sobre a rachel

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Capítulo 1: A Escritora, a Casa, a Obra 1.1. A Escritora Nascida em Fortaleza - CE, no dia 17 de novembro de 1910, mas considerando como sua terra natal o “curral de pedras”, Quixadá, a fazenda não me deixes era o seu lugar, onde se sentia realmente no seu lar. Filha de Daniel de Queiroz e de Clotilde Franklin de Queiroz, que teve além de Rachel, Flávio, Luciano, Roberto e Maria Luiza. Hoje, só está viva, a caçula, Maria Luiza. Era prima de José de Alencar, família de raízes profundamente lançadas em Quixadá, onde residiam e seu pai era Juiz de Direito nessa época. Rachel de Queiroz foi uma mulher a frente de seu tempo, denominando-se autodidata, ao possui a maior parte de sua formação em casa. Formou-se professora aos quinze anos no Colégio Imaculada Conceição em Fortaleza; apesar da admiração que tinha pelo seu pai, foi sua mãe a principal influenciadora, contribuindo para sua formação com uma biblioteca que chegou ao número aproximado de 5000 exemplares, tendo a própria escritora traduzido muitos dos volumes, francês para inglês. Rachel foi uma figura no mínimo polêmica em toda a sua história, afirmava-se como jornalista e desde cedo contribuía aos jornais da época com suas crônicas; para quem dizia que não gostava de escrever, produziu uma vasta obra, linguagem simples, despontando-se como escritora regionalista. Fundadora do partido comunista no ceará, chegou mesmo a participar das eleições; passou de agitadora, presa, à aliada de Castello Branco, nos anos de chumbo, período militar. Rachel de Queiroz faleceu dormindo em sua rede, no dia 04-11-2003, na cidade do Rio de Janeiro, mas já era a primeira mulher imortal da academia brasileira de letras e será eterna, enquanto houver pessoas que admirem seu talento. A Assembléia Legislativa aprovou em 2009, o projeto de lei n° 153/09 que institui "2010 o Ano Rachel de Queiroz". A iniciativa foi da deputada Rachel Marques (PT) e tem como objetivo homenagear o centenário de nascimento da escritora. Segundo ela, a escritora cearense foi a mais importante durante todo o século. "Fazer o ano de 2010, o Ano

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Resumo sobre a casa localizada em Fortaleza-Ce onde a escritora Rachel de Queiroz em sua juventude escreveu o livro o Quinze e João Miguel.

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Page 1: Sobre a rachel

Capítulo 1: A Escritora, a Casa, a Obra

1.1. A Escritora

Nascida em Fortaleza - CE, no dia 17 de novembro de 1910, mas considerando

como sua terra natal o “curral de pedras”, Quixadá, a fazenda não me deixes era o seu

lugar, onde se sentia realmente no seu lar. Filha de Daniel de Queiroz e de Clotilde

Franklin de Queiroz, que teve além de Rachel, Flávio, Luciano, Roberto e Maria Luiza.

Hoje, só está viva, a caçula, Maria Luiza. Era prima de José de Alencar, família de

raízes profundamente lançadas em Quixadá, onde residiam e seu pai era Juiz de Direito

nessa época.

Rachel de Queiroz foi uma mulher a frente de seu tempo, denominando-se

autodidata, ao possui a maior parte de sua formação em casa. Formou-se professora aos

quinze anos no Colégio Imaculada Conceição em Fortaleza; apesar da admiração que

tinha pelo seu pai, foi sua mãe a principal influenciadora, contribuindo para sua

formação com uma biblioteca que chegou ao número aproximado de 5000 exemplares,

tendo a própria escritora traduzido muitos dos volumes, francês para inglês. Rachel foi

uma figura no mínimo polêmica em toda a sua história, afirmava-se como jornalista e

desde cedo contribuía aos jornais da época com suas crônicas; para quem dizia que não

gostava de escrever, produziu uma vasta obra, linguagem simples, despontando-se como

escritora regionalista. Fundadora do partido comunista no ceará, chegou mesmo a

participar das eleições; passou de agitadora, presa, à aliada de Castello Branco, nos anos

de chumbo, período militar.

Rachel de Queiroz faleceu dormindo em sua rede, no dia 04-11-2003, na

cidade do Rio de Janeiro, mas já era a primeira mulher imortal da academia brasileira de

letras e será eterna, enquanto houver pessoas que admirem seu talento. A Assembléia

Legislativa aprovou em 2009, o projeto de lei n° 153/09 que institui "2010 o Ano

Rachel de Queiroz". A iniciativa foi da deputada Rachel Marques (PT) e tem como

objetivo homenagear o centenário de nascimento da escritora. Segundo ela, a escritora

cearense foi a mais importante durante todo o século. "Fazer o ano de 2010, o Ano

Page 2: Sobre a rachel

Rachel de Queiroz é uma justa e merecida homenagem a uma mulher que honrou sua

gente, sua cultura e sua origem", afirma.

Conhecer a história de vida da escritora, mostra o quanto essa cearense é

importante para a identidade do nosso povo e pode despertar nas novas gerações uma

maior valorização do nosso patrimônio. Esse pequeno trecho sobre sua biografia não

tem o propósito de contar toda sua vida, mas realçar a relação da escritora com o lugar.

Podemos identificar a afetividade, os valores, sua formação cultural, a educação da

época.

1.2. A casa

Rua Antônio Ivo nº290

Ao falar a casa, é preferível fazer referência ao lugar onde a própria autora

chamava em seu livro “tantos anos” de sítio da família. O sítio Pici, onde realizou a

cerimônia de seu primeiro casamento e onde foi obrigada pelas circunstâncias a ficar de

repouso, supeita de tuberculose, escrevendo sua obra “O Quinze”, tornando-a uma das

imortais da academia brasileira de letras. No entanto, quando as memórias se misturam

as emoções é no livro “o não me deixes” que se revela seu verdadeiro lugar: na fazenda

Page 3: Sobre a rachel

em Quixada, onde a autora comenta sentir verdadeiramente o regresso, o retorno ao lar e

não somente a casa, que foram muitas, por tantas andanças pelo Brasil a fora.

“Lá (na fazenda “Não me deixes”), realmente, é meu lugar. Cada volta

é um regresso. E sinto que lá é o meu permanente. O Rio é o provisório”. O

apego à terra e à origem ressalta-se na fala de Maria Luíza, a co-autora: “Mas,

em todos os que emigraram (os familiares), a mesma nostalgia do sertão

agreste, o permanente sonho de voltar – um dia! No sangue de todos eles, todos

os Queiroz, o visceral amor à terra, o que dela brota, o que nela vive”.

Portanto, quando buscamos fazer referência a casa Rachel de Queiroz, reside

no fato da mesma ter no sítio Pici muitas memórias, a afetividade aflora, e do fato de o

Quinze marcar no imaginário os momentos que passou relembrando as experiências da

infância, traduzindo-as e eternizando-as em sua obra.

Ao falar do sítio Pici, percebemos a própria evolução urbana da cidade de

Fortaleza, onde se faz referência não a um sítio dentro de Fortaleza, mas próximo, como

hoje percebemos sítios bem mais afastados da cidade. Fortaleza cresceu, sobretudo no

início do século XX, devido as grandes secas; anteriores mesmo a famosa seca descrita

pela escritora e talvez muito piores. A construção da estrada de ferro para o escoamento

da produção de algodão em Baturité, o crescimento industrial e comercial da capial do

estado, levaram a criação de bairros mais afastados do centro de Fortaleza, ampliados na

década de 70 com a criação das regiões metropolitanas, sendo Fortaleza uma delas. O

sítio PICI, como ficou conhecido a casa dos benjamins, e que faz referência a Peri e

Percy, personagens do livro “o Guarani” do primo famoso José de Alencar, teria assim

batizado o sítio comprado em 1927 por Daniel Queiroz. Nesse período o sítio ainda

fazia parte do distrito de Parangaba, na época Porangaba, que era a última estação antes

de Fortaleza, o que talvez tenha motivado a compra do sítio naquela área. Assim como

Messejana, ambos hoje bairros de Fortaleza haviam sido rebaixados de municípios e

depois a distrito de Fortaleza.

Ao longo dos anos e com a ocupação urbana cada vez maior, construiu-se a

base aérea dos americanos na segunda guerra mundial, dando surgimento a outra versão

do nome do bairro, referente a pronuncia das iniciais da palavra inglesa posto de

comando.

Page 4: Sobre a rachel

Nas décadas seguintes a ocupação da área se intensificou, com a construção de

conjuntos habitacionais e invasões, formando favelas. A escritora lembra em suas

crônicas que na época da guerra já estava longe do sítio, onde de lá, avistava-se os

pequenos dirigíveis prateados, chamados blimps, que pousavam quase acima da casa.

No sítio, começou a aumentar o cerco urbano, trazendo a insegurança, com roubo de

fruta, cana, galinhas, patos. O pai de Rachel falece, e apesar de dona Clotilde ter

resistido, acabou vendendo o sítio, que já havia pertencido à família do Padre Rodolfo

Ferreira da Cunha, e depois ao industrial José Guedes, do qual seu pai havia comprado.

Em suas memórias, Rachel descreve a beleza do açude que fora aterrado para

construir a Igreja, a abertura de ruas no pomar, derrubando as grandes mangueiras e só

acaba recebendo notícias pelos jornais, pois assim declarava:

“Nuca mais fui lá. Dói demais, vai doer demais, imagino. Eu ainda

escuto no coração as passadas de meu pai no ladrilho do alpendre, o sorriso de

minha mãe abrindo a janela do meu quarto, manhã cedo: “acorda, literata! Olha

que sol lindo” E as mangas bola-de-ouro, que eram os cuidados dela – terão

derrubado a mangueira bola-de-ouro? Não, nunca mais quero ir lá. Ninguém

desenterra um defunto amado para ver como é que estão os ossos.” (CRÔNICA,

PICI)

Na conversa com Dona Sámia e Dona Rosa, moradoras atuais da casa,

lembram que o pai de dona Sámia que trabalhava para a imobiliária Nascimento Jucá,

certa vez ficou muito chateado, chegando a beber por vários dias, devido a crônica

escrita por Rachel em resposta ao questionamento feito por seu Afrânio no lançamento

de um livro na década de 80. O senhor Afrânio Montenegro Jucá, dono da imobiliária

Nascimento Jucá, havia questionando Rachel a visitar a casa, adquirida por ele de um

italiano que, segundo ele, construiria uma fábrica de rádio no local, mas desistiu e

mudou-se para São Paulo. O senhor Afrânio loteou o lugar, mas resolveu preservar a

casa pela beleza e que logo descobriria ter pertencido ao pai da escritora Rachel. O

senhor Alcides, corretor do senhor Afrânio, pediu para morar na casa, e mesmo após seu

falecimento, através de um documento em regime de comodato, permitiu as famílias

permanecerem na casa como inquilinos, mas sem precisar pagar nada até os dias de

hoje. Com a presença das famílias a casa ficou preservada até a redescoberta por

estudioso, educadores, estudantes e todos os tipos de pessoa que se sentiram

Page 5: Sobre a rachel

maravilhados com a oportunidade de conhecer um patrimônio cultural de todos os

cearenses.

Aqui reside a importância das famílias que ocupam a casa ao logo desses anos,

pois sem elas a casa nem mesmo existiria, e não haveria tombamento, nem homenagem.

Cabe a pergunta: A partir de que momento algo adquire o status de patrimônio?

Segundo BALLART (1997: 17). Surge “quando um indivíduo ou grupo de indivíduos

identifica como seus, um objeto ou um conjunto de objetos”. Para que um grupo de

indivíduos possa identificar um objeto com essa importância, é preciso que esse grupo

conviva com essa realidade, tenha conhecimento de sua existência, no entanto, se não

faz parte do conjunto de valores de uma comunidade que é fruto de um outro momento

na evolução histórica do lugar, pode-se utilizar o mesmo para resgatar esse conjunto de

valores, trabalhando a educação patrimonial na comunidade em questão.

1.3. A Obra

O Quinze, nos revela a percepção e a própria experiência de vida da autora que

aos sete anos de idade teve que sair de Quixadá e morar no Rio de Janeiro, onde seu pai

vai trabalhar como advogado. É interessante observar que a formação cultural de Raquel

está diretamente relacionada à influência de seus pais. Daniel, que preferiu lecionar

geografia no Liceu e sua mãe que a servia de uma fonte literária vasta, influenciando-a

na sua orientação política.

O quinze revela o apego ao interior, na região de Quixadá, as lembranças de

infância, seus personagens estão impregnados de seus valores, pois era uma mulher

voltada ao trabalho intelectual assim como revela-se a moça conceição.

Rachel sempre se utilizou de suas experiências para escrever. Escrevia sobre a

vida, retratando bem a cultura nordestina. A escritora nos ensina que para preservar

nossas memórias devemos resguardar a vida que se desenvolve nos lugares, o cotidiano,

as coisas simples, como uma crônica que retrata as coisas que nos são familiares.

De qualquer ponto de vista que olhemos, chegamos a conclusão de que não se

possui patrimônio sem memória, sem afetividade. A percepção da qualidade do meio

Page 6: Sobre a rachel

ambiente está totalmente dependente da relação entre conhecimento e consciência. O

patrimônio material está para a paisagem, assim como o lugar está para o patrimônio

imaterial. A verdadeira obra de Rachel só poderá ser preservada se a comunidade tiver

conhecimentos de sua vida e obra, se não, teremos apenas uma casa que não valerá a

pena desenterrar do tempo para declararmos nosso amor a uma Rachel de Queiroz

esquecida no tempo.

As famílias que atualmente vivem na casa já fazem parte da memória do lugar

e sua importância como patrimônio imaterial, não está nos feitos históricos das famílias,

mas na própria vida que se construiu e não pode ser apagada, pois conta a própria

história do objeto tombado, são o símbolo da resistência ao tempo e ao esquecimento.