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(Segunda Sección) DIARIO OFICIAL Viernes 10 de marzo de 2017 RESOLUCIÓN que establece las Reglas de Carácter General relativas a la aplicación de las disposiciones en materia aduanera del Tratado de Libre Comercio entre los Estados Unidos Mexicanos y las Repúblicas de Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras y Nicaragua y su Anexo 1. Al margen un sello con el Escudo Nacional, que dice: Estados Unidos Mexicanos.- Secretaría de Hacienda y Crédito Público. La Secretaría de Hacienda y Crédito Público, con fundamento en los artículos 16 y 31 de la Ley Orgánica de la Administración Pública Federal; 1o. y 144, fracciones XXIII y XXV de la Ley Aduanera, y 1o., 4o. y 6o., fracción XXXIV del Reglamento Interior de la Secretaría de Hacienda y Crédito Público, así como en los Capítulos III, IV y V del Tratado de Libre Comercio entre los Estados Unidos Mexicanos y las Repúblicas de Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras y Nicaragua, y CONSIDERANDO Que el 22 de noviembre de 2011 se suscribió el Tratado de Libre Comercio entre los Estados Unidos Mexicanos y las Repúblicas de Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras y Nicaragua (Tratado) para facilitar las relaciones comerciales con las mencionadas Repúblicas y fortalecer la producción y competitividad de la industria nacional, cuyo decreto de aprobación por parte del Senado de la República fue publicado el 9 de enero de 2012 en el Diario Oficial de la Federación; Que el 31 de agosto de 2012 se publicaron en el Diario Oficial de la Federación el Decreto Promulgatorio del Tratado y la Resolución que establece las Reglas de Carácter General relativas a la aplicación de las disposiciones en materia Aduanera del Tratado de Libre Comercio entre los Estados Unidos Mexicanos y las Repúblicas de Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras y Nicaragua y su Anexo 1 (Resolución); Que el Capítulo III “Trato Nacional y Acceso de Mercancías al Mercado” del Tratado, establece disposiciones tendientes a eliminar las barreras arancelarias y no arancelarias al comercio de mercancías entre los Estados Unidos Mexicanos y las Repúblicas de Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras y Nicaragua y señala las reglas para determinar el trato arancelario preferencial aplicable a las mercancías originarias de cada una de las Partes; Que el Capítulo IV “Reglas de Origen” del Tratado, establece los requisitos que deberá cumplir una mercancía para considerarse originaria de los Estados Unidos Mexicanos o de las Repúblicas de Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras o Nicaragua, los cuales constituyen la condición fundamental para el aprovechamiento del trato arancelario preferencial; Que el Capítulo V “Procedimientos Aduaneros Relacionados con el Origen de las Mercancías” del Tratado, establece los principios y disposiciones que regirán la aplicación de dicho instrumento en materia aduanera y los derechos y obligaciones de los importadores, exportadores y productores de las Partes; Que el 24 de enero de 2017 la Comisión Administradora del Tratado, en cumplimiento con lo establecido en el artículo 5.15 del Tratado, adoptó la Decisión No. 9 denominada Reglamentaciones Uniformes del Tratado de Libre Comercio entre los Estados Unidos Mexicanos y las Repúblicas de Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras y Nicaragua, referentes a la interpretación, aplicación y administración de los Capítulos IV (Reglas de Origen), V (Procedimientos Aduaneros Relacionados con el Origen de las Mercancías) y cualquier otro Capítulo del Tratado, y Que con la finalidad de hacer del conocimiento de los operadores de comercio exterior los ajustes acordados en la Decisión No. 9, resulta adecuado actualizar el contenido de la Resolución citada en el considerando segundo, a fin de brindar certeza jurídica respecto de la aplicación de lo dispuesto en el Tratado, ha tenido a bien expedir la siguiente RESOLUCIÓN QUE ESTABLECE LAS REGLAS DE CARÁCTER GENERAL RELATIVAS A LA APLICACIÓN DE LAS DISPOSICIONES EN MATERIA ADUANERA DEL TRATADO DE LIBRE COMERCIO ENTRE LOS ESTADOS UNIDOS MEXICANOS Y LAS REPÚBLICAS DE COSTA RICA, EL SALVADOR, GUATEMALA, HONDURAS Y NICARAGUA Y SU ANEXO 1 1. DISPOSICIONES INICIALES 1.1. Para los efectos de la presente Resolución, salvo disposición en contrario, se entenderá por: I.- "Arancel", cualquier impuesto o arancel a la importación, en los términos de lo dispuesto en los artículos 2.1 del Tratado y 12 de la Ley de Comercio Exterior; II.- "Autoridad aduanera", la autoridad competente en los términos de los artículos 3.1 del Tratado y 2o., fracción II de la Ley Aduanera; III.- “Código”, el Código Fiscal de la Federación;

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1. Introdução“Se a noção de justiça, pela qual o Direito se

completa e se realiza, implica considerações deordem metafísica, que as façamos sem medo ecom decisão. Subverter a ordem natural das

coisas, colocando o homem a serviço da ciência,é que não é certo, nem vale a pena”

(VASCONCELOS, 2000).

A ciência do Direito passou vários anosestudando estruturas lógicas como métodode decisão judicial. Esse é, sem dúvida ne-nhuma, um método menos complexo do quese pretende agora. Afinal, bastava o juiz ser“a boca da lei” para aplicar o Direito no casoconcreto.

Por meio da subsunção da premissamaior (norma jurídica) sobre a premissamenor (o fato), facilmente se chegava a umaconclusão (a decisão jurídica). Esse métodofoi desenvolvido pelo positivismo, o qualsupunha eliminar do direito o estudo cog-nitivo dos juízos de valor, pois esses recairi-am fora do campo racional.

Mas esse método não mais correspondeàs necessidades da atual sociedade. Princi-palmente após as duas grandes guerras

Sobre a pretensão de correção da lei injusta

Letícia Balsamão Amorim é Mestra em Di-reito Público pela UERJ, Professora universitá-ria, Advogada da União (lotada no Gabinetedo AGU).

Letícia Balsamão Amorim

Sumário 1. Introdução. 2. Sobre a lei injusta – por

uma reaproximação do Direito com a teoriamoral. 2.1. Podemos, então, falar de “lei injus-ta”?. 3. Pretensão de correção da lei injusta. 3.1.Métodos para a correção da lei injusta. 4. Deci-são judicial razoável. 5. Conclusão.

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mundiais, ficou claro que um direito semum conteúdo delimitado, baseado em cer-tos valores, não pode ser um direito válido.A experiência nazista se tornou a críticadefinitiva ao positivismo jurídico e à suapretensão de eliminar do Direito toda refe-rência à justiça. A nova concepção do direi-to deve atribuir importância aos princípiosgerais do direito (ou princípios constitucio-nais como preferem outros1) para que hajauma conciliação dos valores de eqüidade esegurança jurídica, e para que se busqueuma solução que seja “não apenas de acor-do com a lei, mas que seja também eqüitati-va, razoável e aceitável”.

O que pretendemos com este estudo éjustamente aproximar o Direito de um míni-mo de justiça, e assim utilizar a pretensãode correção diante de uma lei injusta paraque se alcance uma decisão judicial razoável.

Ora, se é certo que até pouco tempo osjuristas consideravam que a busca de justi-ça não era de sua competência2, não era umtrabalho para sua seara, o que pretendemosé incluir a justiça como um elemento legiti-mador das sentenças judiciais e fazer comque a busca da justiça no caso concreto sejasim um ideal a ser procurado pela aplica-ção do direito. Atienza resumiu muito bemessa pretensão: “la justicia no es un idealirracional. Es simplemente un ideal o, si sequiere, una idea regulativa; no una nociónde algo, sino una noción para algo: paraorientar la producción y la aplicación delDerecho” (ATIENZA, 1995, p. 9).

2. Sobre a lei injusta – por umareaproximação do Direito com a

teoria moral

De acordo com o positivismo jurídico,não deveria a ciência do Direito indagar seuma lei é justa ou não. A justiça é um juízode valor, e, para o positivismo, esses juízossão sempre arbitrários, pois não possuemum critério de racionalidade que possibiliteserem previamente determináveis. O juiz,segundo essa doutrina, ao emitir um juízo

de valor, o faz de acordo com sua intuição esubjetivismo. Assim, a Ciência do Direito sópoderia questionar acerca da validade ouinvalidade de uma lei, ou seja, se a lei sur-giu de acordo com os preceitos de uma leisuperior e se essa lei tem um mínimo de efi-cácia. E isso bastaria para que a lei fosseválida em determinado ordenamento.

Talvez essa concepção, que afasta o cri-tério de justiça e todos os juízos de valor dequalquer estudo sistemático, seja muito maisprática e simples. Afinal, é muito mais cô-modo desconsiderar tais conceitos da ciên-cia jurídica do que enfrentá-los.

No entanto, a própria história da socie-dade (após as duas grandes guerras, as ex-periências totalitárias) demonstrou que nãopode a Ciência do Direito ficar alheia a es-sas questões. Deve, pelo contrário, enfrentá-las para que não ocorram barbarismos pa-trocinados pelo Direito.

É por isso que sustentamos a tese de quenão basta que uma norma siga os preceitosformais para que ela seja válida em determi-nado ordenamento jurídico. Além do aspec-to formal, devem as normas estar de acordocom um critério material. Esse critério mate-rial se refere aos valores e princípios tutela-dos pelo ordenamento, que se aproximam,no mais das vezes, a um critério de justiça.

A própria constituição dos Estados mo-dernos só pode ser entendida como uma “re-serva de justiça” para que se tenha um Esta-do democrático-constitucional de Direito.

Mas, enfim, como podemos qualificaruma lei de justa ou injusta?

A própria noção de justiça é algo que hámuito vem sendo discutido em toda filoso-fia. Por ser um termo carregado de sentidoemotivo, podemos considerá-la uma “noçãoconfusa”. Mas não é pela dificuldade dedefinir o que seja justiça que devamos afas-tá-la da ciência do Direito.

A idéia de justiça sugere a todos a noçãode certa igualdade. Desde Platão e Aristóteles,passando por Santo Tomás, até os juristas,moralistas e filósofos contemporâneos, todosestão de acordo sobre esse ponto.

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Para Aristóteles, a justiça é definida pelofrágil equilíbrio que ela estabelece entre umexcesso e uma falta, um muito pouco, o queo leva a considerá-la como uma “medida”,um termo médio entre dois extremos.

Para os partidários de um direito racionalideal, de Kant a Del Vecchio, a justiça é fun-damentada essencialmente no respeito à au-tonomia de cada pessoa. “Age do modo quedesejarias que agissem teus semelhantes”,esse era o que defendia Kant (PERELMAN,2000, p. 75).

É exatamente sob o impulso da filosofiakantiana que a teoria da justiça passou parao “lado” deontológico, pois até então a jus-tiça era apenas vista sob o aspecto teológi-co, como uma virtude, um bem, ou seja, abusca do bom era seu fim. A partir de Kant,a teoria da justiça passou a buscar uma con-cepção na qual todas as relações morais,jurídicas e políticas sejam postas sob a idéiade legalidade, de conformidade com a lei(RICCEUR, 1991, p. 95).

2.1. Podemos, então, falar de “lei injusta”?

Já dissemos que não há que se falar emum sistema formado apenas por regras. E aciência do Direito não pode ficar alheia àsquestões morais. Ora, o sistema jurídico atu-almente é um sistema orientado por valorese, portanto, com limites intrínsecos com asteorias morais.

Qualquer constituição dos chamadosEstados modernos tem positivados, em seucorpo normativo, princípios como os da dig-nidade humana, liberdade, igualdade, de-mocracia, Estado de Direito, entre outros.Essa é a base do chamado Direito racional damodernidade3. E o caráter desses princípiossignifica que não se trata simplesmente denormas programáticas, sem aplicação efeti-va e imediata, ou meras normas vagas e semnormatividade, mas, ao contrário, com elasse pretende uma tarefa de otimização.

Assim, não podemos temer ou ter receioda aproximação entre Direito e moral, poisesse é um fato presente na maioria das cons-tituições modernas. Ora, a teoria dos princí-

pios oferece um ponto de partida adequadopara atacar as teses positivistas da separa-ção entre Direito e moral. Ao contrário doque propugnavam as teses positivistas, “sãointroduzidas noções pertencentes à moral;algumas que foram fundamentadas, no pas-sado, no direito natural, são hoje considera-das, mais modernamente, como conformesaos princípios gerais do direito” (MAIA;SOUZA NETO, 1998, p. 65).

E justamente a incorporação de elemen-tos morais no conceito de Direito se faz ne-cessária para apoiar os juristas contra umEstado injusto.

A teoria pós-positivista deu grande pas-so para identificação de uma lei injusta. Ora,essa teoria, como já sublinhado, vem de-monstrando que as constituições dos Esta-dos modernos são verdadeiras reservas dejustiça.

Essa nova concepção do direito deu re-levante enfoque aos princípios jurídicos eelevou-os a verdadeiras normas, válidas ecoercivas, deixando para trás o caráter su-pletivo e subsidiário, sem normatividade,que o positivismo os relegava. Assim, osprincípios possuem, de acordo com o pós-positivismo, a mesma dignidade formal queas regras, e, por isso, são normas constituci-onais e dotadas da autoridade que lhes con-fere a rigidez e supremacia da constituição(SCHIER, 1998, p. 123).

Se é verdade que os princípios não dife-rem formalmente das regras, o mesmo nãopode ser dito quanto a suas característicase seu aspecto funcional. Os princípios cons-tituem exigências de otimização, pois resul-tam valores escolhidos como os mais rele-vantes pela sociedade ao longo da história(vida, dignidade da pessoa humana, liber-dade, igualdade, etc.); por isso, contêmstandards que, em primeira linha, devem serrealizados. E é justamente pela sua “refe-rência” a valores ou da sua relevância ouproximidade axiológica (da justiça, da idéiade direito, dos fins de uma comunidade) queos princípios têm uma função sistêmica: sãoo fundamento de regras jurídicas e têm uma

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idoneidade irradiante que lhes permite li-gar ou cimentar objetivamente todo o siste-ma constitucional (CANOTILHO apudSCHIER, 1998, p. 126).

“Este momento pós-postivista, afir-mando a normatividade e vinculati-vidade dos princípios, faz assentá-loscomo valores jurídicos supremos dasociedade, servindo como parâmetrode aplicação do Direito para o Estado(Administração Pública, legislador ejuiz) e a sociedade civil passando aconstituir verdadeira reserva de justi-ça, fala-se, aqui, portanto, não de umdireito justo à luz de valores metafísi-cos (superiores e anteriores ao Esta-do) ou formais (identificados com aprópria legalidade) e, sim, de uma re-serva histórica de justiça: aquela queuma dada sociedade concreta elegeu,em momento definido, como padrãode justiça” (SCHIER, 1998, p. 128).

Assim, de acordo com o pós-positivis-mo, a questão de justiça se positiva e se tor-na um problema jurídico na medida em queexige que as normas legais e as decisõesjudiciais e administrativas se compatibilizemcom os preceitos axiológicos constitucionais.

Podemos, portanto, qualificar como in-justa toda lei que vai de encontro aos valo-res materiais tutelados pela ordem jurídicae que não tenha uma justificação (atravésda argumentação) racional ou razoável.

Enfim, nas sociedades modernas, é o le-gislador quem fixa a ordem de prioridadespara a distribuição de bens. E essa fixaçãodepende da discussão e da decisão política.E é justamente nesse sentido e nessa medi-da que a idéia de justiça requer a mediaçãodo político para alcançar a prática da justiça.

E assim Paul Ricceur distingue dois cam-pos do discurso da justiça: 1. o discurso dajustiça está em ação no debate público rela-tivamente à ordem de prioridade a estabele-cer entre os bens sociais primários; 2. e tam-bém está no procedimento judiciário, da leià pronunciação da sentença através doprocesso.

Com isso, não basta reconhecer uma nor-ma injusta, o Judiciário deve ter meios paracorrigir essa injustiça. Daí a importância daargumentação, do discurso para que as de-cisões (legislativas e judiciais) não se resu-mam no uso da força pública – “como se omonopólio da violência se resumisse a obrada justiça” (RICCEUR, 1991, p. 106). É so-bre esse tema que trataremos no tópico se-guinte.

3. Pretensão de correção da lei injusta

Não podemos encarar a justiça apenascomo conformidade à lei, pois bastará umadecisão arbitrária do legislador para criarnormas por meio de uma conduta injusta.Assim, acreditamos que nem toda prescri-ção do legislador merece obediência e res-peito.

Mas quando é que o juiz poderá deixarde aplicar uma lei por considerá-la injusta?

É, na verdade, contra a injustiça das leise contra a arbitrariedade que se deve modi-ficar ou revisar a ordem estabelecida.

Por tudo quanto foi exposto, não se justi-fica mais existir uma separação estanqueentre Direito e Moral (não podemos olvidarque, apesar da proximidade, esses são con-ceitos que não se confundem).

A indagação que passamos agora a ana-lisar é se uma violação do critério moral re-move o status de norma jurídica ao preceitonormativo. E, ainda, diante de uma normainjusta, pode o juiz afastá-la do caso con-creto? Em caso afirmativo, que meios pos-sui para isso sem que se possa falar em in-terferência do Judiciário no âmbito do Po-der Legislativo?

Segundo Alexy (1993b, p. 44), quem querargumentar essa questão positivamente temque demonstrar que as normas ou o sistemade normas perdem necessariamente o cará-ter jurídico quando sobrepassam certos li-mites de injustiça.

É importante enfatizar aqui que, nestaempreitada de justificar um juízo de valorcomo o critério de injustiça, não poderá o

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magistrado utilizar o método descritivo, oulógico-dedutivo, como se estivesse fazendoum cálculo matemático. Deverá utilizarcomo método racional a argumentação, que hátanto vinha sendo esquecida pela hermenêu-tica jurídica. O argumento específico para aanálise da lei injusta poderia ser chamado,segundo Alexy (1993b, p. 44), de “argumen-to da injustiça”4.

Quem quer, de acordo com Alexy (1993b,p. 45), demonstrar uma conexão conceitualnecessária entre o Direito e a Moral deve tra-tar de mostrar que, nos processos de criaçãoe aplicação do Direito, os participantes têm,necessariamente, uma pretensão de corre-ção, a qual inclui uma pretensão de corre-ção moral. E aqui estaríamos diante de um“argumento de correção”.

A pretensão de correção é um elementonecessário inserido no conceito de Direito.A idéia de correção nos leva a uma conexãoconceitual entre Moral e Direito (ALEXY,1993b, p. 49-51). Inúmeras situações (como,por exemplo, os sistemas totalitários, asgrandes guerras mundiais) demonstramque sistema jurídico deve ser algo mais queum sistema de normas estabelecidas vali-damente e efetivas.

Segundo Dworkin (apud MAIA; SOUZANETO, 1998, p. 83), não podemos vincularo conceito de Direito apenas à noção de nor-mas criadas validamente pelas autoridadesestatais. Assim, esclarece que mesmo as nor-mas produzidas por legisladores eleitos nãosão válidas se violam determinado direitomoral. Compreende que a supremacia daconstituição engloba não apenas o seu sen-tido formal, mas também um sentido mate-rial, na medida em que os princípios consti-tucionais podem ser também princípiosmorais.

A teoria da pretensão desenvolvida porAlexy (1993b) sustenta que as normas jurí-dicas individuais e as decisões judiciais,assim como o sistema jurídico em sua totali-dade, necessariamente têm uma pretensãode correção. Segundo essa teoria, os siste-mas de normas que não têm essa pretensão,

implícita ou explicitamente, não são siste-mas jurídicos. E os sistemas jurídicos quetêm essa pretensão, mas não a satisfazem,são sistemas defeituosos.

Segundo a teoria do discurso, a preten-são de correção implica a pretensão de jus-tificabilidade. Podemos conceber muitasmaneiras distintas de justificação de deci-sões judiciais. O espectro vai desde merasreferências a tradições ou autoridades até aargumentação racional, que considera todosos aspectos. O ponto decisivo é que a pre-tensão de justificabilidade permite umaperspectiva crítica. O fato de uma decisãojudicial não ser justificada, ou estar total-mente justificada de acordo com argumen-tos irracionais, ou mal justificada, não a pri-va de seu caráter de decisão judicial. Nessesentido, a pretensão de justificabilidade queapresenta necessária significa a possibili-dade de estabelecer níveis de justificaçãomais altos como o desenvolvimento dos sis-temas jurídicos modernos.

Qualquer um que venha a justificar algoaceita, no mínimo, que a outra pessoa sejaum igual, ou ao menos um discurso em queele não exerça coerção, ou que não seja apoi-ado pela coerção exercida por outros. Alémdo mais, pretende-se que seja capaz de de-fender sua tese não apenas contra seu ad-versário, mas contra qualquer pessoa. Es-sas pretensões de igualdade e universali-dade provêm da base de uma ética procedi-mental. Segundo Habermas (apud ALEXY,1993b, p. 55), essa é a ética discursiva:

“A conexão que a teoria do discur-so cria entre os conceitos de correção,de justificação e de generalizabilida-de pode transportar-se ao Direito coma ajuda da tese de que o discurso jurí-dico é um caso especial do discursoprático geral. E se esta tese é verdadei-ra, se poderia estabelecer uma relaçãonecessária entre Moral e Direito dire-tamente válida para os sistemas jurí-dicos modernos, e provavelmente jus-tificáveis para os sistemas jurídicospré-modernos, dentro do marco de

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uma teoria normativa da evolução ju-rídica”.

Como visto, não é qualquer sistema denorma que pode ser chamado de ordena-mento jurídico que possa legitimar um Es-tado de Direito. Ora, diante a um sistemanormativo injusto, o juiz não pode ficar iner-te, e aceitar passivamente a injustiça, deve,ao contrário, utilizar a pretensão de corre-ção da lei injusta com argumentos racionais.E pode, ou melhor, deve o juiz adequar anorma que seja falha ou injusta.

3.1. Métodos para correção da lei injusta

Pode ocorrer de o juiz estar diante de umalei que seja injusta apenas num determina-do caso concreto. Essa situação correspon-de àquela em que a lei está perfeitamente deacordo com o ordenamento jurídico, comseus valores e princípios, mas a sua aplica-ção perante um determinado caso concretoseria injusta. Nesse caso, o magistrado po-derá afastar a injustiça no caso concreto uti-lizando como meio de correção a eqüidadeou pela ponderação de interesses, ou então,quando for provocado, por meio de controlede constitucionalidade difuso (afinal a pró-pria Constituição permite um controle porseus princípios materiais).

Por outro lado, podemos estar diante deuma norma que seja objetivamente injusta,ou seja, uma norma que não está de acordocom os valores e princípios tutelados peloordenamento jurídico, seja porque foi cria-da já em desconformidade com o ordena-mento ou porque os valores se modificarame com isso as normas já não condizem maiscom os anseios e valores escolhidos pelasociedade.

Nesse caso específico, seria ideal que opróprio legislador retirasse do ordenamen-to jurídico a norma objetivamente injusta pormeio de sua revogação ou então o própriojudiciário poderia invalidar a norma comum controle de inconstitucionalidade dire-ta, mas para isso dependeria, é claro, da pro-vocação das pessoas competentes para suapropositura.

Mas, diante da omissão tanto do legisla-dor no caso da revogação, como no caso daomissão por parte dos autores competentespara a ADI, o juiz deverá corrigir a lei injus-ta ante o caso concreto utilizando as técni-cas já sugeridas anteriormente.

Exige-se que, em qualquer ordenamen-to jurídico, haja uniformidade, o que conduzà previsibilidade e à segurança. Mas essesprincípios não são suficientes para satisfa-zer a necessidade de justiça. Aristóteles jápreviu esse questionamento e propôs o usoda eqüidade.

“A eqüidade, mesmo sendo justa,não se resume a essa justiça que é con-forme à lei, mas é, antes, um corretivoà justiça legal. A eqüidade se faz ne-cessária porque a lei é sempre umadisposição universal e às vezes nãoconsegue abarcar situações específi-cas” (ARISTÓTELES, 2000).

A eqüidade seria, então, verdadeira ‘muletada justiça’.

Com isso, devemos entender que nem osprecedentes nem as leis devem ser aplica-dos mecanicamente; o juiz possui o poder eo dever de interpretar e adequar a norma aocaso concreto. E pode, se necessário, a eqüi-dade prevalecer sobre a segurança, e o dese-jo de evitar conseqüências iníquas pode le-var o juiz a dar nova interpretação à lei. Masé importante que as decisões sejam motiva-das, argumentadas racionalmente, para quese evitem arbitrariedades.

4. Decisão judicial razoável

Por tudo quanto já foi dito, a noção deEstado de Direito não pode mais ficar limi-tada apenas ao princípio da legalidade comopreviam as teorias formalistas. É claro que,para não sofrermos as arbitrariedades porparte dos detentores do Poder, os nossosgovernantes devem estar limitados por nor-mas jurídicas. Mas essas normas devem serelaboradas democraticamente e abrangerdireitos fundamentais. E não basta que si-gam um procedimento correto e adequado

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para que sejam válidas; devem estar de acor-do com preceitos éticos e morais escolhidoscomo relevantes pela sociedade.

É a partir dessa premissa que o Estadode Direito atualmente passa a ser entendi-do acrescido de dois adjetivos: Estado de-mocrático-constitucional de Direito. Assim,não é qualquer direito que irá satisfazer osanseios da sociedade, mas um direito queseja democrático e que tenha como conteú-do valores éticos.

“O critério de legitimidade do poderconstituinte não é mera posse do poder, masa concordância ou conformidade do actoconstituinte com as ‘idéias de justiça’ radi-cadas na comunidade” (CANOTILHO,1993).

“As Constituições não surgem donada, mas decorrem de um processopolítico que tem como pano de fundoa evolução do constitucionalismo de-mocrático e dos direitos humanos, queestabelecem as bases para a organi-zação de sociedades que estão se re-organizando sobre o ethos da igual-dade e da liberdade” (VIEIRA, 1999,p. 255).

Assim, podemos observar o quão intrín-seco está o Direito, atualmente, às teoriasmorais; “a vigência das normas jusfunda-mentais significa que o sistema jurídico éum sistema aberto, frente à Moral” (ALEXY,1993d, p. 525-526).

Importante também ressaltar que justa-mente pelo fato de haver uma verdadeirafusão do direito constitucional com as teori-as morais é que encontramos normas jurídi-cas prescritas de modo vago, muito abstra-to, como é o que ocorre com normas relacio-nadas aos direitos fundamentais, por exem-plo, direito à liberdade, igualdade, dignida-de da pessoa humana. Ora, todas essas nor-mas são preceitos que possuem um conteú-do moral, que envolvem questões de justiçae eqüidade. Exatamente por essas caracte-rísticas, essas normas não podem ser inter-pretadas pelo método lógico-dedutivo, pelasubsunção.

Foi preciso que a hermenêutica constitu-cional desenvolvesse métodos adequadospara devida concretização dessas normaspara que não passassem de meros recados,programas políticos sem efetividade prática.

“A constitucionalização de prin-cípios morais, ao invés de neutralizá-los, moraliza obrigatoriamente o de-bate constitucional. Ao acolher direi-tos fundamentais e princípios formaisde justiça, a Constituição convida to-dos os seus intérpretes a uma leituraética de seu texto. Contestar isto seriareduzir a Constituição a dispositivoretórico, destituído de força normati-va” (DWORKIN apud VIEIRA, 1999,p. 240).

Diante de tais mudanças metodológicaspor que passa a hermenêutica constitucio-nal, o que devemos antes aceitar é que, emface do caráter aberto dos princípios e direi-tos constitucionais, não há alternativa se-não delegar aos magistrados o preenchi-mento do conteúdo desses preceitos. Noentanto, o que buscamos aqui é determinarmétodos em busca de uma decisão razoá-vel, que não fique à mercê do arbítrio e esco-lhas pessoais por parte dos juízes.

Considerar que a justiça do juiz é apli-car a lei, sem modificá-la, é cometer um gran-de erro. Definir o ato justo ou a decisão justacom relação à regra aplicada corretamente ésupor que nem a escolha nem a interpreta-ção da regra levantam problema. No entan-to, a lei pode mostrar-se insuficiente, e o re-curso à eqüidade parece ser inevitável.

Aristóteles (2000) já previa que o eqüita-tivo é justo: não é o legalmente justo, masuma correção da justiça legal. Assim, umajustiça humana, portanto passível de serimperfeita, não pode impor uma submissãoincondicional. Será adequado temperar seusexcessos pelo recurso à correção para quese tenha uma decisão razoável.5

A busca de decisões razoáveis, apesarde ser uma noção vaga e instável, estabele-ce, para o Estado de Direito, um limite aoexercício do poder discricionário legalmen-

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te reconhecido. Assim, as escolhas feitaspelo legislador, pelo administrador ou pelojuiz não poderão ser desarrazoadas, sobpena de serem consideradas contrárias aoDireito, e portanto ilegais.

O Direito deve ser antes uma técnica aserviço do ideal de justiça. Não podemosdizer que o método lógico-formal, deduti-vista, deva ser abandonado. Deve, no en-tanto, ser completado, pois se mostra insu-ficiente para a concretização de um direitoque se baseie na justiça. “O juiz não podecontentar-se em aplicar a lei: deve servir-seda lei para motivar suas decisões, mas estasdevem ser acima de tudo eqüitativas.”(PERELMAN, 2000, p. 72).

O juiz deve utilizar a regra formal paraaplicar o direito, mas essa regra deve serpreenchida no seu aspecto essencial ou aces-sório. E deve o juiz justificar o seu posicio-namento; para isso, deverá recorrer não,como se poderia acreditar, a uma lógica dosjuízos de valor, mas a todos os recursos deuma argumentação.

Também é projeto de Dworkin (1984)construir uma teoria da decisão judicial quenão deixe espaço para a discricionariedadejudicial (a despeito das teorias patrocina-das por Frank, Kelsen e Hart). Dworkin(1984) tem como ponto de partida o fato deque, além das regras, o ordenamento jurídi-co é formado por princípios6 e ambos sãoespécies do gênero normas jurídicas. E osprincípios, segundo Dworkin (apud VIERA,1999, p. 197), constituem “uma exigência dejustiça ou fairness (equidade) ou algumaoutra dimensão da moralidade”.

Colocando os princípios ao lado das re-gras, e conseqüentemente exigindo-se sua efe-tividade como norma jurídica, Dworkin es-treita, consideravelmente, o espaço deixadoao magistrado, tornando o julgador mais vin-culado ao ordenamento, diferentemente doque pretendiam os realistas ou positivistas.

Considerando os princípios normas ju-rídicas com imediata aplicabilidade, o juizdeve estar vinculado a eles; assim, o uso dosprincípios não significa que se esteja agin-

do discricionariamente, mas apenas apli-cando elementos estruturantes do sistemajurídico, que não se confundem com seuspróprios valores.

Segundo Dworkin (apud VIEIRA, 1999,p. 200), quando o juiz se depara com umhard case, ele não decide de forma discricio-nária, pois, apesar de a regra muitas vezesnão conter todos os elementos para a toma-da de decisão, o Direito oferece outros crité-rios que também vinculam o magistrado.Assim, não há uma liberdade total, em queo magistrado decide a partir de valores ex-ternos ao Direito, que, na maioria das vezes,são os seus próprios, mas uma esfera carre-gada de princípios (que fazem parte do or-denamento jurídico) que limitam e impõemdeterminado sentido às decisões judiciais.

É com essa tese que Dworkin (1984) re-futa a posição dos positivistas de que todanorma aberta é, na realidade, um convitepara que os juízes exercitem suas própriasescolhas e opiniões. Pois, para Dworkin(1984), ao aplicar normas de textura aberta,os juízes estarão obrigados por princípiosque integram o Direito, ou seja, o juiz devedecidir conforme a direção indicada peloprincípio ao qual ele se vê obrigado, da mes-ma forma que se vê obrigado a aplicar umaregra. E, pelo fato de os princípios possuí-rem conteúdo moral, que envolve questõesde justiça e eqüidade, os juízes não só po-dem como devem realizar um debate na es-fera moral, a fim de decidir casos concretos.

Com isso, Dworkin (1984) tenta demons-trar que as escolhas dos juízes não são arbi-trárias, nem ao menos discricionárias. De-vem, ao contrário, basear-se racionalmentede acordo com as próprias estruturas ofere-cidas pelo ordenamento, para que o magis-trado atinja a decisão correta.

É certo que a maior dificuldade que en-contramos atualmente no que diz respeito à“nova hermenêutica” é quanto à densifica-ção ou concretização das normas constitu-cionais principiológicas.

Ora, a justificativa da teoria jusnaturalnão é mais aceitável, não concretizamos as

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normas de acordo com o estado de nature-za, com preceitos materiais pré-determina-dos. E o método subsuntivo não é adequadopara a interpretação de princípios. E tão-pouco podemos aceitar, como previam asteorias realistas, que o preenchimento dasnormas abertas fique ao arbítrio do magis-trado. Mas e se, para a concretização dosdireitos fundamentais (normalmente es-tão previstos em forma de princípios), orecurso ao próprio texto constitucional forinsuficiente?

Nesse caso, o intérprete constitucionalserá obrigado a buscar o conteúdo dessespreceitos a partir de um processo de inter-pretação que, embora tome por base o textoconstitucional, a doutrina e eventuais pre-cedentes, não negligencie a necessidade derecorrer ao discurso da filosofia política, àargumentação racional.

Dworkin (1984) pretende elaborar ummétodo (mesmo que contrafático) para quese possa chegar a uma única resposta corre-ta ou verdadeira. Para ele, essa resposta cor-reta seria a que melhor possa justificar-sepor meio de uma teoria substantiva que con-tenha aos princípios que melhor correspon-dam à constituição, às regras de Direito eaos precedentes. E, segundo ele, uma deci-são será justa (ou seja, respeitará a integri-dade do direito) se fornecer a resposta cor-reta (mesmo que esta não se baseie na estri-ta legalidade) para o caso.

Mas, segundo Dworkin (apud ALEXY,1993a), apenas o juiz ideal, a quem chamade “Hércules” (equipado com superman skill,learning, patience and acumen), estaria em si-tuação adequada para chegar a essa únicaresposta correta. Assim, caberia ao juiz reala tarefa de se aproximar a esse ideal o máxi-mo possível.

Segundo Alexy (1993a, p. 20), pelo fatode nosso ordenamento ser composto de re-gras e princípios, e pelo fato de não poder-mos estabelecer uma hierarquia prévia (umalista de topois) desses princípios, a argumen-tação jurídica não nos pode levar em cadacaso precisamente a um único resultado. E

isso vale tanto para a subsunção de regrascomo para a ponderação de princípios. E,no que diz respeito aos princípios, ele de-fende que, por serem mandados de otimiza-ção, sempre exigirão um conteúdo moral, e,em sua aplicação, há que se recorrer semprea questões morais. E a grande empreitadaque se coloca é a de sustentar que essas va-lorações morais não podem ser extraídasobrigatoriamente de um material arbitraria-mente fixado. E a busca da racionalidadeda argumentação jurídica vai depender es-sencialmente de se, e com que alcance, es-sas valorações são suscetíveis de um con-trole racional. “La cuestión de la racionali-dad de la fundamentación jurídica lleva asía la cuestión de la posibilidad de fundamen-tar racionalmente los juicios prácticos omorales en general” (ALEXY, 1993a, p. 20).

Alexy (1993a) admite que não são possí-veis teorias morais materiais em que, paracada questão prática, permitam extrair comsegurança intersubjetivamente uma respos-ta precisa, mas, sim, que são possíveis teori-as morais procedimentais que formulem re-gras ou condições para uma argumentaçãoou decisão prática racional. “Uma versiónexpecialmente prometedora de uma teoriamoral procedimental es la del discurso prác-tico racional” (ALEXY, 1993a, p. 21).

Assim, Alexy (1993a) está preocupadoem desenvolver mecanismos racionais deponderação e decisão, repelindo as teoriasdecisionistas do direito e a discricionarie-dade postulada pelo positivismo jurídico.E, segundo ele, uma ponderação será racio-nal se o enunciado de preferência a que con-duz puder ser fundamentado racionalmen-te. Com isso, transfere o problema da racio-nalidade da ponderação para a fundamen-tação racional de enunciados que estabele-çam preferências condicionadas entre valo-res e princípios opostos.

Para se atingir uma argumentação raci-onal, Alexy (1993a) desenvolve um sistemade 28 regras e pretende, assim, formular umcódigo da razão prática. Essas regras se es-tendem desde aquelas que exigem não con-

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tradição, claridade lingüística e verdadeempírica, passando por aquelas que expres-sam a idéia de universalizabilidade, queassegura a cada um o direito de tomar parteno discurso e a cada um a mesma conside-ração no discurso, até aquelas que se diri-gem a uma argumentação conseqüencialis-ta, à ponderação e à análise de formação deconvicções normativas.

E chega Alexy (1993a) a concluir que umaúnica resposta para cada caso só poderiaadmitir-se recorrendo a cinco idealizações, asaber: 1) tempo ilimitado; 2) informação ili-mitada; 3) claridade lingüística conceitual ili-mitada; 4) capacidade de disposição ilimita-da para as mudanças de regras e 5) carênciade prejulgamentos ilimitada.

Assim, apesar de o juiz “Hércules” ficaradstrito apenas a um plano ideal, e portan-to afastando-nos de chegar a uma respostaúnica e correta racionalmente, é de se espe-rar e exigir que o juiz real busque sempre seaproximar ao máximo desse ideal com umadecisão pelo menos razoável, que vá ao en-contro dos valores tutelados constitucional-mente, dos precedentes, da doutrina e dasregras e princípios do nosso ordenamento.

5. Conclusão

Chegamos ao fim deste trabalho com acerteza de que muito ainda tem que ser pes-quisado em torno do tema proposto. Masficaremos satisfeitos se os leitores tiverempercebido que a intenção central deste bre-ve estudo foi alertar para a necessidade dese questionar o conteúdo material das nor-mas, e fazer um controle das escolhas (quenão podem ser tão discricionárias como sepretendia) determinadas pelo legislador oupelo administrador.

Assim, não é qualquer norma que podeser tida como norma jurídica, ainda que sejaválida formalmente. Afinal, o Direito se apro-xima da teoria moral para provar que nãobasta o aspecto formal para que uma normaseja válida, mas há certos limites materiaisque devem ser obedecidos.

E nesse mister grande importância tem adecisão judicial, que deverá controlar todotipo de arbitrariedade que possa tornar umalei injusta. E, ao corrigir uma lei injusta, nãoestará o judiciário substituindo a suposta dis-cricionariedade do legislativo por uma deci-são subjetiva e individual (como pretendi-am os relativistas); ao contrário, deverá cor-rigir a lei injusta de acordo com os valores eprincípios presentes no ordenamento jurí-dico, princípios dotados de normatividade,que foram eleitos pela sociedade ao longoda história como os mais relevantes, utili-zando para essa correção a argumentaçãojurídica como método cognitivo.

Notas1 Cf. BONAVIDES, 1994. O professor Paulo

Bonavides, brilhantemente, em seu curso, discorresobre a importante passagem dos princípios geraisdo direito para princípios constitucionais que severifica no nosso ordenamento.

2 Diziam os seguidores do positivismo que ajustiça é um ideal importante, mas não cabe aodireito estudá-lo, caberia a outros tipos de ciência,como a filosofia, sociologia, etc., mas não o direito.

3 Expressão usada por Robert Alexy (1993b).4 Ora, concordamos com a posição de José

Américo M. Pessanha (1989, p. 230), de que hánecessidade de se reabrir espaço para outra formade racionalidade, igualmente legítima e insubsti-tuível, sobretudo nos campos do plausível, do ve-rossímil, do provável, na medida em que escapa àscertezas do cálculo. Esse é o território da Teoria daArgumentação.

5 Perelman diferencia o razoável do racional.Para ele, a categoria do razoável, que desempenhaum papel fundamental na argumentação, diferedo racional, porque esse se refere a verdades eter-nas e imutáveis, é coercivo e demonstrativo; o razo-ável, por sua vez, diz que é uma noção mais vaga,com conteúdo condicionado pela história, pelas tra-dições, pela cultura de uma sociedade, é argumen-tativo e não coercivo. Por isso preferimos adotarcomo objetivo deste estudo a busca de uma deci-são “razoável” por entendermos não ser possíveluma única e verdadeira decisão demonstrável.

6 Apesar de considerarmos a diferença entreprincípios e regras de extrema relevância, não o fa-remos aqui. Remetemos os leitores às obras deDWORKIN, 1984; ALEXY, 1993; ATIENZA, 1995,2000; e, entre nós, SARMENTO; GALUPPO, 1999e VIEIRA, 1999.

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