sobre o modo de existencia dos coletivos

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    Sobre os modos de existncia dos coletivos extramodernos:

    Bruno Latour e as cosmopolticas amerndias

    (projeto de pesquisa)

    O presente projeto d continuidade meta e inspirao tericas mais amplas de meu

    trabalho recente: investigar as implicaes, efeitos e impactos epistemo-polticos, do

    ponto de vista da antropologia como disciplina acadmica, das cosmopolticas ou

    (contra-)ontologias prticas dos povos indgenas do continente sul-americano,

    tomados estes como exemplo ou instanciao etnogrfica local da condio doscoletivos extramodernos no mundo contemporneo. Trata-se aqui de perseguir este

    objetivo por uma via, primeira vista, pouco usual pela constatao da ausncia

    desta questonaquele que pode ser considerado um dos estudos de antropologia (na

    verdade, um vai-e-vem transcategorial entre a antropologia emprica e a metafsica

    especulativa) mais importantes produzidos no sculo que se inicia, a monumental

    sntese Enqute sur les modes dexistence: une anthropologie des Modernes, de Bruno

    Latour, tratado vindo luz na Frana em 2012 e j traduzido nas duas lnguas

    dominantes do Ocidente, o ingls e o espanhol.1

    Minha inteno , assim, realizar uma anlise fina (um close reading, como

    dizem os crticos literrios) de Enqute sur les modes dexistence, seus antecedentes e

    condicionantes, seus desenvolvimentos paralelos e seus desdobramentos2, de modo a

    1Latour 2012. Ver a apreciao do livro feita de um ponto de vista filosfico (mas fortemente marcadopela antropologia pelo estruturalismo de Lvi-Strauss, em particular) por Maniglier 2012. Patrice

    Maniglier, professor da Universidade de Nanterre, um dos principais colaboradores (e incentivadores)do presente proponente tanto no que respeita retomada da antropologia lvi-straussiana como empresa de repensar as relaes entre antropologia e filosofia, e em particular de reivindicar para aantropologia um papel axial na reconstruo da metafsica filosfica como empresa necessariamentecomparativa.

    2 Entre os quais se destaca a verso do livro transposta para o AIME, uma grande plataforma digitalcolaborativa bilingue (ingls/francs), envolvendo dezenas de pesquisadores antroplogos, filsofos,telogos, juristas, matemticos, bilogos, economista. O site AIME (http://www.modesofexistence.org/)traz o texto da Enqute e uma quantidade de outras contribuies, como uma bibliografia e umaparelho de notas (dois componentes que no foram publicados na verso em livro da Enqute), umvalioso glossrio, alm de extensas discusses e crticas dos colaboradores do AIME, de linkspara textos

    e outros materiaisrelevantes, bem como os desenvolvimentos mais recentes do projeto.

    http://www.modesofexistence.org/http://www.modesofexistence.org/http://www.modesofexistence.org/
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    poder avaliar tanto antropolgica como etnograficamente a consistncia daquilo que

    Bruno Latour denomina modos de existncia, e que outros talvez chamassem

    ontologias regionais, prticas consolidadas de sentido ou regimes especficos deveredico reconhecidos prtica ou oficiosamente antes que institucional ou

    oficialmente pela cosmologia hegemnica da Modernidade ocidental e seu projeto

    de extenso universal (a modernizao). Trata-se de avaliar esta consistncia, em

    particular mas no exclusivamente, de um ponto de vista comparativo, isto , da

    perspectiva doque poderiam ser os modos de existncia dos outros coletivos (um

    termo tcnico latouriano), aqueles coletivos no-modernos ou, como prefiro design-

    los, extramodernos, uma vez que a noo de no-moderno, frequente na pena de

    Latour, tende a assumir irresistivelmente (e ao revs das intenes deste autor) um visevolucionista que a torna sinnima de pr-moderno, primitivo, atrasado, tradicional,

    ou, como se dizia nos velhos tempos, subdesenvolvido.

    O prefixo extra-, assim, marca exterioridade, no superlatividade (como se se

    pretendesse compensar a conotao privativa do conceito de no-moderno), em

    relao ao regime ontolgico (re)descrito por Bruno Latour nessa antropologia dos

    Modernos que a Enqute.3 Dada minha formao como etnlogo dos povos

    autctones das terras baixas da Amrica do Sul, interesso-me pelos portadores daquiloque Robert Redfield chamava de Pequenas Tradies, os ethnoie demais coletivos

    extramodernos ou terranos4 que insistem em existir que rexistem sem se

    considerar absolutamente representados pelos Estados nacionais territoriais que os

    submeteram a uma heteronomia poltico-cultural e a uma racionalizao econmica

    e ideolgica impostas, quase invariavelmente, a ferro e a fogo. Esses povos menores,

    no sentido que Milles Plateaux d ao conceito, assistem com uma ansiedade e uma

    perplexidade no isentas de desdm aos estertores agnicos do nomos europeu e passagem de basto da ofensiva modernizadora para as Grandes Tradies do

    extremo oriental da Eursia. Mas eis tambm que eles agora se vem, no sem

    pequena surpresa, chamados a vir em socorro dos velhos Modernos subitamente

    3 Nesta exposio, vou-me restringir verso publicada em livro do projeto AIME (ver a nota anterior),deixando de lado, por exigir um esforo de reflexo que s poder ser feito no decorrer mesmo dapesquisa, o modo de existncia da antropologia latouriana dos Modernos em sua forma colaborativa emulti-autoral da plataforma digital.

    4Para o conceito de terrano, ver Danowski & Viveiros de Castro 2015.

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    extenuados, acossados como se acham, de um lado, pelos novos Modernos do Oriente

    (e, como gostamos de imaginar aqui no Brasil, do Sul) que aplicam as lies

    aprendidas da Europa literalmente with a vengeance , e, de outro lado, pelaintruso de Gaia,5 essa potncia estranha que passou da posio passivamente

    indiferente de pano de fundo das proezas taumatrgicas dos Modernos (tambm

    chamados ironicamente por Latour de Humanos)6 posio de protagonista

    ameaador, tanto mais mortalmente imprevisvel quanto mais ativamente indiferente a

    ns ela se mostra. Pois Gaia, a Terra, sequer reages aes da espcie ou de seus

    representantes (as megacorporaes industriais e os Estados soberanos) ela apenas

    as registra implacavelmente. Estamos falando, bem entendido, da catstrofe climtica

    que se abate sobre o planeta, amplamente documentada pelas cincias biogeofsicas,uma situao que tornou popular o termo Antropoceno como designao da nova

    poca geolgica (alguns falam mesmo em nova era geolgica) iniciada com o advento

    da Revoluo Industrial, mas cujos efeitos mais dramticos passaram a se fazer sentir a

    partir de meados do sculo passado.7

    com tais reflexes que se encerra a Enqute sur les modes dexistence: com

    uma exortao para que o Ocidente venha buscar o socorro daqueles outros coletivos

    cujas competncias haviam sido rejeitadas, por crermos que nosso primeiro dever era,antes de mais nada, faz-los sair de seu arcasmo, modernizando-os E isso precisa ser

    feito antes que seja tarde demais, antes que a modernizao no se tenha implantado

    (abatido, frapp) igualmente em toda parte (Latour 2012: 480-81). Antes, portanto,

    que o mundo acabe, antes que Gaia desabe sobre todos ns, franceses e chineses,

    yanomamis e maoris sem esquecer os bilhes de outros (con)viventes que ainda no

    conseguimos varrer da face do planeta.

    Obedeamos ento a essa exortao in extremis de Latour e perguntemo-nossobre as consequncias da reforma da ontologia da modernidade realizada nesse livro

    realmente extraordinrio que a Enqute (doravante EME) para a redefinio dos

    termos de negociao entre os antigos senhores da Terra e os coletivos deixados por

    conta, os povos da Terra, aqueles que nunca saram dela em busca de qualquer

    5Stengers 2009.

    6Em oposio, precisamente, a Terranos (Latour 2013a, Danowski & Viveiros de Castro op.cit.).

    7Chakrabarty 2009.

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    transcendncia ou condio de exceo, teolgicas ou antropolgicas, e que portanto

    no tm qualquer necessidade de voltar Terra (revenir sur Terre).

    O primeiro e, para nossos propsitos, ponto fundamental a notar que o livrotermina antesde encarar de frente essa noo crucial de EME, a da diplomacia, no que

    concerne precisamente s relaes exteriores dos Modernos. Pois o livro passa suas

    500 pginas quase inteiramente voltado, parte curtas digresses meramente

    indicativas, para a diplomacia interna, a pacificao da guerra civil entre os modos de

    existncia admitidos no espao prtico-institucional do Ocidente8 digo admitidos

    antes que estabelecidos oficialmente, visto que todo o trabalho do autor consiste

    justamente em reinstaurarnas formas devidas os requisitos ontolgicos de cada modo. como se a etnloga ficcional que conduz retoricamente a narrativa de EME desse seu

    trabalho por encerrado ao escrever sua antropologia dos Modernos, cabendo ento aos

    etnlogos concretos dos povos extramodernos (i.e. os observadores de carne e osso

    ou reais, umdentre os quinzemodos de existncia, alis, estabelecidos por EME) a

    tarefa de se indagar sobre a adequao dos modos de existncia que compem a

    ontologia moderna sua universalidade varivel, sua exportabilidade mais ou menos

    direta, sua especificidade suficiente ou excessiva, e assim por diante para o caso

    dos outros coletivos, aqueles que a modernizao ainda no infectouirreversivelmente. Trata-se ento de comear a comear, por assim dizer, a integrar a

    investigao coletiva de antropologia comparada cuja possibilidade nos foi aberta

    por esse relatrio provisrio que EME (p. 474). Pois entendemos que a antropologia

    dos Modernos ali esboada utiliza uma metodologia descritiva que prope uma nova

    forma de comparatismo para a antropologia em geral.

    O conceito de instaurao (que substituiu o idioma latouriano da construo)

    bem como o de modos de existncia foram tomado por Latour de Etienne Souriau,filsofo francs que floresceu nos anos 50 e 60, e cuja obra foi redescoberta depoisde uma nota discreta mas crucial em Deleuze & Guattari 1991 por Bruno Latour,Isabelle Stengers, Didier Debaise e outros filsofos contemporneos que seguem, ouantes, prosseguem o que Pierre Montebello (2003) chamou de a outra metafsica, alinhagem ao mesmo tempo no-kantiana e no-analtica de pensadores comoNietzsche, Renouvier, James, Peirce, Bergson, Tarde, Whitehead, Souriau e Deleuze, eque costumam ser identificados pelos rtulos, geralmente pejorativos, de espiritualistas,

    8Ver as Gifford Lectures deLatour (2013a), Facing Gaia: six lectures on the political theologyof nature, em especial as duas primeiras conferncias da srie.

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    pragmatistas, empiristas, vitalistas, panpsiquistas ou pan-experiencialistas.9 A relaopropriamente cosmopoltica entre esta sinuosa linha menor do pensamentoespeculativo ocidental e as metafsicas prticas (a cosmoprxis) dos povosextramodernos a dos coletivos animistas, como os amerndios e tantos outros, emparticular uma das questes que se impem ao presente projeto, dada a intenocomparativa de nossa retomada crtica, ou radicalizao continuativa, da investigaoiniciada por Bruno Latour.

    ***

    Antes de exporsinopticamente a estrutura e o contedo de EME, convm advertir quemeu trabalho recente traz a marca de uma j longa (desde 1997, para ser preciso)

    colaborao e dilogo com Bruno Latour, cujo clebre Jamais fomos modernos10 foi

    uma das inspiraes para a teoria do perspectivismo amerndio que venho

    desenvolvendo h vrios anos, juntamente com outros etnlogos de diversas partes do

    mundo. Em particular, este livro de Latour, ao mesmo ttulo, vale notar, que a

    antropologia de Roy Wagner e Marilyn Strathern, permitiu-me precisar comparativa e

    contrastivamente a diferena diacrtica entre o que se poderia chamar de vulgatametafsica moderna (monoculturalismo + multiculturalismo) e as contra-ontologias

    perspectivistas e multinaturalistas dos coletivos amerndios. Desde ento, venho

    acompanhando a evoluo do pensamento de Latour, participando como interlocutor

    constante da sua produo intelectual.11Fui um dos pareceristas do manuscrito da EME

    para a Harvard University Press, em vista da traduo do livro para o ingls, bem como

    um dos membros da equipe de comentadores da plataforma digital AIME, na qual EME

    se expandiu e se transformou em uma investigao coletiva que prossegue e se

    desdobra em outras formas de apresentao, como a exposio Reset Modernity!que

    9Ver Souriau 2009, Les diffrents modes dexistence (suivi de Luvre faire), uma reedio de dois

    textos de Souriau precedida de uma importante introduo por Latour e Stengers. Este livro foipublicado paralelamente ao ensaio de minha autoria, Mtaphysiques cannibales (Viveiros de Castro2009), como os dois primeiros ttulos da coleo MtaphysiqueS lanada pelas P.U.F.

    10Latour 1991 para a edio francesa.

    11Isto pode ser verificado nas referncias aos meus trabalhos, em especial aos conceitos de

    perspectivismo e de multinaturalismo, presentes em diversos textos de Latour, que dedicou, alis,um curto mas polemicamente denso comentrio-reportagem s diferentes concepes da comparao

    antropolgica defendidas por mim e por meu colega Philippe Descola (Latour 2009).

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    acontecer no ZKM (Zentrum fr Kunst und Medientechnologie Karlsruhe) em maro

    vindouro, sob a curadoria de Peter Weibel e Bruno Latour. Alm disso, ministrei um

    curso no PPGAS do Museu Nacional em 2013 dedicado leitura da EME, de seusantecedentes mais importantes, notadamente o manifesto Irrductions (Latour 1984)

    e o j citado Jamais fomos modernos, bem como de seus desdobramentos ento

    recm-publicados, como as Gifford Lectures e outros artigos.12 Este curso serviu de

    plataforma para a redao do livro H mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins,

    escrito em co-autoria com a professora (e esposa) Dborah Danowski, da PUC-Rio,

    especialista em filosofia da natureza, que vem se dedicando a uma reflexo sobre as

    implicaes metafsico-polticas da crise ecolgica mundial.13O curso est igualmente

    na origem histrica do presente plano de pesquisa.

    ***

    A Enqute sur les modes dexistence: une anthropologie des Modernes notar a

    inicial maiscula de Modernos, o que os representa como um povo ou tribo, isto

    , como uma forma de vida singular antes que como uma condio histrica universal

    procura reinserir o Ocidente (os Modernos tradicionais, por oposio aos neo-

    Modernos da sia e, quem sabe, da Amrica do Sul) dentro do quadro etnogrfico

    mundial. Ao mesmo tempo em que sublinha a verdadeira, ao olhos do autor,

    originalidade da contribuio histria da cultura humana, EME insiste sobre as

    profundas e perigosas linhas de fratura, as falhas tectnicas do sistema de valores do

    complexo civilizatrio do Ocidente. O manuscrito original do livro (justamente aquele

    que avaliei para a edio inglesa de EME) previa uma terceira parte que estaria sendoescrita (no livro definitivo seria uma quarta parte, j que ele terminou redividido em

    trs partes), na qual a ontologia reconstruda dos Modernos, e o inventrio dos modos

    de existncia que devem Latour pertence ao grupo dos metafsicos reformistas

    antes que descritivos, para usarmos uma distino de Peter Strawson ser admitidos

    12O presente projeto foi escrito antesda publicao da verso fortemente modificada das conferncias

    Gifford, o livro Face Gaa(Latour 2015), de que tratarei no decorrer da pesquisa.

    13Danowski & Viveiros de Castro op.cit.

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    oficialmente por nossa cosmoprxis entrariam em dilogo com as ontologias e

    cosmologias de outros coletivos, em outras palavras, com os extramodernos, termo que

    eu hesitaria em escrever com inicial maiscula em vista da multiplicidade constitutiva,intensiva como extensivamente, dessa categoria. esta a parte que acabou no sendo

    escrita; o que, naturalmente, aproveita ao presente plano de pesquisa, que pode ser

    visto como uma tentativa de escrev-la, o que no poder ser feito, entretanto, sem

    alguma reconstruo (o que inclui uma destruio parcial) da reconstruo latouriana

    da antropologia dos Modernos.

    bastante evidente que o autor de EME est convicto de que ns deveramos

    ter orgulho de nossa herana civilizatria, e que o Ocidente no s pode e deve sersalvo(em muitos sentidos, do tecnolgico ao teolgico), como ele pode ajudar a salvar

    a humanidade de si mesma com uma pequena ajuda de nossos amigos

    extramodernos, j vimos mais acima. O otimismo latouriano no portanto uma

    validao incondicional do status quo civilizatrio do Ocidente moderno. O autor

    prope uma abordagem melhor dizendo, uma retomada (reprise) da cultura

    ocidental movida por um esprito radicalmente reformador. (A despeito de seu

    confesso catolicismo, Latour no deixa de se assemelhar a um Lutero da etno-

    antropologia ocidental.)14O objetivo maior do livro pintar um auto-retrato filosficoadequado da civilizao ocidental moderna, tanto para sua exibio privada (reflexiva

    ou intracultural) como pblica (diplomtica e intercultural).

    Esta reforma proposta pretende modificar profundamente a natureza e a

    qualidade das relaes entre o Ocidente e outras tradies antropolgicas. A misso

    que se impe Latour a de reposicionar a cultura ocidental dentro da trajetria global

    da humanidade na verdade, da trajetria da criao, i.e. de nosso mundo

    sublunar com todo seu mobilirio, animado como inanimado, bitico como abitico,autopoitico como alopoitico, artefactual como autofactual , ou, em outras

    palavras, terminar de uma vez por todas com a auto-imagem do Ocidente como

    14Falo em etno-antropologia como os antroplogos falam em etnobiologia, etnofisiologia etc.,isto , como uma verso local ou indgena de uma Biologia ou Fisiologia Cientficas. Ao aplicar otermo etno-antropologia nossaantropologia (seja sua verso cientfica como a filosfica) estousugerindo que todo logos, e toda -logia, necessariamente etno-x-logia, e que a disciplinaantropolgica simplesmente uma etno-antropologia entre outras uma outra entre outras, parafalarmos como Lvi-Strauss (o Eu um outro entre outros, como ele escreveu em sua homenagem a

    Rousseau cf. Maniglier 2010).

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    constituindo o padro-ouro ou o telos da civilizao humana. O objetivo poltico-

    diplomtico do autor renegociar as bases daquilo que ele chama um mundo

    comum, que um mundopor vir, um mundo a fazer, antes que um mundo j dado,j unificado por princpio e j conhecido, em sua unidade a priori, pela Cincia

    ocidental,15 que nisso se mostra a herdeira secular da revoluo monotesta na

    origem do Ocidente (Assman 2009). Esse mundo comum latouriano, entenda-se bem,

    tem muito pouco a ver com o Comum de Negri e Hardt e outros tericos neo-

    marxistas pois a nfase est posta em um comum transespecfico ou mesmo

    transontolgico. Ele no aponta para uma nova forma de organizao sociopoltica ou

    um novo modode produo, mas para uma nova ontologia poltica,onde o sentido de

    poltico se estende e aplica muito alm do domnio do humano (Latour 2004). Empoucas palavras, no se trata, como no caso dos pensadores, sempre humanistas, da

    esquerda tradicional, de naturalizar a poltica(tudo poltico tudo que humano,

    entenda-se), mas depolitizar a natureza.16

    Pode-se assim argumentar que o otimismo que perpassa o livro (o ttulo do

    manuscrito original, em boa hora abandonado, era Elogio da civilizao por vir) no

    um defeito mas um atributo,17 e que, antes que Lutero, o personagem-modelo de

    Latour na verdade G.W. Leibniz, com seus ambiciosos projetos diplomticos nosculo XVII reunificar a Cristandade, pacificar a Europa, incorporar a filosofia

    chinesa, e assim por diante. Leibniz fracassou espetacularmente em quasetodos estes

    15E aqui a inicial maiscula em Cincia tem um sentido irnico-crtico. Latour, como Stengers, um

    adversrio feroz da ideia da Cincia como entidade nica, epistemologicamente estvel, uma espcie deEstado do Esprito do qual somos todos querendo ou no sditos. Em troca, tanto Latour comoStengers so atentos etngrafos (e admiradores!) das cincias, em minscula e no plural, enquantoprticas de conhecimento controversas, plurais, metodologicamente heterclitas e dotadas deecologias especficas (ver os sete volumes da srie Cosmopolitiquesde Stengers 1997).

    16No esqueamos que simetria foi por muito tempo um lema crucial da antropologia latouriana, e

    que os no-humanos (outro rtulo privativo de que terei ocasio de discordar) receberam atributos deagentividade e depersonalidade graas, em larga mas obviamente no exclusiva medida, ao trabalhodeste pensador.

    17Its not a bug,its a feature, como dizem os programadores de computador em resposta s crticasdo pblico a algumcomportamento estranho dos aplicativos que inventam Observo que o otimismolatouriano, aparentemente invencvel, no deixou de se revestir de uma inquietao crescente com acatstrofe ecolgica planetria, e que sua crena nos poderes taumatrgicos da alta tecnologia mitigou-se consideravelmente nos ltimos anos. Ver as Gifford Lectures, bem como o cortante artigo War andpeace in an ageofecological conflicts (Latour 2013b) e seu rompimento com o Breakthrough Institute

    (Latour 2015)

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    projetos (pois o I Ching foi em parte responsvel pela linguagem binria de nossos

    computadores); mas legou-nos um esplndido sistema metafsico, no completamente

    estranho infraestrutura conceitual de Latour, e fez contribuies decisivas para amatemtica e a fsica modernas.

    EME pode ser considerada como a Summa metaphysica da longa e produtiva

    carreira de Latour, o livro onde ele reune em um sistema nico suas variadas

    investigaes empricas e um nmero de snteses parciais, mais filosoficamente

    orientadas, publicadas nas ltimas dcadas (Nous navons jamais t modernes,

    Politiques de la nature, Lespoir de Pandore, Reassembling the Social, Petite reflxion

    sur le culte moderne des dieux fatiches). O livro reevoca, organiza e desenvolve osprincpios comuns a seus trabalhos sobre a etnografia das cincias, sobre a

    revolucionria onto-metodologia da Teoria do Ator-Rede, sobre o regime de

    veredico jurdica (La fabrique du droit) e suas meditaes sobre a religio (Jubiler).

    De certa forma, EME pode ser visto como a verso finalizada de Jamais fomos

    modernos. Ele possui o mesmo escopo generalizante do livro anterior (os fundamentos

    ontocosmolgicos do Ocidente moderno), e a mesma inteno ambiciosa: a reforma

    de nossa Constituio. Mas, sobre cobrir muito mais cho que o ensaio de 1991 pois vai muito alm da cincia e da poltica como seus dois objetos etnogrficos

    centrais , ele mais ousado em suas formulaes metafsicas (o autor escreveu um

    artigo recente intitulado Saindo do armrio enquanto filsofo), e, acima de tudo, ele

    procura apresentar uma definio positiva (emprica) antes que simplesmente negativa

    (crtica) do projeto civilizacional do Ocidente. Pois seu problema em EME o de

    redefiniro Ocidente sem apelar para a ideologia da modernizao e para a imagem da

    modernidade que o distorcem antropologicamente.

    ***

    O objetivo de EME construir uma tabela ou lista sistemtica dos modos de existncia

    vigentes na cultura ocidental. A ideia bsica que as clssicas noes dicotmicas de

    sujeito e objeto, matria e forma, linguagem e mundo (signo e referente), natureza e

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    cultura, indivduo e sociedade para evocarmos apenas as principais dentre elas

    so o resultado de erros de categoria, equvocos que amalgamam indevidamente os

    requisitos ontolgicos e as condies de felicidade necessrias para gerar diferentesmodos de ser real e ser verdadeiro. Os diferentes modos de existncia so

    diferentes modos de capturar o movimento e a descontinuidade da ao,

    caractersticas que se originam de uma sorte de reserva ontolgica que o autor chama

    de o ser-enquanto-outro (tomada de posio radicalmente anti-heideggeriana, no

    custa anotar). Um modo de existncia um modo de transformao a

    transformao tem valor axiomtico na ontologia formal que fundamentar a

    metodologia descritiva de EME que produz o ser-enquanto-ser a partir do ser-

    enquanto-outro, um modo de capturar a alteridade fundamental do mundo e do ser elhe conferir uma capacidade de subsistncia (por oposio a substncia), uma

    continuidade institucional. Os modos de existncia necessitam serem instaurados,

    isto , receberem suas condies prprias de articulao. A tarefa principal do livro

    consiste em re-instaurar os diferentes modos com seus requisito corretos (ou

    corrigidos), estabelecendo suas condies especficas de veredico (no no sentido

    de juzo, mas de fazer verdadeiro, tornar real) e suas chaves interpretativas

    corretas, assim como em examinar as mltiplas combinaes (cruzamentos) entre osmodos que geram as prticas culturais e instituies vigentes entre os Modernos e

    tambm expor as combinaes imprprias (os amlgamas) que geram as numerosas

    aporias poltico-metafsicas que assolam a cosmoprxis ocidental.

    A meta-linguagem ontolgica de EME altamente abstrata. O que no para

    surpreender, uma vez que o livro se prope a deduzir alguns personagens

    ontolgicos bsicos, como matria, forma, signo, realidade, fico etc. a partir de

    elementos ainda mais genricos e formais. Assim, seu vocabulrio analtico abunda emconceitos que seria impossvel descrever em detalhe aqui, ou mesmo sumarizar:

    movimentos, vetores, passagens (Fr. passes), surpresas, hiatos, tradues, translaes,

    mediadores vs. intermedirios, imanncias, transcendncias (pequenas e grandes, boas

    e ms), continuidades e descontinuidades, preposies, redes e por a afora. A intuio

    motivadora que para que qualquer ser ou ente venha existncia, preciso que ele

    passe poroutros seres. A identidade requer um movimento atravs (no duplo sentido

    de atravessar e de tomar como instrumento) da alteridade, o Mesmo s pode ser obtido

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    graas ao Outro. A descontinuidade primria, ela o tecido do ser (assim, o domnio

    do ente uma vasta rede de ndulos esparsos de concrescncia Whitehead

    conectados por largos hiatos de vcuo ntico.) A continuidade essencialmentefenomenolgica, o resultado de um alisamento da descontinuidade primal do ser por

    meio de certos movimentos vetoriais que preenchem ou fazem a ponte por cima dos

    hiatos.

    H quinze modos de existncia. Os trs primeiros a serem expostos, mas que

    constam no fim da tabela final do livro (EME: 484-85), so a rigor meta-modos, ou

    modos formais, instrumentos de investigao antes que domnios investigados:

    (1) O modo Rede (abreviado como RES, cf. rseau cada modo indicado por umacrnimo de trs letras, o que acaba gerando uma espcie de lgebra elementar de

    combinao e cruzamento entre os modos: REF.REP, ORG.FIC, MET.DRO etc.), que

    pode ser definido como a Relao enquanto primitivo ontolgico: ele indica a

    conexo de uma srie indeterminada de elementos heterogneos que formam o

    networkde alteridades necessria para qualquer ser vir existncia, como tambm a

    trajetria vetorial que ele deve tomar.

    (2) O modo Preposio (PRE), que confere o tom ou tonalidade, o valor ouqualidade, a chave de interpretao que d a especificidade de cada modo de

    existncia. O modo RES familiar aos praticantes da Teoria do Ator-Rede, na medida

    em que seu poderoso conceito central. O modo PRE uma inovao especfica, e

    provavelmente a mais polmica, de EME: ele define o quadro (o frame, tambm no

    sentido de Goffman, alis no citado no livro) no interior do qual um certo tipo de

    atividade, domnio ou material articulado em RES reconhecido pelos atores como

    uma provncia distinta do ser. H uma multiplicidade infinita de associaes RES; maso nmero de valores ou interesses-de-verdade PRE, ainda que decididamente plural,

    finito (finito se considerado desde o interior da cosmologia dos modernos, permito-me

    ressalvar). Com isso, a ontologia plana de RES um aspecto crucial da Teoria do

    Ator-Rede que gerou inmeras discusses e alguns desenvolvimentos inovadores

    (penso em Manuel De Landa, por exemplo) reafirmada em EME, mas ao mesmo

    tempo ela diferenciada e por assim dizer estriada no mundo multimodal de PRE. O

    modo PRE, que Latour tomou diretamente da preposio jamesiana (parte da

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    pragmtica da verdade de William James) est intimamente relacionado ao conceito de

    valor, um conceito que, juntamente com o de instituio, deliberadamente destacado

    por Latour como necessitado de uma reciclagem e recuperao dentro da metafisicareformada dos Modernos. o modo PRE que traz consigo a noo de condies de

    felicidade, que Latour tomou da teoria dos atos de fala de John Austin, mas que, justo

    como no caso dos erros de categoria (Gilbert Ryle), desviou de seu significado

    pragmtico-semitico para vir preencher uma funo plenamente metafisica ou mesmo

    ontolgica. A condio de felicidade de um determinado modo de existncia a

    especificao dos tipos particulares de hiatos que precisam ser cruzados ou

    preenchidos por tipos particulares de vetores o movimento caracterstico de cada

    modo , de forma a produzir o estilo adequado de veredico, a chave de

    interpretaoque define cada modo.

    (3) O modo curiosamente nomeado Duplo Clique (DC), por analogia com a aparente

    facilidade com que se acede ao longnquo com o mero clicar do mouse de um

    computador. O DC um modo negativo, ou melhor dizendo, o modo que inverte o

    modo RES, o trickster enganador que afirma a identidade imediata entre o ser e a

    identidade, e tudo que da se segue a comear pela promessa de uma realidade

    dada a priori, e acessvel gratuitamente. O DC o representante, em EME, daquilo queos filsofos da Cincia chamariam de o obstculo epistemolgico por excelncia.

    Trata-se de um modo operante em diversos dos equvocos e amlgamas expostos no

    livro, na medida em que ele encarna a fantasia do acesso sem mediao, a

    brutalidade do intelecto (para lembrarmos uma expresso de Chesterton) que ignora

    o custo noo central para Latour, desde a teoria do Ator-Rede energtico, no

    sentido tanto fsico como semitico, de toda ao. O DC a tentao da imanncia

    grtis.Tudo isso pode soar excessivamente abstrato. Mas EME faz um bom trabalho na

    aplicao desta meta-linguagem formal a exemplos concretos (alguns pitorescos) e na

    caracterizao meticulosa dos doze modos-objeto atualmente reconhecidos (no

    sentido ambguo j anotado) por nossa civilizao. Indico sumariamente, abaixo,

    alguns deles:

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    (1) REP, o modo a existncia bruta ou o que se costuma chamar realidade material,

    animada ou inanimada. Este o modo de perseverao dos existentes. O acrnimo

    deriva do nome do modo, Reproduo, o modo de subsistncia que consiste emdurar, passar pelo ser-enquanto-outro de modo a produzir o ser-enquanto-ser. Como

    sabemos desde Whitehead (talvez o principal inspirador da conceituao latouriana

    deste modo), mesmo uma montanha precisa insistir para existir, passar pela

    transformao para continuar a mesma montanha. A infelicidade caracterstica deste

    modo REP a interrupo da reproduo (no sentido literal, no caso dos organismos)

    ou a pura e simples destruio material.

    (2) MET, o modo da Metamorfose, uma sorte de parceiro ou correspondente do mododa estabilidade que REP. O modo MET a provncia a que pertencem os espritos e

    os fantasmas no sentido psquico do termo da interioridade, mas tambm todas

    as forasde alterao. Este o modo da mudana pura; ele invade e possui as pessoas,

    tem uma cumplicidade sinistra com o invisvel, pois puro dinamismo, transformao

    e afeto (no sentido espinosista). Por isso, objeto em nossa cultura de extremo cuidado

    e ansiedade, tanto mais que tendemos a localiz-lo privilegiadamente no psiquismo.

    Ao mesmo tempo, ele a origem de toda e qualquer mudana ou transformao no

    universo. O modo da subsistncia REP necessita do modo MET para se instaurar.

    (3) HAB, o Hbito, que a capacidade de eclipsar a preposio (PRE) que define cada

    modo de existncia, de forma a produzir um curso de ao normal e contnuo sem que

    seja necessrio parar a cada momento para pensar sobre o que se est fazendo. HAB

    (outro emprstimo do empirismo jamesiano e butleriano) o modo da prtica diria,

    irrefletida, daquilo que no--preciso-dizer. Esse modo no diz respeito, como

    tampouco (obviamente) os dois precedentes, apenas ao humanos. Ele o modo da

    continuidade conquistada pela subsistncia, e como tal imperceptvel. Sua rupturaeventual leva a uma refocalizao na PRE que ele tinha por funo eclipsar (o martelo

    que se quebra).

    Esses trs modos formam um grupo, o pano de fundo do ser, que preexiste a toda

    diferena entre sujeito e objeto, e mesmo s modificaes latourianas destes conceitos

    nas categorias de quase-objetos e quase-sujeitos que capitularo as duas prximas

    famlias de modos de existncia. Os modos REP, PRE e HAB so difcil caracteriz-

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    los de outra maneira absolutamente universais; os entes inanimados tanto quanto os

    animados banham neles.

    Os prximos trs modos formam o grupo dos quase-objetos:

    (4) TEC, a Tcnica, que define uma certa dobra ou desviodos materiais e permite a

    criao de dispositivos. Este o modo da inveno. Interessantemente, Latour parece

    reserv-los aos humanos exclusivamente (Homo faber), inclusive atribuindo-lhe o

    poder antropogentico. A possibilidade de que TEC seja o modo geral dos seres

    animados ou viventes, algo que permitiria distinguir, decerto apenas provisoriamente,

    os seres vivos dos seres indiferentes (Whitehead), no considerada pelo autor.

    (5) FIC, a Fico, um modo importante, definido por uma certa vibrao entre

    materiais e formas (Latour dedica uma longa explanao sobre a inexistncia

    objetiva e a inconsistncia conceitual da matria versus a onipresena dos

    materiais, assim como se detm sobre os diferentes e contraditrios sentidos do

    conceito de forma.) FIC um modo responsvel por certo erros importantes de

    categoria e algumas aporias clssicas, em particular o suposto abismo ontolgico entre

    signo e referente, palavra e coisa, linguagem e mundo.

    (6) REF, a Referncia este o modo do conhecimento cientfico. Sua amalgamao

    com o modo REP, a existncia bruta ou, nos termos latourianos, a subsistncia do ser

    atravs de sua passagem pela alteridade, produziu os mais srios erros de categoria da

    metafsica ocidental, a saber, a ideia de que o conhecimento, tal como constitudo

    pela cadeia de transformaes referenciadas pelos mtodos cientficos das

    transformaes que mantm certas constantes estveis, o nico modo de acesso

    Realidade. O argumento polmico central de EME precisamente o de que,

    primeiro, o conhecimento cientifico no o nico modo de acesso ao que quer queseja; e, segundo, que a realidade enquanto tal (isto , enquanto tal-enquanto-outra)

    ela prpria um modo de existncia situado no mesmo plano ontolgico que o

    conhecimento (cientfico), a metamorfose, os espritos, os hbitos, os objetos tcnicos,

    os personagens ficcionais, o discurso poltico, as organizaes econmicas etc. Este

    talvez seja o gesto mais ousado de EME: a realidade (tanto a essncia como a

    existncia) um modo de existncia entre outros. Existem seres de REP (que

    chamamos normalmente de coisas, fenmenos ou (viv)entes tout court) assim

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    como h seres de fico (FIC) , seres cientficos (REF), seres do direito (DRO),

    seres da religio (REL) etc. Um pluralismo ontolgico radicalmente horizontal. Os

    valoresPRE priorizam conjuntural e contextualmente interesses e cursos de ao; elesno ordenam hierarquicamente graus de dignidade ontolgica.

    Seguem-se mais dois grupos de trs modos cada um, cuja exposio, mesmo resumida,

    terminaria por alongar demais este plano de pesquisa eles sero objeto de discusso

    comparativa detalhada na execuo do plano. Baste dizer que o Grupo 3 (os quase-

    sujeitos) reune os modos da Poltica (POL), do Direito ou Lei (DRO) e da Religio

    (REL). Aqui entramos no que se poderia chamar de mundos da superestrutura. O

    prximo e ltimo grupo dissocia o amlgama que chamamos Economia em trsmodos de existncia: o Pertencimento (ATT, de attachement), que instaura os

    interesses apaixonados, e cujo hiato a ser preenchido consiste em desejos e

    carncias; a Organizao (ORG), que instaura imprios, estados, organizaes, firmas,

    e cuja trajetria (um dos elementos da meta-linguagem formal de EME) consiste na

    produo e desempenho de roteiros ou scriptspara a ao; e a Moralidade (MOR), que

    explora a relao entre meios e fins, se define pelo escrpulo como valor, e tem como

    alterao(outro elemento meta-lingustico) o clculo de um optimumimpossvel.

    A concluso do livro inconclui recapitulando o trajeto e situando a tarefa

    cosmopoltica de fazer o pluralismo ontolgico dos Modernos reformados entrar em

    dilogo ou acordo diplomtico com os outros mundos, dos outros coletivos. E aqui

    que comea nosso prprio trabalho.

    ***

    A questo que se coloca para este projeto, de sada, ento, a do valor heurstico, e,

    no limite, emprico ao menos para alguns deles da tabela de quinze modos de

    existncia que conclui o livro, isso de um ponto de vista estritamente comparativo.

    Refiro-me aqui tanto aos doze modos-objeto (como vimos, categorizados em quatro

    grupos com trs modos cada um) como aos trs meta-modos que, consolidando uma

    axiomtica abstrata, um formalismo pr-ontolgico de natureza quase matemtica,

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    reflexivamente aplicvel aos meta-modos eles prprios vetores, hiatos, surpresas,

    passes, trajetrias, condies de felicidade etc., fornecem os elementos de

    construo dos modos-objeto.H vrias maneiras possveis de permanecer intrigado diante deste pluralismo

    ontolgico to bem arrumado, essa arquitetnica modal-modular dos modernos, de

    aparncia quase kantiana, justamente o filsofo, Kant, que deu a feio mais acabada

    cosmologiano-reformada dos modernos, o que inclui a celebrao (a deduo)

    da Cincia. Poderamos, por exemplo, especular que os trs primeiros modos (REP,

    MET, HAB) so sucessores da antiga noo de Natureza; eles esto muito prximos

    do que algum chamaria por este ltimo nome (digo isso com alguma hesitao,conhecendo a denncia insistente de Latour relativa aos erros de categoria que

    subjazem ideia de Natureza); que os trs seguintes (TEC, FIC, REF) so avatares da

    tradicional noo de Cultura;18que os prximos trs (POL, DRO, REL) remetem a algo

    como a velha Sociedade; e sabemos que os ltimos modos-objeto desempacotam

    explicitamente o confuso amlgama que chamamos de Economia, gerando uma trade

    (ATT, ORG, MOR) que repete ou ecoa, em sua funo de segunda Natureza dos

    Modernos (a expresso de Latour), a primeira Natureza da trade que encabea a

    tabela. No seria tampouco absurdo sugerir que a ressonncia entre a condio deexistncia bruta, engenhosamente reformulada como modo REP (o primeiro da

    tabela) e o mundo moral (MOR, o ltimo e, impossvel no suspeitar, mais eminente

    modo-objeto), no deixa de evocar algo do clssico dualismo entre o ise o ought, o

    ser e o dever-ser. Ou, ainda, enfim, observar que os doze modos-objeto de EME so

    como a exploso de uma trade originria, as trs ontologias regionais cujas relaes

    conflituosas esto no centro do projeto pacificador de Latour, a saber: cincia, poltica

    e religio (natureza, cultura e sobrenatureza?), objetos privilegiados de suasinvestigaes anteriores e que continuam, a despeito da pluralizao levada a cabo em

    EME, seus alvos supremos de reinstaurao.

    18Sugesto que se torna ainda mais verossmil, digamos assim, na medida em que Latour reserva TECaos humanos ( TEC que nos hominizou paleontologicamente, diz ele), quando nos parece que ela umcomponente intrnseco da biologia evolucionria, e que ele exclui a vigncia de modos de tipo FIC parao resto do reino animal em geral (ah os bower birds e seus elaborados ninhos-armadilhas, a mensagemisto uma brincadeira [this is play as aspas so parte da mensagem] que Bateson explorou tobem para o mundo animal). Isso para no falarmos nos estudos de Adolf Portmann e, mais

    recentemente, de Bertrand Prvost.

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    Nada disso deve servir de argumento desqualificador; os modos de existncia de

    EME so construdos exatamente como reformulaes ou redeterminaes, segundo

    critrios analticos rigorosos, das velhas categorias, erros de categoria e dualidadesaporticas com que os Modernos estriavam o mundo. Quanto ao nmero dos modos, e

    a sua arquitetnica de suspeita simetria, nosso antroplogo dos Modernos insiste, um

    tanto embaraado, que se trata de mera contingncia histrica, tanto do lado dos

    nativos como do investigador (EME: 471); que a questo do nmero de modos atuais

    ou virtuais resta em aberto; e que de qualquer forma os variados cruzamentos (curiosa

    e inexplicavelmente semprebinrios) entre modos so capazes de dar conta de uma

    quantidade indefinida de instituies, agenciamentos ou dispositivos chame-se-os

    como se quiser prprios dos Modernos.

    Mas chegamos questo: o que dizer dos modos de existncia dos outros? Se

    nossa dzia moderna de ME contingente, tanto do ponto de vista de seu nmero

    como de sua identidade caracterstica, de se imaginar que outros coletivos

    disponham, no duplo sentido de possuir e de ordenar, de modos de existncia

    insuspeitos: j houve e h ainda muitas luas mortas, plidas ou obscuras no

    firmamento da razo, como diziam Durkheim e Mauss, que ainda no dispunham dos

    instrumentos para apreender a alteridade metafsica seno per speculum in nigmate.E acontece que vrias destas luas obscuras podem se revelar estrelas distantes, de

    magnitude igual ou maior que nosso modesto luzeiro provinciano. Tanto mais que

    precisamos desesperadamente, na presente conjuntura, de toda luz disponvel.

    Mais que imaginar, ento: teoricamente indispensvel que se possam

    determinarmodos de existncia outros que os nossos, se decidirmos, como nossa

    inteno, utilizar a linguagem formal e a metodologia analtica propostas em EME, que

    fornecem um instrumento notavelmente poderoso para a antropologia geral ou ametafsica comparada, noes que, como vem mostrando Patrice Maniglier (2015),

    caminham para uma convergncia prxima da sinonmia.

    Acredito que os trs meta-modos que fornecem a armadura descritiva de EME so

    contribuies conceituais fundamentais, permitindo uma nova definio do objeto e

    do objetivo maiores da investigao antropolgica. Assim, de um lado, o pluralismo

    ontolgico aberto pelo novo modo PRE (introduzido em EME) vem corrigir a excessiva

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    genericidade ou planitude do modo famosamente descoberto pela teoria do ator-

    rede, o RES, e, de outro lado, o solerte sedutor duplo clique (DC) vem designar o

    grande obstculo epistemolgico (se a expresso pode ser usada aqui sem escndalo)para a correta declinao de diferentes modos de existncia, na medida em que ele a

    figura mesmada hubrisModerna.

    Mas no que concerne aos doze modos-objeto, que so como os cmodos da

    orgulhosa manso que os Modernos construram sobre os escombros de incontveis

    moradas extraontolgicas alheias, entendo que as indicaes de EME sobre sua

    vigncia (ou no) alhures so ainda insuficientes, hesitantes, e por vezes

    inconsistentes. Tudo se passa como se o demnio do Duplo-Clique (DC) no tivessesido completamente exorcizado, justamente na passagem estratgica de dentro para

    fora do multiverso dos Modernos. O custo do passe, a largura do hiato, a natureza da

    surpresa, a alterao requerida para especificarmos as condies de felicidade dos

    modos de existncia dos outros no se acham tematizadosde modo a satisfazer um

    antroplogo dos extramodernos.

    No basta observar, como faz o autor de EME, que o grau de elaborao ou a

    prioridade ontolgica dos modos de existncia recenseados em seu tratado no so osmesmos para outros coletivos: por exemplo, que o modo MET objeto de muito maior

    investimento institucional e elaborao cognitiva entre os extramodernos do que entre

    ns, para quem ele foi reduzido ao nevoeiro psquico da interioridade do Indivduo.

    No mnimo, diga-se de passagem, caberia sublinhar que a ordenao introduzida

    nolens volenspela marcha expositiva (e a tabela) de EME entre REP e MET deveria ser

    decididamente invertida para o caso extramoderno. Seria preciso, alm disso, nos

    perguntarmos se tem sentido diferenciar esses dois modos para o caso de certas eco-

    ontologias exticas, como a dos coletivos chamados animistas.19 Entendemos quemesmo no caso dos Modernos, a definio de todo modo de existncia como

    constituindo uma verso do SER-ENQUANTO-OUTRO (EME: 189; maisculas no

    original) este conceito que est na raiz da hiptese central desta

    investigao (EME: 168) exigiria uma inverso da ordem entre REP e MET. Comear

    pelo primeiro parece-nos um resto do preconceito substantivista do qual o projeto

    19Para os quais, paradoxalmente, a corporalidade, i.e. o somatismo antes que oanimismo, o verdadeiro operador da alterao. Ver Viveiros de Castro 2009.

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    latouriano quer justamente nos libertar: no um pouco contraditrio definir os

    entes de REP pelo devir e colocar os devintes de MET como sobrevindo depois ?

    Esta talvez seja uma lio que devamos aprender com os extramodernos.No basta tampouco dizer que os outros coletivos valorizam os trs primeiros

    modos (REP, MET, HAB) mais intensamente do que ns o que no deixaria alis de

    explicar por que os chamvamos de Naturvlkern... A noo evolucionista de uma

    ordem de precedncia que sobe piramidalmente de modos universais a modos pan-

    humanos e destes a modos exclusivamente modernos parece-nos s ser possvel da

    perspectiva da ontologia no-reformada dos Modernos (EME: 293-94). Alm disso, a

    eventualidade de modos de existncia radicalmente outros, que seriam compartilhadospor humanos e no-humanos, ou seriam mesmo exclusivos dos no-humanos

    passemos por cima, por ora, da duvidosa pertinncia dessa distino privativa entre

    humanos e no-humanos para os mundos dos outros humanos, i.e. os

    extramodernos essa eventualidade no chega sequer a ser considerada.

    O que seriam, para nos restringirmos s multiplicidades extramodernas que

    designamos pelo rtulo de humanas, alguns dos modos de existncia no-

    recenseados em EME? O que dizer, por exemplo, do parentesco, esse objeto-fetichedos antroplogos dos extramodernos? Constituiria ele um modo sui generis, ou

    redutvel a REP reveladoramente nomeado por uma metfora mestra do parentesco

    ocidental, a reproduo20, ou talvez, no caso dos coletivos extra-estatais, a um

    cruzamento REP.POL?21Mas como pensar o parentesco em um mundo afectualmente

    centrado no modo MET? Como separar, neste mundo transformacional de povos como

    os amerndios,22 por exemplo, o parentesco da feitiaria, verso e reverso de uma

    mesma ontologia da influncia?23Como pensar um modo de existncia do parentesco

    que aproxima miticamente, antes que distingue teologicamente, humanos de no-humanos (o chamado animismo)? O que dizer de uma forma de praticar o modo POL

    20Schneider 1984; Strathern 1992a,b.

    21Fortes 1969; Fortes & Evans-Pritchard 1969.

    22Viveiros de Castro 1996.

    23Leach 1961; Wagner 1967; Sahlins 2013.

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    em uma sociedade contra o Estado24, ou onde as subjetividades no-humanas so

    coletivos polticos ao mesmo ttulo que ns (para ns a politica outra coisa

    Davi Kopenawa)?25

    A antropofagia ritual ou metafsica da predao26

    outroexemplo essa forma muito particular de articular POL, MET, REP e, dadas suas

    poderosas referncias mticas, FIC constitui ele um modo de existncia de pleno

    direito? A cincia do concreto de que falava Lvi-Strauss apenas o modo REF em

    chave selvagem, ou abre para uma outra multiplicidade ontolgica ainda no

    cartografada nostermos de EME, um outro modo de pensar o, no e do mundo? E assim

    por diante.

    Ao cabo da leitura de EME, fica-se com a incmoda sensao de que osextramodernos possuem menos modos de existncia do que os Modernos, esses

    configuradores milionrios de mundo em quem pensava Heidegger (os extramodernos

    so apenas humildes em mundo, para toda a filosofia da histria da modernidade

    tardia). Fica-se, a fortiori, com a impresso de que os no-humanos possuem ainda

    menos modos de existncia que os extramodernos, e que, no frigir dos ovos, os

    Modernos continuam dotados de um suplemento de modos de existncia, como se de

    um suplemento de alma. O que nos leva, guisa de concluso, vexata questioda

    construo de REL, a religio, em uma linguagem univocamente crist. S osModernos seriam os felizes possuidores depessoas? S eles disporiam, ou careceriam,

    de uma experincia da proximidade e do presente divino (envenenado?) da salvao?

    O que fazer, ento, com a experincia do sonho entre povos como os Yanomami, cuja

    descrio pelo xame lder polticoDavi Kopenawa (Kopenawa & Albert op.cit.) nos

    introduz a uma fenomenologia onde sensibilidade palavra do outro (o extra-

    humano), reconstituio da pessoa e poltica da natureza esto inextricavelmente

    entrelaados? O que pensar da experincia da divindade entre Dinka, tomagistralmente descrita por Godfrey Lienhardt?27Seriam outras tantas modulaes de

    REL, ou sempre ainda o modo cabe-tudo MET, onde os Modernos colocamos o que

    somos incapazes de compreender?

    24Clastres 1974, 1977.

    25Kopenawa & Albert 2010.

    26Lvi-Strauss 2000.

    27Lienhardt 1961.

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    H, enfim, muito trabalho a fazer ainda para que se estabelea a ponte

    diplomtica entre o pluralismo intra-ontolgico dos modernos descrito por EME e as

    ontologias meta-plurais, pluralmente plurais daqueles que, como dizia Clastres dosselvagens, querem a multiplicao do mltiplo. No mnimo, se o desafio , como

    formula lapidarmente Latour, cessar de modernizar para ecologizar, muito provvel

    que tenhamos que adotar, no sentido afetiva e juridicamente complexo em que se

    adota um filho (REP.DRO), alguns dos modos de existncia dos outros coletivos,

    daqueles que, realmente, jamais foram modernos. A sada passa pelo outro; pelo ser-

    enquanto-outro dos outros.

    ***

    A tarefa que se impe este plano de pesquisa, assim, o de reconstruir certas velhas

    categorias antropolgicas a partir do vocabulrio e do instrumental conceitual

    fornecido pela Enqute sur les modes dexistence. J tive mais de uma ocasio de

    argumentar pela necessidade de produzirmos um discurso antropolgico onde o

    nativo esteja em posio de estrita interlocuo simtrica com o antroplogo. A

    determinao das cosmoprxis amerndias (inter alia) nos termos do conceito de

    modos de existncia poder permitir, talvez, que essa interlocuo se faa dentro de

    uma meta-linguagem comum, capaz de permitir uma intertraduo que esteja

    efetivamente atenta para o equvoco, a transformao e a deformao que envolvem

    necessariamente tal empresa. Ao mesmo tempo, ela permitir que as questes

    indgenas (por oposio questo indgena i.e. a questo de como os brancos

    acabaro de vez com o problema dos ndios) possam se infiltrar em nosso prpriorepertrio de perplexidades, apontando a existncia de, justamente, outros modos de

    existncia, inseparveis de outras formas de vida. Mesmo porque, como vai cada vez

    mais constatando e alertando Bruno Latour, nossa forma de vida se aproxima do

    esgotamento de suas potencialidades, e sua criatividade vai-se cada vez mais

    revelando como uma forma particularmente perversa de destrutividade.

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