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JOÃO CARLOS CORREIA UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Sociedade e comunicação: estudos sobre jornalismo e identidades

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JOÃO CARLOS CORREIA

UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIORUNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIORUNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIORUNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIORUNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

Sociedade e

comunicação:

estudos sobre

jornalismo e

identidades

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Série - Estudos em Comunicação

Direcção: António Fidalgo

Design da Capa: Jorge Bacelar

Edição e Execução Gráfica: Serviços Gráficos da Universidade

da Beira Interior

Tiragem: 300 exemplares

Covilhã, 2005

Depósito Legal Nº 230277/05

ISBN – 972-8790-35-X

Apoio:

Programa Operacional Ciência, Tecnologia, Inovação do III QuadroComunitário de Apoio

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ÍNDICE

Apresentação e Agradecimentos........................................ 7

Elementos para uma crítica da mediação moderna ........ 9

Comunicação e deliberação democrática: algumas

reflexões.............................................................................39

A fragmentação do espaço público: novos desafios ético-

políticos..............................................................................55

A emergência do individualismo na cultura mediática

contemporânea....................................................................75

Os administradores de ilusões: espectáculo, subjectividade

e ideologia na cultura mediática contemporânea..........91

Cidadania, Comunicação e Literacia Mediática..........125

Fenomenologia e Teoria dos Sistemas: reflexões sobre um

encontro improvável........................................................141

O Poder do Jornalismo e a Mediatização do Espaço

Público.............................................................................183

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APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS

Estes textos são o testemunho da tentativa de transformarem livro o núcleo central das preocupações que ao longode 8 anos de investigação constituíram a preocupação doautor: o jornalismo e a representação das identidades; a emer-gência das identidades e o impacto das mesmas no pluralismosociológico e na fragmentação cultural; a espectacularizaçãoda informação e as consequências deste fenómeno na ex-periência identitária e na participação cívica e os «efeitosdos media» em geral e do jornalismo, em particular. Paraalém destes textos de natureza especialmente problematizante,há ainda um pequeno conjunto de textos que abordam estasproblemáticas a partir de escolas bem definidas (TeoriaCrítica, Fenomenologia Social e a Teoria dos Sistemas),recorrendo-se neste caso à revisão da literatura, procedendoà apresentação de três autores cuja obra têm um especialimpacto nas Ciências da Comunicação: Habermas, AlfredSchutz e Niklas Luhmann.

Com este volume pretendem-se os seguintes objectivosprincipais: a) dotar os estudantes de Ciências da Comuni-cação com uma abordagem sistemática e coerente sobre umconjunto de problemas que implicam o recurso à TeoriaPolítica, à Teoria da Informação e à Sociologia da Comu-nicação; b) contribuir para o aprofundamento de um tra-balho de investigação sobre um conjunto de temas profun-damente interligados entre si e que já fizeram escola noâmbito da investigação portuguesa em Ciências da Comu-nicação.

Estes textos reflectem muitos diálogos, nomeadamentecom os colegas do Departamento de Comunicação e Artesda UBI. Tais diálogos reflectem os ainda as matrizes te-óricas plurais deste conjunto de interlocutores, nomeadamente

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as suas proveniências da Filosofia, a sua relação com asCiências Sociais conjugada com uma forte sensibilidade paraas transformações tecnológicas.

Por outro lado, reflectem diálogos exaustivos com muitosalunos: em Covilhã e na UBI, em primeiro lugar.

O agradecimento maior é devido à paciência da minhafamília. Em cada livro publicado (já vão cinco, sem contarcom este) desagua um certo número de brincadeiras quenão foi partilhado ou de trabalhos de casa em que colaboreimenos.

João Carlos Correia

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ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICADA MEDIAÇÃO MODERNA

Introdução

As relações entre o indivíduo e a sociedade foram alvode uma mediatização generalizada no decurso da qual aconstrução de imaginários, a formulação de normas e aconsolidação de visões do mundo dependem cada vez maisda presença de órgãos de comunicação social. O aceleramentodesta mediatização tem vindo a comportar consequênciasque se fazem sentir, nomeadamente, ao nível das relaçõesentre público e privado. A principal preocupação deste textoé debruçar-se sobre a enfatização da individualidade comofenómeno indutor do pluralismo normativo e da fragmen-tação cultural, analisando a sua relação com a vivência dosdestinos colectivos no plano da esfera pública.

Os seres humanos agem em relação à realidade com baseno significado que lhe atribuem e esse significado provémem primeira instância dos processos de interacção sociale de mediação simbólica. Tais processos comportam umadimensão cognitiva – sustentam as representações sociaisda realidade social e natural – e uma dimensão prescritiva– indicam os objectivos e as normas de acordo com as quaisos indivíduos e as colectividades devem comportar-se. Esteponto de vista significa a adesão a uma perspectiva querealça o papel da linguagem, a qual deixa de ser consideradacomo instrumento para se constituir em elemento estruturantedas relações sociais. De acordo com esta visão, de certaforma, a mediação linguística desempenha um papel fun-damental na constituição da experiência que temos do mundo.

A linguagem aparece, assim, associada ao viver emcomum. É através da mediação, designadamente a mediação

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Sociedade e Comunicação: Estudos sobre Jornalismo e Identidades

linguística, que se manifestam as expectativas recíprocas emque assentam as diversas interacções praticadas no mundoda vida. A consciência da importância crescente das me-diações simbólicas significa a abertura de um campo detensão no qual se não aceita a absoluta conformação domundo num sentido unilateral mas, antes, se reconhece ateia de relações complexas entre a linguagem e o mundoda vida. A linguagem é, no seio da cultura, um lugar detensão entre a unidade e a pluralidade, entre o uno e o diverso,entre a reificação e a busca intercompreensiva de contextoscomunicacionais marcados pelo interesse emancipatório.Lugar de resistência ou de fechamento, ou espaço onde ambasas possibilidades se cruzam dialecticamente, a linguagem,em geral, pode cristalizar-se num universo de sobreditos queinterditam dizeres novos. No mundo da vida, a linguagemtem em si mesma a possibilidade de assumir a reflexividadeactualizando a potência que em si contém de nomear o Outrocomo “segunda pessoa”, apelando ao exercício crítico daracionalidade e superando a dinâmica holística e anteriorao indivíduo, que também é constitutiva do mundo da vida.Como se existisse em si uma impossibilidade de totalfechamento – que se confundiria, afinal, com um silêncio– a linguagem, apesar de tudo, interpela e interpela-se, mesmoquando, através de numerosos mecanismos, a pretendemsilenciar quanto ao dizer de outro modo. Ao contrário dealguns para quem “a linguagem não está concebida paranela se acreditar, mas para obedecer e fazer obedecer”(Deleuze e Guattari, 1980: 125), a verdade é que os modosde exercício do poder que se configuram também no interiorda linguagem não são todos idênticos sendo, por vezes, apotencialidade reflexiva da palavra que conduz de formapermanente à questionação do que se tinha por adquirido,deixando sempre em aberto o problema da legitimidade(Habermas, 1987 a: 69-70).

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Elementos para uma crítica da mediação moderna

Enquanto caso particular da mediação linguística, alinguagem dos media suscita perplexidades visíveis que sefazem sentir nas contradições que estalam entre o desejode sintonia dos media de massa com as normasconsensualmente aceites e a influência dos mesmos mediana segmentação e na fragmentação cultural, designadamenteas resultantes da composição, recomposição e formação deidentidades sociais.

Em face dos processos de diferenciação e fragmentaçãocultural, no decorrer dos quais os media contribuíram, demodo decisivo, para a emergência e redescoberta das iden-tidades, urge debater, ao longo deste trabalho, se nosencontramos perante potencialidades emancipatórias novase decisivas ou, pelo contrário, perante esferículas que apenaspretendem desenvolver ao nível capilar a força dominadorade um mercado que explode em miríades de segmentos(Gitlin, 1995). Para responder a esta dúvida, urge efectuarum percurso sobre os seguintes pontos:

- um esforço crítico de compreensão da centralidade damediação na própria formação das identidades;

- uma insistência particular naquelas perspectivas te-óricas que defendem formas de mediação que nãose traduzam no esquecimento do papel do sujeito,expressando a defesa de espaços públicos que ga-rantam o funcionamento de uma sociedade civildemocrática;

- a insistência, mais uma vez, na compreensão dinâmicada ordem social com vista à defesa da multiplicaçãode espaços públicos que impeçam a petrificação rígidade elementos democráticos demasiado formais;

- a análise de alguns aspectos mais visíveis da formacomo as identidades emergem na sociedade portugue-sa, afirmando-se como um desafio que um pensamentoque se reclama das Ciências da Comunicação não podeignorar;

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- a tentativa de compreensão do papel dos media nafragmentação cultural, tal como ele é hoje desempe-nhado, tentando, simultaneamente, desvendar algunstraços relativos à forma como será desempenhado nofuturo.

Para responder a estes objectivos, defende-se um per-curso em que se procurará, em primeiro lugar, explicar aforma como a mediação se torna um elemento incontornávelna formação das culturas, na socialização e na constituiçãodas personalidades, no interior da qual a produção simbó-lica, nomeadamente a empreendida pela indústria culturale mediática, tem um papel de importância crescente. Se-guidamente, explanam-se formas de pensamento que ana-lisam a mediação em geral, designadamente a mediaçãocultural, mostrando, por um lado, aquelas abordagens te-óricas (Adorno e Foucault) que concluem pela inevitabilidadede um devir reificante das relações sociais e, em alternativa,as abordagens teóricas que aprofundam possibilidades dedemocratização da vida social (Habermas, Honneth e Taylorentre outros), designadamente através do reavivar do con-ceito de sociedade civil. Analisa-se, posteriormente, oconceito de consenso, tentando precisar as exigências quedevem ser colocadas à proposta formulada por Habermasno sentido de um consenso racional e argumentativo queprocure fundar a vontade colectiva na participação de todos,em condições de igualdade. Procuram-se, deste modo, abordaras dificuldades que uma teoria democrática do consensoconhece, nomeadamente em sociedades cada vez maisfragmentadas onde as pretensões de validade emanam dosdiversos particularismos emergentes. Procede-se, desta for-ma, à demonstração do aumento da diversidade como traçocada vez mais marcante das sociedades modernas, que seoferece como um desafio crescente para a igualdade eequidade de tratamento dos agentes sociais. Demonstrar-se-á, de seguida, que as análises que tendem a considerar a

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reificação como um devir inevitável das relações sociais sãoas mesmas que partilham de uma concepção apocalípticada cultura, prognosticando aos media uma responsabilidadeimportante no estabelecimento da força coesiva que garantea integração social, independentemente da participação dosagentes sociais. A tese aqui desenvolvida tenta, pelo con-trário, demonstrar que os media dispõem de uma capacidadeque pode despoletar dinâmicas sociais alternativas, as quaisse podem constituir como susceptíveis de induzirem oaparecimento de novos movimentos sociais que configuremnovos desenvolvimentos democráticos, tendentes aaprofundar o exercício da cidadania.

A emergência das «políticas da vida»

De acordo com esta perspectiva, entende-se, de formacategórica, que a modulação das consciências individuaise colectivas é, cada vez mais, resultado de uma actividadeque implica, decisivamente, a mediação simbólica exercida,de modo institucional e profissional, pelos meios de comu-nicação social.

Diminuído o poder da Religião, da Família e da Escolae das formas de mediação que as acompanhavam, enquantomecanismos que asseguravam a regularidade nas dinâmicassociais, os media – incluindo nestes os meios de comuni-cação de massa e os novos media – exercem uma capa-cidade de controlo que não pode ser considerada apenassob o ponto de vista da sua presumível influência numacampanha eleitoral ou na vigilância democrática do poderpolítico.

Os sistemas de relação social tornaram-se inseparáveisda formulação de um imaginário, pelo que a actividade dosmedia faz parte do cerne do seu funcionamento. A acçãopolítica, como toda a actividade social, é, de modo cres-cente, povoada de crenças, de convenções e símbolos.

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Sociedade e Comunicação: Estudos sobre Jornalismo e Identidades

De entre a actividade mediática em geral, o jornalismoescrito desempenhou um papel decisivo de estruturação dopróprio espaço público e do consenso social: ora consti-tuindo um dos suportes essenciais de dinamização da ci-dadania, ora contribuindo para a introdução de algumas daspatologias que contribuíram para a racionalização da vidasocial no seu sentido mais reificador, ou seja, no sentidode uma deformação das estruturas comunicacionais da vidasocial com vista à sua pura subjugação às exigênciasfuncionais do sistema.

Sem o jornalismo, não se formaria opinião pública oupelo menos esta teria uma configuração decerto diversadaquela que conhecemos. Porém, muitas das vezes graçasa ele, e a dinâmicas que se geraram em seu redor, o meroconsumismo de informação substituiu os mecanismos ver-dadeiramente públicos de formação da opinião. O jornalis-mo, como uma das formas mais antigas de indústria cultural– uma das primeiras onde, efectivamente, a administraçãosubmeteu, de forma planeada e sistemática, a cultura apadrões que lhe eram exteriores – surge, assim, comomerecedor de uma forte interpelação crítica.

Grande parte da resposta às perplexidades que semelhan-te interpelação crítica suscita passam pela compreensão dodiscurso mediático, no plano informativo. Interpela-se o jor-nalismo enquanto agente de controlo social, desafiado poruma dinâmica de fragmentação crescente, própria das actuaissociedades pluralistas.

Tem-se presente a ideia segundo a qual a cultura ésimultaneamente veículo de valores estruturados em tornode uma visão dominante e consensualmente aceite, e umespaço de tensões e fragmentação onde se luta pelas trans-formações de sentidos. São essas tensões de sentido con-traditório que se julgam discernir, de forma similar, nosmedia. Procura-se, assim, saber qual o papel que lhes éimputável na construção e representação das regularidades

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sociais tendo-se em conta, simultaneamente, a sua dificul-dade estrutural em manterem-se dentro dos caminhos es-treitos de uma representação mais ou menos monolítica domundo social, num momento caracterizado por um pluralismosocial intenso, resultante da recente revalorização atribuídaà emergência das identidades minoritárias.

Dentro deste contexto, toma-se como um elementofundamental a emergência de reivindicações e de movimen-tos relacionados com as “políticas da vida”, sendo estasentendidas como um conjunto de preocupações emergentesna polis, que já não se debruçam apenas sobre o devir doespaço público colectivo mas que têm em conta a definiçãodo lugar que cabe aos direitos respeitantes à realizaçãoindividual e à escolha dos estilos de vida. Vistas desta forma,estas preocupações podem implicar uma nova concepção demundo da vida, atenta aos fenómenos de dominação, de podere de conflitualidade existentes em territórios diversos da-queles que normalmente são confinados à chamada políticatradicional. Mais ainda, concebe-se a possibilidade de seestar face a uma proliferação de mundos da vida, que implicao reconhecimento da diversidade de mecanismos de podere regulação social – mas também de resistência – que seafirmam em cada um deles. Deste modo, é admissível aceitara possibilidade de que esta proliferação de mundos da vidacorresponda à erupção de nichos de cidadania, onde se ocultaum potencial conflitual e normativo importante. Todavia,pode-se, ao invés, estar apenas perante a erupção de fe-nómenos hedonísticos próprios de uma época dominada pelamercantilização do self, em que a acentuação da fruição edo prazer individual apenas diz respeito à descoberta denovos segmentos de mercado e em que a substituição dacultura puritana tradicional dá lugar a formas de imperativonarcísico que, no limite, podem originar particularismosdestrutivos, despertando formas de agressividade marcadas

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pela exclusão do Outro. A questão está pois em tentardescobrir até que ponto a emergência do self e das políticasque lhe estão associadas representam uma forma hábil dedominação assente na dessublimação repressiva e na gestãodos desejos individuais (Marcuse), na celebração do mesmosobre o signo de uma diferença aparente (Adorno), nadesresponsabilização da participação colectiva com oconsequente declínio do espaço público (Sennet) ou, pelocontrário, se trata da emergência de políticas da vidasusceptíveis de serem articuladas com preocupaçõesemancipatórias, como suspeitam, de modos muito diversos,Habermas, Apel ou Ferry, e, em especial, Seyla Benhabib,Albrecht Wellmer, Michael Walzer, Honneth, Touraine eGiddens.

De acordo com este corpo de preocupações que constituio fundamento teórico deste debate, é lançada uma inter-pelação às dinâmicas sociais emergentes, reflectindo-se sobreas dificuldades sentidas em face de pretensões cada vez maisdiversificadas e plurais, onde se incluem, entre outros, osdesafios colocados pelas problemáticas étnica, feminina e,de um modo geral, a salvaguarda de novos direitos rela-cionados com a qualidade de vida, como sejam os de consumoe os direitos de ambiente. Procura-se, deste modo, demons-trar como essas pretensões, relacionadas com a emergênciadas políticas da vida, se afirmaram enquanto dificuldadesadicionais para uma visão totalizante da sociedade, que seentendia, pelo menos nas formulações clássicas da teoriacrítica, ser a visão típica veiculada pelos media. Poder-se-á, pois, constatar a presença de pretensões levantadas pelaemergência de identidades, designadamente étnicas e sexu-ais, às quais se acrescentam reivindicações colocadas pornovos movimentos sociais que reclamam por direitos quedizem mais respeito à qualidade de vida do que à agendapolítica tradicional (Giddens, 1997:208-209). Nessa medida,parece frutuoso tomar como ponto de partida um olhar crítico

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Elementos para uma crítica da mediação moderna

sobre a hipostasiação do mercado, relacionada com aexploração de novos nichos, e a fragmentação cultural,resultante do exacerbamento de culturas particulares.

Procura-se, pois, discernir, na linguagem jornalística, deacordo com a importância atribuída aos media, a confor-midade com o senso comum, com o saber partilhado portodos, tido por adquirido e socialmente aceite, fazendo-seum paralelo entre as atitudes imanentes à discursividadepraticada pela profissão jornalística e a “atitude natural”,pragmática e realista, descrita por autores como Schutz ouGurwitsch (Gurwitsch, 1975: xi-11; Schutz, 1975: 116-132).É neste plano que nos parece mais evidente como o mundoda vida é, também, um lugar onde se multiplicam as formasde dominação adivinhadas por Schutz, expostas por Foucault(1971: 11-21; Foucault, 1977, p. 21 e seguintes), pelo queo senso comum, do qual a linguagem jornalística, comoveremos, ambiciona aproximar-se, toma a forma de conhe-cimento própria da transmissão das normas e dos estere-ótipos socialmente aceites.

Tenta-se, assim, fazer a relação entre o estabelecimentode regularidades e o conformismo, procurando demonstrarcomo a linguagem jornalística, devido ao seu constanterecurso à tipificação, aos estereótipos e aos enquadramentospode comportar processos de reificação, pervertendo arepresentação das identidades sociais.

Investiga-se a relação dos media com o tratamento dadiferença identitária, tal como se manifesta,contemporaneamente, no espaço público, tentando-sedescortinar uma ambiguidade que resulta de dois planos deactuação contraditórios entre si: por um lado, os mediatornariam possível a afirmação da diferença como umapossibilidade de diversidade que constitua um aprofunda-mento democrático das sociedades; por outro lado, seriam,frequentemente, eles que reduziriam a luta pelo reconhe-cimento dessas identidades a uma mera exploração de

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segmentos de mercado, multiplicados até ao infinito, atravésda intensificação consumista dos desejos individuais.

O poder dos media

Em face destas ambiguidades, reconhece-se estar peranteduas vias aparentemente contraditórias mas complementa-res. Por um lado, enfatiza-se o ressurgimento do poder dojornalismo aceitando-se as contribuições teóricas maisrecentes que apontam neste sentido – como sejam as hi-póteses sobre a construção social da realidade baseadas naFenomenologia Social de Alfred Schutz e dos seuscontinuadores, Berger e Luckmann (1973) aplicadas aosmedia por Gaye Tuchman (1978: 14; 182; 185-188) e porAdoni e Mane (1984: 323-338), além das reflexões sobretematização pensadas no âmbito do funcionalismo sistémicopor Niklas Luhmann (1992) e aplicadas por Noel –Neumann(1995: 199 e seguintes) - as quais claramenteretomam, no plano da investigação sobre os efeitos dos media,uma posição que supera a teoria dos efeitos limitados(Saperas, 1993: 20).

Por outro lado, procede-se com Ferry (1995: 56-57), Beste Kellner (1998: 48; 67 e seguintes) e Strydom (1999: 17),entre outros, a uma recepção das diversas tentativas deelaboração de uma teoria crítica dos media - nomeadamentena sua componente informativa e jornalística - que redescubraa necessidade de uma ideia de público atenta às tensõesplurais que emergem no seio da vida social e que implicamum novo entendimento, mais dinâmico, da ideia de recep-ção.

Neste sentido, tentar-se-á demonstrar que o reconheci-mento do poder do jornalismo não implica o entendimentoda audiência como se fosse composta por “figuras deplasticina”. Com efeito, defende-se que as possibilidadesreificadoras de uma linguagem tendencialmente niveladora

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e homogeneizante podem ser desafiadas com o recurso apolíticas que impeçam a redução da luta simbólica à trans-missão de informação e que impliquem, por isso, umacréscimo de participação por parte de públicos de cidadãos.

A narrativa jornalística, através de uma linguagem dotadade características próprias, intervém na conformação das di-nâmicas sociais, desencadeando mecanismos que afectamtoda a actividade dos agentes na aquisição e reforço dosconhecimentos e normas pelas quais se pauta a compreensãodo mundo, nomeadamente acompanhando o processo dereformulação das identidades sociais e colectivas.

A análise da erupção de identidades plurais - ummovimento lento que, desde o 25 de Abril se consolidouem Portugal - demonstra a forma como o jornalismo se con-fronta com as suas várias possibilidades de representaçãodo universo político. Assim, a título de exemplo, investigar-se-á a maneira como se articularam nesse espaço socialsimbólico os diversos discursos conflituais. Aí, verificar-se-á que as mais diversas orientações sociais que emergem àmargem do que é socialmente consensual são muitas vezesobjecto de um tratamento que oscila entre o irónico e ofascínio pelo bizarro, sendo por isso, remetidos pelos mediapara o domínio vasto do fait-divers ou das histórias deinteresse humano, as quais, quando tocadas pelo excesso,descaem facilmente no sensacionalismo. Ora, o sensacio-nalismo, apesar do seu ar aparentemente transgressor, é,apesar de tudo, uma forma de denunciar a transgressão,desempenhando, por isso, um papel socialmente conserva-dor. Nesse sentido, até alguns dos melhores jornais portu-gueses continuam a inserir reportagens que dizem respeitoà identidade sexual no mesmo caderno onde se referemassuntos tão diversos como as tendências da moda, aspequenas maledicências entre políticos ou as desventurasda família real britânica.

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Sociedade e Comunicação: Estudos sobre Jornalismo e Identidades

Veremos, assim, como a linguagem jornalística comportacontradições que se cruzam com a própria noção de ob-jectividade. Tentando, por um lado proceder a um discursofactual e adoptando, por outro, o pensamento, a linguageme o conhecimento do “homem comum”, o estilo jornalísticoestrutura a realidade utilizando enunciados, qualificações esilêncios que procuram tipificar a realidade, escondendo ofacto de que esses enunciados e qualificações não são neutrosmas traduzem lutas simbólicas que têm lugar nos domíniospolítico e social.

Sob o ponto de vista metodológico, afirma-se, desde já,que este trabalho se inclui numa certa visão das ciênciassociais que repudia uma concepção cientificista marcada peloobjectivismo estreito e pelo desejo de aplicar os métodosdas ciências naturais à vida social. O processo de superaçãodo sujeito solitário, verdadeiro nó gordio de toda aepistemologia tradicional, não tem sido simples. O cientistasocial olhou durante muito tempo para o universo dos padrõesculturais, sob o ponto de vista do investigador solitário, quecontempla com objectividade ideal a comunidade queconstitui o seu campo de estudo, e rejeita os desvios comose fossem aberrações impossíveis de serem objecto de umtratamento científico.

Nesse sentido, o ponto de vista assumido por esta tesetorna-se claro quando nos confrontamos com os grandesdilemas fundadores da sociologia. De um lado, tem-se umaposição subscrita por Durkheim, numa linha que remontaa Comte, a qual pretende explicar e descrever como é queos indivíduos estão associados independentemente das suasconcepções e necessidades e, do outro, encontramos umaoutra posição assumida por Weber, Simmel e mais tarde,aprofundada, no plano das Ciências Sociais, pela Herme-nêutica, Interaccionismo Simbólico e Fenomenologia Soci-al, segundo a qual é preciso perceber a intersubjectividade,os significados mutuamente atribuídos às diferentes acções

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Elementos para uma crítica da mediação moderna

dos indivíduos para que possamos compreender as dinâmi-cas sociais e políticas das comunidades. Este último cami-nho enfatiza a noção de verstehen, graças à qual procuramoscompreender o significado atribuído pelo outro às suas acções,em detrimento do ecklaren que procura estabelecer leisregulares que, à semelhança das ciências exactas, expliquemos fenómenos humanos.

A linguagem utilizada nas Ciências Sociais está longede poder ser pensada como inocente, embora esta expressãonão deva ser entendida como uma espécie de condenaçãode algo que devia ser de outro modo. A linguagem utilizadanos processos científicos só se torna ideologia quando serecusa a ser reflexiva. Dito de outro modo, quando se recusaa ver-se a si própria como resultante de uma relação quese não pode considerar desenraizada do próprio mundo davida. Nesse sentido, recusa-se uma espécie de endeusamentoda objectividade, sem a demissão do rigor científico. Aoanalisarem-se enunciados para buscar a sua intencionalidadee sobre campos semânticos que remetem para valoresideológicos sabe-se que se fala do interior de uma deter-minada cultura e de um conjunto de referências políticase sociais próprias da tradição cultural em que nos inserimos.Porém, sabe-se que, apesar de o processo de atribuição desentido implicar uma comunhão de saberes, isso não implicaque não seja possível o estudo desses enunciados comofenómenos científicos.

Uma nova perspectiva crítica

Sob o ponto de vista da formulação teórica, a abordagemque aqui se propõe não se reduz a mais uma variação sobrea teoria dos efeitos, de que os paradigmas da agulhahipodérmica, do gatekeeper, do newsmaking ou do agendasetting constituem exemplos conhecidos. A análise que sedefende deve surgir integrada num modelo teórico mais vasto.

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Sociedade e Comunicação: Estudos sobre Jornalismo e Identidades

Procura-se, assim, ir mais longe e explicitar os fundamentossociológicos e filosóficos de uma análise deste teor e efectuaros seguintes percursos:

i) recorrer à Teoria Crítica, à Fenomenologia Social, aoInteraccionismo Simbólico e à Hermenêutica no que res-peita ao travejamento teórico que permita sustentar a re-flexão a propósito das relações entre a linguagem dos mediae a compreensão intersubjectiva das realidades social epolítica.

A Teoria Crítica, em especial, na primeira fase identificadacom a Escola de Frankfurt, instaura uma pesquisa inovadorasobre a relação entre cultura, comunicação e o desenvol-vimento concreto da modernidade, tendo-se mesmo esbo-çado, em Adorno e Horkheimer, Marcuse e Benjamin, umateoria da linguagem, especialmente da que é praticada naindústria cultural, que a relaciona directamente com a questãoda racionalidade.

Todavia, as aporias desta escola, enraizadas numa filo-sofia da história que, nalgumas das suas formulações,implicou um impasse pessimista centrado numa concepçãounilateral do devir da Razão, deram origem a sucessivasreflexões teóricas no sentido de se conseguir a superaçãodos seus contornos demasiado rígidos e totalizantes. Umdestes percursos passa pela tentativa da ultrapassagem davisão unilateral da racionalidade, através do diálogo coma hermenêutica, e supõe a consideração das interacções sociaisque se desenvolvem no mundo da vida, apelando a umaatenção muito especial à Fenomenologia Social, à tradiçãopragmatista e ao Interaccionismo Simbólico. O que sepretende é uma análise que tenha em conta as interacçõessociais, os processos de socialização e os mecanismos decoordenação das interacções bem como o papel específicoda linguagem, nomeadamente da linguagem dos media, naconstituição da sociabilidade, na perspectiva normativa dedefesa de uma sociedade civil aonde o sujeito não seja

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reduzido a um mero efeito de poder. Assim, interpela-seo próprio sentido das interacções sociais, e das formas demediação que se exercem a fim de manter a regularidadee a estabilidade sociais, em face dos processos de diferen-ciação e fragmentação. Tenta-se compreender como essasformas de mediação se repercutem na emergência de es-paços públicos que se não reduzam à mera agregação daspreferências dadas, originando, pelo contrário, um processoracional de formação de opinião no qual os cidadãosparticipem activamente na definição de interesses gerais.Recorreu-se ao pensamento que, hoje, tenta estabelecer umaconceitualização teórica no plano da Política que correspondaaos novos desafios que se colocam às sociedades demo-cráticas (Wellmer, Honneth) designadamente no papel daluta pelo reconhecimento. Por outro lado, procurou-se analisarqual o papel desempenhado pela linguagem na constituiçãoda intersubjectividade, recorrendo-se à Hermenêutica, e maisuma vez, a Mead, Schutz e Habermas, na perspectiva deidentificação das suas próprias potencialidades críticas ereflexivas. Finalmente, procurou-se estudar o papel dacomunicação e da linguagem praticada pelos media noestabelecimento de consensos sociais, no desenvolvimentodos processos de interacção e no próprio devir do agirpolítico. Neste caso, tornou-se essencial recorrer aoscontributos de Adorno, Horkheimer, Marcuse e Benjamin,nos quais se vislumbram, apesar das suas caracterizaçõesnegativistas, poderosas intuições teóricas relacionadas como devir concreto dos media. Simultaneamente, observou-sea importância dada aos media na constituição do agirdemocrático por uma tradição que incluiu autores comoTocqueville, Dewey, Habermas, Stuart Hall, Ferry eThompson. O tema da identidade e da fragmentação doespaço público surge como nó orientador fundamental,justamente pelas interpelações e questões que coloca aopróprio devir do espaço público.

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Do contributo da Escola de Frankfurt recolheu-se aafirmação de necessidade de um olhar crítico sobre um mundocrescentemente alienado. A Teoria Crítica, de Adorno eHorkheimer, surge como defesa da reflexividade no pen-samento, contra a exaltação positivista do facto, juntandoo conhecimento científico dos factos sociais à reflexãofilosófica (Bernstein, 1994: 18; Therborn, 1994: 68). Assim,tem por ponto de partida não apenas a oposição às pato-logias sociais mas às formas de pensamento que legitimamas sociedades que ostentam essas patologias.

A Escola de Frankfurt desenvolveu um pensamento críticoda razão, ela própria olhada, já não como um factor deemancipação do homem, mas como uma componente dasua dominação, enquanto integralmente identificada com aracionalidade meio-fins. A relação entre administração ecultura é um tema recorrente, típico do criticismo culturaldesta posição teórica que viu, com excepção de Benjamin,na capacidade de conformação da indústria cultural -designadamente no seu populismo intrínseco - uma forçaao serviço do triunfo da unidimensionalidade. A diversidadede produtos culturais é apenas aparente e não põe em causaa uniformização da existência individual. “A indústria culturala tudo imprime o selo da identidade” (Adorno e Horkheimer,1995: 121).

A reflexão sobre a linguagem e, em especial, sobre alinguagem praticada na indústria cultural, inscreve-se nomodelo de análise social que enfatiza a anulação de todasas contradições, em resultado da reificação das estruturassociais. Desde o pós-guerra, adensa-se em torno da Escolade Frankfurt um pessimismo descrente das possibilidadesemancipatórias, o qual se traduz na insistência no universoindividual como sendo a única instância possível de exer-cício da negatividade e de resistência ao universo admi-nistrado. Torna-se visível, pese embora a lucidez dos di-agnósticos acerca da relação entre totalitarismo e

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racionalidade, o avolumar de aporias e de impasses queconduzem a Teoria Crítica à incapacidade de compreenderas possibilidades normativas do Estado de Direito e deidentificar os eventuais protagonistas do exercício de umaprática de cidadania. Esta evolução é a consequência de umacrença inabalável no devir fatalmente instrumental (e con-sequentemente totalitário) da racionalidade finalista enquan-to desenvolvimento extremado da análise weberiana(Benhabib, 1994: 115-131).

À crítica impressionista feita a partir de critérios elitistasconsolidados em volta de uma idealização da kultur, osautores da Teoria Crítica acrescentaram um diagnóstico vivosobre as relações entre uma certa leitura instrumental daracionalidade, a indústria cultural e a linguagem que lheestá associada. O seu principal equívoco foi o de teremidentificado essa leitura da razão com a razão no seu todo,deduzindo de uma posição filosófica uma teoria social eda cultura que se afigura como totalizante, pouco atenta àscontradições e às possibilidades de transgressão que associedades complexas, obviamente, possuem.

“O modo de pensar administrativo”, diz Adorno, “tor-nou-se o modelo de toda uma forma de pensar que aindase acredita livre”(Adorno, 1992: 32). No limite, este pen-samento redundou numa melancolia expressa em derivasestéticas e religiosas. O que subsiste são algumas intuiçõesde grande fôlego teórico no que respeita à fundamentaçãofilosófica do processo de racionalização e às relações queeste estabelece com os diferentes mecanismos de sociali-zação, designadamente a indústria cultural.

Outra tradição teórica, de natureza crítica, mas deespecificidades bem definidas, é a de Foucault, especial-mente importante pela análise das relações que, minucio-samente, estabelece entre linguagem, poder e dominação.Existe de comum à Escola de Frankfurt e a Foucault umainsistência no caminho da crítica à racionalidade emergente

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com o Iluminismo que sugere uma certa convergência deinteresses susceptível de ser mobilizada para o estudo donosso objecto. Simultaneamente, em ambas encontramosresquícios de um certo determinismo que se pressente numacerta inutilidade da recusa e da transgressão em face daomnipresença do poder e do sistema (Honneth, 1993: 71;1997: 153). É aí que tem sentido falar, a propósito deFoucault, no “balanceamento entre o positivismo e a crí-tica”. Do lado do positivismo, entendido como “contabi-lidade exaustiva das técnicas de dominação”, encontra-sea rejeição de qualquer possibilidade emancipatória e adesconsideração das potencialidades normativas das preten-sões de validade que integram o jogo do poder. Do ladodos que identificam em Foucault uma relativa continuidadecom a crítica, haverá a contabilizar a sua filiação explícitanessa tradição, expressa em entrevistas e textos, para alémde diversos escritos que evidenciam uma aspiração críticaapenas esboçada, mas firmemente explicitada (Foucault,1998:4).

A compreensão crítica dos mecanismos linguísticos e dasua importância na socialização e na estruturação da ex-periência irá passar, ainda, por alguns empreendimentosfundamentais, entre os quais merecem especial realce oInteraccionismo Simbólico, a Fenomenologia e a Herme-nêutica.

No que respeita à Hermenêutica, o que dela merecedestaque é a tradição que formulou a ideia de Verstehenpor oposição à de Ecklaren. Com a compreensão, Diltheyprocurou no fundo conferir um estatuto epistemológicopróprio às ciências do espírito respondendo à pergunta acercada sua possibilidade (Palmer, s/d: 105). Os fenómenosoriginados pela mente pressupõem um processo de recipro-cidade em que cada um compreende a acção de outro porquese entende a si próprio e à experiência vivida de si.

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Este tipo de análise não é necessariamente incompatívelcom uma teoria crítica na medida em que se entenda quea inovação e o questionar das alternativas possíveis parao destino do homem, pressupõem, elas mesmas, umaconsciência do mundo a que se pertence. Ao analisar aintercompreensão inerente à “actividade comunicacional”,Habermas considera que a hermenêutica contribuiu para aintrodução de um elemento que faltava à análise da lin-guagem: a historicidade. Todavia, não deixa de alertar parao facto de que, o que se oferece como preexistente e fundadopode tornar-se um contexto de dominação assente na pseudocomunicação (Habermas, 1997 b: 35;68).

Evitando concepções do mundo que parecem sustentaruma hipostasiação da tradição, entendida como lugar deconsenso inquestionável, Paul Ricoeur tentou uma resoluçãodialéctica, sustentando que a hermenêutica e a crítica daideologia necessitam uma da outra. O projecto dereinterpretação do passado e o projecto utópico da eman-cipação, quando artificialmente separados, assumem, cadaum na sua perspectiva, um carácter ideológico. Por um lado,ao experimentar as interpretações possíveis que lhe permi-tem perceber a situação em que se encontra, o actor temde se manter num estado de distanciamento, o que lhe permiterever as suas ilusões e preconceitos. Por outro lado, o interessepela emancipação tem que recorrer ao legado cultural. Oconceito de distanciação surge, assim, apresentado como “ocorrelativo dialéctico da pertença” (Ricoeur, s/d: 35-40).

Frente a modelos que reivindicam um “esclarecimentototal”, a hermenêutica insurge-se contra a total transparênciano uso da razão, defendendo um diálogo do homem no mundoque supõe o exercício de uma racionalidade situada. Oabstencionismo e o crescimento do desinteresse, como efeitosperversos de um espaço mediatizado que não tenha em contaa dimensão comunitária da vivência dos cidadãos, são ossintomas de uma situação em que os mecanismos de mediação

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não asseguram mais do que a difusão do simulacro de umaverdadeira interacção. A insistência numa ideia de comu-nidade que não implicasse, por seu lado, um certodistanciamento, tornar-se-ia, nas modernas condições dediferenciação que caracterizam as sociedades complexas, numinsuportável contexto de dominação. Baseados no pensa-mento hermenêutico é possível olhar conceitos como os dedemocracia, espaço público e opinião pública, articulando-os com os de tradição e comunidade. A noção de cidadãoimplica um compromisso com a comunidade, a qual já nãoo deixa, de todo, entregue a uma opinião públicadesencarnada. Há uma espécie de pertença constitutiva quesó possibilita a afirmação da diferença no interior de umhorizonte de reconhecimento garantido pela comunidade: ditode outro modo, é impossível pensar o eu sem uma ideiade nós. A comunidade não adquire a sua condição políticaa não ser na condição de uma abertura que interdita a elaprópria a possibilidade de se fechar em si.

Na Fenomenologia Social, dá-se realce à crença de queo homem não foge à sociabilidade, pois está mergulhadonas regras de conduta que partilha no mundo da interacçãoquotidiana. Numa releitura do pensamento de Husserl, aFenomenologia Social introduziu o conceito de atitude naturalentendida como forma pela qual os actantes e agentes sociaisintervêm no mundo das expectativas quotidianas de umamaneira ingénua e acrítica, recorrendo aos conhecimentosadquiridos na vida prática. Esta atitude implica a existênciade dois modos de idealização: a primeira, segundo a qual“assim foi, assim será”, pela qual aquilo que se revelouválido através da experiência permanecerá válido no futuro;e, a segunda, “podemos fazê-lo outra vez”, segundo a qualo que foi susceptível de ser conseguido através de um modode agir, poderá ser conseguido no futuro através de um modode agir semelhante (Schutz, 1975: 116).

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Nesta perspectiva, a realidade só se pode entenderestabilizada na sua identidade, graças à “reciprocidade deexpectativas”, de acordo com a qual os actores chegam aum entendimento intersubjectivo em que colocam entreparênteses as suas diferenças de experiências para as con-siderar como idênticas. Cada uma das pessoas envolvidaslida com a característica de uma dada situação raciocinandocomo se ela estivesse no lugar da outra pessoa, viveria asituação comum da perspectiva de outrem e vice-versa. Demodo mais ou menos ingénuo, acredita-se que aquilo quefaz sentido para cada um de nós faz sentido para todos osoutros. De modo idêntico, parte-se do princípio que os meusactos dirigidos aos restantes serão entendidos do mesmo modoque os actos dos restantes dirigidos a mim.

Desta forma, “os fenómenos em si são tomados comopressupostos. O ser humano, simplesmente, é consideradoum ser social, a língua e outros sistemas de comunicaçõesexistem, a vida consciente dos outros é acessível a mim- enfim, posso entender o outro e seus actos e ele podeentender-me e aos meus feitos. E o mesmo é verdade paraos chamados objectos sociais e culturais, criados pelo serhumano. São pressupostos e tem o seu significado e modosde ser específicos” (Schutz, 1979: 56). O trabalho de Schutzdeixou aberto o caminho para um conjunto de possibilidadesno seio da análise dos processos de mediação. A teoria dacomunicação na vida quotidiana prolonga-se na análise daimportância dos media na formação da atitude natural e doconhecimento intersubjectivamente partilhado, levantandoquestões que são de interesse central, como sejam a dasintonia dos media com as regularidades sociais, que cons-titui um elemento característico da sua discursividade sobreo mundo.

O Interaccionismo Simbólico insere-se numa tradição querelaciona a comunicação com os processos de sociabilidade,abrindo caminho a uma teoria sobre as relações entre a

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comunicação e o agir colectivo, designadamente no campoda política. Esta corrente tem por principal objecto ainteracção, referida como acção social que se caracterizapor uma orientação imediatamente recíproca. O desenvol-vimento do self é descrito como resultado das relações queo indivíduo desenvolve com a totalidade dos processos sociaise com os outros indivíduos que estão com ele implicados:“o conteúdo do espírito não é senão produto de umainteracção social.” O indivíduo não se entende a si próprio,a não ser tomando em conta as atitudes do outro em relaçãoa si no interior de um contexto social onde eles estãomutuamente envolvidos. A constituição do Self, na posiçãode Mead, pressupõe a consideração de um “outro genera-lizado”, isto é, a percepção de si enquanto membro de umaequipa ou de uma comunidade (Mead, 1969: 1; 6-7; 152-154; 135). Aponta-se, assim, para uma relação profunda entreo desenvolvimento humano e a vivência comunitária, noqual a comunicação desempenha um papel estruturante:“aprender a ser humano é desenvolver, através do dar ereceber da comunicação, o sentido de ser um membroindividualmente distinto da comunidade” (Dewey, 1987: 154).

Linguagem e teoria crítica

A formulação crítica de Jürgen Habermas surge, final-mente, como referência essencial onde confluem as inqui-etações e perplexidades desencadeadas pelas diversas cor-rentes já nomeadas. O pensamento de Habermas posiciona-se entre a crítica da modernidade e a afirmação dessamodernidade como um projecto ainda susceptível de sercumprido. Esta tensão atravessa todo o seu trabalho, desdeas primeiras obras sobre a esfera pública e o positivismoaté ao recente desenvolvimento de uma teoria do discursoque tem implícita a aceitação do consenso argumenta-tivamente fundado. A sua relação com a Teoria Crítica

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mantém-se no que diz respeito à defesa do projecto modernoe de um conceito de razão que mantenha incólume o interesseemancipatório.

A aproximação entre uma teoria da acção (fundada nassociologias interpretativas) e a filosofia da linguagem parece-nos ser o elemento fundamental da obra de Habermas, umavez que abre o caminho da relevância política e ética dasinteracções sociais levadas a efeito no mundo da vidaquotidiana. A insistência na força comunicacional e críticada linguagem é um elemento essencial no que respeita àdefinição de um ponto de fuga à exaltação da ordem quese faz sentir na racionalidade do tipo sistémico, já que alinguagem dificilmente nega, unilateralmente, a vocação dereflexividade e de alteridade que persiste, de cada vez, nolugar onde ela própria parecia ter instaurado um novo pontode fechamento. A obra de Habermas insiste, assim, na forçacrítica da linguagem em torno da categoria do acordo comomodelo de coordenação das interacções sociais, e daracionalidade comunicacional como modelo alternativo àracionalidade instrumental. Parte-se da ideia de que um sujeitosolitário concebido na filosofia da consciência apenas podeconduzir a uma relação instrumental com o mundo. Pelocontrário, a compreensão do papel da linguagem é a travemestra de uma teoria que visa identificar uma racionalidadeque mantenha o interesse emancipatório, pois o uso dalinguagem com vista ao entendimento com outrem é, aocontrário do carácter secundário do uso instrumental, o modooriginal do seu uso.

A posição de Habermas enfrenta dificuldades que emer-gem do papel da linguagem, da relação entre liberdade eracionalidade, das noções de consenso, de agircomunicacional e do carácter processualista das suas refle-xões éticas e políticas. São numerosos os autores que lhecensuram o formalismo e o processualismo da ética e filosofiapolítica apresentadas nos seus últimos trabalhos.

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Com efeito, para além da desconfiança generalizada emrelação ao papel da linguagem e à relação, que lhe é atribuída,com o modo de vida emancipado, receia-se que um modelopolítico meramente processualista semelhante ao propostopor Habermas possa ser acusado de ser incapaz de procedera uma mobilização dos indivíduos, no sentido de os fazersuperar os modelos egocêntricos de vida em que se encon-tram envolvidos. A insistência na linguagem, ao possibilitara construção de uma teoria centrada na ideia de um con-senso racional fundado argumentativamente num debate ondetodos possam participar em condições de igualdade e re-ciprocidade, gerou a suspeita de uma idealização da política.O corolário seria uma concepção formalista do EstadoConstitucional onde o simples respeito pela norma encon-trar-se-ia impotente para proceder à mobilização dos cida-dãos e poderia, quando muito, conduzir a uma relaçãoinstrumental com o Outro em que os sujeitos se demitemda sua cidadania para recorrer a instâncias judiciais a fimde fazerem valer os seus direitos (Taylor, 1992: 112-113).A resposta passa, decerto, pela fundação de uma comuni-dade política onde vigore o agir moderno.

Porém, a mobilização dos cidadãos para esta práticademocrática tem que se apoiar em algo mais do que emprincípios que dizem respeito à racionalidade. Assim careceda existência de um objectivo democrático comum quemobilize a sociedade política. Todavia, também carece dosprincípios que permitem a organização do discurso de umaforma que impeça a vivência comunitária de escapar à suaprópria reflexividade, condição para uma vivência políticamoderna e um agir livre.

No que respeita, finalmente, ao devir concreto dos media,importa ter em especial atenção um conjunto de estudosfeitos na área do jornalismo e que assumem as noções de«tipificação» e de «construção social da realidade», naperspectiva dos compromissos sociais e dos consensos. Nesse

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plano, os media em geral, e o jornalismo informativo emparticular, devem ser pensados no âmbito mais vasto de umareflexão sobre a cultura e as relações com a sociedade: acultura é claramente produzida com vista ao estabelecimen-to de um significado que imponha a ordem no mundo.

Ao tomar-se a comunicação como o nó gordio de umainterpelação sobre as questões do controlo social, pretende-se, afinal, descobrir acima de tudo, que tipo de interacçãoexiste entre os públicos e os media e entre os membrosdo público entre si, designadamente no que respeita àarticulação entre vivência pessoal e cidadania colectiva. Feitoo diagnóstico do percurso empreendido pela imprensa demassa, o caminho passa por demonstrar a pluralidade deracionalidades que se cruzam no seio da indústria mediáticae que, como tal, não permitem que se considere estar diantede um processo definitivo de fechamento, confrontando-nospor isso com opções éticas e políticas que não permitemrespostas definitivas para as transformações estruturais quese verificam no espaço público. De um lado, verifica-se aconcentração da propriedade, o aumento da desigualdadeno acesso à informação, a generalização do infortainment.Por outro lado, surgem as potencialidades desencadeadaspela generalização do uso de meios de comunicação per-sonalizados e a consequente possibilidade de proliferaçãode articulações complexas de canais horizontais e verticaisentre grupos, indivíduos e instâncias de poder.

O que se ambiciona é, no plano da indústria mediática,a tentativa de pensar formas alternativas de comunicaçãoque privilegiem uma relação dinâmica com os públicos, abertaà crítica e à partilha de saberes, ao confronto de opiniõese de argumentos, à pluralidade de discursos, por oposiçãoao paradigma constituído pela comunicação de massa. Nocaso particular da produção de informação, espera-se pers-crutar, nesta análise, traços distintivos das novas formas demediação que passem pela recusa da inércia social e da

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uniformização das atitudes. Estes traços distintivos poderão,eventualmente, implicar a formação, enfim, de uma opiniãopública que tenha em conta as diversas instâncias críticasde legitimação das acções e enunciados produzidos pelosdiferentes poderes, no decurso da intervenção cada vez maisdiversificada dos movimentos sociais no interior de soci-edades que se caracterizam pela pluralidade de valores evisões da vida.

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COMUNICAÇÃO EDELIBERAÇÃO DEMOCRÁTICA:

ALGUMAS REFLEXÕES

A intenção desta análise é a de compreender, emHabermas, o fundamento comunicacional das instituiçõespolíticas. Nesse sentido, identifica-se o caminho do autordesde a emergência do espaço público até ao regresso àsquestões relacionadas com a organização do Estado deDireito. O último item pretende levantar a seguinte questão:qual o verdadeiro papel deixado aos meios de comunicaçãona dinamização da cidadania?

A proposta de Habermas relativa ao fundamentocomunicacional da Ética e da Política já se encontrava nassuas reflexões sobre a opinião pública, explicitada em textosmarcadamente políticos e de cariz fundamentalmente soci-ológico de entre os quais o exemplo mais conhecido éMudança Estrutural da Esfera Pública (1982). Aí, Habermasteorizava a existência de um espaço público informal ondea) todos os cidadãos dotados de razão podiam participar,desde que motivados pela força do melhor argumento; b)todos os temas eram susceptíveis de discussão.

Desde essa obra, Habermas seguiu uma deriva de na-tureza antropológica e filosófica centrada na pragmática dacomunicação e na reconstrução das condições universais decompreensão mútua. A aproximação entre uma teoria da acçãoe a filosofia da linguagem abriu o caminho da relevânciapolítica e ética das interacções sociais no mundo da vidaquotidiana. Qualquer pessoa que aja segundo uma atitudecomunicativa deve, ao efectuar qualquer acto de fala,apresentar pretensões de validade que digam respeito a: a)à inteligibilidade da enunciação, de forma que tanto ela como

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o ouvinte possam compreender-se acerca do que dizem; b)à verdade acerca do estado de coisas no mundo objectivo;c) à sinceridade das locuções apresentadas que exprimemos sentimentos incluídos no mundo subjectivo, de tal formaque os ouvintes possam considerar o seu discurso credível;d) à adequação às normas e valores permanecentes de modoa que ouvinte e falante possam concordar mutuamente sobreuma base normativa reconhecida. O falante pretende serreconhecido como inteligível, verdadeiro, sincero e possui-dor de intenções normativas reconhecidas (cfr. Habermas,2002: 12).

Os elementos essenciais da obra de Habermas passaram,assim, a insistir na força crítica da linguagem em torno dacategoria do acordo como modelo de coordenação dasinteracções sociais, e da racionalidade comunicacionalenquanto modelo alternativo à racionalidade instrumental (cfr.Habermas, 1987:57-58). Um sujeito solitário concebido nafilosofia da consciência apenas pode conduzir a uma relaçãoinstrumental com o mundo. A compreensão do papel dalinguagem é a trave mestra de uma teoria que visa iden-tificar uma racionalidade que mantenha o interesseemancipatório, pois o uso da linguagem com vista aoentendimento com outrem é, ao contrário do carácter se-cundário do uso instrumental, o modo original do seu uso.

A comunicação surge como fundamento das condiçõesde possibilidade do agir justo o qual parece irremediavel-mente correlacionado com o desenvolvimento crescente dascapacidades comunicativas. Afirmam-se como elementosestruturantes desta teoria o carácter dialógico da razão, aconsideração dos actores sociais como agentes capazes deemitirem pretensões de validade referentes aos diferentesmundos com que se relacionam, e o consenso racionalmentefundado, de natureza normativa e contrafactual, obtido atravésda troca dialógica de argumentos entre actantes que sus-pendem os seus interesses pessoais e estatuto social, como

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forma de fundamentação da norma ética (cfr. Rehg inHabermas, 1996: xv).

O consenso ganha uma dimensão normativa e crítica,postulando como condições da sua realização e do seu próprioconteúdo a ausência de coerção, o estabelecimento decondições igualitárias para o debate e para a comunicaçãopública e o reconhecimento mútuo das pretensões de va-lidade apresentadas pelos agentes sociais. O novo paradigmada racionalidade não é substantivo mas discursivo: tematizanão o conteúdo, mas a forma dos procedimentosargumentativos.

Toda esta argumentação decorre num pano de fundoantropológico onde se adopta a diferença entre acção es-tratégica e acção comunicativa, a partir da dualidade entretrabalho e interacção (cfr. Habermas, 1987: 144).

Neste registo, processa-se o afastamento de um funda-mento histórico específico para a realidade da vida demo-crática em detrimento da afirmação trans-histórica de ummundo da vida, instância onde se encontrariam as alterna-tivas ao dinheiro e ao poder enquanto media que assegurama integração sistémica.

Ao omitir as componentes sociológicas, históricas eculturais que caracterizavam o seu trabalho anterior (1982),Habermas estilizou o agir comunicacional de uma formaidealista articulando-o cada vez mais com a própria evo-lução da espécie e da sociabilidade em geral. Antes, o projectoinacabado da modernidade era descrito como uma falênciado universalismo burguês. Com a Teoria do AgirComunicacional (1987) passa a ser relacionado com aobtenção de níveis individuais e colectivos superiores decompetência comunicativa. Onde, dantes, a distorção dospadrões comunicacionais era localizada no passado históricode indivíduos e comunidades, passa a ser vista como estandoenraizada na incapacidade dos indivíduos e das comunida-des para adquirirem condições que lhe permitam alcançar

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um novo estádio (cfr. Benhabib, 1994). No plano da prag-mática, o discurso surge associado a um processo desuspensão de todos os constrangimentos, com excepção daforça do melhor argumento. Ele oferece uma forma decomunicação que transcende as formas concretas de vida,pela qual as pressuposições de uma acção orientada paraa comunicação são generalizadas, abstraídas e ampliadas,no sentido do seu alargamento a uma comunidade decomunicação inclusa de todos os sujeitos dotados da ca-pacidade da linguagem e da acção.

Transposto tal ponto de vista para a ética discursiva, umanorma de acção só tem validade se todos os possíveisafectados por ela chegarem a um acordo racionalmentemotivado no sentido de que ela seja posta em prática. Nessesentido, “somente podem pretender ter validade aquelasnormas capazes de obter o assentimento acerca da validadepor parte dessa norma de todos os indivíduos envolvidoscomo participantes do discurso prático”(Habermas, 1999-b: 16). O imperativo categórico é substituído por uma regrade universalização, “U”, isto é, uma regra de argumentaçãoque se traduz no seguinte: uma norma ética é válida quandopuderem ser aceites consensualmente, sem coacção, todasas consequências que advirão para os interesses concretosdos indivíduos que pautarem o seu interesse por ela. Esteassentimento tem de pressupor a exclusão de toda a forçaque não seja aquela que resulte do melhor argumento,neutralizando-se qualquer motivo que não seja o da buscacooperativa da verdade e da adequação normativa. Assim,“o consenso que se procura no plano discursivo depende,por um lado, do “sim” ou “não” insubstituíveis de cadaindivíduo e, por outro, da superação da sua perspectivaegocêntrica. Qualquer anuência efectivamente obtida nãopode ser, na verdade, universal, se a liberdade individualilimitada, que permite a tomada de posição em relação apretensões de validade passíveis de crítica, não for uma

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realidade. Sem a empatia solidária que permite a cadaindivíduo projectar-se nos outros não se poderá chegar auma solução passível de anuência geral. O método deformação discursiva da vontade contempla a estreita relaçãoentre ambos os aspectos - entre a autonomia dos indivíduosinalienáveis e a sua inserção em formas de vida partilhadasintersubjectivamente”(Habermas, 1999 -b: 22). Racionalidadesignifica uma forma de lidar com as pretensõesintersubjectivas de validade de todo o género e manifesta-se nas práticas da deliberação, argumentação e crítica. Oponto de vista da generalidade dos modelos que enfatizama discursividade implica uma capacidade da parte de todosos participantes para se colocarem no lugar de outros eentenderem a sua perspectiva. Esta pretensão, que estáimbricada no próprio diálogo, pode ser muitas das vezesviolada. Porém, é o padrão de aferição dos acordos queobtemos no mundo da vida. É nesse sentido que Habermasentende que nos nossos dias as razões últimas não têmqualquer poder de legitimação: “Só têm hoje um poder delegitimação as regras e pressupostos da comunicação quepermitem distinguir uma unanimidade ou um acordo entrehomens livres e iguais dum consenso extorquido oucontingente”(Habermas, s/d: 265).

Neste percurso, adivinhava-se que a reconstrução dascondições universais de compreensão mútua tinham de migrardesde o plano antropológico e filosófico para o domíniodo funcionamento das instituições do Estado de Direito.

O regresso do Estado

Habermas, mais recentemente (1996; 1999), transpôs demodo mais explícito as questões filosóficas e antropológicasque defendera na Teoria do Agir Comunicacional para oplano do funcionamento do Estado de Direito, procurandoresponder ao problema da legitimidade da lei e articulando-

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a com o modo de deliberação democrática. Procura, assim,pensar as modernas normas legais como tendo uma baseracional que torna possível às pessoas aceitá-las comolegítimas e merecedoras de obediência (cfr. Rehg, inHabermas 1996: xv). Tendo em conta a fragmentação devalores visível na sociedade contemporânea, a questão quese coloca é, mais uma vez, desta feita no plano da deli-beração política, o das condições processuais de formaçãode um consenso a obter livremente e o alcance da maiorigualdade participativa a propósito das regras de repartiçãodos bens sociais. Recorre-se a uma concepção de Estadode Direito em que se considere que os indivíduos possamracionalmente assentar na existência de constrangimentosde natureza legal, desde que a própria lei assegure aautonomia dos que estão a ela sujeitos. As leis que regulama actividade institucional do Estado são, pelo menos par-cialmente, legitimadas pelas práticas discursivas racionaisdos seus destinatários e representantes, implicando meca-nismos de formação de vontade e da opinião pública, queemergem do espaço público como instância autónoma dedinamização da sociedade civil. A lei é vista como omecanismo que autoriza e possibilita a transformação dopoder comunicativo em poder administrativo, desde queintegre o assentimento racional formado pelo debate livrenas instâncias de formação de opinião. Há assim uma tentativapara transferir uma concepção processualista da ética paraa política democrática, reconhecendo que esta se encontra,por um lado, sujeita a mecanismos burocráticos de decisãoque escapam ao controlo democrático mas, por outro, à forçados ideais democráticos de deliberação assumidos pelosdestinatários como participantes comprometidos num exer-cício de cidadania. Este enfoque reflecte a preocupação doscidadãos no processo democrático tenha um conteúdo ra-cional, fazendo, por exemplo, com que o voto não se reduzaa um simples agregação de preferências mas um processo

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de interacção reflexiva e de formação de opinião em queos cidadãos fiquem informados acerca dos melhores argu-mentos e dos interesses gerais (cfr. Rehg in Habermas, 1996:ix). Por outro lado, desde esta perspectiva, a esfera pública,entendida como uma rede de comunicação e de informaçãoe de trocas de pontos de vista surge como uma esfera deidentificação, detecção e tematização de problemas, cujainfluência se deve continuar a reflectir no posterior trata-mento das questões que, seguidamente, tem lugar no interiordo sistema político (cfr. Habermas, 1996: 359). Ora, umatal concepção relaciona de forma muito evidente a questãoda justiça com as condições de comunicação política nasnossas sociedades. A existência da justiça política dependerádas condições oferecidas a cada um, enquanto cidadão, dedefender os seus pontos de vista com consequências práticasquer sobre a opinião pública quer sobre as normas de acçãopolítica (cfr. Ferry, 2002: 101).

A insistência numa teoria centrada na ideia de umconsenso racional gerou a suspeita de uma idealização dapolítica. O corolário deste percurso foi ou seria uma con-cepção formalista do Estado Constitucional onde o simplesrespeito pela norma encontrar-se-ia impotente para procederà mobilização dos cidadãos.

As idealizações necessárias

Apesar de tudo, importa restringir este raciocínio. Contraas sucessivas críticas que fazem atribuir a Habermas aadopção de um ponto de vista idealista e carente deconcretização, Ferry adopta uma curiosa defesa dasidealizações necessárias, retomando o argumento segundoo qual sem assumir tais idealizações seria impossível a buscade um entendimento com alguém a propósito do que querque fosse. Nesta medida, desenvolve a ideia engenhosasegundo a qual se é verdade que não existe comunicação

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ideal e transparente não é menos verdade que é possívelexistir um ideal de comunicação. Sem ideal de comunicaçãonão existiria crítica e qualquer pretensão normativo morreriaàs mãos de um “excesso de realidade” (cfr. Ferry, 2002:30)

Uma versão “forte” das idealizações necessárias àintercompreensão suscitaria a ideia de uma comunidade idealde comunicação imaginada como uma simples ideia regu-ladora que não corresponde a nada de real existente sobrea terra. Seríamos obrigados a tender para um ideal cujarealização significaria o fim da história (Wellmer apud Ferry,2002: 32). Só no fim da história se realiza o fim da diferençaabsoluta e a completa transparência comunicacional.

Porém, é possível defender um certo grau de idealizaçãonuma versão débil. Esta não implica a referência a umacomunidade ideal de comunicação nem a uma transparênciaabsoluta mas antes a um nível de reconstrução das pres-suposições pragmáticas do discurso e das condições uni-versais de possível compreensão mútua. Com a rejeiçãosimultânea do idealismo universalista e da hipostasiação dodiferendo e da diferença, julga-se poder introduzir opluralismo sem negar a possibilidade de compreensão entreos diversos contextualismos e os seus específicos jogos delinguagem.

Apesar dos numerosos mal entendidos, recriminações ecriticismos que acompanham Habermas também, na sua obra,se pode vislumbrar uma diferença em relação a uma con-cepção forte de universalismo metafísico subscrita por Apelem torno da sua comunidade ideal de fala. Habermas afirmaque o seu discurso ético é aberto ao pluralismo de valores,requerendo acordo apenas acerca dos princípios que infor-mam o próprio discurso. Ou seja, como não é mais possívelsob o ponto de vista teórico defender a validade das razõesúltimas, são as condições formais de justificação queadquirem elas mesmas um poder de legitimação.

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Vista deste modo, a questão da justiça política implicaum certo cepticismo em relação às nossas capacidades decompreensão. Seguindo este raciocínio importa despir aousada tentativa de compreender absolutamente o Outro. Acompreensão absoluta pode traduzir-se numa obsessãopanóptica, se tentarmos desvendar o outro de um modo detal maneira escrutinador que violemos, de forma insupor-tável, a margem de incomunicabilidade que qualquer iden-tidade comporta. Mas a compreensão absoluta também podetraduzir-se num oposto simétrico à atitude que acabamosde descrever. Pode-se hipostasiar de tal forma a alteridade,que não lhe possamos tocar: nomeá-la já é trai-la e mistificá-la porque só a alteridade se pode nomear a si própria. Evitaro primeiro caminho, uma vez rejeitado o segundo que conduzà intradutibilidade e à hipostasiação absoluta da diferença,implica duas possibilidades: a primeira consiste em rejeitara fundamentação última da razão, negando à filosofia apossibilidade de um acesso privilegiado à verdade. Reco-nhece-lhe a capacidade de ajudar a esclarecer o sentidoimplícito às práticas quotidianas, permitindo ajudar a de-tectar a racionalidade impalpável que habita essa prática.Porém, nega-lhe o monopólio desta tarefa já que as suasreconstruções nesta matéria, mais do que serem objecto deuma apreciação praticada por uma comunidade de sábiosse jogam sobretudo numa hermenêutica quotidiana implícitaà vivência comunitária.

Num segundo momento, avalia-se a responsabilidaderecíproca que está implícita ao agir comunicacional não comopertencendo à ordem da modalidade cognitiva empírica masà ordem da convenção. A responsabilidade recíproca já nãoé imputada como uma categoria ontológica. Antes é reco-nhecida como uma convenção semelhante à presunção deinocência que acompanha os arguidos até prova em con-trário. O agente social, tal como o arguido não é neces-sariamente inocente, não é necessariamente responsável; mas

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tal como arguido é presumido como inocente, o agente socialé presumido como responsável. Com este acordo já não énecessário falar de um conhecimento absoluto e geral masantes de um reconhecimento: ambos falam do mesmo temae ambos são reconhecidos reciprocamente como interlocutoresque argumentam com o recurso a razões válidas. A com-preensão já não implica a apreensão psíquica dos motivosprofundos do motivos interlocutor (a sua boa ou má fé, osinteresses estratégicos que acompanham as suas pretensões)mas apenas a consideração da força ilocutória dos seusargumentos (cfr. Ferry, 2002: 39-45). As pressuposiçõespragmáticas de comunicação no seio do mundo da vidadeixam de poder ser consideradas idealizações fortes queassumem a carga metafísica de ideias reguladoras como sejamo conhecimento absoluto, a perfeição moral ou a absolutatransparência comunicacional.

Com estas duas aproximações torna-se razoavelmenteclaro que não podemos querer compreender absolutamente,mas sim compreender o melhor possível. Seguindo esta via- a de um universalismo mitigado que se não fascina pelaverdade absoluta nem se confina a um contexto hipostasiado- é possível continuar a defender a existência de um projectocomunicacional para além da diferença absoluta e douniversalismo nivelador. Neste sentido, a aplicação à de-mocracia - como regime que fundamenta na comunicaçãobem sucedida a possibilidade da justiça política - passa aconter um elemento ideal - a abertura a toda a diferençalegítima - e um elemento formal: a legitimidade é o respeitopelas regras deste jogo em que se presume como umacondição a priori o cumprimento de normas processuais quetraduzem a aceitação de um compromisso intersubjectiva-mente assumido sobre o modo como o debate deve estarorganizado.

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A “realidade dos mass media”

O problema deste difícil equilíbrio entre a realidade ea idealização torna-se mais evidente nos mass media. Paraque a democracia não seja um mero regime processualistade escolha de elites é necessário garantir a circulação decomunicação e de informação vinculada às estruturas co-municativas do mundo da vida e traduzindo as pretensõesde validade que permitem a formação de uma opinião públicaracional. A justiça depende de uma liberdade de comuni-cação que se traduz na possibilidade de inscrever um temade discussão na ordem do dia da agenda pública.

Têm sido invocados vários motivos para suspeitar dessapossibilidade da parte dos media, se atendermos, de formaabsolutamente “ortodoxa” e seguidista os pressupostos deHabermas.

1. Os meios de comunicação tradicional e mesmo osnovos meios foram incubados - nas suas formas actuaise conhecidas - em ambientes sistémicos onde os mediareguladores predominantes são o poder e o dinheiro.

2. Os meios de comunicação social pela sua naturezaindustrial motivada por uma racionalidade económicaafastam-se da vocação intercompreensiva do mundoda vida. Este afastamento traduz-se nalguns aspectosfacilmente reconhecíveis: a) a abertura ao mundo davida implica o reconhecimento da memória. Os mediaactuais vivem na ânsia da instantaneidade; b) o mundoda vida implica a reflexividade e a distância. Os mediaapelam cada vez mais à “participação” e aoenvolvimento emocional de um modo que implica ageneralização do espectáculo; c) é difícil sustentar queo uso estratégico da linguagem nos meios de comu-nicação de massa seja completamente secundário.

3. Em terceiro lugar, a função de agendamento estálargamente confiscada pelos políticos e pelos jorna-

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listas dos grandes meios de comunicação social. “Aopinião pública forma-se em larga medida no interiordos limites de uma selecção prévia dos temas deatenção pública” (Ferry, 2002:102). De acordo comeste raciocínio faz sentido falar dos mecanismoscensurantes que se exercem não sobre a comunicaçãomas com origem na própria comunicação (cfr.Rodrigues, 1985) admitindo a existência de um pro-blema novo: o da liberdade frente à autonomizaçãodo poder mediático.

4. Apesar destes reparos é-nos difícil reconhecer, toda-via, o aprisionamento da indústria cultural numamesmidade absoluta. A insistência habermasiana nascondições de realização da intercompreensão é com-preensível sob o ponto de vista quer da intençãonormativa quer do ponto de vista da construção deum modelo realista de justiça política. Porém, a omissãodo diferendo em detrimento do consenso acarreta umaconsequência: as idealizações necessárias retêm umaforça ontológica e cognitiva que parece persistir aindaque à revelia da intenção do autor. Ora os meios decomunicação social, mesmo nas actuais condições deausência de regulação, transportam consigo umapluralidade de visões do mundo, cujo potencial ge-rador e improbabilidade e de incerteza não pode serminimizado. As condições sociológicas de vivência damodernidade tardia possibilitam -sem trair a defesade um universalismo moderno - o diferendo comocontraponto dialéctico de um consenso necessário masque corre, muitas vezes, o risco de se identificar comuma certa exaltação do “bom senso democrático”. Estarevitalização do diferendo abre a oportunidade paraintuir a pluralidade de racionalidades que se cruzamno seio da indústria mediática. A revitalização destafigura subvalorizada no agir comunicacional pode

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finalmente implicar a formação de uma opinião públicaque tenha em conta as diversas instâncias críticas delegitimação das acções e enunciados produzidos pelosdiferentes poderes, no decurso da intervenção cada vezmais diversificada dos movimentos sociais no interiorde sociedades que se caracterizam pela pluralidade devalores e visões da vida. Apesar das suas insupor-táveis contradições o processo de fragmentação cul-tural dos quais os media são parcialmente responsá-veis pode ser visto, sobretudo, como um ponto departida para uma nova reflexão crítica aberta àpluralidade. Recorrendo aos ensinamentos de Gramsci(1977) podemos proceder a uma reanálise da dimen-são comunicacional da luta política, tendo como arenaa sociedade civil. Juntamente com Walter Benjamin(1987), podemos rever de forma crítica as consequên-cias que os media transportam em termos de trans-formação das condições sociais de visibilidade. As-sim, o pluralismo cultural induzido, de forma contra-ditória e ambígua, pelos media pode gerar a oportu-nidade para criar e pensar novos direitos que setraduzam numa relação mais directa com a vidaquotidiana, que se traduzam em formas novas decidadania.

A luta por contextos de comunicação livres de constran-gimento continua a ser a única chave para uma articulaçãodemocrática entre o consenso - igualitário e universalista- e o diferendo, identitário e fragmentário. Nesse sentido,é possível pensar com Habermas contra Habermas desdeque o consenso não signifique a obliteração do seu correlato- o diferendo - e desde que as condições universais decompreensão mútua sejam entendidas não apenas como umapressuposição da sociabilidade, mas como uma pressupo-sição pela qual vale a pena defender uma praxis concretano sentido da sua revitalização: ou seja algo pelo qual setem de lutar quotidianamente.

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A FRAGMENTAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO:NOVOS DESAFIOS ÉTICO-POLÍTICOS

Introdução

Recentemente, assistimos a uma verdadeira transforma-ção estrutural do Espaço Público seja no seu entendimentomais lato, enquanto espaço de visibilidade pública; seja noseu entendimento normativo, como instância de comunica-ção política aonde é colocada a questão da legitimidade dopoder e onde se verifica um debate com vista à produçãoda deliberação colectiva. Esta transformação estruturalmanifesta-se através segmentação dos fenómenos de pro-dução e recepção. Para tal contribuem as “Novas TecnologiaMultimédia”, a Internet, a Televisão por cabo e satélite, aregionalização dos media de massa e a emergência dosfenómenos identitários através da tensão entre o global eo local - uma tensão que percorre transversalmente osdomínios da cultura, dos media, da economia e da política.Num contexto de mediatização generalizada: muitas dasidentidades emergentes, dos respectivos imaginários e vi-sões do mundo dependem da presença de meios de comu-nicação.

Tal problema urge ser abordado, sob um ponto de vistaque atribua ao Estado modelos de organização e de obser-vação de procedimentos que permitam uma deliberaçãoverdadeiramente democrática fundada na garantia do debateentre os vários interesses legítimos. O facto de esta ser umaposição “contrafactual”, exercida no plano de um confrontoentre os factos e as normas, não constitui, a nosso ver, umóbice, na exacta medida em que entendemos que a puraobservação da realidade só existe no plano de uma soci-ologia positivista estreita e de um entendimento impotenteda Teoria Política e do Direito.

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A fragmentação do espaço público

Hoje, o espaço público, entendido no seu sentido maislato enquanto espaço de visibilidade pública, encontra-sesujeito a tensões fragmentárias. Entre os factores sociais quemais têm contribuído para esta tendência destacam-se o actualsistema de consumo e, em particular, os modernos dispo-sitivos tecnológicos de mediação.

A diferenciação cultural - traço mais vincado destamudança estrutural - está ligada a fenómenos extraordina-riamente diversos como sejam as pressões do mercado comvista à emergência de novos segmentos de consumidores,aos fluxos migratórios europeus, às alterações de costumese do estatuto da mulher, ao aumento da mobilidade, àrelativização dos Estados-Nação, à enfatização das diferen-ças identitárias em torno de temas como a religião, a região,o género ou o ambiente, à especialização dos mercados eao aparecimento de uma nova forma de tecnologia relaci-onada com a produção de informação e de conhecimento.

Pelo seu vigor e capacidade de síntese não resistimosa recorrer a esta citação de Castells: “as mudanças sociaissão tão grandiosas como os processos de transformaçãotecnológicos e económicos. Apesar de todas as dificuldadesno processo de transformação da condição feminina, opatriarcado foi atacado e abalado em muitas sociedades.Assim, as relações de género tornaram-se na maior partedo mundo, num domínio de disputas em vez de uma esferade reprodução cultural. Há uma importante redefinição dasrelações entre as mulheres, homens e crianças e, consequen-temente, da família, da sexualidade e da personalidade. Aconsciência ambiental penetrou as instituições da sociedadee os seus valores tornaram-se politicamente apelativos foio de passarem a ser usados e manipulados na prática diáriadas empresas e das burocracias. Os sistemas políticos estãomergulhados numa crise estrutural de legitimidade, perio-

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A fragmentação do espaço público: novos desafios ético-políticos

dicamente arrasados por escândalos, dependentes dos mediae da liderança personalizada e cada vez mais isolados doscidadãos. Os movimentos sociais tendem a ser fragmenta-dos, locais, com um objectivo único e efémeros, ora fe-chados nos seus mundos interiores ora brilhando por uminstante em torno de um símbolo dos media. Num mundode mudanças confusas e incontroladas, as pessoas tendema reagrupar-se em torno de identidades primárias: religiosas,éticas, territoriais e nacionais. O fundamentalismo religioso,cristão, islâmico, judeu, hindu e até budista (o que pareceser um contra senso) é provavelmente a maior força desegurança pessoal e mobilização colectiva nestes anosconturbados” (Castells, 2002: 3). Regiões, classes esubclasses, culturas e subculturas, grupos de interesse eminorias associativas são objecto de uma recomposiçãocrescente. O espírito do tempo, particularmente no que dizrespeito às formas tradicionais de socialização e de cons-trução da identidade faz ecoar na memória uma velha frasede Marx: “Tudo o que é sólido se dissolve no ar. “

Grande parte destas transformações surgem associadasaos mass media. A globalização desvalorizou as identidadesbaseadas em papéis sociais em detrimento crescente deidentidades baseadas em pertenças culturais. Logo, os mediaemergem mais fortes na sua ligação quase estruturante coma definição dos territórios simbólicos que permitem aformulação destes novos tipos de afirmação identitária(Touraine, 1998:51).

As reacções à fragmentação do espaço público

O problema que estes fenómenos contraditórios suscitamé de natureza ético-política seja quanto ao estatuto a conferirao Estado seja no que respeita as possibilidades desse mesmoEstado intervir na regulação de uma instância decisiva paraa formulação do problema: os mass media e, especialmente,

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a produção jornalística. Perante a multiplicidade de preten-sões de validade que se apresentam num espaço públicode natureza democrática como é possível assegurar umaregulação colectiva que não se traduza na crise dos sistemasde mediação e de representação (problema dagovernabilidade) nem ao invés, numa concepção de cida-dania meramente centrada na rotação das elites (problemada participação)? A resposta a este problema, ou melhoràs duas dimensões do problema, implica uma tomada deposição a dois níveis: a) a relação do Estado com a pluralidadedas diferenças legítimas; b) uma inquirição sobre o papeldos mass media, pois o espaço público contemporâneo émediatizado em larga escala e os media desempenham umpapel fundamental na representação dos interesses contra-ditórios.

Uma primeira reacção encara este fenómeno com ele-vado criticismo, parcialmente justificado.

Ao nível antropológico, é clara a suspeita de que muitasdas identidades perdem a sua dimensão relacional e críticase esgotam na exploração de mecanismos compulsivos dedesejo. No plano comunicacional, a multiplicação de es-paços públicos não significa o aumento do pluralismo políticoe traduz uma segmentação de audiências e de nichos demercado, numa perspectiva comercial ao serviço de umalógica de acumulação de capital (Gitlin, 1995). Esta ten-dência para a segmentação lança dúvidas sobre a fiabilidadee solidez da esfera pública - da qual apenas se vislumbrariauma pálida nostalgia. Sob o signo do multiculturalismo, osmedia de hoje, organizados em segmentos alvo e subculturasde consumo, capitalizam graças à multiplicação de frontei-ras identitárias. No limite, recorre-se a um novo elementoinduzido pelas tendências mais recentes dos media: a trans-formação do quotidiano individual numa mercadoria deelevada rentabilidade (até pela dispensa de actoresespecializados) confundir-se-ia com o direito de acessodemocrático à visibilidade.

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Finalmente, sob o ponto de vista político, é duvidosoque os movimentos sociais centrados na diferença signifi-quem necessariamente o tão desejado regresso do actor(Touraine, 1996). Muitas das relações sociais típicas da nossacontemporaneidade desprezam a reflexividade crítica pró-pria da modernidade. Ao lado da libertação dos dialectose das comunidades minoritárias, o fundamentalismo, otradicionalismo e o culto exacerbado de uma crítica deuniversalidade feita em nome de valores pré-modernosconduzem à defesa da pureza étnica. Receia-se (Dayan, 1990:105) que as sociedades ocidentais se estilhacem numamultiplicidade penosa de guerras de secessão. A não serintegrada num esquema englobante de defesa das liberdadespúblicas que enfatize os valores universais e cosmopolitas,a política das identidades pode facilmente desembocar numnovo tribalismo. Corre-se o risco de reforçar uma mantade trapos de identidades locais, em que as pessoas só possamfalar e interrelacionar-se com os que lhe são imediatamentecontíguos ou com quem partilhem uma característica co-mum. É um alerta para o qual a própria actualidade tãotragicamente próxima não deixa de chamar a atenção.

Uma segunda reacção, tipicamente pós-moderna e espe-cialmente optimista, acredita que a fragmentação é umfenómeno cultural e político que permite o regresso das taispequenas narrativas e dialectos. Chega-se a considerarrelativamente irrelevante discutir questões como a concen-tração da propriedade dos mass media (Vatimo, 1992) porser uma questão relativamente menor se comparada coma capacidade de os mesmos media desempenharem uma talfunção democratizante. A pluralidade e as aventuras dadiferença surgem como se fossem em si próprias um fimexaltante.

Em alternativa a qualquer destas possibilidades, é pos-sível desenhar uma concepção menos unilateral que con-tinue devedora da ideia de espaço público aceitando críticas

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dos novos movimentos sociais. Os problemas que se co-locam são relativamente evidentes embora se adivinhem cadavez mais complexos: Será que muitas dessas pretensões aoreconhecimento da diferença não escondem, dentro de si,uma manifestação de exotismo comercial e de um regressode um comunitarismo que implode através da violação dedireitos humanos e explode sob a forma detestável do Terror?Como garantir a universalidade sem desconsiderar oparticularismo e o pluralismo sociológico e político de talmodo que a sua eventual omissão se não venha a traduzirnuma efectiva violação dos direitos humanos? Como ga-rantir inevitáveis consensos em face do incontornáveldiferendo desperto pelas múltiplas e conflituais pretensõesde legitimidade apresentadas pelas identidades em luta peloreconhecimento? O problema tem um sentido verdadeira-mente desafiante na medida em que nos lança no coraçãodas relações complexas entre o uno e o diverso.

Com plena consciência das dificuldades em obter cer-tezas, creio que a resposta passa pela insistência num modelode democracia deliberativa assente num confronto entreleituras plurais da vivência cívica, enquadrado por modelosde regulação do debate que continuam a conferir ao EstadoConstitucional de Direito a primazia. A diferenciação in-troduzida pelos particularismos emergentes haverá deequacionar-se com um universalismo que permita, por umlado, a afirmação das especificidades, e por outro lado,impeça que a afirmação dessas especificidades se sobrepo-nha aos direitos humanos. O corolário é a defesa do direitode manter a própria forma de vida cultural com a obrigaçãode aceitar o marco político da convivência definido pelasupremacia dos direitos humanos. Esta convicção traduz-se numa concepção de cidadania em que a exigência decoexistência de subculturas em igualdade de direitos seencontra submetida à reserva segundo a qual as confissões,crenças e práticas protegidas não podem contradizer os

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princípios do Estado Constitucional Democrático que ga-rantem a sua avaliação em condições consideradas justas.

No campo mais específico dos media e do jornalismopostula-se uma atitude crítica, que se recusa, no entanto aseguir uma via que passe pela condenação ou absolviçãogeneralizada. Aceita-se que o fenómeno da comunicação épolimorfo e marcado por graduações diversas. Muitas dascríticas formuladas pela primeira tendência - a despolitizaçãoda comunicação pública, o aproveitamento comercial dastendências de diferenciação identitária - são genuínas e estãopresentes no espaço público português. Porém, as possibi-lidades de resistência e de aprofundamento democrático daindústria mediática também se continuam a revelar.

Do espaço público ao Estado Constitucional

Nesta posição confluem vários factores que urge pon-derar com as devidas cautelas:

- desde logo, insiste-se no modelo da Publicidade comouma tradição da modernidade graças ao qual a se operaa transformação do domínio público em espaço públi-co. O impulso crítico desencadeou transformaçõesimportantíssimas na forma de mediação entre o públicoe o privado. Vindo de baixo, da reunião das pessoasprivadas em espaços informais onde se procede aointercâmbio dos argumentos, o impulso crítico desen-cadeou transformações importantíssimas na forma demediação entre o público e o privado, sendo respon-sável pela afirmação de uma autonomia da pessoa comolimite da legitimidade das decisões do poder. A pu-blicidade é retomada pela concepção democrática desociedade civil e desempenha um lugar central nadiscussão em torno da fragmentação cultural uma vezque são as discussões democráticas que possibilitamaos cidadãos a oportunidade de esclarecerem quais as

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tradições que querem perpetuar e quais as que queremabandonar (Ferry, 1989:17)

- desde logo também se aceita uma certa suspeita emrelação aos ideais de universalidade que atravessavama esfera pública sem abandonar o reconhecimento deuma força crítica originária nessa mesma tradição deorigem burguesa. Esta suspeita não incide sobre os ideaisde universalidades mas sobre a ausência da sua rea-lização efectiva. Assume, por isso, uma certa formade olhar sensível às diferentes formas de desigualdade,de ocultação do sofrimento, de imposição da dor e deprática da discriminação. Parece importante analisar asdiferenças relativas da capacidade dos diferentes pú-blicos no acesso ao debate democrático, a pluralidadede interesses e de pretensões que se fazem sentir nesseespaço, as relações de poder, a posição diferenciadadas redes de comunicação, a estrutura de influênciasque, decerto, se faz sentir no seio dessa instância;

- finalmente esta perspectiva enfatiza de forma particu-larmente insistente o papel do Estado e do Direito nummodelo de democracia deliberativa. Ao mesmo temporelança a discussão sobre as condições de viabilidadede um espaço público informal, o qual é em largamedida, um espaço público mediatizado. A questãoreside em garantir a existência de fluxos entre aconstituição da opinião na esfera pública e a tomadade decisão institucional. Estes fluxos implicam umaanálise exigente da forma como está organizado o espaçopúblico contemporâneo, quais as suas instituições,constrangimentos e desigualdades (cfr. Habermas, 1996;1985).

Este modelo de democracia deliberativa, formulado demodo relativamente recente por Habermas e Arato e Cohencrê encontrar nos princípios constitucionais vigentes (adivisão de poderes no aparelho estatal, a vinculação do Estado

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ao Direito e em particular nos mecanismos parlamentaresde produção legislativa), um reflexo, pelo menos parcial doseu modelo político. O Direito permite a uma sociedaderegular as respectivas interacções sem ter que ter em contaas motivações directas de cada um dos seus membros. Aimportância desta neutralidade processual não significa umaespécie de refúgio na positividade da lei. Por um lado, asquestões que dizem respeito à identidade e à forma de vidapodem e devem ser objecto de debate público. Por outrolado, acredita-se que as sociedades multiculturais só conhe-cerão a coesão desejável se para além de proporcionaremuma cultura de cidadania em que imperem os direitos deliberdade e de participação, dinamizarem a fruição dosdireitos sociais e culturais. Finalmente, a insistência naimportância do Estado de Direito implica a manutenção deuma relação com os mecanismos informais de debate e dedeliberação pública.: “O desenvolvimento e a consolidaçãode uma política deliberativa dependem não de uma cida-dania colectivamente capaz de acção, mas dainstitucionalização dos correspondentes procedimentos epressupostos comunicativos, assim como da interacção entredeliberações institucionalizadas com opiniões públicasdesenvolvidas informalmente” (Habermas, 1996: 298).

A esfera pública, surge como uma esfera de identifica-ção, detecção e tematização de problemas, cuja influênciase deve continuar a reflectir no posterior tratamento dasquestões que, seguidamente, originam os processos de decisãoe de produção legislativa no interior do sistema político.Os grupos cívicos são vistos como actores que procurammodificar a percepção e interpretação dos problemas so-ciais. Podem articular projectos alternativos de políticaspúblicas, divulgando, entre outros grupos populacionais, ointeresse pelas suas causas. Não há dúvida que muitas formasde poder ilegítimo permanecem nas mega - instituições

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sistémicas. Porém, o uso do poder não fica imune a umacrítica que no limite conduz à crise da própria legitimidadeda decisão.

A ambiguidade da comunicação

Para o funcionamento geral deste modelo deliberativoimporta que se generalize, no espaço público, em parte graçasà mediatização e especialização crescentes, a presença dofenómeno da influência - como uma forma simbólicageneralizada de comunicação que facilita a interacção emvirtude da convicção ou da persuasão. Toda a esfera gi-gantesca e complexa da informação pública - ou seja, todaa produção e consumo do conhecimento social disponívelnas sociedades complexas - depende da mediação dosmodernos meios de comunicação. Para Habermas, “oscidadãos comportam-se como um público quando dialogamsem restrições - ou seja, com a garantia de liberdade deassociação e de reunião e de exprimirem em público as suasideias - acerca de assuntos de interesse geral. Num públicode grande dimensão este modo de comunicação exige meiosespecíficos para transmitir informação e influenciarem osque a recebem. Hoje, jornais e revistas, Rádio e TV sãoos meios da esfera pública. Apenas quando o exercício docontrolo politico é efectivamente subordinada à exigênciademocrática de que a informação seja acessível ao público,a esfera pública ganha uma influência institucional sobreo Governo através dos corpo legislativo” (Habermas, 1974apud Calhoum: 1996:289). Se olharmos o espaço mediáticocomo uma instância de competição na luta pela definiçãoe a construção da realidade social, o problema dos mediatorna-se merecedor de uma aturada reflexão. Sem eles, torna-se utópico falar em decisão democrática. Porém, muitas vezeseles próprios se tornam obstáculos reais às possibilidadesdessa mesma deliberação. Sabemos que algumas das críticas

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atrás afloradas, mesmo nas suas versões mais pessimistas,merecem crédito. Em certas circunstâncias, a sociedade civilpode adquirir influência na esfera pública e produzir im-pacto sobre o processo de decisão política. Porém, a so-ciologia da comunicação oferece uma visão céptica sobreas esfera públicas mediatizadas das democracias ocidentais.Os movimentos sociais, as iniciativas e fóruns de cidadãos,as diferentes formas de associativismo são sensíveis aosproblemas. Todavia, em grande parte devido aos media, ossinais e impulsos enviados são por vezes demasiado fracospara redireccionarem os processos de decisão no sistemapolítico (cfr. Habermas, 1996: 376).

Graças à estrutura assimétrica dos processos de comu-nicação mediática, as possibilidades de participação encon-tram-se distribuídas de forma iníqua entre os que têm acessoao uso da palavra pública e os receptores. Os jornalistasrecolhem informação e tomam decisões acerca da selecçãoe apresentação de “programas” e projectos, controlando, emcerta medida, a entrada de tópicos, contributos e agentesna esfera pública. A pressão selectiva exercida pelos mediaexerce-se seja do lado da oferta seja do lado da procura.A imagem dos políticos apresentada na televisão é compostapor temas e contributos profissionalmente produzidos comoinputs dirigidos para os media através de diferentes formasde assessoria, conferências de imprensa e campanhas derelações públicas entre outros dispositivos conhecidos, queexigem recursos financeiros, técnicos e profissionais.

Ao mesmo tempo, os media apelam cada vez mais aoenvolvimento emocional de um modo que contaminou alinguagem jornalística. A coerção mais drástica que os mediaimpõem sobre a comunicação é, desde logo, asecundarização das mensagens políticas (Esteves, 2003: 58).Esta passa por duas estratégias: a sua subordinação a umpapel secundário e às características (formais mas tambémsubstanciais) dos produtos light gerados no infortainment

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(cfr. Gomes, 1995: 315). Antes de as próprias mensagenspolíticas seleccionadas serem emitidas são sujeitas a estra-tégias de processamento de informação no interior dos media.Perante as pressões da economia da atenção - a escassezde recursos cognitivos do público perante uma multiplicidadede estações disponíveis - os factos são relatados comohistórias de interesse humano, as informações mesclam-secom entretenimento, o material mais complexo é repartidoem fragmentos mais pequenos.

Apesar de tudo, não se pode ocultar o reverso da medalha,mesmo que esse reverso seja alimentado por possibilidadese esperanças cuja concretização não é segura. “A ideia deambivalência é fundamental para pensar a história e arealidade presente da comunicação, nomeadamente em termoséticos. Está presente desde logo na definição e discussãopermanente dos critérios reguladores do discurso público:dividido entre a legítima aspiração à sua afirmação autó-noma e as ameaças de instrumentalização, com origem, desdelogo, nas duas principais instâncias de decisão das socie-dades modernas - o mercado e o Estado” (Esteves, 1989:25).

Desde logo, a proliferação de self media e o acesso fácila canais de informação alternativa dificultam o monopólioda agenda pública pelo menos em situações de crise: o recursoà Internet para desencadear movimentos de opinião em tornode Timor, para pôr em causa a hegemonia do PC Chinês,para divulgar os protestos dos agricultores franceses contraa cadeia norte-americana McDonald’s, a organização doprotesto contra a Organização Mundial do Comércio emSeattle e a convocatória da manifestação que precedeu aseleições espanholas são alguns dos muitos exemplos bemactuais. Muitas destas possibilidades, nalguns dos seus usosmúltiplos, nem sempre virtuosos, poderão passar pela atri-buição de relevância a temas geralmente ocultos, alterandoa função de agendamento graças ao impacto produzido junto

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dos próprios media de massa. Na verdade, uma partesubstancial dos temas sociais da agenda publica, (asensibilização para questões ambientais, novos direitossociais, etc.), dificilmente ganhariam relevância sem asestruturas comunicativas da esfera pública que competissemcom o centro do sistema político e com a influência dodinheiro.

Os próprios media ditos de massa confrontam-se cominteresses conflituantes entre si, vendo-se obrigados a pro-curar conciliar pontos de vista económicos, culturais, pro-fissionais, ideológicos e políticos. Não podem, apesar detudo, furtarem-se às obrigações que resultam da missãojornalística nem corresponder, ao menos na totalidade, aosstandards mais grosseiros da cultura de massa. Encontramo-nos perante “uma lâmina de dois gumes no que respeitaa implicações éticas”(Esteves, 1998: 24). Apesar de seremempresas que implicam normas rígidas de especificaçãoprodutiva destinadas a conseguir a melhor adequação possívelentre os seus produtos e as necessidades do mercado, osmedia geram espaços onde se confrontam pretensões devalidade conflituais que contribuem, de modo decisivo, paraequacionar a legitimidade do sistema político.

Tais media de massa são confrontados com exigênciasque muitos dos seus profissionais acreditam estarem a cumprire até que acreditam tentar cumprir. Michael Gurevitch eJay Blumer atribuem aos media algumas tarefas que estesdevem desempenhar e que dizem respeito, no essencial, auma vida pública saudável apoiada por uma comunicaçãopolítica ao serviço dos cidadãos. Tais princípios ou, pelomenos alguns deles, podem ser escassamente aplicados noquotidiano. Porém, fazem parte da imagem que os mediae os profissionais criam de si próprios. Na esquizofreniainstitucionalizada que, sob o ponto de vista ético, se instalouno campo dos media, os profissionais e os media defendemas suas actuações muitas das vezes, em nome destes prin-

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cípios. No limite, tentam convencer-se a si próprios queagiram na defesa de tais princípios. No fundo, precisam deum espelho onde possam ver uma imagem mais virtuosade si próprios. Na pior das hipóteses, receiam ser denun-ciados porque também eles estão sujeitos ao escrutíniopúblico. Obviamente, no campo jornalístico isto é particu-larmente sentido e origina práticas contraditórias.

Finalmente, a selecção não é definida apenas pela emissão.Ela é também igualmente exercida pelo público ao nívelda recepção, pela escolha entre os programas oferecidos,e em especial, pela possibilidade de os públicos, de acordocom uma lógica de redinamização e democratização dasociedade civil, pretenderem eles próprios tomarem a pa-lavra, fazendo chegar ao espaço público interpretaçõesconflituais e afirmações em defesa do reconhecimento deidentidades excluídas e de problemáticas esquecidas. Aperiferia civilista tem a vantagem, comparativamente aocentro político, de uma maior sensibilidade para detectarsituações problemáticas. Por outro lado, a visibilidade dostemas agendados pelos media e a configuração que lhes éconferida pelas visões do mundo dos jornalistas organizadosenquanto comunidade interpretativa também se confronta coma opinião do cidadão comum na sua vida quotidiana, a qualse difunde através de espaços informais. Um governo quemente de forma demasiado ostensiva mesmo com apoio demedia poderosos, pode ser confrontado com instâncias decomunicação informal que não controla. A pesquisa sobreefeitos e sobre recepção tem, apesar do reconhecimento dopoder do jornalismo, vindo a abandonar a ideia da mani-pulação absoluta dirigindo a nossa atenção para as estra-tégias de interpretação dos espectadores que comunicam unscom os outros e que, de facto, podem rejeitar ou criticarum projecto ou programa político ou sintetizá-lo com osseus próprios julgamentos e avaliações. É evidente que háespaços importantes da comunicação política que se inte-

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gram dificilmente no espaço público. De um lado, doscidadãos comuns, existem formas de comunicação informal,ocasional, directa e espontânea, que funciona como umelemento natural de politização mas que fica muitas vezeslimitada a círculos restritos de participantes e que nãoconseguem alcançar a mediatização. Do outro lado, das elites,existem formas de comunicação política subtraídasdeliberadamente ao espaço público e que se confinam à trocade informações confidenciais entre jornalistas, políticos ealguns círculos académicos. Porém, a comunicação políticanão se restringe ao jogo de interacções entre jornalistas,políticos, institutos de sondagem e líderes de opinião (Ferry,1989: 20-23). Em democracia, as fronteiras entre aquelasduas formas de comunicação e o próprio espaço públiconão são rígidas: a opinião aparentemente periférica do sensocomum influencia a percepção das mensagens mediáticase pode, ocasionalmente, tornar-se politicamente relevante.Ao mesmo tempo, a política de segredo das elites confronta-se com as contradições que se verificam entre elas, comlógicas de interesses conflituais e com a voracidade dos mediae as pressões da opinião pública.7 O problema da credi-bilidade emerge em contraponto à política do segredo.Independentemente do que cada um de nós pense sobre osassuntos, há exemplos claros: no plano político, as moti-vações da Guerra são objecto de um escrutínio fortementecrítico. Do lado iraquiano, ficou famoso o Ministro do Interiorque negava a chegada dos americanos a Bagdad. Porém,ao Ocidente também proliferaram episódios poucoedificantes. A retórica das armas de destruição macissa geroudificuldades aos Governos da Coligação. A relação entrea BBC e o Governo de Blair, o criticismo e a suspeita sobrea Administração Bush alimentaram a chacota mordaz docidadão comum. No plano da Economia, grandes empresascomo a Parmalat, a Living Omnimédia, a Eron ou a RoyalDutsch Schell são objecto de investigações judiciais que

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conduzem a prisões ou a investigações jornalísticas queconduzem a quedas abruptas na bolsa e à demissão dePresidentes. Contra a lógica que sempre presidiu à suaactuação, os próprios media são notícia: sectores importan-tes da opinião pública discutem as opções dos media, a formacomo constroem a agenda e como se submetem a ditamesexteriores, nomeadamente em questões de politica externa.

Apesar de tudo, neste contexto de forte desregulaçãomercantil, todo o minucioso recenseamento das perversõese possibilidades do sistema mediático parece eficaz eimpotente e, em última instância, contraditório, sem contarcom o Estado. Com efeito, o poder mediático não deve nempode tornar-se o poder público, o qual deve ter o seu centrono poder político.

...E de novo, o Estado

Sem deixar de reconhecer as dificuldades do modelo socialeuropeu, admitindo até as fragilidades, dificuldades e per-versões que uma concepção centralista pode originar, nãome parece incorrecto que um Estado Constitucional eDemocrático se possa tornar ele próprio uma instânciadinamizadora de formas de contratualização que permitama criação de mecanismos reguladores do espaço mediáticoque é o tema central deste trabalho. O caciquismo, agovernamentalização, a massificação comercial são umdesafio ético. Porém, a Ética exige necessariamente aintervenção da política. A Ética sem a sua traduçãoinstitucional é frágil.

Por isso, é legítimo defender a intervenção do Estadona criação de condições para o exercício de um debateesclarecido, com um enquadramento institucional que as-segure a existência de uma pluralidade de organizaçõesmediáticas independentes. O que está em causa não é a

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salvaguarda do espaço hertziano como um bem escasso. Adefesa do de serviço público deve ser assumida através daassunção do princípio segundo o qual a liberdade deexpressão e o direito a informar e ser informado não sãomeros direitos subjectivos. Têm, claramente, uma dimensãopública e articulam-se com outras vertentes do patrimónioconstitucional europeu como o direito à Cultura. Por isso,é defensável uma intervenção estatal em diversos níveis:

Na garantia do exercício dos direitos por todos oscidadãos, impedindo e dificultando as formas de concen-tração de propriedade que se traduzam numa redução sig-nificativa da diversidade, com sacrifício do pluralismosociológico e político;

Na criação de meios e recursos disponíveis para asse-gurar níveis de pluralismo e qualidade aceitáveis. Umatelevisão de serviço público deve ser financiado pelo Estado,através de uma taxa ou do pagamento de indemnizaçõescompensatórias pagas pelo Estado, quebrando o vínculorelativamente à estratégia dos anunciantes. Pode-se aceitara possibilidade da adopção do modelo finlandês, sendo-lheatribuída uma receita em função das receitas publicitáriasdos canais privados, diminuído a sua dependência do Estado.Quanto aos seus conteúdos, eles devem reflectir o pluralismosociológico e político, proporcionar informação de quali-dade e desgovernamentalizada e manter, com as devidascautelas, uma distância profunda em relação à guerra deaudiências o que não significa ser inconsciente relativamen-te às mesmas audiências.

Na criação de oportunidades para assegurar a existênciade outras plataformas independentes de produção e deemissão, colocando como elementos essenciais de regulaçãoa qualidade dos projectos e a sua diversidade política esociológica. Neste domínio, a sociedade da informação eos seus alicerces típicos, a televisão digital e a Internet,

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constituem desafios particularmente interessantes no querespeita à capacidade reguladora do Estado. Por outro lado,a reflexão sobre os media locais e regionais está longe deestar terminada. Os 900 títulos recenseados no Instituto daComunicação Social fazem de Portugal o país com maiortaxa de jornais por mil habitantes, apesar de ter o índiceleitura mais baixo da União Europeia. Estas empresasconseguem captar apenas 5% das receitas publicitárias epautam-se, em grande parte, pelo amadorismo. Por outrolado, não é estulto pensar, com cautela na televisão regionalou de proximidade seguindo o princípio de que terá quese ter em conta não apenas a cultura mas a estruturaeconómica. Os exemplos de Espanha - desde o Canal 9 TV(da comunidade valenciana) à Telemadrid -são muitodiversificadas. Ao nível local não se parece ter passado dafa se experimental.

Finalmente, importa tornar as novas tecnologias acessí-veis a todos, tornando claro que os indivíduos têm neces-sidade de desenvolver uma cultura mediática. O receptorsó passa a ser sujeito da informação quando dispõe decritérios próprios (Calvo, 1994:327). Não é exagerado dizerque alguns movimentos de literacia mediática nos confron-tam com desafios e problemas dos mais delicados entreaqueles que, como educadores e cidadãos, teremos queenfrentar no século XXI. Trata-se no fundo de promoveras competências que permitam aos estudantes e os cidadãosem geral tornarem-se mais sensíveis aos mecanismos sociaisde representação tantas vezes ocultos na linguagem mediática.Nessa medida, influenciar o modo como se constrói adiferença e a hierarquia no interior dos discurso mediáticosem geral e dos discursos jornalísticos em particular, implicasaber como eles são construídos, quais são os seus códigose convenções e, em última instância, ser capaz de produzirartefactos mediáticos, de forma a usá-los como meios deexpressão e de comunicação.

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Conclusão

Um espaço público fragmentado é, em si, teatro deesperanças e decepções. As exigências ético-políticas comque os media se confrontam são cada vez maiores. Acapacidade de estes responderem a essas exigências érelativamente pobre, especialmente quando, como é o caso,se verificam contextos de desregulação mercantil poucoprometedores. Porém, as forças que o Estado possa acrescera uma regulamentação ético-político do papel dos mediasão forças que apelam à inegável vocação do politico: aresponsabilidade para decidir.

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Sociedade e Comunicação: Estudos sobre Jornalismo e Identidades

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A EMERGÊNCIA DOINDIVIDUALISMO NA CULTURAMEDIÁTICA CONTEMPORÂNEA

Qual é o estatuto da individualidade nas sociedadesmodernas? Qual será o papel dos media na atribuição,consolidação e configuração deste estatuto? Este tipo dequestões atravessa, recentemente, grande parte do pensamentofilosófico e sociológico, conhecendo sucessivas reposições,remetendo para a antítese entre a normatividade implícitaà afirmação da liberdade individual e a facticidade inerenteà manutenção da ordem social configurando, nuns casos,um olhar crítico sobre a construção das sociedades moder-nas em termos de ascese, de renúncia e de rejeição doprincípio do prazer, noutros casos originando teorias queenfatizam o hedonismo e a afirmação de um sujeitodescentrado e, noutros ainda, glorificando a erupção dareflexividade como fundamento de novos modos de pensara emancipação.

A individualização não é um fenómeno nem uma in-venção da segunda metade do século XX. Durante muitotempo, teve-se em conta, nas ciências do homem, a dimen-são relacionada com o devir colectivo. Hoje, compreende-se que o surgimento do individualismo moderno é umprocesso tão importante como a formação das novas con-cepções de Estado, de espaço público e de cidadania. Háuma mudança de perspectiva epistemológica que leva aconceder ao individual o primórdio que outrora fora con-cedido ao colectivo. Formas de aprofundamento daindividualização são já conhecidas na voz interior agustiniana,no Renascimento, na cultura cortesã da Idade Média, noascetismo protestante, na emancipação dos camponeses dasformas de servidão feudal, e nos séculos XIX e XX, durante

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a crescente desintegração dos laços sociais tradicionais. Aconsolidação de um princípio de liberdade conhecido comoliberdade dos modernos é um processo que ascende ao dealbarda aurora moderna e que se radicaliza no seu período tardio,ao ponto de, como todos conhecemos, se questionar a sipróprio enquanto vontade de poder e princípio de domi-nação do mundo através de um modo de racionalidadecalculista e instrumental. A questão que se põe é “comocompreender a presença conjunta, no nosso universo inte-lectual, de uma condenação da subjectividade fundadora comoraiz longínqua da sujeição totalitária ou tecnocrática e orecurso, para descrever e denunciar essa sujeição, a umacerta ideia de ser humano como aquele ao qual, num mundointeiramente administrado, é recusada qualquer possibilida-de (e, portanto, qualquer direito) de ser o fundamento dosseus próprios pensamentos e dos seus próprios actos, deser um sujeito e não um objecto, suporte coisificado de umamanipulação infinita?” (Renault, 2000: 20).

A resposta só pode ser dada se tivermos em conta umacerta ideia de sujeito simultaneamente, como núcleo poten-cial de ilusões perigosas e como um valor inultrapassável.É esta dualidade que nos surge mais uma vez a propósitoda relação dos indivíduos com os media.

1. Alguns traços da análise teórica da subjectividade

As transformações estruturais introduzidas pela cesurailuminista, objecto de uma radicalização recente na moder-nidade tardia, têm a ver sobretudo com a ausência de umtelos inerente à condição humana: a existência passa a serum conjunto aberto de possibilidades que implicam umadecisão (Sartre 1999: 49). Nas novas condições abertas pelamodernidade, pode dizer-se: é-se sendo, o que faz cada umadas nossas maneiras de ser, estilos de vida e situações

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A emergência do individualismo na cultura mediática contemporânea

biográficas algo que podia ser de outro modo. A liberdadeé assim “estrutura permanente do ser humano” (Sartre, 1999:79).

A afirmação moderna da individualidade transporta,todavia, duas linhas aparentemente contraditórias: umahipersensibilidade à coisificação e reificação do indivíduoque enfatiza, pela descrição sistemática e minuciosa darelação entre o poder e a subjectividade, o centramento nomomento castrador e repressivo da constituição do sujeitomoderno. Simultaneamente, verifica-se a acentuação do temado sujeito de um modo em que este se dedica à construçãode si mesmo através de um trabalho reflexivo, que se debruçasobre a estilização da relação consigo mesmo e com os outros(Foucault,1994:13).

Com o fenómeno da urbanização e desenvolvimento dascidades, as ciências sociais que se ocupam da comunicaçãomostram estas tendências contraditórias em que simultane-amente se mesclavam os processos de afirmação da culturaobjectiva e a tentativa do sujeito de escapar de certo modo,ao peso dessa cultura. Em Simmel, tornava-se já extrema-mente clara a consciência de que nas novas sociedadesurbanas emergem tipo sociais que configuram, de modoespecial e mais acentuado, estes traços. “O problema maisprofundo da vida moderna deriva da tentativa do indivíduode manter a independência e a individualidade contra o pesoda herança histórica e da cultura exterior”(Simmel, 1984:324). A identidade tornar-se-ia um campo de forçasconflituais, um percurso incessantemente percorrido entreescolhas múltiplas e contraditórias.

Com a urbanização, emerge a figura do flâneur, opasseante ocioso perdido na grande metrópole, livre desonhar, observar, meditar e vaguear. Os habitantes da cidadesão vistos como movendo-se através de um espaço frag-mentado construindo a sua actividade com base na imagi-nação. Este observador estabelece uma relação particular com

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a urbe que habita como se fosse sua casa: está fora de casae, não obstante, em qualquer lugar se sente como se es-tivesse nela; sente-se no próprio centro do mundo emborapermaneça oculto para o mundo. O flâneur guarda ciosa-mente a sua individualidade e, obscurecendo-se por detrásda máscara do anónimo e insignificante homem da mul-tidão, envereda por um percurso que o aliena da eventualpossibilidade de uma relação intersubjectiva maisaprofundada com os outros agentes que se movimentamnessa multidão. A flânerie é um modo de sociabilidade quediz respeito a Um. Esta a vida que se vive olhando o mundocorrer, não trocando com Outrem uma palavra sequer quedê conta da sua presença (Shields,1974:76-77). Na suadeambulação febril, o flaneur captura o carácter dinâmicodo fenómeno urbano. A cidade cria e exige um novo modode percepção, uma nova sensibilidade estética. É estaapreciação do efémero que Baudelaire chama de moderni-dade (Benjamin, 1977: 12).

Contemporaneamente, a emergência da individualidadecompete com a experiência do destino colectivo. A tendên-cia urbana e moderna dirige-se para a consolidação de formasindividualizadas de experiência que compelem as pessoasa olharem-se a si mesmas como o centro do planeamentoe condução da sua vida. O indivíduo torna-se a unidadede reprodução do social no mundo da vida (Beck, 1992,90). Com a emergência da reflexividade (Giddens,1996:27),à medida que as relações entre os agentes sociais passama ser estudadas e conhecidas, os conhecimentos são levadosem conta pelos próprios agentes sociais no decurso dasinteracções. “Quanto mais a tradição perde a sua influência,(...) tanto mais os indivíduos são forçados a negociar escolhasde estilos de vida de entre uma diversidade de opções”(Giddens, 1997: 5). As práticas sociais são rotineiramentealteradas à luz de descobertas progressivas, com a crescentee inevitável aceleração da radicalidade na revisão das

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convenções. Os protagonistas deste processo já não podemser sujeitos duma narrativa biográfica cujo percurso e telosessencial possam ser rigidamente determinados. São maiserráticos, experimentais, fugazes nas relações, incertosquanto aos saberes adquiridos.

Finalmente, ao nível da vivência quotidiana, de modoexplícito, a moda e o consumo tornaram-se simultaneamenteindícios e catalisadores deste modo de ser urbano e incerto.A relação entre o uso das coisas e a identidade que o seuutilizador constrói é, talvez, uma das descobertas fundamen-tais do capitalismo moderno. Sobre ela ergue-se todo omarketing, publicidade e moda modernos, os quais, por seulado, evidenciam uma nova natureza do consumo. Por maisque se despreze esta alteração estrutural em nome de umapermanência dos mecanismos de dominação, haverá queaceitar que ela constitui um dado novo que altera a eco-nomia e a vivência individual, os padrões de consumo, arelação com o corpo e o self. Talvez seja nessa arena quese tenham de se travar, também, as sempre inacabadas lutaspelas emancipações que marcam o destino humano

2. Os media electrónicos e a criação da individualidade:leituras contraditórias

Nas relações entre os media e o individualismo multi-plicam-se os sinais de uma efervescência preparatória quedevemos continuar a decifrar à luz de ideias especificamentemodernas como sejam as de racionalidade crítica, autono-mia e emancipação. Parece evidente que o desafio neo-liberalexpresso de modo tão eloquente pelos media e pela formacomo estes chamaram a si a tarefa de espectacularizaçãoe dramatização do real tem que ser enfrentada num terrenoem que terá que se apelar a uma ideia de cidadania e depolítica mais ligada ao mundo da vida e aos direitos doindivíduo.

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Hoje, de um modo crescente, uma peculiaridade dasformas de individualização reside na existência de conse-quências já não apenas ou somente resultantes de umareferência a uma consciência colectiva ou por uma unidadede referência social clara na esfera da vida cultural. Osindivíduos tornam-se os agentes prioritários da sua vivênciamediada hegemonicamente pelo mercado, o qual penetra,com escassez de resistência no universo sócio-cultural.Porém, este fenómeno não pode ser objecto de uma leituralinear.

Esta diferenciação das situações sócio-biográficas deter-minadas é acompanhada por um grau equivalente deestandartização: os mesmos media que são responsáveis porinterstícios em que se afirmam possibilidades de umaindividualização pós-convencional são também responsáveispela estandartização. Através dos meios de comunicação ede informação, do dinheiro ou do mercado ou da lei, osindivíduos encontram a sua afirmação pessoal e uma nãomenos exaustiva dependência de uma mercantilização ge-neralizada das formas de vida (Beck, 1992: 129-131).

A televisão enquanto meio de controlo social e decomunicação foi, aparentemente, a resposta a uma neces-sidade de um mecanismo de integração social criado pelodesenvolvimento de uma economia industrial que desenraizouuma parte substancial da população, e isolou as pessoas umasdas outras em modos privatizados de vivência.

Na realidade, porém, grande parte dos produtostelevisivos trabalha hoje com simulacros, com invenções,com imaginações e migrações de estéticas e estilos. Apre-sentam narrativas imbuídas de uma aura de verosimilhança,associando conotações, modos de estar e estilos de vida deum modo aparentemente inadequado à realidade, facilmentesujeitos a objecções em conexões dialógicas do tipoargumentativo mas fortemente efectivas ao nível do incons-ciente e do imaginário, em que os efeitos na construção

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de posições subjectivas são, sem dúvida, poderosos (Poster,2000: 75-76).

Os reality shows televisivos apostam no estilo de vidacomo se este se tornasse a fonte de todos os desejos, deonde brotam todos os amanhãs cantantes e todas as pro-messas de mudar a vida. Centrados na aventura individual,os novos reality shows parecem apostados na criação deum espectáculo onde se joga com os desejos e as paixões.Como diz John De Mol, fundador da Endemol que criouo famoso Big Brother, os jovens “querem programas quese adaptem às suas necessidades aos seus objectivos. (...)As pessoas que agora têm 20 e 25 anos cresceram coma televisão comercial – de múltipla escolha -, com a Internete com os telemóveis. Consideram a televisão como umaferramenta, neste sentido: «o que é que ela me pode dar?»(Expresso Revista nº 1502, 11 de Agosto de 2001). Sabendoo profundo esforço de mercantilização do Self que este tipode programação implica, torna-se necessário interrogar o seusucesso e a sua evidente capacidade apelativa enquantosintoma significativo de uma agenda nova que tanto é objectode uma apropriação sistémica e reificadora como, noutrosdomínios, se traduz numa nova oportunidade de repensaro espaço público e o exercício da cidadania. Será tudo istouma ilusão induzida pelo funcionamento do mercado? Ou,por detrás, desta insistência no desejo e na fruição dasubjectividade se esconde uma nova geração de direitos queimplica a reconfiguração da ideia de cidadania? Dito de outromodo: o que significa a ascensão da gente vulgar à rea-lização dos seus objectos e necessidades, na perspectivaclaramente hedonista que lhes atribui o patrão da Endemol.Pode significar, significa evidentemente a instituição dovoyeurismo, a instituição da bárbárie que se pressente em“O Ratinho” ou no Big Brother como na generalização doinfortainment, que se encontra um pouco por todas astelevisões. Porém, é também um sintoma de desprezo pelos

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projectos colectivos e pelas noções clássicas de cidadaniaque não pode deixar de nos interpelar. Será que a respostaterá que ser dada também através dos media através demecanismos de resistência mais centrados no mundo da vidae menos diluídos nos projectos abstractos da modernidade,pelo menos do modo como eles se apresentaram nas suasconfigurações clássicas e hegemónicas?

Com efeito, um breve olhar retrospectivo desde os anos80 até hoje confirma numerosas decepções em relação àsconsequências dos caminhos que se começavam a percorrer.Durante muito tempo supôs-se que o estilo rígido e pira-midal dos media de massa – associado a um conjunto deconvenções de que a objectividade é um exemplo maior– seria, precisamente, o elemento que conferia aos mediaum carácter predominantemente massificador, que obliteravaa diferença e contribuía para a criação de um universo arredioàs necessidades e objectivos dos indivíduos. Acreditava-seque o aumento da interactividade, o apagamento dos traçosque afastavam os produtores de mensagens dos seus des-tinatários teria como consequência uma espécie de liber-tação das formas de alienação e de reificação introduzidaspela cultura de massa. Um exemplo desta crença é a críticaaos mecanismos censurantes instaurados nos próprios media– designadamente a crítica à linguagem esterotipada e “àordem discursiva institucionalmente imposta” (Mendes,1984:81) – os quais seriam ultrapassados por uma apro-ximação à ficção, pela narração dos acontecimentos emregime de maior aproximação à subjectividade do obser-vador, e a possibilidade dos elementos noticiáveis passarema constituir (sic) «elementos de intrigas e de novelasjornalísticas». Esta tendência para a novela jornalística eranaturalmente pensada num âmbito de rotação da retóricado género que possibilitava a maior aproximação ao exteriore onde se abria espaço ao utopismo poético como formapositiva de comentário do real (Mendes, 1984:85). Esta

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tendência, detectada em 1984, era aliada então, à explosãodas Tvs privadas, das Tvs locais, e das TVs por cabo, aomercado das”videocassettes”, à proliferação das emissoras“locais ou de piratas, os quais produziriam ritmos de soluçãodiversificados mas que, globalmente considerados, aponta-riam tendencialmente para um futuro de moderação domonopólio estatal (Mendes, 1984:84). Pelo tom optimistade ultrapassagem das censuras vigentes no domínio dos meiosde comunicação de massa, é natural que esta crítica queapontava para a moderação do monopólio estatal não pre-visse o furacão neo-liberal que não moderou mas, antes,arrasou esse monopólio em termos de uma violênciadesreguladora que dificilmente se podia adivinhar. Esteselementos indiciaram a possibilidade de uma superação docarácter impessoal e massificador da narrativa dominante,adequados a um novo tratamento da subjectividade, masmostraram-se simultaneamente adequados àespectacularização da informação e à erupção de novas emais sofisticadas formas de dominação, perpetradas nome-adamente no âmbito do infortainment, da informação-espec-táculo, da generalização à programação das regras dos reality-shows (Correia, 2001)

No domínio das redes, também surgiram dispositivos emodos de interacção que, à primeira vista, pareciam apontarpara uma espécie de libertação do sujeito dos constrangi-mentos da sociedade de massas. Referimo-nos aos chats,ao IRC, ICQ, messengers proporcionados por diversosmotores de busca e outras formas de interacção mediadapor computador que se tornaram uma espécie de suportedo desejo do homem de pressentir os limites do EU, fazê-lo jogar novos jogos de linguagem, habitar novos papéise estatutos, atribuir-lhe novas funções e criar novas más-caras. Por mais que minimizemos a sua importância social,haverá que acolher a hipótese de que a procura destastecnologias está de acordo com o espírito do tempo, na

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medida em que os participantes nelas assumem areflexividade da sua personalidade.

Para alguns abordagens pós-modernas, a experiênciaconcreta das redes, designadamente através dos famososchats, procede a uma descontrução histórica dos factoresque sustêm o conceito de normalidade próprio da eracapitalista e moderna (Mayans i Plannels, 2001). As his-tórias protagonizadas pela forma de subjectividade queemerge no cyberespaço são cada vez mais idiossincráticase individualistas. Segundo estudos empíricos efectuados porpsicólogos, o self, tal como se manifesta de modo maisfrequente no chat que segue o modo de organização IRC(Internet Relay Chat) é fluído, flexível, heterogéneo, mutávelinconstante e incoerente, polifacetado, pluridimensional eemotivo (Mayans i Plannels, 2001). A Internet encoraja aproliferação de histórias, de narrativas locais sem vocaçãototalizante, colocando emissores e destinatários em relaçõesaparentemente simétricas. O sujeito moderno na sociedadeda informação seria objecto de uma deslocação em favorde um sujeito múltiplo, disseminado, descentrado, instável,experimentando um processo contínuo de formação deidentidade múltipla (Poster, 2000: 71-72).

Por detrás das identidades virtuais joga-se uma relaçãoreal com a identidade que passa por diversos níveis de riscoe de empenhamento: nome, aparência física, orientaçãosexual, género, projectos de vida são objecto de um tra-balho ficcional que não deixa de ter essa componente mesmoquando se aproxima da realidade. Por detrás de cada iden-tidade «fictícia» esconde – se a pergunta ou a admissãode uma hipótese: e se eu fosse de um outro modo diferentedaquele que eu sou? Dar à luz personagens é uma expe-riência enriquecedora com um alto teor dramatúrgico e lúdico.

Os ‘chats’, deste modo são um exemplo cabal da seguinteafirmação de Geertz: “ (...) a sociedade está cada vez menosrepresentada como uma máquina elaborada ou como um

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quase-organismo e cada vez mais como um jogo” (apudMaians y Plannels, 2001). Epítomes da urbanidade, comooutros campos de interaccão social no ciberespaço, devemser considerados sempre tendo em conta a influênciadeterminante da dimensão lúdica. Nessa medida, são umamanifestação de um certo modo de estar em que a perso-nalidade de certo modo se imagina como um puzzle de peçasde combinação ilimitada.

Nesse sentido, uma interessante proposta temática apontapara o facto de os flaneurs de hoje poderem ser encontradosno espaço do WEB. Eles navegam pelo espaço virtual,usufruindo o erotismo imanente a uma visão privilegiadaa partir de um ponto de vista que permanece oculto (Frisby,1994:82). À lista de modos de flânerie contemporâneas jácomposta pelo zaping do ouvinte de rádio e do espectadorde televisão de olho posto sobre o mundo ou à flâneriede tour-package associado ao turismo de massa (Smart,1994:162) temos de acrescentar a flânerie que se traduz nanavegação pelo Cyberespaço.

O que a cidade e a estrada, a rua eram para o flaneur,a Internet e a super auto-estrada da informação seriam parao cyberflaneur.

Porém, a verdade é que a afirmação crescente da in-dividualidade é acompanhada pela multiplicação crescenteda vigilância: firmas de estudos de mercado como a ClaritasCorporation deslumbram-nos com as possibilidades emer-gentes de realização de um policiamento de novo perfil.Esta firma registava, em 1995, mais de 500 milhões deconsumidores individuais e respectivos dados provenientesde várias bases de dados fundamentais. A empresa combinamais de 1200 bases de dados do sector público e do sectorprivado, a partir das quais gera a sua base de dados, sendoa jóia da coroa uma base chamada prizm que individualizaleituras de magazines favoritos, hábitos alimentares, com-pras prioritárias, automóvel e programa de televisão favo-

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ritos, etc, conseguindo obter a caracterização fíníssima desegmentos correspondentes a 1,1% da população dos Es-tados Unidos. (Poster, 2000:105).

Em face destes dados apresentados não é possível deixarde reflectir: será que devemos reduzir toda a insistência noentretenimento e na afirmação individual a um puro apeloàs forças de mercado ou devemos, pelo contrário, ter emconta o facto de que a insistência na fruição individual éum elemento com potencial emancipatório que tem a vercom a vontade de realização que é uma das conquistas damodernidade e que se pode traduzir em modos de cidadaniaque fujam à subordinação aos media sistémicos?

A resposta a este dilema terá que ser encontrada atravésde uma atitude normativa e reformista que urge pelo regressoda política. Uma abordagem semelhante tem que passar poralguns pressupostos todos eles herdados de uma leitura damodernidade equidistante quer em relação aos modeloscapitalistas e neo-liberais prevalecentes, que em relação àssoluções clássicas conhecidas, algumas das quais já prova-ram o seu esgotamento como o socialismo burocrático oudificuldades de manutenção como o Estado Previdência, querainda em relação às hipóteses pós modernas, as quais muitasdas vezes se limitam a uma espécie de anything goescomplacente.

Assume-se que “vivemos num tempo em que a expe-riência privada de ter uma identidade pessoal por descobrir,e um destino pessoal por cumprir, se tornou uma forçasubversiva de grandes proporções” (Roszack,1979: 193). Estaforça subversiva passa por assumir uma articulação entreo que Giddens designa por política da emancipação e políticada vida (Cfr. Gidens, 1997:193). Pela primeira, entende-seuma política que visa libertar grupos desfavorecidos da suacondição infeliz ou eliminar as diferenças relativas entreeles, procurando-se reduzir ou eliminar a exploração, adesigualdade e a opressão, tomando por primordiais a justiça,

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igualdade e participação. Quanto à segunda, diz respeito aquestões políticas que emanam dos processos de realizaçãopessoal em contextos pós-tradicionais e decisões que afec-tam a identidade em si mesma. A articulação entre ambasserá tanto menos imperfeita quanto mais as circunstânciassociais se aproximarem de uma situação de discurso ideal,tendente para uma ordem social baseada na acção autónomade indivíduos livres e iguais.

A concretização de uma situação deste género exigea dinamização de contextos comunicacionais que permitama criação de condições de autonomia para os indivíduos.Como tal, implica a mobilização de recursos mediáticos,os quais se encontram, todavia, sujeitos a um conjunto depressões provenientes da ordem sistémica que tornam difícila realização desse objectivo. Está-se consciente de que anatureza da lógica económica em que os media estãoenvolvidos implicará um conjunto de factores dos quais sesugerem, com as devidas cautelas, os seguintes:

i) a criação de condições para que o sistema democráticomediático seja capaz de representar todos os interessessignificativos presentes na sociedade. Este objectivo podeser alcançado através da abertura moderada de canais deacesso público, negociando-se no sentido de que as com-panhias concessionárias tornem disponíveis equipamento etempo de antena a fim de que seja possível fazer uso docanal apenas com as restrições decorrentes da lei vigente;

ii) o lançamento de incentivos no sentido de um pluralismoregulado, com um enquadramento institucional que assegurea existência de centros de produção que mantenham umaradical independência em relação aos monopólios privadose ao Estado, podendo ser variáveis os regimes de propri-edade. Entende-se o serviço público como a assunção deque o princípio da liberdade de expressão tem uma dimen-são pública, sendo política e moralmente legítimo defenderformas flexíveis de intervenção regulamentadora que visem

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garantir tendencialmente a possibilidade de exercício dosdireitos por todos os cidadãos, dificultando as formas deconcentração excessiva da propriedade que se traduzam numaredução significativa da diversidade, utilizando meios erecursos disponíveis para assegurar níveis de pluralidadeaceitáveis;

iii) discutir formas de conduzir essa filosofia para ointerior das redes. Importa aproveitar e reforçar as possi-bilidades de intervenção cidadã: o que significa, que con-tornos pode assumir?

iv) incrementar a literacia mediática, na perspectiva deque públicos esclarecidos sejam mais críticos, na perspec-tiva de que, hoje, uma sociedade civil democrática, é umasociedade de comunicação;

v) incentivar a dimensão literária, publicista, cívica daescrita mediática, mesmo correndo o risco de uma dimensãominoritária que se limite a algumas universidades e canaisalternativos. Este aspecto merece ser sublinhado porque sóuma cega análise economicista pode negar o papel da formae do estilo como elemento estruturante do campo mediático.Ao propor que se comece a pensar este percurso, sugere-se, enfim, a possibilidade de redescobrir novos caminhosestéticos que não sejam uma mera subjugação às forçascomerciais dominantes, aproveitando a interactividade e aescolha múltipla para abrir percursos estéticos mais cria-tivos, essenciais para percursos políticos mais audaciosos.Nesta matéria, poder-se-á aprofundar o ambicionado desejode um realismo utópico - de que já se falava em 84 -onde a emergência da individualidade sobressaia pelas suaspotencialidades transformadoras e não apenas por umaexploração sensacionalista e necessariamente subjugante dadiferença. Isso já se fez: “Portugalmente”, lembram-se? Nessesentido, pensa-se que um dos caminhos porque passa a ideiade serviço público em Portugal pode ser o de pensar umapolítica global de comunicação, em que o estímulo à cri-

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atividade constitua um pólo possível de colaboração entreinstituições e media. Assim, não é absurdo sustentar anecessidade de um novo modo de jornalismo. A descobertade novos modos de complementaridade entre os mediatradicionais e os media interactivos, o repensar da escritamediática, aproveitar as potencialidades estéticas dos novosmedia não é de modo nenhum esquecer a dimensão socialdos media, mas dar uma outra centralidade a uma certadimensão do social frequentemente esquecida como tal. Aqui,as universidades terão, naturalmente, uma palavra obriga-tória.

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OS ADMINISTRADORES DE ILUSÕES:ESPECTÁCULO, SUBJECTIVIDADE

E IDEOLOGIA NA CULTURAMEDIÁTICA CONTEMPORÂNEA 1

Introdução

A cultura dos mass media vive sob suspeita. Por um lado,sempre se fez sentir a vocação dos mass media para despertare gerir a emoção, o que desde logo remete para as categoriasdo espectáculo e da subjectividade. Por outro lado, semprese suspeitou da manipulação do desejo como forma deimpedir o uso da razão, o que leva a pensar na figura daideologia. Gerindo o desejo, proporciona-se uma excitaçãode viver que oculta a miséria da vida. Num contextorelativamente irónico, pode afirmar-se que a cultura mediáticaé ópio do povo.

A cultura mediática implica uma gestão programada dailusão e uma planificação económica do desejo. Activa-o,cria a ilusão da sua realização e adia-o num perpétuo jogode relação entre a satisfação e a insatisfação de que é feitoo consumo. Entre a activação do desejo e o adiamento dasua realização, surge o frémito que resulta de um prazersempre antevisto e nunca integralmente cumprido. Os crí-ticos do hedonismo só parcialmente têm razão: a culturacontemporânea não vive centrada no prazer mas antes naexpectativa de que o mesmo se realize.

Os programadores de televisão serão, a confirmar-se estapossibilidade, os novos mandarins que almejam proporci-

_______________________________1 - Texto publicado na revista Media &Jornalismo, publicação do

Centro de Investigação em Media e Jornalismo, nº 2, Ano 2, Marçode 2003, Edições Minerva, Coimbra.

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onar ao povo, através da colonização da sua fantasia pelaindústria do sonho e da imaginação, as formas simbólicasque lhe permitem rever a sua vida sob forma invertida comonuma camera obscura.2

Ao longo deste texto, efectua-se o seguinte percurso:a) Identifica-se o espectáculo como uma categoria fun-

damental da cultura mediática que, ao contrário doque muitos supõem, não se resume à cultura televisiva.Reconhecendo o papel da TV na espectacularizaçãodas fórmulas simbólicas, tento demonstrar que existenos mass media uma vocação para a sobreexcitaçãodo desejo e para a conquista da agradabilidade quenão se resume ao medium televisivo. Assim, começa-se por uma caracterização da cultura mediática queevidencia a existência de uma vocação espectacula-rizante que parece percorrer grande parte da históriados meios de comunicação de massa, ainda que comgraduações diferentes.

b) Relaciona-se este afã de agradar e de tornar apelativocom a gestão do desejo e a vocação compulsiva dedesencadear o prazer através de uma constante dife-renciação simbólica. Esta associar-se-ia com o acto deconsumir e com o desejo de participar no imensoespectáculo em que a vida se tornou. A conquista dosquinze minutos de fama tornou-se uma profecia tímidaem face do afã de exposição e de transparência quecaracteriza a vida moderna. A democratização doespectáculo obriga a que todos almejem serem actores.A oportunidade de ser actor está muitas vezes rela-cionada com o desejo de habitar uma ficção semestrelas. A “vida real” é encenada segundo os desejos

_______________________________2 - Nota do autor - Em latim no original. Pretende-se com a ideia

da camera obscura fazer a alusão à metáfora da inversão da re-alidade que percorre a “Ideologia Alemã”, de Marx e Engels.

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euforicamente expressos pelas audiências que destaforma compartilham ilusão de que todos podemparticipar no grande espectáculo: o Big Show.

Este afã de “viver a vida” contém leituras contraditórias.Habitar esta ficção significa, muitas das vezes que os seusactores se recusam a serem agentes sociais. A vocação outendência para uma certa encenação mediática do self - nuncatantos casaram, choraram e até amaram ou morreram emdirecto - relaciona-se com um particular impulso das so-ciedades modernas, em que se equacionam desejos recalcadose anseios não satisfeitos e constantemente reactivados. Porém,também significa algo mais profundo: a busca de novascondições de visibilidade. A centralização da culturamediática nos projectos individuais parece ser um traço damoderna comunicação de massa: passa pelos reality shows,pela insistência nos dramas reais e nas histórias de vida.Será isso uma mera tendência para a despersonalização dosindivíduos através da gestão dos seus desejos? Qual é aimportância do individualismo na descoberta de novas formasde viver a vida e na afirmação de novos direitos?

c) Articula-se a gestão do desejo com a questão daideologia. A questão do sujeito é fundamental naideologia. Se aquele for olhado como um efeito depoder ou como um idiota socializado a ideologia surgeinapelavelmente casada com a dominação. Pelo con-trário, a consideração do sujeito como uma categoriaque incorpora, dialecticamente, a possibilidade de críticarelaciona-se com uma concepção ampla de teoria socialinterpretativa. Este modo de abordar a acção socialé inconciliável com o anti-humanismo estruturalista oucom a reificação que percorre a crítica à sociedadeadministrada.

Da forma como se considera a ideologia resultam, pois,três questões fundamentais. A primeira é a relação do sujeitocom a cultura: idiota socializado, efeito de poder ou agente

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dinâmico? A segunda diz respeito à autonomia das formasculturais relativamente aos media sistémicos, ou se quiser-mos de outro modo, à autonomia da superstrutura em relaçãoà infra-estrutura. A terceira questão diz respeito à sociedadecivil. Será esta uma arena de luta simbólica onde se processao combate entre os grupos dominantes para obterem ahegemonia, isto é, o reconhecimento da validade da suadominação, ou pelo contrário, uma realidade completamentereificada, apenas outro nome para a infra-estrutura?

A articulação entre estes temas díspares pode e deve serfeita. Se consideramos o espectáculo mediático como umaforma de gestão e manipulação das necessidades do indi-víduo reduzido a um efeito de poder, então a cultura mediáticasurge-nos como pura ideologia relacionada com a buscadesenfreada do lucro e a produção de ilusões que dizemrespeito à perpetuação do sistema.

Se ao invés considerarmos que o espectáculo se poderelacionar com formas de afirmação do sujeito que passampela busca e consolidação de caminhos alternativos queganharam uma dimensão individual, outra terá que ser aconcepção de cultura de massa e de sujeito. A sociedadecivil reflectirá os antagonismos que percorrem as sociedadespluralistas modernas, mostrando a dimensão simbólica dessesantagonismos e afirmando-se como sociedade de comuni-cação.

Provavelmente, o dilema é pertinente mas não permite,como alguns gostariam, escolhas lineares.

A actualidade da teoria crítica e a categoria do espec-táculo

Os autores que se opõem às diferentes versões da críticaà comunicação de massa costumam argumentar com o factode que a criação de efeitos no público é susceptível de seridentificada ao longo de toda a história da cultura. Para esse

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efeito, recorrem à apresentação de exemplos abundantes emque a chamada alta cultura aparece associada ao sucessopopular e ao recurso a fórmulas folhetinescas e sensacio-nalistas que visariam prender a atenção do público. Incluem-se, neste caso, os exemplos da tragédia grega, do teatroelizabetiano, de Dickens, Alexandre Dumas, Victor Hugona literatura, da ópera na Itália do Século XIX, de Chaplin,Buster Keaton, Ford, Wells ou Hitchcock no cinema duranteo século XX. Com esta argumentação procura-se contrariara opinião de clássicos da crítica da cultura como McDonald,Adorno ou Horkheimer (cfr. Carrol, 1997: 15-109). Estesclássicos veriam na comunicação mediática - como traçosque diriam respeito à sua própria natureza - o empobre-cimento estético através da utilização de fórmulas e este-reótipos pré-fabricados, a generalização do conformismo eda apatia, o empobrecimento da capacidade racional dosconsumidores, a vulgarização de fórmulas espectacularizantesdestinadas à exploração dos sentimentos básicos dos recep-tores transformados em consumidores e a degradação dalinguagem.

A argumentação contra as conclusões generalizadoras daTeoria Crítica põe, a nu a tendência para um raciocínioespeculativo que resume a cultura contemporânea ao con-sumo massificado, recusando-se a olhar para o universosimbólico contemporâneo das nossas sociedades e adescortinar os vestígios contraditórios de uma culturaautónoma com os seus momentos ambivalentes, as suastransformações concretas, a própria permanência de elemen-tos de rebeldia e de esperança (cfr. Esteves, 1995: 95).Descortina-se no pensamento da Escola de Frankfurt umatendência para demonstrar o carácter homogeneizado darealidade sobre que se debruça, o qual passa pela enfatizaçãoda universalidade e inevitabilidade dos traços que identificano seu objecto de estudo. Esta tendência manifesta-se naconvicção fortemente arreigada do devir totalitário das

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sociedades industriais: “Já na época do Nacional-Socialis-mo”, afirma Horkheimer, “ficou visível que o governototalitário não era um mero acaso mas um sintoma docaminho da sociedade” (Horkheimer, 1990:3). Por outro lado,esta abordagem culmina numa visão reificada de toda acultura. Não se trata de um fenómeno pontual que aflorae contra o qual se apela à urgência da prevenção. A modulaçãoda cultura pela administração é o “todo”, pois projectopolítico ligado ao universo tecnológico “molda todo ouniverso da palavra e da acção, a cultura material e a culturaintelectual” (Marcuse, 1968:19). Consequentemente,o”modelo de pensar administrativo tornou-se o modelo detoda uma forma de pensar que ainda se acredita livre”(Adorno e Horkheimer, 1995: 32).

Graças a esta generalização totalizadora, são evidentesos exageros praticados pelos principais autores da TeoriaCrítica na sua apreciação da indústria cultural. O modo comoAdorno, Horkheimer ou McDonald “atacaram” o cinema emgeral, a literatura policial, o jornalismo e certos géneros demúsica como o jazz, não deixa dúvidas quanto ao facto deque a crítica da cultura mediática parte de premissas iniciaisque carecem de evidência empírica e, em especial, de umaleitura mais cuidadosa das diferenças entre os diversosgéneros e, dentro destes, dos diferentes produtos que in-tegram a indústria e sobre os quais é lançado um anátemageneralizado. No caso particular da Escola de Frankfurt,partindo-se da premissa da uniformização do gosto estético,a própria Teoria Crítica parece homogeneizar o fenómenosobre que se debruça, pelo que numa parte substancial dosseus textos parece não haver lugar para a aplicação decritérios, de tal forma tudo é apresentado como desespe-radamente igual.

Apesar de tudo, a desconfiança da Teoria Crítica relativaà cultura dos mass media contém algumas intuições e destacaalguns traços da indústria cultural que me parecem dignos

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de serem tidos em conta desde que, claro, seja feita a ressalvade que carecem do complemento de uma análise empírica,social e histórica, sobre os objectos nos quais se incide.Com efeito, o impacto da Teoria Crítica na cultura mediáticaneste particular momento do século XXI deve balizar-se porduas reflexões:

a)Por um lado, já se tornou claro que muitas dasapreciações conjunturais empreendidas pelos críticosda cultura mediática se revelaram preconceituosas esobretudo excessivamente generalizadoras. Apesar deos últimos escritos de Adorno revelarem consciênciada necessidade de uma análise empírica, podendo sentir-se alguma reconsideração da tonalidade apocalípticaque perpassa impiedosamente pela “Dialéctica doIluminismo” insiste-se afinal na diabolização genera-lizada da cultura de massa de forma a que os seustraços sejam considerados como um prejuízo claro paraa possibilidade de participação democrática (cfr.Adorno, 1996-b: 294). As amarguras do exílio, ocontacto com o nazismo e com o consumismo dasociedade americana impediram-nos de ver que nemtodos os modos de dominação são iguais e que osprodutos da indústria mediática não são todos medí-ocres e conformistas.

b) Por outro lado, o processo de liberalização do sistemados mass media, designadamente da programação eda informação televisivas levou a um recrudescer dosestudos sobre esta escola. Se tivermos em conta asgradações esquecidas, evitando-se as generalizaçõesperturbantes há alguns traços que parecem mereceratenção dos investigadores. Os recentes alertas deintelectuais pertencentes a diversos percursos teóricoscontra a generalização do entretenimento consumistae da fusão entre informação e entretenimento vieramrelançar novas preocupações e conferir visibilidade aargumentos que se consideravam datados.

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Posto isto, pode-se dizer que acredito moderadamentenalguns pontos que são parte do diagnóstico levado a efeitopela Teoria Crítica contra a cultura mediática. Porém,ressalvo, previamente, a minha convicção segundo a qualos autores que trabalharam a indústria cultural a partir dasposições da Escola de Frankfurt consideraram os seusraciocínios como premissas unilaterais e indiscutíveis ge-neralizando para toda a cultura uma mesma condenaçãoimpiedosa. Algumas destas intuições devem ser olhadas,antes, como possibilidades, tendências ou riscos que serevelaram de forma ora mais, ora menos acentuada ao longodo processo histórico de consolidação da comunicação demassas. Ressalva-se, por isso que, apesar dessa concordân-cia com alguns dos traços diagnosticados pela Escola deFrankfurt, a observação sobre a comunicação de massa terásempre que ter em conta a observação histórica, os inte-resses conflituantes, as possibilidades contraditórias e acapacidade de resistência dos públicos. No caso concretodos media, insiste-se na percepção de uma ambiguidadeestrutural que resulta do facto de estes não poderem viverao abrigo das contradições que os atravessam, designada-mente por despoletarem e amplificarem novas pretensõesde validade.

Feita esta ressalva que insiste muito particularmente numaapreciação detalhada das diferenças e das gradações, pensoque há traços que continuam a merecer atenção, sendo queesta atenção deve funcionar como um alerta para as pa-tologias que ameaçam o universo dos media e nunca comouma caracterização válida para todos os tempos e lugares.

Em primeiro lugar, destaco a análise da intervenção daracionalidade técnica e industrial no seio da cultura. A análiseweberiana do desencantamento do mundo, aplicada porAdorno e Horkheimer ao universo da cultura, chama a atençãopara o facto de que o pensamento administrativo dasburocracias industriais dá origem a perversões pela unifor-

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mização dos produtos. Se a racionalidade industrial eburocrática não é tão poderosa que tivesse originado umdeserto totalitário, não deixa de ser um facto que este ângulode análise merece ser tido em conta. O século XX assistiuà industrialização generalizada da cultura. Existem muitosexemplos onde esta industrialização implica uma perda decriatividade, uma relativa estereotipização das narrativas euma certa reificação das relações sociais apresentadas comoeternas e imutáveis em função da necessidade de nãoperturbar o gosto médio dos consumidores. Se é verdadeque o cinema americano, por exemplo, não é o deserto deinteligência agredido por Adorno, se é verdade que os filmesque retemos na memória - as obras de Chaplin, de BusterKeaton, Wells, de Ford, de Wilder, de Hitchcock, NicholasRay, Howard Hawks ou até os musicais da MGM realizadospor Minelli e Stanley Donen, ou mais recentemente, as obrasde W. Allen, dos irmãos Cohen, Fincher ou de Lynch oude Steven Soderbergh - são uma demonstração de comoé possível utilizar inteligentemente os códigos pré fabrica-dos da indústria e do género também é importante lembrarque no mesmo universo que originou estes exemplos severificou-se a criação de uma censura de gosto, de umaregra de precedentes, de uma estereotipização de procedi-mentos que originaram a institucionalização de formasreificadas de reflectir sobre a realidade. Estes fenómenosreflectiram-se em milhares de filmes que rapidamente caíramno esquecimento e sufocaram, muitas vezes, a possibilidadecriativa de muitos dos autores que hoje citamos. O casode Worson Wells é um dos mais significativos e dramáticos.A defesa que Adorno faz do termo indústria cultural contrao termo cultura de massa possui virtualidades se retirarmosa retórica generalizadora e impressionista que envolve a maiorparte dos seus textos sobre o fenómeno. Este termo acentuao carácter profundamente industrial da produção de normassimbólicas pela chamada comunicação de massa: a espe-

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cialização de novas profissões, a adopção de normasestilísticas e de convenções narrativas e organizacionais.Nesse sentido, a utilização de uma fórmula facilmentereconhecível ganha um sentido diferente. É evidente queos sonetos de Shakespeare e a tragédia grega também utilizamuma fórmula. Porém, a história da indústria cultural estácheia de exemplos que indiciam a adopção de determinadoscódigos e dispositivos narrativos por razões que se prendemcom preocupações estatísticas relacionadas com estudos demercado que, muitas vezes, asfixiaram obras esteticamentecriativas e inovadoras. Contemporaneamente, continuam averificar-se a aposta em fórmulas estereotipadas e aconsequente perda de liberdade por parte de alguns dosautores mais inovadores que se afirmam na indústria.

A racionalidade instrumental é omnipresente nas soci-edades modernas. Porém, a sua transformação na próprianatureza da indústria cultural tal como foi pensada por Adornoe Horkheimer conduz à impossibilidade de compreensão dasdiferenças.

Em segundo lugar, destaca-se a insistência no facto dea necessidade de agradabilidade que percorre as formasindustriais de cultura poder conduzir à busca de uma sintoniacom os valores e visões do mundo pré-existentes. O receiode que a formulação de raciocínios considerados difíceise problematizantes obtenham um sucesso escasso leva asintonizar a cultura produzida pela indústria mediática comaqueles que são tidos como os gostos vulgares dos cidadãosvulgares. Isto pode dar origem a um efeito ideológico quese traduz numa espécie de conformismo sublinhado a priorina ideia de que as coisas são como são. O entretenimentoparece implicar a ausência de criatividade e de subversãoe a insistência nos valores adquiridos. A fórmula adornianado pensamento da identidade refere-se, deste modo, a umacultura que não nega a realidade estabelecida mas cria aidentificação com ela. Mais uma vez, estamos diante de um

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risco, uma possibilidade ou uma tendência que se conso-lidou, muitas vezes, na música, no cinema ou no jornalismo.Porem esta tendência não se afirmou de uma maneiraincontornável. Não impediu fenómenos de criatividade e deautonomia que constituíram verdadeiros desafios para asameaças de conformismo: “2001: Odisseia no espaço” nãoé decerto a mesma coisa que “O Dia da Independência”,como “O Big Brother” não é “Portugalmente”. Contra orisco de construção de consensos ideológicos levantam-seconstantes dinâmicas culturais que questionam o que pareceadquirido.

Em terceiro lugar, esta ambição de agradabilidade estárelacionada com a presença do mercado como medium. Todoo raciocínio é transformado em mercadoria de tal forma quetudo aquilo que não se conforma com as especificaçõesprodutivas da indústria cultural é rejeitado. As recentesevoluções verificadas no panorama audiovisual confirmamque a entrega do monopólio da produção da comunicaçãode massa ao mercado tem efeitos perversos na qualidade.A necessidade de obtenção de retornos rápidos do inves-timento efectuado conduz à produção maciça de programasbaseados na exploração fácil da emoção seguindo fórmulassimplistas e seleccionados, apresentados e distribuídossegundo critérios de rentabilidade.

Finalmente, a indústria cultural induz uma certa formade passividade. Não me refiro à passividade que algunsteóricos discordantes da teoria crítica, como Carrol (1997),contestam quando insistem em que toda a mensagemmediática implica actividade porque necessita de serdescodificada. A descodificação e o reconhecimento doscódigos utilizados podem até reforçar o efeito de identi-ficação com a mensagem, graças à gratificação sentida peloreceptor. É, antes, uma passividade ideológica, um confor-mismo normativo, uma integração social demasiadamentebem sucedida. A culpa da confusão entre estas duas formas

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de passividade é, em grande parte, da Teoria Crítica poisas suas formulações teóricas fazem crer que, pelo menosnalguns momentos, os autores de Frankfurt acreditaram queo pensamento social dominante funcionaria segundo o modelo«estímulo-resposta». Porém, parece-me que o essencial damensagem a reter diz antes respeito a um conformismoaxiológico que se traduz, mais uma vez, na incapacidadede pensar a sociedade de um outro modo diferente daquiloque ela é. Também aqui, porém, se revelam contradiçõesque impedem a existência de formulações unilateraiscondenatórias. Se a indução da passividade e do confor-mismo diz respeito à própria natureza da comunicação demassa seria difícil explicar a sua constante mutação, ou osfenómenos de rejeição e de reacção que conduzem a al-terações no seio desta forma de cultura. Se é verdade que,muitas das vezes, a subversão é ela própria um valor mercantilque oculta “mais do mesmo”, é verdade que existem margensde exercício crítico que continuam a ser pensadas. Ou seja,cada medium faz parte de um conjunto que não é nuncacompletamente homogéneo e coerente. Cada recepção possuiuma margem de leitura autónoma que não se limita atransformar o sujeito num robot cultural.

Partindo desta aceitação relativa das críticas à comuni-cação de massa enquanto tendências que não podem seresquecidas e que explicam alguma da inquietação que hojeocupa a reflexão sobre os media, poderemos acrescentaroutras preocupações que, não provindo exclusivamente daTeoria Crítica, se articulam com preocupações explícita ouimplicitamente relacionadas com esta teoria ou do mesmoambiente teórico.

Desde logo, os media contribuem para a construção darealidade social e para a fixação de visões do mundo. Sãoresponsáveis pela definição do que é socialmente visível.Impõem um nivelamento de critérios na apreciação de factosdesiguais em importância. Contribuem para a trivialização

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da realidade e para a exploração sensacionalista da desgraçaalheia. Produzem consensos fictícios em torno da agendapública. Privilegiam o espectáculo em detrimento de umatematização criteriosa. Assentam a sua presença em men-sagens facilmente apreensíveis, descurando as abordagensmais complexas.

Finalmente, a forma como o espectáculo é referido apropósito da indústria cultural merece reflexão: a dramatizaçãoda realidade e a sua transformação de acordo com as ca-tegorias do espectáculo, a introdução das regras do espec-táculo e da publicidade na generalidade da cultura mediáticae na percepção e construção da realidade social dificilmentepode ser negada. O grande modelo das dinâmicas sociaisapropriadas pelos media não é o circo, como dizem algunsintelectuais, mas o número do ilusionista: este é o númeroem que nos é dito que tudo pode acontecer. Na verdade, muitasvezes não acontece nada de relevante, a não ser a ocultaçãodo modo como as coisas são feitas. A sociedade de consumovive obcecada por fazer passar a ideia de que as nossas vidaspodem ser transformadas. O truque consiste em que se sabeque isso dificilmente acontece no plano em que a publicidadepretende fazer acreditar: as férias de sonho, o parceiroinacessível, a fama e a fortuna inatingíveis. Porém, conti-nuamos a comportarmo-nos como se isso fosse verdade desdeque actuemos de determinada forma. É aqui que a indústriaintervém com a sua força anti-depressiva: não desanimem,racionalizem. Vejam mais uma novela e não percam o próximoepisódio da vida real.

O espectáculo como categoria essencial da culturamediática

Na perspectiva que defendo, a comunicação de massanão é definida inelutavelmente pelos traços negativos quea Teoria Crítica aponta como sendo a sua verdade, a sua

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natureza. São demasiadas as contradições existentes narealidade estudada para entender estas críticas unilateraiscomo o diagnóstico que a permite definir. O erro da TeoriaCrítica é suspender a marca epocal das suas investigações(cfr. Esteves, 1995: 94), generalizar as suas conclusões àtotalidade dos produtos como se todos eles merecessem orepúdio generalizado. Pelo contrário, a análise que pretendofazer, em relação a um traço particular da comunicação demassa contemporânea - a insistência na espectacularizaçãodas mensagens - tem em conta que se deve olhar para estefenómeno como uma realidade contraditória que se não podeconsiderar como um fenómeno intemporal e incontornável.

A comunicação de massa é uma forma de cultura quesurgiu a partir do momento em que apareceram meiostécnicos e comerciais para a produção, distribuição e difusãode formas simbólicas tendo como destinatário um públicoheterogéneo e indiferenciado, por parte de organizaçõesespecializadas nessa tarefa, com o recurso a profissõessocialmente legitimadas para o efeito, de acordo comnormas, técnicas e convenções que se acredita serem asmais adequadas para a sua concretização (cfr. Carrol, 1997:184). Estas condições só surgiram a partir do século XIXcom a aparição do jornalismo industrial e das artesreprodutíveis.

Desde a industrialização da cultura houve a possibilidadede reproduzir, em quantidades expressivas, certas formasnarrativas centradas na exploração da fantasia e na gestãodas emoções. A partir do século XIX a necessidade decorresponder à agradabilidade dos gostos populares dasclasses em ascensão generalizou esta tendência para osensacionalismo e para a espectacularização. No século XIX,lado a lado com a emergência de um paradigma novo quefocaliza a informação em vez da opinião, assiste-se àcomercialização da imprensa. A imprensa de massas emer-giu com uma preocupação crescente de acessibilidade.

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As mensagens passam a veicular informações coloridase agradáveis para as audiências maioritariamente constitu-ídas pelas novas classes urbanas. A imprensa de massas foiuma resposta às necessidades culturais desencadeadas pelatransformação da esfera pública. O processo de desenvol-vimento capitalista era favorável ao desenvolvimento de umamentalidade igualitária. As classes emergentes buscavam asua identidade, opondo-se às classes aristocráticasidentificadas com a cultura clássica (cfr. Schudson, 1978:4). Estavam reunidas as condições sociais e culturais quetornaram o crime, o baile de sociedade, os fait divers, odesporto e o combate de rua como noticiáveis. Por outrolado, embora a introdução da publicidade tenha provocadomaior democratização do consumo das mensagens mediáticas,alguns autores como James Curran entendem que estefenómeno também produziu uma maior tendência para oaumento do sensacionalismo e para a despolitização daimprensa (cfr. Curran e Seaton, s/d: 7-8). Os governos, nasequência do aparecimento da publicidade imediatamentecriaram taxas e impostos que garantissem a propriedadeburguesa da imprensa. Os anunciantes mantiveram umarelação com o novo medium que privilegiou as publicaçõesque sublinhassem os valores estabelecidos discriminandojornais que contrariavam os seus preconceitos políticos.Muitos jornais da esfera pública plebeia acabaram por sedespolitizarem deslocando a sua relação com as classespopulares para o plano do sensacionalismo.

Recentemente, o regresso inexorável do mercado e avisibilidade adquirida pelo carácter industrial dos media norecente processo de desregulação gerou uma nova vaga decriticismo. O que dantes era um bem escasso - o espaçohertziano - deixou de o ser graças às novas possibilidadestecnológicas de distribuição. Com o aparecimento dos novosmedia e a derrocada dos monopólios televisivos, o neo-liberalismo tornou a paisagem audiovisual europeia

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irreconhecível (cfr. Traquina, 1997:16). A diminuição do pesoda taxa de serviço público e o aumento da percentagemde publicidade como fontes de receita da indústria audiovisualeuropeia traduziu-se na entrega da hegemonia da gestão dosector ao mercado. Verifica-se, assim, nos media, um in-cremento substancial no volume de horas destinadas à funçãode entretenimento; aumenta o espaço ocupado pelo despor-to; escasseia a atenção dada a novos programas de infor-mação sobretudo quando impliquem pesquisa e investiga-ção; constata-se uma presença mais substancial de realityshows e telenovelas; dilui-se, de modo acentuado, a sepa-ração tradicional entre informação e espectáculo; privilegia-se o espectáculo do quotidiano; proliferam as histórias devida da “gente vulgar”. Há uma maior tendência para aescolha de formatos que exigem as convenções narrativasinerentes ao espectáculo, assim como para a escolha de temasque implicam uma certa personalização e jogam com aintensidade das emoções (cfr. Traquina, 1997:13; 18-20).

Finalmente, o culto sedutor das aparências, o frenesimdas mensagens apelativas e de fácil compreensão, a insis-tência em produtos que solicitam uma interpretação mínimatornou-se o conteúdo fundamental da nova programação. Opapel dos media aparece associado à gestão do desejo, àpresença do inédito, da transgressão, do choque, da mu-dança, à procura do prazer, da diferença, do efémero, à ideiade uma sociedade puramente “permissiva”, fundamento deuma excitação algo forçada que mobiliza o pensamento ea acção (cfr. Touraine, 1996: 10). O jogo arriscado dos afectosfoi apropriado por uma ficção que se identifica com umainversão da própria vida (cfr. Débord, 1991: 9).

Espectáculo e subjectividade

A gestão mediática do imaginário parece, recentemente,centrar-se, na insistência na fruição individual em detrimen-

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to da acção pública. Manuel da Fonseca, Director da SICem 1994 afirmava, então, muito antes da aparição de BigBrother: “as pessoas sentiram necessidade de se exibir, deaparecer, de protagonizar. Este é realmente o século do povoe isto manifesta-se através da afectividade. Considera-sedesejável a exposição dos afectos, através da psicanálise,do envio de cartas para os jornais, de diários, de autobi-ografia. A televisão integra-se neste movimento, operandoum momento de transição da intimidade para uma exposiçãopública”. Para além dos talk shows, que privilegiam osnotáveis da política, as estrelas do mundo do espectáculoe outros VIP’s, novas variações surgiram, dando a palavraa pessoas comuns e abordando temas considerados “tabus”(cfr. Traquina, 1997: 98). O fenómeno passa pela transfor-mação da realidade em espectáculo e, por isso, pela trans-formação do indivíduo no papel de protagonista da suahistória pessoal. A argumentação do responsável da SIC temconsistência sociológica. O problema que se coloca é este:será que devemos reduzir toda a insistência no entreteni-mento e na afirmação individual a um apelo às forças demercado ou seja uma forma de alienação do self reduzidoa um puro efeito de poder ou devemos, pelo contrário, terem conta que a insistência na fruição individual é umelemento que tem a ver com a vontade de realização queé uma das conquistas da modernidade?

A relação entre a comunicação de massa e a construçãoda subjectividade é um processo que conduz a leituras muitodiversas. As teorias críticas da cultura de massa associarama comunicação com a integração social. De Adorno a Déborde ao primeiro Baudrillard, passando por Marcuse, assiste-se à hipótese da ortopedização do desejo de modo a canalizá-lo para a compulsão consumista. As correntes críticas, porum lado, insistiram na homogeneização, na massificação ena negação da subjectividade como efeito das indústriasculturais. Por outro lado, associaram os media à diversidade,

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ao hedonismo e à obtenção do prazer pessoal. Esta con-tradição é apenas aparente: a enfatização da diferença éapenas uma forma de se proceder à celebração do mesmo.

Na sociedade de consumo, o jogo do desejo e damanipulação de necessidades faz-se a partir da gestão dessemoderno fenómeno que é a permanente espera da transfor-mação da vida. Há uma compulsão que faz o consumidorhabitar essa fé única na possibilidade de mudar a sua vida.Para Adorno e Horkheimer, como isto é, claramente, umaimpossibilidade, tal promessa é puro ilusionismo, ou me-lhor, pura ideologia. A gestão do desejo é a forma de garantira busca inútil da sua satisfação. A indústria cultural desem-penha a missão apaziguar e de tranquilizar a insatisfaçãoindividual. “Nada torna um homem mais suspeito do quenão estar de acordo, desde o mais fundo de si mesmo, coma vida tal como ela é. O bom humor regulamentar é portantobem diferente da aspiração aos prazeres da vida, da alegriaque proporciona a verdadeira satisfação das necessidades”(Horkheimer, 1974: 152). Na constelação crítica o espec-táculo “é o lugar do olhar iludido e da falsa consciência”(Débord, 1991:10). Induz-se a crença numa ficção nego-ciada entre os programadores e os anunciantes. No limite,como sugerem Deleuze e Guattari, a economia é marcadapela prática do vazio, pela organização da falta, pelo desejode desejar. Mesmo as formas mais repressivas e mortíferasde reprodução social são produzidas pelo desejo (cfr. Deleuzee Guattari, 1995: 32-33; 36-37).

Ao invés deste criticismo, um conjunto diversificado deteorias adoptou a ideia de um aprofundamento dasubjectividade com um traço fundamental da nossa moder-nidade. A pessoa moderna, privada de um telos unificador,afirma-se como um conjunto de possibilidades que impli-cam uma decisão (cfr. Sartre 1999: 49). A modernidade éuma ordem pós-convencional, onde a pergunta “como

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viverei?” é respondida através de decisões diárias, compor-tando crescentes elementos de contingência. A reflexividademoderna traduzida numa abertura permanente ao autoquestionamento estende-se até ao núcleo do self. Nas novascondições abertas pela modernidade, é-se sendo, o que fazcada uma das nossas maneiras de ser, estilos de vida esituações biográficas algo que podia ser de outro modo.

A erupção do estilo de vida é, indiscutivelmente, um dostraços desta sociedade. A construção do corpo, a culturadietética, desportiva e higiénica, a organização dos prazeres(cfr. Lipovetsky, 1994: 55-56), a biologização da experi-ência associada à corporeidade (cfr. Rodrigues, 1990:25)envolvem a construção da identidade pessoal. A tomada dedecisões sobre o corpo ou a alteração de regularidadesbiológicas tidas por adquiridas (a fruição da sexualidade,a configuração estética ou a reprodução) passam a fazerparte das possibilidades abertas pelo “estilo de vida”. Nadiscussão sobre o género a reflexão passa a incidir muitasdas vezes em perguntas como sejam “quem sou?’’, “comoposso ser?’’ e “porque sou obrigada/o a ser de certo modo’’?Ao enveredar neste caminho, a reflexão sobre o génerointerpela, de modo radical, as relações entre a natureza ea cultura.

Finalmente, as novas narrativas mediáticas põem osproblemas do indivíduo no centro do seu discurso. A in-formação privilegia a história de vida de uma mulher queprocura o filho, os relatos sobre mulheres e criançasmaltratadas, os dramas de filhos de pais deficientes, aspolémicas sobre a genética e a clonagem, às notícias sobreo défice do orçamento e os mistérios da economia. Oentretenimento privilegia o encontro entre familiaresdesavindos, os namoros que se recompõem, as operaçõesde mudança de sexo, os problemas de obesidade, o ero-tismo-soft, as histórias de sucesso e o casamento dosconcorrentes dos reality-shows. Estimula-se a fama indivi-

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dual, o golpe de sucesso mediático, o meio ano de famae os heróis fugazes.

No pensamento pós-moderno, emerge um conjunto deteorias que afirmam uma espécie de auto-complacênciasofisticada em relação à indústria cultural. A acção dos mediaé descrita como aquela onde tudo é permitido. No novomodo de encarar a comunicação de massa há algumastendências que urge detectar: a) um certo sentido de re-signação político cultural; b) o fascínio pela fragmentaçãocultural, um desenho da cultura que convive bem com abusca da alteridade e da polivalência cultural (cfr. Wolin,1995: 44-45).

No que respeita ao primeiro ponto, a cultura mediáticaparece tão mais valorizada quanto aparece intrinsecamenteligada não apenas à recusa da tirania de qualquer projectorelacionado com um princípio ou sujeito propulsor da históriamas à própria ética ou a qualquer sobrevivência de espíritocrítico. “A ética não vende” é a frase que melhor espelhao espírito do tempo. As tendências da reflexão pós-modernaque, de modo mais acrítico, expressam semelhantesvirtualidades da indústria mediática traduzem-se, muitasvezes, numa veia de cepticismo no que diz respeito a qualquerforma de destino colectivo. A cultura surge associada, sobo ponto de vista ético, ao relativismo normativo, e sob oponto de vista estético, a fenómenos triviais e fugazes comoa moda. O discurso sobre o elitismo dos críticos é acom-panhado pela certeza cultivada por alguns teóricos de queas obras da cultura de massa ajudam a superar o fosso entrea arte e a vida pelo que a democracia cultural pode serrealizada aqui e agora (cfr. Wolin, 1995: 45).

Quanto ao segundo ponto, objecto de reflexões maissofisticadas acredita-se que os media teriam sidodeterminantes para a dissolução dos pontos de vista centraise das grandes narrativas. Ter-se-ia atingido um pluralismodesinibido: os tabus da sociedade unidimensional teriam sido

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eliminados. Não há nenhum tema que seja demasiadamentearriscado (cfr. Wolin, 1995: 50). O que caracteriza a so-ciedade da comunicação e dos mass media não é a sua maiortransparência no sentido iluminista do termo, mas a sua maiorcomplexidade, entropia e caos na qual alguns autores pós-modernos julgam residir as nossas esperanças de emanci-pação (cfr. Vattimo, 1992: 10).

Quer a Teoria Crítica na sua formulação mais ortodoxaquer o pós-modernismo nas suas versões mais triviais sãoleituras lineares da realidade. Na primeira, a autonomia dosujeito funda-se na decepção e no engano. Na segunda, vai-se pouco mais para além de uma certa exaltação sofisticadadas atitudes consumistas das sociedades marcadas peloliberalismo económico. O sujeito de qualquer das duasconcepções tem até parecenças substanciais: é um entusiastado consumo, da excitação e da euforia que este produz,procura a satisfação das suas necessidades culturais nos mediae dedica-se ao esforço solitário de ser feliz através dasoportunidades que a sociedade capitalista proporciona.

É possível esperar algo mais desta indeterminação, destacontingência e fragmentação, tão celebradas pelos pós-modernos? Limita-se a induzir um relativismo permissivono qual o sujeito se perde a si próprio ou, pelo contrário,relaciona-se com novas e decerto inqualificáveis, porque nãotestadas, possibilidades emancipatórias? O filósofo canadianoCharles Taylor admite que o hedonismo contemporâneoresulta numa espécie de absurdo atrás do qual surgem novasformas de dependência e de insegurança na construção dapersonalidade (cfr. Taylor, 1992:15). Porém, simultaneamente,considera que por detrás da aparente generalização dohedonismo, se esconde um ideal de autenticidade suscep-tível de ser considerado como moral ou ético e que temimplícito a aspiração a uma existência melhor e mais elevada,relacionada com os projectos de auto-realização pessoaldecorrentes da modernidade (cfr. Taylor, 1992: 16-17). À

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luz desta concepção, é possível admitir que os mecanismosdesejantes impliquem ou, pelo menos, se relacionem comuma vontade, ainda que frustrada, de mudar a vida.

O projecto minimalista dos pós-modernos tem avirtualidade de chamar a atenção para o facto de que, hoje,em vez da concentração das notícias em umas poucas ereduzidas figuras oficiais, se verifica o acesso à programa-ção e até à informação por parte de tipos sociais quefinalmente adquirem alguma visibilidade pública. Rorty vaimais longe e considera que enunciados como textojornalístico, a banda desenhada, o filme e o programa detelevisão oferecem-nos pormenores sobre tipos de sofrimen-to que não conhecíamos tendo substituído o sermão e otratado enquanto veículos principais de progresso no planomoral (Rorty, 1994: 19).

O pensamento pós-moderno através de Vattimo afirmaque a multiplicação do “tomar a palavra” por parte denumerosas subculturas que só conheciam uma remota vi-sibilidade é, talvez, o efeito mais evidente dos mass media(cfr. Vattimo, 1992: 11-12). Esta constatação -e as possi-bilidades emancipatórias que dela se concluem - é impor-tante pelo facto de acentuar a profunda dimensão conflituale simbólica da construção das identidades nas sociedadesactuais. Porém, é difícil partilhar da euforia expressa peloautor quando afirma “que a rádio, a televisão e os jornaisse tornaram elementos de uma grande explosão e multipli-cação de Weltanschaungenn, de visões do mundo” (Vattimo,1992: 11). A tomada da palavra por novas minorias emer-gentes é um factor central que Vattimo valoriza acertada-mente. Porém essa valorização não é acompanhada por umaforça crítica que permita pensar para além de uma certacomplacência para com a permissividade neo-liberal. Areformulação da realidade do mundo, entendida como ocontexto das múltiplas fabulações (cfr. Vattimo, 1992: 32);a análise do papel dos media na libertação dos dialectos,

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na exibição do carácter aleatório e não definitivo dos “mundosreais” que as diferentes subculturas partilham (cfr. Vattimo,1992: 15) são fundamentais, mas só por si arriscam-se aser uma mera celebração inodora da tolerância liberal. Vattimonão explica como é possível uma recusa da hegemonia deum ponto de vista unitário, sem implicar uma ideiauniversalista de tolerância para com a diferença. A eman-cipação resultante da emergência da diferença e do pluralismoimplica que indivíduo adquira a capacidade de avaliar assuas convicções morais em termos um certo universalismoético. Só as ideias de reciprocidade mútua podem permitira apresentação de pretensões de validade por novos dia-lectos e subculturas. Isso implica a adesão a critériosuniversais: todos se devem abster da obtenção de umahegemonia que imponha uma verdade totalizante.

O limite do pós-modernismo é o seu encerramento numacrítica estética da modernidade através dos valores daprovocação, da transgressão e do divertimento. É na ex-periência estética que Vattimo, na esteira de Benjamin, seapercebe do efeito de choque da indústria cultural, o qualevidencia a contingência da existência, a insistência nodesenraizamento considerado como constitutivo e não pro-visório. É neste horizonte de oscilação e desenraizamento- tema retomado por Giddens e Beck a propósito do riscoe da reflexividade - que Vattimo descortina as vias quepermitem o exercício da criatividade e a liberdade. A tomadada palavra será sempre acompanhada por um sentimentode insegurança que nega a possibilidade das respostasdefinitivas.

Vattimo admite, curiosamente, que “esta tomada de palavranão correspondeu a uma verdadeira emancipação política- o poder económico ainda está nas mãos do grande capital.”Mas acrescenta imediatamente: “Será - não quero alargardemasiado a discussão nesse campo” (Vattimo, 1992: 11-12). Ora, esta discussão é que vale a pena alargar: será que

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ao poder económico nas mãos do grande capital não cor-responde, com todas as suas contradições, um poder culturale informativo concentrado nos títeres das indústrias cultu-rais? Será que a euforia pela multiplicação de visões domundo não se pode identificar apenas com o excessivoreconhecimento de um relativismo soft? Será que a mul-tiplicação de tomadas de palavra não é um efeito dadesregulamentação do mercado? Será que afinal a impor-tância que os pós - modernos dão ao pluralismo e àcontingência não é compensada por uma certa resignaçãoe pela ausência de atitude crítica?

Vattimo interroga-se, então, se esta posição não será umaapologia demasiado expedita da cultura de massa (cfr.Vattimo, 1992: 64). A sua resposta antecipa-se a críticasprevisíveis. “Contrariamente ao que durante muito tempo- e com boas razões, infelizmente - acreditou a sociologiacrítica, a massificação niveladora, a manipulação doconsenso, os erros do totalitarismo não são o único resul-tado possível do advento da comunicação generalizada, dosmass media, da reprodutibilidade. Ao lado desta possibi-lidade - que deve ser decidida politicamente - destes re-sultados, abre-se também uma possibilidade alternativa: oadvento dos “media” comporta também uma acentuadamobilidade e superficialidade da experiência, que contrastacom as tendências para a generalização do domínio, aomesmo tempo que dá lugar a uma espécie de “enfraque-cimento” da noção de realidade, com o consequente en-fraquecimento de toda a sua coacção. A sociedade doespectáculo de que falaram os situacionistas não é apenasa sociedade das aparências manipulada pelo poder; étambém a sociedade em que a realidade se apresenta comcaracterísticas mais brandas e fluidas, e em que a expe-riência pode adquirir os aspectos da oscilação, dodesenraizamento, do jogo” (Vattimo, 1992:65). Parece-nosrazoável admitir que no seguimento dos anos 60, as so-

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ciedades industriais modernas já não correspondem ao“mundo unidimensional” ou “totalmente estruturado” retra-tado pela primeira geração de teóricos críticos (cfr. Wolin,1995: 48). Porém, só por, si a fragmentação cultural recentenão permite a emancipação. Oferece-nos a ilusãoomnipresente da emancipação (“a nossa cultura é uma culturaonde tudo é permitido”) para que se possa negar maiseficazmente a sua realização. (cfr. Wolin, 1995: 50).

Para que as possibilidades emancipatórias da multipli-cação de visões do mundo possam ser analisadas, o processode fragmentação cultural deve ser visto, sobretudo, comoum ponto de partida para uma nova reflexão crítica abertaà pluralidade. Só enquanto ponto de partida e não comoponto de chegada, o pluralismo cultural induzido, de formacontraditória e ambígua, pelos media pode conduzir aoportunidade para criar e pensar novos direitos que setraduzam numa relação mais directa com a vida quotidiana,que se traduzam em formas novas de cidadania.

O relevo que hoje se faz sentir nas questões relacionadascom a auto-realização pessoal pode repercutir-se na defesade direitos que privilegiam as questões relativas à qualidadede vida e à realização do indivíduo (cfr. Esteves, 1998:67).Aí terá sentido defender o renascimento de subculturasautónomas, dispostas a lutar pela criação de novas formasde vida, que se oponham à colonização burocrática semcaírem na trivialidade que os pós modernos têm dificuldadeem discernir. Se os momentos de afirmação do mercadocoincidem quase sempre com a explosão da infortainmente do sensacionalismo, a verdade é que esses momentos devemtambém ser aproveitados para a compreensão de outrasformas de estar e a afirmação de novos direitos. Haverá,por exemplo, que ter em conta a resistência de diversasminorias seja no desenvolvimento dos seus próprios mediaespecializados ou influenciando o seu próprio retrato nosmedia maioritários.

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Ao admitir-se esta possibilidade restitui-se aos mediaalgum do olhar positivo que Benjamin lançou sobre aspossibilidades de emancipação que vislumbrou nas artesreprodutíveis. (cfr. Vattimo, 1992: 57). Porém, esta releiturade Benjamin também implica a sua confrontação com aquelasque se julgam serem as coordenadas deste tempo: abandonode uma posição essencialista de classe; reconhecimento deque a fragmentação implica a existência não da emanci-pação mas de emancipações; reconhecimento de novosmovimentos, direitos e formas de dominação como sejamos que se articulam com a vivência da individualidade, doconsumo, do género, da relação entre culturas, do papel damulher e da configuração da família, afinal temas a queos media, melhor ou pior, conferiram visibilidade; desco-berta de uma certa utopia auto-limitada que não implicaa eliminação do mercado; invenção de um pluralismoregulado que articule a fragmentação cultural com umaconcepção afirmativa da cidadania; a consideração de queesta ideia de cidadania passe sobretudo pela perseguiçãode circunstâncias e contextos de diálogo em que não se nãoverifique a hegemonia de uma particular visão do mundo.Ora este último ponto não pode significar a pura compla-cência com a diversidade cultural vigente nos modelosliberais, tal como por vezes se insinua no pensamento pósmoderno.

Espectáculo, desejo e ideologia:

Este conjunto de reflexões que se debruçaram sobre arelação entre a comunicação de massa e o sujeito despertouatitudes simétricas na importante questão da ideologia, figuracentral das abordagens sociológicas, filosóficas e antropo-lógicas da cultura. Quanto mais determinista se demonstravaa relação entre a comunicação de massa e o sujeito, maisa concepção de ideologia se revelou, ela própria, também

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determinista, omnipresente, dotada de capacidadessocializadoras implacáveis que deixavam ao sujeito escassamargem para a sua autonomia enquanto agente social.Deixando de lado os já sobejamente conhecidos antepas-sados da análise das ideias (Du Tracy e, de um modo geralos idéologues) importa sobretudo passar a atenção pelaprimeira grande reflexão moderna sobre ideologia formu-lada por K. Marx e perante a qual a maior parte dospensadores respondem. Para Marx, a cultura fazia parte dasuperstrutura fundada em última instância nas relações sociaisde produção e nas forças produtivas que constituíam a baseeconómica (infra-estrutura) da sociedade (cfr. Marx, 1971:20-21).

Na Teoria Crítica, a comunicação de massa era abordadaenquanto ideologia na medida em que glorificaria a soci-edade presente, dissolveria o seu antagonismo com a re-alidade social, perdendo a sua dimensão crítica (cfr. Adorno,1996-a: 68) A cultura mediática é entendida em relação directacom a interiorização das formas de dominação do sujeitoemergentes com a racionalidade instrumental: “. Hoje, a teoriajá nem existe e a ideologia soa a partir das engrenagensde uma praxis irresistível” (Adorno, 1995: 29). O sujeitoé quase reduzido a um efeito ideológico dos mecanismosculturais de socialização.

Graças ao conjunto de transformações que resultam dafragmentação cultural induzida pelos media, a análise dacultura de massa como ideologia, tema introduzido nocriticismo cultural mais ou menos longinquamente relaci-onado com o marxismo, conheceu uma reformulação quese traduziu numa viragem acentuada. A tendência induzidapelos media para valorizar a diferença trouxe uma erosãosubstancial a este conceito unilateral, à luz do qual a negaçãoda autonomia das formas simbólicas tinha dado consistênciaa uma visão reificada da comunicação de massa. A con-cepção de ideologia enquanto mero reflexo de uma reali-

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dade pré-dada confronta-se com dificuldades crescentes numasociedade onde se aprofunda um espaço de luta entredefinições conflituais da realidade. A visão da comunicaçãode massa como aparelho ideológico que procura realizar oconsenso através da ocultação das dinâmicas sociaisconflituais parece desafiada. Autores oriundos da Filosofiae da Sociologia como Noel Carrol e Thompson têm de-safiado este tipo de conceptualização outrora em voga.

Para estes autores, a comunicação de massa é um dosmeios principais pelas quais a ideologia é transmitida (cfr.Carrol, 1997: 362). Este facto deve-se à sua enorme ca-pacidade de produzir e transmitir formas simbólicas, capa-zes de circular numa escala sem precedentes, alcançandomilhões de pessoas que pouco têm em comum além dasmensagens mediadas. Thompson chega, pois, a propor quese substitua a análise da ideologia relacionada com astransformações culturais associadas ao surgimento dassociedades industriais por uma análise da ideologia rela-cionada com as formas simbólicas produzidas pelos meiostécnicos de comunicação de massa. A nova análise propostateria como quadro de referência fundamental a mediatizaçãoda experiência cultural (cfr. Thompson, 1995: 342).

Simultaneamente, nega-se a ideologia como um momen-to coercivo, unilateral e redutor, perante o qual o sujeitose vê remetido a uma posição passiva de pura interiorizaçãode mecanismos de socialização. Esta intuição tem um impactoconsiderável no processo de socialização, de aprendizagemde valores básicos, geralmente referenciada na senda deGramsci, por hegemonia. Com a emergência das democra-cias de massa, Gramsci já compreendera que o elementodecisivo deixa de ser o exercício da coacção pelo Estadopara passar a ser a habilidade em obter um poder hegemónicoenraizado nas organizações da sociedade civil e na mediaçãoexercida pelos intelectuais (cfr. Gramsci, 1977: 24), acen-tuando - se o peso da cultura e dos elementos simbólicos,

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essenciais na sociedade civil como factores de obtenção dahegemonia política. A ideologia articula-se com a luta pelahegemonia. Na luta pela obtenção da hegemonia, os mundosimaginários funcionam como matéria simbólica para umconsenso reordenador das relações sociais. Este tipo deabordagem traduz-se no plano da análise dos media, poruma conflitualidade em torno das normas e significadosdominantes e sua respectiva interpretação, admitindo, mesmo,a possibilidade de uma actividade cultural contra hegemónicaem relação à correlação de forças dominante.

Simultaneamente, nega-se que todas as formulaçõessimbólicas, nomeadamente, as produzidas pela comunicaçãode massa, sejam objecto de uma utilização ideológica. Estaintuição parte do pressuposto que o conceito de ideologiase refere às maneiras como o sentido serve em circunstân-cias particulares, para estabelecer e sustentar relações dedominação (cfr. Thompson, 1995: 16). Porém, não implicao pressuposto utilizado sistematicamente pelo criticismocultural de que todas as formulações simbólicas se definam,irredutivelmente, como ideológicas. As formas simbólicasproduzidas pela comunicação de massa podem surgir comoideológicas num contexto podendo surgir como subversivasem outro contexto (cfr. Thompson, 1995: 18)

Aceitando a pluralidade de modos de conflitualidade dassociedades modernas, as relações de dominação - e, con-sequentemente, a sua legitimação através do uso da ide-ologia - deixam de ser vistas, exclusivamente, enquantorelações de classe, designando apenas um eixo da desigual-dade e da exploração (cfr. Thompson, 1995: 77). Marxdesprezou “a importância das relações entre os sexos, entreos grupos étnicos, entre os indivíduos e o Estado, entre oEstado-nação e blocos de Estado-nação” (Thompson, 1995:77). A concepção de ideologia continua a ser relevante parao criticismo contemporâneo, porém deve ser antes associadacom qualquer forma de dominação ou de opressão social,

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independentemente de esta reflectir homofobia, sexismo,racismo (cfr. Carrol, 1997:371). Pode-se, assim, falar de umnovo pólo dinamizador das lutas sociais, que inclui apromoção simbólica das escolhas identitárias, e que podeser incluído na ideia de “cidadania das minorias”. O centrodos conflitos sociais já não se situa apenas nas esferas dereprodução material, como supunha o marxismo, mas tam-bém nas esferas da vida simbólica.

A aproximação entre a ideologia e a vida quotidiana éoutra das tendências consistentes nesta tendência. Ao acei-tarem elementos da vida quotidiana como essenciais paraa questão da análise da dominação, abrem-se as portas auma reflexão sobre as possibilidades da emancipação maisenraizada no mundo da vida e nas questões que dizem respeitoa uma política puramente centrada num universalismoabstracto. A vulgaridade à qual os media abrem as suas portaspode ser considerada sob o ponto de vista da constituiçãode um espaço público permeável às questões da própria vida.Apesar da sua trivialidade e do modo quantas vezes reificadorcomo os media abordam estas questões, a verdade é quenão deixam de induzir possibilidades de redefinir a relaçãoentre a política e o quotidiano, de modo a que os assuntosda vida das gentes comuns, tantas vezes, reduzidos aouniverso do privado, ascendam ao público. Com efeito,quantitativa e qualitativamente, a partir do capitalismoavançado do século XX, os media ganharam uma respon-sabilidade acrescida por fornecerem as bases para a cons-trução das imagens, valores e representações que se erguemno mundo da vida quotidiano.

Nestas teses, a sociedade civil, convocada pela reflexãoteórica, comparece como sociedade de comunicação. Qual-quer que seja a centralidade que o capitalismo continua ater na indústria cultural, o próprio mercado no exercícioda sua abrangência corrosiva desempenha o papel que outroraidentificava Marx: dissolve antigos consensos e “liberta”

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novos dialectos, como antes na sociedade industrial o capitalcriava os seus adversários. Esses novos dialectos que vêmà luz no espaço público não significam a emergência dequalquer realidade emancipada. Limitam-se a ser, eventu-almente, os traços de incerteza, de indeterminação, decontingência que podem, eventualmente, alimentar osmovimentos sociais dinamizadores de uma racionalidademenos unilateral, menos coesiva e mais crítica e multiforme.

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CIDADANIA, COMUNICAÇÃOE LITERACIA MEDIÁTICA

Introdução

Num contexto de reflexão crítica acerca dos processosde criação de significados e de transmissão de cultura, oqual tem vindo a proliferar no vasto campo de estudos quese debruçam sobre as relações entre tecnologia, comunica-ção e sociedade é difícil ignorar a mudança qualitativaintroduzida pelas novas tecnologias de comunicação. Aabordagem desta mudança tem vindo a centrar-se de ummodo particular no fenómeno da interactividade e suasparticulares consequências no domínio, hoje tão discutido,das relações entre os novos media e cidadania. Este textodebruça-se, em primeiro lugar, sobre a necessidade de umconceito de sociedade civil que se traduza na redinamizaçãoda cidadania; em segundo lugar, preocupa-se com a dimen-são simbólica e comunicacional deste conceito, chamandoa atenção para o papel que as novas tecnologias da comu-nicação desempenham na configuração desse modelo desociedade civil. Finalmente, debruça-se sobre a literaciamediática como uma actividade que não se restringe à apren-dizagem técnica mas que apela à necessidade de um maiordinamismo interpretativo nos processos de constituição desentido.

A sociedade civil

A relação entre os mass media e a cidadania passam poruma figura ressuscitada na teoria política, a sociedade civil,a qual surge como um terreno típico das sociedades oci-dentais ameaçado pelos mecanismos da lógica administra-

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tiva e económica e que se apresenta como o locus para aexpansão potencial da democracia nos regimes liberal-democráticos efectivamente existentes. (cfr. Arato e Cohen,1995, viii). A tentativa de definição desta instância é devedorada reflexão tocqueviliana e dos esforços teóricos desenvol-vidos por Gramsci, de certo modo por Habermas numa faseposterior à obra “Mudança Estrutural da Esfera Pública”e, mais recentemente por Charles Taylor (1997, 263) e porArato e Cohen no sentido de diluírem a tradicional iden-tificação hegeliana e marxista entre a sociedade civil e aeconomia burguesa (cfr. Arato e Cohen, 1995, 220 e se-guintes).

O que se defende hoje é um conceito de sociedade civilque se ofereça como uma esfera de interacção social lo-calizada composta pela esfera íntima, pela esfera das as-sociações voluntárias, pelos movimentos sociais e pelasformas de comunicação pública. Isto implica distinguir asociedade civil da sociedade política composta apenas pelospartidos, organizações e públicos políticos e de uma soci-edade económica composta por organizações de produçãoe de distribuição. As sociedades económica e políticaemergem geralmente da sociedade civil, partilham algumasdas suas formas de organização e de comunicação einstitucionalizam-se através de direitos políticos e de pro-priedade contínuos aos direitos próprios da sociedade civil.Porém, os actores da sociedade económica e política estãodirectamente envolvidos com o poder estatal e com aprodução económica, que pretendem controlar e gerir. Nãopodem subordinar os critérios estratégicos e instrumentaisa padrões de integração normativa e de comunicação abertacaracterísticos da sociedade civil.

A diferenciação da sociedade civil em relação à soci-edade económica e à sociedade política não significa, todavia,a existência de uma oposição cortante daquela em relaçãoa estas. As noções que aqui partilho de sociedade política

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Cidadania, Comunicação e Literacia Mediática

e de sociedade económica incluem esferas mediadoras atravésdas quais a sociedade civil pode ganhar influência sobreos processos político-administrativos e económicos. Existeum papel da sociedade civil que não está directamenterelacionado com a conquista do poder nem com a gestãoda economia mas com a geração de influência através davida das associações democráticas e da discussão semconstrangimentos na esfera pública.

A diferenciação da sociedade política e da sociedadeeconómica não implica também que a sociedade civil serefira a todos os fenómenos da sociedade que não estejamrelacionados com o Estado e a Economia, mas apenas amodos de relação que incluam associação consciente e acomunicação organizada. A sociedade civil não se confundecom a totalidade do mundo da vida social. Refere-se àsestruturas de socialização e associação que possuam um certograu de institucionalização (cfr. Arato e Cohen, 1995: viii,ix e seguintes).

Sociedade civil como sociedade de comunicação

A sociedade civil que aqui se configura possui cada vezmais uma conotação simbólica: a ligação entre a experiênciacomunicacional e a experiência cívica ficou particularmenteevidente com o advento da modernidade quando se enfatizoua questão da legitimidade, surgindo como elemento inte-grante do exercício da cidadania, uma instância crítica in-dependente do Estado que aspira a conformar o poder ea transformá-lo. A sociedade civil está relacionada com umpúblico político que lhe é contíguo e que se relaciona comoinstância mediadora com as sociedades política e económicacompetindo-lhe amplificar a pressão exercida pelos proble-mas, isto é, não apenas detectá-los e identificá-los mastambém tematizá-los de modo convincente e influente,apresentando-os juntamente com soluções, de tal forma que

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sejam tomados em conta e resolvidos pelas instituiçõesrepresentativas (cfr. Habermas, 1996, 362). O cerneinstitucional desta instância é, pois, as associações volun-tárias e as redes associativas não dependentes do estado eda economia, através das quais se ancoram as estruturascomunicativas da esfera pública na componente social domundo da vida (cfr. Ibidem, 366).

A esfera pública, adstrita à sociedade civil, configura-se hoje, pela sua mediatização, como lugar de confrontoentre a pluralidade de definições da realidade social. Porum lado, a construção social da realidade decorre de ummodo em que os media adquirem um papel cada vez maisfirme. Neste quadro, a actividade dos media pode serentendida como tendo um “papel socialmente legitimado paraproduzir construções da realidade que são publicamenterelevantes” (Alsina, 1996, 18). Embora esse processo deconstrução social esteja profundamente relacionado com osconstrangimentos, normas organizacionais e convençõesnarrativas de que dependem os conteúdos e a práticadiscursiva dos media, ele não decorre sem a participaçãoactiva da audiência, nas diversas interacções em que osindivíduos tomam parte na realidade da vida quotidiana, nodecurso da qual se organizam como comunidadeinterpretativa.

Por outro lado, esse processo de construção da realidadesocial deixou de ser considerado como unilateral, unívocoe dirigista, estanque em relação às dinâmicas sociais emque se inserem os próprios media. A cultura dos meios decomunicação também é, hoje, um lugar de intensa luta entreos diferentes dinamismos sociais e, por conseguinte, teoriza-se melhor como um terreno de disputa, aberto às vicissi-tudes da história do que apenas como um campo de do-minação’’ (Champagne, 2000:18). Nesta luta, os jornalistase os media desempenham um papel estratégico. A impos-sibilidade de pensar a história como um curso unitário é,

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em larga medida, resultado da espectacular expansão dosmass media, os quais geram uma sociedade com diversassub-culturas que tomam a palavra, gerando um pensamentofragmentário e arredio às interpretações unívocas e lineares(Vattimo, 1996, 78-79).

Se é verdade, assim, que a influência dos media naconstrução social da realidade é um dado incontornável, nãoé menos verdade que cada vez mais é obsoleto e irrealistaopor os media aos agentes sociais, como se os primeirosocupassem uma posição a-histórica, desligada das interacçõesconcretas entre os homens. Pelo contrário, hoje abre-se apossibilidade de que os agentes sociais irem recorrendo aospróprios media, através de uma intervenção cada vez maisdirecta na descodificação, recepção activa e até na produçãode mensagens. De acordo com esta perspectiva, apesar detodas as dúvidas e perplexidades, podermo-nos encontrar,encontrarmo-nos seguramente, diante de novas transforma-ções estruturais nas quais os media poderão desempenharum papel estruturante acentuadamente reflexivo. Ao invésdo que sucedeu na tradição marxista ortodoxa e, depois,de um modo peculiar na complexa tradição erguida em tornoda Escola de Frankfurt, devemos analisar os media não apenascomo suportes ideológicos dos sistemas hegemónicos depensamento ou estruturas de dominação oculta que viamo triunfo de uma unívoca e linear racionalidade instrumental(Adorno e Horkheimer, 1985) mas também como lugaresde produção de estratégias que visam reformular o processosocial. Sem deixar de reconhecer a persistente afirmaçãodos discursos dominantes nos media, temos de considerarque debates, polémicas e contradiscursos se manifestam nosconteúdos informativos, ainda que numa intensidade menordo que a desejada, mas em proporção bem maior do quea de décadas atrás. Os aparatos mediáticos não operam emfull time para mascarar factos ou distorcê-los. Nem tudoo que se divulga está contaminado pelas injunções de uma

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malha ideológica rígida a ponto de defraudar a vida — afinalcomplexa e diversificada.

Novos media e interactividade

De acordo com este raciocínio, importa estar particular-mente atento às possibilidades estratégicas que as novastecnologias da comunicação evidenciam em termos dedinamização da sociedade civil. Acredito que estamos diantede uma significativa transformação do modelo de comuni-cação de massas graças ao uso dos computadores como meiode difusão de um novo tipo de mensagens. Através daobservação do World Wide Web, pode-se verificar umaevolução importante do jornalismo on-line (também chama-do por vezes de jornalismo electrónico ou, ainda, porwebjornalismo) que passa por uma autonomia crescente emrelação aos media tradicionais. A adição de hiperlinks,motores de pesquisa e a possibilidade de seleccionar no-tícias em função de interesses distintos e sistemas derelevância plurais, as possibilidades de navegação abertaspelo hipertexto; às alterações estéticas e narrativas induzidaspor uma relação diferente entre a imagem e a escrita juntam-se as possibilidades políticas e éticas acrescentadas pelainteractividade, designadamente no que respeita ao direitode resposta, à relação com as fontes e à investigaçãojornalística. No que toca aos efeitos dos media, ainteractividade traz consequências seja no que diz respeitoao paradigma que analisa esses efeitos sob o ponto de vistada produção noticiosa (newsmaking) seja sob o ponto devista do paradigma que analisa os efeitos pela fixação daagenda (agenda setting). Desde uma eventual menor depen-dência das fontes institucionais até uma maior intervençãodos públicos, através do prolongamento da discussão nosfóruns disponíveis abrem-se um conjunto de possibilidadesque, eventualmente, poderão alterar rotinas e modos de

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tipificar próprios de cada medium. No que toca ao efeitode agenda, não é irrealista supor-se que a sua fixação sejaobjecto de uma luta no qual intervêm outros agentes paraalém daqueles a quem, tradicionalmente, compete a redac-ção e edição final. Em suma, os espaços de comunicaçãopública tornar-se-ão mais dinâmicos, não estando, de formatão rígida como é tradicional na cultura de massas, sujeitosao modo de agendamento e de tipificação que lhe são típicas.

Neste domínio, haverá que reconhecer que um dos maisimportantes elementos da comunicação mediada por com-putador é a sua habilidade para permitir o diálogo de muitoscom muitos e a sua capacidade para facilitar a comunicaçãoentre grupos e indivíduos geograficamente dispersos. Entreas múltiplas opções que surgem na Internet como alternativaaos meios de comunicação de massa o jornalismo peer-to-peer (entre nós, designado, muitas vezes como jornalismocooperativo) e o slashdot oferecem-se como oportunidadesde ultrapassar a relação rígida e piramidal que alegadamentetem sido a relação dos media de massa com os seus leitores.Situado entre a webzine e o fórum, o Slashdot surge comouma forma de difusão de informação na NET, onde sãocobertas histórias e ensaios inseridos pelos leitores. A equipado slashdot introduz as histórias que serão editadas no sitee é aberto um fórum de discussão onde os leitores podemparticipar em tempo real debatendo tema em análise. Assim,a participação do público na construção da notícia, sejaatravés da sugestão de temas de reportagem, ou de infor-mações sobre determinado assunto que o público faz chegaraos jornalistas, é cada vez mais fácil e também mais fre-quente. Logo que a notícia é publicada, o leitor podeapresentar os seus comentários seja sobre o assunto alvode notícia, ou o próprio trabalho dos jornalistas (cfr. Barbosa,2001). O Slashdot (http://www.slashdot.org) e outras pági-nas similares como Kuro5hin http://www.kuro5hin.org), sãohoje alguns exemplos que apesar das diferentes abordagens

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no que respeita ao controlo editorial, têm traços em comum.Qualquer pessoa pode escrever ou comentar um artigo sendoo gatekeeping exercido através de critérios em que são tidosem conta as taxas de leitura.

Este tipo de novas manifestações jornalísticas que já teveexemplos concretos em torno da globalização, da luta pelasliberdades cívicas em regimes ditatoriais, nainternacionalização de movimentos sindicais contra o tra-balho infantil e no enfrentamento de multinacionais pode-rosas como sucedeu com a McDonalds (denunciada na NETatravés de um site colocado por dois agricultores que punhamem causa os métodos e a higiene da cadeia de restauraçãoamericana) pode ser um elemento indutor e catalizadorimportante para dar origem a uma nova forma de jorna-lismo, ligado aos movimentos sociais, à democratização eà afirmação cívica das comunidades, que alguns chamamde jornalismo cívico, ou ainda de jornalismo público oujornalismo comunitário.

Movimentos como os do public journalism poderãoencontrar aqui uma nova arena para incentivar o desejo queos motiva de ligar os jornalistas às comunidades no interiordas quais operam, colocando a contribuição dos cidadãosno centro das preocupações jornalísticas (Esterowick, Robertse Clarck, 2000, 151). Nesta perspectiva, o jornalismo on-line, sem ser a panaceia miraculosa que responde às nu-merosas decepções que o jornalismo de massas têm vindoa impor à democracia, pode contribuir para o eventualfortalecimento de um “jornalismo conversacional”, com orecurso a fontes não elitistas, e propondo um equilíbrio entrediálogo e deliberação, entre participação e deliberação. Poder-se-á deste modo, proceder de modo equilibrado a umainvestigação acerca de quais são os temas que, efectiva-mente, fazem parte da agenda dos públicos, à comparaçãocom a agenda dos políticos e à tentativa de estabelecimentode uma sintonia que leve as pessoas a afastarem-se mais

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do abstencionismo. Poderão obter-se elementos novos queajudem a contribuir para a generalização da ideia de queo público deve tomar conhecimento das notícias de umaforma que promova a discussão e o debate, rejeitando-sede forma enfática e categórica qualquer interpretação daobjectividade jornalística que defenda o afastamento dasredacções em relação aos assuntos da comunidade. Poder-se-á, enfim, experimentar as intuições presentemente exis-tentes acerca da possibilidade e da efectiva necessidade deum modo de jornalismo que tenda a favorecer as “estórias”esquecidas, as fontes marginalizadas e o retorno à sociedadecivil e às suas dinâmicas informais em prejuízo da infor-mação pré-fabricada e seleccionada, concentrada nos me-canismos institucionais. Esta abordagem também implica ainsistência em modelos de jornalismo predominantementeinvestigativos, que permitam retirar os jornalistas da depen-dência das instituições ocultas sob o manto diáfano dasrelações privilegiadas com as fontes.

Estas possibilidades não devem porém deixar de serobjecto de um alerta que passa por duas observações:

- em primeiro lugar a interactividade, a velocidade noacesso e na disseminação da informação, a introduçãodo hipertexto, a personalização podem originar crisesde mediação onde a multiplicação generalizada de umuniverso de “turbonotícias” (cfr. Bastos, 2000, 60) podeconduzir a uma generalização da entropia, à crise dadeliberação racional e à ausência de reflexividadeparalisada pelo novo valor fetiche que constitui “avelocidade em tempo real” (Sylvia Moretzsohn, 2002).Neste caso, estaremos diante da possibilidade de umaimplosão do sentido, resultante de uma avalanche deconteúdos que geram a precipitação profissional, aconfusão entre informação e participação cívica (Mertone Lazersfeld, 1987), a curtocicuitação da acção políticaatravés da emergência de formas de autismo on-line

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(Rheingold, 1993) e a exponenciação de uma certairrelevância eufórica.

- em segundo lugar, este risco só pode ser ultrapassadoatravés de uma compreensão de que a interactividadenão substitui a interacção e que a ideia de comunidadepressupõe sempre um enraizamento social que contri-bui para que a mediação prossiga à luz de valores ede critérios que poderão e deverão continuar a existirno plano do plano do próprio jornalismo on -line.

Cidadania e literacia mediática

Apesar de as novas condições de interactividade pode-rem facilitar a dimensão conversacional e comunitária dojornalismo, a verdade é que a sua concretização só seráeventualmente possível, se houver uma formação e educa-ção que permita aos praticantes terem sensibilidade econhecimento para as relações entre a comunicação e asinstituições democráticas. A educação para os media paraser compatível com a ideia de recepção activa e de par-ticipação cívica inerente ao conceito de sociedade civil comosociedade de comunicação deve incluir-se numa concepçãode auto-educação pelo facto de implicar ousar a utilizaçãoda própria inteligência e da própria capacidade de adquirirconhecimento (Misgeld, 1987, 83). Evidentemente que, noque respeita à recepção, importa tornar as novas tecnologiasacessíveis a todos, tornando claro que os indivíduos têmnecessidade de desenvolver literacia computacional, emparticular, e mediática em geral., evitando a difusãoexponencional de um “informational gap” de consequênciasimprevisíveis. Porém, a educação só poderá ser verdadei-ramente considerada como tal ,se o pensamento recusar asua comodificação e consequente transformação em pensa-mento automático (cfr. Ibidem). Ou seja, o receptor só passa

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a ser sujeito da informação quando dispõe de critériospróprios (Calvo, 1999, 327). É indispensável articular aquestão dos media com uma reflexão de natureza herme-nêutica e de natureza crítica que mobilize uma maiorsensibilidade para os processos comunitários de constitui-ção do sentido. Isto implica desafiar o público a exercera influência que lhe corresponde, através do conhecimentoe análise da linguagem dos media. Por isso, no que dizrespeito à recepção, começam a organizar-se os movimen-tos de literacia mediática. Não é exagerado dizer que estesmovimentos confrontam-nos com desafios e problemas dosmais delicados entre aqueles que, como educadores ecidadãos, teremos que enfrentar no século XXI. Trata-seno fundo de promover as competências que permitam aosestudantes e os cidadãos em geral tornarem-se mais sen-síveis aos mecanismos sociais de representação tantas vezesocultos na linguagem mediática. Influenciar o modo comose constrói a diferença e a hierarquia no interior dos discursomediáticos implica saber como ele é construído, quais sãoos seus códigos e convenções e, em última instância, sercapaz de produzir artefactos mediáticos, de forma a usá-los como meios de expressão e de comunicação. Destemodo, o puro fascínio pelo gadget tecnológico tem queser compensado com uma compreensão profunda de umaideia de mediação que implica saber que a educação paraos media é também uma educação que deve responder aestas questões: a quem servem os media? A que deusesse sacrificam?

Um pouco por toda a parte, ao lado do reconhecimentodo poder dos media, surgem movimentos académicos esociais tendendo a dotar os agentes sociais de competênciasno sentido de acederem, avaliarem e produzirem mensagensmediáticas. A aquisição destas competências visa tambémtransformar os receptores passivos de mensagens mediáticas

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em conhecedores habilitados das tecnologias relacionadascom os media, designadamente verificando a sua capacidadepara influenciarem as audiências e introduzirem novos temas.Nesse sentido, começa-se a acreditar que “a nossa políticae a nossa democracia não conseguirão alcançar maioresquotas de dignidade até que as instituições de ensinocompreendam, não apenas que terão que explicar diversascoisas sobre os media, mas também que uma parte impor-tante das suas disciplinas terão que versar sobre osmedia”(Morató, 1996, 28) Neste movimento, que se faz sentirum pouco por todo o lado, cada vez se enfatiza mais anecessidade de saber que tipo de conhecimento, atitudes ecompetências se tornaram essenciais para se ser cidadão naidade dos media. Também aqui se exigem reflexões adi-cionais: o processo de aprendizagem dos media se é feitoa pensar na formação de espaços públicos e na descodificaçãoexige uma intervenção pedagógica que não se limite aoconhecimento das técnicas, mas pelo contrário, passa porrelacionar as competências adquiridas com o mundo da vidaem que os media se inserem. Ou seja, qualquer intervençãopedagógica deste género deve ter em conta as conteúdoscognitivos, as crenças, as disposições afectivas e as neces-sidades existenciais que fazem falta a uma comunidade parater uma consciência crítica da sua existência e das suascapacidades (Misgeld, 1987, 107). Todas as transformaçõesque hoje se fazem sentir no seio dos media - ou sejam,a centralidade relativa que têm vindo a ganhar nos meca-nismos simbólicos da sociedade civil, a interpelação sobreos mecanismos de regulação que assegurem o pluralismoe a equidade, o desenvolvimento de uma reflexão acercado modo como o próprio jornalismo pode influenciarpositivamente a vida pública, o desenvolvimento de formasde literacia mediática que impliquem a referência constantea una ideia de cidadania activa, a emergência de possibi-lidades tecnológicas que assegurem uma maior interactividade

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entre produtores e receptores - só tem sentido quando sãoencaradas como possibilidades de transformação das con-dições de deliberação colectiva no sentido do aprofunda-mento da cidadania enraizada numa verdadeira vivênciacomunitária.

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FENOMENOLOGIA ETEORIA DOS SISTEMAS:REFLEXÕES SOBRE UM

ENCONTRO IMPROVÁVEL 1

Introdução

Em meados do século anterior, com elevada sofisticaçãointelectual e abundante fundamentação filosófica, Alfred Schutze Talcott Parsons deram origem a duas correntes fundamentaisna abordagem da sociabilidade: a Sociologia Fenomenológicae a Teoria dos Sistemas. Reflectindo as influências de EdmundHusserl, Bergson e Weber, no caso de Schutz, e de Hegel eDurkheim, no caso de Parsons, as divergências entre os doisautores incluíam diferentes concepções no que respeita ao sujeito(ou actor social), à acção social e à fundamentação das normasporque a mesma se orienta.

Depois de alguns equívocos iniciais marcados pelagentileza mútua, o debate entre os dois autores decorreu,de modo mais explícito, através da troca de correspondên-cia, culminando num diálogo de surdos em que ambosreconheciam a existência de divergências dificilmente su-peráveis. Ao longo deste texto, para além da necessáriaapresentação dos pontos considerados fundamentais dosrespectivos empreendimentos teóricos, dá-se conta dasdivergências entre ambos, visíveis nalgumas das suas obrasmais importantes, e também na correspondência que tro-caram. Porém, mais do que a análise da correspondência,onde, por razões evidentes, não se chegou a desenhar umaanálise sistemática das diferenças e semelhanças, interessa-nos sobretudo mostrar como na obra se detectam as marcasde um encontro que, logo à partida, estava marcado pela

_______________________________1 - Texto publicado na revista Filosófica de Coimbra, Vol. 12, nº 23, 2004.

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impossibilidade do seu sucesso, ao menos no que toca emrelação ao consenso ou mesmo à simples complementaridadedos projectos. A correspondência é a fase visível, explícitae notória, das dificuldades que se verificavam nos pontosde vista teóricos dos próprios autores. Detrás das observa-ções de Schutz e das recusas de Parsons em tomar notadas mesmas, há motivos teóricos profundos: diferentesconcepções sobre a ordem social, sobre a formação dosconsensos e sobre as relações entre os indivíduos e as normas.Assim, defende-se a existência de uma problemática rela-cionada com a integração social (menos explícita no casode Alfred Schutz) que pode originar um campo de inves-tigação no âmbito da Teoria Social e da Teoria Política.

1. Parsons e Schutz: um esboço de caracterização

1.1. A urgência de um reconhecimentoAlfred Schutz e Talcott Parsons podem apresentar-se, em

meados do século passado, como o verso e o reverso dodevir da Teoria Social, prosseguindo modos de teorizar queviriam a repercutir-se em diversos seguidores (Kassab, 1991;1976: 13-19). A história do encontro e do debate que ocorreuentre ambos, no início da década de 40, está marcada pormal entendidos. Equivocados pelos elogios mútuos iniciais,a apreciação global das principais obras, lidas agora à luzde um contexto em que se conhecem as consequênciasteóricas dos pressupostos que defenderam, tornam clara aimpossibilidade do entendimento que ainda buscaram.Necessariamente, é desejável validar de um outro modo maisatento a controversa presença destes autores no panoramaintelectual do século que findou:

a) Desde logo, Schutz sofre de um esquecimento, a nossover, enigmático. Em Portugal, além de escassos ensaios,de referências em Teses de Doutoramento, ou dealgumas teses elaboradas em Faculdades de Filosofia,

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ainda são poucos os que efectuaram estudos sistemá-ticos sobre este autor. Apesar de se tratar de alguémque levou por diante um interessante projecto defundamentação fenomenológica da sociologia compre-ensiva, tentando desenvolver uma teoria da acçãosocial, investigar a natureza da intersubjectividade eda construção social do conhecimento e tendo per-mitido a fundamentação teórica de correntes tãoinfluentes como a Etnometodologia de Garfinkel(1984); o pensamento de Goffman e de Giddens(Giddens, 1960; Goffman, 1975), ou a obra de PeterBerger e de Thomas Luckmann (1973), a verdade éque ainda não vieram a luz do dia investigaçõesaprofundadas nem sequer traduções portuguesas. Seráque o percurso intelectual heterodoxo daquele queHusserl convidou para seu assistente, o coloca numapátria de ecletismo pouco frequentada pelos inves-tigadores das disciplinas que cultivou (Filosofia eCiências Sociais)? Será que o carácter fragmentadoda sua obra marcada pela impossibilidade de umpercurso académico a tempo inteiro ainda condicionaa recepção da sua obra?

b) Parsons, por seu turno, parece ser vítima de umexorcismo intelectual. Não apenas pôde exercer umdistinto e influente lugar académico como quasecontrolou a sociologia anglo-saxónica, conquistandoa hegemonia na comunidade científica. O resultadoé que os exageros levados a efeito no sentido depromover a emancipação dos tiques do funcionalismoparecem ter conduzido ao esquecimento do pesointelectual que Parsons detém nas obras de influentescontemporâneos como Alexander, Luhmann eHabermas. Mais ainda: parece ter-se caído num relativodesdém por um trabalho que evidencia uma patentesofisticação e refinamento intelectual. De certa forma,

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os vícios do funcionalismo tornaram polémica areferência a esta corrente. Muitos esquecem queParsons construiu uma Teoria Social elaborada e queo estrutural-funcionalismo é apenas uma das facetasdo seu percurso.

c) Se os autores parecem conhecer um momento derelativo confinamento à periferia dos centrosacadémicos e de reflexão, mais ainda tal acontecerácom o debate entre eles. Trata-se, a nosso ver, de umerro. O carácter visivelmente oponível dos seuspressupostos e das consequências teóricas e práticasque estes encerravam constitui uma forma de umiluminar o pensamento de outro. À luz de um e deoutro, percebemos o que distingue as TeoriasInterpretativas das Ciências Sociais das perspectivasmais acentuadamente marcadas pela herança deDurkheim e pela tradição filosófica em que este sefunda, desde Hobbes e Hegel até Comte. Compre-endemos as diferentes concepções de Ciência Socialque motivam cada um destes trabalhos onde aindaressoam as grandes polémicas sobre o métodoverificadas no século XIX alemão, de tal modo queo debate “Parsons – Schutz “é um dos importantesmomentos de controvérsia sobre a Epistemologia dasCiências Sociais. Compreendemos o papel que aFenomenologia de Husserl desempenha na descriçãodo mundo da vida e como a percepção das múltiplasrealidades sociais é algo que se torna dificilmenteconciliável com o estrutural – funcionalismo e a suaenfatização, por vezes excessiva, da ordem e daintegração. Compreendemos que em Schutz ainda ecoaa forte dívida para com Husserl e consequentementecom uma fenomenologia que ainda acredita numhomem capaz de coincidir absolutamente consigomesmo (Lévinas, 1997:61). Compreendemos que a

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atenção às estruturas subjectivas da consciência comomodo de explicação do encontro entre a consciênciae o mundo social articulada com a ideia weberianade acção subjectivamente significativa exige ainda umaatenção especial ao sujeito individual e uma concep-ção de intersubjectividade que implica a participaçãoactiva dos sujeitos na construção e actualização dadimensão normativa da sociabilidade. Compreende-mos que a mesma atenção conferida por Parsonsatravés da teoria voluntarista da acção e da referênciaa Weber conheceu, de forma lenta mas que já sevislumbrava nos seus trabalhos iniciais, um percursode enfatização da componente normativa. Finalmente,compreendemos que há uma leitura que remete paraa Política e para a Ética que nunca foi desenvolvidapor Schutz e que está muito mais explicitada emParsons. Esta leitura pode, no caso de Schutz, serencontrada nos interstícios da sua análise da fragmen-tação do mundo da vida social em múltiplas reali-dades e, inclusivamente, permite uma compreensãointeressante de fenómenos como os das identidadese de conceitos como o de reificação (Thomason, 1982).Tal leitura é evidentemente pouco compatível com apreocupação normativista, integradora e consensualistaque marca, apesar do seu refinamento, o trabalho deTalcott Parsons.

Do lado de Alfred Schutz, encontra-se a abertura aosestudos microssociológicos, a enfatização do mundo da vidaquotidiano, as interacções face-a-face, a valorização dessasinteracções na negociação e actualização das normas soci-ais, o desenvolvimento da herança de Husserl e de Weberde um modo que definiria o estilo e a metodologia dasprincipais correntes da sociologia compreensiva.

Do lado de Parsons, contabiliza-se a «grande teoria», aatenção às macroestruturas, a insistência na interiorização

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das normas como um factor de escolha dos fins e dos meiosque caracterizam a acção racional, a preocupação com aharmonia e a integração societárias, o lento afastamento emrelação à assumida herança weberiana para, em seu lugar,colocar um esquema teórico de muito mais forte carizdurkheimiano em resposta ao problema hobbesiano.

1.2. Alguns elementos sobre a obra de Alfred SchutzEntre os contributos fundamentais de Schutz, conta-se

a incorporação dos conceitos de «mundo da vida» e de«atitude natural» na Teoria Social com a qual se abre aporta à introdução das interacções face-a-face como objectoprivilegiado de estudo. Graças aos desenvolvimentos intro-duzidos pela Sociologia de inspiração fenomenológica, asociabilidade ganha uma nova configuração, passando a serentendida como um conjunto de relações interpessoais e deatitudes pessoais que, ainda que dependendo de padrõesaprendidos, são pragmaticamente reproduzidas na vidaquotidiana.

Os conceitos de «mundo da vida» e da «atitude natural»,nucleares na sociologia de inspiração fenomenológica, têma sua origem em Husserl e serão objectos de uma exposiçãosistemática de Alfred Schutz, que pretende aplicá-los comoum contributo para uma fundamentação rigorosa de umaCiência Social compreensiva.

Na análise fenomenológica do papel activo da consci-ência na constituição de objectos da experiência, Husserlinsistiu na existência de estruturas subjectivas que não erampassivamente postas em jogo pela experiência sensorial mas,antes, intervinham, decisivamente, nos actos de percepçãoe na elaboração do conhecimento. O real só tem sentidona consciência (Lévinas, 1997: 63).

No decurso desta aproximação ao domínio da consti-tuição subjectiva, Husserl procedeu a uma distinção fun-damental entre a atitude natural e a redução fenomenológica.

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A expressão «atitude natural» foi usada para designar ostermos e o modo pelo qual percebemos, interpretamos eagimos no mundo em que nos encontramos. Orientada porconsiderações de natureza pragmática, a atitude naturalenvolve a suspensão da dúvida acerca de saber se as coisassão como parecem ou se a experiência passada será ou nãoum guia válido para o futuro. Na atitude natural, quempercepciona acredita que as coisas são como lhe aparecemou, pelo menos, procede a uma suspensão de qualquer dúvidaque possa ter acerca disso. O sujeito assume, até umaevidência em contrário que não terá de ser de naturezacientífica, que o seu entendimento das circunstâncias éadequado. O actor, consequentemente, pressupõe que asacções, que foram bem sucedidas em condições similaresprecedentes, continuarão a ser bem sucedidas na situaçãopresente.

O reverso da atitude natural é a «dúvida cartesiana», que,cepticamente, nega a objectividade da percepção, a adequa-ção do conhecimento ou a utilidade da experiência passada.Porém, não é este o tipo de dúvida que tem lugar na reduçãofenomenológica. A redução transcendental – epoché – consistena suspensão do juízo sobre o mundo, não no sentidocartesiano, mas no sentido da tentativa de regressar aocarácter prioritário da consciência, aquém do momento emque o mundo se oferece como um pré-dado existente nasua evidência. Na redução fenomenológica, o investigadorlimita-se a suspender a sua crença, por exemplo, na exis-tência objectiva dos objectos da percepção com vista aexaminar como é que eles são experimentados como ob-jectivamente existentes. A tarefa a que Husserl se propõeé a suspensão da crença no mundo exterior, quer como elaé ingenuamente vista por qualquer um na vida quotidiana,quer como ela é interpretada por filósofos e cientistas. Graçasà epoché, o sujeito encontra-se livre do seu entrave maisíntimo e secreto: a consideração do mundo como um pré-

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dado, alcançando a absoluta autonomia em relação ao mundoe à consciência que dele possui. Através desta operação,em lugar de se regressar às coisas, retorna-se à consciênciaque se tem do mundo, ou seja, a uma correlação essencialentre a consciência e as coisas (Husserl, 1967: 172). Deum certo modo, há uma reflexão sobre o próprio acto dapercepção. Os objectos percebidos são assim encarados comoum produto de uma complexa série operações pré-predicativas, inconscientes e automáticas, em que cadapercepção de um objecto determinado é referida a umavariedade de experiências prévias de outros objectos seme-lhantes e dos objectos em geral.

A partir daqui adivinha-se um conjunto de direcçõespossíveis que a pesquisa fenomenológica podia tomar. Umadas direcções era o empreendimento husserliano de esta-belecer uma fundação indubitável para todo o conhecimentohumano através da análise da sua constituição pelos actossubjectivos da consciência. Outra via procurava estabeleceras relações entre conhecimento científico e o conhecimentovulgar. Esta via, desenvolvida pelo próprio Husserl nas suasúltimas obras, reforçava o ponto de vista segundo o qualtoda a reflexão humana se baseia no Lebenswelt, o mundoda experiência vivida e teve alguns dos seus protagonistasmais interessantes nalguns trabalhos de Merleau-Ponty (s/d: 105-121) e em Aron Gurvisch e Alfred Schutz.

Desenvolvendo as intuições de Husserl, Schutz consi-derou a atitude natural como uma suspensão da dúvida emrelação à objectividade do mundo (Schutz, 1975 a: 5-6),aplicando de modo minucioso, este tipo de atitude e o modode conhecer que lhe é próprio em relação à sociabilidade.A epoché fenomenológica convida a pôr entre parênteseso mundo objectivo para atender ao âmbito da consciênciaem que aquele se oferece como vivência da subjectividade_ ignorando todos os juízos acerca da existência do mundoexterior com o fim de alcançar a esfera da evidência absoluta.

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A atitude natural, ao contrário, contém uma tese implícitana qual se aceita o mundo como existente, tal como elese dá, na sua evidência (Morujão, 1961: 43). Schutz apro-pria-se da conceptualização de Husserl para caracterizarespécie de naivité constitutiva da possibilidade de percepçãodo mundo e, em especial, do mundo social. “Na atitudenatural eu sempre me encontro a mim próprio num mundoque tenho por garantido e evidentemente «real» em si mesmo”(Schutz e Luckmann, 1995:4). Ela é “uma postura quereconhece os factos objectivos, as condições para as acçõesde acordo com os objectos à volta, a vontade e as intençõesdos outros com quem tem de se cooperar e lidar, asimposições dos costumes e as proibições da lei, e assimpor diante.” Assim, “a atitude natural é caracterizada menospelo realismo do que pela ingenuidade do realismo, ou seja,pelo facto que o indivíduo se encontra diante do objectosem se interrogar sobre o sentido da sua objectividade”(Lévinas, 1997: 36).

A atitude natural desenvolve-se por parte da generalidadedos actores sociais que actuam no mundo da vida(Lebenswelt). Este é outro dos conceitos que constituírama pedra de toque do impulso fenomenológico detectado nocampo da sociologia. O conceito surge inicialmente na obrade Husserl, referindo-se ao mundo da evidência e daexperiência quotidianas por oposição ao mundo quantificadoda ciência moderna. Husserl refere-se-lhe como “aquele quenos é verdadeiramente dado como perceptível, o mundo daexperiência real ou possível”. (Husserl, 1967: 57) Constitui-se como integrando um tipo de verdades situadas, “prático-quotidianas.” (Husserl, 1967: 150). Nesse mundo, os actoressão “considerados na certeza da experiência, anteriormentea qualquer constatação científica, seja ela psicológica,sociológica ou outra” (Husserl, 1967: 119). ´É apresentadocomo o “mundo das evidências originais”, entendidasenquanto diversas da evidência objectiva e lógica, relaci-

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onada ao ponto de vista teórico da ciência da naturezacientífico-positiva (Husserl, 1967: 145-146).

Alfred Schutz compreendeu bem o alcance da caracte-rização husserliana, e o interesse da mesma para a suaformulação da Teoria Social. “O mundo da vida é simples-mente toda a esfera das experiências quotidianas, direcçõese acções através das quais os indivíduos lidam com seusinteresses e negócios, manipulando objectos, tratando compessoas, concebendo e realizando planos” (Wagner, 1979:16).Trata-se de “um mundo intersubjectivo comum a todos nós,no qual não temos um interesse teórico mas um interesseeminentemente prático” (Schutz, 1979 a : 73). Este é o mundo“em que nos encontramos em cada momento da nossa vida,tomado exactamente como se apresenta a nós na nossaexperiência quotidiana”(Gurwitsch, 1975: xi).

A atitude natural que os actores sociais empreendem nomundo da vida tem um estilo cognitivo próprio. Desde logo,caracteriza-se pela máxima atenção à vida no sentido emque o Sujeito evita mergulhar no fluir interior da consci-ência. Ao invés de um tempo interior, próprio da consci-ência, a temporalização no mundo da vida quotidiana implicaque o fluxo das experiências vividas se organize a partirde um “aqui e agora”, perfeitamente delimitado, em direc-ção ao passado e ao futuro, como uma corrente de unidadesintencionais. Nesse sentido, Schutz foi um estudioso daexperiência do tempo: a durée, ou tempo interior da ex-periência subjectiva, um conceito analisado por Bergson eque William James também desenvolveu através de uma ideiade corrente de consciência em oposição ao tempo exteriorou “tempo cósmico” medido pelos relógios (Wagner, 1979:16; Schutz, 1975 a). No mundo quotidiano, na atitude natural,à medida que vamos vivendo nas nossas experiências, vamo-nos esquecendo da própria subjectividade, avançando cadavez para mais longe da possível reflexão. Ou seja, “a atençãoà vida (attention à la vie) impede-o de mergulhar na intuição

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da duração pura” (Schutz, 1979 b : 61). Schutz recuperaa distinção que Bergson faz “entre viver dentro da correntede consciência e viver dentro do mundo do espaço e dotempo (…) Na vida quotidiana, enquanto age e pensa, oEgo vive ao nível da consciência do mundo do tempo edo espaço” (Schutz, 1979 b: 61). Podem-se, assim, imaginardiversos graus de tensão da consciência em função dosinteresses da nossa vida, representando a acção o nossointeresse maior, o grau máximo de atenção , e o sono anossa total falta de interesse.

Neste mundo de evidências a atitude natural evoca umaforma de espontaneidade que se traduz na acção em e sobreo mundo exterior e num interesse por este de naturezaeminentemente prática. Com efeito, “o actor no mundo socialexperimenta-o primeiro como um campo de actuais epossíveis e só secundariamente como objecto de pensamen-to” (Schutz, 1976 a : 72).

Finalmente, a intersubjectividade oferece-se como um pré-requisito para toda a experiência humana imediata no mundoda vida (Schutz, 1975 b: 82). Para Schutz, aintersubjectividade significa que estamos envolvidos uns paraoutros não como objectos mas como sujeitos. Encontramo-nos a agir e a falar uns com os outros num contexto similarde comunicação. A sociologia não pode separar os factosda sua natureza intersubjectiva. “Eu tomo simplesmente poradquirido que outros homens além de mim, existem no meumundo (…) o meu mundo da vida não é privado masintersubjectivo; a principal estrutura da sua realidade é serpartilhado (…) Da mesma forma que é evidente para mim,dentro da atitude natural, que eu posso até certo ponto obterconhecimento acerca das experiências vividas pelos meussemelhantes – por exemplo os motivos dos seus actos –também eu assumo que o mesmo se passa reciprocamentecom eles em relação a mim” (Schutz e Luckmann, 1973:4). Nesta perspectiva, a realidade só se pode entender

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estabilizada na sua identidade graças à “reciprocidade deexpectativas”, de acordo com a qual os actores chegam aum entendimento intersubjectivo em que colocam entreparênteses as suas diferenças de experiências para as con-siderarem como idênticas. Cada uma das pessoas envolvidaslida com a característica de uma dada situação raciocinandocomo se, no caso de estar no lugar de outrem, vivesse asituação comum a partir da sua perspectiva . De modo maisou menos ingénuo, acredita-se que aquilo que faz sentidopara cada um de nós faz sentido para todos os outros. Demodo idêntico, parte-se do princípio que os meus actosdirigidos aos restantes serão entendidos do mesmo modoque os actos dos restantes dirigidos a mim (Schutz, 1976:15).

O esforço de Schutz no sentido da obtenção de um impulsofenomenológico para as Ciências Sociais só pode finalmenteser entendido no âmbito de um frutífero diálogo com MaxWeber. Schutz forma grande parte dos seus pressupostosteóricos que manterá com admirável coerência numa EuropaCentral onde ecoam de forma vincada as disputasepistemológicas sobre as Ciências Sociais. Dilthey, Rickertou Max Weber confrontavam-se com o aparecimento de novasciências – as Ciências do Espírito (Geisteswisenchaften) –nas quais se tornava cada vez mais difícil defender a purae simples aplicação dos métodos das Ciências Naturais. Osmétodos de estudo empregues começavam a deixar de seros de tipo empíricos ou causais porque se percebia que eranecessário compreender as totalidades espirituais em quedeterminados eventos se verificavam. O ponto de vistaassumido por Schutz torna-se claro quando nos confron-tamos com os grandes dilemas fundadores da sociologia.De um lado, tem-se uma posição subscrita por Durkheim,numa linha que remonta a Comte , a qual pretende explicare descrever como é que os indivíduos estão associadosindependentemente das suas concepções e necessidades, e,

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do outro, encontramos uma outra posição assumida por Webere Simmel segundo a qual é preciso perceber aintersubjectividade, os significados mutuamente atribuídosàs diferentes acções dos indivíduos para que possamoscompreender as dinâmicas sociais. Este último caminhoenfatiza a noção de verstehen, graças à qual procuramoscompreender o sentido atribuído pelo outro às suas acções,em detrimento do ercklären que procura estabelecer leisregulares que, à semelhança das ciências exactas, expliquemos fenómenos humanos. Em Weber, não basta que uma acçãopossa ser interpretada por um agente em termos de motivocujo sentido possa ser comunicado a outrem. É ainda precisoque a noção de cada agente tenha em consideração a dooutro quer para se opor a ela, quer para entrar em com-posição com ela: “A acção social (…) é uma acção em queo sentido visado pelo sujeito ou sujeitos está referida àconduta de outros, orientando-se por ela no seu desenvol-vimento” (Weber, 1964: 5). Ao invés de Durkheim, queexplicitamente defende a coercibilidade e exterioridade dosfactos sociais – os quais devem ser tratados como coisas– Weber enfatiza a ideia de acção subjectivamente signi-ficativas. Schutz abraçará esta concepção de Sociologiacompreensiva, procurando aprofundá-la através da investi-gação de Husserl relativa as estruturas significativas daconsciência. Nesse sentido, o seu esforço é a conciliaçãoda objectividade da ciência social com a subjectividade daexperiência humana.

Pode-se adequadamente conceber a sociologia de Webercomo individualista e subjectivista. O seu individualismopode afirmar-se não porque negue o carácter colectivo deconceitos como o de “Estado” mas porque entendia queeste tipo de conceitos era susceptível de ser reduzido àsacções compreensivas dos indivíduos. Nos seus trabalhossempre enfatizará o significado subjectivo das acções so-ciais. Isto não invalida a possibilidade de uma ciência da

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sociedade, para o qual contribui com o conceito de “tiposideais” entendidos como constructos delineados para aten-der a propósitos investigativos levados a efeito à luz deproblemas específicos e bem delimitados. Estes elementosindividualistas e subjectivistas interessaram principalmentea Alfred Schutz, o qual pretendia definir o mundo socialcomo uma realidade construída pelos homens no decursoda sua actividade prática.

1.3. Breve presentação da obra de Talcott ParsonsTalcott Parsons introduziu, de modo muito consistente

e conceptualmente fundamentado, um conjunto de novosproblemas sociais com o seu livro The Structure of SocialAction. A obra era, preponderantemente, uma apresentaçãodas teorias de quatro grandes referências das Ciências Sociais(Weber, Durkheim, Pareto e o economista Marshall) comas quais o público americano estava escassamente famili-arizado (Parsons, 1968: viii). Da leitura destes autores,empreendida com grande sofisticação intelectual, resultavamduas ideias fundamentais que coincidem também com asáreas de reflexão em que será mais visível a sua incom-patibilidade com a obra de Schutz. Por um lado, entendia-se que nenhuma ciência pode ser construída com base empuros dados empíricos, postulando, deste modo, um novoênfase na reflexão teórica (Parsons, 1968: ix). Assim,afirmava-se contra um empirismo ingénuo, solidamenteenraizado, que considerava o progresso científico como umasimples acumulação de descobertas de factos, afirmando queuma teoria científica era uma variável independente nodesenvolvimento da ciência (Parsons, 1968: vii). Por outrolado, considerava-se que, ao longo da obra dos autoresestudados, se encontrava um leque de problemas queconfluíam naquilo que ele considerava ser a teoria voluntaristada acção. Assim, a conclusão central para que convergiaa obra destes cientistas sociais consistia no estabelecimento

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da orientação normativa como uma estrutura indispensávele constitutiva da acção social.

Ao longo do seu livro, Parsons considerou que as unidadesbásicas do sistema de acção social eram os actos, tal comoas partículas eram as unidades do sistema mecânico clássico(Parsons, 1968: 43). Um acto era logicamente composto porum actor, o seu agente; um fim, ou seja, um futuro estadode coisas que se pretendia atingir com esse mesmo acto;a situação em que o actor age, e que difere nalguns traçosbásicos do estado de coisas para o qual a acção é orientada,o fim. Procurava-se, deste modo, construir um quadro dereferência que remetia, de forma analógica, para as cate-gorias do espaço e do tempo, com base nas quais Kantformulava a fundamentação básica da possibilidade damecânica newtoniana.

Duas consequências provinham desta forma de pensa-mento: em primeiro lugar, resultava daqui que a acçãoimplicava um determinado esforço, uma vez que um fimé sempre um estado de coisas futuro relativo à situação actualo qual só pode ser realizado graças à ultrapassagem dedeterminados obstáculos supervenientes. Por outro lado, umaacção assim considerada parecia só poder resultar, primor-dialmente, do ponto de vista subjectivo do autor. Trata-sede uma particularíssima análise do ponto de vista subjectivoque jaz no próprio coração da teoria voluntarista parsoniana.A verdade, porém, é que. conforme se viria a verificar, aimportância conferida à norma matizava a importância dadaao actor.

Com efeito, para Parsons, entre os elementos constitu-intes dos actos estabelecia-se um certo modo de relação,segundo a qual, na escolha de meios alternativos para umfim, desde que a situação permita alternativas, há umaorientação normativa da acção(Parsons, 1968: 44).

Insurgindo-se contra a concepção positivista-utilitarista,em que a acção é vista como uma adaptação ao meio

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ambiente, Parsons defende a acção como um esforço queimplica uma tensão entre os planos normativo e condicional,isto é, uma certa avaliação normativa que não esquece anecessidade de adequação dos meios com vista a fins, àscondições em que o actor se encontra. Enfatizando-se umponto de vista puramente positivista, a acção seria com-pletamente determinada pelas condições inerentes à situa-ção, pelo que a distinção entre meios, dependentes do actor,e condições, independentes do autor e intrínsecas à situaçãoem que este se encontra, fica, de certo modo, sem sentido,já que a acção acaba por se reduzir à adaptação racionalàs condições. O papel activo do actor é restringido àcompreensão da situação e à previsão do curso do seu devir.Para Parsons, torna-se, mesmo do ponto de vista estrita-mente positivista, imaginar como é possível ao actor errarse não existe outra determinante além das condições.Qualquer falha na aplicação da norma racional só pode, assim,ser explicada através de duas possíveis palavras: «ignorân-cia» ou «erro. Quanto ao ponto de vista idealista, traduzir-se-ia no esquecimento das condições e na enfatização doque se considera ser a norma correcta. No idealismo, nãohá nada nas condições da acção que seja considerado emtermos de prevenir o cientista ou o teórico contra o co-metimento de um erro. Na medida em que as relações causaissubsistissem entre elementos da situação, o actor estácondicionado já que a realização do fim depende do tomarem conta estas relações. Porém, no idealismo há lugar apenaspara relações com o ideal para o qual a acção é orientada(Parsons, 1968: 64-68; 483). “Enquanto o tipo de teoriavoluntarista envolve um processo de interacção entre ele-mentos normativos e condicionais, no pólo idealista o papeldos elementos condicionais desaparece, da mesma forma que,em correspondência, no pólo positivista desaparece o ele-mento normativo” (Parsons, 1968: 82). Neste sentido, Parsons(1968: 486) entende que a sua teoria voluntarista da acção

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permite uma tensão entre a dimensão normativa e a dimen-são condicional oferecendo uma ponte entre estas duastradições irreconciliáveis.

Assim, nesta linha, a normatividade ganha uma certapreponderância mitigada pelo reconhecimento das condiçõesde acção. Ao nível da escolha dos fins, a teoria voluntaristaconsidera que o fim da acção é produto de um sistema devalores. Ao nível da escolha dos meios, considera que ospadrões normativos, mais do que outros expressos naaplicação racional do conhecimento cientificamente válido,podem constituir a base em que o curso da acção é es-colhido.

Resulta daqui uma ideia que conduziria Parsons no sentidoda atenção particular que conferiria, ao longo da sua obra,à integração normativa. De Durkheim, Parsons extrai a ideiade que a integração social resulta da subscrição de normase de valores comuns, os quais podem ser interiorizados demodo a tornarem-se constitutivos na formação dos objectosdesejados. É, de certa forma, por aqui, que entra a impor-tantíssima referência a Hobbes, ao nível da descrição dascondições últimas da vida social. Em Hobbes, como oHomem é guiado acima de tudo pela pluralidade das suaspaixões, o bem identifica-se com aquilo que ele deseja. Osdesejos humanos são aleatórios, pelo que na ausência dequalquer controlo restritivo o Homem adoptará ao seu fimmais imediato os meios que considerar mais eficazes. Comefeito, a escassez de determinados bens conduz a que doisou mais homens possam desejar aquilo que não podem amboster. Em face da pluralidade de desejos humanos e de uma«igualdade de esperança» – ou seja em face do facto deque todos podem sentir iguais expectativas na obtenção dosmesmos fins, emerge um problema: trata-se daquilo a queParsons chama de “problema da ordem” ou seja, da ne-cessidade de uma orientação normativa relativa ao grau deatendibilidade dos vários fins desejados (Parsons, 1968: 89;

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93). Como para levar por diante os fins desejados, o Homemcarece do reconhecimento e do serviço de outros homens,terá de recorrer à força e à fraude, não se vislumbrandona concepção estritamente utilitarista o que quer que sejaque possa obstar à utilização destes meios (Parsons, 1968:2). A conclusão de Parsons, em face da perspicaz descriçãode Hobbes, passa pela entendimento de que uma soluçãopara o problema da ordem jamais será encontrada num planoestritamente utilitário: uma sociedade puramente utilitáriaé caótica e instável, porque na ausência de limitações nouso dos meios, particularmente a força e a fraude, tenderápara uma luta ilimitada pelo poder. Na verdade, Hobbeslimita-se a ser, na perspectiva de Parsons, um bom exemplopara a caracterização das consequências da visão utilitaristado mundo.

O olhar de Parsons pela obra de Marshall, Durkheim,Weber e Pareto tende para uma mesma ideia fundamental:trata-se de formular uma concepção que passa pela intro-dução de atitudes valorativas e por um sistema de valorescomuns. Implica, por isso, através de percursos intelectuaisvários, uma ultrapassagem de uma enfatização pura eexclusiva da norma de racionalidade. Em Pareto, valoriza-se a fixação de um fim último que não é logicamentededutível através de uma norma de racionalidade intrínseca;em Durkheim detecta-se um passo importante para umaposição conforme à teoria voluntarista da acção e que implicaa constituição de um sentido de obrigação moral que passapela interiorização de valores; em Weber, saúda-se a exis-tência de uma tipologia dupla da racionalidade, que abreas portas à consideração da eficiência mas também dalegitimidade (Parsons, 1968: 93).

A enfatização do problema da ordem normativa, queemerge de The structure of social action e nas obras seguintes,conduz a um certo afastamento de Weber Aceitando a asinfluências provenientes da Biologia e da Antropologia

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(nomeadamente da leitura que Radcliff-Brown faz deDurkheim), o conceito de acção tornar-se-á, segundo opróprio Parsons, cada vez mais durkheimiano e menosweberiano. No fundo, para Parsons, o que permite a re-solução do problema hobbesiano passa pela interiorizaçãodas normas – um processo em que intervém, claramente,as influências tutelares de Durkheim e Freud. A ideiahobbesiana, segundo a qual as paixões humanas resultariamclaramente num conflito social endémico, leva Parsons aentender que a resposta a este problema não é solucionávelno quadro da mera coordenação dos interesses dos indi-víduos. A solução implica a interiorização das normas.Através deste processo, é possível aos actores sociais adoptarvalores padrão que limitariam o domínio dos fins a quepoderiam aspirar e dos meios que poderiam empregar paraatingir esses fins. Para definir os padrões de valor Parsonscomeça com uma situação idealizada:

a) os actores partilham expectativas comuns quanto aodesempenho de papéis;

b) estas expectativas estão integradas num sistema devalores mais vasto que também é partilhado;

c) quer as expectativas quer os valores são interiorizados.Neste contexto, os agentes cooperarão entre si num padrão

coordenado de actividade por três razões básicas: a) encon-tram-se comprometidos com o curso de acção esperado ouprescrito, porque cada um de per si o interiorizou comomais adequado ou apropriado; b) interiorizaram outros valoresrelacionados, que podem ser ameaçados se existir uma falhaem levar por diante as exigências que a situação apresentae c), têm receio que outros os punam por não agiremadequadamente, frustrando expectativas ou perdendo esti-ma, amor e aprovação. Nesse sentido, postula-se um teoremada acção institucionalizada, graças ao qual qualquer padrãode actividade tenderá a cristalizar ao longo do tempo, atéporque qualquer tentativa de desvio em relação às expec-

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tativas padronizadas originará consequências desvantajosas.Este teorema providenciará no sentido de o actor ficarpositivamente motivado para cooperar com outros, agindode acordo com as necessidades institucionais. É, pois, atravésda interiorização de valores comuns que um sistema deinteracções sociais pode ser estabilizado.

2. As divergências Parsons – Schutz

Desde 1937 até 1940, Alfred Schutz, que elaborara umtexto de recensão crítica do trabalho de Parsons, dirigiu-se-lhe várias vezes no sentido de se encontrarem. O en-contro realizou-se, mas correu da pior forma, pois Parsonsvia no texto de Schutz uma crítica ao seu trabalho. Schutz,por seu turno, dizia que apenas pretendia clarificar algumasdas suas dificuldades no entendimento do trabalho de Parsons(Grathoff, 1978: 98).

Os desencontros entre Parsons e Schutz são muito fru-tíferos no que respeita aos desenvolvimentos posteriores dostrabalhos dos dois autores e dos seus seguidores. Schutzinsistirá várias vezes em que jamais, como suspeitou Parsons,pretendia proceder a uma revisão do seu trabalho chegandomesmo a dizer que estava de acordo com grande parte daobra e lamentava se, por alguma vez, ou por alguma razãoou outra, o seu interlocutor se sentiu induzido a modificaros alicerces básicos do seu sistema (Grathoff, 1978: 97-98).Apesar desta gentileza, na mesma correspondência encon-tram-se interpelações directas sobre pontos de discordânciaevidentes.

Podem-se aduzir algumas hipóteses para explicar adiferença de percepção entre Schutz, os seus seguidores eo próprio Parsons sobre a magnitude das divergências.

Uma explicação geralmente aceite diria respeito à von-tade de Schutz de encontrar um interlocutor intelectual naSociologia americana. Parsons seria relativamente óbvio pela

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sua profunda ligação com a tradição europeia e por ser, decerto modo, o representante mais proeminente de umaorientação investigativa que se reclamava de inspiraçãoweberiana. Com efeito depois do encerramento do diálogocom Parsons, Schutz abordou meios intelectuais americanosatravés, sobretudo, dos círculos fenomenológicos, designa-damente na Revista Philosophy and PhenomenologicalResearch, de Marvin Farber. A maior parte do seu trabalhoganharia uma decisiva inspiração na recepção crítica daFenomenologia e, só passados alguns anos, com o conhe-cimento crescente da sociologia americana, em especial doPragmatismo, começaria a ser conhecido entre as CiênciasSociais.

Uma segunda explicação, aduzida por Thomason, seriao facto de Schutz ocupar um terreno intermédio entre aobjectividade e o rigor lógico dos esquemas e procedimen-tos científicos e o mundo do senso comum em grande partesubjectivamente fundado e apenas intuitivamente apreensível.Parece-nos que esta posição de Burke Thomason não estádevidamente fundada. Para além de nem toda a correspon-dência indicar neste sentido – já que existem interpelaçõesdirectas entre os dois autores em que se revelam divergên-cias claras nesta matéria – ,constata-se, na obra de ambosos autores, substância para uma vastíssima fonte de discre-pâncias. Aliás, se Schutz ocupasse um terreno intermédio– o que é de todo bastante improvável – o mesmo nãose poderia dizer de Parsons. Schutz pretende estabelecer umarelação activa entre a percepção intersubjectiva do mundoquotidiano e as ciências sociais. Isto traduz-se, em relaçãoao seu oponente/interlocutor, em substanciais diferenças demetodologia científica que não são facilmente compatíveiscom ecletismo científico.

Nesse sentido, parece mais legítimo aceitar a explicaçãode Wagner, segundo a qual Schutz terá lido de formaincorrecta as intenções de Parsons, vislumbrando neste uma

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tentativa de correcção de Weber que passava por umaabordagem onde a psicologia social e a fenomenologiadesempenhariam um papel importante.

Na verdade, uma leitura de muitos dos ensaios schutzianose da vasta obra de Parsons evidenciam uma mais do queprovável fricção profunda entre o pensamento da sociologiade inspiração fenomenológica e a teoria parsoniana da acção.Referimo-nos, em primeiro lugar, a orientações metodológicascompletamente divergentes sobre as relações entre a CiênciaSocial e o mundo do conhecimento vulgar e, em segundolugar, às consequências que estas orientações comportampara a concepção de integração social e de relações entreos agentes e as normas. Ora estas duas áreas revelaram-se fundamentais nas discussões que atravessaram o séculopassado entre as duas teorias e os seus seguidores.

2.1. Divergências epistemológicas: abordagem subjectivaParsons nunca estendeu a sua rejeição do positivismo

na análise social aos métodos das ciências positivas,considerando mesmo em The structure of social action, queexiste um núcleo metodológico comum a todas as ciênciasempíricas, qualquer que seja o seu objecto de estudo. Oconhecimento racional é um todo orgânico (Parsons, 1968:21; 28). Nesse sentido, todas as ciências merecedoras dessenome procedem à integração das observações empíricasdiscretas em conceitos teoréticos dotados de abstracção,expressando-se através de leis gerais analíticas. Por exem-plo, a mecânica newtoniana tinha como ponto de partidaa observação de corpos em queda ou de bolas rolando emplanos inclinados. Estas observações jamais poderiam terfornecido as bases para a elaboração das leis sobre agravitação universal, a não ser que se expressassem em termosde conceitos abstractos e analíticos como sejam “massa”,“aceleração”, etc. Ou seja, a abstracção conceptual em relaçãoao concreto é uma condição teorética essencial para a

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formulação de leis científicas. Embora as ciências sociaisanalisem fenómenos subjectivos, não se podem excluir destepadrão geral de desenvolvimento científico. Deste modo,para Parsons não há conhecimento empírico que não sejaconceptualmente formado. Toda a referência a dados purosdos sentidos, experiência pura ou a corrente de consciência,não é apenas descritiva da experiência em si mas uma questãode abstracção metodológica, legítima e importante para certosfins, mas de todos os modos, abstracção (Parsons, 1968:28). Para se expressar como uma ciência, capaz de formularresultados através de leis dotadas de generalidade, a soci-ologia tem de passar pela fase crucial de desenvolvimentoconceptual em que os elementos analíticos sejam desenvol-vidos como os meios de exprimir os resultados da obser-vação sociológica.

Na investigação sociológica, apenas se obterão, emprimeira instância, colecções de observações discretas se-melhantes às experiências isoladas que o físico vai anotandono seu diário. Com o fim de dar origem a leis geraiscientíficas, é preciso decompor essas unidades discretas emcomponentes que as integram ou seja em elementos ana-líticos. Da mesma forma em que um corpo físico é descritocomo tendo uma certa massa, velocidade, etc., um acto deveser descrito como tendo um certo grau de racionalidade,desinteresse, etc. “É a estes atributos gerais de um fenómenoconcreto relevantes dentro do enquadramento de um deter-minado quadro de referência descritivo, e a certas combi-nações deles, que se aplicará o termo elementosanalíticos”(Parsons, 1968:34). Verificar-se-á que cada ob-servação compreenderá uma combinação específica dosvalores de um ou mais elementos analíticos. Estes elementosanalíticos não deixam de ser uma abstracção, uma vez quese referem a uma propriedade geral: a massa de um corpo,tal como a racionalidade de um acto, nunca pode serobservados empiricamente como tais. Por seu lado, é uma

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experiência universal da ciência que estes elementos ana-líticos, uma vez claramente definidos, apresentarão deter-minados modos uniformes de relação, os quais serão cha-mados “leis analíticas” (Parsons, 1968: 36). A observaçãoé fundamental mas a ciência sociológica só emerge quandoas observações consideradas de per si forem decompostasem elementos constitutivos susceptíveis de integrarem leisuniversais. Este predomínio da concepção objectivista daciência social não impedirá Parsons de apresentar uma leiturarelativamente acolhedora do conceito de verstehen (com-preensão) através do qual ele tenta introduzir na teoria daacção um elemento normativo. Porém, a dimensão subjec-tiva fica largamente reduzida à interiorização das normas.

A abordagem à Teoria Social formulada por Schutz, tinhatido lugar na sequência dos grandes debates levados a efeitodurante o Século XIX, na Alemanha, sobre a natureza ea metodologia das Ciências Sociais. O seu primeiro estudo– Der Sinnhafte Aufbau der sozialen Welt, publicado emViena em 1932 – já constituía uma leitura sobre os pres-supostos metodológicos de Weber feita à luz de umaconceptualização fenomenológica. Neste trabalho, como aliásem toda a sua obra, Schutz insistiu em que o mundo socialera susceptível de ser interpretado pelos seus membros comosignificativo e inteligível em termos de categorias sociais,o que abria a porta à possibilidade de uma relação entrea Ciência Social e o conhecimento vulgar dos agentes sociais

Para fundamentar este ponto de vista Schutz, em «Conceptand Theory Formation in the social sciences» insistiu emtrês pontos fundamentais. Em primeiro lugar, defendeu adistinção entre ciências naturais e ciências sociais com baseno facto de que as segundas lidam com acontecimentos erelações pré-interpetadas e, como tal, significativas para osactores evolvidos. Em segundo lugar, argumentou que osprocessos compreensivos são procedimentos centrais paraque os actores sociais possam interpretar significativamente

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o mundo. Finalmente, defendeu o método da compreensãoenquanto abordagem da subjectividade do actor como ummétodo indispensável para as ciências sociais. Com efeito,“o mundo da natureza, tal como é explorado pelos cientistasnaturais não significa nada para as moléculas, átomos eelectrões. Mas o campo de observação do cientista social– a realidade social – tem um significado especial e umaestrutura relevante para os seres vivos, agindo e vivendonele. Através de constructos do senso comum eles pré-seleccionaram e pré-interpretaram este mundo que elesexperimentam como a realidade do seu dia a dia. É istoque determina o seu comportamento motivando-o” (Schutz,1962 a: 59).

Aplicando este raciocínio à observação científica, Schutzconcluía mesmo que esta actividade está permeada porrelações de compreensão entre os agentes, antecipando-seàs conclusões que Karl Otto Apel, 20 anos mais tarde,elaboraria sobre está matéria: “o postulado que explica edescreve o comportamento humano em termos de umaobservação empírica controlável revela-se curto perante adescrição e explanação do processo pelo qual o cientistaB controla e verifica as pesquisas e conclusões do cientistaA. Para fazer isso, B tem que saber o que A observou qualera o objectivo da sua investigação, porque ele pensou ofacto observado como digno de ser observado, isto é re-levante para o problema científico em causa, etc. Esteconhecimento é vulgarmente chamado de compreensão”(Schutz, 1962 a : 53).

Assim, para Schutz a compreensão (verstehen) é fun-damental, seja na vida quotidiana quando interpretamos asacções uns dos outros, seja na ciência social, quando ondeo nosso objectivo é chegar a uma compreensão significativada realidade social que, simultaneamente, tenha algumsignificado aos olhos do conhecimento partilhado no mundoda vida. Se o mundo social surge como uma matriz de

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actividade interpretada pelos participantes com recurso aconstructos intersubjectivamente válidos, Schutz opina quea sua influência na acção social não pode ser ignorada peloscientistas sociais. Estes podem criar constructos de segundaordem, que originam modelos tipificados de estudo da acçãosocial.

Nesse sentido, na sua apreciação da obra de Parsons nodecurso da fracassada correspondência entre ambos, Schutzarguiria que Parsons se esquiva a demonstrar a razão pelaqual a referência ao ponto de vista subjectivo é um pré-requisito para a teoria da acção. Schutz irá mais longe. Diráque Parsons tem uma intuição correcta segundo a qual umateoria da acção ficaria sem significado sem a apreciaçãodo ponto de vista subjectivo. Porém, acusa Parsons de nãoseguir esse ponto de vista até às suas últimas consequências.Nesse sentido, argumenta que Parsons substitui os eventosna mente do actor por uma observação apenas acessível aoobservador, confundindo a observação objectiva dos fenó-menos objectivos com os próprios fenómenos objectivos.Na resposta, Parsons não podia ser mais claro: “os fenó-menos científicos só podem ser descritos quando descritose analisados por um observador” (Parsons, 1968: 88). Nessesentido, o ponto de vista subjectivo ganha, em Parsons, umadimensão puramente lógica.

2.2.Controvérsias sobre a ordem social2.2.1. Parsons: a orientação normativaO uso parsoniano da interiorização social e a sua in-

sistência no papel motivacional das normas e dos valoresconstituía um modo de solução do problema hobbesiano euma tentativa firme de resposta às questões relacionadascom a possibilidade de coordenação social dos projectosindividuais dos agentes. Como viria a ser substancialmenteassinalado, partindo de um enquadramento teórico quecomeçava com uma certa consideração do ponto de vista

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subjectivo do actor, Parsons acabava por chegar a uma análisecompletamente externa das normas e dos valores encaradascomo determinantes da conduta.

Em Parsons, a dimensão subjectiva da acção fica redu-zida à mera interiorização do enquadramento normativo. Aforma como a sua conceptualização evolui, indicia, apesarda referência enfática ao papel de Weber, que a respostada teoria voluntarista da acção e, em especial do estrutural-funcionalismo, ao problema da diversidade, se manifestaatravés da formulação de uma ideia de integração sociale de formação de consenso fundada especialmente nasformulações de Durkheim.

As concepções que apontam para um estado de anarquiae de “guerra de todos contra todos” (que será superado,para em, seu lugar, se instaurarem o equilíbrio e o consensosocial), remontam a Hobbes e à sua asserção segundo aqual “é um preceito ou regra geral de toda a razão queo homem se deve esforçar pela paz”. Detecta-se, ao longoda obra de Hobbes, um rigor lógico que o coloca ao mesmotempo nas correntes contraditórias designadas porjusnaturalismo ou do direito natural, e por positivismojurídico. Preceitua-se que acção justa no estado civil é aquelaconforme a lei que deriva da vontade do soberano, o queremete para uma concepção formal de direito na base daqual a justiça consiste na observância da ordem jurídicapositiva, qualquer que seja o seu conteúdo. Prescreve-se aexistência de um Estado Absoluto assente na monopolizaçãoda produção do Direito pela eliminação de todas as fontesque não sejam a lei. Por outro lado, considera-se a exis-tência de uma lei natural como ditame da razão. Como éque é possível o carácter absoluto do Estado se a vontadedo soberano deve obedecer à lei natural? Na opinião deBobbio, a explicação do paradoxo reside na especificidadedo conceito hobbesiano da razão. A razão, em Hobbes, nãoé a faculdade com a qual aprendemos a verdade evidente

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dos primeiros princípios. Tem um conteúdo utilitário efinalista: serve para distinguir o que é conveniente e in-conveniente para alcançar a paz, concebida como fimsupremo pela lei natural. A lei natural é aquele ditame darazão que sugere ao homem que se quer a paz , deve obedecerem tudo à lei positiva. Ao contrário da maioria dosjusnaturalistas, o fundamento contratualista do Estado, emHobbes, serve para garantir a ausência de limites ao seupoder. Ou seja, enquanto para os outros jusnaturalistas anaturalis ratio ou recta ratio é o bem, para Hobbes a leinatural prescreve a procura da paz. Desta lei fundamental,considerada como primeiro princípio da razão prática,derivam as restantes leis. Fundamenta-se este ponto de vistanuma concepção fortemente pessimista sobre o estado originalque precede o contrato: “os homens não retiram prazer algumda companhia de outros homens (e, sim, pelo contrário, umenorme desprazer) quando não existe um poder capaz deos manter a todos em respeito”(Hobbes, 1995: 111). A justiçasó é passível de ser realizada no Estado Civil, pois “ondenão há poder comum e não há lei, não há injustiça. Naguerra [de todos contra todos que é típica do estado natural],a força e a fraude são as virtudes cardeais. A justiça e ainjustiça não fazem parte das faculdades do corpo ou doespírito” (Hobbes, 1995: 113). Pelo contrário, após a re-alização do pacto intersubjectivo entre os homens, é umpreceito ou regra geral da razão que todo o homem se deveesforçar pela paz. A integração social ganha uma forçacoactiva em que a vontade dos sujeitos se reduz à obtençãoda paz. O homem concorda em desistir da sua liberdadenatural em favor da autoridade soberana que, em troca,garante a sua segurança.

Este percurso é fundamental para uma certa linha dasociologia. Em Durkheim, (uma das principais influênciasque Parsons cita quanto à fase do seu percurso que classificacomo “estrutural-funcionalista”) a possibilidade de realiza-

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ção da felicidade humana é olhada, prioritariamente, sobo ponto de vista da integração social e da formação de umconsenso (Durkheim, 1977: 9-34). Encontra-se em Durkheim,principalmente quando aborda o suicídio e a divisão dotrabalho, uma questão de acentuado recorte hobbesiano: quaisos mecanismos que permitem aos indivíduos integrarem-se na sociedade? Ou seja, como é que sociedades, que prezamtanto o individualismo, se podem proteger contra as pre-tensões egoísticas dos seus membros e alcançar um mínimode consenso? Ou, de outro modo, como é que a autonomiado indivíduo é compatível com a existência social? Paraeste autor, a ausência da acção moderadora da norma conduza um estado de anomia ao qual devem ser atribuídos “(...)os conflitos incessantemente renovados e as desordens detoda a espécie de que o mundo económico nos dá um tristeespectáculo.” (Durkheim, 1977: 9). A intervenção da cons-ciência colectiva, entendida como “conjunto de crenças ede sentimentos comuns à média dos membros de uma mesmasociedade (....) independente das condições particulares emque os indivíduos se encontram” (Durkheim, 1977: 99),entendida como possuindo uma natureza “diferente dosestados de consciência individual” (Durkheim, 1987: 17),constitui um dos contributos fundamentais de uma perspec-tiva que privilegia uma visão pacificante, na qual as partessó têm sentido quando entendidas em simultâneo com otodo orgânico (Durkheim, 1977: 49). A consciência colec-tiva é distinta das consciências individuais. Com efeito, aoagregarem-se, as almas individuais dão origem a umaindividualidade psíquica de novo género. Como observaLuhmann, “em Durkheim, moralidade e solidariedade sãogémeas” (Luhmann, 1982: 7).

Encontramo-nos perante uma visão que concebe a so-ciedade como um todo, mais do que em termos de umapluralidade ou de um conflito entre diferentes grupos e forçassociais. Perspectiva-se a defesa de uma sociedade onde o

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indivíduo participará na energia colectiva pela realização dasua função: “o imperativo categórico da consciência moralestá em vias de tomar a forma seguinte: põe-te em estadode desempenhar utilmente uma função determinada”(Luhmann, 1982: 56). Nessa medida, defende-se uma ar-ticulação entre o todo e as partes, pela qual a liberdadeé, ela própria, produto de uma regulamentação: Coerentecom a tentativa de encontrar uma forma lógica de descrevera interpenetração entre indivíduo e sociedade, o seu modelocompreende uma dinâmica dos factos sociais que enalteceo sujeito apenas como plenamente realizável no todo. Destemodo, o indivíduo só pode conseguir a sua realização,aceitando o seu papel e a sua função no interior do sistemada divisão de trabalho.

O consenso social imaginado por estas reflexões delinhagem hobbesiana privilegia a ordem como um ponto departida, pressentindo no conflito e na dissidência uma fontede desprazer e de sofrimento que ameaçam a própriapossibilidade de relações sociais estáveis. A hiperbolizaçãoda sociedade, como algo que vive em si, dotada de umafacticidade e uma exterioridade incontornáveis, transformama força coactiva do consenso social numa minimização dopapel transformador e activo do agente social.

O pensamento de Parsons, uma das faces mais visíveisdeste ponto de vista que tende a enfatizar o consenso, dedicaa maior parte do seu esforço analítico à exploração das razõesque podem justificar a estabilidade e a durabilidade dasestruturas sociais. Mais uma vez à maneira de Hobbes, oproblema que persegue Parsons é o da forma de coordenara pluralidade de fins perseguidos pelos diversos sujeitos,continuando a manter a ordem social, sem que surja a guerrade todos contra todos. A grande questão, intuída em Thestructure of social action, é, mais uma vez, a de como épossível a ordem quando o homem é basicamente destrutivoe competitivo. Nessa medida, desde The structure of social

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action, só a orientação normativa pode garantir a Parsonso mínimo de ordem e de harmonia requerida para amanutenção da sociedade como uma colectividade e parasustentar a possibilidade de evitar o caos. Assim, ainstitucionalização de normas e de valores comuns e a suainteriorização pelos indivíduos membros de uma dadasociedade é a chave que se tornará determinante ao longodo seu trabalho para a compreensão da ordem social. Oesforço teórico de Parsons traduz-se, em larga medida, naredução da acção social a um processo no interior do qualé garantido que as interacções tendem a restabelecer aharmonia e o consenso, proporcionando a integração nosistema. O problema da legitimidade é especialmente re-duzido à transformação das expectativas sociais em exigên-cias legítimas à luz dos padrões normativos vigentes. Umsistema “tem de ter uma aprovação suficiente dos seus actoresadequadamente motivados para agir de acordo com asexigências dos seus papéis, positivamente na realização dassuas expectativas e, negativamente, quanto à abstenção decomportamentos demasiado disruptivos, isto é, desviantes”(Parsons, 1964: 27). Devem-se evitar os compromissos compadrões culturais normativos que “não assegurem um mínimode ordem” ou que dêem origem “a exigências impossíveispor parte das pessoas, que gerem desvio e conflito a umnível incompatível com um mínimo de condições de es-tabilidade e de desenvolvimento ordenado.” (Parsons, 1964:26-27). Toda a mudança, nesse sentido, é rapidamentecatalogada como desvio. Todas as reclamações particularessão olhadas como uma ameaça clara à capacidade integradorado sistema. Talcott Parsons não hesita em classificar defundamentalistas as posições teóricas que expressam uma“resistência à generalização de valores” (Parsons, 1974: 122).A falta de adequação dos indivíduos às normas moraisintegradoras, designada por anomia, é classificada como aantítese polar da institucionalização plena ou mesmo como

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“o colapso da ordem normativa” (Parsons, 1974: 81). Combase numa desconfiança em relação aos movimentos soci-ais, qualquer criticismo imanente surge, na verdade, comoreprovável. A comunidade societária é considerada como umcorpo corporativo de cidadãos que empreendem relaçõesconsensuais com a sua ordem normativa. A abordagemconceptual de Parsons em relação à comunidade societáriacentra-se na ideia de integração, promovendo a partilha deum sistema de crenças comuns entre os participantes dainteracção (Parsons, 1964: 325-332). Assim, “a ordemnormativa ao nível societário contém uma solução para oproblema de Hobbes – isto é, impedir que todas as relaçõeshumanas degenerem até ao ponto de uma guerra de todoscontra todos” (Parsons, 1974: 72). Nesse sentido, “a funçãoprimária desse subsistema integrador é definir as obrigaçõesde lealdade à comunidade societária, tanto para os parti-cipantes como um todo, como para as diferentes categoriasde status e papéis diferenciados no interior da sociedade”(Parsons, 1974: 24). Considera-se, pois, que a teoria indi-vidualista tem enfatizado exageradamente “o interessepessoal” pelo que o problema mais imediato para a maioriados indivíduos no caso de conflito “é o ajustamento dasobrigações entre lealdades competitivas” (1974: 24). Viran-do as costas às possibilidades normativas que resultavamdos movimentos sociais, vislumbrando em todos o mesmo«delírio fundamentalista», esta teoria acaba por conduzir àideia de que só a geração de novas formas de influênciapode levar a um consenso normativo que provenha recursoscapazes de integrarem a comunidade societária.

Este trabalho seria dificilmente compatível com o deSchutz sobretudo pela sua imensa oposição a uma concep-ção subjectivista e individualista. Com efeito, as diferençasde concepção ao nível da Teoria Social e da Metodologiadas Ciências Sociais implicavam juízos sobre o papel doactor social que no caso de Schutz, possibilitavam uma

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aproximação à contingência e à entropia insuportáveis parauma visão funcionalista.

A questionação moral, ética ou política parece arredadado universo teórico de Schutz. Com efeito, este não pretendefazer qualquer apologia desta ou daquela forma de estarno mundo mas apenas descrevê-la. São relativamente es-cassas as referências de Schutz dos quais se possam inferira existência de um posicionamento explícito ao nível dequestões com repercussão na praxis.

A insistência na atitude natural pode mesmo induzir emerro e parecer a apologia de um certo espírito despido deintenções críticas. O assunto pode ser abordado de váriosmodos. A verdade é que em toda a abordagem do mundoda vida está implícita uma certa ideia de crítica que algunsjá consideravam remontar a Husserl. A crítica ao cientismogeneralizou-se de um modo que estaria presente durante quasetodo o século XX através de Weber, de Luckács e da Escolade Frankfurt. Com Habermas, o mundo da vida seria mesmoobjecto de uma abordagem essencialista na qual se diag-nostica a existência de dois domínios sociais – “sistema”e “mundo da vida” - que se diferenciam consoante aracionalidade que predomine em cada um deles sejacomunicacional ou instrumental. Do ponto de vista do mundoda vida, focam-se os elementos da razão prática, enquantoo ponto de vista do sistema enfatizam-se os elementosrelacionados com a acção teleológica e a razão instrumental.No mundo da vida prevalecem mecanismos deintercompreensão e de consenso, enquanto no sistemaprevalecem os mecanismos de troca e de poder.

Porém, como Lévinas já intuíra numa observação dirigidaa Heidegger (1997: 167), o próprio mundo da vida podeser um lugar de reificação. Ora, a verdade é que Schutz,sem nunca ter feito uma extensa abordagem ética ou política,deixou um percurso aberto à reflexividade no seio dessemundo, abrindo portas que Parsons fechava. O individu-

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alismo metodológico e a sua abertura à subjectividade eà pluralidade de modos de conhecer no seio do mundo davida tinham consequências noutros planos. Geravam umaconcepção de acção social que era incompatível com odeterminismo normativo.

Com efeito, a sociologia de inspiração fenomenológicaabordou de frente a questão da particularidade, reconhecen-do, de modo explícito, a existência do fenómeno que hojeentendemos como pluralização dos mundos da vida. “Cadaum percebe o mundo e as coisas dentro do mundo desdeo particular ponto de vista em que está colocado em cadamomento, e também desde determinados aspectos e pers-pectivas que variam na dependência do ponto de vista”(Gurwitsch, 1975: xv).

O conhecimento próprio da atitude natural naquotidianeidade traz a sua evidência em si próprio – ouem vez disso, é tido como pressuposto na falta de evidênciaem sentido contrário. É um conhecimento de receitas certaspara interpretar o mundo social e para lidar com pessoase coisas, de forma a obter em cada situação, os melhoresresultados possíveis com o mínimo esforço, evitando con-sequências indesejáveis. Com efeito, a atitude natural temuma premissa de confiança na permanência das estruturasdo mundo que ganha especial sentido quando pensada emrelação à sociabilidade: “eu confio que o mundo tal comotem sido conhecido por mim permanecerá e que consequen-temente o acervo de conhecimentos obtidos dos meussucessores e formado pelas minhas próprias experiênciascontinuará a preservar a sua validade fundamental” (Schutze Luckmann, 1973: 7). É admissível concluir pela existênciana atitude natural – pragmática, realista e carente dereflexividade – de uma certa forma de conhecimento queimplica uma aceitação que é susceptível de ser equacionadoà luz daquilo que uma certa tradição do pensamento con-siderou como sendo a reificação. A atitude natural e o

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conhecimento do senso comum implicam que “o processoconstitutivo é inteiramente ignorado, enquanto que a ob-jectividade constituída é perfeitamente tida por adquirida”(Schutz, 1967: 82). Embora Schutz nunca tenha utilizadoo termo “reificação”, é legítimo sustentar que a atitudecognitiva analisada no mundo da vida o conduz a identificara objectividade como “constituída” e como tal dependentede processos subjectivos. Simultaneamente, conduz à ideiade que as pessoas reificam sempre que ignoram essaconstituição, tomando a objectividade por garantida. Há umaespécie de “congelamento” do qual depende o esquecimentodo papel activo das consciências dos agentes sociais. Estaanálise não implica, tal como acontece na tradição marxista,uma condenação, a adopção de uma atitude crítica em relaçãoaos processos de reificação tal como sucede na obra deLuckács ou de Adorno. Pelo contrário, está implícita a ideiaque, de certo modo, este esquecimento dos processos activosde constituição é indispensável para uma integração socialbem sucedida. Sem esta dose de interpretação, que implicaum certo grau de reificação e até de inautenticidade, os actoressociais perderiam o contacto com um mundo partilhado designificados que tornam possível a sociabilidade. De certaforma, como constituintes, os actores sociais são potenci-almente intérpretes. Porém, sem a partilha de significadoscomuns, o mundo social ganharia um estado de devirpermanente e a diversidade da vida seria uma porta abertapara uma entropia dificilmente suportável. Com efeito, todaa actividade da consciência é uma actividade tipificadorana qual cada experiência do actor ocorre dentro dum horizontede familiaridade e pré-conhecimento. A percepção própriado senso comum é efectuada com base em tipos.“Estruturamos o mundo de acordo com tipos e relações típicasentre tipos.” (Schutz, 1975 c: 94-95).

Porém, da mesma forma que Schutz chama a atençãopara este aspecto passivo do estilo cognitivo do mundo da

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vida e da atitude natural, também destacou a dimensãosubjectiva da constituição. Ora, ao fazê-lo introduz uma largamargem para abrir as portas à contingência social.

Com efeito, Schutz reconheceu que o mundo da vidatraz, em si, mais do que a realidade quotidiana e recorreriaa William James e ao seu conceito de “sub-universos” parase referir às províncias de significado finito, a cada umadas quais corresponde um particular estilo cognitivo (Schutze Luckmann, 1973: 21-22).

Com o termo “províncias de significado finito”, Schutzestá a definir horizontes de significação plurais, ondedeterminadas proposições são aceites enquanto não entra-rem em conflito com outros pensadas ao mesmo tempo. Entreestas contam-se o sono, a experiência estética, a fantasia,o mundo da ciência, o mundo da arte e o mundo das crençasreligiosas. A atenção de Alfred Schutz à multiplicidade derealidades, a consciência da existência de grupos diversi-ficados, a atenção dedicada ao papel do outro, do estran-geiro e do marginal são elementos centrais do seu pensa-mento, contribuindo para a possibilidade de compreensãoreflexiva dos mecanismos de formação do estilo cognitivointerior de cada grupo. A multiplicação de experiências, bemcomo a possibilidade de as observar de uma outra pers-pectiva demonstra que os consensos sobre a realidade socialestabelecidos em cada grupo interno são, cada um por si,afinal um entre outros possíveis. Com o faz questão deprecisar Thomason, mesmo no universo da fantasia ou dademência (o caso de Don Quijote), Schutz abstém-se deformular qualquer argumento ontológico sustentando o mundoda realidade quotidiana como o mundo autenticamente real.

O reconhecimento explícito de uma certa contingênciainerente aos mundos da vida deixa em aberto o caminhoda reflexividade como um elemento essencial de superaçãodo seu carácter coercivo. É nessa medida que Schutz nãohesitará mesmo em afirmar que “o que está para além de

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qualquer questionamento até agora pode ser sempre postoem questão” (Schutz, 1975 c: 231). Com efeito, “o que étido por garantido não forma uma província fechada, ar-ticulada inequivocamente e claramente arranjada. O que étido por garantido dentro da situação predominante no mundoda vida está rodeado de incerteza” (Schutz e Luckmann,1973: 9). Os actores sociais agem com base nos saberesadquiridos nas suas histórias efectivas, ou seja, de acordocom as suas situações biográficas determinadas. Estas sempreenfatizam determinadas possibilidades de acção em detri-mento de outras, tornando os actores e os intérpretes cegospara outros possíveis que podiam preencher as suas vidas.Porém, se a realidade é como é, não é porque tem de serassim - porque dispõe de uma qualquer propriedadeontológica – mas sim graças a um consenso que se esta-belece na vida quotidiana. Isto será claramente assumidopor Schutz num dos seus textos mais marcantes, a propósitode uma experiência tão radical como a loucura: “o que éa loucura o que é o juízo num universo que é a soma detodos os nossos sub-universos?” (Schutz, 1976 c: 157-158)Nem o senso comum de Sancho nem a loucura de Quijotemerecem condenação. Se existem processos subjectivos deconstrução da realidade social, então ela reside sempre numconsenso contingente que pode sempre ser substituído poroutro possível (Berger, 1970: 213-233).

Evidentemente, pode-se dizer que se está perante um estilointelectual, um método e uma atitude. Porém, dificilmentese pode ignorar que resultam possibilidades para pensar acontingência e a reflexividade da experiência do sujeitomoderno, de um modo em que a constante erosão que severifica contemporaneamente na estabilidade e na perma-nência dos mundos da vida e das províncias finitas designificado pode ser compreendida de forma incompatívelcom a consensualidade apriorística definida pelo funciona-lismo.

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Ao longo deste texto, fomos, pois delimitando duas áreasem que se verifica a ausência de concordância e a existênciade duas linhas dificilmente conciliáveis.

Em primeiro lugar, a dívida de Alfred Schutz com Husserle Weber tornava incompatível uma fenomenologia quesublinhava o carácter intersubjectivo e interpretativo dasociabilidade com uma Teoria dos Sistemas que afirmavao predomínio da normatividade social sobre o indivíduo.

Em segundo lugar, a dívida teórica de Schutz conduzà dificuldade em compatibilizar a permanência de um certoindividualismo com a concepção que Parsons tinha dacomunidade societária. Esta segunda linha explica a exis-tência de uma política por detrás deste movimentofenomenológico a qual é incompatível com a concepçãosistémica centrada numa espécie de harmonia sublinhada eenfatizada à partida.

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O PODER DO JORNALISMOE A MEDIATIZAÇÃO DO

ESPAÇO PÚBLICO1

Introdução

Este texto procura debruçar-se sobre o papel desempe-nhado pelas convenções inerentes à linguagem jornalísticana compreensão da ordem social e na configuração do espaçopúblico. Nesse sentido, tenta-se, em primeiro lugar, inter-pelar um fenómeno que costuma ser designado por“mediatização do espaço público”. Seguidamente, analisa-se a atitude epistemológica que percorre o jornalismo e semanifesta na crença da adequação entre os enunciados eos factos, relacionando-se essa atitude epistemológica comum conjunto de práticas discursivas, normas estilísticas eorientações reguladoras que indiciam a vocação do jorna-lismo para superar o carácter aleatório do mundo, permi-tindo aos acontecimentos inscreverem-se nas grandes regu-laridades sociais. Procura-se, depois, discernir na linguagemjornalística a vontade de conformidade com o senso comum,com o saber partilhado por todos, tido por adquirido esocialmente aceite, fazendo-se um paralelo entre as atitudese práticas discursivas consagradas na profissão jornalísticae a “atitude natural”, pragmática e realista, descrita, porautores como Schutz ou Gurswitch. (Gurwitsch; Schutz,1976). Finalmente, confrontam-se as dificuldades de umalinguagem jornalística - que se apresentou comotendencialmente homogeneizadora e adequada à formaçãode consensos sociais através da observação, classificaçãoe denúncia de tudo o que se afigura como desviante em

_______________________________1 - Este texto foi publicado na Revista Comunicação e Linguagens

nº 27, Fevereiro de 2000, sob organização de Nelson Traquina.

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relação à norma - em face de uma sociedade que se apresentacomo sendo cada vez mais diversificada e pluralista. Nessesentido, interpelam-se as dificuldades da relação entre o jor-nalismo e a cidadania, num momento em que se verificamconsideráveis alterações no espaço púbico. De um lado re-conhece-se o ressurgimento do poder do jornalismo.(Traquina, 1995: 189-221) Porém, do outro, as diversas ten-tativas de elaboração de uma teoria crítica dos mediaredescobrem a necessidade de uma leitura nova da própriaideia de público (Ferry, 1995: 54-58), além de induzir anecessidade de uma preparação científica sólida por partedos profissionais de Comunicação Social.

A dimensão simbólica do espaço público

Num certo sentido, o espaço público sempre se relacionoude forma incontornável com o aparecimento de media sim-bólicos, pelo que podemos encontrar uma relação complexaentre variáveis económicas, culturais e comunicacionais quese interpenetram. (Habermas, 1984; Strydon, 1992: 2.-3) Desdeo papel das cartas e da imprensa até à recente explosão dasnovas tecnologias, muitas seriam os pretextos históricos parase encontrarem relações profundas entre diversas instânciassociais e o agir dos media. Com o surgimento dos meiosde comunicação social, tal como os entendemos hoje, en-quanto estruturas profissionalizadas de distribuição de men-sagens, aquilo a que assistimos é à própria profissionalizaçãoda actividade mediadora que se instaura e consolida comouma dimensão constituinte e estruturante da sociabilidade.

O uso dos meios de comunicação transforma, de formafundamental, a organização da vida social, criando novas formasde acção e de interacção e de exercício do poder. Ao utilizaremos media, os seres humanos estão a construir redes de sig-nificação para si próprios. (Thomson, 1995: 11).

A linguagem dos jornalistas, fortemente condicionada pornormas e convenções estilísticas, contribuiu para informar

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O Poder do Jornalismo e a Mediatização do Espaço Público

a percepção da ordem social. Qual é, afinal, a relação entreo estilo jornalístico e a compreensão intersubjectiva darealidade social? De que forma a linguagem e o estilopraticados no jornalismo se instala no papel da formaçãodos consensos e na instituição, reprodução e discussão dasnormas? Se o jornalismo é a principal instância de visi-bilidade da vida pública, como é que traz a política à luz,produzindo o nosso esclarecimento? De que forma o jor-nalismo se afirma como máquina produtora de sentido? Todosos dias estas questões atravessam as nossas interrogaçõessobre o jornalismo.

Na resposta a estas perplexidades, um elemento queemerge com regularidade é a suspeita de que a de que alinguagem jornalística tende a reproduzir o que é social-mente aceitável e predictível. Os valores-notícia reflectemcritérios de selecção do inesperado que é sempre o negativodo que é tido por adquirido. O próprio estilo jornalístico,a forma como é entendida a sua relação com a verdadee sua tradução nas respectiva normas de organizaçãodiscursiva parecem muito mais adequadas a relatar ao mundona sua evidência, tal como ele se oferece ao senso comum.Porém, se o jornalismo enfatiza o que é socialmentepredictível correndo, o risco de desenvolver uma escritaconforme ao estereótipo, também elimina o contingente eo incerto. Nesse sentido, “o discurso dos media surge paraorganizar a experiência do aleatório e lhe conferirracionalidade.” (Thomson, 1995: 15) As instituições noti-ciosas debruçam-se sobre o que está fora do lugar: o queé desviante, equívoco e imprevisível. A prática jornalísticaé particularmente sensível aos acontecimentos mais cala-mitosos que se mostram mais difíceis de classificar ou quecontrariam, de forma mais clamorosa, as expectativas sociais.(Ericson et al, 1991: 4).

Assim, o jornalismo contribuiu para a “construção socialda realidade”, para a rotinização da própria dinâmica social,

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estabilizando-a em acontecimentos-tipo, comportamentosprevisíveis e erupções controladas.Esta estabilização é tantomais violenta quanto deve deveria resultar de uma com-posição de normas onde a identificação do que é relevanteresulta de um esquematismo pré-determinado. “Assim, aconstrução da notícia implica a utilização de enquadramento(frames), um conceito aplicado por Erving Goffman à formacomo organizamos a vida quotidiana para compreendermos erespondermos às situações sociais.” (Traquina, 1995: 202). Anovidade limita-se ao incidente que assegura, pela negativa,através do seu carácter excepcional, a permanência das grandesregularidades. Nesse sentido, enquanto agência de controlosocial, as representações notíciosas dotam as pessoas com asvisões e versões da ordem social que obtêm a preferência ecom base nas quais os agentes tomam as iniciativas que julgamadequadas. (Ericson, et al, 1991: 4).

Contemporaneamente, o espaço público contemporâneopode ser designado por «espaço público mediatizado», nosentido em que é funcional e normativamente indissociáveldo papel dos media. (Wolton, 1995: 167). De entre a ac-tividade mediática em geral, o jornalismo escrito desem-penhou um papel decisivo de estruturação do próprio espaçopúblico e do consenso social: sem o jornalismo não seformaria opinião pública ou pelo menos esta teria umaconfiguração decerto diversa daquela que conhecemos.Porém, muitas das vezes graças a ele, e a dinâmicas quese geraram em seu redor, o mero conformismo com as atitudespúblicas julgadas dominantes substituiu os mecanismosverdadeiramente públicos de formação da opinião.Este trabalho pretende ver como a específica linguagem quese pratica no jornalismo, designadamente no jornalismoescrito, está, efectivamente, ligada à modulação da com-preensão intersubjectiva da realidade. Trata-se, em suma,de saber se a linguagem é já ela condicionada por códigosque conduzem inelutavelmente a uma certa visão do mundo

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O Poder do Jornalismo e a Mediatização do Espaço Público

- ou se, pelo contrário, pode ser um espaço de racionalidadepolimórfica, que foge ao estereótipo e aos signos decondensação que conduzem a uma visão da realidade quese esgota na celebração do “mesmo”. Será que esta práticadiscursiva contém, apesar de tudo, várias possibilidades dedizer o mundo que não se esgotam no estereótipo e quepor isso permitem reconhecer-lhe uma possível dimensãocrítica? Mais ainda, sabendo que o espaço público está sujeitoa múltiplas tensões que apontam para a sua diferenciaçãoe fragmentação, qual é o lugar que é reservado aos mediana participação do intercâmbio de opiniões e na formaçãode consensos? A resposta não pretende ser nem linear nemmaniqueísta. “Por maiores que possam ser as afinidades entreos mass media e os media funcionais de regulação ( es-sencialmente, o dinheiro e o poder), os primeiros guardamuma especificidade própria, resultado do seu irredudívelcarácter simbólico e linguístico. Eles inscrevem-se em últimainstância, no universo sócio-cultural, obedecem às exigên-cias da intercompreensão e, nesta medida, a sua lógica defuncionamento nunca pode ser estritamente (nem predomi-nantemente) sistémica e funcional.” (Esteves: 1995: 98) Nessesentido, encontramo-nos perante tendências que estão longede se tornarem hegemónicas, ou pelo menos definitivamentehegemónicas. Assim, no dia a dia, a linguagem dos mediapode ser um factor de desestabilização de ordens dominan-tes, chamando para o espaço público, elementos de ava-liação que prmaneciam obscuros aos olhos do público e quese constiuam como “nós” no seio do mundo da vida,originando elementos que contribuam para a sua reificação.Pelo contrário, ela pode precisamente reproduzir os com-promissos estabelecidos, impedindo a problematização crí-tica da realidade, através do recurso a práticas discursivasque insistem na estabilização do que existe.

Salvaguarda-se, assim, a ideia de que estes traços atrásdescritos não conduzem necessariamente a uma espécie de

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fatalidade: os media contém, apesar de tudo, umaencruzilhadada de possibilidades que se jogam no campodo político e do social. A esperança que aqui se defendede um jornalismo moderno, fundado na ideia de que épossível fazer uma reflexão crítica, é toda ela fundada emperplexidades e incertezas, novos desafios e oportunidades.Sob o ponto de vista da investigação e prática futuras, parece-nos um ponto de partida profundamente estimulante.

A epistemologia jornalística e a controvérsia da objec-tividade

A objectividade é um assunto muito debatido, não apenasem jornalismo e comunicação mas em todas as CiênciasSociais. A objectividade (o relato da realidade imaculadode opiniões ou sentimentos) foi defendido como um idealpelo qual os jornalistas deveriam lutar. Porém todas as nossaspercepções e acções são influenciadas pelas nossas culturase experiências. Tornar o jornalista consciente deste factopermite-lhe questionar e auto-questionar-se sobre a legiti-midade da sua percepção em particular. (Govier 1988:99).

De acordo com esta perspectiva, “o ideal da objectivi-dade sugere que os factos possam ser separados das opiniõesou juízos de valor, e que os jornalistas consigam umadistanciação relativa aos acontecimentos do mundo real cujosignificado e verdade eles transmitem ao público atravésde uma linguagem neutra e competentes técnicas de repor-tagem. Assim, os media noticiosos ofereceriam o resumofiel dos acontecimentos noticiáveis do dia - os mais rele-vantes e interessantes para o público. Os media imparciaisdariam, quantitativa e qualitativamente, uma coberturaequilibrada às perspectivas políticas e legítimas em concor-rência.” (Hackett, 1993: 105).

Os estudos sociológicos levados a efeito no campo dacomunicação (nomeadamente o newsmaking) acabam por

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tornar evidente que existe todo um conjunto de constran-gimentos e rotinas - ou seja de elementos que integram ocampo de enunciação - que nunca se deixam ver graçasao conjunto de mecanismos objectivantes omnipresentes nodiscurso jornalístico. O recurso sistemático à terceira pessoae a omissão generalizada do sujeito da enunciação; aindicação específica de omitir os deícticos de lugar e detempo (hoje, agora, ali, aqui), por serem marcas que re-metem para um sujeito que se pretende a todo o custo ocultar,constituem mecanismos objectivantes que visam, antes detudo, construir um poderoso efeito de adequação total àrealidade. Ou seja, relatam-se os factos, omitindo-se tudoquanto diga respeito a quem os relatou e em que condiçõesos fez.

A análise desta problemática conduziu a um conjuntode teorias que se resumem na ideia central de que aobjectividade deve ser entendida como uma marca ideoló-gica ou um conjunto de procedimentos tendentes a suportara credibilidade do relato jornalístico. A necessidade deproceder sob um ponto de vista idealmente “neutro” quepermitisse legitimar o discurso em nome do bem públicocontra os chamados interesses particulares ou de facção,colocando o jornalista ao abrigo de eventuais dissabores(Schiller, 1979: 47); a utilização desse conjunto de proce-dimentos a fim de restabelecer a legitimidade do relatonoticioso em face da concorrência crescente de agentes derelações públicas ou da contra informação em tempo deguerra, (Schudson, 1978: 22), a obrigação de obdecer a umritual estratégico que inclui a observância de um conjuntode procedimentos, como a audição das partes em conflito,a apresentação de provas, o uso das aspas, a estruturaçãoda informação de forma sequencial, que permitam ao jor-nalista apresentar-se como objectivo, protegendo-se dos riscosda sua profissão, como sejam eventuais processos de di-famação ou repressões dos superiores (Tuchman, 1993: 74)

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têm sido algumas das teorias avançadas por historiadorese sociólogos que não acreditaram numa espécie de“ideologização” da objectividade postulada em nome de umacrença empirista ingénua na possibilidade de relatar os factoscomo verdade.

Finalmente, para Hacket, a teoria de que o equilíbrioentre visões controvertidas omite uma maior aproximaçãoem relação à realidade implica uma dificuldadeepistemológica: o relativismo que se esconde através daspráticas rituais de apresentação contraditória do mesmoacontecimento tornam dificilmente justificáveis às própriaspretensões de verdade das organizações jornalísticas. Emalternativa, a ambição de uma visão imparcial dos factosimplica uma presunção positivista de acordo com a qual,os jornalistas e os media noticiosos são observadores in-dependentes, separáveis da realidade social, pelo que, quandocorrectamente utilizado, o meio noticioso podia assegurara sua veracidade. Qualquer destas posições implica que seremeta a objectividade do campo jornalístico muito maispara considerações de ordem prática relacionadas com adefesa do profissionalismo jornalístico ou com interessescomerciais do que com verdadeiras preocupações sobre aadequação do relato à verdade. (Hackett, 1993: 106) Existeuma inevitabilidade dos media noticiosos em estruturarema sua representação dos acontecimentos sociais e políticosque têm muito mais a ver com as caraterísticas do própriotrabalho jornalístico do que com a natureza dos aconteci-mentos relatados. Assim, para dar conta dessa inevitabilidadebasta chamar à os estudos efectuados no âmbito do paradigmado “newsmaking” e que têm em conta questões como asinteracções burocráticas dentro das organizações jornalísticas,as limitações colocadas pelos orçamentos e pela conquistade audências (Hackett, 1993:107), as convenções narrativasde que são exemplo a própria pirâmide invertida, as metáforase frases feitas graças aos quais se consegue facilitar o efeito

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de reconhecimento (Traquina, 1988: 30), para além daspróprias distorções e limitações inerentes à natureza domedium, como sejam os valores notícia aos quais osmediadores recorrem para legitimar a sua própria selecçãono que respeita ao acesso aos media dos assuntos, valorese temas, a determinação do tempo e do espaço concedidos,a possibilidade de exercício do direito de resposta. (Ferry,1995: 62).

Finalmente, a objectividade pode, ela própria ganhar umestatuto ideológico. Ou seja, ao contruir-se um discursoespecialmente virado para a descrição do que existe, o queé natural, o que é tido por adquirido, cai-se facilmente,independentemente de qualquer imputação deintencionalidade conspirativa, no risco de construir umdiscurso sobre a norma e o desvio. Os relatos podem serideológicos, não por causa de qualquer forma da parcia-lidade ou de manipulação intencional dos dados mas porquesão produzidos no interior de uma determinada matrizideológica. (Hackett, 193: 121) Os relatos podem elespróprios tornar-se uma peça essencial para o funcionamentoideológico do media na medida em que possam reflectir,sem o recurso a qualquer forma de utilização distorcida dosdados, os grandes consensos sociais, favocecendo a suaaceitação e a sua consagração. Determinadas formulaçõesdiscursivas seriam ideológicas não por causa das distorçoesmanifestas nos seus conteúdos superficiais, mas porque eramoriginadas numa matriz ideológica limitada. (Hall, 1982, 72)Assim, na perspectiva de Hall, os media só podem sobre-viver operando dentro das fronteiras do que é admitido portodos: o consenso. (Hall, 1982: 87). Os media tornam-separte do processo dialéctico de produção de consenso, mo-dulando-o o consenso à medida que o reflectem. Assim,o McCarthismo, a Guerra da Coreia, e ao apartheid são algunsdos exemplos de situações que se tornaram complexas emresultado de uma interpretação estreita dessas normas. Entre

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nós, é possível encontar no Boletim do Sindicato dosJornalistas um artigo datado dos anos 40 onde se procedeà apologia cerrada da objectividade, já que segundo oarticulista, este me´todo era o que melhor se adequava àpolítica de neeutralidade seguida por Portugal durante aGuerra. Curiosamente, pode-se concluir que a objectividade,feita a pensar na salvaguarda de um outro valor a inde-pendência, era afinal exaltada porque servia os interesssesde um poder estabelecido, no caso uma ditadura.

A notícia como forma narrativa

A narrativa jornalística, através de uma linguagem dotadade características próprias, intervem na conformação dasdinâmicas sociais, desencadeando mecanismos que afectamtoda a actividade dos agentes na aquisição e reforço dosconhecimentos e normas pelas quais se pauta a compreensãodo mundo. A questão essencial sobre a qual se incide étambém epistemológica: de que modo o estilo praticado naimprensa - informado por uma determinada concepção deverdade - tem repercussões na distribuição do conhecimentoe na formação dos consensos sociais e políticos?

Este tipo de interpelação pressupõe, no nosso ponto devista, uma pragmática do saber jornalístico, a qual devechamar a atenção para a dimensão narrativa. A comunicaçãomediatizada dos tempos modernos transporta consigo umaforma de vida própria, sintetiza de modo original a cons-tituição da experiência comum e da memória colectiva, comprofundas implicações no nosso quotidiano- ao nível dasformas de percepção e conhecimento, da prática política,da vivência das relações de poder e da experiência íntimade cada um. O seu carácter ambíguo, simultaneamente, abreespaço a contradições conhecidas. O saber jornalístico,partilha, por um lado, características do saber narrativo,caracterizado pela poliformidade de saberes e enunciados

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(cognitivos, avaliativos, prescritivos), abertura ao mundo davida e ao consenso consuetudináriamente fundado. Por outrolado, parece trazer dentro de si uma ambição de cientificidadeque pressupõe a hegemonia do uso cognitivo da linguageme a atribuição do monopólio desta forma de saber a ins-tituições especializadas e profissões adequadas nas quais sóo “especialista” é possuidor das competências que assegu-ram a legitimidade dos enunciados. De uma certa forma,nos rituais da objectividade, o produtor da informação comoque mima, imita a posição do observador científico.Debrucemo-nos sobre o primeiro lado da questão.

No que respeita à relação profunda entre o discursojornalístico e o saber narrativo, basta recordar que a cons-trução de uma história pressupõe, como recorda Paul Ricoeur,a intervenção mediadora de uma intriga. “A intriga é omediador entre o acontecimento e a história. O que significaque só é acontecimento o que contribui para a progressãode uma história.” A construção de uma narrativa pressupõea selecção dos elementos que permitem fazer progredir a“estória”. Nesse sentido, “um acontecimento não é apenasuma ocorrência, alguma coisa que acontece, mas umacomponente narrativa.” (Ricoeur,1991, 26) A Nesse sentido,“a intriga é o conjunto das combinações pelos quais há acon-tecimentos que são transformados em história ou-correlativamente- uma história é tirada de acontecimentos.”(Ricoeur, 1991: 26) A intriga surge assim como um actode conjugar os ingredientes da acção humana que, naexperiência quotidiana, permanecem heterogéneos e discor-dantes. Porém, a progressão da estória desenvolve-se deacordo com uma lógica socialmente aceite e de acordo comuma tradição que nos permite a compreensão do aconte-cimento subsequente. O jornalismo correspondeu à neces-sidade de novas classes urbanas construirem o seu sentidosobre o mundo, ou seja transmitirem a sua narrativaunificadora que contribui para a explicação e compreensão

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de um novo universo que emergiu com capitalismo or-ganizado: a intriga jornalística organiza o mundo emfunção da nova utilização da cultura que é protagonizadapelas novas classes urbanas emergentes. Nesse sentido,podemos de novo regressar a Ricoeur para aplicar à nossaconcepção de narrativa jornalística uma reflexão que oautor fizera a propósito da história: “Uma noção ingénuade narração, como sucessão desgarrada de acontecimen-tos, encontra-se sempre no plano de fundo da crítica docarácter narrativo da história. Apenas se vê o seu carácterepisódico e esquece-se o seu carácter configurado, queé a base da sua inteligibilidade. Ao mesmo tempo des-conhece-se a distância que a narração instaura ou esta-belece entre ela própria e a experiência vivida.”(Ricoeur,1991: 27) Aplicando o mesmo raciocínio parao jornalismo ele surge-nos como uma certa configuraçãode sentido, pelo que constitui atitude ingénua aquelas queanalizam as notícias como espelho da realidade e nãocomo configurações narrativas, dotadas de uma intrigaque confere inteligibilidade e unidade a acontecimentosdesligados entre si de acordo com a visão que prevalecena narração do mundo da vida. É neste sentido que temosde compreender o papel desempenhado pelos precedentese a organização de normas correspondentes aos diferentesgéneros jornalísticos.

Referindo-nos aos precedentes que estabilizam as for-mas de narração de acontecimentos idênticos ou semelhan-tes, podemos dizer que “existe uma organização narrativapreliminar que já qualificou os acontecimentos comocontributo para o progresso de uma intriga.”e de umparadigma jornalístico como “tipo de organização da intriga,oriundo da sedimentação da prática narrativa.” (Ricoeur,1991, 27, 28).

Nesse sentido, não é possível deixar de ter em contaa concordãncia de Gaye Tuchman com Robert Park, segun-

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do a qual “a notícia de jornal é uma forma de literaturapopular, uma reincarnação das ainda populares novelasapresentadas de uma outra forma.” (Tuchman in Traquina,1993: 258). No mesmo sentido não é possível deixar-se de se ter em conta as discussões que se promovemno seio da historiografia contemporãnea acerca da dife-rença entre “acontecimentos e histórias sobre aconteci-mentos.” (Bird e Darmenne in Traquina, 1993: p. 264).

A organização dos elementos da notícia, por umaordem de importância decrescente, elemento fundamentalda identidade deste género, a introdução do parágrafo uni-versalmente conhecido por lead, o uso de uma espéciede escrita branca, minutada que agradasse a todos osclientes, as exigências colocadas para assegurar aagradaibilidade do relato como a utilização da frase curtae concisa, a necessidade de evitar ou abusar dos advér-bios de modo, por dificultarem a leitura, o recurso aosverbos na voz activa que conferem ao jornalismo uma“personalidade própria” são orientações na criação danarrativa que se devem ter por culturais e não naturais.(Bird e Darmenne, 1993: 265) Nesse sentido, o géneronarrativo universalmente conhecido por notícia podefuncionar, nas nossas sociedades diferenciadas, como umaespécie de mito, através dos quais os membros de umacultura moderna aprendem valores e definições de beme de mal (Bird e Darmenne, 1993: 266), no qual se criaordem da desordem, oferecendo tranquilidade e famili-aridade em experiências comunitárias (Mead, 1925-1926apud BIRD et al, 1993: 266) e se oferecem informaçõescredíveis e respostas prontas para fenómenos complexos.(Jensen apud Bird et al, p. 266). O discurso noticiosotorna-se desta forma um discuso sobre a ordem e o com-portamento aceitável.

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A construção social da realidade

O modelo de análise que hoje se configura como maisconsentâneo com os estudos recentes levados a efeito éo que descreve a informação como “construção da rea-lidade social”. Com efeito, a realidade não pode sercompletamente distinta do do modo como os actores ainterpretam, a interiorizam, a reelaboram e a definemhistórica e culturalmente. (Grossi, 1985, p. 378). Com efeito,“ao escolher o real que vai narrar e ao escolher o modelonarrativo em que o vai exprimir, um jornal (…) reduz ainfinitude de realidades e significações a um pequenoconjunto que as representa. (Mendes, 1985: 80), Segundoesta perspectiva que percorre quer a sociologia americanaquer a teoria crítica auropeia (Adoni E Mane, 1984: 324-325), os media influem decisivamente nos “processos pelosquaisqualquer corpo de conhecimentos chega a ser esta-belecido como realidade.” (Berger E Luckmann, 1973: 13-14) Ganharam uma dimensão importantíssima no querespeita ao estabelecimento de um significado comum eintersubjectivo acerca da vida quotidiana. Esta influênciaexerce-se sobretudo ao nível da relevância relativa dos temasem debate.

Na percepção de Adoni e Mane, a relação dos actorescom o horizonte social é organizada em termos de “zonasde relevância”, um termo que provém da FenomenologiaSocial. e que diz respeito à maior ou menor proximidade“em relação ao “aqui e agora” da esfera imediata deactividade dos indivíduos. De acordo com o interesse doactor em relação mundo que o rodeia este divide o seuhorizonte social em várias zonas de relevância cada umadelas exigindo um diferente grau de preparação ou de co-nhecimento. Nesse sentido, é possível aceitar a existênciade quatro zonas de relevância: uma primeira zona que seprende com a esfera de acção imediata do actor social e

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em relação à qual é preciso possuir conhecimentos clarose distinctos; uma segunda zona de relevância que exige umafamiliaridade menor; uma terceira zona relativamenteirrelevante e que, nesse momento, não têm qualquer relaçãocom com os interesses imediatos do agente; e, finalmente,zonas absloutamernte irrelevantes nas quais qualquer mu-dança que se venha a veirificar não influenciará a esferade acção imediata do agente. (Schutz, 1976: 124-5). Pro-cedendo à concepção de três tipos ideais de actores sociais- o homem da rua, o perito, e o cidadão bem informado-o primeiro apenas se preocupará com as zonas de relevânciaintrínsecas que dizem respeito à sua esfera imediata deactividade; o perito apenas se debruçara sobre zonas derelevância impostas, no sentido em que se debruça sobreproblemas pré-estabelecidos qe dizem respeito ao seu campode actividade, enquanto o cidadão bem informado encontra-se colocado num domínio situado entre o homem da ruae o perito, domínio este onde não existem fins pré definidos,nem fronteiras totalmente no interior dos quais possaencontrar abrigo. O cidadão bem informado tem que en-contrar o seu quadro de referência escolhendo o seu in-teresse. O que hoje se lhe oferece como absolutamenteirrelevante pode amanhã parecer-lhe primariamente relevan-te ou vice-versa. (Schutz, 1976: 130-31). É aqui que oproblema da distribuição social do conhecimento se tornaextremamente relevante para um plano de trabalho sobrea investigação sobre os media, na exacta medida em queestes possuem uma importância decisiva na transformaçãodas nossas relevâncias. Ou seja, têm uma importância decisivana selecção dos temas sobre os quais é importante ter opinião.Se a realidade individual subjectiva é organizada em termosde relevância, a realidade social é entendida ao longo deum continuum baeada na distância dos seus elementos davida quotidiana dos cidadãos. Os elementos sociais e osactores com que os individuos interagem em relações face

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e a face são parte das zonas mais próximas de relevância.As zonas mais remotas de relevância são compostas porelementos mais gerais, abstractos e inacessíveis à experi-ência imediata , como a “ordem social”, (Adoni e Mane:1984 326). Assim, os media podem proceder a umadistrubuição social do conhecimento, proporcionando infor-mação diferenciada que altera os respectivos sistemas derelevância.

Esta possibilidade remete-nos para uma redescoberta dopoder do jornalismo que se traduz numa rea-avaliação dopoder dos grupos, cuja exclusividade se questiona enquantoprodutores promotor e legitimadores de decisões (Ferry, 1995:61). A “teoria dos efeitos limitados”, nomeadamente na suaversão mais conhecida do “two step flow”, que têm em contaa importância dos grupos de referência e dos líderes deopinião, conquistara uma hegemonia relativa. pelo que auma hortodoxia fundada na evidência dos efeitos esmaga-dores dos media ter-se-á seguido outra, fundada nos inqu-éritos empíricos e técnicas de sondagem que procuravamdemonstrar que as pessoas tendiam a expor-se, a seleccionare a recordar de acordo com disposições preexistentes (Curran,Gurevich e Woolacott: 1990). Porém, nos anos 60 e 70,alguns investigadores reexaminaram os dados apresentadose concluíram que afinal, os estudos empíricos clássicos deKatz e Lazersfeld não haviam demonstrado que os massmedia tinham pouca influência. Pelo contrário, revelaramo papel central dos media no reforço de valores e atitudes.O entendimento em sentido oposto apenas se deveu ao factode os seus trabalhos se tratarem de uma reacção contráriaa uma ortodoxia anterior que definia a influência de ummodo omnipresente.

Esta perspectiva dá-se a conhecer no plano da teoria dosmedia através do do pressuposto essencial segundo a qualos media fixam não tanto a forma como pensamos mas os

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temas sobre os quais devemos pensar. Na tradição anglo-saxónica, traduz-se no quadro das pesquisas empíricas peloparadigma do “agenda- setting”. Na tradição alemã é possívelvislumbrar uma preocupação semelhante, ainda quereformulada de um modo original em Elizabeth Noel-Neuman, nomeadamente na tese por ela defendida segundoa qual as pessoas tendem a orientar as suas opiniões poraquelas que elas crêm serem dominantes, o que está evi-dentemente ligado à influência mediática da comunicaçãopública.(Noel-Neumann: 1995) Na tradição francesa écompaginável encontrar fundamentos para uma teoria destejaez numa concepção da violência simbólica, entendida como“o poder que consegue impor significações como legítimas,dissimulando as relações de força que são a sua força.”(Bourdieu e Passeron : 23).

Nesse sentido, haverá alguns pressupostos que urge terem conta:

1. Reitera-se que as mensagens de actualidade chegamaos receptores quase exclusivamente através do con-tacto com os mass media. (Bookelman, 1983, 138-143).

2. Dá-se novo enfâse a fenómenos históricos que con-tribuem para a relativização das relações grupais.(Bookelman, 1983, idem). As alterações verificadasna modernidade, no que diz respeito à percepção querdo espaço quer do tempo, exigem novas formas depensar o encontro entre os agentes sociais.” Com odesenvolvimento dos meios de comunicação social,a interacção social foi parcialmente separada da ideiade partilha e de comunhão do espaço.” (Thomson,1995, 81-2).

3. Compreende-se que os temas publicamenteinstitucionalizados são o objecto das relaçõesinterpessoais de formação de opinião. Os processosinterpessoais são a continuação dos processos públi-

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cos de influência. Os diálogos carecem de reconhe-cimento geral a não ser que os media lhesdisponibilizem uma arena pública e configurem ostemas que são objecto de controvérsia em itens dotadosde «noticiabilidade». (Strydom: 1999, 6).

4. Reforça-se a ideia de que é necessário investigar asrelações entre grupos primários e as organizaçõesformais. Nesse sentido, aprofunda-se o pressupostosegundo o qual mais do que estudar as modificaçõesnas opiniões, haveria que estudar o papel dos mediana formação de cognições, procurando as relações decausalidade entre a agenda mediática e a agendapública. (Traquina, 1995: 193-195) Numa perspectivaque relaciona, de forma, ainda mais veemente, o jor-nalismo com as práticas institucionais afirma-se: “ainstituição dos media noticiosos é central no querespeita à capacidade das autoridades para apresen-tarem prentensões convincentes. Oferecem meios depersuasão através dos quais as autoridades de váriasinstituições podem tentar obter um consenso maisalargado para as suas preferências morais.” (Ericsonet al, 1991: 8).

A linguagem jornalistíca: a atitude natural e a formaçãode consensos

Para além da importância da fixação de assuntos sus-ceptíveis de serem objecto de interesse, a relação que o estilojornalístico implica com a verdade implica outras conse-quências. . O jornalista aprende o que Denis McQuail chamade “teoria da operatividade”, referindo-se ao conjunto deideias “que sustém os profissionais de comunicação acercados objectivos e natureza do seu trabalho e acerca de comoobter determinados efeitos.” (Mcquail, 1985: 18-19). Vê-se confrontado com perguntas como sejam “do que é que

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o público gostará”, “que será eficaz?”, “o que tem interessejornalístico?” (Mcquail, 1985: 18-19). Os jornalistas afir-mam-se, pois, como “bricoleurs” que apreendem a regula-ridade em pequenos pedaços, com recurso a saberes prá-ticos, em contradição com os teóricos que surpreendem ese debruçam sobre as grandes regularidades pretendendo,como desejava Platão, impedir esta mesma fragmentaçãoda realidade. (Philips, 1993: 329) Se esta é uma condiçãointrínseca ao desempenho da sua actividade, importa quese pense sobre os riscos que ela acarreta: o jornalista torna-se uma espécie de profissional da atitude natural, no sentidoque Schütz dava ao termo, ou seja uma atitude perante ummundo caracterizada por um interesse eminentemente prá-tico, e pela fé ingénua na realidade e na permanência domundo percepcionado. (Schutz, 1976:73) Schütz insistia emque o mundo social se interpreta em função de construçõespróprias do senso comum. Os objectos naturais e sociaisdão-se por pressupostos, estabilizados na sua identidade,constituídos dentro de um processo de familiaridade ereconhecimento, possível graças a um reportório de conhe-cimentos disponíveis de origem social, formado e renovadona interacção quotidiana. A concepção ingénua da objec-tividade combinada com a preocupação evidenciada peloestilo jornalístico em tornar as narrativas facilmente com-preensíveis e reconhecíveis faz os media correrem o riscode configurarem as suas narrativas no sentido de acentuaremo conformismo. Descrever-se-ia a realidade tentando adop-tar, conscientemente, uma forma ingénua, pré-reflexiva,independentemente de qualquer questionação sobre a natu-reza dessa realidade. Esta atitude aproximar-se-ia do espíritode “Middle Town”, ou seja do conformismo ingénuo, lan-çando-o para o centro da formação do consenso social, noseu sentido mais irreflexivo e menos contrafactual: aquelede que se fala quando nos referimos prejorativamente àfabricação do consenso. O jornalismo presupõe a existência

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de um conhecimento prévio, de pre-conceitos sobre o queé a norma e o desvio no seio de uma comunidade. Pressupõeuma comunidade de interesses e uma reciporcidade deexpectativas que tornam o discurso inteligível e que supor-tam o próprio conceito de novidade- até porque o tipo demensagem que o caracteriza visa precisamente tornar ocidadão comum seu receptor privilegiado e protagonistapreferencial. O próprio conceito de actualidade, cerne danarrativa noticiosa, pressupõe um poderoso sentimento depertença na medida em que o que é actual tem sempresubjacente um discurso sobre as regularidades vigentes Ojornalismo e a recopção das suas mensagens estão profun-damente associado ao mundo da vida quotidiana, tentando-se mesmo que os profissionais conformem a sua linguagemde tal forma que ela obtenha o máximo de sintonia comos pressupostos culturais dos agentes sociais sociais que seconfrontam nesse mundo. Assim graças à sua identificaçãocom o sentido popular o jornalista esforça-se em identificarquais os temas, pessoas e interesses que se revelam maisinteressantes para os consunidores de informação. (Garcia1992: 154).Simultaneamente, tenta descobrir as formas detornar a sua mensagem mais acessível, mais conforme àspróprias competências linguisticas e culturais dos membrosda audiência que funcionam como menor denominador comum.Nesta perspectiva vale a pena recordar uma descrição (crítica)do jornalês: o produtor de informação (...) suprimirá todosos dados susceptíveis de desviar o futuro leitor dos elementosnarrativos “essenciais”. Mas, melhor e mais importante,preferirá os sinónimos com menor número de caracteres,reduzirá o seu vocabulário às significações de base da sualíngua materna (...), abolirá do seu texto toda a polisemia,preferirá o ponto final e a vírgula a formas mais complexasde pontuação, produzirá-mesmo artificialmente- parágrafosdestinados a decompor em curtos “tempos” a sucessão demovimentos de leitura. (Mendes, 1985: 81).

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Como é que se consegue que o desejo de acessibilidadeque qualquer media possui - e que se traduz numa co-munhão de saberes pré- existentes comuns aos emissorese ereceptores - não se torne numa generalização do con-formismo? A questão é colocada de forma muito clara porWolton: “O risco está, evidentemente, em confundir adimensão comunicacional necessária ao confronto políticocom o consenso político, em confundir a aceitação de umcódigo comum de comunicação com um consenso. Falara mesma lingua não implica, de modo algum, estar deacordo. (…) Desde que (o espaço público) se alargou, coma tendência para tratar todos os problemas da sociedadeno espaço público e, portanto, para generalizar essevocabulário comum mínimo, tem sido grande a tentaçãopara confundir parcialmente a linguagem comum, neces-sária à comunicação política, com o acordo sobre o fundodos problemas.”(Wolton, 1995: 182).

O jornalismo e os novos desafios do espaço público

A redescoberta do poder do jornalismo surge, curiosa-mente, ao mesmo tempo que a redescoberta dos poderesdos públicos. Hoje é impossível negar a importância daactividade jornalística na formação de uma concepção domundo adequada aos grande s consensos e na construçãodos sistemas de relevância dos actores sociais. Porém,simultaneamente não é possível deixar de abandonar ospressupostos clássicos de alguma teoria crítica para ter emconta uma visão mais complexa das situações de interesse,de conflitos e de poderes nas sociedades capitalistas avan-çadas. Como comenta Ferry, “os liberais já não tem maiso monopólio do pensamento pluralista, verificando-se mesmouma dissolução das clivagens teóricas entre, de um lado,os pesquisadores conotados com a esquerda, orientados paraaproximações holísticas e privilegiando o «macro», e do

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outro, as aproximações dissociativas e o interesse pelosproblemas microsociológicos.” (Ferry, 1995: 55) Deixou defazer sentido - pelo menos de uma forma como tinha sidoimaginada pela ortodoxia adorniana - a concepção de TeoriaSocial que estava imanente nas formulações maisapocalípticas sobre as capacidades manipuladoras dos media.É evidente que o jornalismo tende a favorecer uma umaconstrução social da realidade com uma vocação ordenadora.Simplesmente, nas sociedades diferenciadas as regularida-des já dificilmente posssuem o mesmo sentido que tinhapara os teóricos das sucessivas teorias críticas: com efeito,há medida que as as acções e relações sociais são mais emais coordenados através da comunicação, o poder torna-se cada vez mais dependente da aceitação de definições darealidade (Strydom, 1999: 16), as quais por sua vez podemdepender de públicos conflituais (Fraser, 1992: 105 ) Asordens sociais implícitas, as normas ordenadoras nunca foramsujeitas a um pluralismo tão intenso como aquele que resultada emergência de novas identidades sociais e culturais.. Reco-nhece-se simultaneamente que novos agentes podem tomara palavra para impor outras visões do mundo, dar a conheceros problemas de “mundos da vida” que já não se apresentamtão homogéneos e unificadores, participar de forma conflitualna formulação da agenda, ou na visão que se constrói sobrea realidade que se visa representar. Nesse sentido, não nosparece incorrecto admitir a hipótese segundo a qual a própriaconsciência que se ganhou, no plano teórico e profissional,sobre o papel da linguagem acabou precissmente por per-mitir uma tentativa de repensar as relações entre os mediae os públicos, no sentido de exigir uma maior participação.A reabilitação do público (Strydom, 1999: 2) que os estudosde recepção realizaram dando do espectador uma imagemactiva não faz desaparecer a questão da influencia, desig-nadamente o facto de que o melhor espectador do mundonão pode interpretar senão aquilo que ele recebe. (Ferry,

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1995) A noção de agenda faz cada vez mais sentido apesardos elementos teóricos que introduziram as noções depolisemia do texto, de comunidades interpretativas activas,de resistência do espectador e de apropriação culturalmentevariável da mensagem. (Ferry, 1995: 58). Nesse sentido, ha-veremos de concordar com Ferry que o facto de uma opiniãopública tender a constituir-se com base no que a funçãode agenda oferece à tematização limita desde já de formaestrutural as possibilidades da comunicação social. Porém,também teremos oportunidade de ripostar que a selecçãonão é definida apenas pela emissão. Ela é também igual-mente exercida pelo público ao nível da recepção, pelaescolha entre os programas oferecidos, pela interpretaçãoque ele faz do texto escolhido, pela confrontação dainterpretração com aquela outra formulada pelos restantesmembros do público, e em especial pela possibilidade deos públicos, de acordo com uma lógica de redinamizaçãoe democratização da sociedade civil pretenderem eles pró-prios tomarem a palavra, fazendo chegar ao espaço públicointerpretações conflituais e afirmações em defesa do reco-nhecimento de identidades excluidas. Nesse sentido, adefinição de realidade é afinal uma construção realizada nãoapenas pelos participantes mas também pela audiência.(Strydom, 1999:17).

Nesse sentido, um pouco por toda a parte, ao lado doreconhecimento do poder dos media, surgem movimentosacadémicos e sociais - como “media literacy”- tendendo aeducar as pessoas no sentido de acederem, avaliarem eproduzirem mensagens mediáticas e que visam transformaros recipentes passivos de mensagens mediáticas em conhe-cedores habilitados das tecnologias relacionadas com osmedia, designadamente verificando a sua capacidade paramanipluarem audiências e introduzirem novos temas.(Resource Guide: media Literacy , pages 6-7, Ministry ofEducation, Ontario, Canada.)

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Neste movimento, que se faz sentir de forma genera-lizada nos Estados Unidos, mas também na Inglaterrra,Escócia, Canadá, Austrália, Suécia e Espanha- cada vez seenfatiza mais a a necessidade saber que tipo de conheci-mento, atitudes e competências se tornaram essenciais parase ser um cidadão na idade dos media. Ou seja, a liberdadede expressão, cuja defesa é uma exigência democráticaincontornável, exije jornalistas e públicos bem preparadose exigentes. Se o sacrifício da liberdade de imprensa éimpensável, esta tem de ser confrontada com a possibilidadede públicos mais exigentes e participativos.

A tomada de consciência desta realidade pode, deste modo,traduzir-se em duas consquências. Por um lado, verificar-se-á o aumento da resistência do público, o qual pode tornar-se cada vez mais interventor em relação ao monopólio dosmecanismos de produção simbólica. Esta como já vimos,parece ser uma dinâmica social que, apesar de todas ascontradições, parece tomar novo fôlego: a exigência deeducação para os media, a criação de observatórios deimprensa, a multiplicação de organizações que procuramreflectir sobre as consequências do poder dos media sobrea liberdade dos cidadãos. Por outro lado, parece evidenteque quem escreve sobre o mundo tem que lançar um olhar,ganhando, nomeadamente, uma crescente consciência críticasobre os seus próprios instrumentos profissionais. A com-plexidade crescente das sociedades exige outros saberes quepermitam ultrapassar o digníssimo saber de experiência feito.Os problemas inerentes à legitimidade da profissão, asespecializações crescentes, a mundialização da indústriacultural, a complexidade cada vez maior das sociedades eas responsabilidades sociais que incumbe à imprensa fazemcom que o jornalista não reduza os seus saberes ao conhe-cimento do livro de estilo, à capacidade narrativa, ao usodo prontuário e ao domínio da língua portuguesa.

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títulos publicados:

1 - Semiótica: A Lógica da ComunicaçãoAntónio Fidalgo

2 - Jornalismo e Espaço PúblicoJoão Carlos Correia

3 - A Letra: Comunicação e ExpressãoJorge Bacelar

4 - Estratégias de Comunicação MunicipalEduardo Camilo

5 - A Informação como UtopiaJ. Paulo Serra

6 - Escrita teleguiadaGuiões para audiovisuaisFrederico Lopes

7 - Manual de JornalismoAnabela Gradim

8 - A PersuasãoAmérico de Sousa

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9 - Comunicação e PoderJoão Carlos Correia (0rg.)

10 - Violência e CinemaMonstros, soberanos, Ícones e MedosLuís Nogueira

11 - Teorias da ComunicaçãoJosé Manuel SantosJoão Carlos Correia (Orgs.)

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