sobre a demência

20
1 Demências PANORAMA EPIDEMIOLÓGICO Segundo as perspectivas epidemiológicas actuais, estima-se que cerca de 5% dos indivíduos com mais de 65 anos sofrem de demência. Atendendo às curvas de distribuição etária, que indicam um aumento exponencial com a idade (as taxas de prevalência duplicam cada 5 anos) e ao incremento sucessivo da esperança de vida nos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, a demência salienta-se como uma das situações patológicas mais frequentes na população geriátrica, constituindo já a segunda causa de morte nos Estados Unidos e a primeira causa de institucionalização. A extrapolação para a população portuguesa dos resultados de estudos epidemioiógicos efectuados em vários países da Europa sugerem que em Portugal deverão existir mais de 50.000 casos de demência. Neste panorama epidemiológico, a Doença de Alzheimer, responsável por mais de 50% dos casos de demência, salienta-se como a doença neurodegenerativa mais prevalecente uma das principais causas de morbilidade e mortalidade do idoso.

Upload: abetter-secondlife

Post on 15-Sep-2015

7 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Demência

TRANSCRIPT

  • 1

    Demncias PANORAMA EPIDEMIOLGICO

    Segundo as perspectivas epidemiolgicas actuais, estima-se que cerca de 5% dos indivduos com mais de 65 anos sofrem de demncia. Atendendo s curvas de distribuio etria, que indicam um aumento exponencial com a idade (as taxas de prevalncia duplicam cada 5 anos) e ao incremento sucessivo da esperana de vida nos pases desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, a demncia salienta-se como uma das situaes patolgicas mais frequentes na populao geritrica, constituindo j a segunda causa de morte nos Estados Unidos e a primeira causa de institucionalizao. A extrapolao para a populao portuguesa dos resultados de estudos epidemioigicos efectuados em vrios pases da Europa sugerem que em Portugal devero existir mais de 50.000 casos de demncia. Neste panorama epidemiolgico, a Doena de Alzheimer, responsvel por mais de 50% dos casos de demncia, salienta-se como a doena neurodegenerativa mais prevalecente uma das principais causas de morbilidade e mortalidade do idoso.

  • 2

    NOES FUNDAMENTAIS NO ESTUDO DA DEMNCIA

    O SNDROME DEMENCIAL OU DEMNCIA

    Definio e caracterizao

    Demncia um sndrome clnico definido como um deficite adquirido das capacidades cognitivas e da memria com repercusso funcional. Nesta definio salientam-se, como premissas obrigatrias, a perda de capacidades intelectuais relativamente ao estado pr-mrbido (excluso do atraso mental) e o envolvimento especfico da capacidade mnsica; tambm considerado como critrio obrigatrio que estes defeitos tenham uma repercusso funcional, ou seja, que interfiram nas actividades de vida diria e/ou profissionais. Na sua expresso mais caracterstica, e tambm mais frequente, os doentes, alm das alteraes da memria, apresentam uma deteriorao de mltiplas funes cognitivas - desorientao pessoal, espacial e temporal, afasia, apraxia, acalculia, dificuldades no desenho, dificuldades no planeamento e execuo de tarefas complexas - que reflectem uma desorganizao funcional extensa do manto cortical. Na grande maioria dos casos de demncia, o quadro clnico tem um perfil progressivo crnico, ou seja, trata-se de um processo insidioso, lento e com durao superior a um ano.

    O sndrome demencial a expresso clnica de mltiplas entidades patolgicas que sero enunciadas de uma forma pormenorizada no decorrer deste captulo e que tm em comum a sua capacidade para provocar a deteriorao intelectual referida. O exemplo mais tpico e tambm mais frequente deste tipo de entidades a Doena de Alzheimer, uma doena degenerativa caracterizada por uma perda neuronal severa que afecta predominantemente as reas de crtex multimodal (as zonas corticais mais complexas responsveis pelas funes nervosas superiores), e que portanto utilizaremos nesta fase como base descritiva do sndrome demencial nas suas diversas fases de evoluo.

    Os doentes com Alzheimer comeam por apresentar um defeito de memria que afecta predominantemente a memria recente - as recordaes de factos antigos esto relativamente preservadas relativamente capacidade para memorizar os acontecimentos do dia-a-dia (como por exemplo reproduzir uma conversa telefnica ocorrida h algumas horas). Neste estdio os sintomas podem passar despercebidos aos familiares prximos e o diagnstico clnico poder ser pouco afirmativo, at porque em muitos casos estas alteraes so acompanhadas de alteraes do humor ou mesmo depresso, uma situao que tambm pode cursar com alteraes cognitivas (estdio de demncia duvidoso). Num tempo posterior o doente comea a demonstrar dificuldades em planear e executar as tarefas profissionais mais complexas (orientar as finanas, organizar o trabalho dirio, cozinhar, etc.),e tem desorientao temporal. Tambm nesta fase comea a notar-se alguma desagregao da linguagem (oral e escrita), salientando-se o defeito da nomeao (nomes de objectos e de pessoas), e dificuldades no clculo complexo e no raciocnio abstracto; nesta fase, estdio de demncia liqeiro, os deficites so notados pelos familiares. medida que os deficites descritos se tornam progressivamente mais incapacitantes tornam-se tambm evidentes as dificuldades de concentrao (o doente tem dificuldade em focalizar a ateno na tarefa a executar, ou seja dispersa-se), de orientao espacial, torna-se repetitivo (perseverao), deixa de reconhecer as pessoas menos ntimas

  • 3

    prosapognosia), confunde os objectos menos habituais (agnosia), no reconhece os seus deficites (anosognosia), fica mais lento e mais aptico (sem iniciativa). Muitas vezes, neste estdio moderado, os doentes apresentam alteraes do comportamento e outros sintomas psiquitricos - agitao vs. apatia, insnia, desconfiana (o delrio paranide no infrequente), agressividade - alteraes do apetite e tornam-se descuidados com a sua apresentao pessoal e higiene. No estdio severo, o defeito de memria severo, no existindo praticamente reteno de informao, o discurso fragmentado e vazio, o doente no reconhece os familiares prximos, est desorientado espacial e pessoalmente, torna-se incapaz de assegurar as actividades de vida diria mais simples (higiene e alimentao) e fica incontinente. So tambm habituais as alteraes do ritmo de sono, a agitao vs. apatia, e alguns sintomas psicticos (alucinaes, agressividade). Na fase terminal o doente fica acamado, incontinente sem comunicao verbal.

    Na Doena de Alzheimer, o sndrome demencial apresenta-se na sua forma mais tpica e praticamente sem conspurcao por outro tipo de manifestaes neurolgicas; noutro tipo de situaes neurolgicas que tambm cursam com demncia, as alteraes cognitivas acompanham-se ou so precedidas de sintomas e sinais que reflectem a afectao de outros sistemas. A identificao destes sinais secundrios , como veremos, fundamental no diagnstico etiolgico da demncia. Na doena de Parkinson ou na Coreia de Huntington, por exemplo, as alteraes do movimento geralmente precedem em meses ou anos a deteriorao cognitiva e so facilmente detectadas em todas as fases evolutivas da demncia, tornando o diagnstico relativamente acessvel. Por outro lado, embora o sndrome demencial seja relativamente montono, reflectindo, de uma forma relativamente inespecfica, a disfuno cortical de diferentes etiologias, muitas vezes possvel, sobretudo -nas fases iniciais, evidenciar clusters de sintomas cognitivos que no s expressam o tropismos das patologias para determinadas regies corticais, como permitem igualmente sugerir o diagnstico etiolgico. Assim, por exemplo, enquanto que na Doena de Alzheimer o defeito de memria dominante no quadro clnico da doena (a regio mesial do lobo temporal a rea cortical mais severamente afectado pela degenerescncia neuronal), na Doena de Parkinson, por outro lado, a lentificao e a dificuldade da programao motora so mais exuberantes, reflectindo a afectao predominante do crtex pr-motor (frontal) e das suas conexes com os gnglios da base.

    Diagnstico

    O diagnstico clnico do sndrome demencial (independentemente da sua etiologia) decorre de dois tipos de intervenes semiolgicas: o estabelecimento do perfil da deteriorao cognitiva mediante uma histria clnica cuidada e o exame neuropsicolgiico.

    A histria da doena essencial para confirmar a natureza crnica e progressiva do sndrome, a sua relao com outros eventos patolgicos (AVC, por exemplo) e sua relevncia na capacidade funcional do doente; o estudo neuropsicolgico permite confirmar, de uma forma objectiva, a afectao da memria e de outras funes cognitivas (critrios de diagnstico obrigatrios) e definir eventuais padres especficos de alterao da funes nervosas superiores. Estas atitudes devem ser complementadas por um exame somtico (exame neurolgico), para verificar o envolvimento de outros sistemas (piramidal, extrapiramidal, etc.). Dois tipos de informaes complementares obrigatrias em Funes Nervosas Superiores so a escolaridade e a idade dos doentes, j que a performance intelectual depende largamente

  • 4

    destas duas variveis (num doente analfabeto irrelevante inquirir sobre a deteriorao da escrita e num idoso aceitvel uma maior dificuldade em todas as tarefas que impliquem plasticidade mental).

    Em investigao clnica, a colheita da histria clnica efectuada atravs de entrevistas padronizadas; na prtica clnica, aceitvel uma entrevista cuidadosa com os familiares e o doente, que inclua questes objectivas relativas s funes mais afectadas nos sndromes demenciais:

    O doente apresenta esquecimentos ou alteraes da memria recente? Desorienta-se em locais pouco familiares? No sabe o ms ou a estao do ano? Tem dificuldade a fazer trocos? Apresenta maior dificuldade em organizar o trabalho dirio? Esquece-se dos ingredientes para cozinhar? Est mais aptico e abandonou os hobbies? O seu discurso e escrita so pouco informativos e com parafasias? Deixou de entender o enredo dos filmes ou de explicar as notcias? Etc.

    O estudo neuropsicolgico ou das Funes Nervosas Superiores um instrumento de avaliao constitudo por baterias de testes orientados para as diversas funes cognitivas. Existem mltiplos testes e baterias de testes, alguns extremamente longos e complexos que s podero ser aplicados e interpretados por avaliadores especficos, outros rpidos, relativamente acessveis e fceis de aplicar. 0 Minimental-State Examination (MMSE) (ver pgina seguinte), o teste cognitivo breve mais utilizado na prtica clnica diria como instrumento de triagem de deteriorao mental. A sua aplicao geralmente no ultrapassa 20 minutos e fornece indicaes sobre as capacidade de orientao (pessoal, temporal e espacial), linguagem (repetio de palavras e frases, nomeao de objectos, compreenso de ordens simples, leitura, escrita), capacidade prxica, controlo mental e clculo, memria e capacidade construtiva (desenho). Em indivduos com escolaridade mdia, admite-se que uma pontuao inferior a 24/30 seja indicadora de deteriorao mental ou demncia. Em analfabetos este score desapropriado, uma vez que o fraco desempenho nos testes de linguagem clculo e eventualmente do desenho no podero ser valorizados como indiciadores de deficite cognitivo; nestes casos, o examinador dever basear as suas concluses na avaliao qualitativa da execuo nos restantes itens (orientao, memria, praxia, e alguns dos testes de linguagem).

    Diagnstico diferencial

    As situaes ou sndromes neurolgicos mais relevantes que podem simular o sndrome demencial e que com ele estabelecem diagnstico diferencial so: o sndrome confusional, as afasias fluentes e outras alteraes cognitivas focais, a depresso e o envelhecimento fisiolgico.

    Sndrome confusional

    O sndrome confusional a manifestao clnica de uma alterao funcional do sistema reticular ascendente (responsvel pela activao do manto cortical) provocada por diversos processos encefalopticos (encefalopatias metablicas, por exemplo). Em termos neuropsicolgicos, existe uma alterao da capacidade atencional, que

  • 5

    pode variar entre a sonolncia e a agitao e que caracteristicamente flutuante ao longo do dia e com agravamento nocturno. Esta situao pode simular o sndrome demencial porque a desateno ou distractibilidade interferem de uma forma marcada com a performance cognitiva global do doente, impossibilitando a avaliao adequada dessas mesmas funes. Outras caractersticas clnicas diferenciadoras do S. confusional vs. S. demencial e que se relacionam quer com a alterao funcional cerebral quer com as situaes patolgicas que esto na sua origem, so o seu incio abrupto, o perfil agudo ou sub-agudo, o carcter reversvel, as manifestaes motoras (tremor, astrixis, mioclonias, convulses, etc.) e as manifestaes sistmicas (febre, taquicardia, sudorese, etc.). Na sua forma mais exuberante, que inclui todas as manifestaes referidas e em que o doente est agitado e delirante, o sndrome confusional habitualmente denominado por DELIRIUM.

    Como referimos, as entidades patolgicas que se manifestam por um sndrome confusional, so as encefalopatias metablicas (heptica, renal, os desequilbrios hidroelectrolticos, do metabolismo da glicose, etc.); txicas (a intoxicao etlica ou o sndrome de abstinncia alcolica, por exemplo), infecciosas (meningo-encefalites), os sndromes febris, e todas as situaes que cursam com hipxia ou hipoperfuso cerebral.

    Afasias fluentes e outros deficites cognitivos focais

    Neste tipo de defeitos afsicos (a afasia de Wernicke, por exemplo), os doentes apresentam-se verborreicos (aumento do dbito), o discurso parafsico e com alteraes marcadas de todas as funes da linguagem: compreenso, repetio e nomeao. Um exame superficial pode sugerir erroneamente o diagnstico de demncia porque a alterao marcada do discurso - que pode ser totalmente incompreensvel - e da compreenso de material verbal (o doente incapaz de obedecer a ordens simples), simulam um deficite cognitivo global. Mais uma vez o carcter habitualmente abrupto de instalao da afasia (quase sempre de origem vascular) e a adequao do comportamento do doentes nas actividades de vida diria, permitem estabelecer o carcter focal do defeito das funes nervosas superiores. Nestas situaes, o diagnstico facilmente evidencivel pela observao passiva da actividade espontnea do doente.

    Tal como acontece com as afasias fluentes, alguns deficites cognitivos mais restritos podem sugerir sndromes demenciais; o mais significativo neste contexto o defeito puro de memria. O diagnstico destas situaes depende quase sempre de um estudo neuropsicolgico adequado.

    Depresso

    A depresso, sobretudo no idoso, acompanha-se muitas vezes de alteraes do comportamento/psiquitricas (apatia, alteraes do sono, apetite e libido, por exemplo) e defeitos cognitivos (deficite atencional, alteraes da memria espontnea, alterao executiva) comuns ao sndrome demencial. Por outro lado, a maioria dos doentes com demncia manifesta desvio depressivo numa outra fase de evoluo da doena. Por estas razes, a depresso tem sido e continua a ser uma das situaes de diagnstico diferencial mais problemtico, tanto no plano terico como na prtica clnica diria. Em investigao clnica, a necessidade de rigor diagnstico impe que todos os casos que obedecem aos critrios de Depresso Major sejam considerados casos improvveis de demncia (critrio de excluso). Na prtica clnica, a

  • 6

    conduta habitualmente seguida de tratar o sndrome depressivo e efectuar reavaliaes seriadas (incluindo estudos neuropsicolgicos), para verificar o padro de evoluo das alteraes cognitivas.

    Envelhecimento fisiolgico

    O envelhecimento fisiolgico constitui igualmente uma situao de diagnstico diferencial complexo. Em primeiro lugar, porque o padro normal da performance cognitiva do idoso no se encontra perfeitamente definido e, em segundo, porque nestes estratos etrios que os sndromes demenciais em geral e a Doena de Alzheimer em particular so mais frequentes. A elevada prevalncia de demncia nos andares etrios mais elevados (a prevalncia de Doena de Alzheimer acima dos 80 anos atinge taxas de 40% nalguns estudos epidemiolgicos) e a ambiguidade do conceito de envelhecimento normal, tem mesmo levado alguns autores a propor a demncia como o resultado inevitvel do envelhecimento cerebral. Contribuem para esta dificuldade de diagnstico a maior prevalncia no idoso de situaes patolgicas que cursam com alterao do estado mental (algumas j referidas como causa de S. Confusional), a maior susceptibilidade destas populaes a apresentar este tipo de perturbaes e a elevada taxa de polimedicao com frmacos com actividade anticolinrgica e/ou hipotensores que podem igualmente provocar S. Confusionais.

    Voltamos agora novamente questo do envelhecimento cerebral normal e ao conceito de envelhecimento fisiolgico. Admite-se que a perda neuronal e as alteraes da substncia branca que acompanham o envelhecimento fisiolgico se repercutam na capacidade intelectual do idoso, sendo apontadas como funes cognitivas mais susceptveis a capacidade de ateno, a memria espontnea e a capacidade executiva (e dentro desta a plasticidade mental) - do senso comum que os idosos so mais lentos, mais esquecidos e mais renitentes mudana. Estabelecer os limites de normalidade desta perda de capacidade no entanto muito complexo porque existe uma grande variabilidade individual (por exemplo, actualmente prope-se a considerao de subgrupos de idosos normais e de idosos excepcionais, em termos de performance cognitiva) e porque a progresso dos deficites pode ocorrer de uma forma no contnua e extremamente dependente da idade (o que implica a considerao de mltiplos subgrupos etrios nos estudos normativos). Em Portugal, existe uma dificuldade acrescida na definio de scores de normalidade devido elevada taxa de analfabetismo nos andares etrios mais avanados.

    A inexistncia de padres normativos definitivos e extrapolveis para as diversas comunidades faz com que o diagnstico de demncia, sobretudo em idades muito avanadas e em analfabetos, constitua mais um exerccio de bom senso do que a obedincia a regras fixas ou critrios de diagnstico rgidos. Na nossa experincia, os adjuvantes de diagnstico mais teis so uma histria clnica cuidadosa que permita definir o carcter recente e disfuncional da situao actual (o diagnstico de demncia implica uma perda de capacidades que interfira com a capacidade funcional do indivduo), mantendo sempre um elevado grau de suspeio relativamente a patologias concorrentes e a frmacos nocivos. Tal como referimos relativamente depresso, poder ser necessrio, e -o muitas vezes, efectuar avaliaes seriadas.

    Como referimos, a demncia a expresso clnica de uma grande diversidade de entidades patolgicas. A sua identificao e eventual tratamento constituem os objectivos fundamentais de toda a abordagem diagnstica j descrita e que continuaremos a desenvolver. No captulo anterior descrevemos as normas e estratgias que permitem delimitar o

  • 7

    subgrupo com demncia no grande universo de sndromes clnicos que incluem perturbaes do estado mental. Neste captulo debruar-nos-emos sobre as patologias que lhe esto subjacentes e as diversas etapas do seu diagnstico.

    Teoricamente qualquer doena neurolgica ou mesmo sistmica que provoque uma alterao estrutural/funcional extensa do crtex cerebral ou que afecte reas chave em termos de funes cognitivas, pode apresentar-se clinicamente como um sndrome demencial. O mesmo ser dizer que quase todas as doenas do SNC, pelo menos em fases avanadas da sua evoluo, podem determinar alteraes da funes nervosas superiores que cumprem os critrios de diagnstico de demncia. No entanto, em muitas delas, a identificao e investigao do sndrome demencial pouco acrescenta em termos de diagnstico ou tratamento da patologia subjacente, pelo que nos absteremos de desenvolver o seu quadro clnico ou os meios de diagnstico especficos. Nesta exposio consideraremos na especialidade dois tipos entidades patolgicas: as que se manifestam exclusivamente ou preferencialmente como sndromes demenciais -como acontece com algumas da doenas neurodegenerativas mais frequentes (as denominadas demncias primrias); e um segundo subgrupo, composto essencialmente por doenas tratveis quando diagnosticadas precocemente e que podem igualmente manifestar-se deste modo nas fases iniciais da sua evoluo.

    As casusticas clnicas e tambm os estudos necrpsicos indicam que as demncias primrias (formas no reversveis) so responsveis por mais de metade dos casos de demncia, restringindo-se a menos de 10% o nmero de doentes com formas reversveis. Um nmero restrito, mas nem por isso menos significativo uma vez que a possibilidade, mesmo que remota, de reverter a deteriorao cognitiva, suficientemente poderosa para justificar que a investigao diagnstica seja orientada para a identificao destas causas de demncia. Esta orientao vem tambm de encontro s normas diagnsticas das demncias degenerativas, que impem que se excluam todas as outras causas de demncia, ou seja, na prtica so consideradas diagnsticos de excluso.

    Na pgina 14 apresentamos uma lista das principais causas de demncia, de acordo com a classificao em formas reversveis e no reversveis. No segundo grupo classificativo consideram-se ainda os subgrupos de demncia prevenveis, ou seja aquelas em que possvel intervir no processo patolgico que conduz ao aparecimento da demncia (correco de factores de risco - preveno primria), embora sem hiptese de tratamento curativo uma vez manifestado o quadro demencial. Na pgina 15 indicam-se os exames complementares mais relevantes para o diagnstico de cada uma das doenas ou grupos de doenas enunciadas (atender correspondncia dos itens numerados) e na pgina 16 uma minibateria para triagem das formas reversveis de demncia. Esta pequena lista de exames dever integrar a primeira abordagem do doente com demncia, devendo por isso ser bem conhecida dos mdicos ligados medicina familiar e comunitria.

    DEMNCIA - CLASSIFICAO

    I. REVERSVEIS:

    1. Endcrina (Tiride, paratiride e Supra-renal)

    2. Deficincia Vitamnica (Vit. B12 e cido Flico)

    3. Meningoencefalites (Sfilis, Brucelose, Borreliose, M. Tuberculosa)

  • 8

    4. Txica (Metais pesados, Alumnio, Cobre, lcool)

    5. Neoplsica (Tumores primrios e secundrios do SNC, paraneoplsicos)

    6. Hidrocfalo de Presso Normal

    7. Hematoma Sub-Dural Crnico

    II. NO REVERSVEIS:

    II.A PREVENVEIS

    1. Vascular

    2. Demncia Post-Traumtica

    3. Infecciosa (SIDA)

    II.B NO PREVENVEIS (Demncias Primrias - DEGENERATIVAS)

    1. Doena de Alzheimer

    2. Doenas Extrapiramidais com Demncia

    3. (Demncia de Corpos de Lews, Parkinson...)

    4. Demncias Fronto-temporais (Demncia de Pick...)

    5. Doenas de Pries

    DEMNCIA - INVESTIGAO

    I. REVERSVEIS:

    1. Hormonas tiroideias (F. livres), paratormona ....

    2. Vit. B12 e cido Flico

    3. VDRL, Rosa de Bengala, S. Borrelia, HIV, Estudo do LCR

    4. Histria, doseamento de txicos

    5. TAC-Crnio

    6. TAC-Crnio, Estudo do LCR e manometria

    7. TAC-Crnio

    II. NO REVERSVEIS:

    II.A PREVENVEIS

    1. Histria, exame, TAC-Crnio

    2. Histria (TCE grave), TAC-Crnio, RNM

    3. Serologia, TAC-Crnio, RM, Estudo do LCR

  • 9

    II.B NO PREVENVEIS

    DIAGNSTICO DE EXCLUSO - TODA A INVESTIGAO ANTERIOR

    DEMNCIA INVESTIGAAO BSICA

    Hemograma, Leucograma

    Bioqumica (Glicmia, P. renais, P. hepticas, lpidos, VS)

    Serologia (VDRL, Rosa de Bengala/Wright)

    Doseamento de Vit. B12 e Acido Flico

    Doseamento de hormonas tiroideias (Fraces livres)

    TAC-Crnio

  • 10

    DEMNCIAS REVERSVEIS

    DEMNCIAS SECUNDRIAS A ALTERAES HORMONAIS OU DEFICITES VITAMNICOS

    A maioria dos doentes com alteraes hormonais ou deficites vitamnicos apresentam alteraes inespecficas do estado mental que podem variar entre o S. Confusional e a Demncia. Na maioria dos casos, o diagnstico sugerido pelos sintomas sistmicos associados e, eventualmente, por sinais neurolgicos mais ou menos especficos. A sua ausncia, no entanto, no exclui o diagnstico, pelo que os doseamentos hormonais (fraces livres no caso das hormonas tiroideias) e de vitaminas devero ser considerados estudos de rotina em doentes com demncia.

    O quadro neurolgico mais caracterstico das patologias referenciadas do hipotiroidismo, caracterizado por uma lentificao psicomotora marcada que pode atingir a sonolncia diurna prolongada e por alteraes caractersticas dos reflexos miotticos (...). Sintomas sistmicos clssicos deste desequilbrio endcrino so a hipotermia, a bradicardia, e a alopcia. O hipertiroidismo acompanha-se de sintomas perifricos de hiperfuno adrenrgica - taquicardia, tremor, hiperhidrose - e eventualmente de exoftalmia e parsias oculares. O hipoparatiroidismo, alm da demncia, pode acompanhar-se de alteraes psiquitricas, hiperexcitabilidade neuromuscular, convulses e eventualmente um quadro muito sugestivo de Doena do Neurnio Motor.

    O deficite de vitamina B12 uma causa clssica mas rara de demncia. Sugerem o seu diagnstico a coexistncia de anemia megalobltica, de nevrite ptica e ainda de alteraes motoras e sensitivas dos membros inferiores (o quadro clnico mais caracterstico desta hipovitaminose a designada degenerescncia combinada da medula).

    O diagnstico destas situaes essencialmente laboratorial, e deve ser considerado mandatrio, atendendo ao carcter reversvel de todas as manifestaes descritas, incluindo a demncia.

    Meningoencefalites

    Algumas meningoencefalites crnicas (tambm denominadas meningites de liquor claro) podem tambm apresentar um quadro de alterao do estado mental sugestivo de demncia que, devido ao seu perfil sub-agudo ou mesmo crnico e menor evidncia ou mesmo ausncia de S. febril e sinais de irritao menngea, podem simular uma forma de demncia primria. As meningites tuberculosa, bruclica, sifiltica (Demncia Paraltica) e a borreliose so os exemplos concretos deste tipo de processos menngeos arrastados e o seu diagnstico, mesmo que improvvel, justifica a realizao por rotina de puno lombar em todos os doentes com sndromes demenciais atpicos (com convulses, por exemplo) ou de instalao recente.

    NOTA: Nos casos em que exista suspeio clnica de envolvimento parenquimatoso associado (meningoencefalite, abcessos, leses vasculares) ou sinais de hipertenso intracraniana (indicador de hidrocefalia ou edema cerebral), a puno lombar dever ser precedida pela realizao de TAC-Crnio, para prevenir uma eventual herniao cerebral secundria expoliao intempestiva de LCR.

    Demncias provocadas por txicos ou metais

  • 11

    So exemplos deste grupo de entidades a demncia provocada pela exposio profissional ou ambiental a metais pesados (mangans, por exemplo), a Doena de Wilson (alterao do metabolismo do cobre), a demncia dialtica (uma doena iatrognica causada pelo excesso de alumnio na gua utilizada na dilise) e a demncia alcolica. Nos casos particulares da Doena de Wilson e da exposio a metais pesados, o quadro demencial geralmente precedido ou acompanhado de manifestaes extrapiramidais ou psiquitricas. Na Doena de Wilson, o diagnstico pode ser confirmado pelo estudo da funo heptica (coexistncia de cirrose) e pelos doseamentos da ceruloplasmina plasmtica e do cobre urinrio; a intoxicao pelo mangans quase de origem profissional (histria concordante) e o doseamento do txico envolvido confirma a sua etiologia.

    As demncias dialtica e alcolica so situaes de nosologia controversa e de diagnstico complicado devido grande complexidade da disfuno metablica e encefaloptica decorrentes da insuficincia renal e heptica, respectivamente. Em ambos os casos, a demncia dever ser encarada como um diagnstico de excluso, assegurado pela inexistncia de indicadores directos (electroencefalogrficos) ou indirectos (laboratoriais) de encefalopatia. Os doseamento sricos dos txicos envolvidos constituem elementos adjuvantes de diagnstico.

    O carcter reversvel da demncia txica (pelo menos nas fases mais avanadas) tambm um dado controverso, pelo que admissvel a sua incluso no subgrupo de demncias no reversveis mas susceptveis de preveno. Chama-se especial ateno para a possibilidade efectiva de prevenir a demncia dialtica mediante a utilizao de filtros adequados e controlo dos nveis de alumnio na gua da dilise.

    Tumores cerebrais

    Os tumores primrios ou secundrios do SNC manifestam-se habitualmente por sndromas focais ou por sintomas e sinais de hipertenso intracraniana. Alguns tumores, sobretudo os de crescimento lento (meningeomas, por exemplo), com localizao estratgica a reas de crtex multimodal (lobos frontais, temporal esquerdo, regies centro-parietais) e tambm as leses mltiplas (metstases), podem apresentar-se predominantemente com sintomas mltiplos da esfera cognitiva com as caractersticas de uma disfuno cortical progressiva (demncia). Causas mais raras de S. Demenciais de origem oncolgica so as meningites carcinomatosas ou as invases menngeas do tipo leucmico ou linfomatoso e alguns sndromes paraneoplsicos. Em quase todos os exemplos citados existem associadamente sinais neurolgicos focais ou sinais indirectos de hipertenso intracraniana, indiciadores do tipo de patologia subjacente ao sndrome demencial. Os estudos de imagem, sobretudo a TAC de Crnio e a Ressonncia Magntica so instrumentos de diagnstico definitivos e que devem ser efectuados com carcter de obrigatoriedade em todos os casos que apresentem algum dos indicadores clnicos referidos.

    Hidrocfalo de presso normal

    O hidrocfalo de Presso Normal (HPN) uma das raras formas de demncia reversvel quando diagnosticada atempadamente e a sua expresso clnica suficientemente caracterstica para permitir um diagnstico precoce.

  • 12

    Trata-se de uma forma de hidrocefalia compensada (sem aumento da presso do LCR), mas mesmo assim com repercusso no parnquima cerebral: o equilbrio de tenses estabelece-se custa de uma dilatao das cavidades ventriculares e este aumento de volume, assim como as perturbaes da dinmica do LCR que se lhe associam, acabam por lesar o parnquima cerebral adjacente. O resultado a degenerescncia progressiva da substncia branca periventricular (desmielinizao), que se torna evidente clinicamente quando as fibras de associao cortical e cortico-sub-cortical so afectadas. A clnica caracterstica do HPN reflecte exactamente a disfuno progressiva, mas tambm reversvel se tratada precocemente, destas fibras de associao - uma forma particular de S. demencial marcado por uma lentificao psicomotora e por alteraes inespecficas da memria, estando preservadas as funes corticais (demncia sub-cortical), alteraes precoces da marcha (marcha aprxica) e incontinncia urinria.

    ETIOLOGIA: Na grande maioria dos casos, sobretudo no idoso, a etiologia da HPN permanece indeterminada (idioptica); causas conhecidas desta e doutras formas de hidrocefalia so as hemorragias sub-aracnoideias, as meningites e os traumatismos de crnio. Habitualmente, a HPN ou pelo menos o seu quadro clnico aparece muitos anos aps o insulto causal.

    DIAGNSTICO: Para alm da sua trada sintomtica caracterstica, os principais adjuvantes de diagnstico so: a TAC (estabelece o diagnstico de hidrocefalia), a puno lombar' (confirma a normalidade da presso e dos parmetros citoqumicos do LCR) e a cisternografia isotpica (permite demonstrar os padres anormais da dinmica do LCR a nvel dos ventrculos e do espao sub-aracnoideu, confirmatrios do diagnstico).

  • 13

    TRATAMENTO: Punes lombares expoiiadoras (controlo transitrio)1; colocao de vlvula de derivao ventricular.

    Hematoma sub-dural crnico

    O hematoma sub-durai crnico (HSC) mais uma das causas reversveis de demncia. Resulta de um sangramento crnico a nvel do espao sub-aracnoideu provocado por um traumatismo de crnio mais ou menos grave. mais frequente no idoso (a atrofia cerebral provoca um estiramento dos vasos menngeos) e no alcolico (maior frequncia de alterao da crase e de traumatismos) e, curiosamente, em cerca de 50% dos casos no h referncia ao insulto inicial.

    O quadro clnico mais caracterstico do HSC uma alterao do estado mental do tipo do S. Confusional, acompanhado de sinais focais (alteraes piramidais, por exemplo). O sndrome demencial uma ocorrncia rara (16% dos casos) sendo tambm habituais nestes casos os sinais neurolgicos focais. A TAC permite o seu diagnstico precoce e a drenagem cirrgica de urgncia considerada mandatria (risco de vida).

    DEMNCIAS NO REVERSVEIS

    PREVENVEIS

    Demncia Vascular

    A Demncia Vascular parece ser a segunda forma de demncia mais prevalente, sendo responsvel por 20 a 30% dos casos de demncia em estudos clnicos ou antomo-clnicos. Admite-se que estas taxas sejam ainda mais significativas em regies geogrficas ou pases que, como Portugal, possuem uma elevada prevalncia de hipertenso arterial e de acidentes vasculares cerebrais. uma forma de demncia no reversvel (tem como substrato anatmico leses estruturais mltiplas do parnquima cerebral de natureza vascular - multienfartes cerebrais), mas pode ser prevenida (tal como os AVC's) por um controlo adequado dos factores de risco vasculares (preveno primria) e pela instituio precoce de medicao anti-agregante (preveno secundria).

    Durante muitos anos pensou-se que a demncia do idoso, a denominada demncia senil, era causada por um processo mais ou menos global de arteriosclerose cerebral - da a denominao errnea, mas que ainda perdura, de demncia aterosclertica ou arteriosclerose cerebral. Nesta altura atribua-se arteriosclerose um papel activo num processo crnico, mas algo obscuro do ponto de vista fisiopatolgico, de hipoperfuso cerebral crnica, que conduziria secundariamente morte neuronal. A constatao de que a maioria dos casos de demncia acessveis ao estudo neuropatolgico apresentavam as alteraes histolgicas caractersticas da Doena de Alzheimer (uma doena primariamente neuronal), relegou para segundo plano a hiptese vascular da degenerescncia neuronal e a relevncia dos processos vasculares na fisiopatologia da demncia em geral. A revoluo do conceito fisiopatolgico da demncia senil teve como resultado uma

    1 A puno lombar, alm da sua utilidade diagnstica e teraputica, permite tambm prever a eficcia a longo prazo da drenagem

    definitiva e assim decidir da sua utilidade - a manuteno dos sintomas aps uma puno expoliadora antecipa uma provvel ineficcia do tratamento cirrgico e aponta para a existncia de leses irreversveis do parnquima cerebral. A severidade do processo demencial outro indicador objectivo do carcter reversvel da situao - quanto mais severa a demncia, mais desfavorvel o proqnstico.

  • 14

    delimitao progressiva da Demncia Vascular ao subgrupo de doentes que apresentam alteraes parenquimatosas focais de natureza vascular suficientemente relevantes para produzir um deficite cognitivo mltiplo, ou seja, aos casos com evidncia imagiolgica ou neuropatolaica de multienfartes cerebrais

    2. Esta noo de relao

    causal inequvoca entre os insultos vasculares mltiplos do parnquima cerebral e a emergncia e somao de deficites cognitivos mantm-se como o critrio maior no diagnstico da demncia vascular (ver Quadro 1) e determinante do tipo de perfil clnico atribudo a esta forma de demncia: manifestar-se de uma forma relativamente abrupta, apresentar um perfil temporal em escada e com flutuaes do deficite cognitivo, e acompanhar-se de sinais neurolgicos focais (piramidais, extrapiramidais, defeitos dos campos visuais e alteraes da sensibilidade) que esto tambm eles sujeitos ao mesmo perfil de apresentao e de flutuaes.

    Outras formas de demncias prevenveis:

    A demncia post-traumtica resulta de traumatismos cerebrais com leso parenquimatosa severa; ao contrrio do hematoma sub-dural crnico, tambm de origem traumtica, uma forma de demncia irreversvel embora susceptvel de preveno primria. No possvel atribuir-lhe um padro clnico caracterstico, uma vez que as alteraes cognitivas variam de caso para caso, de acordo com as reas do crebro preferencialmente afectadas; no entanto, atendendo maior susceptibilidade dos lobos temporais e frontais aos insultos traumticos, so especialmente frequentes as alteraes do comportamento (nomeadamente do comportamento social) e os sndromes

    2 Os critrios de diagnstico admitem que alguns tipos de leses vasculares focais - os denominados enfartes em regies estratgicas

    (tlamo e lobo temporal esquerdo, por exemplo), ou as alteraes mais ou menos difusas da substncia branca e dos gnglios da base, possam igualmente condicionar alteraes das funes nervosas superiores que obedecem aos critrios de sndrome demencial. Estas formas de demncia - "por enfartes estratgicos" e "demncia vascular sub-cortical" constituem sub-tipos ou formas particulares da Demncia Vascular.

    Quadro 1 Critrios de Diagnstico de Demncia Vascular (NINDS-AIREN) DIAGNSTICO CLNICO

    1. Demncia: Alterao progressiva da memria e de outras funes cognitivas.

    2. Doente Crebro-Vascular: Confirmada pela histria clnica, exame neurolgico e estudo de imagem (evidncia imagiolgica de multienfartes cerebrais, enfarte em regio estratgica ou alterao severa da substncia branca).

    3. Estabelecimento de nexo causal entre a doena vascular e o deficite cognitivo: a Instalao do deficite cognitivo at trs meses aps o insulto vascular (ou) b. Perfilem escada do deficite cognitivo

  • 15

    desexecutivos. A maior parte dos doentes apresentam concomitantemente sinais neurolgicos focais e epilepsia.

    Uma forma particular de demncia post-traumtica a demncia pugilstica. A sua relao com os traumatismos cerebrais repetidos que ocorrem neste desporto, embora desfasada no tempo, inequvoca, mas a sua fisiopatologia complexa, sugerindo-se o envolvimento de mecanismos de morte neuronal comuns s demncias degenerativas (excitotoxicidade e stress oxidativo, por exemplo). Tem tambm um substrato histolgico particular: caracteriza-se pela presena de um dos marcadores histolgicos da Doena de Alzheimer, as tranas neurofibrilhares.

    A demncia uma das complicaes neurolgicas mais frequentes e mais graves do Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (SIDA), afectando cerca de 60% dos casos em estdios avanados de doena e relaciona-se directamente com a invaso do parnquima cerebral pelo vrus HIV (vrus da imunodeficincia humana). portanto uma forma especfica de encefalite vrica, com um tropismos particular para a substncia branca dos hemisfrios cerebrais, evidencivel in vivo por exames de imagem (TAC e RM e SPECT). Clinicamente tem as caractersticas das demncias sub-corticais, ou seja, caracteriza-se por uma lentificao marcada, alteraes da capacidade de ateno e controlo psicomotor, alteraes psiquitricas (depresso) e sinais piramidais (tetraparsia espstica). A demncia na infeco HIV indicador de prognstico vital desfavorvel. Espera-se que as condutas sanitrias de preveno primria (evico do contgio) e que os novos tratamentos anti-retrovirus venham a ter um impacto significativo no controlo da infeco e na reduo da prevalncia (j elevada) desta nova forma de demncia.

    NO PREVENVEIS

    Este subgrupo das demncia inclui um conjunto de entidades aparentadas no seu substrato fisiopatolgico (doenas relacionadas com o envelhecimento) e com aspectos clnicos e antomo-patolgicos interpenetrveis. Tm ainda em comum as seguintes caractersticas: so actualmente doenas incurveis (embora susceptveis de tratamento sintomtico) e o seu diagnstico definitivo s pode ser estabelecido atravs de estudo neuropatolgico.

    Doena de Alzheimer

    Como tem sido repetidamente referido neste texto, a Doena de Alzheimer a principal causa de demncia sendo responsvel por mais de 50% dos casos de demncia do adulto.

    As caractersticas clnicas e histolgicas da Doena de Alzheimer constituem ainda hoje os elementos chave do seu diagnstico:

    Clnica:

    Alteraes da memria e de outras funes cognitivas e manifestaes psiquitricas: depresso, ansiedade, psicose (delrio paranide, alucinaes, etc.) e alteraes da actividade (apatia, agitao, fuga, agressividade, etc.). Perfil progressivo crnico.

    Ausncia de sinais neurolgicos focais.

    Diagnstico clnico provvel:

  • 16

    Confirmao, atravs de uma entrevista cuidadosa com os familiares, da presena e carcter disfuncional das alteraes referidas. Confirmao, atravs do estudo neuropsicolgico, do compromisso da memria e de outras Funes Nervosas Superiores (S. Demencial). Ausncia de sinais neurolgicos focais. Excluso de outras causas de demncia ou de Depresso Major (estudo laboratorial e imagiolgico adequado)

    Alteraes neuropatolgicas (diagnstico definitivo):

    Atrofia cerebral (mais marcada a nvel parieto-temporal) Marcadores histolgicos - morte neuronal selectiva, tranas

    neurofibrilhares e placas senis.

    Introduco

    A Doena de Alzheimer (DA) a principal causa de demncia conhecida e a doena neurodegenerativa mais frequente na idade adulta. Apesar de ter sido descrita pela primeira vez numa doente de 51 anos (Alzheimer, 1907), e da doena ter sido confirmada repetidamente em casos cujo incio rondou os 40 anos, estas formas precoces (e quase sempre familiares) so quantitativamente pouco representativas. A partir dos 60 anos, no entanto, a sua prevalncia aumenta de forma exponencial com a idade e, segundo alguns estudos epidemiolgicos recentes, 4.6% das pessoas com mais de 65 anos e 25 a 47% dos idosos com mais de 85 anos possuem a doena. Esta taxas de prevalncia assumem um significado especial nos pases industrializados, pases em que se tem verificado um envelhecimento progressivo da populao. A sua importncia torna-se ainda mais relevante porque, apesar da intensa investigao clnica e bioqumica desenvolvida nos ltimos anos, a sua etiologia e fisiopatologia so parcialmente desconhecidas, no se identificou um marcador clnico ou bioqumico que permita um diagnstico precoce e generalizado da doena e no existe um tratamento eficaz.

    Clinicamente a Doena de Alzheimer caracteriza-se por uma alterao progressiva e irreversvel da memria, deteriorao de outras funes cognitivas e alteraes do comportamento; estas manifestaes clnicas parecem ser determinadas por alteraes em determinados sistemas de neurotransmisso, dos quais se destaca o deficite da actividade colinrgica a nvel do neocortex e hipocampo. As alteraes neuropatolgicas encontradas na doena, e que foram descritas inicialmente por Alois Alzheimer em 1907 so a perda neuronal selectiva (mais afectadas as populaes de neurnis do neocortex e hipocampo que recebem aferncias colinrgicas do ncleo basal de Meynert), tranas neurofibrilhares intraneuronais (TNF), e a deposio de amiloide sob a forma de placas senis (PS) e perivascular (angiopatia amiloide). A associao deste tipo de alteraes histolgicas em determinadas reas corticais (regio lmbica e crtex parieto-temporal), e sobretudo a sua relevncia em termos quantitativos, constituem ainda hoje os nicos marcadores objectivos (definitivos) de diagnstico da Doena de Alzheimer (na ausncia de estudo histolgico considera-se o diagnstico como provvel).

    Passaremos agora a descrever com maior pormenor os marcadores histolgicos referidos, as protenas que entram na sua constituio e a suas implicaes fisiopatolgicas.

    As tranas neurofibrilhares foram descritas por Alzheimer como aglomerados intraneuronais de fibrilhas, facilmente corveis pela prata e que aumentavam progressivamente de tamanho acabando por

  • 17

    determinar a destruio da clula e a sua consequente libertao para o meio extracelular. Atravs de tcnicas ultramorfolgicas estas "fibrilhas" foram posteriormente caracterizadas como agregados de neu- rofilamentos de 10--13mm de dimetro, emparelhados e com uma conformao helicoidal (da a denominao de PHF "Paired Helical, Fi- laments"), presentes igualmente nos terminais axonais degenerados que constituem as placas senis. Atravs de tcnicas imunoqumicas comprovou-se que estes filamentos eram formados primariamente pela forma fosforilada e anormalmente agregada da protena tau, uma protena que na sua forma no fosforilada est envolvida na regulao da formao de microtbulos no Sistema Nervoso Central promovendo a sua agregao e estabilidade. Os mecanismos exactos que conduzem fosforilao da tau e constituio dos PHFs no esto esclarecidos, sugerindo-se uma interveno activa de mecanismos de natureza gentica e ambiencial (excitotoxicidade, stress oxidativo e alterao ---do metabolismo do clcio). Especulativos so tambm neste momento os processos de citotoxicidade que eles determinam, embora paream conduzir a uma alterao funcional e estrutural progressiva do citoesqueleto e, por fim, desagregao estrutural da prpria clula. O transtorno induzido na capacidade de transporte poder ter um papel chave na fisiopatologia da doena: por um lado parece prejudicar o transporte de factores de crescimento, os quais parecem estar implicados na degenerescncia dos neurnios colinrgicos, por outro, pode interferir, eventualmente de uma forma crtica, na formao da protena f3-amilide e assim contribuir decisivamente para a gnese das placas senis, o segundo marcador histolgico da doena.

    Na microscopia ptica, as placas senis foram definidas como estruturas esfricas, extracelulares, constitudas por um'core central de amilide (PAS positivo) e perifericamente por uma coroa de estruturas que se coravam pela prata e que, morfologicamente, correspondiam a clulas microgliais, astrcitos activados e corpsculos argirfilos. Com a ajuda da microscopia electrnica foi possvel caracterizar estas ultimas estruturas como ssendo axnios e terminais axonais (sinapses) degenerados. Posteriormente, atravs de tcnicas imuno-citoqumicas, -identificaram-se as protenas que entram na sua composio. O principal constituinte do seu core central, e tambm dos depsitos que constituem a denominada angiopatia amilide, a forma fibrilhar da protena 3-amilide, um peptdeo de 39 a 42 aminocidos que se forma a partir de uma protena membranar (denominada protena precursora da 3-amilide - PPA), e cujo processamento anormal conduz formao de fragmentos amiloidognicos. A 3-amilide parece ser uma protena fulcral na doena, intervindo directamente na degenerescncia dos terminais sinpticos atravs de mecanismos citotxicos ainda mal esclarecidos. Outros polipeptdeos identificados no core central das placas so a APOE, proteoglicanos, alfa-l quimiotripsina e outras protenas inflamatrias, o que permite especular acerca de um eventual contributo de processos inflamatrios no processo degenerativo.

    Fisiopatologia

    A investigao desenvolvida nos ltimos anos permitiu identificar um nmero considervel de alteraes do metabolismo ou erros genticos que, de uma forma directa ou indirecta, intervm na fisiopatologia da Doena de Alzheimer. Apesar disso, e tambm por isso, no foi possvel definir um modelo patolgico suficientemente abrangente para integrar todas anomalias ou desvios identificados e explicar a aparente heterogeneidade clnica desta forma de demncia (formas familiares vs. formas espordicas e formas precoces vs. tardias). Outra limitao dos

  • 18

    modelos propostos a sua incapacidade para congregar numa mesma vertente patolgica os dois marcadores histolgicos da doena - as tranas neurofibrilhares e as placas senis. Uma hiptese alternativa s teorias globalizantes a aceitao de que a doena heterognea no seu substrato molecular, ou seja, com determinantes genticos e/ou metablicos diferenciados. Nesta perspectiva, consideram-se dois subgrupos da doena: as formas familiares precoces autosmicas dominantes (doenas genticas) e as formas espordicas e/ou familiares tardias com determinantes fisiopatognicos genticos, epigenticos e ambienciais comuns ao envelhecimento fisiolgico (genes de susceptibilidade, alteraes do metabolismo oxidativo e stress oxidativo, excitotoxicidade, txicos ambienciais, etc.). Esta hiptese tem sido apoiada pelas descobertas recentes na rea da biologia molecular. Foram j confirmados 4 loci genticos relacionados com as formas familiares precoces da doena (FAD). O primeiro a ser identificado foi o gene da protena precursora da 3-amiloide (APP) situado no cromossoma 21, tendo sido identificados vrios tipos de mutaes diferentes com uma expresso fenotpica semelhante (a elevada prevalncia de Doena de Alzheimer nos doentes com trissomia 21 - S. de Down - mediada igualmente por este gene). Outro gene causal da doena a pr-senilina 1 (PS1) situado no cromossoma 14; a sua funo biolgica ainda no conhecida, mas o seu produto uma protena de membrana denominada S182, cujo domnio transmembranar parece sofrer as alteraes condicionadas pelas referidas mutaes. No seu coniunto, as mutaes referentes aos cromossomas 21 e 14 parecem ser resloonsveis pela quase totalidade das formas familiares (FAD) com transmisso autosmica dominante de incio precoce (incio da doena prximo dos 40 anos), e a sua identificao torna finalmente exequvel a realizao de testes preditivos por anlises directas do DNA. Em 1995, foi identificado um terceiro gene situado no cromossoma 1 - Pr-senilina 2 (PS2); a protena por ele codificada, denominada STM2, tambm membranar e, curiosamente, apresenta o mesmo nmero de aminocidos e de domnios transmembranares da S182, sugerindo-se que podero ter funes biolgicas semelhantes. Estes trs penes so hoje considerados genes causais da Doenca de Alzheimer, ou seja, os portadores das mutaes indicadas (menos de 5% dos doentes com Alzheimer) desenvolvem obrigatoriamente a doena.

    O quarto gene definitivamente associado doena, no como agente causal mas como gene de susceptibilidade, foi identificado por anlises de segregao (linkage) efectuadas em formas familiares de incio tardio (depois dos 65 anos). Estes estudos indicaram primeiramente existir uma associao gentica ao cromossoma 19, que mais tarde se viria a demonstrar corresponder ao locus da apolipoproteina E (APOE). Estudos ulteriores confirmaram que um dos seus trs alelos - APOE F-4 - parece ser um importante factor de risco para as formas familiares tardias e espordicas (50% do risco nestes casos). Este mesmo alelo parece tambm influenciar a idade de inicio da doena, que parece ser tambm significativamente mais precoce nos casos com homozigotia. Outros genes de susceptibilidade para as formas tardias aguardam comprovao definitiva; os mais relevantes situam-se nos cromossomas 3, 6, 12, 20 e 17.

    O elemento comum a todas as variantes ou erros genticos descritos parece ser o aumento da produo ou deposio da protena B-amiloide, mas a sua relao com o segundo marcador da doena ainda uma incgnita. Admite-se o envolvimento dos mecanismos lesionais intermedirios j referidos e comuns ao envelhecimento.

    Diagnstico

  • 19

    Com a excepo das mutaes descritas, no existe um marcador biolgico (laboratorial ou imagiolgico) da Doena de Alzheirrer. Assim, em mais de 90% dos casos, o diagnstico definitivo s pode afirmar-se mediante a realizao de estudo histolgico (bipsia cerebral ou estudo necrpsico). O diagnstico clnico provvel fundamenta-se nos seguintes critrios: perfil clnico adequado e excluso de outras causas de demncia.

    Tratamento

    A Doena de Alzheimer actualmente incurvel, embora susceptvel de tratamento sintomtico - manifestaes psiquitricas (psicose, depresso) e esfera cognitiva (frmacos que aumentam os nveis de acetilcolina a nvel cerebral). Agentes no confrmadamente eficazes como preventivos da doena (diminuir a prevalncia ou adiar gs sintomas) so os anti-inflamatrios, os estrognios e alguns anti-oxidantes.

    Doenas extrapiramidais com demncia

    A Doena de Parkinson (DP), a Doena de Huntington, a Paralisia Supranuclear Progressiva (PSP), a Degenerescncia Cortico-Basal (DCB) e a Demncia de Corpos de Lewis so exemplos de Doenas do Movimento que mais ou menos precocemente podem cursar com demncia. O seu perfil cognitivo genericamente do tipo sub-cortical e o seu diagnstico clnico baseia-se essencialmente no padro de alteraes extrapiramidais apresentados pelos doentes (paralisia do olhar vertical na PSP, coreia na Doena de Huntington, apraxia unilateral ='alien limb" - na DCB). Na maioria destas situaes, o diagnstico definitivo s pode ser estabelecido por estudo neuropatolgico, mediante a identificao dos seus marcadores histolgicos (corpos de Lewis na DP e na Demncia de Corpos de Lewis, tranas neurofibrilhares neuronais e gliais na PSP, clulas de Pick e incluses de neurofilamentos na DCB). A Demncia de Corpos de Lewis merece-nos um destaque especial, no s por ser uma forma de demncia relativamente frequente (nmero dois de prevalncia nalgumas casusticas neuropatolgicas), mas tambm porque possui um padro clnico caracterstico - demncia com caractersticas corticais mas flutuante, S. Parkinsnico e alucinaes visuais precoces.

    Demncias Fronto-Temporais

    Este grupo inclui uma srie de entidades (demncias) que tm em comum a afectao predominante do lobo frontal e da poro anterior do lobo temporal (atrofia lobar). As suas manifestaes clnicas evidenciam exactamente este tropismo pelos quadrantes anteriores do crebro - alteraes do comportamento e conduta social, S. desexecutivo frontal e afasia no fluente. Relativamente Doena de Alzheimer, caracterizam-se por apresentar alteraes do comportamento e manifestaes extrapiramidais precoces e exuberantes; a memria e as funes visuo-espaciais encontram-se relativamente preservadas at fases tardias da doena. A entidade nosolgica mais conhecida deste grupo a Doena de Pick.

    Doenas de pries

    Os pries so protenas endgenas modificadas (reconformadas) caracterizadas pela sua insolubilidade e resistncia (relativamente aos agentes qumicos e fsicos habituais) e pela sua capacidade infectante. As Doenas de Pries (tambm designadas por encefalopatias

  • 20

    espongifomes) mais frequentes no homem so a Doena Creutzfeld-Jacob e o S. de Gerstman-Staussler. Recentemente foi descrita uma nova forma de Doena de pries no homem (forma variante de Jacob-Creutzfeld) associada ao consumo de carne de vaca infectada (Encefalopatia Espongiforme Bovina - BSE).

    As Doenas de pries tm uma expresso clnica pleomrfica, podendo afectar quase todos os sistemas neurolgicos, mas o quadro demencial relativamente caracterstico: demncias rapidamente progressivas, com mioclonias e traados electroencefalogrficos tpicos - padres peridicos e pseudo-peridicos. Pelas suas implicaes sanitrias (contaminao/relao com hbitos alimentares de risco para a sade pblica) so doenas de notificao obrigatria e urgente. Os doentes devero ser assistidos em meio hospitalar e o diagnstico confirmado por estudo necrpsico.