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*Ph.D.(Colorado State University, 1975) Professor Titular (Universidade Federal do Paraná, 1986) GMD Organização Industrial e Engenharia SOBRE RESERVATÓRIOS E SEGURANÇA HÍDRICA FRANCISCO LUIZ SIBUT GOMIDE* Abril de 2012

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*Ph.D.(Colorado State University, 1975) Professor Titular (Universidade Federal do Paraná, 1986)

GMD

Organização Industrial e Engenharia

SOBRE RESERVATÓRIOS E SEGURANÇA HÍDRICA

FRANCISCO LUIZ SIBUT GOMIDE*

Abril de 2012

Francisco Luiz Sibut Gomide

GMD

Organização Industrial e Engenharia

1

Sumário

Parte I - Introdução ........................................................................................ 2

Segurança Hídrica e Segurança Alimentar ............................................................. 3

Desenvolvimento Sustentável e Impactos Ambientais ........................................... 3

Enchentes, Secas & Literatura ............................................................................... 4

O Processo de Criminalização dos Reservatórios .................................................... 7

A Absoluta Necessidade de Investimentos em Infraestrutura ................................. 9

Parte II - Hidrologia Estocástica ................................................................... 11

Modelos Simples, Resultados Relevantes ............................................................ 12

Uma Breve Nota sobre a Teoria Estocástica dos Reservatórios ............................. 16

A Curva de Regularização ................................................................................... 21

Parte III - Balanço Hídrico, Estoques e Fluxos ............................................... 27

Balanço Hídrico do Planeta ................................................................................. 27

Reservatórios Superficiais Implantados e Naturais .............................................. 31

Energia Armazenada no Sistema Interligado Nacional ......................................... 33

Parte IV - Sumário e Comentários Finais ....................................................... 37

Sumário ............................................................................................................. 37

Comentários e Recomendações Finais ................................................................. 39

Bibliografia .................................................................................................. 41

Anexo: Preservação do estoque de capital natural ..................................... 43

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Sobre Reservatórios e Segurança Hídrica

Francisco Luiz Sibut Gomide

Certa ocasião, o autor deste trabalho – em uma reunião com vários colegas hidrólogos – desabafou que já se daria por mínima e profissionalmente satisfeito se surgisse “pelo menos um esforço no sentido da descriminalização dos reservatórios”. A reação ao desabafo pareceu ser “Ora, faça você mesmo esse esforço!” E escrever este trabalho foi o castigo auto imposto.

Parte I - Introdução

Resumo Há milhares de anos a implantação de obras de retenção (barragens) e a consequente criação de espaço para o armazenamento de água (reservatórios) tem possibilitado a atenuação dos efeitos indesejáveis dos extremos do ciclo hidrológico: as secas e as enchentes.

Os responsáveis – empreendedores, decisores, engenheiros, investidores – pela construção de barragens e implantação de reservatórios, até a última quarta parte do século XX foram reconhecidos e louvados pelos resultados concretos da agricultura irrigada, do controle de cheias, do abastecimento “firme” de água e da hidroeletricidade (vista como geração “limpa” e renovável de energia elétrica).

No entanto, ao longo dos últimos 30 anos, ao mesmo tempo em que, pelo lado positivo, a necessidade da preservação do meio ambiente transformava-se em um grande consenso, surgiam, pelo lado negativo, visões extremadas e exaltadas, apresentando obras de infraestrutura, em geral, e barragens e reservatórios, em particular, como sérias ameaças ambientais.

Trata-se de argumentação ingênua e equivocada, que não reconhece que investimento em infraestrutura é indispensável para o desenvolvimento sustentável e para a erradicação da pobreza. E que não entende que desenvolvimento sustentável implica na conversão ótima de recursos naturais em benefícios para a humanidade.

Nesta Parte I – Introdução procura-se explicar como a implicância com obras hidráulicas, reservatórios e investimentos em infraestrutura fez com que o século XX terminasse com 850 milhões de pessoas ainda sem acesso adequado a água, com 1,6 bilhões de pessoas ainda sem acesso a eletricidade e com 2,9 bilhões de pessoas tentando sobreviver com 2 dólares por dia.

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Segurança Hídrica e Segurança Alimentar

A história da humanidade tem sido o desenrolar da procura incessante por água e alimentação, recursos esses oferecidos pela natureza com enorme variabilidade, tanto espacial quanto temporal. Há dezenas de milhares de anos, até mesmo o abrigo ficava em segundo plano – uma moradia permanente restringiria a mobilidade necessária para encontrar alimento suficiente. Ilustrando essa necessidade de forma chocante, Blainey (2008, p16) especula que

“Uma tribo que estava constantemente em movimento não podia tratar com eficácia dos doentes e dos que não aguentavam realizar longas caminhadas. Até bebês gêmeos eram um grande transtorno e, provavelmente, um dos dois era morto. Os mais idosos, que já não podiam andar, eram deixados para trás para morrer. Uma sociedade em movimento não tinha alternativa.”

A procura por esses itens essenciais – água e alimentação – ocorre no contexto de embates constantes com a natureza, que castiga as populações alternando períodos de temperaturas extremas – ora ondas de calor nos verões, ora invernos gélidos e com muita neve – e produzindo precipitações pluviais aleatórias não só em intensidade, mas também em duração e abrangência geográfica, de tal sorte que as consequências podem ser tanto cheias devastadoras como secas catastróficas.

Passadas dezenas de milhares de anos de exposição à escassez de alimentos e aos riscos da vida nômade, em algum ponto no tempo, de alguma maneira, alguém teve a ideia de, em legítima defesa, intervir na natureza. É possível que a primeira intervenção da humanidade sobre a natureza tenha sido plantar trigo, cevada, e frutas. Mais tarde, interviu-se domesticando animais. Ambas as intervenções ocorreram, provavelmente, em locais com abundante oferta de água. Ainda assim, devido à ameaça de escassez de água no começo da estação de crescimento da colheita, foram sendo desenvolvidas técnicas de armazenamento de água e de construção de canais e redes de valas para irrigação.

Assim surgiram os primeiros reservatórios: para possibilitar a guarda de água para uso futuro. Não deve ter demorado muito para ocorrer uma enchente que tenha demostrado que o reservatório também serviria para acomodar, ainda que parcialmente, as vazões altas. De novo, em algum ponto do tempo, de alguma maneira, alguém percebeu que reservatórios seriam capazes de arcar com a dupla responsabilidade de atenuar os dois extremos do ciclo hidrológico: as secas (ou estiagens) e as cheias (ou enchentes). Estabeleceu-se então – e daí para sempre – a conexão entre segurança hídrica, segurança alimentar e segurança física das pessoas.

Desenvolvimento Sustentável e Impactos Ambientais

Essa necessidade de intervenção da humanidade sobre a natureza, de certa forma domando-a em legítima defesa, foi evoluindo, como ideia, para o conceito de “conversão ótima de recursos naturais em benefícios para os seres humanos”, adotado pela Enciclopédia Britânica para definir Engenharia. Assim, Engenharia seria a arte de aplicar-se ciência para a conversão ótima de recursos naturais em benefícios para os seres humanos. Misturando apropriadamente arte e ciência, explora-se,

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nessa definição, o poder de síntese da palavra polivalente “ótima” para, sem distinguir o presente do futuro, deixar muito claro que o objetivo final é beneficiar toda a humanidade. Apesar de antiga (1974 é o ano da décima quinta edição da Enciclopédia Britânica, da qual esse verbete foi retirado), ela é notavelmente parecida com a moderna definição de desenvolvimento sustentável: aquele capaz de satisfazer as necessidades do presente (promover crescimento, i.e, “benefícios para os seres humanos”) sem comprometer a capacidade das futuras gerações de suprir suas próprias necessidades (preservando os sistemas naturais, i.e, “conversão ótima de recursos naturais”).

Entre suas principais necessidades, a humanidade tem sido obrigada a descobrir maneiras de conviver com um sem número de riscos geofísicos recorrentes, procurando proteção ou pelo menos a mitigação dos seus impactos. Yevjevich (1999, p255) tenta listar de forma exaustiva essas ameaças, sejam elas naturais, causadas pelo homem ou amplificadas pelo homem: “meteoritos, incêndios, vulcões, terremotos, furacões, tornados, tempestades, tsunamis, marés, ressacas, enchentes, deslizamentos, “river ice jams”(rios congestionados por gelo), avalanches, secas, desertificação, erosão”.

Obras de engenharia são planejadas, projetadas e implantadas considerando esses riscos. Reservatórios, em particular, enfrentam os dois riscos geofísicos mais frequentes e universais, controlando enchentes e atenuando estiagens. Além de regularizar as vazões para irrigação, abastecimento das populações e amortecimento de cheias, reservatórios possibilitam outros usos múltiplos dos recursos hídricos, como geração de energia elétrica, navegação, piscicultura, turismo e lazer. Como toda a obra de engenharia, no entanto, reservatórios são uma intervenção na natureza, e exercem impactos ambientais que devem ser identificados e a seguir, eliminados ou mitigados e/ou compensados de forma justa e inteligente. Nesse contexto, o engenheiro é, antes de tudo, um ambientalista, procurando o menor (ou “ótimo”) impacto. E as melhores práticas de Engenharia são, necessariamente, as melhoras práticas da sustentabilidade.

Enchentes, Secas & Literatura

A lembrança de cheias devastadoras e de secas catastróficas é tão marcante que está relatada, em prosa e verso, nas mais diversas línguas, desde tempos imemoriais – basta mencionar quatro mil anos de relatos dramáticos na China, dando crédito ao imperador Yu por obras de controle de cheias e de irrigação no vale do rio Amarelo.

No entanto, para os propósitos deste trabalho, limitam-se as ilustrações a Aleksandr Pushkin (1799-1837) – frequentemente considerado o fundador da moderna literatura russa e o maior dos seus poetas – e aos brasileiros Graciliano Ramos e Luiz Gonzaga. A construção de São Petersburgo (ou Petrogrado, ou Petrópolis) é provavelmente o exemplo mais dramático, na história mundial, de modernização draconiana concebida e imposta (Bermann, 1990). Fundada em 1703, foi construída sobre um pântano, às margens do rio Neva (que, literalmente, significa “lama”), por exclusiva vontade do czar Pedro, o Grande, para criar “uma janela para a Europa”. A estátua equestre de Pedro, o Grande, encomendada pela imperatriz Catarina ao escultor francês Etienne Falconet, ficou pronta em 1782, e tornou-se um dos símbolos da cidade. A estátua é conhecida pelo nome de Cavaleiro de Bronze, por causa do famoso poema de Pushkin.

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O poema conta a história de um jovem pobre – Yevgeny – que ama Parasha e quer com ela passar o resto de sua vida. Certo dia, o rio Neva “debate-se como um doente preso à cama”. A chuva continua durante toda a noite. O nível do rio não para de subir. Yevgeny está longe de Parasha. A inundação é tão violenta que destrói grande parte da cidade. Parasha morre afogada. Yevgeny sobrevive, refugiado em monumento da praça da estátua. Mas enlouquece. Passa a perambular pelas ruas. Meses depois, vagando pela cidade, passa pela praça da estátua e amaldiçoa o idealizador da fundação de uma cidade em local tão inóspito. A estátua desprende-se da pedra. Vive. E passa a perseguir o pobre louco. Yevgeny corre desesperado pela praça vazia, ouvindo os cascos do cavalo contra o pavimento, ecoando, perseguindo, ameaçando. Expulso da praça, expulso da cidade, chega às ilhas remotas para onde a sua amada foi arrastada pelas águas. E é lá, na primavera seguinte, que seu cadáver frio, trazido à praia pelas ondas, “é enterrado por caridade”.

A seguir, em tradução livre, o trecho do poema correspondente à enchente propriamente dita. Curiosamente, no rio Neva, grandes enchentes têm ocorrido a cada cem anos, quase exatamente. A relatada por Pushkin é de 1824. A de 1725 coincidiu com a morte de Pedro, o Grande. A de 1924, com a morte de Lenin.

... o Neva, revitalizado

pela força dos ventos do golfo, retorna desrespeitoso, agitado,

suas águas espraiando-se sobre as ilhas, a tempestade crescente em ferocidade...

...o Neva, rugindo em um profundo arquejo, como um caldeirão borbulhante e fervente,

como uma besta rugindo em extertores, de repente, em torrente, invade a cidade.

Todos fogem, tudo se esvazia,

porões são engolfados, canais escapam de seus leitos; como Tritão, Petrópolis aflora,

com água pela cintura.

Um cerco! Um ataque! Ondas maliciosas escorregam pelas janelas qual ladrões.

Abruptamente sobem aos saltos pelos vidros.

Bandejas de vendedores, suas toalhas que lembram mortalhas,

encharcadas, restos de barracos, vigas e telhados,

estoques de comércio frugal, as poucas posses de pedintes,

pontes abduzidas pela tempestade, caixões trazidos dos cemitérios pela torrente,

tudo boiando nas ruas!

A fúria divina se apresenta: o povo aguarda a punição. Tudo se foi.

Teto e alimentos perdidos. Aonde os encontraremos?

Francisco Luiz Sibut Gomide

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Graciliano Ramos escreveu Vidas Secas, uma das mais importantes obras da literatura brasileira. O livro, publicado em 1938, mostra a vida subumana de uma família de retirantes do sertão brasileiro, premida pela seca, pela pobreza e pela fome. Passando a ideia de ciclo – como o ciclo hidrológico – a família é obrigada a se retirar, repetidas vezes, cada vez que a situação se agrava. O próprio título do livro, ao contrastar Vidas (abundância, força, alegria) com Secas (escassez, vazio, tristeza), ressalta que o sofrimento imposto pela seca é tanto, que torna a vida miserável.

Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. A sina dele era correr mundo, andar para cima e para baixo, à toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-se ali só de passagem, era hóspede. Sim senhor, hóspede que se demorava demais, tomava amizade à casa, ao curral, ao chiqueiro das cabras, ao juazeiro que os tinha abrigado uma noite. Olhou a caatinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca chegasse, não ficaria planta verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente. Sempre tinha sido assim, desde que ele se entendera. E antes de se entender, antes de nascer, sucedera o mesmo – anos bons misturados com anos ruins. A desgraça estava em caminho, talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Um dia... Sim, quando as secas desaparecessem e tudo andasse direito... Seria que as secas iriam desaparecer e tudo andar certo? ...... Livres daquele perigo, os meninos poderiam falar, perguntar, encher-se de caprichos. Agora tinham obrigação de comportar-se como gente da laia deles.

Luiz Gonzaga, também com talento e eloquência, registrou em Asa Branca, sua inconformidade com a maldade da natureza que destrói “prantação”e criação:

Quando “oiei” a terra ardendo

Qual fogueira de São João Eu perguntei a Deus do céu, ai

Por que tamanha judiação

Que braseiro, que “fornaia” Nem um pé de “prantação”

Por falta “dágua” perdi meu gado Morreu de sede meu alazão

Francisco Luiz Sibut Gomide

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O Processo de Criminalização dos Reservatórios

Nos últimos trinta anos, consolidou-se a visão – absolutamente correta – de que o desenvolvimento econômico desejável há de ser ambientalmente sustentável e socialmente responsável. Ao longo do tempo, foram surgindo inúmeras organizações e grupos de pressão dedicados à defesa do meio ambiente do planeta, que deram grande contribuição para que se chegasse ao nível atual de consciência ambiental. Nesse processo, podem ser identificados tanto esforços bem sucedidos como esforços fracassados, ambos a perseguir tanto objetivos louváveis como objetivos equivocados. Um exemplo de fracasso na perseguição de um objetivo louvável é o do controle das emissões de gases, como o dióxido de carbono, responsáveis pelo “efeito estufa”. As emissões continuaram aumentando, infelizmente, a despeito do propalado risco de consequências catastróficas. Já um exemplo de sucesso na perseguição de um objetivo equivocado foi a investida contra “grandes barragens”, orquestrada por organizações e grupos de pressão específicos que adotaram a estratégia de pressionar instituições multilaterais de crédito – como o Banco Mundial – para que diminuíssem drasticamente o apoio a projetos hidroelétricos. Infelizmente, atingiram em cheio os países pobres da Ásia, África e América Latina. A missão das instituições multilaterais de crédito – o combate à pobreza – apequenou-se e o Século XX foi encerrado com 1 bilhão e 600 milhões de pessoas sem os benefícios da eletricidade.

O fracasso das tentativas de controle das emissões de dióxido de carbono (CO2) resulta de uma mistura de falta de foco com falta de alternativa à energia proveniente de combustíveis fósseis. De acordo com a publicação “CO2 Emissions from Fuel Combustion” (IEA, 2009),

“83% das emissões de gases de efeito estufa estão relacionadas ao uso de energia e é

composta predominantemente (94%) por dióxido de carbono”

“Combustíveis fósseis ainda respondem pela maior parte do suprimento mundial de

energia primária: 82% de 12 Gtep (bilhões de toneladas equivalentes de petróleo)”

Falta de foco é “tentar caçar muitos coelhos ao mesmo tempo”, preocupando-se demais com os outros 17% das emissões de gases de efeito estufa (7% em processos industriais, 7% na agricultura, e 3% em rejeitos) ou com o complemento dos 94% de CO2 (5% correspondem a metano – CH4, e 1%, a óxido nitroso – N2O).

Metade do total mundial de 29 Gt (29 bilhões de toneladas) de CO2 emitido em 2007 em conexão com uso de energia foi responsabilidade de apenas quatro países, todos dependentes de combustíveis fósseis: China (6Gt), Estados Unidos(5,7 Gt), Rússia (1,6 Gt) e India (1,3 Gt). O Brasil, com 0,347 Gt relacionados a energia, não aparece entre os 10 maiores emissores; no entanto, considerando também agricultura e desmatamento, e todos os tipos de gases de efeito estufa, o Brasil passaria para quinto lugar, com 1,826 Gt de CO2 equivalente.

O complô nacional e internacional formado para o combate irracional à hidroeletricidade ficou animado com o sucesso da estratégia de pressão sobre as instituições multilaterais de crédito. Continuou a combater irracionalmente qualquer obra hidráulica, e não apenas hidroelétricas, ajudando assim, a consolidar a percepção de que existe, realmente, um processo – maldoso e intencional - de criminalização dos reservatórios. Trata-se de um dos mais intrigantes mistérios do ambientalismo.

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O mistério decorre da dificuldade de justificar a oposição ao notável serviço ecológico1 de regularização das vazões dos rios. Como deixar de valorizar o serviço ecológico de suprimento de água? Como abrir mão da legítima defesa contra cheias, através da providência de volumes de espera para acomodá-las, ainda que parcialmente? Como atacar os lagos artificiais sem lamentar a existência dos lagos naturais? Como justificar a substituição de energia renovável como a hidroelétrica por energia térmica proveniente da combustão de carvão ou de derivados do petróleo? Como enxergar mais riscos ambientais em hidroelétricas que em centrais termonucleares?

As respostas são pérolas do pensamento tortuoso e da teimosia intelectual.

No Brasil, o combate irracional às barragens e seus reservatórios ficou muito facilitado pela fraqueza das instituições, que, equivocadas, possibilitaram o que poderia ser chamado de “judicialização” e/ou “ideologização” tanto do processo de licenciamento ambiental como do processo de construção de obras hidráulicas, fenômenos esses agravados pelo voluntarismo dos promotores de ações judiciais, que abusam do direito de litigar.

Há também a contribuição do que poderia ser chamado de neoambientalismo. Tudo começa com “consultores de imagem” aconselhando seus clientes a adotar uma “causa”, uma “bandeira de luta”. Para clientes do tipo celebridades_sem_foco ou indignados_sem_causa, os consultores invariavelmente sugerem um tema social ou um tema ambiental. Além de eficazes para sensibilizar a opinião pública, são temas normalmente simples, fáceis de entender e de expressar a sua opinião, mesmo em debates com especialistas. Pode-se dizer que nasce mais um neoambientalista sempre que a escolha recai sobre um tema ambiental. Caso se trate de oposição a obras hidráulicas que preveem relocação das pessoas que habitam a área do futuro reservatório, então, o tema é social & ambiental. Maravilha! Infalível!

Atualmente, no Brasil, cada novo leilão para geração de eletricidade (com a chamada “energia nova”), escancara ainda mais a tragédia nacional da substituição de energia hidroelétrica – limpa, renovável e abundante – por energia proveniente de usinas térmicas – poluente, não renovável e duas a três vezes mais cara, mesmo ainda sem qualquer taxação (que, eventualmente, surgirá futuramente) sobre a emissão de gases de efeito estufa. Tudo por conta da chamada “judicialização/ideologização” do processo de licenciamento ambiental, que tem limitado severamente a possibilidade de participação de projetos hidroelétricos nesses leilões.

É claro que é legítima a preocupação com o equilíbrio ambiental e com a relocação de pessoas. O problema é que se omite o fato de a alternativa adotada à obra hidroelétrica ser ambientalmente pior – o que é o caso, qualquer que seja a alternativa, com a honrosa exceção das usinas eólicas (que não podem, sozinhas, atender à totalidade da demanda, até porque se trata de um tipo de energia elétrica necessariamente complementar). Além disso, geralmente não fica claro o custo social de nada fazer. Mais ainda: quase sempre há claro abuso do direito de promover ações judiciais.

1 O valor da contribuição dos serviços prestados pelos sistemas ecológicos – e, portanto, pelo capital natural que os

produz – não é completamente “capturado” pelos mercados comerciais, nem adequadamente quantificado em termos comparáveis com serviços econômicos do capital convencional. Um interessante artigo publicado na revista Nature (Costanza et alii, 1997) relata a estimativa do valor econômico – fora do mercado, na maior parte – de 17 serviços de sistemas ecológicos, para toda a biosfera, representada por 16 biomas: entre 16 e 54 trilhões de dólares por ano. A estimativa puntual seria de 33 trilhões de dólares por ano, sendo 2,8 trilhões atribuídos aos serviços dos sistemas ecológicos “Water Regulation” (1,1 trilhões) e “Water Supply” (1,7 trilhões). Sem mencionar outros 1,8 trilhões atribuídos aos serviços do sistema ecológico “Disturbance Regulation”, que inclui controle de enchentes. Registre-se que o Produto Bruto convencional do planeta é de cerca de 18 trilhões de dólares por ano.

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E, como se tudo isso não bastasse, geralmente se inverte, maliciosamente, o entendimento de interesse público e interesse privado: para esses maliciosos, interesses de natureza pública seriam não apenas o equilíbrio ambiental, mas também os “direitos coletivos de minorias”; já os interesses privados, ardilosamente sobrepondo-se ao interesse público, seriam, para esses maliciosos, os lucros dos empreendedores.

Não há dúvida de que o equilíbrio ambiental é interesse de natureza pública. Na verdade, no que diz respeito à produção de energia, o interesse público só estará sendo fiel e exatamente contemplado quando for assegurado que a solução adotada é a de menor impacto ambiental, dentre todas as formas técnica e economicamente viáveis. Só assim se estará garantindo o melhor uso social dos recursos naturais da nação. E, nesse contexto, o interesse – ainda que coletivo – das pessoas afetadas em seus modos de vida pela implantação de obras hidroelétricas é que assume o caráter de interesse particular. Que deve ser subordinado ao interesse geral da população. E, obviamente, os lucros dos empreendedores nada têm a ver com o assunto.

A Absoluta Necessidade de Investimentos em Infraestrutura

Novamente Yevjevich (1999) pode ser citado por tentar apresentar listas exaustivas. Agora, sobre o que se entende por infraestrutura:

“Instalações para produção de energia e redes de transmissão de eletricidade, oleodutos, gasodutos e outros dutos; instalações de comunicação (redes de satélites, televisão, rádio, telefone, etc), abastecimento de água e obras de saneamento, redes de remoção, processamento e disposição de resíduos sólidos, redes de autoestradas, pontes, viadutos, rodovias, ferrovias, hidrovias, canais, portos e aeroportos, sistemas de escolas e instalações de treinamento, redes de hospitais e outras instalações de saúde pública, sistemas de instituições culturais, rede de segurança pública e combate ao crime, rede de parques nacionais, monumentos, florestas, áreas de preservação ambiental e refúgios para animais silvestres”

Na mesma página – sem qualquer intenção de direta ou indiretamente criticar as terras do pau-brasil – Yevjevich (1999, p173) ressalta que “Pode-se declarar com segurança que uma sociedade só é tão boa quanto a sua infraestrutura”.

Recentemente, um profissional com mais de 40 anos de experiência – tanto acadêmica como prática – em recursos hídricos, incluindo 25 anos de atuação extremamente relevante no Banco Mundial, produziu um texto (Briscoe, 2011) encomendado para estimular o debate, no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla em inglês) sobre o papel da água na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Iconoclástico, irreverente, brilhante e bem humorado, Briscoe aponta a dificuldade de os estamentos técnicos e burocráticos de instituições internacionais (como a própria OECD e o Banco Mundial) compreenderem a necessidade de contextualizarem-se as políticas de desenvolvimento e as decisões referentes a ordenamento de prioridades, reconhecendo as óbvias diferenças entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Pondo o dedo na ferida, Briscoe ressalta que as necessidades de investimento pesado em infraestrutura são diferentes na Califórnia (onde há mais de 6 mil metros cúbicos de água armazenada para cada pessoa), no Paquistão (100 m3 per capita) e na Etiópia (30 m3 per capita). Não construir novas barragens pode fazer sentido no rio Colorado, que tem mais de mil dias de vazão média armazenada nos reservatórios existentes, mas não no rio Indus, que mal armazena o equivalente a 30 dias.

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Ao mesmo tempo em que exige que se diminua a defasagem entre retórica e desempenho, Briscoe (2011) identifica a zona de conforto daqueles que não precisam viver as consequências das suas decisões. As recomendações de John Briscoe, caso acatadas, em muito colaborarão para a eficiência do aproveitamento dos recursos hídricos como instrumento de elevação do bem estar em países em desenvolvimento.

Outra informação preciosa fornecida por Briscoe (2011) é a de que em Ghana, atualmente, os melhores cérebros querem ser antropólogos e sociólogos para atender à demanda da “indústria da ajuda internacional” (“aid agencies want social scientists, not engineers”, para citar ipsis litteris). Em contraste, todos os dezesseis membros do “Politbureau” do Partido Comunista da República Popular da China seriam engenheiros!

A ajuda que se espera é aquela que ensina a pescar e não a que fornece o peixe. A contrapartida de quem recebe a ajuda é absolutamente indispensável, quanto mais não seja, para lembrar o inconveniente detalhe que cabe à vitima da desigualdade e da pobreza ajudar a ser ajudada.

A necessidade de financiamento barato e abundante para inúmeras obras de infraestrutura é premente. Claramente, a carência é enorme. Evidentemente, esse financiamento deve ser oferecido em contexto de rigoroso monitoramento, com total capacidade de identificação de não conformidades e imediata cobrança de responsabilidades.

Aid agencies want social scientists, not engineers…

(John Briscoe)

Somando-se as evidências de intenção de criminalização dos reservatórios, comentadas anteriormente, com a recalcitrância de entidades internacionais em apoiar investimentos em infraestrutura (elas preferem priorizar e recomendar “investimentos em gestão”), a impressão que fica é de que tudo funciona como se os membros de um clube – o clube dos ricos – estabelecessem regras para selecionar novos sócios, e que essas regras impusessem uma série de condições, não satisfeitas - nem hoje nem anteriormente - pelos próprios sócios atuais. Pior ainda: regras tais que, caso tivessem sido seguidas no passado pelos atuais sócios, talvez tivessem impossibilitado que se tornassem membros do clube!

Por exemplo, quem pode ser contra a erradicação da pobreza e da fome, a universalização da educação, a igualdade entre sexos, a redução da mortalidade infantil e maternal, o combate a doenças? Não há ninguém contra. Mas não é possível atingir estes objetivos (“Metas de Desenvolvimento do Milênio”, MDG na sigla em inglês) sem investimentos adequados em infraestrutura. Suprimento de água de qualidade e medidas básicas de saneamento são fundamentais para a saúde e a erradicação de doenças. Ainda assim, o Século XX foi encerrado com mais de 850 milhões de pessoas sem acesso adequado a água. Faltam obras de retenção, de captação, de adução, de recalque. Faltam estações de tratamento de água. Faltam obras de captação e tratamento de esgoto. Paradoxalmente, há grupos que apoiam os mencionados MDG (“Millenium Development Goals”) – até porque não pode haver ninguém contra – mas, ao mesmo tempo, insurgem-se contra a implantação de reservatórios de qualquer natureza e a obras hidráulicas em geral. São as Marias Antonietas da atualidade, determinadíssimas a erradicar a fome e a pobreza com uma fornada de brioches.

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Parte II - Hidrologia Estocástica

Resumo Esta Parte II – Hidrologia Estocástica apresenta as principais funções de probabilidades, fórmulas e equações da chamada Teoria Estocástica dos Reservatórios, e pode (e deve) ser saltada pelo leitor não familiarizado com matemática.

Não ler o texto, entretanto, tem seu preço: primeiro, acreditar na equação (4), que diz que reservatórios devem ser dimensionados de forma proporcional ao desvio padrão das afluências; segundo, entender que, para cada dupla de valores de nível de risco e horizonte de planejamento adotados pelo projetista, existe uma “curva de regularização” que fornece o armazenamento (volume do reservatório) recomendado para cada nível de regularização (razão entre vazão “firmada” pelo reservatório e vazão afluente média) e terceiro, aceitar as características definidoras da curva de regularização: (1) que se trata de função monotonamente crescente desde zero (correspondente à vazão mínima para determinado risco e escala de tempo) até o valor do armazenamento necessário para regularizar 100% da vazão afluente média); (2) que a derivada da curva de regularização (graficamente representada pela inclinação de retas tangentes a ela) é igual ao chamado “período crítico” de operação do reservatório.

O objetivo principal deste trabalho é defender a necessidade e utilidade de reservatórios (“descriminalizar os reservatórios”, como foi dito na reunião entre hidrólogos mencionada na página 2). Dentro desse processo de valorização e defesa dos reservatórios, é fundamental demonstrar-se que o tamanho dos reservatórios deve ser proporcional ao desvio padrão das afluências. Esta é a importância da equação (4). Ela explica por que, à medida que aumenta o nível de utilização dos recursos hídricos de uma bacia hidrográfica, pedem-se reservatórios cada vez maiores: é que aumentam também a média e o desvio padrão das vazões controladas

No contexto das mudanças climáticas, a importância dos reservatórios aumenta mais ainda. Aceitando-se as previsões de maior frequência de secas e de estiagens (o que por si só já ressalta a necessidade de regularização), há que se modelar um processo estocástico não estacionário, com progressiva concentração de ocorrências nas “caudas” das distribuições de probabilidades, aumentando desproporcionalmente o desvio padrão das afluências.

Para o leitor mais familiarizado com matemática, fornece-se a seguir o passo-a-passo para definição da curva de regularização para qualquer combinação de nível de risco e horizonte de planejamento, qualquer que seja a distribuição de probabilidades da afluência anual, com correções para o armazenamento intra-ano e para a estrutura de correlação em série das vazões anuais.

Muito útil para ilustrações em geral, para cálculos rápidos e para controlar os resultados de cálculos detalhados de processos complexos, apresentam-se também aproximações da curva de regularização baseada em modelos simplificados, como o chamado “random walk”.

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Modelos Simples, Resultados Relevantes

Mesmo com modelos muito simples e bastante idealizados, é possível chegar-se a resultados extremamente relevantes para o dimensionamento de reservatórios de regularização de vazões. Nesta seção, trabalha-se com o mais simples processo estocástico existente e apresenta-se um exemplo numérico.

Suponha-se que uma demanda anual por 5 unidades volumétricas de água tenha de ser satisfeita, nos próximos n anos, pelo total anual de precipitação pluvial efetiva em certa bacia hidrográfica { Yt; t=1,...,n } e que a distribuição de probabilidades dessa variável aleatória seja tal que, em um ano qualquer, a chuva efetiva é de 4 unidades ou de 6 unidades. Suponha-se adicionalmente que só existem esses 2 possíveis resultados, e que eles são equiprováveis: P[ Yt = 4] = P[ Yt = 6] = 1/2.

Assim, pode-se dizer que os balanços anuais entre oferta e demanda de água, chamados de “entradas líquidas” { Xt = Yt – 5; t=1,...,n }, são variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuídas, indexadas pelo tempo, e tais que P[ Xt = -1] = P[ Xt = +1] = 1/2.

Na verdade, o conjunto indexado de variáveis aleatórias { Xt; t=1,...,n } forma a chamada “caminhada aleatória”, ou “passeio aleatório” (“random walk”, em inglês), que vem a ser o mais simples de todos os processos estocásticos.

Interessa analisar a distribuição de probabilidades da maior depleção que poderá ocorrer nos próximos n anos em um reservatório hipotético, suposto inicialmente cheio. A expressão matemática desta nova variável aleatória, chamada de “máximo déficit acumulado”, é

Dn = mín(1<j<k<n) (-Xj -Xj+1-Xj+2 -...-Xk-2-Xk-1-Xk), (1)

onde j e k denotam, respectivamente, o início e o fim do período crítico de operação do reservatório.

O resultado assintótico (mostrado na figura seguinte) obtido para a função densidade de probabilidade de Dn (Gomide,1975) é

fDn/√n(z)= 4.[ ø(z)-3.ø(3z)+5.ø(5z)-7ø(7z)+...] (2)

para z>0, sendo ø(.) a conhecida função densidade normal padrão:

ø(u) = [1 / (√(2π)] . exp(-u2/2) (3)

Os momentos (valor esperado e variância) podem ser obtidos por integração termo a termo:

E[Dn]=√(π/2) . σ . √n (4)

Var[Dn] = 0,2611 . σ2 . n, (5)

onde σ2 é a variância de Xt (que, no “random walk”, é igual a 1, sem perda de generalidade).

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A integração da função densidade revela que a função de distribuição acumulada de Dn (mostrada na figura seguinte) é dada por

FDn/√n(z)= 4.[ ɸ(z)- ɸ(3z)+ ɸ(5z)- ɸ(7z)+...]-1 (6)

onde ɸ é a função de distribuição acumulada normal padrão (não confundir com a função densidade normal padrão ø, que é a sua derivada).

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O notável é que esse resultado, obtido para o processo estocástico mais simples possível, o “random walk”, na verdade, por força do Teorema do Limite Central, vale para qualquer distribuição da variável subjacente Xt , a “entrada líquida”, com média zero (isto é, regularização total) e variância σ2, finita.

Na prática corrente de Engenharia, Dn corresponde à grandeza fornecida pela aplicação do chamado método do pico sequente (“sequent peak method”, em inglês) desenvolvido por Thomas Fiering para o dimensionamento de reservatórios de regularização de vazões fluviais (Fiering, 1965). Trata-se de uma importante evolução – compatível com o uso de computadores – em relação à clássica “curva de massa” (Rippl,1883).

A relevância do resultado pode ser ilustrada com um exemplo: adotando E[Dn] como tamanho do reservatório a ser implantado e 40 anos como horizonte de planejamento, tem-se que seria necessário prover um armazenamento útil igual a √(π/2). 1 . √40= 1,2533 . √40 = 7,9267 unidades volumétricas, ou seja, 1,5853 vezes a necessidade anual de 5 unidades volumétricas de água, ou seja, ainda, um armazenamento equivalente a 1,5853 . 365 = 579 dias de demanda normal. Caso as 5 unidades volumétricas de demanda anual de água valessem, digamos, 267 litros per capita por dia (que é o consumo médio brasileiro) , ou seja, 97,455 m3 per capita por ano, deveríamos prover uma armazenamento útil de 1,5853. 97,455 ≈ 154 m3 per capita.

Na verdade, as demandas industrial, comercial e doméstica normalmente somam de 200 a 1200 litros per capita por dia, dependendo muito das características de cada local/cidade/estado/pais. No contexto do exemplo aqui fornecido, o armazenamento útil deveria estar entre 116 e 694 m3 per capita. Isso para uso residencial, comercial e industrial, sem falar em irrigação, navegação ou geração de energia elétrica.

A função de distribuição acumulada FDn/√n(.) fornece a probabilidade de sucesso do armazenamento sugerido no exemplo acima: FDn(7,9267) = FDn/√n(1,2533) = 0,5801 = 58%. Da mesma forma que a distribuição normal, a função de distribuição acumulada deve ser tabelada, pois não há resultado “em forma fechada”, como se diz.

Pode-se também inverter o procedimento, estipulando a probabilidade de sucesso e obtendo o tamanho do reservatório. Por exemplo, para FDn/√n(z’) = 0,5000 = 50% tem-se que z’=1,1490 e, portanto, Dn=1,1490√40=7,2667 (ou seja, 530 dias de demanda normal). Outro exemplo: para FDn/√n(z’) = 0,3679 = 36,79% tem-se que z’=0,9968 e, portanto, Dn=0,9968√40=6,3045 (ou seja, 460 dias de demanda normal). De novo, os valores da função de distribuição acumulada são tabelados. Mas é possível verificar os resultados acima através de leituras gráficas, na última figura mostrada.

Caso o leitor fique intrigado com a escolha de 36,79% como probabilidade de sucesso, é conveniente lembrar que o inverso do número de Neper, (1/2,718282) = 0,367879 é uma aproximação da medida da probabilidade de que o evento extremo de um certo período seja compatível com a duração desse mesmo período. No jargão dos hidrólogos, fala-se no risco de que um evento extremo de tempo de recorrência T (em anos) seja igualado ou ultrapassado em um período de n=T anos:

r = 1- [1-(1/T)] n = 1-[1-(1/n)] n ≈ 1-e-1 = 1-0,367879. (7)

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Relação entre Probabilidade de Sucesso, Vida Útil e Risco Equivalente Anual (Tempo de Recorrência)

Probabilidade de Sucesso Vida Útil n=25 anos Vida Útil n=40 anos

36,79% ≈ 25 anos ≈ 40 anos

50,00% ≈ 37 anos ≈ 58 anos

58,01% ≈ 46 anos ≈ 74 anos

Como ilustração adicional, pode-se reapresentar o exemplo numérico, mudando a distribuição probabilística do total anual de precipitação pluvial efetiva para P[ Yt = 3] = P[ Yt = 7] = 1/2. Claramente, a média não muda, mas o desvio padrão dobra. A tabela resume os resultados, para ressaltar que os armazenamentos são diretamente proporcionais ao desvio padrão das afluências (dobram com o dobrar de σ); já em relação ao horizonte de planejamento (vida útil, se quiser), variam segundo a “lei da raiz quadrada”: aumentam apenas cerca de 26% apesar de a vida útil aumentar 60% (de 25 para 40 anos).

Regularização Total ( Qf = µ ): Armazenamento Expresso em Dias de Vazão Média

Análise de Sensibilidade dos Resultados em Relação a n e a σ

[µ=5, σ=1] [µ=5, σ=2]

Probabilidade de Sucesso

n=25 anos n=40 anos n=25 anos n=40 anos

36,79% 364 460 728 920

50,00% 419 530 839 1061

58,01% 457 579 915 1157

Como já foi dito, por força do teorema do limite central, os resultados mostrados valem para qualquer que seja a distribuição probabilística das vazões afluentes. Além disso, para maximizar a relevância dos exemplos, foram adotados i) horizontes de planejamento da ordem de grandeza dos recomendados pelas melhores práticas (25 a 40 anos) e ii) coeficientes de variação (σ/ µ) cobrindo a faixa dos valores realmente observados na maioria dos rios (1/5 a 2/5, ou seja, 20% a 40%).

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Em particular, em sistemas elétricos predominantemente hidráulicos, operados de forma integrada, como no Brasil, tudo se passa como se as vazões das mais diversas bacias hidrográficas – transformadas em energias afluentes mediante ponderação pelas respectivas quedas – estivessem sendo somadas, com ganhos sinérgicos importantes decorrentes da redução do coeficiente de variação (que é, realmente, da ordem de 20% no caso brasileiro). Assim, diversas bacias com, digamos, coeficiente de variação de 40%, exigindo, cada uma, armazenamento de, digamos, 728 dias das respectivas vazões, quando operadas de forma integrada, graças ao rebaixamento do coeficiente de variação para 20%, exigiriam apenas 364 dias da somatória das suas vazões. Essa é a enorme vantagem propiciada pela combinação da diversidade hidrológica do Brasil com a interligação dos seus sistemas elétricos.

Apesar dos resultados até aqui obtidos serem relevantes, mais adiante neste trabalho será mostrado que regularização parcial (i.e., de vazão menor que a média de longo termo) é mais vantajosa que regularização total (i.e., vazão firme igual à média de longo termo). Em outras palavras, será mostrado que existe uma decisão “ótima” referente ao dimensionamento de reservatórios: o aproveitamento não predatório dos recursos naturais não recomenda que os reservatórios sejam muito pequenos e a lei dos rendimentos marginais decrescentes não recomenda que eles sejam muito grandes.

Para completar a ilustração, é importante notar que no primeiro exemplo numérico, (em que Yt = 4 ou 6), é nulo o volume de reservatório necessário para regularizar uma demanda de 4 unidades volumétricas de água (80% da média de longo termo, que é de 5 unidades). Já no segundo exemplo numérico, (em que Yt =3 ou 7), a demanda teria de cair para 60% da média de longo termo para que o reservatório se tornasse desnecessário. Assim, apesar do teorema do limite central garantir que o tamanho do reservatório para regularização total (isto é, de 100% da média de logo termo) independe da distribuição das afluências, no outro extremo da função que será apresentada como “curva de regularização” (isto é, onde a demanda é tão baixa que o tamanho do reservatório necessário tende para zero), a sensibilidade à distribuição subjacente é muito grande.

Uma Breve Nota sobre a Teoria Estocástica dos Reservatórios

A utilização intensiva dos recursos hídricos em todos os países, aliada à crescente competição entre os diferentes usos da água exigiram sofisticação cada vez maior no desenvolvimento de métodos hidrológicos. Tendo em vista a natureza intrinsecamente estocástica dos fenômenos hidrológicos, foi com naturalidade que diversos engenheiros passaram a buscar, na teoria de processos estocásticos, conceitos e subsídios aplicáveis de forma prática ao seu campo de atuação. Por outro lado, diversos matemáticos, atraídos pelos desafios teóricos e pelo excepcional potencial de aplicações, estreitaram suas ligações com os engenheiros, tentando identificar áreas de pesquisa interessantes, questões intrigantes e problemas práticos em cuja solução pudessem colaborar. Desse esforço multidisciplinar surgiu o que hoje é conhecido por teoria estocástica dos reservatórios.

Normalmente recebem crédito como precursores e notáveis contribuintes desse campo de pesquisas, engenheiros como Rippl (1883), Hazen (1914), Sudler (1927), Hurst (1951), Fiering (1965) e Yevjevich (1965), e matemáticos como Feller (1951), Moran (1954) e Lloyd (1967). Uma excelente revisão das contribuições desses destacados pesquisadores pode ser encontrada em G. G. S. Pegram et alli (1980). Sem a pretensão de repetir aqui essa revisão, cabem alguns comentários sobre a importância dos seus legados.

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Rippl (1883), no século XIX (!), desenvolveu um método para, a partir de um único gráfico, identificar os períodos críticos observados na série histórica de vazões fluviais, para qualquer nível de regularização (entendido como a relação entre a vazão constante a ser garantida, denominada de “vazão firme”, e a vazão média do período de observação). O gráfico de Rippl é conhecido como a “curva de massa” porque apresenta os valores acumulados de vazões em ordenadas, contra o tempo em abscissas. Já o gráfico obtido com os pares de valores V (volume útil ou armazenamento necessário para a regularização da vazão firme, normalmente em abscissas) versus Q (vazão firme, normalmente em ordenadas) é conhecido como “curva de regularização”.

Hazen (1914) percebeu que dimensionar reservatórios com base exclusivamente no registro histórico de vazões equivale a projetar para o futuro o reservatório que teria sido bem sucedido no passado, sem qualquer ideia de sua probabilidade de sucesso. Com base em um grande número de registros históricos de estações fluviométricas, procurou padronizar as variáveis de forma a juntá-las como se fossem provenientes de um mesmo sítio, tornando-se, nessa tentativa de aumentar o tamanho dos registros, um pioneiro em estudos de regionalização em hidrologia. Também é atribuído a Hazen a invenção do chamado “papel probabilístico”, engenhoso dispositivo gráfico que, através de anamorfose em um dos eixos, transforma em linha reta a função de distribuição acumulada de probabilidades da variável lançada no outro eixo.

Sudler (1927) também rompeu com a prática de dimensionamento de reservatórios com base exclusivamente no registro histórico de vazões. De certa maneira, foi um dos pioneiros na aplicação do método de Monte Carlo de simulação, ao registrar em cartas de baralho os valores das vazões médias anuais observadas, para a seguir embaralhá-las e distribuí-las sem reposição, produzindo aleatoriamente tantos “registros históricos sintéticos” quantos desejasse. Apesar do óbvio defeito de deixar de considerar que, no futuro, podem acontecer vazões menores que a menor observada no histórico (e também maiores que a maior observada), o método teve o mérito de mostrar que a simples alteração da seqüência cronológica das vazões altera substancialmente a decisão referente ao dimensionamento do reservatório.

Hurst (1951), engenheiro inglês trabalhando no Egito, fascinado com o longo registro de vazões do rio Nilo, analisava subperíodos (de 10, 25, 50 anos, etc), calculando em cada caso a chamada “amplitude ajustada” (uma propriedade das somas parciais de variáveis aleatórias, a ser definida adiante), considerada uma estimativa aceitável do volume de reservatório a ser recomendado pelo projetista. Intrigado com o fato de que os volumes assim obtidos não pareciam proporcionais à duração do subperíodo elevada à potência 0,5 – o que conflitava com sua expectativa teórica – passou a coletar uma impressionante quantidade de séries históricas de longa duração de variáveis geofísicas as mais diversas (chuvas, vazões, temperaturas, pressões, crescimento de anéis de árvores, espessura de depósitos de lama, manchas solares, etc). Terminou concluindo que os volumes projetados seriam proporcionais à duração do subperíodo elevada à potência 0,729. Esse aparente desvio da chamada “lei da raiz quadrada” passou a ser apresentado como o “fenômeno de Hurst”.

Chamado a opinar sobre esse aparente fenômeno, Feller (1951) mostrou que as ordenadas da curva de massa de Rippl podem ser chamadas de somas parciais e que várias propriedades das somas parciais de variáveis aleatórias, tais como a sua amplitude e sua amplitude ajustada (que serão definidas adiante), são relevantes para o dimensionamento de reservatórios. Em particular, deduziu as distribuições assintóticas da amplitude e da amplitude ajustada de somas parciais de variáveis aleatórias e, consequentemente, obteve os seus momentos, confirmando que os valores a serem recomendados pelos projetistas para o volume útil dos reservatórios têm, sim, teoricamente, de ser proporcional à raiz quadrada do horizonte de planejamento.

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Moran (1954) deu início ao que parecia ser uma abordagem completamente diferente: um modelo formulado em tempo discreto, com o reservatório formado por um número k, finito e definido de estágios, alimentado por uma sequência de variáveis aleatórias discretas, identicamente distribuídas e independentes em série (entradas líquidas). Assim, a quantidade de água armazenada no reservatório segue um processo estocástico bem estudado, chamado de cadeia de Markov simples, homogênea, com conjunto de estágios { 0, 1, 2, ..., k} e matriz de transição com “fronteiras reflexivas” (significando que, quando cheio, o reservatório permanece cheio até o momento em que a vazão de entrada seja menor que a de saída, ou seja, até que a entrada líquida seja negativa; por outro lado, quando vazio permanece vazio até que a a entrada líquida seja positiva, i.e., que a vazão de entrada seja maior que a de saída).

A década de 1960 foi marcada pelo impacto do computador nas pesquisas em geral, possibilitando a manipulação de enorme massa de dados e grande rapidez em cálculos complexos. Séries hidrológicas sintéticas (Fiering (1965), idealmente indistinguíveis – estatisticamente – das séries históricas, passaram a ser geradas para facilitar a solução de problemas por simulação, pelo chamado método Monte Carlo. Yevjevich (1965) retomou e institucionalizou o estudo das propriedades das somas parciais de variáveis aleatórias, com ênfase na “amplitude das somas parciais” e Lloyd (1967) retomou e avançou na análise de Moran, generalizando para considerar a sazonalidade e a estrutura de correlação das séries afluentes ao reservatório.

É sabido que o modelo de Moran é uma aplicação direta da teoria de cadeias de Markov, em que as fronteiras (estados extremos do reservatório: cheio e vazio) são reflexivas. Ao procurar a distribuição probabilística da variável “máximo déficit acumulado”, Gomide (1975) mostrou que as linhas de pesquisa “análise de Moran e LLoyd” e “análise de amplitudes de Hurst, Feller e Yevjevich” podiam ser unificadas: a distribuição probabilística da “amplitude de somas parciais” decorre da mesma teoria de cadeias de Markov, na situação em que as fronteiras são absorventes. E, melhor ainda, a distribuição probabilística do “máximo déficit acumulado” também decorre da mesma teoria, na situação em que a fronteira correspondente ao “reservatório cheio” é reflexiva, e a fronteira correspondente a “reservatório vazio” é absorvente.

Assim, a distribuição de probabilidades do máximo déficit acumulado Dn é dada por

P [ Dn ≤ k ] = Ɩ . P(n). Ɵt (8)

onde Ɩ é o vetor linha

[ 0 1 1 ... 1 1 1 ] ,

Ɵt é o vetor coluna cujo transposto é

[ 0 0 0 ... 0 0 1 ]

e P(n) é a enésima potência da matriz de probabilidade de transição com fronteira inferior absorvente e fronteira superior reflexiva, de tamanho (k+2).

Esta é a distribuição exata (e não assintótica), válida para qualquer valor de n (horizonte de planejamento, ou vida útil) e qualquer nível de regularização (total ou parcial). Não confundir com a distribuição assintótica do máximo déficit acumulado, utilizada em item anterior (Modelos Simples, Resultados Relevantes). Aquela vale apenas para regularização total (demanda igual a afluência média) e para valores grandes de n.

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Assim, P [ Dn ≤ k ] é a probabilidade de um reservatório, inicialmente cheio, chegar ao enésimo intervalo de tempo em qualquer estado que não o vazio. Como o estado vazio é absorvente, isso equivale a dizer que o reservatório nunca ficou vazio ao longo de todo o período, ou seja, significa que o reservatório foi operado com sucesso.

Em outras palavras, o volume de água armazenado no reservatório segue o modelo de uma cadeia de Markov simples, homogênea, com estados { 0, 1, 2, ... , k+1 } e com matriz de probabilidades de transição dada por

0 1 2 3 ... k-2 k-1 k k+1

0 1 ℓ-1 ℓ-2 ℓ-3 ... ℓ-k+2 ℓ-k+1 ℓ-k ℓ-k-1

1 0 p0 p-1 p-2 ... p-k+3 p-k+2 p-k+1 p-k

2 0 p+1 p0 p-1 ... p-k+4 p-k+3 p-k+2 p-k+1

3 0 p+2 p+1 p0 ... p-k+5 p-k+4 p-k+3 p-k+2

. . . . . ... . . . .

. . . . . ... . . . .

. . . . . ... . . . .

k-2 0 p+k-3 p+k-4 p+k-5 ... p0 p-1 p-2 p-3

k-1 0 p+k-2 p+k-3 p+k-4 ... p+1 p0 p-1 p-2

k 0 p+k-1 p+k-2 p+k-3 ... p+2 p+1 p0 p-1

k+1 0 u+k u+k-1 u+k-2 ... u+3 u+2 u+1 u+0

Nessa matriz, as entradas pi medem a probabilidade do balanço entre afluências e efluências discretizadas, Xt, ser igual a i: P [ Xt = i ] = pi e os elementos na primeira e na última linha são tais que

ℓ-j = p-j + p-j-1 + p-j-2 + ... (j = 1, 2, ... , k+1)

u+j = p+j + p+j+1 + p+j+2 + ... (j = 0, 1, 2, ... , k)

Encontrar P [ Dn ≤ k ] equivale a executar uma integração numérica, cuja precisão é tanto maior quanto menor for o intervalo de discretização das “entradas líquidas”. Essencialmente, é muito simples: trata-se de, obtida a enésima potência da matriz P, calcular a soma de todos os elementos da última coluna, com exceção do primeiro.

As duas tabelas seguintes apresentam, respectivamente, umas poucas definições e o formulário mínimo necessário para sustentar um dos objetivos do presente trabalho, que é o de enfaticamente ressaltar que a quantidade de armazenamento necessária para garantir a segurança hídrica, a segurança alimentar, a segurança energética e a segurança física das pessoas é proporcional ao desvio padrão das afluências captadas. O tamanho relativo da soma dos armazenamentos disponíveis não deve decrescer, porque o desvio padrão das afluências é sempre crescente, quanto mais não seja, porque aumenta o tamanho da população atendida. Há ainda o risco de que esse

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crescimento do desvio padrão seja agravado por mudanças climáticas que aumentem a variabilidade das afluências mesmo sem alterar o seu valor esperado.

Algumas definições dos principais conceitos

Denominação em Português Denominação em Inglês Notação Matemática

Entradas Líquidas Net Inputs Xt

Soma Parcial Partial Sum St = ∑i=1:t Xt

Soma Parcial Ajustada Adjusted Partial Sum St* = ∑i=1:t (Xt – Xmed)

Surplus de Somas Parciais Surplus of Partial Sums Mn = max ( 0, S1 , S2 , … , Sn )

Deficit de Somas Parciais Deficit of Partial Sums mn = min ( 0, S1 , S2 , … , Sn )

Surplus de S. P. Ajustadas Adjusted Surplus of Partial Sums

Mn* = max ( 0, S1

* , S2*, … , Sn

*)

Deficit de S. P. Ajustadas Adjusted Deficit of Partial Sums mn* = min ( 0, S1

* , S2*, … , Sn

*)

Amplitude de Somas Parciais Range of Partial Sums Rn = Mn - mn

Amplitude de S. P. Ajustadas Adjusted Range of Partial Sums Rn* = Mn

* - mn*

Máximo Déficit Acumulado Maximum Accumulated Deficit Dn = mín(1<j<k<n) (-Xj-Xj+1-…-Xk-1-Xk)

Formulário Mínimo : Rn (Feller,1951), Rn* (Hurst,1951) e Dn (Gomide,1975)

Rn /√n Rn* /√n Dn /√n

E [.] √(8/π) . σ = 1,5958.σ √(π/2) . σ = 1,2533.σ √(π/2) . σ = 1,2533.σ

Var[.] 0,2261.σ2 0,0741.σ2 0,2611.σ2

Cv [.] 29,80% 21,72% 40,77%

Cabe aqui um comentário elogioso a Hurst, pelo faro revelado ao escolher a amplitude ajustada (Rn*)

como o estimador do volume útil do reservatório para a regularização total (i.e., regularização da vazão média). Não é óbvio que essa estatística seja adequada como “proxy” do armazenamento, mesmo porque não é aplicável para o caso de regularização parcial (i.e., regularização de vazão menor que a média). O autor do presente trabalho nunca se conformou com essa escolha, tanto que insistiu em estudar as propriedades do máximo déficit acumulado, este sim, o critério de projeto correto... apenas para descobrir que as duas estatísticas têm exatamente o mesmo valor esperado! É verdade que a variância é subestimada, o que certamente era do conhecimento de Hurst, pois é evidente que, sendo nula – por definição – a última soma parcial ajustada, a variabilidade do estimador fica artificial e forçadamente restringida.

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A Curva de Regularização

Na introdução ao estudo de estatística matemática, teoria de probabilidades, análise de séries temporais e processos estocásticos, geralmente aparecem apenas variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuídas. No primeiro semestre ou mesmo no primeiro ano de estudo, o máximo em complexidade – significando, por exemplo, dependência entre as variáveis – fica geralmente limitado a regressão linear simples. No entanto, essas suposições teóricas dos cursos iniciais – independência estocástica e identidade de distribuição – raramente ocorrem no mundo real. Essa é a principal dificuldade na aplicação prática dessas disciplinas a problemas específicos de engenharia, física, química, biologia, etc. Há que haver uma razoável disposição para continuar absorvendo teoria até o ponto em que aplicações práticas possam ser enfrentadas.

Por exemplo, totais de precipitação pluvial até podem ser considerados independentes em série – desde que na escala anual – mas a sua distribuição de probabilidades só será estacionária na ausência de mudanças climáticas. Já as vazões fluviais médias (deflúvios totais) – mesmo que anuais – dificilmente serão independentes em série: dependendo da espessura do reservatório subterrâneo que alimenta os rios na ausência de escoamento superficial direto e dependendo também do tipo de controle hidráulico (grandes lagos naturais, por exemplo), os coeficientes de auto correlação podem variar muito (por exemplo, de quase zero, até mais de 80%). Já as vazões fluviais médias mensais, semanais ou diárias, sendo sazonais, não são estacionárias. Além disso, apresentam forte estrutura de correlação em série.

Para evitar sofisticação teórica – e eventual intratabilidade matemática a ela associada – é comum abordar-se um problema prático aceitando-se, inicialmente, hipóteses simplificadoras, de forma a facilitar a obtenção de uma primeira aproximação da solução; a seguir, introduzem-se correções que levam em consideração a não verificação, no mundo real, das premissas assumidas. É o que será feito neste capítulo, em que interessa a discussão da chamada “curva de regularização”. Ela será apresentada – e obtida – supondo inicialmente que as vazões fluviais médias anuais (totais anuais escoados) são i.i.d. (independentes e identicamente distribuídas). A seguir, ela será corrigida de forma aditiva, somando-se o armazenamento necessário para compensar a variabilidade intra-anual das vazões fluviais médias mensais (que são sazonais, além de aleatórias). Finalmente, ela será corrigida de forma multiplicativa, para levar em consideração a existência da estrutura de correlação em série.

A curva de regularização fornece, para cada volume útil locado em abscissa, a vazão firme ou garantida, em ordenada. O volume útil é dado pelo conceito já apresentado de máximo déficit acumulado

Dn = mín(1<j<k<n) (-Xj-Xj+1-Xj+2-...-Xk-2-Xk-1-Xk)

onde j e k denotam, respectivamente, o início e o fim do período crítico de operação do reservatório. Quando a vazão firme ou garantida é igual à média, diz-se que é caso de regularização total; quando a vazão firme ou garantida é menor que a média, diz-se que é o caso de regularização parcial. Neste trabalho, essa “garantia” (a probabilidade de sucesso de cada valor contemplado para Dn), sempre estará quantificada, através da função P [ Dn ≤ k ], que é a função de distribuição acumulada da variável aleatória Dn.

Nem sempre essa “garantia” é quantificada, como por exemplo, quando a curva de regularização é obtida mediante a aplicação do chamado “método histórico”. Nessas situações, fica implícita a

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expectativa de que a probabilidade de sucesso do projeto seja algo razoável, uma vez que se está projetando para o futuro o reservatório que teria sido bem sucedido caso existisse no passado, ao longo do período histórico de observações. Evidentemente, esse “método histórico” não é recomendável.

Apenas dois pontos da curva de regularização serão discutidos detalhadamente aqui, o que é suficiente para os propósitos deste trabalho. O primeiro ponto, cuja abscissa poderia ser aproximada pela distribuição assintótica de Dn, é o correspondente ao caso de regularização total, i.e., sua ordenada corresponde a 100% da afluência média. Mas não há razão para usar a distribuição assintótica como aproximação, quando podemos obter a distribuição exata,

P [ Dn ≤ k ] = Ɩ . P(n). Ɵt (8)

O segundo ponto a ser discutido é aquele cuja abscissa é nula, i.e., o ponto em que a curva de regularização intercepta o eixo das ordenadas e que pode ser interpretado como a vazão que é garantida – com a probabilidade de sucesso já escolhida – mesmo sem armazenamento algum.

Em seção anterior (Modelos Simples, Resultados Relevantes), escrita com a dupla finalidade de mostrar o poder de modelos matemáticos simples e de ilustrar os valores típicos de armazenamento desejável “per capita”, já se demonstrou, por exemplo, que, sendo n=40 e σ/µ=20%, então o ponto correspondente ao caso de regularização total, teria abscissa igual ao equivalente a 530 dias de vazão média (145,33 % do deflúvio médio anual), para probabilidade de sucesso dada por FDn/√n(z’) = 0,5000. No entanto, utilizaremos o valor de 125,33% do deflúvio médio anual, o equivalente a 457 dias de vazão média, obtido da distribuição não assintótica, como uma melhor aproximação.

Note-se que 50% de probabilidade de sucesso, ou garantia, equivale nesse caso a 58,2 anos de tempo de recorrência equivalente, ou ainda, a 100/58,2 = 1,72% de risco equivalente anual:

R = 1 – [(1 – (1/T)]n = 0,5 = 1 – [(1 – (1/58,2)]40

Para este primeiro ponto, é razoável assumir que o teorema do limite central é aplicável, mercê da relativamente longa duração do período crítico, no caso de regularização total. Assim, a discussão apresentada até agora independe da distribuição de probabilidade das afluências. Adiante será visto que esse não é o caso para baixos níveis de regularização.

O segundo ponto da curva de regularização, correspondente a abscissa nula, é mais fácil de obter-se: simplesmente, corresponde àquela vazão média anual tão baixa que só ocorre, no exemplo em tela, a cada 58,2 anos. Por exemplo, assumindo que as afluências são normalmente distribuídas, com média µ = E [Y] = 1 (sem perda de generalidade) e variância σ2 = 0,04 (com perda de generalidade, i.e., os resultados só valem para afluências cujo coeficiente de variação é de 20%, ou seja, σ/ µ = 0,2; esse valor foi adotado neste exemplo por ser típico do chamado reservatório equivalente do setor elétrico brasileiro, que será discutido adiante), tem-se que z= -2,1158 para que ɸ(z) = 1/58,2 = 0,01717940 e portanto, a vazão garantida sem necessidade de volume de regularização, expressa em percentagem da vazão média de longo período, vale 100.[1-(2,1158).(0,2)] = 57,68%:

P [ Y < Qf ] = 1/T = P[ Y < (µ +z. σ) ] = 0,01717940 = P{ Y < [1 +(-2,1158).(0,2)] } = P [ Y < 0,5768 ]

As variáveis aleatórias, no mundo real, frequentemente não são i.i.d. (independentes e identicamente distribuídas). E, também frequentemente, não são normalmente distribuídas. De fato, o que se tem observado na modelagem de vazões de estiagem médias diárias e até mensais é que os logaritmos das vazões é que seguem a distribuição normal. Até mesmo na escala anual, os 365 valores de afluência diária somados para produzir o total, podem ser insuficientes para garantir

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a aplicabilidade do teorema do limite central, devido à forte correlação em série das vazões médias diárias, além, é claro, da sua não negatividade.

Assumindo que a variável aleatória Y é distribuída log-normalmente, com média µ e variância σ2, então (Pinto et alli,1976, p243) a variável W=ln Y será normalmente distribuída, com média [ ln µ - ln(1+ σ2/ µ2)1/2 ] e variância ln(1+ σ2/ µ2). Particularizando para µ=1 e σ2=0,04, tem-se, como média, (-0,01961036) e como variância, (0,03922071), (ou seja, desvio padrão igual a 0,19804220), de tal sorte que

P [ Y < Qf ] = 1/T = P[ lnY < ln Qf ] = 0,01717940 = P{ lnY < [(-0,01961036) +(-2,1158). 0,19804220]}

P[ lnY< -0,43862805] = P[ Y< 0,6449 ]

A figura seguinte ilustra a construção da curva de regularização. A primeira aproximação é constituída pelos pontos A (abscissa 125,33% e ordenada 100%) e B (abscissa zero e ordenada 64,49%), no caso de log-normalidade das variáveis subjacentes Yt (vazões ou afluências) ou A e B’ (abscissa zero e ordenada 57,68%), no caso de normalidade. A seguir, passa-se à correção aditiva, que desloca A para C e B para D, que não é mostrado na figura (ou B’ para D’, também não mostrado) e ao final, à correção multiplicativa, deslocando C para E e D para F (ou D’para F’).

A correção aditiva, para levar em conta a necessidade de um determinado armazenamento para enfrentar a variação intra-ano das vazões, consiste em somar aos valores da primeira aproximação da curva de regularização, o volume 0,183.α, onde 100.α% é o nível de regularização. Assim, o ponto A é deslocado para a direita, chegando-se ao ponto C, mediante a soma de mais 18,3% do deflúvio média anual, o equivalente a 66,8 dias de vazão média. Os pontos B e B’ são deslocados para a direita, chegando-se aos pontos D e D’, mediante a soma, respectivamente, de mais 11,80% (43,1 dias de vazão média) ou 10,55% (38,5 dias de vazão média) do deflúvio média anual. A técnica de dimensionamento de reservatórios para a regularização intra-anual de vazões não será apresentada

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aqui, mas o leitor interessado pode conhecer o tema a partir de pelo menos três referências (Gomide, 1970; Gomide e Cunha, 1981 e Gomide, 1986).

A última correção consiste em multiplicar todos os volumes até agora obtidos por um coeficiente proporcional ao coeficiente de correlação em série das vazões afluentes. No caso concreto do exemplo que está sendo apresentado, o coeficiente adotado foi 1,16, deslocando os pontos C (abscissa 143,63% e ordenada 100%), D (abscissa 11,80% e ordenada 64,49%) e D’ (abscissa 10,55% e ordenada 57,68%) para E (abscissa 166,61% e ordenada 100%), F (abscissa 13,69% e ordenada 64,49%) e F’(abscissa 12,24% e ordenada 57,68%), respectivamente.

Maiores informações podem ser obtidas nas referências acima citadas, mas é interessante argumentar que o caráter multiplicativo da correção não deve surpreender: Dn é proporcional ao desvio padrão da soma de todas as variáveis aleatórias observadas no período de n intervalos de tempo (anos, tipicamente); e esse desvio padrão vale σ.√n para variáveis i.i.d. e σ.√n. [√(1+ϱ)/√(1-ϱ)] para processos estocásticos auto-regressivos de primeira ordem, uma correção também multiplicativa.

Optando pela hipótese de log-normalidade das afluências, mais seis pontos foram obtidos a partir da função de distribuição acumulada de Dn , isto é, calculando valores de k tais que P [ D40 ≤ k ]=0,50.

Eles aparecem na figura, depois de submetidos às duas correções descritas (aditiva e multiplicativa), na forma de pequenas cruzes, para ajudar a definir a curva de regularização.

Outra propriedade importante da curva de regularização é que a sua derivada fornece a duração do período crítico. Para provar isso, parte-se da definição de Dn, que é o valor do reservatório colocado em ordenada na curva de regularização:

V= Dn = mín(1<j<k<n) (-Xj-Xj+1-Xj+2-...-Xk-2-Xk-1-Xk)

Como Xt denota o balanço entre afluências e efluências, pode-se reescrever a expressão como segue:

V = Dn = mín(1<j<k<n) [-(Qj-Qf)-(Qj+1-Qf)-(Qj+2-Qf)...-(Qk-2-Qf)-(Qk-1-Qf)-(Qk-Qf)]

Dn = mín(1<j<k<n) [ (k-j+1).Qf - (Qj+Qj+1+Qj+2+...+Qk-2+Qk-1+Qk)]

Dn = (k-j+1). Qf - mín(1<j<k<n) (Qj+Qj+1+Qj+2+...+Qk-2+Qk-1+Qk)

De forma que

dV/dQf = (k-j+1)

Tal resultado, quando Qf está em unidades de volume, é, naturalmente, adimensional. A duração do período crítico é, então, medida em “unidades de intervalo de tempo”, sejam elas qual forem (anos, por exemplo).

Ainda na figura de construção da curva de regularização, mostra-se um leque de segmentos de retas com inclinações correspondentes, respectivamente, a 1, 2, 3 e 4 anos de duração do período critico. O nível de regularização associado a cada uma dessas durações é dado pelo ponto exato em que a tangente à curva de regularização tem a mesma inclinação da reta correspondente. Por exemplo, a tangente à curva de regularização no ponto correspondente a 80% de nível de regularização indica, graficamente, que a duração do período crítico é de cerca de 2 anos. Outro exemplo: para um certo nível de regularização entre 95% e 100%, a duração do período crítico é de ΔV/ ΔQ = (166,61-93,5)/(100-95) = 14,6 anos.

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Finalmente, a última figura mostra o aspecto final da curva de regularização (válida para risco de 50%, horizonte de planejamento de 40 anos e afluências com coeficiente de variação de 20%) e a tabulação seguinte resume aspectos interessantes como duração de períodos críticos e expressão do volume de reservatório em “dias de vazão média”, facilitando a comparação com outros exemplos ilustrativos deste trabalho.

Para valorizar a análise de sensibilidade apresentada ao final da seção “Modelos Simples, Resultados Relevantes”, cabe ressaltar que o armazenamento de 530 dias lá apresentado (para garantia de 50%, n=40 e σ/µ=20%), agora, como mostrado na tabulação seguinte, vale 608 dias, depois de três correções para adaptar-se ao mundo real: distribuição exata no lugar da distribuição assintótica (mudança de 530 para 457 dias), correção para variabilidade intra-ano das vazões mensais (mudança de 457 para 524 dias), e dependência em série das vazões anuais (mudança de 524 para 608 dias).

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Duração do Período Crítico

Nivel de Regularização (% da vazão média)

Armazenamento (% do deflúvio anual)

Armazenamento (dias de vazão

média)

65% 14,0 % 51 dias

1,27 anos

70% 20,7% 75 dias

1,56 anos

75% 28,5% 104 dias

1,7 anos

80% 37,0% 135 dias

2,3 anos

85% 48,5% 177 dias

3,1 anos

90% 64,0% 234 dias

5,9 anos

95% 93,5% 341 dias

14,6 anos

100% 167% 608 dias

A lei dos rendimentos marginais decrescentes fica bem ilustrada nessa tabela, quando se nota, por exemplo, que 75% de regularização pede um armazenamento quase seis vezes menor que o exigido para 100% de regularização. Ou que, com menos da terça parte do armazenamento necessário para 100% de regularização, consegue-se garantir mais de 85% da vazão média. Nessa faixa, de menos de 75% a mais de 85%, a duração do período crítico varia entre 1,5 e 3 anos.

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Parte III - Balanço Hídrico, Estoques e Fluxos

Resumo Esta Parte III – Balanço Hídrico, Estoques e Fluxos pretende lembrar que a parcela de água superficial fresca é pequena: 0,0075% do volume total das águas do planeta. São 104.620 km3, distribuídos em lagos (90.990 km3), pântanos (11.510 km3) e rios (2.120 km3). Pretende também ressaltar a enorme riqueza hídrica da América do Sul: o deflúvio anual médio desse continente é de 12.200 km3, mais que a quarta parte do deflúvio anual médio do planeta, que é de 47.000 km3. Pretende ainda mostrar que o deflúvio anual médio brasileiro (5.667 km3) é mais que o triplo do deflúvio anual médio americano (1.787 km3), apesar de os dois países terem tamanhos comparáveis.

Na sequência, comparam-se os armazenamentos em reservatórios superficiais implantados (i.e, não naturais) nos Estados Unidos e no Brasil. Mostra-se que o setor elétrico brasileiro é o grande responsável pela maior parte do armazenamento nacional de água, justificando uma das matrizes energéticas mais renováveis e “livres de carbono” do planeta. A grande sinergia do setor elétrico brasileiro é explicada pela combinação da diversidade hidrológica nacional com a interligação dos sistemas elétricos regionais.

Argumenta-se ainda que os mais de 50 anos de idade média de mais de 75 mil barragens americanas não foram suficientes para produzir evidências que suportem a assertiva de que construí-las foi um erro ambiental. E que a natureza providenciou lagos naturais nos Estados Unidos com volume de água vinte vezes maior que a totalidade dos volumes contidos nos reservatórios implantados.

Balanço Hídrico do Planeta

Estima-se que a quantidade total de água no planeta seja de 1,386 bilhões de quilômetros cúbicos (Gleick, 1996). Cerca de 97,5% desse volume corresponde a água salgada. Apenas 35,030 milhões de quilômetros cúbicos (cerca de 2,5% do total) correspondem a água fresca, sendo que 24,064 milhões de quilômetros cúbicos estão na forma de gelo. A maior parte dos 10,966 milhões de quilômetros cúbicos restantes está armazenada no subsolo, ficando apenas 104.620 quilômetros cúbicos na superfície da terra, na forma de lagos (90.990 quilômetros cúbicos), pântanos (11.510 quilômetros cúbicos) e rios (2.120 quilômetros cúbicos). O vapor de água na atmosfera equivale a 12.900 quilômetros cúbicos, mais de seis vezes o volume total da água encontrada nos rios.

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Reservas Hídricas do Planeta - Estoques

Descrição Unidade: km3 Unidade: mm

Volume total das águas do planeta 1.386.000.000

Água salgada 1.350.970.000

Água fresca 35.030.000

Água fresca na forma de gelo 24.064.000

Água fresca no estado líquido 10.966.000

Água fresca armazenada no subsolo 10.861.380

Água fresca superficial 104.620 703

Água fresca superficial - Lagos 90.990 612

Água fresca superficial - Pântanos 11.510 77

Água fresca superficial - Rios 2.120 14

Para facilitar a visualização e possibilitar a comparação dos diversos volumes, normalmente eles são transformados em “altura equivalente uniforme”, mediante a divisão pela área correspondente. Adotam-se milímetros como a unidade preferencial em balanços hidrológicos. Considerando 148,75 milhões de quilômetros quadrados como a parte da superfície do planeta ocupada pelos continentes e por ilhas (360,63 milhões corresponderiam a mares e oceanos, dando um total de 509,38 milhões de quilômetros quadrados), o volume total de água fresca superficial equivaleria a uma lâmina de água de 703 mm, uniformemente distribuída por toda a terra firme. O volume armazenado em lagos seria equivalente a 612 mm; em pântanos, banhados, alagados, estariam 77 mm e nos rios, apenas 14 mm. A parcela da água que se encontra nos rios, portanto, corresponde a apenas 2,03 % das águas superficiais, 0,006 % das águas frescas ou 0,000153 % do total das águas do planeta. Em outras palavras, trata-se de um volume igual a uma vez e meia a milionésima parte do total de água do planeta.

Os dados acima apresentados vieram de estudos efetuados no âmbito do Decênio Hidrológico Internacional, com base em mais de 18.000 estações hidrológicas e mais de 50.000 estações hidro

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meteorológicas (a ampla maioria no hemisfério norte). Os resultados foram publicados por Shiklomanov e Sokolov (1983). Além de informações sobre as reservas hídricas do planeta, esses autores mostram o fluxo anual do ciclo hidrológico: 577 mil quilômetros cúbicos evaporam anualmente, na média, sendo 505 mil dos oceanos e 72 mil dos continentes; 577 mil quilômetros cúbicos precipitam-se anualmente, na média, sendo 458 mil sobre os oceanos e 119 mil sobre os continentes. O balanço negativo de 47 mil quilômetros cúbicos verificado nos oceanos é compensado pela contribuição dos continentes, na forma de deflúvio (run off, no termo em inglês). Na unidade preferencial em balanços hidrológicos, pode-se dizer que anualmente, em média 800 milímetros precipitam-se sobre os continentes e ilhas, sendo que 484 mm evaporam e 316 mm escoam pelos rios de volta para os oceanos.

Balanço Hídrico do Planeta - Fluxos Anuais

Descrição Unidade: km3 Área afetada: km2 Unidade: mm

Total anual de precipitação pluvial 577.000 509.380.000 1.133

Chuva média anual nos oceanos 458.000 360.630.000 1.270

Chuva média anual em terra 119.000 148.750.000 800

Total anual de evaporação 577.000 509.380.000 1.133

Evaporação média anual nos oceanos 505.000 360.630.000 1.400

Evaporação média anual em terra 72.000 148.750.000 484

Balanço anual nos oceanos -47.000 360.630.000 -130

Balanço anual em terra +47.000 148.750.000 +316

Esse deflúvio de 47.000 km3 ou 316 mm pode ser expresso na forma de vazão específica, ou seja, na taxa de escoamento de 316.000 m3/km2 ao longo dos 31.536.000 segundos de um ano: ≈10 l/s/km2.

A tabulação seguinte indica que a América do Sul é duas vezes mais rica, hidricamente, que a média dos continentes. Com efeito, cerca de 25% do fluxo total de água no planeta ocorre na América do Sul. Por isso, o apelido de “Continente Água” (“Water Continent”). A propósito, cabe também comentar que as três maiores concentrações de potencial hidroelétrico do mundo estão na América do Sul (bacia amazônica, bacia oposta à amazônica - drenando para o Pacífico - e bacia do Prata).

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Balanço Hídrico Anual por Continente

Continente Precipitação Evaporação Deflúvio

mm Km3 mm Km3 mm Km3

Europa 790 8.290 507 5.320 283 2.970

Ásia 740 32.200 416 18.100 324 14.100

África 740 22.300 587 17.700 153 4.600

América do Norte 756 18.300 418 10.100 339 8.180

América do Sul 1.600 28.400 910 16.200 685 12.200

Austrália e Oceania 791 7.080 511 4.570 280 2.510

Antártica 165 2.310 0 0 165 2.310

Todos os continentes e ilhas 800 119.000 484 72.000 316 47.000

O objetivo do próximo item é comparar os volumes dos reservatórios implantados (pelo homem) com os volumes dos reservatórios naturais, nos Estados Unidos e no Brasil. Para auxiliar nessa comparação, a tabela seguinte apresenta informações adicionais.

Balanços Hídricos Interessantes

Região Precipitação/ano Evaporação/ano Deflúvio/ano

mm Km3 mm Km3 mm Km3

Amazônia (Brasileira) 2.239 8.660 1.164 4.500 1.075 4.160

Brasil 1800 15.367 1.137 9.700 664 5.667

Estados Unidos (Contínuo) 762 5.959 533 4.171 229 1.787

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Reservatórios Superficiais Implantados e Naturais

Para o raciocínio de regularização de vazões, que compara o estoque de água com o fluxo total, os números mais importantes do item anterior são a disponibilidade total de águas superficiais (104.620 km3) e o deflúvio médio anual (47.000 km3/ano). Eles indicam que o estoque de águas superficiais equivale a 812 dias de vazão média. É um valor expressivo que serve para ressaltar a importância do serviço prestado pelo sistema ecológico de suprimento e regularização de água a que se referem Costanza et alii (1997). No entanto, a eficiência da regularização é limitada, uma vez que esses reservatórios naturais, obviamente, não são operados segundo regras especificas ditadas pelas necessidades do consumo. Além do mais, a distribuição geográfica dos reservatórios não coincide com a localização das demandas de água.

Os 90.990 km3 contidos nos lagos, que correspondem a 612 mm de altura equivalente (caso fossem distribuídos uniformemente pelos 148.750.000 km2 de terra firme), na verdade ocupam 1.236.400 km2 (Shiklomanov e Sokolov, 1983), o que resulta em um profundidade média de 73,6 m. Em decorrência da erosão glacial, que gerou profundas depressões na crosta terrestre, há uma concentração de grandes lagos no hemisfério norte: mais da metade do volume total de 90.990 km3 está no lago Baikal, na Rússia (25%) e nos Grande Lagos da América do Norte, entre os Estados Unidos e Canadá (27%).

Outros números importantes do item anterior são os 12.200 km3 de deflúvio anual da América do Sul (mais que 25% do deflúvio total de 47.000 km3 do planeta) e os 5.667 km3 de deflúvio anual do Brasil (mais que o triplo dos 1.787 km3 de deflúvio anual dos Estados Unidos). A exuberância da riqueza hídrica sul americana não é acompanhada por grande volume de reservatórios naturais, que se concentram no hemisfério norte. E a exuberância da riqueza hídrica brasileira, como será mostrado a seguir, não é acompanhada pelo adequado volume de armazenamento em reservatórios implantados pelos homens.

Estima-se que há 19.000 km3 de lagos de água fresca nos Estados Unidos, a maior parte desse volume composto pela decisão arbitrária de dividir os Grandes Lagos em partes iguais entre americanos e canadenses (NOOA, National Oceanic and Atmospheric Administration). Para ressaltar como é marcante essa concentração, basta expressar esse volume (19.000 km3) em dias de vazão média (1.787 km3/ano): são 3881 dias. O resultado é bem superior aos 812 dias obtidos para o planeta como um todo.

Nos Estados Unidos, há aproximadamente 2.700 reservatórios (incluindo lagos naturais controlados) com mais de 6.167.500 m3 de capacidade de armazenamento cada um (em unidades inglesas, 5 mil “acres-pés”). No total, propiciam o armazenamento de 592 km3 de água, sendo que 90% dessa capacidade está concentrada nos 600 maiores reservatórios. Os grandes reservatórios são geralmente públicos, sendo gerenciados pelo U. S. Army Corps of Engineers (cerca de 600 barragens e reservatórios), pelo Bureau of Reclamation (cerca de 300 barragens e reservatórios) e pelo Tennessee Valley Authority (mais de 50 barragens e reservatórios).

Há também, nos Estados Unidos, aproximadamente 50.000 reservatórios com capacidade de armazenamento entre 6.167.500 m3 e 61.675 m3 (por definição, a capacidade total nessa categoria tem de estar entre 308 e 3 km3 ; adote-se 156 km3 como estimativa dessa capacidade).

Pequenas barragens e reservatórios não são, na maioria, públicos, mas cabe registrar a importância de algumas agências federais como o Bureau of Land Management (mais de 750 unidades), Forest

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Service (400), Bureau of Indian Affairs (300) , National Park Service (260), Fish and Wildlife Service (175), Departmento de Energia (30).

Estima-se ainda que haja cerca de 2 milhões de açudes nas fazendas americanas. Não há estimativa da capacidade total dessa categoria, mas certamente é bem menor que 123,35 km3, valor que seria obtido no caso implausível de classificarem-se todos os 2 milhões de açudes no limite da categoria vizinha, de pequenos reservatórios. Adote-se a metade, 62 km3 para, somados a 156 km3 e 592 km3 descritos acima, chegar-se a 810 km3 como o volume total a ser considerado, para os propósitos deste trabalho.

No Brasil, a Agência Nacional de Águas (ANA) relacionou 476 reservatórios, em onze das doze regiões hidrográficas brasileiras e chegou a 687 km3 de armazenamento total e 39.500 km2 de área ocupada. Em particular, 205 desses reservatórios servem usinas hidrelétricas, armazenando 653 km3 (dos quais, 341 km3 correspondem ao chamado volume útil) e ocupando a área de 37.000 km2. As informações foram coletadas junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), ao Operador Nacional do Sistema (ONS) e à própria Agência Nacional de Águas (“Base de Dados dos Reservatórios do Nordeste com capacidade superior a 10 hm3 ”, ANA, 2011, além do Atlas Brasil - “Abastecimento Urbano de Água”, ANA, 2010, para regiões metropolitanas). Adote-se 37 km3

como volume armazenado em açudes e pequenos reservatórios para, somado a 687 km3 descrito acima, chegar-se a 724 km3 como o volume total a ser considerado, para os propósitos deste trabalho.

Adotando os valores de 810 km3 e de 724 km3 como os volumes de água fresca armazenados em reservatórios americanos e brasileiros, respectivamente, graças a obras de retenção construídas pelos homens, chegam-se aos seguintes indicadores, úteis para efeito de comparação:

Armazenamento de Água Fresca População Número Índice

810 km3 313 milhões de americanos 2.590 m3 per capita

724 km3 191 milhões de brasileiros 3.790 m3 per capita

Armazenamento de Água Fresca Deflúvio médio anual Número Índice

810 km3 1.787 km3/ano nos EUA 165 dias de vazão media

724 km3 5.667 km3/ano no Brasil 47 dias de vazão media

Na verdade, outros autores reportam diferentes estimativas do armazenamento total em reservatórios americanos. Por exemplo, Vogel et alii (1999), desenvolveram ensaios de regressão com dados de 5.392 reservatórios e, para atestar a representatividade do seu trabalho, compararam a sua distribuição geográfica com a de 55.247 barragens relacionadas no Inventário Nacional de Barragens (NID, na sigla em inglês), preparado em 1996 pela FEMA (Federal Emergency Management Agency) e pelo USACE (United States Army Corps of Engineers). Com base em leituras gráficas da figura 5 desse artigo, o armazenamento total dessas 55.247 barragens (que seriam as mais importantes das 74.914 cadastradas no território americano “contínuo”), seria de apenas 597 km3.

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Por outro lado, Graf(1999), utilizando a mesma base da dados da FEMA/USACE, traça a sua figura 3, cuja leitura gráfica sugere que o armazenamento nacional total seria de 865 milhões de “acre-feet”, equivalente a 1067 km3. Graf (1999) em particular é bastante crítico da qualidade da informação contida no Inventário Nacional de Barragens. Menciona erros, omissões e impropriedade de organização: para atender a propósitos administrativos e legais, o inventário apresenta os dados por distrito, condado e estado, e não por bacia hidrográfica...

Há outras bases de dados mencionadas na literatura técnica, mas é justo ressaltar que, de um modo geral, bancos de dados coletados e organizados por entidades internacionais são de qualidade ainda mais discutível que a do inventário americano, já que a responsabilidade é transferida para cada país membro, e as fontes específicas não são necessariamente identificadas com precisão. Vale registrar estimativas (exageradas, na opinião deste autor) de White (2010), baseadas em informações compiladas em 2003 pelo Comitê Internacional de Grandes Barragens (ICOLD, na sigla em inglês): o armazenamento total do planeta seria de 6.616 km3, sendo 1.922 km3 na América do Norte e 969 km3 na América do Sul.

Energia Armazenada no Sistema Interligado Nacional

O reservatório não precisa estar necessariamente na seção de captação de água. Mas o chamado máximo déficit acumulado Dn, que indica o tamanho do armazenamento a ser providenciado para a regularização da vazão demandada, é definido, sim, a partir das vazões na seção de captação. O que muda é o potencial de regularização, que é avaliado cotejando-se a curva de permanência das vazões das áreas controladas (i.e, das áreas a montante dos reservatórios), com a curva de permanência das vazões na seção de captação. Assim, é necessário ter cuidado com a transformação do armazenamento em “dias de vazão média”, perguntando-se: vazão média da área controlada ou da área captada?

Um exemplo pode ser dado com a Região Metropolitana de Curitiba. O armazenamento total é de 172 hm3, equivalente a 57 m3 por habitante. Os reservatórios estão nas cabeceiras dos formadores do rio Iguaçu, o que é ótima ideia para áreas de proteção ambiental: englobar os mananciais. As áreas alagadas também são menores, com o recuo para seções a montante da captação, na procura de locais adequadas para a implantação de barragens. Em números, pode-se dizer que o armazenamento que regulariza vazões para os serviços de água de Curitiba equivale a 175 dias de vazão média das áreas captadas. Mas em relação à vazão das áreas controladas, corresponde a 306 dias. São, portanto, reservatórios hidrologicamente “grandes”, de regularização plurianual.

O primeiro desses reservatórios, em particular, dimensionado em 1969, é um reservatório de 364 dias de vazão da área controlada. (A estiagem de 1968 obrigou as autoridades a agir; Vujica Yevjevich, o pai da Hidrologia Estocástica, usava a expressão “ciclo hidro-ilógico” para descrever a tendência de as providências serem tomadas depois das crises, e não antes, para evitá-las.)

A ideia de os reservatórios não estarem no local de captação de água fica extremamente ampliada quando se projetam sistemas hidrelétricos integrados, com linhas de transmissão que transferem blocos de energia de um local para outro, tirando vantagem da chamada diversidade hidrológica. Assim, além de os reservatórios não precisarem estar no local de captação, nem mesmo precisam estar a montante, no mesmo rio. Como o armazenamento projetado é proporcional ao desvio padrão das afluências, e esses crescem em proporção menor que as médias, quando se somam afluências de locais diferentes, há um enorme ganho sinérgico, como bem tem demonstrado o Sistema Interligado Nacional – SIN, ao longo das décadas recentes.

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A primeira tabulação, na sequência, mostra a configuração atual do SIN, com quatro subsistemas que, isoladamente, pediriam armazenamentos proporcionais a coeficientes de variação entre 20 e 36%, mas que operados em conjunto satisfazem-se com um armazenamento proporcional a 18,61%. Essa configuração “assegura” 44.972 MW-médios o que, dividido pela afluência média de 57.396 MW-médios indica que o nível de regularização é de 78,35%.

Sub-Sistema do Sistema Interligado Sudeste Sul Nordeste Norte SIN 2012

Armazenamento Max (MWano) 16.726 1.635 4.317 1.057 23.735

Afluência Média Anual (MWmed) 34.254 8.740 8.231 6.171 57.396

Desvio Padrão da Afluência Anual (MWmed) 6.967 3.125 2.395 1.504 10.684

Coeficiente de Variação da Afluência Anual (%) 20,34 % 35,76 % 29,09 % 24,38 % 18,61 %

Armazenamento em % da Afluência Média Anual 48,83 % 18,70 % 52,45 % 17,12 % 41,35%

Armazenamento em meses de Afluência Média Anual 5,86 2,24 6,29 2,06 4,96

Armazenamento em dias de Afluência Média Anual 178 68,3 191 62,5 151

A segunda tabulação mostra a matriz de correlação entre as energias afluentes aos subsistemas, com destaque para as correlações negativas do Sul com Nordeste e com Norte. Mesmo não sendo independentes as afluências, há ganhos sinérgicos. A título de curiosidade, se as afluências aos subsistemas fossem independentes – que não é tão vantajoso quanto ser negativamente correlacionado – o desvio padrão seria 8.117 MWmed (menor que 10.684) e o coeficiente de variação cairia de 18,61% para 14,14%.

Configuração:2012 Matriz de Correlação entre Afluências Anuais

Sudeste Sul Nordeste Norte

Sudeste 1,0000 0,4364 0,5524 0,4191

Sul 1,0000 -0,1048 -0,1384

Nordeste 1,0000 0,6222

Norte 1,0000

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A primeira figura apresentada na sequência ilustra a faixa de valores, na curva de regularização, que o setor elétrico brasileiro tem perseguido, há décadas. A segunda figura, em escala expandida, com quadrados em vermelho mostrando pontos da curva de regularização, compara o ponto de abcissa 41,35% (armazenamento do SIN 2012) e ordenada 78,35% (nível de regularização do SIN 2012) com o resultado que seria obtido com a integração total dos subsistemas: mais de 80% de nível de regularização. (Na verdade, a energia assegurada, de 44.972 MW-médios corresponde ao nível de 78,35%: os subsistemas ainda não estão interligados com efetividade máxima, mas falta pouco)

É interessante ressaltar que essa curva de regularização em particular (válida para risco de 50%, horizonte de planejamento de 40 anos e afluências com coeficiente de variação de 20%) foi produzida há 25 anos (Gomide, 1986) e que os dados são da configuração atual.

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Para concluir, mostra-se mais uma tabulação, que em sua última coluna indica a tendência de investir-se menos em armazenamento, que é o tema central deste trabalho. A configuração de 2002, como a atual (2012), corresponde a armazenamentos da ordem de 150 dias. Já a configuração que está sendo estudada para 2025 rebaixa substancialmente o armazenamento (para 94 dias). É também impressionante a grande redução do coeficiente de variação (para 12,72%), o que acontece graças à incorporação de bacias cada vez mais “diversas”, digamos assim.

Na verdade, o que se esperava era o aproveitamento da diminuição do coeficiente de variação para avançar-se no aumento do nível de regularização. Para mais de 85%, talvez. Em vez disso, a redução exagerada no armazenamento pode causar queda indesejável no nível de regularização, a ser compensada por geração térmica, com a consequente produção de gases de efeito estufa ou de lixo atômico!

Configuração do Sistema Interligado Nacional 2002 2012 2025

Número de Usinas 79 125 216

Armazenamento Max (MWano) 20.029 23.735 27.425

Afluência Média Anual (MWmed) 48.891 57.396 106.910

Desvio Padrão da Afluência Anual (MWmed) 9.893 10.684 13.596

Coeficiente de Variação da Afluência Anual (%) 20,23 % 18,61 % 12,72%

Armazenamento em % da Afluência Média Anual 40,97 % 41,35% 25,65

Armazenamento em meses de Afluência Média Anual 4,92 4,96 3,08

Armazenamento em dias de Afluência Média Anual 150 151 94

Uma palavra final de cautela: é importante não confundir o armazenamento de 151 dias da atual configuração com a duração de períodos críticos. Pelo que foi visto no item anterior, o período crítico deve ser da ordem de 600 dias.

O armazenamento de 151 dias da atual configuração também não deve ser confundido com os 42 dias (obtidos da divisão de 653 km3 por 5.667 km3/ano) de deflúvio médio brasileiro armazenado nos reservatórios do setor elétrico. Aí está um bom exemplo do cuidado que se deve tomar ao medir o armazenamento em dias de vazão média: pode ser vazão da bacia controlada, da bacia captada, ou ainda, da totalidade das bacias do país!

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Parte IV - Sumário e Comentários Finais

Sumário

O privilegiado Brasil

O território brasileiro é privilegiado. Foi poupado da ocorrência de eventos geofísicos catastróficos que ameacem a sua integridade, que coloquem em perigo os seus habitantes e que sejam de prevenção quase impossível, como terremotos, furacões, tsunamis, vulcões, etc.

Privilégio adicional, a riqueza hídrica brasileira é excepcional: enquanto a precipitação média anual observada na totalidade dos continentes é de 800 mm, na América do Sul ela vale o dobro (1.600 mm) e no Brasil é maior ainda (1.800 mm). Na Amazônia brasileira, chove mais de 2.200 mm por ano. Na Amazônia como um todo, chove mais que 2.400 mm por ano (o triplo dos 800 mm médios!).

Os 5.667 km3 de deflúvio médio anual brasileiro representam mais que o triplo dos 1.787 km3 de deflúvio médio anual dos Estados Unidos, país de tamanho comparável. Cerca de 25% do fluxo total de água no planeta ocorre na América do Sul. Além disso, as três maiores concentrações de potencial hidroelétrico do mundo estão na América do Sul (bacia amazônica, bacia oposta à amazônica - drenando para o Pacífico - e bacia do Prata).

Como responsabilidade decorrente dessa enorme riqueza hídrica, especial atenção deve ser prestada aos eventos extremos do ciclo hidrológico, preparando a população para conviver com enchentes e estiagens “normais”, no sentido de recorrência frequente.

A infraestrutura descuidada

Estabelecendo de forma muito clara a conexão entre segurança hídrica, segurança alimentar e segurança física das pessoas, reservatórios têm sido o instrumento utilizado pela humanidade, há milhares de anos, para a administração de eventos extremos hidrológicos.

A partir dos anos oitenta, organizações e grupos de pressão específicos investiram equivocadamente contra “grandes barragens”, pressionando instituições multilaterais de crédito – como o Banco Mundial – para que diminuíssem drasticamente o apoio a projetos hidroelétricos, dando início praticamente a um processo de criminalização dos reservatórios.

O combate irracional aos reservatórios produziu fenômenos como o “neoambientalismo” (neologismo para denotar a utilização da bandeira ambiental por despreparados, como instrumento de relações públicas). Especialmente no Brasil, produziu também a “judicialização” e a “ideologização” tanto do processo de licenciamento ambiental como do processo de construção de obras hidráulicas.

Os estamentos técnicos e burocráticos de instituições internacionais (como o Banco Mundial e a OECD), não reconhecendo as óbvias diferenças entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, passaram a priorizar e recomendar “investimentos em gestão”, em vez de apoiar investimentos em infraestrutura. Assim, o Século XX foi encerrado com 1 bilhão e 600 milhões de pessoas sem os benefícios da eletricidade e com mais de 850 milhões de pessoas sem acesso adequado a água.

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As comparações reveladoras

Inspirado na declaração de que i) na Califórnia, há mais de 6 mil metros cúbicos de água armazenada para cada pessoa, ii) no Paquistão, 100 m3 per capita e iii) na Etiópia, 30 m3 per capita, foi feito um esforço para avaliar os valores médios para os Estados Unidos como um todo, bem como para o Brasil. Aparentemente, há cerca de 2.590 m3 de água armazenada para cada americano, e cerca de 3.790 m3 para cada brasileiro. Desconsiderando o setor elétrico, o indicador brasileiro despencaria para 372 m3 per capita.

Inspirado na declaração de que nos reservatórios do rio Colorado (EUA) armazenam-se mais de mil dias de vazão média e no rio Indus, proporcionalmente, menos de 30 dias, foi feito um esforço para avaliar os valores médios para os Estados Unidos como um todo, bem como para o Brasil. Aparentemente, os reservatórios não naturais americanos armazenam 165 dias do deflúvio médio anual (soma das vazões de todos os seus rios). Os reservatórios brasileiros armazenam apenas 47 dias do deflúvio médio anual. Desconsiderando o setor elétrico, o indicador brasileiro despencaria para 5 dias!

O setor elétrico brasileiro é – e espera-se que continue – predominantemente hidráulico. Graças à hidroeletricidade, o Brasil apresenta uma das matrizes energéticas mais limpas, renováveis e “livre de carbono” do planeta. A área inundada pelos seus reservatórios é de 37.000 km2. Para efeito de comparação, cite-se que a natureza concentrou 90% dos 90.990 km3 de água fresca encontrada em lagos, em apenas 11 localidades, com área média de inundação de 44.800 km2. Oito desses grandes lagos estão no hemisfério norte, três estão na África e, evidentemente, nenhum na América do Sul.

A hidrologia estocástica

Com base no mais simples de todos os processos estocásticos, foi possível chegar a um resultado muito relevante: a distribuição assintótica de probabilidades do volume de reservatório necessário para o caso de regularização total (i.e, regularização de 100% da vazão média afluente, ou da energia média afluente). Para ampla faixa de valores usuais de probabilidade de sucesso, de vida útil das obras e de coeficiente de variação das afluências, o armazenamento necessário para regularização total pode variar de 364 dias a 1.157 dias de vazão média.

O traçado da curva de regularização para uma condição representativa do Brasil atual ilustrou a lei dos rendimentos marginais decrescentes: baixando o nível de regularização para 75% da vazão média afluente, o armazenamento necessário é quase seis vezes menor que o exigido para 100% de regularização. Outro exemplo: com menos da terça parte do armazenamento necessário para 100% de regularização, consegue-se garantir mais de 85% da vazão média.

Existe uma decisão “ótima” referente ao dimensionamento de reservatórios: o aproveitamento não predatório dos recursos naturais recomenda que os reservatórios não sejam muito pequenos e a lei dos rendimentos marginais decrescente recomenda que eles não sejam muito grandes.

Procurar níveis de regularização entre 75% e 85% (da vazão média, ou da energia média), e armazenamento entre 90 e 180 dias de vazão média, que há décadas é a prática corrente no Brasil, é bem defensável. A diminuição, no futuro, do coeficiente de variação das afluências deveria encorajar o aumento do nível de regularização. No entanto, os planos de expansão do setor elétrico indicam a direção contrária, o que é muito preocupante.

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Comentários e Recomendações Finais

As principais objeções aos reservatórios implicam em duas negações. A primeira negação tem a ver com o não reconhecimento da possibilidade de que, rompido o equilíbrio ecológico pela implantação da obra, sigam-se medidas remediais efetivas que possibilitem o ajustamento das espécies biológicas a um novo – e frequentemente melhor – ambiente ecológico. A segunda negação é o não reconhecimento de que, em muitas situações, deva ser contemplada a relocação de populações instaladas em locais inadequados do ponto de vista do interesse público mais alto. E o não reconhecimento de que tal relocação possa ser conduzida de forma a melhorar a vida dessas populações, sob todos os pontos de vista.

Tomando os dados dos Estados Unidos da América como base para argumentação, é interessante ressaltar que o fato de estar acima de 50 anos a idade média das mais de 75.000 barragens americanas (há quem, como a Sociedade Americana de Engenheiros Civis – ASCE na sigla em inglês – diga que são 85.000) não é tomado como evidência de capacidade de ajustamento a novo ambiente ecológico, em processos de recuperação de equilíbrio.

A natureza, que nas palavras de Marcelo Gleiser (Professor de Física, Dartmouth College, Hanover, EUA, autor do livro “Criação Imperfeita), “segue indiferente, criando e destruindo sem um objetivo final...”, colocou 19.000 km3 de água fresca em lagos, nos Estados Unidos. Incrivelmente, há organizações que se dedicam a tentar convencer as pessoas que os 810 km3 dos reservatórios providenciados pelo engenho humano americano foram um erro ambiental intolerável. Como essas organizações acreditam que todos os erros – mesmo os imaginários – devem ser punidos, decidiram que “chega de barragens”.

Infelizmente, a equivocada implicância com obras de infraestrutura em geral e com reservatórios em particular, é tão presente e influente que termina induzindo organizações governamentais e instituições multilaterais de crédito a sugerirem que os países emergentes e em desenvolvimento trilhem caminhos nunca testados anteriormente.

A impressão que fica é de que tudo se passa como se os membros de um clube – o clube dos ricos – estabelecessem regras para selecionar novos sócios, e que essas regras impusessem uma série de condições, não satisfeitas – nem hoje nem anteriormente – pelos próprios sócios atuais. Pior ainda: regras tais que, caso tivessem sido seguidas no passado pelos atuais sócios, talvez tivessem impossibilitado que se tornassem membros do clube!

Assim sendo, a primeira recomendação deste trabalho é: reapresentar as perguntas básicas que sintetizam a não conformidade com a tentativa de criminalização dos reservatórios, exigir respostas e insistir no debate exaustivo. Agindo como advogados de defesa, inocentar os acusados (reservatórios) é o objetivo final:

Como justificar a oposição ao notável serviço ecológico de regularização das vazões dos rios? E de suprimento de água? Como abrir mão da legítima defesa contra cheias, através da providência de volumes de espera para acomodá-las, ainda que parcialmente? Como atacar os lagos artificiais sem lamentar a existência dos lagos naturais? Como justificar a substituição de energia renovável como a hidroelétrica por energia térmica proveniente da combustão de carvão ou de derivados do petróleo? Como enxergar mais riscos ambientais em hidroelétricas que em centrais termonucleares?

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A segunda recomendação é que se produza, adotando a bacia hidrográfica como unidade básica, um plano abrangente de aproveitamento dos recursos hídricos, considerando, de forma integrada, os múltiplos usos da água. Algo similar, limitado ao inventário do potencial hidrelétrico do Sul e do Sudeste do Brasil foi feito, nos anos 60 e balizou durante décadas a expansão do sistema brasileiro de geração de eletricidade. O que se propõe agora é, em realidade, proporcionalmente mais fácil e mais barato que a iniciativa pioneira dos anos 60, em função da abundância de recursos tecnológicos e humanos que hoje existem. E muito desse trabalho já está sendo feito, ainda que setorialmente limitado, no âmbito, por exemplo, da Empresa de Pesquisa Energética - EPE.

A dificuldade encontrada para quantificar a totalidade do armazenamento de água fresca nos Estados Unidos e no Brasil sugere a necessidade e conveniência de contatos institucionais do Brasil com as entidades responsáveis por esse tipo de inventário em outros países. Além de tomar conhecimento dos dados dos outros países, podem-se absorver e transferir as tecnologias por eles utilizadas no processo de mensuração de áreas alagadas e de volumes armazenados. Certo é que não será bem sucedido no planejamento integrado do uso futuro dos seus recursos hídricos, o país que desconhecer a situação do aproveitamento no tempo presente.

Na verdade, subjacentes à problemática do planejamento integrado dos recursos hídricos estão as condições sob as quais os recursos naturais serão “otimamente convertidos” em benefícios para a atual e as futuras gerações. O fator água deve ser apreciado no contexto do conjunto dos recursos naturais (capital natural). É necessário um esforço gigantesco para que o capital natural seja inventariado, classificado, apreçado e, na sequência, administrado de forma a ser preservado em sua totalidade. Atribuir valor econômico aos serviços prestados pelos ecossistemas é uma maneira de avaliar o capital natural que os produz. Em paralelo, identificar o custo que as atividades produtivas impõem ao ambiente será cada vez mais importante. Algumas reflexões sobre esse assunto estão em anexo, em função da estreita relação com o aproveitamento racional dos recursos hídricos do Brasil.

Essencialmente, o que lá se propõe é que se relacione a totalidade do estoque de capital natural (recursos florestais, recursos minerais não renováveis, recursos hídricos, etc.), para em seguida classificá-lo em três categorias: i) recursos naturais intocáveis, ii) recursos naturais não renováveis disponíveis para exaustão (significando venda e monetização) e iii) recursos naturais renováveis disponíveis para arrendamento.

Assim, seria mostrado para a sociedade, de forma muito clara, que o capital natural, além de não decrescente, seria composto por uma parcela intocada, por outra parcela “monetizada” (gerando receita de juros) e por uma terceira parcela “arrendada” (gerando receita de aluguel). Com essas receitas (de aluguel e de juros), políticas públicas poderiam ser implementadas, de forma transparente, sem utilização de recursos da arrecadação de impostos e sem introdução de distorções tarifárias.

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Anexo: Preservação do estoque de capital natural

O estudo do desenvolvimento (econômico e social) sustentável deve ser triplamente focado: foco no homem, foco na terra, foco na luta pelo fortalecimento das instituições. Os desafios são: i) o desenvolvimento pleno dos recursos humanos (foco no homem, ou seja, investimento no capital humano), ii) o aproveitamento inteligente e equilibrado dos recursos naturais (foco na terra, ou melhor, no capital natural) e iii) o aprimoramento do conjunto de crenças e valores capaz de regular o relacionamento das pessoas entre si, e delas com a natureza (a luta pelo fortalecimento das instituições, ou, digamos, investimento no capital político).

O investimento no capital humano é o menos difícil e o mais incontroverso. O que se pede é apenas educação de qualidade para todos, programas de capacitação profissional e efetividade da rede de proteção social. No entanto, estamos longe de qualquer posição satisfatória nesses três quesitos.

O investimento no capital natural é menos fácil e mais controvertido. Há quem procure atribuir valor econômico aos serviços prestados pelos ecossistemas. Mas “remunerar” a totalidade do estoque de capital natural que produz esses serviços não parece ser um caminho promissor. Não muito diferente, mas bem mais importante, é identificar-se o custo que as atividades produtivas impõem ao ambiente, de forma clara e incontestada, para garantir que ele seja “capturado” ou “enxergado” pelos mercados comerciais. Por exemplo, as usinas térmicas que queimam combustíveis fósseis, já bem mais caras que as hidrelétricas, ficariam mais caras ainda, se compensassem o ambiente, pagando pelo CO2 emitido. Outro exemplo: se for impossível para o “empreendedor” fugir da obrigação de indenizar a sociedade pelo dano que a sua atividade possa impor ao ambiente, iniciativas com custos ambientais proibitivos deixarão de ser tomadas.

O investimento no capital político é o mais difícil e complexo. Felizmente, essa análise está fora do escopo do presente trabalho. Mas não se pode deixar de mencionar que a fraqueza de nossas instituições, a baixa qualidade das leis e dos políticos brasileiros e a inaceitável tolerância em relação à impunidade e à corrupção podem inviabilizar tanto o investimento em capital humano, como o investimento em capital natural.

Na arena política, perde-se muito tempo no debate cansativo sobre o tamanho do Estado e as imperfeições do livre mercado. Para evitar essa discussão, propõe-se aqui a aceitação da ideia de que o desejável é “tanto mercado quanto possível e tanto governo quanto necessário”. Consistente com essa linha de raciocínio, Rajan e Zingales (2003), em texto considerado uma das mais vibrantes defesas do livre mercado já escritas, argumentam convincentemente que “o sistema de livre mercado não pode florescer sem a mão muito visível do governo”. Propõe-se, enfim, a aceitação de que a mão visível do governo, de forma justa e transparente, será capaz de definir as condições para a conversão ótima dos recursos naturais em benefícios tanto para a atual como para as futuras gerações.

Assim, imagine-se que a totalidade do estoque de capital natural (recursos florestais, recursos minerais não renováveis, recursos hídricos, etc) de uma sociedade seja avaliada simultaneamente, e classificada em três categorias: i) uma parcela intocada e que assim continuará; ii) uma segunda parcela, disponível para exaustão (tipicamente, recursos minerais não renováveis) e iii) uma terceira parcela, disponível para arrendamento (tipicamente, recursos naturais renováveis).

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Faz sentido que o valor dos recursos não renováveis consumidos pela atual geração seja depositado em fundo especial, com expressão em moeda de referência, livre de inflação. Esses valores poderiam ser aplicados, gerando juros quase simbólicos (digamos, 1,25 % ao ano). Esse depósito poderia ser à vista, ou em parcelas de 3% ao ano, desde que o saldo devedor fosse remunerado com a taxa de juros já sugerida.

Evidentemente, pelo uso dos recursos renováveis, além de cobrir o custo imposto ao ambiente pela atividade produtiva, a geração atual deveria pagar uma espécie de aluguel (que, por analogia, deveria ser igual aos juros de 1,25% ao ano).

Assim, seria mostrado para a sociedade, de forma muito clara, que o capital natural, além de não decrescente, seria composto por uma parcela intocada, por outra parcela “monetizada” (gerando receita de juros) e por uma terceira parcela “arrendada” (gerando receita de aluguel). Com essas receitas (de aluguel e de juros), políticas públicas poderiam ser implementadas, de forma transparente. Por exemplo, energias alternativas que ainda não fossem competitivas, poderiam ser incentivadas sem usar recursos da arrecadação de impostos e sem que se introduzam distorções tarifárias. Outro exemplo seria o financiamento de obras parciais para reconciliar a defasagem no tempo das necessidades de diferentes usos da água (eclusas para navegação futura não devem encarecer a geração hidrelétrica atual, mas há algumas providências que, tomadas durante a implantação da usina, tornam-se muito baratas; financiá-las, portanto, pode ser muito vantajoso para a sociedade como um todo). A propósito, uma boa hora para começar a cobrar aluguel pelo uso do potencial hidráulico seria na eventual prorrogação das concessões de usinas antigas, tema hoje na ordem do dia.

Há décadas se espera a definição clara de como, afinal, deverão e poderão ser aproveitados os recursos naturais brasileiros. O zoneamento ecológico econômico, para todo o território nacional, poderia orientar as forças produtivas para o seu alinhamento com os interesses da nação. Certamente diminuiria a ameaça de insegurança jurídica. Ao mesmo tempo, incentivaria os tão necessários investimentos em infraestrutura. De qualquer maneira, a existência de definições claras sobre o aproveitamento dos recursos naturais é pré-requisito para a etapa de avaliação (apreçamento) do capital natural.

No que diz respeito aos recursos hídricos, parte essencial do zoneamento ecológico econômico, não há nenhuma razão para não termos ocupado os últimos 30 anos definindo, para cada bacia hidrográfica, o potencial hidrelétrico que será aproveitado, ao mesmo tempo em que se compatibilizassem os projetos com outros usos múltiplos das águas, como navegação, por exemplo. Com o custo da execução de uma única obra hidrelétrica, dezenas de projetos poderiam ser elaborados – e licenciados ambientalmente – com antecedência de anos em relação à sua implantação.