvimento sustentável.

Não somos todos nós responsáveis pela cidade onde moramos?Cobramos ou fiscalizamos as políticas municipais quanto aos principais enfrentamentos da cidade?Qual é o seu comportamento e o da população de sua cidade com relação às ações de responsabilidade social e sustentabilidade?

Os governantes de todo o país, assim como também os partidos políticos, podem confirmar seu compromisso com o desenvolvimento sustentável assinando a Carta-Compromisso. Candidatos à Câmara Municipal também podem aderir ao programa assinando o documento específico para o legislativo.

A seguir, um exemplo de carta de adesão ao Programa Cidades Sustentáveis, em que os prefeitos das cidades brasileiras assinam assumindo o compromisso com as ações para uma cidade sustentável:

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Fonte: <http://www.cidadessustentaveis.org.br/downloads/carta-compromisso/carta-adesao-pcs.pdf>. Acesso em: 7 dez. 2016.

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Conheça os doze eixos da plataforma Cidades Sustentáveis:PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS. Eixos da Plataforma Cidades Sustentáveis. Disponível em: <http://www.cidadessustentaveis.org.br/eixos>. Acesso em: 7 dez. 2016.

A tendência das cidades é crescerem e aparecerem novos problemas, aqui encontram-se os grandes desafios da urbanização. Neste sentido, o planejamento tem uma relevância fundamental para a preservação e a sustentabilidade em todas as suas dimensões: social, ambiental, econômica, espacial etc. Os governantes, em conjunto com a sociedade, devem estudar, observar os indicadores e pôr em práticas as ações que visam à qualidade de vida da população atual, assim como ter o cuidado de garantir que as gerações futuras também tenham esta mesma qualidade.

Atualmente, metade da população mundial está na área urbana. Diante deste contexto, a zona rural e as pequenas cidades estão se esvaziando e as cidades de porte médio e as grandes cidades estão tendo sua população aumentando. Conforme podemos constatar pelos dados do IBGE sobre os desafios da urbanização:

A crescente urbanização coloca grandes desafios aos governos e países. Segundo o relatório anual das Nações Unidas, cerca de 160 mil pessoas abandonam, todos os dias, as zonas rurais e vão para as cidades. Atualmente, quase metade dos habitantes do planeta vive em zonas urbanas. As consequências são o agravamento das condições de vida e a falta de infraestrutura adequada para satisfazer as necessidades sempre crescentes nas cidades. [...] O crescimento se deu, sobretudo, nas grandes cidades. Os municípios de mais de 100 mil habitantes que contavam, em 1991, com 70,8 milhões de pessoas, passaram para 86,5 milhões em 2000. Os municípios com mais de 500 mil, que contavam com 38,8 milhões de habitantes, alcançaram 46,9 milhões em 2000. Já os municípios, com populações entre 10 e 100 mil habitantes, apresentaram baixo crescimento entre os dois últimos censos (IBGE, 2001, p. 1).

Aqui se explicam os grandes desafios dos governos e da sociedade para os novos enfrentamentos e, consequentemente, a criação de novas políticas visando amenizar os problemas enfrentados.

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A consciência política, o compromisso com os valores humanos e o cuidado com a natureza e as pessoas estão caracterizados ou deveriam estar implícitos na ação dos governos das três esferas, federal, estadual e municipal, sendo dado a esta última uma ênfase maior com relação às cidades.

A falta de planejamento de responsabilidade socioambiental incentiva o crescimento desordenado dos municípios brasileiros, além disso os excessos de consumo esgotam os recursos naturais. A consciência política é fundamental na prática da Responsabilidade Social.

Quando se trata de “Responsabilidade Social”, ao contrário do seu real significado, esta termologia é, muitas vezes, denominada para ações que, na prática, são puramente filantrópicas.

Qual a diferença entre filantropia e Responsabilidade Social? É certo que algumas empresas ou outras instituições, sejam elas governamentais ou não governamentais, utilizam o termo Responsabilidade Social como marketing para mostrar uma boa aparência aos consumidores ou clientes e, muitas vezes, confundem filantropia com o real significado do termo Responsabilidade Social (RS). No entanto, a nossa análise está em cima do real significado, e não da ação distorcida das instituições quanto a esse conceito. Como já mencionamos, a Responsabilidade Social deve constar no planejamento estratégico de qualquer instituição, tendo como propósitos a sustentação e a continuidade daquilo que foi projetado. Daí o nome sustentabilidade: aquilo que se sustenta por si só, cujo trabalho proferido pelo projeto alcance o objetivo esperado e significativo, que seja assíduo, que se preserve e se desenvolva. Já no caso da filantropia, não há uma responsabilidade, uma transformação e um real desenvolvimento, e sim uma dependência. É considerada uma assistência que ocorre esporadicamente sem a responsabilidade de prestação de contas, portanto não há necessidade de constar no balanço social das instituições. É nesse contexto que a análise deste estudo passa pela relação ética ou estética − estética no sentido

Prefeitos(as) de todo o país e partidos políticos podem confirmar seu engajamento com o desenvolvimento sustentável assinando a Carta-Compromisso 2016 (de candidato(a) a prefeito(a) e de partidos políticos). Candidatos à Câmara Municipal também podem aderir ao programa assinando o documento específico para o legislativo. As cartas devem ser assinadas, escaneadas e enviadas para o e-mail: [email protected] CIDADES SUSTENTÁVEIS. Carta-Compromisso 2016. Disponível em: <http://www.cidadessustentaveis.org.br/carta-compromisso-2016>. Acesso em: 7 dez. 2016.

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das aparências, em que se mascara uma realidade, o que se percebe muitas vezes nas ações políticas.

Neste contexto, a Responsabilidade Social é muito mais ampla e entra no planejamento estratégico de qualquer organização, instituição ou governo.

Confunde-se muitas vezes a Responsabilidade Social com as ações filantrópicas, as obrigações sociais e/ou as obrigações jurídicas. Ashley et al. (2002, p. 6) assim definem Responsabilidade Social:

Concluindo, como vimos na citação de Ashley et al. (2002, p. 6), “a organização assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei”. Vamos entender as obrigações jurídicas, constitucionais e Responsabilidade Social.

Quanto à obrigação que está dentro da órbita jurídica, há um dever jurídico que se relaciona a uma lei específica ou a um contrato firmado entre as partes. No entanto, se considerarmos que constitucionalmente todos têm direito à vida e a viver num meio ambiente que proporciona qualidade de vida, como mencionado por meio de tratados e convenções internacionais, quanto ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente saudável e equilibrado, significa dizer que, direta ou indiretamente, ainda que a Responsabilidade Social não esteja necessariamente incluída no campo jurídico, estando mais na consciência das pessoas e das instituições, ela é, mesmo que indiretamente, uma obrigação de toda sociedade, fazendo cumprir o que na teoria constitucional e nas convenções dos homens está escrito.

[…] compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo específico, agindo proativamente e coerentemente no que tange a seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela. A organização, neste sentido, assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não diretamente vinculadas a suas atividades, mas que possam contribuir para o desenvolvimento sustentável dos povos. Assim, numa visão expandida, responsabilidade social é toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade (grifo nosso).

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Em função da complexidade das relações internacionais e da necessidade de conservação do meio ambiente o homem estabelece uma série de direitos considerados fundamentais para o convívio entre os povos. Esses direitos que se encontram formalizados por meio de tratados e convenções internacionais tomam a forma de uma verdadeira Constituição Planetária. Tal Constituição tem como escopo salvaguardar os direitos mínimos dos cidadãos e o respeito ao meio ambiente para que se torne possível a preservação do planeta. Em função disso, constata-se cada vez mais que o direito ao meio ambiente saudável se concretiza internacionalmente como um direito fundamental, razão pela qual tal direito já se encontra preservado dentro da Constituição de diversos países, inclusive o Brasil (OTTONI; COSTA, 2012, p. 1).

Quais são os fundamentos da República? Não é o princípio da dignidade da pessoa humana? E o objetivo fundamental não é o desenvolvimento do país? O Brasil deve conduzir suas relações internacionais tendo como objetivo a cooperação entre os povos para o progresso de toda a sociedade e, consequentemente, a proteção do meio ambiente, que é uma das partes importantes quando o assunto é a qualidade de vida das pessoas.

Portanto, o que se espera de toda a sociedade, das instituições públicas e privadas, das governamentais e não governamentais, da sociedade civil e de outras com relação à dignidade humana tanto na convivência social quanto aos aspectos do trabalho é um comportamento ético, transparente, que não seja uma filantropia, mas uma responsabilidade de fato. É o trabalho que dignifica o homem e que desenvolve o progresso tanto das pessoas quanto da sociedade como um todo.

Sustentabilidade pode ser definida também como o desenvolvimento de ações, para o meio ambiente e a sociedade, capazes de satisfazer as necessidades dessa sociedade sem prejudicar as oportunidades das gerações futuras.

1.2 Sustentabilidade socioambiental

O conceito de sustentabilidade e desenvolvimento sustentávelO conceito de sustentabilidade comporta sete aspectos ou dimensões

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principais: Social, Econômica, Ecológica, Cultural, Espacial, Política e Ambiental. Disponível em: <http://www.catalisa.org.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=30&Itemid=59>. Acesso em: 7 dez. 2016.

Podemos perceber que um dos papéis mais importantes dos gestores públicos e privados é trabalhar, em um primeiro momento, as parcerias, ou seja, as mobilizações entre o governo, as instituições e a sociedade civil. Este é um dos caminhos não somente para a sustentabilidade social, econômica e ambiental, como para a própria sustentabilidade governamental, pois o governante e o empresário precisam ir além de suas convicções para proporcionar uma ação dentro da ética da responsabilidade. Atualmente, podemos citar como exemplo a Lei da Responsabilidade Fiscal.

A Lei de Responsabilidade Fiscal é um código de conduta para os administradores públicos de todo o país, que passa a valer para os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal).

Você sabe definir o que é crise? A crise tem sempre a origem na economia, pois a economia, a sociedade e o meio ambiente estão interligados. Por quê? Como mencionamos na primeira seção, o homem e a natureza estão num mesmo espaço geográfico. O sentido é de desequilíbrio e, no nosso caso, é o desequilíbrio do trinômio “economia, sociedade e meio ambiente”. Ao observarmos o problema dos conflitos existentes atualmente, chegaremos sempre na questão dos recursos escassos.

1.3 Conflitos socioambientais

“DESENVOLVIMENTO” “SUSTENTÁVEL”Será que tais conceitos carregam ideias e, principalmente, ideais diferentes?É possível a junção dos dois termos?

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Os próprios termos “Desenvolvimento” e “Sustentável” podem, considerando o ângulo em que são analisados, trazer uma certa reflexão sobre seu significado.

Em relação à primeira expressão, a incorporação do “sustentável” ao “desenvolvimento” demonstra o reconhecimento de limites para essa ação, buscando a harmonia entre desenvolvimento econômico, social e a manutenção do ambiente.

Se considerarmos o atual modo de produção capitalista em que vivemos, a concepção de “desenvolvimento” significa crescimento econômico, baseado no lucro que é gerado a partir da exploração do homem (mão de obra) e da natureza (matéria-prima e recursos energéticos). Por outro lado, a palavra “sustentável”, que adjetiva o primeiro termo, inclui a ideia de preservação e conservação da natureza a partir do uso racional dos recursos e qualidade de vida para todos. Desse modo, surgiu a questão: será possível um desenvolvimento, aos moldes do que conhecemos atualmente, que seja sustentável?

Nesse debate, existem os que acreditam que isso seja possível: o modelo hegemônico pode ser ajustado para se alcançar um equilíbrio, buscando, nos avanços tecnológicos, as soluções para a problemática ambiental, sem questionar o padrão de produção e consumo atual. Por outro lado, há os que acreditam ser o termo desenvolvimento sustentável controverso, pois como conseguir ser sustentável em um modelo de desenvolvimento que precisa justamente explorar pessoas e recursos naturais para se manter?

O levantamento da percepção ambiental e da realidade de cada cidade ou espaço geográfico deve obedecer aos requisitos e aos indicadores para uma ação mais eficaz.

Para tratarmos de questões ambientais, precisamos entender a relação homem e natureza, conhecer o universo das pessoas e perceber seus problemas e, consequentemente, o meio em que estão inseridas.

1. Por que é importante as políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e a educação ambiental?

2. O que são cidades sustentáveis?

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Seção 2

Tecnologia e sustentabilidade

Nas questões de tecnologia e sustentabilidade, há uma relação compatível com as transformações ocorridas na sociedade contemporânea. A tecnologia é vista como um instrumento que oferece imensas oportunidades para elevar a produtividade e os padrões de vidas da população, no entanto, é possível perceber a necessidade de observação e avaliação dos riscos. Nesta seção, procuraremos mostrar que a responsabilidade social não é somente do Estado, ou que não devemos esperar pela vontade de cumprir a sua função, mas que todos nós, cidadãos, temos papel fundamental neste processo. São muitos os desafios para que se possam atingir os objetivos necessários, embora possa haver desconfiança, a inovação tecnológica e a sustentabilidade são causas inspiradoras para muitos profissionais da área ambiental.

Introdução à seção

O mundo está em transformação e, ao longo dos últimos anos, foi possível perceber e acompanhar as transformações da sociedade advindas da globalização da economia e da revolução das tecnologias de comunicação e informação. Este processo de globalização afeta, hoje, todas as esferas da sociedade, seja ela econômica, política, científica, sociocultural e até mesmo educativa.

Os reflexos desse contexto para o ambiente corporativo, que exige mudanças na forma de gerenciar os processos produtivos, administrativos e também as pessoas, precisam ser repensados, pois o excesso da busca constante de riquezas e de exploração do meio ambiente força a necessidade de estudos e de novas alternativas para o equilíbrio socioambiental. Neste sentido, a sustentabilidade e o uso de inovações tecnológicas são necessárias para repensar a estabilização da relação homem e natureza. Percebe-se a necessidade, além dos instrumentais técnicos, também de comprometimentos com as consequências em todas as dimensões em que se pode trabalhar a sustentabilidade.

2.1 Tecnologia e desenvolvimento humano

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Quando se fala em preservação do meio ambiente, qualidade de vida das pessoas e Direitos Humanos, passamos pela questão da sustentabilidade, que é primordial nos dias atuais. Neste contexto, tanto a sustentabilidade quanto a tecnologia estão intrinsecamente relacionadas. A inovação e as novas técnicas são consideradas como a opção mais atraente e criativa quanto aos impactos ambientais enfrentamentos pelas instituições.

Embora, de um lado, se observa o apoio ao desenvolvimento ambiental sustentável que perpassa por uma ideia positiva quanto às novas tecnologias, aquelas que conservem recursos e reduzam a poluição e se apresenta como um instrumento adequado que ajuda na busca da qualidade de vida, por outro lado há também uma certa desconfiança em relação às promessas e aos riscos das novas tecnologias, como podemos observar a seguir:

Quando se fala de desenvolvimento humano, apesar de tantas adversidades, existe ainda esperança de que as novas tecnologias irão conduzir para vidas mais saudáveis, maiores liberdades sociais, conhecimento e meios de vida mais dignos (ALMEIDA, 2016, p. 52).

A tecnologia continuará a mudar a tessitura social, econômica e cultural das nações e da comunidade mundial. Administradas com cautela, as tecnologias novas e emergentes oferecem imensas oportunidades para elevar a produtividade e os padrões de vida, melhorar a saúde e conservar a base de recursos naturais. Muitas também trarão novos riscos, exigindo maior capacidade para avaliá-los e administrá-los (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 358, grifo nosso).

Portanto, embora as tecnologias ofereçam imensas oportunidades, é também preciso observar e compreender os possíveis riscos e entender o papel e a eficiência na consecução da sustentabilidade.

São muitos os desafios para que se possam atingir os objetivos necessários, embora possa haver desconfiança, a inovação tecnológica e a sustentabilidade são causas inspiradoras para muitos profissionais da área ambiental.

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Fonte: Kickante (2016, p. 1).

Figura 4.1 | Tecnologia e Meio Ambiente

O mundo natural traz incógnitas e muito esforço para buscar o tão esperado equilíbrio e vencer os desafios da contradição entre os termos “desenvolvimento”, que tem por significado o progresso socioeconômico e, ao mesmo tempo, a “sustentabilidade”, que freia e determina a necessidade de analisar os avanços buscando valorizar o meio natural.

Estudos sobre o desenvolvimento humano iniciaram-se por volta dos anos 50, quando muitos territórios coloniais tornaram-se independentes. A ONU denominou a década de 60 como a Primeira Década das Nações Unidas para o Desenvolvimento, imaginando que através da cooperação internacional, proporcionando crescimento econômico pela transferência de tecnologia, experiência e fundos monetários, os problemas dos países subdesenvolvidos pudessem ser rapidamente desenvolvidos. Tal otimismo dissolveu-se poucos anos mais tarde, quando se verificou o crescimento da pobreza e das desigualdades, no assim chamado Terceiro Mundo (CORDANI, 1995, p. 13).

O Brasil tem muito ainda a se desenvolver na área tecnológica, utilizando-a para a concretização do Desenvolvimento Sustentável e Ambiental. Portanto, é preciso fazer uso do benchmarking ambiental. Observar as boas práticas por meio de comparações competitivas. A partir daí é preciso transformar a realidade socioambiental por meio da educação ambiental, buscando formar a consciência e a sensibilização das pessoas.

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No atual contexto da sociedade humana, muitos são os desafios com que nos defrontamos. Os problemas sociais, ou mais precisamente, os mais diversos tipos de enfrentamentos não são vencidos pelo Estado. Até porque o desenvolvimento econômico não foi proporcional ao crescimento econômico. Este se mostrou incapaz de solucionar tais enfrentamentos.

Essa ineficiência do Estado proporcionou o surgimento das organizações não governamentais como mais uma possibilidade de buscar soluções imediatas aos problemas mais emergentes. Nesse caso, entra em ação a sociedade civil para defender suas causas e seus problemas.

Entre as medidas econômicas, desde Adam Smith passando pelo Estado do Bem-Estar Social de Keynes e seguidas pelos neoliberais, nota-se a ausência das funções sociais que competem ao Estado, conforme comenta Roman (2004, p. 37):

2.2 Fundamentos políticos da proteção do meio ambiente

O esvaziamento da capacidade do Estado para cumprir funções sociais, que lhe cabiam historicamente, deixou um vácuo que deve ser preenchido. Inseridos nesse cenário é que devemos refletir sobre os discursos produzidos hoje sobre a responsabilidade social das empresas.

Se o Estado não dá conta de resolver as soluções para uma melhor qualidade de vida da população, quais são os caminhos a serem seguidos? Devemos esperar só pela ação do Estado?

E as instituições? São obrigadas a contribuir para que a população atual e, consequentemente, as gerações futuras possam viver de maneira digna com qualidade de vida? À medida que a empresa foi se vendo obrigada a repensar alguns de seus valores no sentido de constituir mais que uma realidade econômica, foi sendo incorporado à sua filosofia um contexto social, dentro do qual se estabeleceram responsabilidades socioambientais.

O meio ambiente está inserido entre os direitos de 3° geração, porém isso não significa que as consideradas anteriores sejam excluídas, mas sim esta é uma

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sequência que traz a ideia de harmonização, de continuidade, complemento. Quando mencionamos que a responsabilidade vai além das questões jurídicas e que é uma questão moral, neste contexto questionamos: as instituições têm a obrigação devida para com a sociedade? Sim, porque a própria Constituição (BRASIL, 2015), no art. 225, que assim dispõe:

Neste sentido, quando analisamos a responsabilidade social versus responsabilidades jurídicas, verifica-se que as indústrias, por exemplo, precisam, de forma direta ou indireta, dos recursos naturais para a realização de sua produção. Pergunta-se: de quem são os recursos naturais? Das indústrias? Não, os recursos que estão disponibilizados na natureza pertencem à sociedade, no entanto, as empresas apropriam-se delas para a devida transformação enquanto matéria-prima, criando seus produtos e obtendo lucros com elas. Nesse caso, o que deve ser cobrado é pelo trabalho de transformação dos recursos naturais e seu respectivo valor de uso. Nesse contexto, entende-se que cada instituição deve dar um retorno da mesma proporção em forma de benefícios, tanto ao social quanto ao meio ambiente e, consequentemente, ao anfitrião dessa transformação, o trabalhador. Por que as indústrias devem se conscientizar disso? Porque, ao extrair a matéria-prima da natureza, elas criam gradativamente um passivo ambiental, e assim acabam por trazer graves problemas aos indivíduos. É a sociedade que sofre as consequências da ação industrial.

Quando falamos de ação industrial, não estamos nos referindo apenas à questão da transformação da matéria-prima, mas a toda a trajetória e aos impasses decorrentes dessa ação, como a poluição, as doenças e a contribuição para a efetiva escassez cada vez mais presente desses recursos, que não são propriedades das empresas industriais, mas de toda a sociedade e da biodiversidade. Seria possível dizer que essa obrigação seria apenas das indústrias por estarem diretamente ligadas às transformações? Necessariamente não, pois se considerarmos que o comércio também contribui para a contínua extração dos produtos naturais, então elas, as empresas comerciais, além das obrigações sociais ou do cumprimento de suas funções sociais, também têm que ser responsáveis socialmente, ou seja, cumprir com a sua parte colaborando com o sistema social e ambiental.

Quanto à obrigação que está dentro da órbita jurídica, há um dever jurídico que se relaciona a uma lei específica ou a um contrato firmado entre as partes. No entanto,

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

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se considerarmos que, constitucionalmente, todos têm direito à vida e a viver em um meio ambiente que proporciona qualidade de vida, como mencionado por meio de tratados e convenções internacionais quanto ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente saudável e equilibrado, significa dizer que, direta ou indiretamente, ainda que a Responsabilidade Social não esteja necessariamente incluída no campo jurídico, estando mais na consciência das pessoas e das instituições, ela é, mesmo que indiretamente, uma obrigação de toda sociedade, fazendo cumprir o que na teoria constitucional e nas convenções dos homens está escrito.

Entende-se, nesse contexto, que a responsabilidade social das empresas, embora seja caracterizada como não obrigatória, algo que se realiza para além da lei e da lucratividade, é importante na prática para enfatizar e dar credibilidade à teoria constitucional. Portanto, podemos concluir que a responsabilidade social é distinta de obrigações até certo limite, não descaracterizando de certa forma a sua obrigatoriedade das instituições jurídicas, tendo em sua essência, portanto, a necessidade de refletirmos o teor da obrigatoriedade dentro desse conceito de responsabilidade social. É certo que as empresas não são obrigadas a realizar ações fora da órbita jurídica, teoricamente, no entanto, o que está em jogo são os valores morais e a própria pressão do mercado em que a nova visão empresarial está marcada pela transição do paradigma industrial para o paradigma pós-industrial. Considere-se que as empresas de hoje não podem ser avaliadas com os padrões tangíveis de ontem, pois os referenciais intangíveis, como marca, imagem, prestígio e confiabilidade decidem a permanência das empresas no mercado, tornando-as preferenciais e garantindo ao mesmo tempo a sua continuidade. São as mudanças ocorridas na modernidade que forçaram as empresas a saírem de uma visão tradicional para uma nova forma de administração quebrando os paradigmas tradicionais. A responsabilidade é de todo o grupo social, governo e sociedade civil. Portanto, há de salientar que:

Isso nos introduz a ideia de substituição das funções essenciais do Estado para a iniciativa privada. Esta ideia tem sua vertente negativa, porque pode significar abandono social da população, no caso brasileiro é quase uma renúncia ao Estado de bem-estar social. Entretanto, esta crítica não significa que rechaçamos a ideia do engajamento da sociedade como um todo, inclusive as empresas, no sentido de viabilizar melhores condições de vida. Afinal, a política social depende da participação intensa, dinâmica e revitalizadora de todo o aparato social. Todavia, esta atitude de substituição pode acelerar o abandono/redução governamental/estatal das políticas públicas (saúde, educação etc.), o que não é desejável sob nenhum ponto de

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vista. Dizemos isto, porque aceitar substituições pode desembocar num clientelismo e numa manipulação política maniqueísta, indesejáveis num modelo de Estado Democrático. Em uma democracia insipiente como a nossa, haveria certamente lugar para oportunistas (ALMEIDA, 2006, p. 1).

Quais são os fundamentos da República? Não é o princípio da dignidade da pessoa humana? E o objetivo fundamental não é o desenvolvimento do país? O Brasil deve conduzir suas relações internacionais tendo como objetivo a cooperação entre os povos para o progresso de toda a sociedade e, consequentemente, a proteção do meio ambiente, que é uma das partes importantes quando o assunto é a qualidade de vida das pessoas. Portanto, o que se espera de toda a sociedade, das instituições públicas e privadas, das governamentais e não governamentais, da sociedade civil e de outras com relação à dignidade humana tanto na convivência social quanto aos aspectos do trabalho é um comportamento ético, transparente, que não seja uma filantropia, mas uma responsabilidade de fato. É o trabalho que dignifica o homem e que desenvolve o progresso tanto das pessoas quanto da sociedade como um todo.

1. Quando mencionamos que a responsabilidade vai além das questões jurídicas e que é uma questão moral, neste contexto questionamos: por que as instituições têm a obrigação devida para com a sociedade?

2. Entende-se que a Responsabilidade Social das empresas, embora seja caracterizada como não obrigatória, algo que se realiza para além da lei e da lucratividade, é importante na prática para enfatizar e dar credibilidade à teoria constitucional e à sua própria existência no mercado. Por quê?

É importante que sejam realizadas Políticas Públicas comprometidas com o desenvolvimento sustentável e,

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principalmente com a conscientização da sociedade pela educação ambiental.

Como mencionam Araújo e Arruda (2010, p. 289), “O alto crescimento do consumo é conflitante com o meio ambiente, ocasionando degradação ecológica e via de regra, social”.

Portanto, as Políticas Públicas, visando à harmonia nesta relação entre o homem e o meio ambiente, são fundamentais pela sustentabilidade social e ambiental.

E, atualmente, o que se tem apresentado como exemplo de boas políticas nesta área é o programa "Cidades Sustentáveis".

As cidades sustentáveis são aquelas cujos governantes têm um olhar para os verdadeiros problemas das cidades, como mobilidade, iluminação com células solares, políticas de reduções de carbono, a questão da biodiversidade, resíduos sólidos, redução das emissões de gases que causam o efeito estufa, conservação dos recursos naturais e proteção ambiental.

A falta de planejamento de responsabilidade socioambiental incentiva o crescimento desordenado dos municípios brasileiros, além disso os excessos de consumo esgotam os recursos naturais. A consciência política é fundamental na prática da responsabilidade social.

A responsabilidade social deve constar no planejamento estratégico de qualquer instituição, tendo como propósitos a sustentação e a continuidade daquilo que foi projetado. Daí o nome sustentabilidade: aquilo que se sustenta por si só, cujo trabalho proferido pelo projeto alcance o objetivo esperado e significativo, que seja assíduo, que se preserve e se desenvolva.

Já no caso da filantropia, não há uma responsabilidade, uma transformação e um real desenvolvimento, e sim uma dependência. É considerada uma assistência que ocorre esporadicamente sem a responsabilidade de prestação de contas, portanto, não há necessidade de constar no balanço social das instituições.

Sustentabilidade pode ser definida também como o desenvolvimento de ações para o meio ambiente e a sociedade, capazes de satisfazer as necessidades dessa sociedade sem prejudicar as oportunidades das gerações futuras.

Os termos “Desenvolvimento” e “Sustentável”, considerando a primeira expressão, a incorporação do “sustentável” ao “desenvolvimento” demonstra o reconhecimento de limites

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para essa ação, buscando a harmonia entre desenvolvimento econômico, social e a manutenção do ambiente.

Neste sentido, a concepção de “desenvolvimento” significa crescimento econômico, baseado no lucro que é gerado a partir da exploração do homem (mão de obra) e da natureza (matéria-prima e recursos energéticos). Por outro lado, a palavra “sustentável”, que adjetiva o primeiro termo, inclui a ideia de preservação e conservação da natureza, a partir do uso racional dos recursos e qualidade de vida para todos. Desse modo, surgiu a questão: será possível um desenvolvimento, aos moldes do que conhecemos atualmente, que seja sustentável?

Quando se fala em preservação do meio ambiente, qualidade de vida das pessoas e Direitos Humanos, passamos pela questão da sustentabilidade, que é primordial nos dias atuais. Neste contexto, tanto a sustentabilidade quanto a tecnologia estão intrinsecamente relacionadas. A inovação e as novas técnicas são consideradas como as opções mais atraentes e criativas quanto aos impactos ambientais enfrentamentos pelas instituições. Entende-se, nesse contexto, que a responsabilidade social das empresas, embora seja caracterizada como não obrigatória, algo que se realiza para além da lei e da lucratividade, é importante na prática para enfatizar e dar credibilidade à teoria constitucional.

É certo que as empresas não são obrigadas a realizar ações fora da órbita jurídica, teoricamente, no entanto, o que está em jogo são os valores morais e a própria pressão do mercado em que a nova visão empresarial está marcada pela transição do paradigma industrial para o paradigma pós-industrial. Considere-se que as empresas de hoje não podem ser avaliadas com os padrões tangíveis de ontem, pois os referenciais intangíveis, como marca, imagem, prestígio e confiabilidade, decidem a permanência das empresas no mercado, tornando-as preferenciais e garantindo, ao mesmo tempo, a sua continuidade.

Nesta unidade, você percebeu a importância das políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e a educação ambiental, não no sentido de especificar as Políticas Públicas atuais existentes, identificando-as uma a uma, mas com o

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objetivo de observar e refletir a essência destas na perspectiva dos indicadores e a sua aplicação no que se refere à Responsabilidade Social e Sustentabilidade. Portanto, tomamos como exemplo de boas práticas as Políticas Públicas que surgem a partir do programa "Cidades Sustentáveis", sempre direcionando às temáticas: sustentabilidade socioambiental; conflitos socioambientais; meio ambiente, tecnologia e sustentabilidade e fundamentos políticos da proteção do meio ambiente.

1. Analise os dois textos a seguir:

Texto 1. A consciência política, o compromisso com os valores humanos e o cuidado com a natureza e as pessoas estão caracterizados ou deveriam estar implícitos na ação dos governos das três esferas: federal, estadual e municipal. Dado a esta última uma ênfase maior com relação às cidades, neste sentido, prefeitos(as) de todo o país e partidos políticos podem confirmar seu compromisso com desenvolvimento sustentável assinando a carta compromisso.

Texto 2. As cidades sustentáveis são aquelas que adotam uma série de práticas eficientes voltadas para a melhoria da qualidade de vida da população, desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. Geralmente, são cidades muito bem planejadas e administradas. Atualmente, existem várias cidades no Brasil e no mundo que já adotam práticas sustentáveis. Embora não podemos encontrar uma cidade que seja 100% sustentável, várias delas já praticam ações sustentáveis em diversas áreas (SUA PESQUISA, 2016, p. 1).

A partir dos textos acima e considerando as “ações sustentáveis” propostas pelo programa "Cidades Sustentáveis", analise as afirmações a seguir.

I. Promover comunidades inclusivas e solidárias.

II. Aumento do transporte coletivo e de frotas de táxis, visando melhorar a mobilidade urbana.

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III. Promover a mobilidade sustentável, reconhecendo a interdependência entre os transportes, a saúde, o ambiente e o direito à cidade.

IV. Apoiar e criar as condições para uma economia local dinâmica e criativa, que garanta o acesso ao emprego sem prejudicar o ambiente.

É correto apenas o que se afirma em:

a) I e II.

b) I, III e IV.

c) II e III.

d) II e IV.

e) I, II, III e IV.

2. A carta de adesão ao Programa Cidades Sustentáveis é o documento pelo qual os prefeitos assumem o compromisso de atuar em prol de uma cidade sustentável. Com relação a este documento, julgue as sentenças a seguir:

I. O prefeito concorda em produzir um documento diagnóstico da situação atual que contenha, no mínimo, os indicadores básicos da Plataforma Cidades Sustentáveis.

II. O diagnóstico será apresentado em até 120 dias após a data da assinatura do compromisso.

III. Concorda em publicar e divulgar, em até cinco meses antes do final do mandato, um relatório de prestação de contas que contenta, no mínimo, os indicadores básicos da Plataforma.

IV. Caso seja candidato à reeleição e ganhe um segundo mandato, concorda em assumir o compromisso de assinar e colocar em prática a íntegra do documento.

É correto o que se afirma apenas em:

a) I e II.

b) I e III.

c) I, II, III e IV.

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d) I, II e IV.

e) II, III e IV.

3. Quando se trata de “Responsabilidade Social”, ao contrário do seu real significado, esta terminologia é muitas vezes relacionada a ações que na prática são puramente filantrópicas. Sobre a Responsabilidade Social e a Filantropia, analise as afirmativas a seguir:

I. A responsabilidade social deve constar no planejamento estratégico de qualquer instituição, tendo como propósitos a sustentação e a continuidade daquilo que foi projetado.

II. O nome sustentabilidade: aquilo que se sustenta por si só, cujo trabalho proferido pelo projeto alcance o objetivo esperado e significativo, que seja assíduo, que se preserve e se desenvolva.

III. Na filantropia, não há uma responsabilidade, uma transformação e um real desenvolvimento, e sim uma dependência.

IV. A filantropia é considerada uma assistência que ocorre esporadicamente sem a responsabilidade de prestação de contas, portanto não há necessidade de constar no balanço social das instituições.

É correto o que se afirma apenas em:

a) II e III.

b) I e IV.

c) I e III.

d) I, II, III e IV.

e) II e IV.

4. Ashley et al. (2002, p. 6) assim definem Responsabilidade Social:

"[…] compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes

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que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo específico, agindo proativamente e coerentemente no que tange a seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela. A organização, neste sentido, assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não diretamente vinculadas a suas atividades, mas que possam contribuir para o desenvolvimento sustentável dos povos. Assim, numa visão expandida, responsabilidade social é toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade" (grifo nosso).

Com relação ao texto acima, considerando as frases sublinhadas, o autor está querendo dizer que:

I. Quanto à obrigação que está dentro da órbita jurídica, há um dever jurídico que se relaciona a uma lei específica ou a um contrato firmado entre as partes; portanto, Responsabilidade Social é o mesmo que obrigações jurídicas.

II. A responsabilidade social das empresas, embora seja caracterizada como não obrigatória, algo que se realiza para além da lei e da lucratividade, é importante na prática para enfatizar e dar credibilidade à teoria constitucional.

III. Que as empresas não são obrigadas a realizar ações fora da órbita jurídica, teoricamente, no entanto, o que está em jogo são os valores morais e a própria pressão do mercado em que a nova visão empresarial está marcada pela transição do paradigma industrial para o paradigma pós-industrial.

IV. Uma empresa que respeita as leis, paga seus impostos, cuida da saúde e segurança de todos os seus colaboradores não está praticando a responsabilidade sócia, mas sim, praticando o cumprimento da lei. Portanto, não se deve confundir “obrigações” com “Responsabilidade Social”, pois a Responsabilidade Social vai além do lucro e do que determina a legislação.

É correto o que se afirma apenas em:

a) I e II.

b) I e III.

c) II, III e IV.

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d) III.

e) I, III e IV.

5. Embora, de um lado, se observe o apoio ao desenvolvimento ambiental sustentável que perpassa uma ideia positiva quanto às novas tecnologias, aquelas que conservam recursos e reduzam a poluição e se apresentam como instrumentos adequados que ajudam a qualidade de vida, por outro lado há também uma certa desconfiança em relação às promessas e aos riscos das novas tecnologias. Com relação a esta temática, avalie as afirmações a seguir:

I. A tecnologia continuará a mudar a tessitura social, econômica e cultural das nações e da comunidade mundial.

II. Administradas com cautela, as tecnologias novas e emergentes oferecem imensas oportunidades para elevar a produtividade e os padrões de vida, melhorar a saúde e conservar a base de recursos naturais.

III. Administradas com cautela, as tecnologias novas e emergentes oferecem imensas oportunidades para elevar a produtividade e os padrões de vida, melhorar a saúde e conservar a base de recursos naturais.

IV. O meio ambiente interligado às tecnologias são incompatíveis, pois estas acabam por desencadear inúmeras ações não naturais, interferindo negativamente na relação homem e natureza.

É correto o que se afirma apenas em:

a) I, II e IV.

b) I, II e III.

c) I e IV.

d) I e III.

e) IV.

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