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HISTÓRIA MEDIEVAL I - INTRODUÇÃO Media aetas ou medium aevum (Idade Média) foram palavras usadas, pelos humanistas do século XVI, para designar um tempo intermediário, um período de espera, no qual nada de importante acontece, um intermezzo entre dois períodos de real vitalidade: a antiguidade greco-romana (Idade Antiga) e o novo tempo (Idade Moderna). Para os renascentistas esse período intermediário era uma obscura barbárie ; os reformadores protestantes consideravam a Igreja papal deste período como uma apostasia da Igreja primitiva, enquanto que suas obras eram como a redescoberta do evangelho. O desprezo da idade medieval foi posteriormente agravado pelo iluminismo, declarando ser “A Era das Trevas”. O Romanticismo, no entanto, vai redescobrir a Idade Média e passa a exaltá-la. A expressão “Idade Moderna” quer afirmar que, depois do período greco-romano, não houve nada de valor até que aconteceu o “renascimento” do mundo antigo, clássico. No túmulo de René Descartes (1596-1650) está escrito que ele é o reconditor doctrinae, o re-fundador das ciências. É festejado como o primeiro a ter defendido os direitos da razão. No mundo antigo a Igreja havia adquirido, lentamente, o direito de cidadania, Mas no mundo medieval é ela que se impõe. Ela é um fator determinante. Determina todos os componentes. É a época da Cristandade. A Idade Média possui a fama de haver realizado grandes coisas, mas esse período é também acusado de ser caracterizado como uma estreita ligação entre Igreja e Estado, entre espiritual e temporal, entre “imperium” e “sacerdotium”. Consequentemente, dependendo o ponto de vista, pode ser considerado uma condição ideal ou um desagradável período de confusão. Grandes fases da História Medieval do ocidente cristão (séc. V-XIV) Onde começa a Idade Média e onde termina? A subdivisão cronológica não é fácil. Um “período” de história é construção 1

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HISTÓRIA MEDIEVAL

I - INTRODUÇÃO

Media aetas ou medium aevum (Idade Média) foram palavras usadas, pelos humanistas do século XVI, para designar um tempo intermediário, um período de espera, no qual nada de importante acontece, um intermezzo entre dois períodos de real vitalidade: a antiguidade greco-romana (Idade Antiga) e o novo tempo (Idade Moderna).

Para os renascentistas esse período intermediário era uma obscura barbárie; os reformadores protestantes consideravam a Igreja papal deste período como uma apostasia da Igreja primitiva, enquanto que suas obras eram como a redescoberta do evangelho. O desprezo da idade medieval foi posteriormente agravado pelo iluminismo, declarando ser “A Era das Trevas”. O Romanticismo, no entanto, vai redescobrir a Idade Média e passa a exaltá-la.

A expressão “Idade Moderna” quer afirmar que, depois do período greco-romano, não houve nada de valor até que aconteceu o “renascimento” do mundo antigo, clássico. No túmulo de René Descartes (1596-1650) está escrito que ele é o reconditor doctrinae, o re-fundador das ciências. É festejado como o primeiro a ter defendido os direitos da razão.

No mundo antigo a Igreja havia adquirido, lentamente, o direito de cidadania, Mas no mundo medieval é ela que se impõe. Ela é um fator determinante. Determina todos os componentes. É a época da Cristandade.

A Idade Média possui a fama de haver realizado grandes coisas, mas esse período é também acusado de ser caracterizado como uma estreita ligação entre Igreja e Estado, entre espiritual e temporal, entre “imperium” e “sacerdotium”. Consequentemente, dependendo o ponto de vista, pode ser considerado uma condição ideal ou um desagradável período de confusão.

Grandes fases da História Medieval do ocidente cristão (séc. V-XIV)

Onde começa a Idade Média e onde termina? A subdivisão cronológica não é fácil. Um “período” de história é construção puramente verbal e até arbitrária; o curso da história é contínuo e profundo. A periodização depende de privilegiar um fator ou outro. Início e fim vão compreendidos como períodos extensos, durante os quais alguma coisa de antigo desaparece e se apresentam novas realidades. Não existe uma fronteira precisa, mas somente uma passagem imperceptível.

Para uma data inicial se pensou no período da “migração dos povos”; na deposição do último imperador romano do ocidente (476); no batismo de Clóvis, rei dos francos, (500). Alguns historiadores preferem uma data mais tardia, em torno ao ano 700, porque já existe uma coligação entre antiguidade, germanismo e cristianismo, e porque a missão anglo-saxônica prepara sua grande expansão. Alguns até pensam ser a invasão muçulmana a determinar o limite (711).

Para o cristianismo o ano 529 tem um significado simbólico. Nesse ano, um decreto do imperador cristão Justiniano ordenou o fechamento da Academia Platônica de Atenas, que ali funcionara sob esse mesmo nome por nove séculos. Hegel comenta isso como o fim da filosofia pagã. No mesmo ano de 529 aconteceu um outro fato da maior relevância: Bento de Núrsia fundou o primeiro mosteiro beneditino em Monte Cassino (Itália). Será nos conventos que o saber (documentos) da antiguidade vai ser preservado e legado ao mundo romano-germânico. Do convento vai surgir a universidade, centro de estudo e de pesquisa. Assim, a Idade Média é também um período de gestação do novo.

A conclusão da Idade Medieval foi vista nos desenvolvimentos culturais do século XIII; no humanismo e renascimento; na queda de Constantinopla (1453); no início das grandes descobertas (1492) e também quando Lutero entra em cena (1517).

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De uma maneira geral fala-se da Alta Idade Média (séc. V-XI): uma fase de prolongada decadência do mundo antigo, durada até o ano mil; e Baixa Idade Média (séc. XI-XIII): período de uma vigorosa renovação e extraordinário crescimento demográfico, econômico, civil. Tentemos elencar as fases:

1º) fase de incubação (sec. V-VIII), quando os povos germânicos invadem a parte ocidental do Império Romano formando os seus reinos. Começa a formar-se um novo sistema determinado pelo princípio da autonomia dos reinos nacionais, uma sociedade simples (agricultura e feudalismo), um novo direito que não conhece bem a distinção entre público e privado, uma nova cultura. Surgem movimentos missionários para cristianizar a Europa.

2º) fase de coesão (sec. VIII - até metade do XI), é o tempo Carolíngio, onde os três elementos típicos medievais se afirmam: greco-romano, germânico e cristianismo (o mundo medieval conhece desde o início o cristianismo como elemento integrante).

A característica dessa nova cultura é a união íntima, a compenetração entre as duas esferas: CIVIL-SACRAL (mesmo se tudo fosse concebido em uma esfera sacral). Não existia a distinção que nós conhecemos hoje, entre Estado e Igreja, mas somente uma distinção funcional entre Reino e Sacerdócio. Sobre este fundamento temos:

- um regime teocrático dos soberanos (o rei era uma pessoa consagrada) considerados como vigários de Cristo (semelhante aos bispos);

- dependência feudal do bispo;- instituição das igrejas próprias;- concepção religiosa do mundo.

3º) fase da diástase (sec. XI-XIII). É o gradual afastamento das duas esferas. O sacerdócio e o reino, mesmo permanecendo unidos, tem jurisdição separada. Começa a emancipação do papado. Não se aceita mais aquilo que antes nem era discutido. A filosofia e a teologia começam a separar-se em métodos e conteúdos; surgem novas disciplinas (a medicina, o direito canônico); a vida monástica e aquela canônica se distinguem sempre mais; movimentos heréticos se fazem sentir em forma preocupante. A reforma gregoriana é o clou dessa passagem.

4º) fase da passagem do medieval ao moderno (sec. XIII-XVII). O final da Idade Média deve ser encontrado nos dias em que o aprendizado paciencioso do mundo antigo perdeu sua atualidade. Esse final aconteceu no momento em que a simples repetição e apropriação do antigo já não era mais suficiente. As novidades trazidas com o descobrimento de novos mundos, da parte dos europeus, trouxeram crise para o mundo medieval. Nessa crise muitos quiseram ficar com o sistema antigo, enquanto outros descobriram que a mera repetição do antigo não era mais adequada para o novo mundo que se descortinava. Ciência não se dá mais apenas com a repetição do antigo. Ciência surge a partir da análise do novo. Os que continuaram a bater na tecla do antigo provocaram o fim e a esterilidade do mundo medieval (cf. as características da Idade Média em HASTENTEUFEL, Zeno. Infância e adolescência da Igreja, 88-93).

II - PRESENÇA E EVANGELIZAÇÃO DOS POVOS GERMÂNICOS (“Bárbaros”)

1 - CONTEXTUALIZAÇÃO

Com a morte do Imperador Teodósio (395), o império romano foi dividido entre seus dois filhos: HONÓRIO no Ocidente e ARCÁDIO no Oriente. O Império romano do Ocidente não está mais em condições de deter o avanço dos povos germânicos. Em 476 foi deposto o último imperador do

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Ocidente, o adolescente Rômulo Augústulo. Quais foram as causas da queda do Império Romano do Ocidente? (invasões; desleixo; imoralidade...).

A queda do Império romano do Ocidente em 476 e a queda do Império romano do Oriente em 1453, em geral, estabelecem o período da Idade Média. Quais são as características diferenciais da Idade Média em relação à Idade Antiga? Limites geográficos mais amplos; transmigração dos povos; presença da “cultura” e da língua dos bárbaros; ação do cristianismo; presença do islamismo, etc.

Queda do Império Romano ou triunfo do cristianismo? Que relação há entre essas duas afirmações? A Igreja, sem dúvida, atraiu e promoveu mais pessoas do que o império; os recursos econômicos que antes eram destinados à construção de aqüedutos, fortalezas, portos, estádios, foram canalizados para a construção de mosteiros e igrejas; as pessoas que poderiam ser generais e líderes do povo fizeram-se monges e eclesiásticos; a mensagem do cristianismo, propugnando a paz, esmoreceu a fibra dos combatentes; os deuses pagãos não são mais cultuados; a decadência dos costumes...

O papa Leão Magno (440-461) deixou Roma e foi a Mântua ao encontro de Átila, rei dos Hunos (“o flagelo das nações”). Em 452 conseguiu fazê-lo desistir da invasão da Itália. Em 455 o mesmo papa conseguiu que Genserico, rei dos Vândalos, não cometesse homicídios nem destruísse Roma durante o saque de 14 dias. Porque o Papa tomou a iniciativa desta mediação política? Quando os Visigodos, conduzidos por Alarico, em 410, saquearam Roma pela primeira vez, os Cônsules e chefes do povo fugiram para a África. A Igreja ficou sendo a única instituição que sobreviveu ao abalo da invasão, a única que atuou na organização e defesa do povo. O Papa passou a exercer o ofício de “imperador”.

A penetração dos bárbaros no território do império romano, em contato com os cristãos, foi vista com otimismo e esperança de conversão (cf. textos de Jerônimo e Orósio, em COMBY Jean. Para ler a Hist. da Igreja I, 117 e 119). Mas a invasão em massa dos bárbaros colocou o cristianismo em sérias dificuldades. Porquê? Porque esses povos, exceto os Lombardos (que eram pagãos), tinham sido cristianizados pelo bispo Úlfila (341-383) que era ariano. O arianismo condenado pelo Concílio de Nicéia em 325, tinha sido erradicado do império no final do IV século. Com a invasão dos bárbaros, praticamente todo o império foi marcado pelo arianismo.

2 - INVASÕES E CONVERSÕES

Nos primeiros anos do séc. V, várias tribos germânicas, atravessam o Danúbio e o Reno e irrompem no Império Romano. Tinha início uma nova era. O Império se mantinha no Oriente, mas o Ocidente latino tinha se fragmentado numa grande quantidade de reinos bárbaros. O encontro da Igreja com os povos bárbaros se dava sempre com a tentativa de converter o rei “chefe da tribo”, de modo que a sua conversão se tornava causa de conversão para todos os membros da tribo. Para os povos germânicos, de modo geral, a conversão significava passar de uma cultura inferior para uma superior (Romanitas).

- OS VISIGODOS, convertidos ao cristianismo ariano no séc. IV (principalmente pelo trabalho de Úlfila, 341-383). Guiados por Alarico, atravessam a Grécia e conquistam e saqueiam Roma em

410, estabelecendo-se finalmente na Espanha (419-711); em 587 o rei Recaredo converteu- se ao cristianismo;- OS VÂNDALOS, também arianos, da Panônia (hoje Hungria) invadiram a Europa Ocidental até a

Espanha. Guiados por Genserico, em 429 passam da Espanha para o norte da África. Em 455 saquearam Roma; em 535 foram aniquilados na África por Belisário, general de Justiniano (de Constantinopla);

- OS HUNOS, guiados por Átila, em 451 invadiram a Gália; em 452 o papa Leão Magno os convence a desistir da marcha sobre Roma;- OS GERMANOS, guiados por Odoacro, em 476 destituem o último imperador do Ocidente, Rômulo Augústulo;

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- OS FRANCOS ocuparam o que é hoje a França, no início do século VI. São o primeiro povo a passar do arianismo ao cristianismo com o batismo do rei Clóvis (481-511), realizado pelo bispo Remígio em 496;

- OS OSTROGODOS, (Godos do Ocidente) sob Teodorico (493-526), exarca de Ravena, nomeado pelo imperador do Oriente, para proteger o cristianismo contra Odoacro, ocupa a Itália. O Reino Ostrogodo foi vencido por Narsés, em 553, oficial de Justiniano. Quando em 568, Justiniano substituiu Narsés, este, como vingança, chamou os Lombardos;- OS LOMBARDOS ou Longobardos, mantiveram o domínio na Itália de 568 a 774. Foram vencidos por Carlos Magno. Foi o único povo bárbaro que passou do paganismo diretamente ao cristianismo católico. Entre 600 e 700 mudaram a capital de Ravena para Pavia. (cf. H. Matos. Introdução à História da Igreja, 47-48).

Arianismo: doutrina de Ario, segundo a qual o Filho de Deus é uma criatura, certamente a mais eminente e a primeira criada (o Verbo foi criado); somente o Pai é eterno; o Filho não é eterno como o Pai.

2.1 - Reino Vândalo na África

Entre os diversos reinos bárbaros, o Reino Vândalo teve a mais curta duração. Mas teve grande importância para a história da Igreja. Cartago, o maior centro cristão do norte da África, foi tomado por Genserico, em 349. Aí foi instalada a capital do Reino Vândalo. A partir do norte da África, os vândalos passam a controlar o Mediterrâneo. Em 455 conseguiram saquear a cidade de Roma.

O líder vândalo, Genserico, era ariano e forçou seus comandados e conquistados a seguirem a fé cristã, segundo o rito ariano. Perseguiu as duas correntes cristãs (católica e donatista) existentes no norte da África, confiscando os templos e expulsando os bispos católicos de seus domínios. Sob seu sucessor Unerico cresceu a perseguição, e os vândalos foram proibidos de adotar a fé católica. O culto católico foi proibido. Os que não obedeceram essas ordens foram torturados e tiveram a língua cortada. Para designar esses desmandos do domínio vândalo é que se criou o termo “vandalismo”. Já nos reinados seguintes, de Trasamundo e de Ilderico, houve mais liberdade. Neste período destacou-se o teólogo Fulgêncio de Ruspe, o qual, influenciado pela teologia de Agostinho, iniciou um movimento renovador no seio da igreja norte-africana.

O Reino Vândalo foi destruído, em 533, pelo general Belisário, enviado do imperador romano Justiniano. Com isso o arianismo foi desaparecendo aos poucos. Mas para a população simples ficou sempre a pergunta: Qual o cristianismo a ser seguido? Cento e cinquenta anos mais tarde, a conquista árabe faria desaparecer o cristianismo nesta área.

Em regiões como Síria e Egito, embora todas as perseguições, o cristianismo sobreviveu, enquanto que na África do Norte e na Ásia Menor o cristianismo desapareceu. Motivos: Não tinham uma liturgia e literatura em sua língua indígena; não tinham tradução da Bíblia; nenhum Bispo era nativo.

2.2 - Reino Visigodo na Espanha

Após a conquista de Roma, em 410, os visigodos não permanecem por muito tempo na Itália. Continuaram sua migração e fundaram, no sul da Gália e na Espanha, um reino com capital em Toulouse. Derrotados, em 507, pelos francos, os visigodos ficaram com seu reino reduzido ao território espanhol, tendo Toledo como capital. Este reino existiu até 711, quando foi tomado pelos árabes. Os visigodos dominaram na Europa por trezentos anos.

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Para a Igreja católica, a penetração dos visigodos não teve maiores consequências. Somente requisitaram alguns templos para seus cultos arianos. A partir do governo de Eurico (466-484), começaram a ser rstabelecidas normas claras para o relacionamento da Igreja com o Estado no Reino Visigodo. Contudo, não se exigiu o abandono da fé católica. Um dos filhos do rei Leovigildo (573-586), Hermenegildo, casou-se com uma princesa franca e assumiu a fé católica. No governo do rei Recaredo (586-601), durante a realização do III Concílio de Toledo, em 589, todos os visigodos passaram à fé católica.

Após 633 os bispos também participam da eleição do rei, e se formam assembléias mistas, bispos e nobres, onde tratam questões de fé e disciplina eclesiástica, e é a instância que o rei consulta antes da publicação das leis. A hierarquia ibérica, no entanto, conservava uma larga independência em relação ao papado.

Como no reino dos francos, também na península ibérica, a instituição da Igreja própria se difundia. A Igreja própria é uma igreja sui iuris, isto é, as igrejas são fundadas, construídas e sustentadas pelos latifundiários, que normalmente pertencem à nobreza visigótica. Os patrões nomeiam e apresentam os candidatos ao sacerdócio ao bispo. Isso vale para as zonas rurais, mas também para os mosteiros que se tornam mosteiros próprios dos patrões. A disposição do bispo permanecia somente o clero citadino, reunido em torno das catedrais. Mesmo com estas desvantagens, a Igreja privada contribuiu muito para a cristianização das massas rurais.

Para a história da liturgia é importante uma notícia, surgida neste período de domínio visigodo. Sob influência de Cesário de Arles (+542), os cristãos católicos passaram a introduzir em sua liturgia a fórmula “Glória seja ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”, ressaltada com a formulação: “Como era no princípio, agora e sempre”. Esta formulação é anti-ariana, pois se volta contra as afirmações de Ário: “Houve um tempo em que ele (Cristo) ainda não era”.

2.3 - Reino Franco na Gália

Os francos são, dentre os povos germânicos, aquele grupo que veio a ter a maior importância para a vida da Igreja no Ocidente. Os primórdios de seu domínio não são muito claros. Sabemos que ocupavam a margem direita do Reno e que, paulatinamente, foram se espalhando em direção do Ocidente. Sua expansão não se deu de maneira organizada: havia soldados francos no exército romano, colonos francos trabalhavam a terra na a Gália. Já antes de 400, o norte da Gália está nas mãos dos francos. Alguns francos chegaram a fazer carreira a serviço dos romanos. Por volta de 390, o franco Arbogasto havia se tornado o homem mais poderoso da Gália, região em que o domínio romano continuou a existir até 486. Neste ano, um jovem rei franco, Clóvis, derrotou o último governador romano, Syagrius. A ordem estatal romana foi em boa parte destruída. Com isso também a Igreja veio a sofrer, pois estava ligada à administração romana. Mesmo assim, a Igreja estava tão enraizada na população, que seu futuro estava garantido.

Logo após a vitória de Clóvis, em 486, o bispo Remígio de Reims escreveu ao jovem rei, que contava 16(!) anos, oferecendo-lhe colaboração. Clóvis, de sua parte, tinha a intenção de estender o próprio poder, e compreendeu que tinha que considerar a Igreja em seus domínios. Negou-se, por isso, a aceitar o convite de Teodorico, rei dos ostrogodos, que havia realizado um matrimônio político com sua irmã, para participar de uma liga ariana. Um conjunto de interesses políticos teriam levado o rei franco à conversão ao catolicismo, ao invés de assumir a mesma fé de seu inimigo ou adversário. A intenção de Clóvis era aliar-se à Igreja católica da Gália. Casando com a princesa católica Clotilde e permitindo que seu primeiro filho recebesse o batismo católico, demonstrou nitidamente sua simpatia em relação ao catolicismo. A morte do filho logo após o batismo e a doença do segundo filho, quando do batismo, deixarm-no furioso, mas Clóvis deixou-se

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convencer pela argumentação da esposa cristã: “Agradeço ao Deus todo poderoso, o criador de todas as coisas, que não me julgou indigna de aceitar o fruto de meu ventre em seu Reino. Por causa do que aconteceu, meu ânimo não será castigado por dores, pois sei que quem foi chamado desta vida vestindo veste batismal viverá ante a face de Deus”.

A decisão definitiva para a conversão de Clóvis ocorreu quando de uma batalha contra os alemanos. Gregório de Tours escreve a este respeito:

“Aconteceu, pois, que, quando do choque, os dois exércitos tiveram grandes perdas, e o exército de Clóvis começou a se preparar para a derrota. Quando viu isto, ergueu seus olhos aos céus, com coração contrito e aos prantos, disse: Jesus Cristo, ao qual Clotilde anuncia como Filho de Deus, do qual é dito que ele auxilia os aflitos e que dá vitória aos que nele esperam, humildemente imploro o brilho do teu auxílio. Caso me concederes a vitória sobre estes inimigos e eu experimentar aquele poder, o qual o povo que é designado com o teu nome anuncia ter experimentado, quero crer em ti e ser batizado em teu nome. Pois, invoquei meus deuses, mas, como experimento, eles estão longe de me auxiliar. Por isso, penso que não têm poder, pois não auxiliam aos que lhes obedecem. Invoco-te, pois, e quero crer em ti, para que eu seja salvo dos meus inimigos. E, após ter dito isso, os alemanos se voltaram e começaram a fugir. Quando viram que seu rei estava morto, submeteram-se a Clóvis (...)” (cf. Gregório de Tours, História dos Francos, em COMBY, J. Para ler a Hist. da Igreja I, 119).

Clóvis foi batizado no Natal de 498. Esse batismo foi precedido por negociações com a liderança franca e com a liderança eclesiástica católica. O escolhido para oficiar o batismo foi o bispo Remígio de Reims, o qual lhe daria um caráter demonstratio. Em seu relato sobre o batismo de Clóvis, Gregório de Tours afirma: “Como um novo Constantino ele se dirigiu para o banho batismal para destruir a doença da lepra antiga e as sujas manchas que tinha desde tempos antigos com a refrescante umidade. Quando ele se apresentou para o batismo, o Espírito Santo se dirigiu a ele de viva voz, dizendo: Dobra confiadamete tua nuca, adora o que queimaste, e queima o que adoraste”.

Ainda segundo Gregório, na oportunidade foram batizados três mil integrantes do exército franco. Na conversão de Clóvis uma coisa era evidente: Clóvis buscava uma aliança política com a Igreja Católica. A Igreja, porém, via mais nessa conversão de Clóvis: no Ocidente existia agora um governante cristão, semelhante ao imperador cristão do Oriente. Existia agora a esperança de um programa de missão e expansão da fé cristã sob a hegemonia franca. A cristianização dos francos foi lenta, mas os reis francos tinham a convicção de que governavam um reino cristão. Suas vitória militares eram devidas a Deus e significavam a expansão da Igreja. A Igreja franca será a base da Igreja ocidental na Idade Média.

A Igreja enriqueceu-se sob o domínio franco, a tal ponto que os reis tentaram, algumas vezes, apossar-se de seus bens. A fé do povo estava baseada, em grande parte, no culto de relíquias, através das quais se julgava que o próprio Cristo estava agindo.

Com os sucessores de Clóvis (merovíngios) o governo central franco foi enfraquecendo. No séc. VII, esta situação piorou ainda mais por causa dos avanços e das vitórias dos maometanos. Conquistando a África e partes da Espanha, os maometanos trancaram a maior parte dos caminhos marítimos que levavam aos portos da Gália. Economicamente a dinastia governante dos merovíngios caiu completamente na dependência da nobreza. Nesta, a família que mais se destacou foi a dos pepinidas ou carolíngios. O primeiro dos pepinidas era Pepino, o Velho. Possuidor de enormes extensões de terra, ocupou também a função de mordomo do palácio. Neste cargo, lentamente, conseguiu o controle do Reino Franco, sem, no entanto, destituir os reis merovíngios. Em 732, Carlos Martelo, neto de Pepino, venceu os árabes nos montes Pirineus, detendo seu avanço em direção à Europa Central. Com isso, o prestígio dos pepinidas cresceu mais ainda. O filho de Carlos Martelo, Pepino, o Breve, desfez-se do último rei merovíngio, forçando-o a tomar o hábito monástico.

Pepino adotou o título de rei em 751. Sua coroação foi, na realidade, uma sagração. Esta sagração ocorreu a exemplo da sagração dos reis do Antigo Testamento. Dois anos mais tarde, o próprio papa Estêvão II (752-757) subiu da Itália para a Gália para visitar Pepino. Vestia vestes pretas e pediu a Pepino que libertasse a ele e ao povo romano da escravidão a que estavam submetidos sob os longobardos. Pepino viu-se na contingência de auxiliar o papa, pois como rei cristão ungido havia prometido obediência a Pedro e a seus sucessores. Em 756, Pepino venceu os

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longobardos e doou ao papa as terras conquistadas. Temos aqui os primórdios dos territórios pontifícios.

No Reino Franco, o poder estava consolidado. Com ele surgia uma potência no Ocidente. O período de transição chegara ao fim. Com o filho de Pepino, o Breve, Carlos Magno, inicia nova fase da história medieval, que podemos denominar de Alta Idade Média.

A Igreja Nacional

Desde o início do séc. VI emerge a Igreja Nacional dos Francos. Ela será a base da Igreja ocidental na Idade Média. A primeira grande manifestação da auto-compreensão da Igreja franca é o Iº Concílio nacional de Orleans em 511 (todas as igrejas fundadas por leigos devem ser transferidas aos prelados competentes). A convocação era feita pelos reis. Os reis francos sentiam-se sucessores do poder imperial em seus territórios.

Um impedimento para que a Igreja franca se consolidasse era a sucessão hereditária dos reis: os francos não conheciam o direito de primogenitura. Isso significava que na morte do rei, o reino era dividido entre os filhos, embora continuasse a existir uma unidade do território. Mas a contínua divisão do reino não permitira o desenvolvimento de uma sede primacial, como Toledo na Espanha e Cantuária na Inglaterra. Aos poucos surgia Orleãns, Paris e Lião.

Um sinal da crescente germanização da Igreja franca encontramos desde os tempos do rei Lotário II (584-629), quando os Concílios começaram a fundir-se com as Assembléias dos grandes do reino. Nesta fusão entre os grandes e os bispos, se exprime a germanização. Esta fusão entre as duas esferas (temporal e religiosa) caracteriza o novo período. É a secularização da Igreja franca. Os bispos são nomeados pelos reis e os bens eclesiásticos passam nas mãos dos leigos.

Os bispos se tornam cada vez mais patrões. Dois fatores tornam o cargo episcopal, desejável: o bispo precede qualquer outro dignatário do reino em dignidade; os bens eclesiásticos, aumentados em modo considerável, gozavam do direito de imunidade. Naturalmente, se o bispo era proprietário de vastos territórios, o seu poder aumentava como aumentava o poder dos príncipes seculares. Chegar à dignidade episcopal era como o ponto de chegada de uma carreira a serviço do rei (prêmio de uma carreira política).

2.4 - A Igreja nas Ilhas Britânicas

Os romanos jamais chegaram a dominar as Ilhas Britânicas em sua totalidade. Quando se retiraram, de fato só haviam governado sobre o sul da Grâ-Bretanha. Seus sucessores foram os anglos e os saxões, que criaram sete reinos principais: Kent, Essex, Sussex, Ânglia Oriental, Wessex, Nortúmbria e Mércia.

Ainda durante o governo romano ocorreu o início da evangelização na Irlanda, por intermédio de Patrício. Filho de oficial romano, Patrício foi sequestrado por irlandeses, dos quais veio a ser escravo. Conseguiu fugir e regressou à Grã-Bretanha. Atingido por um chamado divino, sentiu-se vocacionado a voltar à Irlanda, desta vez como missionário (432). O êxito de sua atividade missionária foi tal, que batizou multidões de irlandeses. De sua atividade surgiu a forte Igreja irlandesa, que em breve, começou a enviar missionários para os diversos reinos das Ilhas Britânicas. Entre esses missionários destacou-se Columba.

Nesta Igreja irlandesa, o verdadeiro poder estava nas mãos dos abades dos conventos e não nas mãos dos bispos. Os mosteiros se tornaram o centro da vida eclesiástica e sustentáculos da tradição cultural européia. A tarefa do bispo era de batizar, consagrar sacerdotes e igrejas, enfim, tudo o que dizia respeito a função sacramental. A jurisdição, no entanto, estava nas mãos dos abades.

Os primeiros impulsos para a evangelização das Ilhas Britânicas deve-se ao papa Gregório Magno (590-604). Por trás do início desta atividade missionária temos uma lenda.. Conta-se que o Papa viu no mercado de escravos de Roma jovens ruivos, postos à venda por mercadores. Perguntando pela origem dos escravos, obteve a resposta de que se tratava de anglos, entendendo

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ele a palavra, contudo, como “anjos”. Logo quis ele próprio ir para a terra dos anglos (anjos) como missionário, mas foi impedido pela população. Em 599, porém, conseguiu enviar vários monges, liderados por Agostinho. No reino de Kent, os missionários conseguiram converter o rei Etelberto (601), casado com uma princesa franca. A esta conversão os súditos seguiram em massa. O Papa já pensava em ter uma hierarquia britânica. Na capital do reino de Kent, Cantuária, foi criado um arcebispado, tendo sido Agostinho seu primeiro bispo (a ligação com a Igreja de Roma se expressava através da entrega do Palio, como símbolo da dignidade episcopal). Quando Agostinho faleceu, em 609, boa parte dos reinos bárbaros das Ilhas Britânicas estava cristianizada.

A atividade missionária de Agostinho merece destaque, pois ela é a primeira notícia que temos de um papa, no caso Gregório Magno, sendo promotor de missão. Nas Ilhas continuaram a existir as tradições de Patrício e de Agostinho, até 663. Neste ano reuniu-se o Sínodo de Whitby, no qual se optou pela tradição romana.

É importante ressaltar o método missionário de Agostinho: os missionários não destruiram os templos pagãos nem aboliram as festas desta população. Onde aconteciam conversões, os templos eram transformados em igrejas e as festas gannhavam siginificado cristão.

O catolicismo vence o arianismo e o paganismo dos invasores

- os francos, em 496, com o Batismo de Clóvis;- os germânicos desaparecem quando dominados por Teodorico em 493;- os vândalos, em 535, quando vencidos por Belisário, general de Justiniano;- os ostrogodos em 553, vencidos por Narsés, general de Justiniano;- os visigodos, em 587, com a conversão de Recaredo;- os lombardos, entre 568 e 774 passam ao catolicismo;- os Saxões não invadem o império. É Carlos Magno que expande o império obrigando-os ao cristianismo: “batismo ou morte”. A campanha vai de 777 a 799. Em 782 são mortos 4.500 porque resistiam ao batismo. Em 785 Widukind percebendo a inutilidade da resistência, fez-se batizar.

O cristianismo surgido em ambiente judaico, adaptou-se à cultura do império romano, mas resistiu à inculturação junto aos bárbaros (não aceitou as vestes e a língua). Quais as consequências da imposição do latim? Ouvir missa, desobriga (cf. CESCA, O. Itinerário da Encarnação, 53; FRÖHLICH, R. Curso básico de História da Igreja, 58 e 60).

3 - PAPAS NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO(Leia em DREHER, Martin. A Igreja no Mundo Medieval (Vol II), 24-27.

3.1 - Leão Magno, defensor da Igreja e de Roma3.2 - Gelásio e a teoria dos dois poderes3 3 - Gregório Magno: Servus servorum Dei

III - A CONSTRUÇÃO DO SAGRADO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE (Os Francos, protetores da igreja)

Na festa de Natal de 800, realizou-se na igreja de São Pedro uma das cenas mais memoráveis da história: o Papa Leão III coroou Carlos imperador romano, o povo o aclamou por três vezes Augusto e Imperador, e o Papa, seguindo o cerimonial bizantino, tributou-lhe ajoelhado a adoratio. Era o nascimento oficial do Sacrum Romanum Imperium, como do século XIII em diante foi comumente chamado. O Império Carolíngio começa sua história com a bênção expressa da Igreja.

1 - A ASCENÇÃO DOS CAROLÍNGIOS

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A época carolíngia foi caracterizada como a tentativa de realizar uma estreita união entre poder temporal e aquele espiritual. Os reinos francos necessitavam da Igreja e a Igreja necessitava de uma sustentação.

Durante o séc. VII, a Igreja e o Reino dos Francos se aproximam cada vez mais. Os sucessores de Clóvis (dinastia dos Merovíngios) foram governantes pouco capacitados. Na decomposição desses reinos, uma família de guerreiros pouco a pouco assume um lugar de destaque. Na realidade o governo estava nas mãos do majordomo, uma espécie de primeiro-ministro. Mas, era ele que governava. O Rei era “apenas” portador da coroa. Mas ocupava um cargo muito cobiçado e sagrado! Desses majordomos ou prefeitos palacianos, os mais hábeis foram os carolíngios. Da luta contra Ebroin, saiu vitorioso Pepino de Heristal (o Velho), possuidor de grandes propriedades e que restaurou a unidade do Reino Franco. Seu filho Carlos Martelo conseguiu maiores sucessos quando derrotou os árabes (maometanos) em 732, em Poitiers, impedindo o avanço do Islã além dos Pirineus. Expandiu ainda consideravelmente o Reino. Ele intervém soberanamente na Igreja: designa bispos e abades, dispõe à sua vontade domínios eclesiásticos.

Pepino o Breve, filho e sucessor de Carlos Martelo prossegue a obra do pai. O rei era Quilderico III, da dinastia dos merovíngios, família de Clóvis. Pepino era majordomo. Então Pepino envia dois Bispos a Roma para consultar o papa Zacarias (741-752) sobre quem devia ser o rei: aquele que tem o poder ou aquele que traz o sangue real em suas veias? O Papa tentando esquivar-se de uma resposta direta, afirmou apenas: “Deve ser rei aquele que tem a idoneidade e a capacidade” (segundo outros a resposta foi: “É melhor dar o nome de rei àquele que exerce este poder...”). Bastou essa resposta! Pepino concluiu que tinha tudo isso e, portanto, o direito à coroa. Por isso, depôs Quilderico (golpe de estado), colocando-o num convento, e se fez coroar rei dos francos. Pepino havia apoiado decididamente a missão cristianizadora da Igreja, de tal forma que um homem como Bonifácio lhe ficou devendo muito. Em 751 Pepino, o Breve, se faz sagrar rei por Bonifácio, o apóstolo da Germânia. Com esse ato a realeza carolíngia obteve o que nenhum rei possuia anteriormente: a bênção eclesiástica. A função do rei era, por assim dizer, sacralizada: tornou-se um ministério cristão, envolto pelo sagrado. A bênção da Igreja retirou do golpe de estado seu caráter de ilegitimidade. Pepino retribuiu de forma generosa essa bênção.

Questão dos regimes: teocracia é o regime em que o soberano temporal também se ocupava das coisas eclesiásticas. Enquanto hierocracia é o regime em que Papas também se ocupam de assuntos temporais e materiais.

No regime teocrático a unção era elemento fundamental. Daí a tradição de ungir o rei. Essa prática é vétero-testamentária: a unção de Saul e Davil. Isto foi introduzido em todo o Ocidente. Pela unção o rei era mais do que um simples leigo, passava a ser homem consagrado. Passava para a esfera do sagrado. No séc. X se chegará a falar que o rei se torna “participante do ministério sacerdotal” e “mediador entre o clero e o povo”.

Os Bispos ungiam os Reis, e o Papa devia ungir o Imperador.

2 - SURGIMENTO DOS ESTADOS PONTIFÍCIOS

O influxo e a importância política da sede papal aumentava sempre mais. Já há muito os papas possuíam um vasto patrimônio fundiário na Itália e nas ilhas adjacentes, o assim chamado Patrimonium S. Petri. Foi incorporado aos poucos, em consequência das doações e legados. O papa Gregório Magno tornou-se benemérito pela boa administração desse patrimônio.

Por volta do ano 750, o rei Astolfo dos lombardos sitia a cidade de Ravena e ameaça ocupar Roma. O papa Zacarias pediu socorro ao Imperador de Constantinopla - bizantinos (Celestino V).

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Mas estes não tinham condições de ajudá-lo, já que em Bizâncio havia um mal estar diante da Igreja de Roma, por causa da luta iconoclasta. Em 752 morreu Zacarias. Seu sucessor, Papa Estêvão II (752-757), não podendo esperar nada dos bizantinos, mandou seus legados pedirem auxílio ao novo rei dos francos, Pepino, o Breve.

Mal quando esses emissários tinham saído, chegou a Roma Dom Crodegang de Metz, dando esperanças de que Pepino estaria disposto a auxiliar o Papa. Porque Pepino teria prometido ajuda ao Papa?

- Por motivo de gratidão, já que devia a sua coroa ao Papa anterior;- Por devoção pessoal a São Pedro, já que havia sido amigo de São Bonifácio;- Porque necessitava de apoio popular para se impor como novo rei dos francos e uma

aliança com o Papa seria muito bem vista pelo povo franco, devoto de São Pedro.O Papa, com essas primeiras boas notícias, escreve ao rei dos francos, prometendo-lhe a

chave de São Pedro e a remissão dos pecados. Em resposta, Pepino faz um convite ao Papa para ir à França. Nessa mesma ocasião, vem uma embaixada de Bizâncio, pedindo que o Papa a acompanhe até Pavia, onde iriam tratar com Astolfo sobre as condições de paz (753). O Papa foi junto até Pavia, mas não podendo aceitar as condições de paz dos lombardos, seguiu, com o cortejo, em direção à França.

Em 6 de janeiro de 754 deu-se o famoso Encontro de Quercy, perto de Pointeau. Pepino saúda o Papa Estêvão de joelhos (seria homenagem de vassalo?). O papa e o rei concluem uma aliança defensiva. No dia seguinte, o Papa se coloca de joelhos diante de Pepino, pedindo urgente ajuda em sua defesa. Diz, inclusive, que não se levantaria mais, até obter a resposta positiva do rei (seria outra homenagem de vassalo?).

Na Páscoa de 754, na Igreja de St. Denis (perto de Paris) o Papa ungiu Pepino, sua mulher Bertrana, e os seus dois filhos, Carlomano e Carlos. E lhe deu o título de “protetor dos romanos”.

Pepino, com seu exército, seguiu duas vezes para a Itália para combater Astolfo. A primeira em 754. Na segunda vez, em 756, obrigou o rei lombardo retirar-se e, para garantir melhor proteção ao Papa, ofereceu à Igreja, além da cidade de Ravena, a Pentápolis e um número de outras cidades que, anexadas a Roma e às antigas terras pontifícias, formaram um território unido ao centro da Itália. Foi a famosa Donatio Pippini - doação de Pepino - que deu origem ao Estado Eclesiástico. O Imperador bizantino, a quem pertencia Ravena, protestou. Os protestos não foram respondidos. Um documento falsificado serviu como prova de que Pepino não fazia outra coisa senão devolver ao Papa uma antiga doação feita por Constantino. O pontífice deu ao rei o título de Patrício dos Romanos. Pouco faltava para o de Imperador, que caberia, de fato, a Carlos Magno.

Esta doação foi confirmada por Carlos Magno em 781 e por Otão I em 962 no “Pacto Otoniano”. É desse modo que surgem os Estados Pontifícios, que se manterão até 1870, com a unificação da Itália. O Papa se tornou soberano, mas caiu na órbita do rei dos francos e se pôs numa situação delicada em relação ao imperador de Constantinopla. (Que importância teve a concentração do poder temporal e espiritual nas mãos do Papa?).

A partir de 756 o Papa passa a nomear o duque de Ravena e o prefeito de Roma. Isso significa que o Papa é dono dessas cidades. Em 757, morreu o papa Estêvão II e foi eleito o irmão dele Paulo I que reinou por 10 anos. Quando morreu, surgiu em Roma um sério conflito, porque o cargo de Papa já era cobiçado. Foi eleito o Papa Estêvão III, mas um grupo escolheu um antipapa. O conflito só foi superado quando os Bispos francos deram seu apoio a Estêvão III. Em 772, ele morreu e foi eleito Adriano I, hostil aos lombardos e muito amigo dos francos.

Muito provavelmente, no tempo em que o Estado Pontifício se vinha formando, surgiu o chamado Constitutum ou Donatio Constantini, uma das falsificações medievais que tiveram maiores consequências. Segundo este documento o imperador Constantino Magno, em sinal de reconhecimento pelo conferimento do batismo e pela cura da lepra, teria concedido ao papa Silvestre (314-350) e a seus sucessores, dignidade e insígnias imperiais, dando-lhes o palácio lateranense e o domínio sobre Roma e sobre todas as “províncias, territórios e cidades da Itália e das regiões do Ocidente”, transferindo por esse motivo a sua residência para Bizâncio.

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O documento aparece na integridade do seu texto pela primeira vez por volta da metade do século IX, numa outra grande falsificação, as Decretais Pseudo-Isidorianas; por toda a Idade Média foi considerado genuíno.

Foram somente os humanistas do séc. XV, como Nicolau de Cusa e Lourenço Valla que demonstraram a inautenticidade do documento. Lugar, tempo e objetivos da falsificação são ainda hoje discutidos. Provavelmente o documento foi composo não muito depois de 750, ainda sob Estêvão II (753), e então exerceu influência sobre os acordos

A formulação indefinida e o conteúdo da doação puderam também fornecer mais tarde argumento para ulteriores reivindicações do papado para o aumento do seu território, para a autonomia política e para um predomínio sobre o Ocidente. Neste sentido, depois da metade do séc. XI foi usado pelos papas nas lutas com as potências seculares.

PSEUDO-ISIDORIANAS (cf. 100 punti caldi, 107)Surgiram entre 847 e 852. Sua finalidade foi demonstrada somente em 1440. Até então serviram como

norma base de toda a legislação.Finalidade: Demonstrar a superioridade do poder papal sobre o imperador.Meio: Reunião de 60 decisões extraídas de cartas papais, concílios e outras fontes verdadeiras ou falsas,

incluída a “Doação de Constantino”.Autor: Foram atribuídas a Isidoro Mercador e, depois, a Isidoro de Sevilha, último padre da Igreja do

Ocidente, falecido em 636.Problemas: O fim justifica os meios? (A exaltação da autoridade da Santa Sé, mesmo quando o imperador e

os leigos pretendiam apossar-se dos bens eclesiásticos e reduzir a Igreja a um simples setor da administração imperial, justifica semelhante expediente?).- Embora sustentando uma causa justa tornaram-se pedra de tropeço e de escândalo na época da reforma protestante;- Afinal, não se referem a aspectos dogmáticos e sim a questões administrativas e organizativas ou disciplinares. (Isto reduz a gravidade da iniciativa de sua publicação).

3 - A IGREJA SOB CARLOS MAGNO (768-814).(cf. DREHER, M. A Igreja no Mundo Medieval, II, 37-48; MATOS, H. Introdução à Hist. da Igreja, 67-72)

Em 768, morreu Pepino, o Breve, deixando três filhos: Carlomano, Carlos e Guizela. A viúva, Bertrana, cansadas das guerras do finado marido, queria que tudo ficasse em paz e entrou em aliança com os lombardos, realizando o casamento dos filhos com príncipes lombardos. Carlos, no entanto, repudiou sua mulher. Em 771 morreu Carlomano, e Carlos assumiu sozinho o reino franco. Com conquistas vai aumentando seu território.

Os lombardos se levantaram contra os francos. Com o exército forte que Carlos tinha, a invasão dos francos foi arrasadora. Carlos, então, foi coroado com o título de Rei dos Lombardos.

Em 772 Carlos vai a Roma. Encontra o papa Adriano I e renova as promessas do falecido pai. Entrega parte das terras conquistadas dos lombardos ao Patrimônio de São Pedro. A partir do momento em que o Papa Adriano I se torna chefe de um recém-criado Estado, toma três medidas:

- passa a cunhar as próprias moedas;- começa a contar os anos de seu Pontificado;- considera-se independente diante do Imperador do Oriente. Tem seu novo protetor em

Carlos Magno.

Depois da vitória sobre os bávaros, Carlos passou a dedicar-se à missão entre ávaros e eslavos. Missão era para Carlos Magno uma espécie de guerra santa. Isso se evidenciou especialmente em sua luta de 30 anos contra os saxões. Somente no ano 782, 4.500 saxões foram executados por não querer se submeter a Cristo, isto é, a Carlos. Ele organizou o reino e expandiu-o militar e religiosamente. Exigiu a conversão dos saxões à força (cf.os Estatutos jurídicos para os territórios dos saxões, em FRÖHLICH, R., 56 e 58). Mas Carlos Magno queria realmente a difusão do cristianismo ou queria engrandecer o império?

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O cristianismo ocidental encontrava-se então sob o controle franco. Carlos compreendia-se como rei e sacerdote. Importante documento da visão missionária de Carlos Magno é a carta que ele enviou a Leão III, quando este iniciou seu pontificado, em 795: “Nossa missão é a de defender a santa Igreja de Cristo em todas as partes ante a investida dos pagãos e a devastação dos descrentes (islão), com as armas, e a de fortalecer, interiormente, através do reconhecimento da fé católica; vossa missão é a de apoiar nossa missão guerreira com as mãos erguidas a Deus, como Moisés, para que o povo cristão vença em todos os lugares e em todos os tempos sobre os inimigos de seu santo nome e para que o nome de nosso Senhor Jesus Cristo seja louvado em todo o mundo”.

O papa Leão III, sofrendo pelos maus tratos e as acusações de seus adversários romanos, refugia-se junto a Carlos Magno, em Paderborn. Jura sua inocência e é reconduzido por Carlos a Roma. Por ocasião da festa de Natal, do ano 800, na basílica São Pedro, Carlos é coroado Imperador Romano . Carlos se considerava, “enquanto coroado por Deus”, soberano do Império Romano e sucessor de Constantino. O Império romano do Oriente, que não toma parte nenhuma no acontecimento, protesta com veemência; somente Miguel I (811-813), depois que Carlos tiver renunciado a Veneza e à costa da Dalmácia, reconhece-lhe o título de imperador.

Algumas contribuições de Carlos para a expansão e reorganização da Igreja

Carlos pensava que as “duas espadas” estavam em suas mãos. Para Carlos, a espada era uma arma tão cristã como a pregação. Como rei e sacerdote cristão tinha a função e o dever de agir e de intervir também em questões de fé. A fé cristã era o mais poderoso elemento unificador e a maior força civilizadora do reino:

- Carlos reforma vigorosamente a Igreja franca;- Prossegue o trabalho de reforma iniciado por S. Bonifácio;- Ordenou a inclusão da fórmula filioque no Credo Niceno-Constantinopolitano;- Escolhe cuidadosamente os bispos e abades, e os considera como altos funcionários;- Ergueu dioceses e conventos;- Chega a prescrever aquilo que se deveria crer e aquilo que seria heresia;- Favorece o estabelecimento de comunidades de cônegos;- Reforma litúrgica: impõe em seu reino os livros da liturgia romana; o pão natural é

substituído pelo pão ázimo; o padre passa a celebrar a missa de costas para as pessoas e recita o cânon em voz baixa; as missas privadas se multiplicam; agiu contra os abusos existentes na Igreja, proibindo o surgimento de novos “santos”; ordenou que os leigos decorassem o Pai-Nosso e o Credo na língua do povo, e que se confessassem uma vez por ano e que observassem as horas de oração dirante o dia, marcadas pelo bater dos sinos;

- Instituiu o descanso dominical obrigatório;- Passou a cobrar o dízimo como imposto;- Renovação intelectual: exige fundação de escolas para os clérigos; esforço para restaurar o

latim clássico, o estudo das Escrituras, dos Padres e da liturgia; a teologia recupera grandes nomes; das salas dos copistas saem numerosos manuscritos notáveis por sua caligrafia e ilustrações.

Porém, nem todas essas tentativas frutificaram, pois o cristianismo não era ainda a religião dos pobres, mas da classe dominante, e também porque o alto clero estava mais interessado em sua autonomia e na multiplicação de suas propriedades, do que na cristianização.

Realmente, Carlos Magno inaugurou um novo sistema de administração do império. O império precisava mais de políticos e guerreiros do que santos na sede episcopal. Uniu a tarefa do bispo com a do conde. O bispo-conde passou a morar em palácios e a administrar uma região “diocese” como Vassalo do Imperador que lhe conferia a INVESTIDURA. Por sua vez, o bispo sub-delegava os seus compromissos investindo um novo vassalo e assim por diante. No final das contas eram muitos os sub-delegados. Quem tinha dinheiro procurava conseguir a investidura sobre vários bispados = “Cúmulo de benefícios”. A compra desses cargos por meio de dinheiro chama-se SIMONIA. Será uma questáo muito discutida e sempre condenada nos Concílios.

Por quê Carlos Magno concentrou o poder temporal e espiritual no bispo?

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1º) Porque os bispos e abades eram homens cultos;2º) Para evitar a herança. Na morte de um conde, seu filho herdava os direitos. Na morte de

um bispo “celibatário”, o patrimônio voltava às mãos do imperador. Foi uma forma astuta que C. Magno encontrou para governar o império reduzindo o pessoal administrativo e conservando-se senhor, unificador.

4 - DECADÊNCIA DO IMPÉRIO CAROLÍNGIO

Carlos faleceu em 814. Quando da sua morte, surgem sintomas de decadência que também afetariam a Igreja. Chegava ao final aquele longo período de transição entre o final do Império Romano e a formação de um novo centro político. A unidade do reino cedeu lugar a um sem número de mini-estados.

- Luís, o Pio (814-840), foi o único filho herdeiro do império de Carlos Magno. Em 843, com o Tratado de Verdum, o império foi dividido entre seus três filhos. Lotário (823), o mais velho, herdou o título de Imperador. A tripartição do Reino tornou-se quase imediatamente uma fonte de dissensões. Uma série de guerras civis levou o país à impotência. Normandos, piratas, maometanos e outros invasores atacaram as fronteiras. Isto contribuiu para a queda do império carolíngeo (cf. MATOS, 71; CESCA, O., 76).

No esfacelamento do império com a falta de coordenação central, os grandes proprietários passaram a significar maior proteção do que os reis. Multiplicaram-se os pequenos estados. Ao mesmo tempo surgiram Igrejas independentes de um poder central. Surgiram as Igrejas Estatais ou Igrejas Particulares . O próprio dono - grande proprietário- construia sua igreja (capela) onde recolhia esmolas para si; providenciava um padre apresentando-o ao bispo e providenciava algum escravo para auxiliá-lo. O padre era-lhes submisso. Era assalariado. Fazia as vontades do patrão. Na venda de uma propriedade era também vendida a capela “o capelão”... Apareceram muitos abusos e os “padres desqualificados” deixaram muito a desejar e até ficavam desempregados.

A Igreja sofreu todas as consequências da aliança com o Estado. A Igreja que estava sob a direção dual do papa e do imperador, despedaçou-se em muitas pequenas Igrejas. A autoridade do pontífice romano chegou a decair como nunca na história. A Sé de Pedro e as grandes propriedades rurais da Igreja, tornaram-se objeto de ambição da nobreza romana. Reis e nobres tratavam de dioceses e mosteiros como se fossem suas propriedades, confiando-os a agentes seus.

4.1 - OS PAPAS DO SÉCULO IX

Após a morte de Leão III em 816, o Papa que coroou Carlos Magno Imperador, sucederam-se diversos papas e antipapas. Predomina a influência da família romana dos Colonna.

a) Papisa Joana: Em 855 morre o papa Leão IV. Segundo cronistas do séc. XIII, seria uma mulher que, vestida de homem, teria dirigido a Igreja durante 2 anos e 7 meses após a morte do papa, sob o nome de João VIII. Esta papisa Joana teria sido desmascarada quando, durante uma procissão, teria dado à luz uma criança. A época de governo dessa papisa situa-se entre Leão IV (847-855) e Bento III (855-858). Este relato (uma lenda) foi considerado por muito tempo como autêntico, mas sua falta de base histórica está demonstrada desde o séc. XVII (cf. FISCHER-WOLLPERT, R. Léxico dos Papas, Vozes, 326).

b) Nicolau I (858-867): Entre os papas do século IX, se sobressai Nicolau I. Suas ações eram norteadas pela convicção de que ao sucessor de Pedro cabe a autoridade sobre a Igreja e sobre

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o mundo. O que o papa dissesse devia estar acima de todas as demais opiniões. Todos deviam obedecer ao papa. Com segurança e integridade pessoal, reivindica a direção plena e total da Igreja e a validade das normas religiosas também para o Estado. Apoiando-se nas falsas decretais de Isidoro, obriga o arcebispo de Hincmar de Remos a reabilitar o bispo deposto Rhotade de Soissons. Recusa a Lotário II o direito de separar-se de sua esposa Tietberga (sem filhos); os arcebispos de Colônia e de Tréveros, que tinham aprovado o repúdio de Tietberga, são demitidos. Assim, Nicolau não teve medo de dizer aos reis e aos eclesiásticos o que a esses tinha que dizer. No seu pontificado ocorreu um cisma (Fócio) com a Igreja do Oriente (cf. BIHLMEYER-TUECHLE, História da Igreja - Idade Média, 69-71).

c) Adriano II (867-872): Eleito após muitas discussões, era uma pessoa idosa e doente, caolho e coxo. Assim como seu antecessor, descendia da família dos Colonna (cf. FISCHER-WOLLPERT, R. Léxico dos Papas, 207). Não era tão autoritário quando Nicolau I. O período do seu pontificado foi difícil. No 4º Concílio de Constantinopla, 8º ecumênico (869-870) excomunga Fócio e seus partidários. Além disso, o Concílio (no Cânon 21) fixa a ordem de precedência dos patriarcados: Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém. Novamente reafirma-se que a veneração das imagens está autorizada.

Na evangelização da Bulgária Adriano permitiu aos missionários, Cirilo e Metódio, fazerem a tradução da Sagrada Escritura e o emprego da língua eslava na celebração do culto divino.

d) João VIII (872-882): No seu pontificado persistem as tensões entre a Igreja do oriente e do ocidente. Defrontou-se com grandes dificuldades na Itália. Partindo do sul, os sarracenos atacavam o Estado Papal.. Nobres romanos conspiram, com os invasores, contra o Papa. Não podendo esperar nada do Reino carolíngio, em decomposição, organizou ele mesmo uma frota, assumiu o comando supremo e derrotou os sarracenos. O descontentamento e a violência de famílias da nobreza romana aumentava. João VIII morreu assassinado. Deram-lhe veneno e, como não morresse imediatamente, teve o crânio esfacelado a marteladas. Morreu em 16 de dezembro de 882, sendo o primeiro dos (oito) papas da idade Média mortos por assassinatos. Depois dele o papado entrou definitivamente na esteira da luta romana pelo poder. Inaugurara-se o século das trevas.

Na Itália imperava a anarquia. Dos nove papas que governaram nos doze anos seguintes quase nenhum morreu de morte natural. Como exemplo das perversidades a que podiam chegar os sucessores de Pedro seja citado o caso macabro de Estêvão VI em relação a seu antecessor Formoso (891-896). Formoso era discípulo de Nicolau I. Iniciara a missão entre os búlgaros, mas, por motivos desconhecidos, caíra em desgraça junto ao Papa e fora exilado, sendo mais tarde readmitido em suas funções sacerdotais. Eleito papa, foi muito ativo. Talvez também teria sido assassinado por seus adversários, caso não tivesse morrido “em tempo”. Mas seu sucessor procurou vingar-se do morto. Por determinação sua e motivos políticos, mandou desenterrá-lo, vestí-lo com as vestes papais e sentá-lo sobre uma cadeira na igreja São Pedro (“sínodo do cadáver”). O cadáver de Formoso, foi processado e, após três dias, condenado. Por haver jurado não mais ser clérigo e por haver jurado nunca mais pôr os pés em Roma, assim argumentaram seus adversários, teve amputado o dedo indicador. Seu cadáver foi despido e jogado no rio Tibre. Logo os adeptos de Formoso se vingaram. Estêvão foi deposto, enfiado em um convento e alí estrangulado (897).

Essas situações que encontramos em Roma reflete a decadência do poder no Reino Franco. Reino e Igreja dependiam um do outro. Esta é uma constante na história da Igreja.

4.2 - UMA ÉPOCA DE GRANDE TRIBULAÇÃO PARA A IGREJA

a) “Século Obscuro” ou “Século De Ferro” denomina o período que vai do ano 900 ao ano 1000 (séc. X). Por quê?

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- Na falta de Papas e Reis (imperador) significativos, grupos de famílias passaram a administrar política e religiosamente o império. As rivalidades entre estas famílias foram a causa de muitas mortes e destituições de Papas e Reis;

- O papado passou às mãos de algumas famílias romanas: Veja:‘ Papa Formoso, morto em 896 e o concílio do cadáver;‘ Papa João XI (931-936) colocado no trono pela mãe Marózia que vivia no palácio papal em constrantes aventuras amorosas. Ela colocou no papado “papas fantoches” só para esperar que o filho João tivesse idade;‘ Papa João XII, neto de Marózia. Destituído em 963.

“INVESTIDURA LEIGA” = É a nomeação de eclesiásticos por parte do poder civil.(especialmente bispos e abades)

SIMONIA = Venda de coisas sagradas por dinheiro.NICOLAISMO = Não observância do celibato eclesiástico.

b) A nobreza romana no controle papal

Excomunhões, calamidades, anarquia, crimes, barbaridades na “cidade civilizada” caracterizam o século X - século “de ferro” pela sua aspereza; “obscuro” pela sua esterilidade (ex. Concílio do cadáver do papa Formoso em 896 e as intrigas das famílias nobres). As famílias dominantes eram os Médicis, os Crescêncios, Teofilato, Túsculo.

Teofilato e esposa Teodora com as duas filhas Teodora II e, principalmente Marózia deixaram as mais calamitosas recordações.

Papa Sérgio III (904-911) devia a tiara a esta família, cuja casa frequentava “mais do que devia”. Com 50 anos, enamorou-se de Marózia de 20. Fruto do amor foi o futuro papa João XI (931-936). O livro pontifical atesta: “João, romano, cujo pai foi o papa Sérgio III”. A maternidade de Marózia é confirmada.

Alberico, o filho mais moço de Marózia, rebela-se contra a mãe, que é aprisionada. A ambição e sede de poder de Marózia não conhecem limites. No leito de morte obriga o clero e a nobreza a elegerem como próximo papa o seu filho Otaviano, então com apenas 17 anos de idade. Otaviano que tomou o nome de João XII (cf. FISCHER-WOLLPERT, Léxico dos Papas, 63), inaugurou um dos pontificados mais tristes da História. Durante seu governo “o palácio de Latrão tornou-se um prostíbulo”, como dizem alguns historiadores. Após a morte de Marózia é seu filho Alberico que “controla” o papado (cf. BIHLMEYER-TUECHLE, Hist. da Igreja II, 74-79).

Num sínodo, em 6 de novembro de 963, João XII foi condenado e deposto em razão de seus numerosos crimes: assassinato, simonia, devassidão. Para ocupar seu lugar foi eleito Leão VIII, um leigo, o qual num só dia recebeu todas as ordens.

Os sucessores morrem assassinados ou terminam seus dias no cárcere. Os que tiveram pontificado mais calmo, não apresentam atividades dignas de relevo. O trono de São Pedro transformara-se num palco de lutas!

A esta situação dramática põe termo o Sínodo de Sutri, em 1046, quando são depostos três papas. Uma nova aurora começa a brilhar após longo período de escuridão. Será o período da reforma gregoriana, que tem seu ponto de partida na Abadia de Cluny, fundada em 910.

c) Restauração do Império (Sacro Imp. Romano Germânico)

OTÃO I, II e III impõem-se com firmeza sobre as famílias da nobreza romana que dominam o papado. Otão I, como Carlos Magno, quer ser o protetor do papado. Escolhe para papas, os bispos alemães que ele conhece pelas suas capacidades. Será coroado imperador, em Roma, aos 2 fevereiro de 962, por João XII, que será demitido um ano após.

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Juramento de Otão sobre os Evangelhos: “Eu Otão, rei dos romanos, futuro imperador, empenho minha palavra e juro diante de Deus e de São Pedro, que serei protetor e defensor da Santa Igreja apostólica romana, do atual pontífice e de seus sucessores, amparando-os em suas necessidades e conveniências, conservando suas propriedades, honras e direitos quanto for possível. Assim Deus me ajude e estes santos Evangelhos”.

A Unção do Imperador é com óleo no braço direito e entre os ombros. O Papa entrega o cetro, a mitra clerical, o diadema imperial, o manto imperial e o globo de ouro. O Imperador, de joelhos, recebe a bênção. Para comungar tira as insígnias imperiais. O papa dá-lhe a comunhão e o beijo da paz. No final o imerador retoma as insígnias e sai da Igreja para segurar o estribo e para guiar um pouco o cavalo (com o papa) pelas rédeas. Monta seu cavalo e anda à esquerda do papa até a Igreja Sta. Maria Transpadina onde se separam fisicamente, não com o coração.

Otão I foi aclamado imperador pelo papa e pelo povo romano (que andava cansado com a luta sucessiva e as intrigas da nobreza que disputava o papado). Assim foi restaurado o império: mais espiritual, mais eclesiástico e mais católico = universal e menos nacionalista do que o dos carolíngios. O IIº e IIIº Otão olharam mais para Roma e o mediterrâneo do que para a alemanha.

Pacto Otoniano. Após sua coroação, Otão garantiu ao papa os domínios temporais que possuía, ampliando-os para 3/4 da Itália e incluindo a Ístria, Veneza, Espoleto e Benevento. (Mais tarde os pretende de volta). Os romanos juraram fidelidade ao imperador e prometeram nunca eleger um pontífice sem a aprovação do imperador.

Cisma. Quando Otão I deixou Roma, o Papa João XII, para escapar do controle do imperador, fez aliança com Berengário (norte da Itália), opositor do imperador. Otão, então, voltou a Roma. O papa fugiu para Tívoli. O Sínodo Romano (963) presidido pelo Imperador, julga e depõe o papa (ausente por participar de uma caça). Foi condenado por “traição” (cf. o processo em FRÖHLICH, 74)

IV - SÉCULOS MONÁSTICOS

O fim do período antigo é marcado pela decadência do Império Romano do Ocidente e a invasão de seus territórios por povos não-latinos, que , com desprezo, eram chamados de bárbaros. Na transição para a Idade Média - nome enganador que só surge no tempo do Renascimento (séc. XVI) - a igreja tem um papel notável na salvaguarda de valores culturais e humanitários. Dentro dela o monaquismo será neste período uma grande força a serviço de seus ideais mais nobres.

Uma das formas mais antigas de vida consagrada a Deus, na Igreja, é a das Virgens. Trata-se de mulheres que se dedicam pessoalmente ao Senhor, vivendo na sua própria família e na comunidade eclesial local. Levam uma vida de oração intensa e praticam obras de misericórdia. Este estado de vida cristã goza de grande estima na Igreja Antiga.

A origem do monaquismo - precursor da atual Vida Religiosa consagrada - liga-se ao término das perseguições. Alguns cristãos desejam viver mais radicalmente seu seguimento de Cristo e ir até as últimas consequências na sua consagração batismal. O deserto (tanto no sentido físico como espiritual) torna-se o lugar privilegiado de sua experiência religiosa.

Santo Antão (+356) é o pai dos monges eremitas ou ANACORETAS (aqueles que vivem solitários).São Pacômio (+346) inicia, no Egito, a vida monástica em comum = CENOBÍTICA.

Grande valor à vida interior (oração contínua), à direção espiritual de um mestre e ao trabalo manual.

No Oriente, São Basílio (379) organiza a vida dos monges dando-lhe uma regra. O modelo do mosteiro é a comunidade primitiva de Jerusalém, descrita nos Atos dos Apóstolos.

No Ocidente, o monaquismo é propagado e difundido por São Jerônimo (+420), Santo Agostinho (+430) e São João Cassiano (+432). Sendo este último uma espécie de ponte entre os monges do Oriente e Ocidente.

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São Bento de Núrsia (+547) será quem organizará de forma sistemática o monaquismo ocidental, garantindo estabilidade. Ele enfatiza a obediência ao abade e a vivência da humildade. No centro da vida comunitária está a “Opus Dei”, isto é, a oração litúrgica e a celebração eucarística. Leitura e meditação da Sagrada Escritura, trabalho manual e descanso são outros elementos constitutivos do horário monástico. A enorme expansão da modalidade beneditina de vida religiosa constituir-se-á numa força extraordinária de missão cristã entre povos fora do Império. Depois dele, dizer monge equivalerá a dizer beneditino.

Comparar Stº Antão com S. Bento (cf. FROHLICH, R. Curso básico de Hist., 28 e 44).

4.1 - DIFUSÃO do MONAQUISMO OCIDENTAL

O período da história da Europa que vai da morte de São Bento (cerca de 548) à de São Bernardo de Calaraval (1153) é conhecido com o nome de “era monástica” ou “séculos beneditinos” (cf. KNOWLES-OBOLENSKY, Nova História da Igreja - II, 125-137).

- SÃO BENTO (480-547) deixa Subiaco e funda Monte Cassino em 529. Três características do monacato: estabilidade, horário (oração, trabalho, estudo e descanso), paz e igualdade com todos (latinos e bárbaros). (cf. Cesca,55-57; Matos, 54).

- SÃO GREGÓRIO MAGNO. Foi prefeito de Roma; apocrisário em Constantinopla; e funda o mosteiro Santo André (580) em sua casa em Roma. Torna-se Papa de 590-604. Em 596 envia Agostinho evangelizar os Anglosaxões. Grande incentivador do monaquismo.

- Sto. AGOSTINHO (596) e mais 40 monges de seu monastério cristianizam o sul da Inglaterra.

- WILIBRORDO mais 12 companheiros, em 690, um século depois do início da evangelização na Inglaterra, desembarcou na Europa, nos Países Baixos, para evangelizar os Frísios. (Os francos agradaram-se do trabalho e deram-lhe propriedades rurais).

- S. BONIFÁCIO teve a mesma importância de Wilibrordo, mas na Alemanha. Era itinerante. Em 720 foi arcebispo e delegado Apostólico junto aos germânicos ao norte dos Alpes. É sagrado bispo missionário (sem sede fixa); em tudo esforça-se para seguir rigorosamente as diretrizes de Roma, pois está convicto de que a relação estreita com roma é essencial para o desenvolvimento ordenado da Igreja. No ano 723, em Geismar, Bonifácio corta o sagrado carvalho de Donar, para demonstrar a impotência dos deuses germânicos. Da a maior importância em sua atividade à organização eclesiástica. Funda vários mosteiros e dioceses: Fulda, Erfurt, Salisburgo, Ratisbona, etc.. Diversos sínodos dirigidos por Bonifácio, elaboram as regras da igreja franca, e estas são depois promulgadas como leis do reino (entre outras: os clérigos não devem levar armas, nem roupas de leigos; não devem participar de caçadas; o concubinato é proibido). Em 753, Bonifácio, já com 80 anos dedica-se novamente à missão entre os frisões. Em 754, ele e 52 de seus companheiros são massacrados por frisões pagãos (na Frísia, lugar de sua primeira missão), que pensavam encontrar tesouros com eles. Mais tarde será chamado o “apóstolo da Alemanha”. (cf. Matos, 55s).

Outra corrente monacal:- S. PATRÍCIO inicia a evangelização na Irlanda em 432.- S. COLOMBA passa da Irlanda para a ilha de Iona e funda o mosteiro de Hy. Evangeliza a

Escócia e a Inglaterra do Norte, a partir de 560. Trinta anos mais tarde, seu discípulo- S. COLOMBANO com 12 companheiros chega à França (Luxeuil em 592); na Suiça (S.

Galo); e na Itália (Bóbbio em 610). Caracterizam-se por serem “Missionários ambulantes”, sem sede fixa, o que causará problemas com a disciplina na França.

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4.2 - REFORMAS DO MONAQUISMO (Movimentos de renovação a partir da base)

a) Reforma Carolíngea com Bento de Aniane (Vitiza).

Bento de Aniane (Vitiza) é filho de conde visigodo. Foi pagem educado na corte de Pepino, o Breve. Em 774, sob Carlos Magno, distinguiu-se em Pavia, contra os lombardos. Em seguida fez-se monge. Em 779 fundou um mosteiro na sua propriedade em ANIANE. Na ocasião adotou o nome e a regra de São Bento de Núrsia. Gozou da confiança de Carlos Magno. Sob Luís, o Pio, foi encarregado de animar a reforma monástica na germânia. Em 815 foi chamado da Aquitânia para Aquisgrana, sede imperial, para dirigir a abadia do imperador, que devia ser modelo. Presidiu o Sínodo de Aquisgrana em 817, que impôs a regra de São Bento a todos os mosteiros do império. O “Livro das Constituições Monásticas” ou “Ordo Qualiter” fruto deste Sínodo, regeu a vida monástica por dois séculos. Bento de Aniane morreu em 821.

O primeiro passo para tirar a suprema autoridade dos senhores leigos sobre os monastérios consistiu na determinação da divisão da renda em duas partes: metade para o abade e metade para o mosteiro.

b) Reforma de Cluny e de Gorze

Ambas partiram de Bento de Aniane.Bernão fundou um seu mosteiro. Pediu a Guilherme, duque de Aquitânia (monge convertido

por Bento de Aniane), os bosques de Cluny (ou Clúnia). Aos 11 de setembro de 910 a doação foi concedida. A propriedade foi colocada sob a proteção de São Pedro (Santa Sé). Em 931, o Papa João XI, filho de Marózia, confirmou a carta de 910 concedendo à abadia plena imunidade e liberdade para eleger o abade. Os bispos protestaram contra esse “Direito de Isenção” de sua autoridade. Em Roma, Alberico II (filho de Marózia) nomeou o abade Odão (926-942) arquimandrita de todos os monastérios romanos. Doou sua casa no Aventino. Alí estudará Ildebrando, futuro papa Gregório VII. Sucederam-se abades de grande valor como: Aimar, Máiolo, Odilão, Hugo. No início do séc. XII, há cerca de 1.200 abadias.

- Características de Cluny: exige absoluta obediência ao abade; tornou mais exigente o silêncio; aumentou os tempos de oração; a liturgia é solene; igrejas ricas; comida modesta; ascetismo; separação do mundo.

Favoreceram devoções vizinhas à sensibilidade do povo: a Eucaristia, Nossa Senhora, sufrágio pelas almas dos defuntos. Instituíram a comemoração do dia 02 de novembro. Concediam aos nobres serem sepultados no mosteiro em troca de grandes ofertas para a recitação de missas. (A riqueza e a falta de trabalho foram denunciadas pela futura reforma dos Cistercienses. Eles retornaram outra vez a São Bento).

São bons copistas, mas pouco promotores da ciência. Exageraram as horas de oração (cantavam mais de 158 salmos por dia) em prejuízo do trabalho manual. Para isto contrataram operários. Os “conversos” (dispensados do coro) também trabalhavam por serem iletrados.

Isenção (privilégio): O abade podia escolher o bispo, independentemente do bispo local. O papa João XIX (1024-1032) isentou os monges das excomunhões episcopais. A sucessão acontecia sem interferência externa. O abade designava o sucessor e nomeava os Priores. Os mosteiros que aceitavam a reforma de Cluny passavam sob a obediência do abade na condição de “vassalo”. Os abades passavam à degradação de “priores”. Não se trata de uma nova ordem, mas de uma Confederação centralizada sob a monarquia do abade.

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- Em Gorze, na Lorena, também surge uma reforma a partir de 932. Monges promovem uma renovação de outros mosteiros da região. Aos poucos, 160 mosteiros alemães dependerão de Gorze. Diferenciou-se e até opôs-se a Cluny nos meios, mas visando sempre a renovação.

Diferenças características entre as reformas de Cluny e Gorze.

CLUNY - Fundade em 910 GORZE - Fundada em 932

- Depende de Roma.- O abade é autoridade central que administra os “priorados”.- Não aceita estudantes externos.- Tem o privilégio de isenção.- Não influi tanto sobre a igreja local.- A iniciativa de reforma partiu de dentro.- Sistema de priorado.

- Depende de senhores feudais.- Cada mosteiro é autônomo, sob autoridade do senhor leigo ou clerical.- É aberto a “não monges”.- Está sob a autoridade ou dependência do bispo local, tendo influxo sobre o clero.- A iniciativa da reforma partiu dos senhores feudais.- Sistema de decanias.

Estas e semelhantes diferenças, ainda que pequenas, eram sentidas como uma nítida oposição entre Cluny e Gorze.

A herança cultural através de alguns monges- BEDA, o Venerável (+735), na Inglaterra, dominava perfeitamente o grego e o latim. Na Grã-Bretanha dois

monges, Teodoro de Tarso, arcebispo de Canterbury (669-690) e seu companheiro Adriano foram expoentes culturais;

- ALCUINO (+804), era Inglês, formado na escola catedrática de York, a partir de 782 Carlos Magno conservou-o no império como amigo (do monarca) e mestre da escola palatina. Herdou a tradição científica de Beda, levando à França os métodos e os conhecimentos escriturísticos e profanos dos anglosaxões. Era grande compilador. Corrigiu a Vulgata publicando frequentes manuscritos. Depois de ter sido uma espécie de “Ministro da cultura”, a partir de 796, com o consentimento de Carlos Magno, retirou-se ao mosteiro de S. Martinho de Tours, onde também foi abade.

c) Reforma dos Cistercienses

Os Cluniacenses perderam o prestígio devido ao afastamento da regra de São Bento. A riqueza e a ociosidade, junto com o ritualismo litúrgico foram esvaziando a vida interior. “O cansaço da oração impedia o jejum”. O excesso de oração impedia o trabalho. “Afanosos de ter numerosos oficiantes e magnifíciso coros abriram mão das normas, acolhendo crianças no mosteiro, após uma ou duas semans de noviciado.

Os Cistercienses retomam a regra de São Bento para corrigir abusos que provocaram a queda de Cluny. Bernardo de Claraval é o personagem central desta reforma que iniciou com Roberto de Molesne.

- ROBERTO DE MOLESNE , abade beneditino na diocese de Langres, a fim de restabelecer a austeridade beneditina das origens,.deu início a reforma. Em 1098, reagiu, reunindo alguns monges e retornando à regra antiga. Funda um mosteiro reformado na solidão de Cister: observância rigorosa da pobreza, inclusive na decoração das igreja. É o ponto de partida de Ordem dos Cistercienses. O entusiasmo inicial não foi muito co-envolvente. Alguns desistiram. Alguns foram vítimas de uma peste em 1111. Mas, surpreendentemente, em 1112 apareceu BERNARDO DE CLARAVAL, com 30 jovens (sendo 4 seus irmãos) para garantir a reforma. Em 1115, com 12 monges, assumiu a abadia de Claraval.

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- BERNARDO DE CLARAVAL possui extraordinária capacidade de expressão oral e escrita. Escreve para as cortes, para os Concílios, para as universidades da França, da Itália e Alemanha. Propagou e animou a 2ª Cruzada: “Não foram muitos os que entenderam o que ele disse, mas arrastou a muitos com sua persuasão” (cf. BAC 104, 638-646). No “século de ferro, era o perpétuo doente; num século ávido de riquezas, foi a voz dos pobres”. “Os nus e os famintos gritam e perguntam: que faz esse ouro no freio de vossos cavalos? Quando o frio e a fome nos atormentam, que fazem essas vestes de reserva penduradas em guarda-roupas? São nossos os bens que dissipais, e aquilo que vós despendeis em vaidades nos é cruelmente subraido” (Bernardo - cf. PIERRARD, P. A Hist. da Igreja, 102-104).

Os cistercienses não podiam aceitar domínios em benefício, nem servos, nem dízimos. Deviam viver dos trabalho cultivando eles mesmos a terra. As granjas eram distantes um dia de viagem. Eram cultivados pelos monges dispensados do coro (conversos), que retornavam à comunidade no sábado.

A Regra: A “Charta charitatis” de Bernardo foi aprovada pelo papa Calisto em 1119. É um meio termo entre o isolamento dos primeiros mosteiros e a centralização cluniacense. O abade de Cister assessorado por quatro abades dos primeiros mosteiros supervisionam a ordem através da visita anual a todos os mosteiros, cuja prestação de contas aparece no capítulo anual. No capítulo anual participam todos os abades próximos. Os mais distantes participam cada 2, 3 ou 5 anos. A regra cisterciense recuperou da regra de São Bento tudo o que se refere ao corpo (Cluny havia ignorado isto salientando o que se refere ao espírito).

Bernardo “renunciou” à atividade científica, embora pessoalmente estivesse muito fora do mosteiro, por motivos de conferências, debates, escrevia muito e fazia muitas pregações. Os cistercienses dependem do bispo local. Não quiseram “Isenção”. Em contraposição às igrejas artísticas de Cluny, organizaram um estilo próprio de arquitetura caracterizado pelas ogivas, sem torre, sem mosaicos, sem adornos. Voltaram à simplicidade. Os castiçais, cruzes e tudo o que se refere ao culto não são de ouro e prata como em Cluny, mas de ferro fundido e cobre.

As Monjas Bernardinas tiveram o primeiro mosteiro em 1120. A irmã de Bernardo, Santa Humbelina e uma parente, Santa Ascelina são as primeiras.

* * *

V - AS FERIDAS DA IGREJA (cf. Nova História da Igreja, 95-113)

5.1 - MAOMÉ E OS ÁRABES (para este tema, cf. MATOS, H., Introdução à Hist..., 59; DREHER, M. A Igreja no mundo medieval, 33-36).

No período medieval ocorrem grandes mudanças no Oriente. Por volta de 610 d.C., Maomé inicia, na Arábia, sua pregação, afirmando ter recebido uma missão celeste: a revelação de um Deus único (monoteísmo), ao qual todo crente (“muçulmano”) deve submeter-se (Islã). Suas visões são contidas num Livro Sagrado: Alcorão.

Maomé realiza uma gigantesca obra de unificação religiosa e política, apelando também às forças das armas (guerra santa). A divisão interna do mundo cristão no Oriente (heresias) facilita a penetração do islamismo.

ISLAMISMO: “A cruz e a meia-lua”

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MAOMÉ (571-632). Inicia a era islâmica em 622 com a Égira = fuga de Maomé para a cidade de Medina, partindo de Meca. Em 638 Omar conquista Jerusalém e Antioquia. Logo o Islã conquista todo o Norte da África. Em 711 passa o estreito de Gibraltar e entra na Espanha (“mouros”). Em 718 ultrapassa os Pirineus e invade a França. Em 732 são vencidos por Carlos Martelo na batalha de Poitiers. Carlos Magno estabelece a “Marca Espanhola” entre os Pirineus e o Rio Ebro (cf. BIHLMEYER 2, &98,1; BIHLM. 1, &45).

O sínodo de Córdoba proibiu os cristãos de testemunharem a própria fé publicamente diante das autoridades islâmicas, sem serem convocados. Esta medida quis desestimular os fanáticos cristãos que buscavam o martírio.

O Império romano passou do judaísmo ou do paganismo ao catolicismo; depois para o arianismo; voltou ao cristianismo; foi tomado pelo islamismo e, por fim, voltou ao cristianismo. Como situar estas “ondas religiosas” e algumas consequências decorrentes?

HERÁCLIO (imperador de 610-641), filho de Heráclio, exarca de Cartago, destituiu o imperador Foca, do Oriente, em 610. Combateu os persas reconquistando a cruz de Jerusalém em 628; lutou contra o islamismo e impediu a queda de Constantinopla. O que significou tudo isto para o cristianismo?

CONSEQUÊNCIAS DA EXPANSÃO ISLÂMICA

- No Egito, na Palestina, na Síria e na Ásia Menor foi abafado o florescente cristianismo (até nossos dias somente ruínas recordam o cristianismo anterior ao furação islâmico);

- Foi cortada a ligação entre Oriente e Ocidente permitindo o desenvolvimento de muitas formas particulares de teologias, liturgias e tradições “fechadas”;

- O campo da ação da Igreja limitou-se ao Ocidente. As energias espirituais voltaram-se quase exclusivamente para dentro da Igreja (a Igreja voltou-se sobre si mesma, perdendo a característica de missão);

- Os lugares santos da Palestina passaram às mãos dos maometanos.“Guerras santas” são o meio adotado e justificado pelos islamitas para propagar sua religião.“Cruzadas” foram a resposta que os cristãos encontraram com a mesma finalidade:

“Reconquistar para Deus aquilo que é sua obra” (justificativa para as Cruzadas: Deus criou o mundo e o deu aos cristãos. Os cristãos devem fazê-lo retornar a Deus).

- Com os árabes chega ao Ocidente a cultura Aristotélica misturada com a filosofia árabe-judaica. A universidade de Paris foi o campo de batalha onde o cristianismo triunfou. Foram grandes protagonistas Sto. Alberto magno (1193-1280) e seu discípulo Tomás de Aquino (1225-1274).

O maometismo será durante todo o período medieval o grande e temido adversário do cristianismo. Contra ele se organizam expedições religioso-militares, conhecidas como “Cruzadas”, tanto na Terra Santa como na Península Ibérica (a “Reconquista cristã” que se estenderá até 1492).

5.2 - A CRISE ICONOCLASTA (cf. MATOS, H., Introdução, 61; Nova Hist. da Igreja, II, 95-106; FISCHER-WOLLPERT, Léxico dos Papas, 245).

Outra questão que perturba profundamente o Oriente cristão nessa fase da História é a luta contra ou a favor das imagens religiosas (“ícones”). O uso das imagens na Igreja é muito antigo. Por volta do ano 440, no tempo de São Cirilo, em Alexandria, já se discutia sobre o culto às imagens. Gregório Magno repreendeu o Bispo de Marselha por ter destruído duas imagens, dizendo: “não destruir, mas explicar o sentido”.

No século VII, o culto das imagens estava muito difundido. O sentido dado às imagens era bem diverso, no Ocidente e no Oriente.

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No Ocidente, as imagens e pinturas serviam de catecismo para os analfabetos. Daí a intensa obra epigráfica, deixada nas catacumbas. São catequeses bíblicas, em forma de desenhos e pinturas. Tinham um sentido pedagógico. Eram usadas para conseguir uma certa concentração.

No Oriente, as imagens tinham grandíssima difusão. Havia todo um artesanato desenvolvido em torno da fabricação de imagens. A iconografia exercia uma verdadeira função social e política. Muitos trabalhavam no artesanato, fabricando imagens; outros faziam o comércio e disso viviam.

Mas havia muito exageros: as imagens eram usadas como padrinhos e madrinhas de batismo. Também raspavam o pó das imagens e o colocavam no cálice da Eucaristia, falando de uma “comunhão reforçada, com o mérito dos mártires”.

Afinal, surgem acusações no sentido de superstição e desvio teológico. Alguns imperadores procuram “purificar” a religião, iniciando uma campanha iconoclasta (destruição das imagens). O povo cristão, apoiado pelos monges, reage fortemente. Aos poucos os governantes percebem que é inútil opôr-se à vontade do povo, para quem os ícones são como “sermões silenciosos” e meios de os iletrados se aproximarem dos mistérios da fé. Apesar de se chegar a um certo consenso, inclusive com a fixação de normas teológicas para a representação das imagens sacras, a querela iconoclasta deixou profundas marcas na sociedade.

LUTA DO IMPERADOR LEÃO III COM A IGREJA

Não se sabe ao certo qual o motivo dessa súbita raiva às imagens. Talvez quisesse converter os muçulmanos ou algum grupo de judeus. Talvez fosse simples represália ao Papa, ou para demonstrar seu poder sobre a Igreja. Pessoalmente, alegou que se tratava de cumprir o preceito bíblico, baseado em EX. 20,4.

Em 726, Leão III começou a lutar contra as imagens sagradas. A princípio, não queria tanto a sua destruição, mas que fossem escondidas e que desaparecessem dos lugares públicos. (No mesmo ano também publica as Ekloge: normas do direito privado e penal, onde prevê penas corporais como: corte do nariz, da língua, mão, cabelos, cegueira; muitas vezes essas penas substituiam a pena de morte).

O culto às imagens era o que havia de mais caro para o povo. Por isso mesmo, no Oriente, diante do conflito iniciado pelo imperador Leão III, formaram-se logo dois partidos: a) Pró imagens: povo simples, o artesanato e alguns monges, especialmente os que tinham mais contato com o povo; b) Contra imagens: o Imperador, com seu exército, e os monges mais intelectuais (teólogos).

Diante das medidas imperiais, o povo reagiu e deram-se várias rebeliões. A destruição de uma imagem de Cristo, sobre a porta do palácio imperial, especialmente venerada, provocou grandes tumultos e até uma insurreição em Constantinopla. Então o imperador substituiu a imagem de Cristo por uma Cruz.Mas sua ação iconoclasta prosseguiu.

Em 730 emana o 1º Edito contra as Imagens. Assim como o imperador Justiniano (sinfonia entre poder temporal e espiritual), queria o consenso de Germano, Patriarca de Constantinopla. Para ele a encarnação é a legitimação para a representação de Cristo. Germano recusou-se assinar dizendo: “Sem um Concílio Universal é impossível mudar a fé”. É demitido e sai de cena. Seu sucessor Anastácio assina o Edito. A partir daí as Ícones são destruídas e seus defensores perseguidos.

Leão III viu que precisava do apoio dos germânicos e do Papa para que sua causa fosse vencedora. Escreveu, então, ao Papa Gregório II, prometendo dispensá-lo dos impostos, se o apoiasse na luta contra as imagens. Em caso contrário, marcharia sobre Roma; a imagem de São Pedro seria destruída e o Papa seria deposto.

O Papa, na certeza que os germânicos estavam com ele, pois eram muito devotos de São Pedro e cultuavam muitas imagens de santos, responde com duas cartas ao Imperador onde:

- renova a doutrina do papa Gelásio, dintinguindo poder espiritual (do Papa) e poder temporal (do Imperador). Insiste em dizer que o Imperador não se deve ocupar das questões teológicas da Igreja;

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- manda o Imperador apresentar-se diante das crianças e dizer que ele era o Imperador, destruidor de imagens!

No Oriente, depois de Germano, não existia outro defensor das imagens. Todos deviam calar por causa do Edito. O teólogo João Damasceno ou João de Damasco (650-750), que vivia sob a região dos árabes podia escrever livremente. Então, publica três escritos em defesa das imagens. Ele quer organizar sistematicamente o culto das imagens. (Ídolo = É ídolo dos pagãos; Ícone = É imagem de Deus; o Verbo encarnado).

Os iconoclastas usavam sempre EX. 20. João responde que não se pode mais tomar um caso do Antigo Testamento. Esta proibição não é mais válidade depois da Encarnação de Cristo. As narrações do A.T. são um sinal do futuro. Com Cristo tudo muda. Compara a Imagem com a idéia platônica. As imagens são somente a representação do arquétipo. Diz que Deus fez de si uma imagem através de seu Filho (encarnação). Faz a distinção entre o conceito de adoração e veneração. Ele antecipa a definição do IIº Concílio de Nicéia (787). (4 de dezembro é a festa de S. João Damasceno).

O novo Papa Gregório III (731-741) fez celebrar um sínodo em Roma e excomunga os “iconoclastas” (destruidores de imagens). Em resposta o imperador bizantino confiscou os territórios e as rendas que a Igreja possuia no sul da Itália e na Sicília, e separou todo o Oriente da Igreja de Roma. Apesar da forte oposição do Papa, o Imperador prosseguiu na sua ação iconoclasta.

CONSTANTINO V (741-775), novo Imperador

Filho e sucessor de Leão III. Com ele acirra-se a controvérsia iconoclasta. É o apogeu da iconoclastia. Para ele o iconoclasmo é uma questão política. (Seu sobrenome é Anedoto. Conta-se que no dia do seu batismo (imersão) “sujou” a fonte batismal). Mas seu poder ruiu na Itália. E como o Imperador não podia mais defender a Itália e também por causa da iconoclastia, então o Papa se dirigiu aos Francos (Pepino).

O Imperador Leão III procurou proceder com decretos contra a Iconoclastia. Constantino V procede com Sínodos. Em 754, convocou um Sínodo em Hieréia, perto de Constantinopla (338 bispos), sem a participação de Roma, Alexandria, Antioquia e Jerusalém, e excomungou e ordenou perseguição a todos os defensores e veneradores de imagens; ordenou a destruição de todas as imagens de culto; fundou 9 dioceses com bispos hostis às imagens; e fez muita propaganda para ganhar o povo. No lugar das imagens de Cristo colocava a Cruz, É incentivado o culto da Cruz e das relíquias.

Sua intenção talvez tenha sido reta? Queria abolir abusos na Igreja? O Imperador sabia, por experiência, como as tendências heréticas haviam favorecido o avanço do Islã na Síria e Egito, diminuindo a resistência cristã. Além disso, o Império Bizantino necessitava de tranquilidad e com a aproximação dos maometanos e a pressão dos Búlgaros nas fronteiras setentrionais

A alma das Imagens eram os monges. Então, eles são obrigados a prestarem o serviço militar. Muitos são mortos; mosteiros são fechados; bens confiscados; e muitas migrações.

Esse Sínodo ou Concílio foi declarado ecumênico somente por parte dos iconoclastas. Em 769, o papa Estêvão III não reconhece o Sínodo porque nem o Papa e nem o Imperador estavam presentes, e lançou um interdito sobre os participantes do Sínodo.

A IMPERATRIZ IRENE E O IIº CONCÍLIO DE NICÉIA (787)

Constantino V morreu na batalha contra os Búlgaros (775). Seu sucessor Leão IV foi fraco e morre em 776. Sua esposa Irene (776-802) assume a regência, em lugar de seu filho Constantino VI, com apenas 10 anos (Em 797 o fará cegar para afastá-lo da sucessão ao trono, e o assassina na sala de púrpura, onde havia nascido ha 27 anos passados). Se torna a primeira Imperatriz da história. Ela é favorável às imagens. Foi prudente contra os iconoclastas, e percebeu que a anulação das decisões do Sínodo de Hieréia devia dar-se com um outro Concílio. Conseguiu um acordo com

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o papa Adriano I (772-795) para realizar um Concílio geral, a fim de tratar dessa questão tão polêmica.

Elege como Patriarca de Constantinopla, um leigo da sua corte, Tarasio, favorável as imagens. O envia ao Papa para fazer uma profissão de fé a favor das imagens. O Papa responde dizendo não ter gostado muito da maneira da eleição não canônica; eleição de um leigo; e o título de Patriarca Ecumênico que se atribui a ele. Mas o Papa aceita e quer realizar esta aliança com Irene.

Em 787 foi realizado o Concílio de Nicéia, com a presença dos representantes da Igreja de Roma, além de 350 bispos orientais, presidido pelo Patriarca de Constantinopla. As decisões de Nicéia permanecem a base para todas as imagens. Neste Concílio define-se tudo, mas as controvérsias continuarão.

Decisões do IIº Concílio de Nicéia: Anulou todas as decisões do Sínodo de 754; o iconoclasmo foi declarado herético; ordenou a destruição de todos os escritos iconoclastas; restaurou o culto das imagens. O culto das imagens ficou assim definido:

- Culto de Latria (adoração): só a Deus e ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia;- Culto de Dulia (veneração): aos santos, enquanto modelos a serem imitados; - Culto de Hiperdulia (veneração especial): a Nossa Senhora, pela importância que teve a Mãe de

Deus.

Reações e Novas Controvérsias

O breve período de paz que se seguiu ao Concílio de 787, foi logo interrompido. Surgem reações. Esse Concílio não foi aceito por Carlos Magno (francos) que se sentiu

traído, considerando que o Concílo tinha rompido a ortodoxia. Com a ajuda de seus conselheiros, Alcuíno e Teodulfo, resolveu apresentar uma refutação ao suposto erro dos orientais. Na verdade, Carlos Magno recebeu uma ata maltraduzida e cheia de erros, parecendo até mesmo afirmar o contrário do que o Concílio tinha defendido. Carlos sentia-se defensor da fé. Então convocou, em 794, um Concílio em Frankfurt, para combater a presente heresia (para anular Nicéia). Foram escritos os famosos Libri Carolini, condenando todo e qualquer tipo de imagem. O Papa Adriano I recusou-se a ratificar a decisão de Frankfurt, mas também começou a hesitar em aceitar a definição de Nicéia. Mais tarde, Lutero e os iconoclastas da Reforma a assumem e a divulgam, defendendo a mesma causa.

Para os Bizantinos o trono estava vazio (uma mulher). O déficit público aumentou muito e o exército era fraco. Em 802 Irene foi deposta. Com o Imperador Miguel I, em 812, a coroação de Carlos Magno é reconhecida. Pela primeira vez acontece o reconhecimento da existência de dois impérios. Miguel I é deposto em 813. Assume Leão V. A doutrina iconoclasta ressurgiu ainda uma vez em 813, já com menos violência. Era dirigida especialmente aos monges.

Só em 843, quando outro Sínodo, reunido em Constantinopla, por iniciativa da Imperatriz Teodora (regente do filho Miguel III), iniciou a pacificação e a restauração definitiva do culto das imagens. Esse fato é ainda hoje comemorado nas igrejas ortodoxas, no primeiro domingo da quaresma, com a Festa da Ortodoxia. Assinala a paz finalmente restabelecida.

A partir de então os ícones não serão mais contestados. A Igreja e o povo tinham triunfado sobre os desejos imperiais. Contudo, mosaicos e pinturas devem ser executados de acordo com rigorosos princípios teológicos: eles inscrevem nas paredes das igrejas a hierarquia descendente que vai do Cristo pantocrator (todo-poderoso) da cúpula aos santos da parte inferior das capelas.

5.3 - A QUESTÃO DE FÓCIO (cf. BIHLMEYER-TUECHLE, Hist. da Igreja II, 109-116).

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Em 843 ocorre o fim da luta iconoclasta. Mas não significou paz. Os monges mais vezes retornarão sobre o problema. Uma das consequências dessa luta foi o fortalecimento da união entre Igreja e Estado, e também uma aparente aproximação dos patriarcados. Embora não houvesse discrepância quanto às verdades fundamentais da fé, existiam muitas discórdias. Muito antes das divisões, a Igreja Oriental e Ocidental tinham vida independente.

Existiam uma série de incompreensões acumuladas entre Roma e Constantinopla:- A coroação imperial de Carlos Magno, em 800, considerado “bárbaro”;- Roma não tinha aceito o Cânon 28 de Calcedônia (primado sobre o Oriente);- Constantinopla estava ressentida com a atuação dos teólogos latinos (francos) e de suas polêmicas contra o

Concílio de Nicéia II;- Roma não havia aceitado o alargamento do território de Constantinopla abrangendo a Bulgária, a Grécia, a

Sicília e Itália meridional;- Roma estava desgostosa porque os patriarcas de Constantinopla se designavam de “ecumênicos”.

Em 813, Miguel, o Armeno, por matar o imperador Miguel I assumiu o trono em Bizâncio. Destruiu a família do predecessor. “Niceta” (Inácio), filho do predecessor, graças ao seu encanto e finíssima educação foi castrado e forçado a ser monge.

Com a imperatriz Teodora e o filho Miguel (menor), foi eleito Metódio, o novo Patriarca de Constantinopla. Com sua morte, INÁCIO foi elevado ao patriarcado.

Enquanto BARDA, irmão da imperatriz e tio de Miguel III vivia à sombra do trono, tudo foi bem. Quando Miguel se torna maior, em 856, Barda alia-se a Miguel contra a Mãe (irmã) Teodora. Foi exilada e obrigada a tomar o véu de monja. Inácio negou-se a consagrá-la (pois ela não queria). Na epifania de 858, dando ouvido à vozes que circulavam sobre a conduta moral de Barda, Inácio, recusou-lhe publicamente a comunhão. Por isso foi obrigado a abdicar.

Fócio, leigo, é eleito.como Patriarca. Em cinco dias recebeu todos os sacramentos. Foi consagrado bispo antes do Natal de 858. Os monges, porém, continuavam apoiando Inácio. Fócio era eunuco, mas muito dotado, erudito e capaz. Já fora primeiro secretário de estado de Miguel. Um ano após a nomeação, Fócio convocou um sínodo que depõe novamete Inácio. Fócio pede ao Pontífice a nomeação de uma delegação para condenar novamente a heresia iconoclasta. (Era esperteza. Se o Papa atendesse estaria confirmando automaticamente Fócio no patriarcado).

O Papa Nicolau I (858-867) tratou Fócio como leigo, reconhecendo Inácio como legítimo patriarca. Escreveu 3 cartas: uma a Fócio; uma circular aos cristãos; uma ao Imperador Miguel III.

O Imperador, aconselhado por Fócio e Bardas, convocou um concílio (861), em que os legados papais foram obrigados a assinar os decretos. O próprio Inácio foi obrigado a declarar-se culpado. Foi condenado à cegueira e ao corte da mão direita. Mas fugiu. Um Concílio (863) em Roma condenou um dos legados presente e foi deposto de toda a dignidade. Excomunga Fócio. Declara Inácio patriarca legítimo (É a afirmação do Primado Papal). Em 864, Fócio excomunga o Pontífice.

Com a evangelização dos povos Eslavos, por obra de Cirilo e Metódio, e com a cristianização da Bulgária, o influxo de Roma chega até as portas de Constantinopla.

Em 867, Fócio reage escrevendo uma encíclica aos outros Patriarcas do Oriente: a “encíclica de Fócio”. Ele julgava ter poder sobre eles pelo fato de ser patriarca ecumêmico. Faz acusações aos sacerdotes latinos: exigem dos Búlgaros o jejum ao sábado; consideram inválida a crisma que não é feita pelo bispo; discriminam os sacerdotes legitimamente casados. Convoca um sínodo e excomunga novamente o papa Nicolau I. Neste mesmo ano Nicolau I morre e também acontece um golpe de estado. Miguel III decidiu a morte do tio Barda. Para isto contratou Basílio. Em troca viu-se obrigado a associá-lo no governo. Ambos depuseram Fócio. Inácio voltou após nove anos de exílio. Basílio assassinou Miguel III. O novo imperador passa a ser Basílio I (867-886). Inácio morreu em 878. Fócio foi, então, chamado do exílio.

Papa Adriano II (867-872) acerta com o imperador a realização de um Concílio.

IVº CONCÍLIO ECUMÊNICO DE CONSTANTINOPLA (869-870)

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Para a Igreja Ocidental é considerado o 8º Concílio Ecumênico. A Igreja Oriental não considera como Concílio Ecumênico.

Fócio pôde comparecer no Concílio para defender-se, mas é condenado. Decisões do Concílio:

- Excomungou Fócio e seus partidários; sua ordenação episcopal foi declarada falsa, e todos aqueles que foram ordenados por ele;

- Reconfirmou Inácio no Patriarcado;- O Concílio fixa (can. 21) a ordem de precedência dos patriarcados: Roma, Constantinopla, Alexandria,

Antioquia e Jerusalém;- Reafirma-se de novo que a veneração das imagens está autorizada (can. 3).Os Búlgaros que a tempo desejavam um arcebispo de Roma, não estavam ganhando. Então

eles se aproximam de Constantinopla. Existe uma discussão na Igreja Búlgara e decidem que devem pertencer ao Patriarcado de Constantinopla, porque mais próximo. Roma reagiu e continuou a reinvindicar seus direitos sobre a Bulgária. Ameaçou o Patriarca Inácio. Mas não teve efeito porque ele morre em 877. Então Fócio reaparece.

Roma foi obrigada a aceitar um outro Sínodo em Constantinopla. Mas agora para reabilitar Fócio. Em 879-880 um Sínodo, do qual participam os legados do papa, reconhece Fócio como patriarca legítimo. O Papa João VIII é assassinado em Roma (esse Papa, em 873, numa carta dirigida aos príncipes da Sardenha, condena o comércio de escravos: os prisioneiros vendidos pelos gregos, devem ser libertados; é pecado grave mantê-los em escravidão). Em 886, com a morte de Basílio I, acabou a fase de Fócio. O novo imperador, Leão VI, em 886, depõe Fócio. Fez isso para conferir a dignidade patriarcal ao irmão Estêvão, de 16 anos de idade. Fócio foi relegado a um mosteiro onde morreu em 892. Os Eslavos o veneram como santo.

Visualização da sucessão dos Patriarcas Inácio e Fócio

INÁCIO FÓCIO- Chamava-se Niceta. De família real trucidada. Foi poupado, evirado e confinado num mosteiro com o nome de Inácio.- Patriarca de 847 a 858.....................................................- Reintegrado 867-878 (morre).

- Nasceu em 820. Foi professor de filosofia no palácio real de Constantinopla, sob a regência de Teodora (843-858).- Patriarca de 858-867. Deposto por Basílio I.........................................................- Reintegrado em 878-886. Deposto por intrigas pessoais com o imperador. Morre em 892

O cisma deve ser interpretado como um confronto entre duas concepções da natureza da Igreja:- Concepção bizantina-constantiniana: sustentada pelo conceito da Pentarquia dos Patriarcados;- Concepção romana: caracterizada pela consciência do Primado da Santa Sé.

5.4 - O CISMA DE 1054: a ruptura entre a Igreja Latina e a Igreja Grega(cf. COMBY, J., 131-134; MATOS, H., 62; BIHLMEYER-TUECHLE,114-116).

As cristandades do Oriente e do Ocidente se distanciam cada vez mais uma da outra. Cresce uma mútua desconfiança, cujas causas são múltiplas: motivos políticos (rivalidades entre as sedes de Roma e de Constantinopla); motivos culturais (pretensões de superioridade cultural) e motivos litúrgico-doutrinais (divergências sobre ritos e formulações do conteúdo da fé) (cf. COMBY, J., 131).

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Os desentendimentos chegam ao auge quando, em 1054, o delegado do Papa, enviado a Constantinopla para tentar uma reconciliação, excomunga Miguel Cerulário, Patriarca da Igreja do Oriente. Este, por sua vez, responde com gesto idêntico. Surgem assim a lamentável separação das duas cristandades e nasce a Igreja Cristã ortodoxa, existente até os nossos dias. As excomunhões foram tiradas em 1965 pelo Papa Paulo VI e o patriarca Atenágoras.

A Igreja “ortodoxa” (= da verdadeira fé) compreende aquela parte da cristandade do Oriente que, a partir do século XI, mantém ao lado da Igreja católica romana, uma liturgia própria. Ela se autodenomina Igreja ortodoxa, católica e apostólica do Oriente. Ela não possui unidade organizacional. Constitui uma união de Igrejas autônomas (autogovernadas), que vêem sua unidade na fé comum e na caridade mútua. O órgão supremo é o sínodo episcopal pan-ortodoxo. O Patriarca de Constantinopla exerce, como patriarca ecumênico, um primado de honra.

SITUAÇÃO DA EUROPA E DO PAPADO NO SÉCULO XI

Na morte do Imperador Otão III (983-1002), Arduino se torna rei da Itália, e Enrique II (1002-1024) rei da Alemanha. Henrique II desenvolveu até as últimas consequências o SISTEMA TEOCRÁTICO. É o apogeu da coesão entre poder estatal e eclesiástico. Comportou-se como patrão de tudo. Ele foi tolerado porque, contemporaneamente, promoveu uma verdadeira reforma da Igreja. Com ele e Henrique III, a teocracia chega ao ápice.

Em Roma se sucedem 3 papas romanos, por graça da família dos Crescêncio: João XVII, João XVIII e Sérgio IV. De 1012 em diante seguiu o domínio dos Condes de Túsculo e os papas Tusculanos. Estes deram os postos mais influentes a seus familiares.

BENTO VIII (1012-1024): Para evitar a influência de famílias poderosas e contar com pessoas de confiança, colocou seu pai como prefeito naval e seu irmão Romano (futuro João XIX) como administrador da cidade com o título “Cônsul e senador dos romanos”. Em 1014, por ocasião da coroação de Henrique II como imperador e de sua mulher Cunegundes, é reconhecido pelo imperador como papa legítimo (em 1012 - Gregório VI - antipapa). O Papa então, da o poder ao imperador de controlar a eleição dos futuros papas. Em 1024, morre o papa e também o imperador (Henrique e Cunegundes são canonizados em 1146). Ao imperador sucede Conrado II (1024-1039); a este sucede o filho Henrique III (1039-1056). Henrique III era profundamente religioso. Encarnava o carater sacro do império. Sentia-se uma autoridade eclesiástica. Aumentou a investidura: aos novos bispos deu não só o Pastoral, mas também o Anel.

JOÃO XIX (1024-1032): Como seu irmão acima, também era leigo (recebe todas as ordens em um só dia). Foi eleito utilizando o expediente da simonia. Com a elevação ao papado concentrou em suas mãos o poder religioso com o poder civil que já possuia.

BENTO IX (1032-1048): É sobrinho dos dois irmãos acima. Pagou mil liras de prata para comprar o papado. Ele tinha então 12 ou 18 anos. Consta nos anais três vezes como papa. Foi pessoa indigna. Superou as depravações morais do próprio João XI (filho de Marózia). “Foi ladrão e assassino” disse o papa Vitor III (1086-1087), e “me envergonho de falar da vida leiga deste meu antecessor”. “Seu papado tocou o fundo da decadência moral” (Gregorávius). No final de 1044 uma revolta popular em Roma substituiu Bento IX por Silvestre III (família dos Crescêncio).

Em 1045 Bento IX re-entrou em Roma. Expulsou Silvestre III e continuou o 2º papado. Disse estar disposto a renunciar, mas reavendo o dinheiro gasto em sua eleição. “21 dias após, pensando em casar, “vendeu o trono” a Gregório VI, pelo mesmo preço que pagou em 1032. (Parece que Gregório VI, bom presbítero, comprou o papado como única forma de tirar Bento IX deste posto que não honrava). Assim temos 3 papas.

O SÍNODO DE SUTRI

Em 1046 veio à Itália o imperador Henrique III com a finalidade de colocar ordem na Igreja. Em Pavia convocou um Sínodo onde condenou a simonia e voltou a instituir o celibato para os clérigos, por motivo econômico, já que os filhos dos padres eram os herdeiros das Igrejas e

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muitas vezes as secularizavam. Próximo a Roma, convocou o Sínodo de Sutri que depôs os 3 papas em circulação. Gregório VI presidiu o sínodo.

SÍNODO DE SUTRI (1046) depôs o papa Silvestre III. Este aceitou a situação. Terminou seus dias num mosteiro. O Sínodo nada fez para Bento IX porque estava ausente e porque havia renunciado ao papado. O Sínodo pediu explicações a Gregório VI. Este, sentindo-se acusado de simonia, perguntou à assembléia se concordava com a sua demissão. Esta responde: “se estás de acordo tu, nós concordamos”. Demitiu-se. Vai à Alemanha. O acompanhou um jovem clérigo romano, Ildebrando, futuro papa Gregório VII. O Imperador designa o candidato à eleição papal. Foi eleito um bispo alemão, Clemente II (1046-1047).

Bento IX retomou a sede vacante de novembro de 1047 a julho de 1048, quando renunciou definitivamente aconselhado por São Bartolomeu. Arrependido das licenciosidades de sua vida fez-se monge em Grottaferrata (próximo a Roma).

Há três versões referentes ao Sínodo de Sutri: a) o Imperador demitiu o papa; b) O Sínodo demitiu o papa; c) O papa renunciou. Esta seria a versão mais plausível segundo os últimos estudos.

Juízo dos historiadores sobre Sutri: as fontes contemporâneas falam todas de simonia.Intenções de Henrique III: o Imperador pensava somente em fins políticos; sua vontade seria de reformar a

Igreja, por isso usou dois meios: a) liberar a Igreja romana da ingerência dos senhores romanos; se faz dar a dignidade de “patrício romano” para designar ele mesmo os papas (fez 3 vezes); b) escolha exclusiva de bispos alemães como candidatos para a Santa Sé. Mas eleito o Papa, deixou plena liberdade de ação.

Considerações finais: O modo de agir de Henrique III em Sutri dependia da ideologia fundamental da Idade Média: o agostinismo político. Na Cidade de Deus de Agostinho os reinos cristãos eram muito identificados com o reino de Deus.

Dois aspectos do Sínodo de Sutri: - auge da política teocrática dos imperadores;- reação a esta política e início da diastase.

REFORMA DA IGREJA, após 1046

Após a morte de Clemente II, em 1047 (eleito no Sínodo de Sutri, em substituição a Bento IX, Silvestre III e Gregório VI), os próximos três papas foram eleitos nas dietas imperiais da Alemanha. São eles: Dâmaso II (papa por 23 dias); Leão IX e Vitor II (que foi tutor de Henrique IV). Os novos Papas alemães possuem fama de reformadores: luta contra a simonia e nicolaitismo.

LEÃO IX (1049-1054) era parente de Henrique III. Requereu a eleição canônica do clero e a aclamação do povo de Roma. Assessorou-se de importantes personalidades religiosas colocando as bases para o colégio dos Cardeais que surgirá 50 anos após.. Chamou Hildebrando (futuro Gregório VII), Humberto da Silva Cândida, Federico de Lorena (futuro Estêvão IX).

Inovações de Leão IX: - bases do futuro colégio cardinalício; Sínodo anual em Roma; muitas viagens e reuniu sínodos locais.

Três momentos do seu pontificado:

1) Reforma da Igreja:- Luta pela eleição canônica (Sínodo de Reims, 1049): “Ninguém pode assumir o governo

de uma Igreja sem ter sido eleito pelo clero e pelo povo”;- Luta contra o nicolaitismo (matrimônio dos eclesiásticos): proibiu os fiéis de receberem a

comunhão de padres incontinentes. Reduziu as “mulheres dos padres” ao estado de servas no palácio de Latrão;

- Empenhou-se para fazer crescer o Primado Romano.- Luta contra a simonia: Ocorrem muitos processos contra bispos e padres simoníacos;

questão da validade do sacramento ministrado por um simoníaco. Pedro Damião considerava válido; Humberto da Silva Cândida considerava invalido. O papa era propenso a este último, então eram depostos e reordenados.

SIMONIA = . Compra e venda de sacramentos, bens ou ofícios eclesiásticos;. Compra da dignidade eclesiástica com a prestação de serviços ou favores;. Penetração em ofícios eclesiásticos mediante intercessão de algum potente.

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Simonia vem de Simão Mago dos Atos dos Apóstolos 8, 18. Queria comprar de Pedro o Espírito Santo com uma soma de dinheiro.

2) Política contra os Normandos:Desde o séc. X os Normandos, voltando de uma peregrinação à Palestina, pararam na região

da Púlia, sul da Itália. Sendo valentes guerreiros, foram contratados por grandes proprietários. Reconhecendo sua força, passaram a conquistar territórios. Em 1042 Guilherme declarou-se Conde de Púlia. Em 1047 conquistaram o ducado de Benevento. Em 1050 o Papa Leão IX recebeu a homenagem vassalítica dos normandos. Como se tornassem perigosos, Bizâncio, Leão IX e Henrique III uniram-se contra os Normandos. Henrique estava de acordo, mas seu tutor (futuro Papa Vitor II) sendo contrário, não lhe enviou exército. O Papa, com um pequeno exército, foi vencido pelos Normandos e aprisionado por nove meses em Benevento. Morreu em abril de 1054 após a libertação condicionada por dinheiro e “comunhão”, e o reconhecimento das conquistas normandas.

3) O Cisma com a Igreja Oriental (1054)

Humberto da Silva Cândida - personagem central do Ocidente;Miguel Cerulário (Patriarca de Constantinopla) - personagem central do Oriente.O afastamento recíproco era muito antigo e por demais profundo. A situação era tensa e um

infeliz incidente era o bastante para transformar a cada instante o cisma que existia latente, numa dissidência aberta e definitiva.

Desde 1009 o nome do Papa não aparecia mais nos “dittici” de Constantinopla. “Dittici” eram elencos de nomes dos vários patriarcas vivos e falecidos lidos nas celebrações como expressão de comunhão. A omissão de um nome significava a quebra de comunhão (no caso com a Igreja de Roma). Talvez a omissão se deve à disputa do “Filioque”. Miguel Cerulário, Patriarca de Constantinopla, impôs o rito bizantino à Armênia (conquistada por Bizâncio). A Armênia conservava alguns costumes da Igreja Latina: pão ázimo, jejum sabático, omissão do aleluia na quaresma, exclusão da carne de animais sufocados... Os latinos eram considerados “meio judeus e meio pagãos”. Miguel sentia-se embaraçado em proibir os costumes armenos enquanto os latinos os cultivavam em Constantinopla. A situação se agravou quando o Patriarca de Antioquia, em 1052, manifestando-se preocupado pela falta de união e, em 1053, o arcebispo da Bulgária, divulga um tratado em forma de carta-aberta a todos os arcebispos, aparentemente propondo a reconciliação mas em verdade, condenando e pedindo a abolição de todos os usos tradicionais da Igreja latina.

O Papa reafirmou o Primado de Roma e encarregou Humberto da Silva Cândia para justificar o uso dos ritos latinos criticados. O monge Niketas acusou o celibato dos latinos. Humberto conseguiu uma disputa pública com o monge. O Imperdador Constantino IX, querendo aliar-se com os latinos para defender-se dos Normandos na Itália meridional, fez o monge desistir da disputa. Mas não conseguiu o mesmo de Cerulário.

Miguel Cerulário não se deu por vencido. Levantou o povo contra os latinos e proibiu os legados do Papa a celebrarem missa em Constantinopla. Estes, ofendidos, mas certos do consenso do Papa Leão IX (mas já morto a 3 meses sem eles o saberem), no dia 16 de julho de 1054, depositaram sobre o altar de Santa Sofia a bula de excomunhão de Miguel Cerulário e sócios (cf. Sentença de excomunhão do Cardeal Humberto contra Miguel Cerulário em, COMBY, J.,132). O documento continha acusações a Cerulário: Patriarca abusivo, acusado de simonia e nicolaitismo, de rebatizar os latinos, de maldizer as leis de Moisés por causa dos pães ázimos, de ter tirado do creio o Filioque. Mais acusações pessoais: condenou a Sé Apostólica; fechamento de mosteiros latinos; abuso do termo Patriarca ecumênico; de ter entrado no mosteiro por medo após a revolta fracassada contra o imperador.

Cerulário fez traduzir a bula para o grego pois entendeu que, não só sua pessoa, mas toda a Igreja de Bizâncio foi excomungada. Realizou, então, um Sínodo na Santa Sofia e excomungou os legados papais. Outras igrejas seguiram o exemplo de Constantinopla. Assim começou o Cisma entre Oriente e Ocidente (Cisma do Oriente).

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Problema: Humberto e companheiros podiam excomungar? O Papa Leão IX tinha morrido em abril (os cargos cessam automaticamente).

Aos 7 de dezembro de 1965 o papa Paulo VI e o patriarca de Istanbul (Constantinopla), Atenágoras, aboliram mutuamente e concomitantemente as excomunhões de 1054 (cf. essa declaração em COMBY, J.,133).

Se é verdade que a fratura entre Oriente e Ocidente foi causada por uma série de mal-entendidos porque ainda hoje os católicos e ortodoxos se encontram impedidos de realizar a plena unidade, se já aconteceu a abolição das excomunhões?

VITOR II (1055-1057). Tendo morrido Leão IX, em consequência da luta contra os Normandos, Henrique III manda seu próprio Chanceler para ir a Roma e assumir o Papado. Assume com o nome de Papa Vitor II. Muito ligado ao Imperador, mas continuou a reforma da Igreja. Aproveita os mesmos homens que já estavam em Roma no tempo do papa anterior. Apenas Frederico de Lorena sai de Roma e é nomeado abade de Monte Cassino. Os normandos ameaçam o sul dos Estados Pontifícios. Vitor II pede ajuda ao Imperador. Como o Imperador estava morrendo confiou a tutela do filho Henrique IV, que tinha apenas 6 anos, ao Papa. Henrique IV vai ser reconhecido rei da Alemanha por obra do Papa.

ESTÊVÃO IX (eleito papa já em 1058 e morreu no ano seguinte). Frederico de Lorena, o abade de Monte Cassino, irmão do duque Godofredo de Lorena, foi eleito papa, assumindo o nome de Estêvão IX. Essa eleição teve muito significado. Com ele vem o grande influxo dos monges sobre a política pontifícia. O Papa em sua 1ª viagem ao norte da Itália morre. O Conde de Túsculo, mais do que depressa, nomeou o novo Papa Bento X, de sua família. Mas os romanos não o reconhecem. Então os Cardeais, liderados por Hildebrando (futuro papa Gregório VII) foram a Siena e se encontraram com Godofredo. Sob a sua proteção elegeram o Bispo de Florença que tomou o nome de Nicolau II. Depois de sanguinosas lutas Bento X foi expulso e o novo papa entrou em Roma.

PASSOS DECISIVOS PARA A REFORMA DA IGREJA:

NICOLAU II (1059-1061).

a) Decreto sobre eleição de Papa: Fez um Sínodo em Roma (1059) e decretou:

- Os Cardeais Bispos devem indicar o novo Papa;- Os Cardeais não-Bispos devem participar da eleição e depois

denominá-lo;- O povo e principalmente o clero de Roma devem aprová-lo;Se a situação é difícil o Papa pode ser eleito fora de Roma (justifica sua eleição). O

privilégio de confirmar a eleição do Papa, por parte do Imperador, seria só mais um detalhe de reverência e honra.

Trata-se de um Sínodo eclesiológico. Quer constituir uma autoridade eclesiástica, em instância superior. Seriam os Cardeais Bispos. Da autoridade deles dependeria tudo. O eleito adquiria a autoridade, pela unanimidade dos Cardeais.

b) Outros Decretos desse Sínodo

- Contra a investidura leiga: nenhum clérigo ou sacerdote deve receber uma Igreja das mãos de um leigo, nem gratuitamente, nem pagando. Liberar a Igreja do poder dos leigos;

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- Contra o nicolaitismo: Bispos, padres e diáconos que têm concubinas não podem exercer suas funções, nem participar da oração junto aos “honestos”. Os leigos exortados para não participar dos sacramentos com tais nicolaítas;

- Contra a simonia: seriam nulas as ordenações, nos seguintes casos:> Padres simoníacos e ordenados por Bispos simoníacos;> Padres simoníacos ordenados por Bispos não-simoníacos;> Padres não simoníacos, mas ordenados por Bispos simoníacos.Todos os simoníacos seriam depostos e não poderiam mais ser reordenados. Mas, em 1601,

saiu um novo decreto, com indulgência para o 3º grupo. Os leigos eram chamados a se unir contra os seus Bispos não-honestos. O caso mais grave aconteceu em Milão, onde a Pataria (união de leigos que assumiu a causa da reforma) se uniu ao Papa contra o bispo local.

Contribuições dos Papas alemães e da Lorena: Liberaram o papado do influxo dos Conde de Túsculo e dos nobres romanos; aumentaram o prestígio da Santa Sé; haviam procurado uma maior dependência da Santa Sé com o Imperador, mas o Imperador quase nunca interferiu.

- Reforma com a ajuda do Império = Papas alemães (Clemente II, Dâmaso II, Leão IX, Vítor II);- Reforma sem a ajuda do Império = Papas da Lorena (Estêvão IX, Nicolau II, Alexandre II);- Reforma contra a ajuda do Império = Gregório VII e sucessores.

* * *

VI - A REFORMA GREGORIANA(cf. NOVA HISTÓRIA DA IGREJA, 179-199)

O grande movimento de reforma na Igreja do Ocidente que já vinha se processando, não deve ser visto somente no aspecto do conflito entre o papado e o Império,.mas é um amplo movimento de reforma moral, disciplinar e administrativa, que atingiu toda a sociedade. Mas é com Gregório VII que aparece em plena luz a diastase. Inicia a emancipação do papado. Reforma Gregoriana porque ele da o golpe decisivo para a reforma. Enérgico, corajoso. Estilo rústico. Pouco estimado e pouco amado. S. Pedro Damião o chama “o santo satã”. Chamava a Igreja de Mãe. Exigia obediência dos fiéis (essa palavra se encontra mais de 300 vezes nos seus escritos).

Considerava-se o representante de São Pedro. Convicto de que um quando eleito papa, era Santo. Levava em conta a concepção medieval do agostinismo político: todo o mundo é o campo de luta entre o reino de Cristo e aquele de satã. Esta batalha deve ser feita sob a guia do Papa.

1 - GREGÓRIO VII (1073-1085). Seu nome designou a Reforma Gregoriana.

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Foi eleito o Cardeal Hildebrando que assumiu o nome de Gregório VII. Era um monge na Sede Apostólica. Foi colaborador direto de quatro papas. Uma de suas idéias centrais era a liberdade da Igreja diante do poder temporal. Na prática, dava pouca liberdade aos outros. Convidou o famoso Anselmo de Luca para fazer uma coleção de Cânones, uma espécie de Código de Direito. O próprio Papa se fez uma coleção de normas para orientar a ação do papado: Dictatus papae (cf. FRÖHLICH, R, 84).

Dictatus Papae (1075): É uma série de 27 teses que afirmam a supremacia do Papa em relação aos bispos e autoridades civis (imperadores, reis).

- O Papa não deveria obedecer a ninguém e nem prestar contas a ninguém. Todos deviam obediência a ele, que tinha uma certa infalibilidade. “Quem não obedece ao papa, mesmo em assuntos políticos é herege”;

- O Papa se torna “Santo Padre”, pelos méritos de São Pedro. Como tal, o Papa pode depor o Imperador e dispensar todos os súditos do juramento de fidelidade a um Imperador herético;

- O Papa deveria ser um homem de grande espiritualidade e piedade. Justiça e paz deveriam ser as palavras-chaves de sua vida;

- Quem não concorda com a Igreja Romana, com o Papa, não é católico. Por isso ele pode pessoalmente depor Bispos. Antes só o Sínodo podia fazê-lo.

Gregório aplicou estas sentenças na luta contra Henrique IV. O excomunga e depõe do trono. Ameaçou também Filipe II da França. Para ele o rei é um leigo, não pertencia ao sacerdócio, e por isso era submisso à jurisdição eclesiástica. O Papa ungindo um rei, entrega-lhe parte de seu poder. O rei, por sua vez, deve exercê-lo em nome do Papa.

Para ele, a Igreja é uma instituição político-religiosa. Os Bispos se ocupam da alma, o rei da espada.O sacerdócio diante do poder do rei, é como o sol diante da lua. O sacerdócio foi instituído por Deus, o reino foi instituído por um desejo humano.

São duas as idéias mais claras:- Prevalência do Papa acima de tudo (Ierocracia);- Há duas esferas de direito : eclesiástico e civil.

2 - MEIOS USADOS PARA A REFORMA (cf. “Decretos Reformadores” in COMBY, J., 136-137)

a) - Legados PapaisO Papa introduziu representantes permanentes, já uma espécie de Núncios, para a França,

Alemanha, Espanha e Lombardia (Itália). A maior parte dos legados vinha de Cluny.b) - Sínodos locaisSe realizam sob a presidência dos legados papais (Cardeais). Os Sínodos vão reforçar os

decretos da reforma. Foram decretadas prisões de diversos clérigos simoníacos, concubinos, etc.c) - Política feudalO Papa exigia obediência de todos: eclesiásticos e leigos. Queria de todos os príncipes a

promessa de fiedelidade. Permitiu o uso da força contra os que não a queriam prometer. O Papa queria uma espécie de homenagem de vassalo; o reconhecimento de uma dependência feudal da Santa Sé, a exemplo dos Normandos com Leão IX. Gregório VII interessou-se muito pela reconquista. Tentou submeter os territórios da Dinamarca, Inglaterra, Hungria, mas sem grande sucesso. No sul da Itália, Ricardo de Cápua e Roberto Guiscard (Normandos) fizeram-lhe a homenagem de vassalo.

Mas sucesso mesmo teve na Toscana (Itália), onde em 1076 morreram Godofredo e Beatriz. Então a herdeira, Matilde de Canossa, deu todas as terras ao Papa. Era a pessoa mais fiel ao Papa.

d) - Guerra SantaGregório VII entendia que a Guerra Santa era um meio legítimo para promover a reforma.

A política expansiva de Ricardo e Roberto no sul da Itália causava contrastes com o Papa. Eles havia usurpado vários territórios do papado. O Papa os excomungou, e preparou uma guerra contra os dois, mas não teve sucesso. Então refez a paz com os Normandos. Gregório teve que retirar a excomunhão e reconhecer todas as conquistas de Roberto Guiscard. Este, então, prestou homenagem e juramento de fidelidade ao Papa.

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3 - O QUE O PAPA FEZ PARA INTRODUZIR A REFORMA

Nos sínodos de 1074 e 1075, numa ação claramente reformadora, Gregório VII renovou os decretos já existentes, contra a simonia, a investidura e o matrimônio dos eclesiásticos.

- Campanha contra o nicolaitismo: Para o Papa, matrimônio e sacerdócio eram incompatíveis. Queria os soberanos envolvidos na luta contra os nicolaítas. Até aqui o celibato não era bem observado. Por exemplo: o Papa Nicolau I (858-867) era filho de um padre; Anastásio era filho de bispo. Adriano II (867-872) era Papa casado e teve uma filha que foi raptada por Anastácio (esse será o futuro Papa Anastácio III que governou a Igreja de 911 a 913).

Gregório VII afirmava tratar-se apenas de renovar uma antiga lei do celibato. Mas muitos Bispos da Alemanha não aceitavam esta imposição, por acharem que o celibato era antinatural e impossível. Com muita oposição, o Papa, aos poucos, vai impondo a lei do celibato. (cf. O Sacerdote e o Casamento, in COMBY, J., 139).

- Campanha contra a simonia: No séc. IX, introduzira-se o dote pela ordenação. Era um pedaço de terra que o padre recebia do Estado. O Bispo ganhava muita terra. Ser Padre ou Bispo passou a ser um bom negócio. Por isso, muitos davam dinheiro para serem ordenados. A partir de 1075, foram declaradas simoníacas as nomeações em que entrasse dinheiro ou promessa de serviços especiais. Não se discutia a validade sacramental das ordenações simoníacas. Mas, os legados papais chegavam a declarar essas ordenações inválidas.

- Luta pela liberdade - contra a investidura: O grande problema para qualquer reforma, era a Igreja Particular (Própria), isto é, a igreja na mão de um senhor: bispo ou leigo. Todos deviam fazer-lhe homenagem de vassalo. O proprietário da igreja podia vendê-la, doá-la ou trocá-la. O dízimo era pago para o dono da igreja. O padre era investido em sua igreja: recebia a chave do proprietário que o investia. Recebia também terras em usufruto.

Quando o dono da igreja era um leigo, isso gerava conflito. O padre estava mais ligado a ele do que ao seu Bispo. E, pior ainda, isso estava regulamentado pelo direito germânico, contra o direito canônico. Aliás, em toda a Alemanha, os Bispos estavam muito na dependência dos seus metropolitas, que podiam até anular eleições episcopais.

A partir do séc. IX, quase tudo depende da vontade dos reis ou príncipes. Os reis, antes da sagração de um Bispo, recebem dele homenagem de vassalo e só depois de dar a investidura é que fazem a homenagem de vassalo ao Bispo. Investidura é o momento solene em que se dão os direitos, inclusive os estatais, tais como: Direito de foro e direito de cunhar moeda.

Todos pensavam que era a investidura que dava os direitos ao Bispo. A partir de Henrique III, o Bispo recebia o anel, como símbolo de seu casamento com a Igreja. A investidura era considerada como ato decisivo e não a ordenação que chegava a ser algo quase simbólico. O rei, a partir de Henrique II, não era mero leigo. Ungido com óleo, pertencia a uma certa esfera consagrada. Depois, aos poucos, vai perdendo essa função. Os Papas reformadores vêem o rei como mero leigo, por isso, sem direito à investidura.

Gregório VII não queria que reis nomeassem párocos e Bispos. A própria idéia de Igreja própria era vista como simoníaca, pois a igreja, nesse caso, podia ser vendida. Gregório VII via na prática da investidura, a raiz de todos os males. Por isso a enfrentou com coragem e até ousadia.

Desde o Decreto de Eleição Pontifícia de 1059 (Nicolau II), a Igreja queria liberdade para eleger seus chefes. Em 1075, Gregório VII excomunga 5 Bispos e proíbe todas as investiduras de leigos, ameaçando de excomunhão os desobedientes. Queria também que o jovem Imperador enviasse a Roma um mensageiro para tratar desse assunto. Mas, Henrique IV simplesmente respondeu que não aceitava discutir “direitos da coroa”, com quem quer que fosse. Em 1078 , um novo Decreto reafirma: “Clérigo que aceita a investidura é excomungado e a investidura é nula”.

Em 1080, no Sínodo Romano, outro decreto, institui o Bispo visitador. Cabia a ele visitar as dioceses e dirimir as dúvidas. Em caso de eleição divudosa ou irregular, o metropolita ou o Papa podia designar outro Bispo. Era o chamado direito de devolução.

É mérito de Gregório VII:- Defender a liberdade da igreja frente a investidura;- Proibir as ingerências de leigos nas eleições e designações de Bispos;- Abolir as Igrejas Próprias.

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AS RELAÇÕES COM HENRIQUE IV

Henrique III era mais flexível. Este é mais duro. Com Henrique IV se passa de uma reforma moral para uma institucional (legislativa). O problema mais sério era a Alemanha,, onde os Bispos estavam muito unidos ao jovem rei (nascido em 1050, e em 1065 declarado maior) e recebiam dele muitos privilégios: muita terra, direito de comércio, cunhar dinheiros e cobrar pedágio. Henrique IV violou os direitos metropolitanos de Roma, elegendo dois Bispos alemães para a diocese de Roma (Espoleto e Fermo). Isso era uma provocação. Então o Papa ameaçou a excomunhão ao rei. Este ignorou e em janeiro convocou uma assembléia de Bispos alemães - Dieta de Worms, 1076 - que decide agir contra Gregório VII: 24 Bispos se declararam contra o Papa, e solidários com Henrique IV. A Dieta chama o Papa de “o falso monge Hildebrando”. O rei queria que o Papa deixasse a cátedra.

Em fevereiro de 1076, o Papa proclama a excomunhão de Henrique IV .e dispensa seus súditos do juramento de fidelidade ao rei. Por isso os príncipes alemães entraram em conflito com o Imperador. Nessa situação (como excomungado), não seria possível continuar no cargo. Ameaçam a fazer nova eleição (elegeriam Rodolfo), se no prazo de um ano, ele não se liberar da excomunhão. Os Príncipes estabeleceram essa reunião para fevereiro de 1077 (Dieta de Augusta). O Papa foi convidado para ser intermediário.

Em Canossa. Gregório VII se põe em viagem. No rigor do inverno, a comitiva interrompe sua viagem, por uns dias, em Canossa, na casa de Matilde. No meio da neve, la apareceu Henrique IV, em traje de peregrino (vestido de saco), descalço, pedindo perdão. O Papa ficou irredutível por uns dias. Mas, graças à mediação de Matilde e do Cardeal Hugo de Cluny, padrinho de Henrique, por fim, no dia 28 de janeiro de 1077, o Papa absolveu o Imperador (Politicamente o rei é vencedor: ainda conservou a coroa). Como cristão, o Papa não pôde negar o perdão. Tirou a excomunhão, mas deixou aos Príncipes a decisão de reintegrá-lo ou não como imperador. Os príncipes porém escolheram Rodolfo. Henrique ameaçou apresentar um anti-papa se Gregório não o apoiasse. Gregório decidiu-se por Rodolfo. Houve guerra. Henrique venceu. Era o ano 1083.

Em represália, Henrique realiza um Sínodo de Bispos alemães, em Brixen, fez eleger um novo Papa, Clemente III (anti-papa), e parte sobre Roma. Gregório teve que se refugiar no castelo Santo Ângelo. Enquanto isso, Clemente III foi aclamado pelo povo romano e fez a cerimônia de coroação do Imperador Henrique IV (1084). Os Normandos (Roberto Guiscard) vem defender o Papa. Afastaram Henrique IV mas também saquearam a cidade e incendiaram parte dela. O Papa é considerado culpado de tudo isso. O povo, duplamente saqueado, por Henrique e pelos Normandos, revoltou-se contra Gregório VII. É obrigado a marchar para o exílio. Os Normandos levaram-no consigo “prisioneiro protegido” para Salerno, onde morreu ao 25 de maio de 1085, dizendo: “Amei a justiça e odiei a iniquidade, por isso morro no exílio”. Essas palavras passam a ser uma espécie de slogan para os futuros Papas reformadores.

4 - SITUAÇÃO DE ROMA, APÓS A MORTE DE GREGÓRIO VII

A luta pela investidura estava ainda aberta, mas a reforma tinha feito passos adiante. Roma está nas mãos do antipapa - Clemente III (1080-1100) - adquiriu alto prestígio e apoio da população em Roma. Morre e é visto como um “verdadeiro papa”. Inicia um culto a ele. Mas o Papa Pascoal II joga seu cadáver no rio Tibre, e termina assim o culto.

VITOR III (1086-1087). Era abade de Monte Cassino. Eleito como sucessor de Gregório VII, e como sinal de reconciliação com os alemães. Embora eleito em Roma, quatro dias depois teve que abandonar a cidade e voltar para sua abadia. Levou um ano para ser coroado. Morreu e, por motivo da agitação política, demorou-se meio ano para eleger o sucessor.

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URBANO II (1088 - 1099). Ao tempo da sua eleição, ainda governava o antipapa Clemente III. Encontrando-se a cidade de Roma ainda em poder do antipapa, teve ele de residir inicialmente na ilha do rio Tibre (Roma). O antipapa tinha ao seu lado também a maioria dos cardeais. Realizou em 1089 um sínodo na Igreja São Pedro, pelo qual Urbano foi exilado. Em 1090, conseguiu Urbano, tomar a cidade de Roma, nela ingressando solenemente. Fez diversas viagens, realizando sínodos e agindo no espírito de seu grande antecessor Gregório VII. Implantou a reforma em diversos países. Inicia as Cruzadas.

Sínodo de Clermont (França) - 1095 - Urbano II (cf. COMBY, J., 155):

- Proibe o concubinato, a simonia e todo vínculo vassalítico;- Lança o apelo para a Cruzada - libertar os cristãos do Oriente e os Lugares Santos da

dominação do Islã.- Promulgou a: - Paz de Deus tornando imunes pessoas e coisas (agricultores, mulheres, crianças

e clérigos) da cobiça dos guerreiros. Instituiu a “guerra contra a guerra” para assegurar a paz;- Trégua de Deus: é a instituição que limitava os tempos de violência,

constringindo os nobres a absterem-se de guerras em determinados períodos do ano litúrgico (quaresma) e certos dias da semana. A guerra era suspensa de quarta a noite até segunda de manhã;

- Instituiu as Milícias de Paz (exércitos) para proteger os pobres, as abadias, as igrejas contra as “guerras privadas” que os nobres promoviam para expandirem suas propriedades.

Como o Imperador Henrique IV está excomungado, fraco e com disputas internas, o Papa era reconhecido pelos fiéis como o verdadeiro chefe da Cristandade. Colocava em evidência um exército internacional para a defesa dos cristãos do Oriente.

PASCOAL II (1099-1118). A luta das investiduras não estava terminada. O novo Papa numa tratativa com Henrique V (Imp. desde 1105), propõe que todos os Bispos renunciem aos bens materiais e que o Imperador deveria renunciar à investidura. Na Basílica de São Pedro, quando foi lido o acordo, os Bispos e Cardeais presentes se revoltaram. Houve um verdadeiro tumulto. O Papa e todos os Cardeais foram presos. Dois meses depois o Papa teve que assinar um Decreto, dando ao Imperador o direito de dar a investidura, com anel e báculo, em troca da liberdade. Mais tarde, em 1116, no Sínodo Romano, Pascoal II excomunga o Imperador e revoga a proibição geral da investidura.

Seguiu-se depois o Papa Gelásio II, que durou pouco tempo. Depois veio Calixto II, que finalmente conseguiu a solução, na Concordata de Worms, em 1122: Henrique V renunciou à investidura, com anel e báculo, ficando apenas com as regalias, que são as rendas das dioceses, em sede vacante; deixa à Igreja liberdade para eleger bispos; promete paz, ajuda e restituição dos bens e das posses de São Pedro à Sé romana. Em 1123, o 1º Concílio de Latrão (9º ecumênico), ratifica as decisões de Worms (fim das investiduras); a manutenção da “Trégua de Deus” e proibição da simonia são fortemente enfatizados mais uma vez, assim como a interdição aos clérigos de viver com uma mulher debaixo do mesmo teto.

5 - SURGIMENTO DE NOVAS ORDENS RELIGIOSAS

A reforma gregoriana era do alto; agora a reforma vem de baixo.A reforma gregoriana tem carater institucional; os novos movimentos um carater

carismático.

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Mas qual é a relação deste novo movimento com a reforma gregoriana e com a luta pela investidura? Tanto a reforma gregoriana quanto este novo movimento de vida religiosa querem retornar à Igreja das origens: uma igreja livre para a reforma, uma igreja pobre e apostólica para o novo movimento.

As duas iniciativas reformadoras se entendem e em parte se ajudam mutuamente. Existem monges, eremitas, pregadores itinerantes que lutam contra a simonia, nicolaitismo, decadência do clero. Os Papas da reforma, em contrapartida, favorecem a “ascenção” dos personagens mais importantes do movimento.

Todavia, o movimento de base, não obstante as consequências, teve uma dinâmica própria com respeito a reforma gregoriana. Por algum tempo foi um forte aliado da reforma. Depois, em parte, se distanciou do ordenamento hierárquico (GRUNDMANN, protestante liberal, um dos maiores estudiosos deste aspecto - “Movimentos religiosos na Idade Média” - afirma que da mesma raiz provém as novas Ordens e também as heresias medievais).

A nova forma de vida é deixar os bens terrenos e trabalhar pelo Evangelho, como os Apóstolos. Isto se torna o ponto focal da nova concepção do Cristianismo. Mas as pregações itinerantes vão criando novas instituições religiosas. As que se submetem às diretivas eclesiásticas são reconhecidas (aquelas que criaram uma forma estável de vida). As que se põem em contraste com a Igreja hierárquica, são combatidas e suprimidas com a força.

Surgem novos movimentos religiosos. É a procura de novas formas de vida. No início o ideal se concentra na pobreza individual, entendida como completa renúncia a qualquer segurança terreste. Os homens impelidos por estas aspirações se retiram (sozinhos ou em grupos) em lugares solitários, onde ganham o pão com o trabalho manual. Seu protesto é contra a grandiosa atividade edilícia desenvolvida pelos monges antigos; contra as suntuosas decorações, etc. Suas igrejas e habitações querem ser muito modestas.

Por volta da metade do séc. XI a vida religiosa assume um significado mais amplo, sob o modelo da vida apostólica de Cristo, vista como uma escolha de pobreza e de pregação itinerante. Pobreza evangélica e Vida Apostólica surgem contemporaneamente em ambientes, países e classes sociais muito diversas: monges, clero diocesano, canônicos regulares, nobres...

Todavia, quando o desenvolvimento destas novas ordens diminui, por volta do fim do séc. XII, o desejo de uma verdadeira vida apostólica torna-se novamente um problema, e vários grupos como os valdenses e mais radicalmente ainda os cátaros, não estavam disponíveis a inserir-se na obediência eclesiástica. Mas vem também o movimento da formação das Ordens mendicantes (São Domingos, São Francisco), que deram expressão epocal a este desejo de vida apostólica, que se havia mantido vivo.

(Ler a Breve História da Vida Religiosa, em HASTENTEUFEL, Zeno. Infância e Adolescência da Igreja, 134-141; cf. também As Novas Ordens religiosas, em NOVA HIST. DA IGREJA - II, 200-214).

- Os Cônegos Regulares- Os Cartuxos- Os Cistercienses- Os Premonstratenses

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VII - AS CRUZADAS(cf. DREHER, M., 56-61; COMBY, J., 154s; NOVA HIST. DA IGREJA, 232-236; BIHLMEYER-TUECHLE, 198-204)

A Cruzada é, talvez, o mais impressionante movimento de emoção transformado em ação. O termo designa as expedições maciças, de caráter internacional, que se dirigiam à Palestina com o objetivo de conquistar ou defender os lugares em que Cristo viveu e morreu.

Cruzada é uma guerra santa. Uma guerra só é considerada Cruzada, quando:‘ O Papa a proclama;‘ Os participantes se obrigam por juramento a combater até a morte e buscar a libertação da Terra Santa;‘ Há uma indulgência específica. O decreto 2 do Sínodo de Clermont (18-27/11/1095) reza assim: “Todo

aquele que, por devoção, é chamado a libertar a Igreja de Deus, recebe uma indulgência por qualquer penitência;‘ Há certos privilégios, como por exemplo, o direito de cobrar os dízimos dos católicos.

Antecedentes para as Cruzadas:

As Cruzadas tinham seus antecedentes nas PEREGRINAÇÕES prescritas ou assumidas espontaneamente como forma de penitência (O Bispo Gunther, de Bamberga, fez uma peregrinação com 7 mil diocesanos em 1065). Nos primeiros tempos as Cruzadas foram chamadas de “Peregrinações”.

- Na Idade Média havia a idéia de que a Terra Santa era uma herança cristã que precisava ser recuperada pois tinha sido roubada pelos árabes;

- As contínuas guerras, motivadas por Papas e Bispos, contra os “infiéis”, os pagãos, os normandos, os sarracenos... foram formando a idéia de uma guerra santa lícita;

- As primeiras vítimas dos invasores eram os mosteiros e bens da igreja;- Havia também uma atitude ambígua. De um lado a Igreja exigia que os soberanos fizessem guerra.

De outra parte estabelecia uma penitência de 40 dias para os soldados que matassem um inimigo;- Nos séc. X e XI surge o movimento da Paz de Deusque “faz guerra para ter a paz”;- Bispos “em pessoa” tomaram armas organizando Milícias de Paz;- Os cavaleiros franceses que em 1063 partiram para a guerra espanhola receberam a

primeira indulgência historicamente demonstrável de uma cruzada;- Bonizo de Sutri, entre 1090-1095 escreveu um catálogo de deveres do cavaleiro cristão,

salientando a luta contra os heréticos e cismáticos;- Bernardo de Claraval em 1120 escreve inspirando o surgimento das Ordens Cavalerescas.

Ele mesmo prometeu imunidade dos crimes e absolvição das penas dos combatentes;

Outros estímulos para participar das Cruzadas:

- A recompensa espiritual da indulgência;- A pregação itinerante das novas ordens religiosas. Milhares de pessoas seguiam estes

pregadores; - Motívos econômicos: Houve anos de carestia agrícola por duas situações: o crescimento

demográfico e o sistema carolíngeo da divisão infinita da terra entre os filhos ao ponto que não era possível cultivá-la. Para mudar esta situação mudou-se o sistema de propriedade. Os nobres e os mosteiros compraram o máximo terreno que podiam. O sistema de herança passou ao primogênito. Os outros filhos faziam-se: 1) monges; 2) vassalos de algum proprietário; 3) guerreiros que seriam contratados pelos senhores. Isto favoreceu às “guerras privadas”. Houve também a proibição de casamentos. A Cruzada foi uma ocasião certa para aqueles que esperavam fazer uma rápida carreira.

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Providências da Igreja em favor dos Cruzados:

- Seus bens vinham assegurados. O Bispo local o protegia durante toda a expedição;- Foram dispensados das taxas durante a expedição;- Foi prolongado o prazo do pagamento das dívidas dos cruzados;(Além disso haviam as vantagens pessoais: desejo de enriquecer; de ser alguém;

manifestação de valentia; fuga da situação presente...).

Por quê o Papa no comando das Cruzadas?

Quando, em 1095, Urbano II conclamou a Cruzada, o Imperador Henrique IV e o rei da França, Felipe, estavam excomungados. Guilherme, o Ruivo, da Inglaterra, não havia reconhecido o Papa. Humilhado o Imperador, então o Papa assegurou-se o comando único do Ocidente.

À conclamação do dia 27 de nov. de 1095, formaram-se 4 exércitos alimentados pelo feudalismo ocidental, basicamente na cavalaria francesa. Encontraram-se em 1097. Paralelamente e antes disso, Pedro, o Eremita, conduziu uma cruzada popular que foi dizimada pelos Turcos em Constantinopla. O próprio imperador oriental não lhes deu pousada em Constantinopla.

Para financiar estas expedições o Papa aumentou taxas de impostos e concedeu indulgências em troca de donativos. Os senhores feudais deviam comprar o “voto de cruzado”

QUADRO SINÓTICO DAS CRUZADAS

CRUZADA PARTICIPANTES IMPORTANTES ACONTECIMENTOS

Iª Cruzada (1096-1099) Godofredo de Bulhões Tomada de Edessa e Antiochia.1099 - conquista e fundação do Reino de Jerusalém.

IIª Cruzada (1147-1149) Rei Luís VII da França e Rei Conrado da AlemanhaMotivada por Eugênio III e São Bernardo

Cruzada contra os Vênedos1147 - Conquista de Lisboa

IIIª Cruzada (1189-1197) Imp. Frederico Barbaroxa; Frederico, duque da Suécia; Felipe, rei da França; Ricardo, Coração de Leão , rei da Inglaterra

1191 - Conquista de Akkon, Chipre e reconquista de Acre1192 - Acordo entre Ricardo Coração de Leão e o sultão Saladino (livre acesso dos peregrinos à Jerusalém) por 10 anos

IVª Cruzada (1202-1204) 1212 - Cruzada das crianças 1224 - Conquista definitiva de Jerusalém pelos muçulmanos

Baldoino de Flandres; República marítima de Veneza

Conquista de Constantinopla e de parte da Grécia. Criação do Império latino do Oriente.

Vª Cruzada (1228-1229) Imperador Frederico II Restituição de Jerusalém através de negociações.

VIª Cruzada (1248-1254) São Luís IX, rei da França Luís IX tenta reconquistar a Terra Santa a partir do Egito.

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VIIª Cruzada (1270) 1291 - Fim dos domínios cristãos na Síria e Palestina.

São Luís IX, rei da Françamorre de peste em 24/8/1270

São Luís ataca a Tunísia muçulmana.

Importância das Cruzadas- Participaram quase todos os povos europeus (grande ação cristã);- O Oriente e Ocidente ligaram-se por relações comerciais e culturais;- Surgiram as Ordens religiosas dos Cavalheiros com espírito fraterno;- A piedade cristã orientou-se para Jesus Histórico e culto das relíquias;- As cruzadas quebraram as relações entre cristãos e muçulmanos;- Não diminuiu a distância entre cristãos do Oriente e Ocidente;- As cruzadas foram um fato (nem tudo negativo; nem tudo positivo).

(Leia: As 3 manifestações eloquentes da cristandade Medieval: As Cruzadas, a Vida intelectual e as Catedrais, em MATOS Henrique, Introdução à Hist., 87-89).

VIII - O GOVERNO E A ADMINISTRAÇÃO DA IGREJA (cf. BIHLMEYER-TUECHLE, II, 207-220)

Nos séc. XI a XIII, a autoridade primacial da Sede Romana sobre as igrejas do Ocidente exerceu-se em toda a sua plenitude e extensão. O que constituíra o programa de Nicolau I no séc. IX, isto é, levar a supremacia espiritual do bispo de Roma e consolidá-la eficazmente em todos os campos da vida eclesiástica, foi agora realizado. O Papa é o hierarca supremo e absoluto da Igreja universal, ele exerce, como supremo legislador, juiz e governador, a plenitudo potestatis sobre todos os fiéis, eclesiásticos e leigos. As condições e as necessidades do tempo levaram o papado a se tornar, gradativamente, sempre mais o centro da administração eclesiástica, mesmo se esse desenvolvimento teve por vezes aspectos menos felizes.

Gregório VII, no célebre Dictatus Papae, que contém o programa de seu governo, afirma que as “causas maiores” de todas as igrejas do mundo sejam submetidas à decisão da Sé Apostólica. No caminho iniciado por Gregório VII continuaram sua marcha de atividade legislativa e administrativa grandes papas dos séculos XII e XIII.

O incremento da autoridade papal e a maior centralização do governo da Igreja tiveram expressão especialmente nos pontos seguintes:

a) Papa: A cognominação de papa já em uso desde séculos, recebeu agora o seu significado pleno e exclusivo como permaneceu depois. Gregório VII declarava: “Este nome (Papa) é único no mundo” (Dictatus 11). Como símbolo do seu poder hierárquico, o papa, desde o século XI, cinge nas solenidades (não litúrgicas) uma mitra particular, a tiara (regnum). Inicialmente ela era ornada somente com uma ou duas coroas; desde os tempos de Bonifácio VIII, com três (triregnum).

b) Autoridade normativa: A persuasão dominante já na antiguidade cristã, de que à Igreja romana competia uma autoridade normativa para toda a Igreja (S. Irineu) e que ela jamais caiu em erro (Fórmula Hormisdas, 519), e nunca poderá errar (papa Agatão, 680), consolidou-se notavelmente neste tempo. Gregório VII sustentou a afirmação: “A Igreja Romana nunca errou, e segundo o testemunho das Escrituras nunca cairá no errro” (Dict. 22). Tomás de Aquino, o príncipe

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da escolástica, afirma a doutrina da infalibilidade dogmática do “Vicarius Christi” de um modo que depois permaneceu decisivo para o futuro (Summa Theol. 2, 2, q. 1, a. 10). Alexandre III (1170) reservou ao papa a canonização de pessoas veneradas como santas, e o 4º Concílio de Latrão de 1215 afirma.: “não se veneram novas relíquias sem autorização da Igreja Romana” (cân. 62). No começo do séc. XII os papas reservaram para si a absolvição de certos pecados graves (casos reservados). Para esta absolvição foi instituído um tribunal romano competente, a Penitenciaria apostólica.

c) Concílios Ecumênicos, que no passado eram convocados e confirmados pelo imperador, agora, e de maneira mais cônsona com a sua natureza eclesiástica e com as diferentes condições dos tempos, são convocados e sancionados somente pelo papa. Gregório VII declara: “Nenhum Sínodo pode ser chamado geral, sem o consentimento do papa” (Dict. 16). A tentativa feita por Frederico Barba-Roxa durante o cisma papal, de reivindicar para si os direitos dos antigos imperadores a respeito dos concílios, malogrou. Os Concílios ecumênicos IX, X, XI, XII (1123, 1139, 119, 1215) foram celebrados em Roma na basílica de Latrão. O XIII e XIV em Lião (1245 e 1274).

d) Cúria Romana: Para o despacho dos negócios e das incumbências sempre crescentes, o papa serviu-se de um número sempre maior de colaboradores e de funcionários. Desde o séc. XI esta organização passou a chamar-se Cúria romana. Constituiram-se os vários ofícios curiais, dos quais se devem mencionar especialmente: a Chancelaria papal para a preparação dos documentos; a Câmara apostólica para os assuntos financeiros e administrativos; a Penitenciaria para absolvição e dispensas; a Rota romana para os processos eclesiásticos. Em primeira linha entre os colaboradores do papa estavam os Cardeais.

Ainda que o número de Cardeais fosse diminuindo (no séc. XI eram mais de 50, nos séc. XII e XIII eram de 20 a 30), sua importância cresceu: tornavam-se sempre mais uma espécie de senado da Igreja romana e do papa. Eles detinham não só a direção da igreja no tempo de sede vacante e a eleição do novo papa, mas ainda uma boa parte do governo eclesiástico ordinário. As questões mais importantes eram discutidas no Consistório (sessão do conselho do papa com os cardeais).

Desde a metade do séc. XI os cardeais eram escolhidos também como legados papais (promover a reforma e realizar outras funções político-eclesiásticas). No pontificado de Inocêncio III (1198-1216), a instituição dos legados a serviço da política papal alcançou o máximo desenvolvimento. Eles possuiam faculdades muito amplas, que as vezes chocavam e paralisavam a jurisdição dos bispos; por isso é compreensível que, em certos casos, se levantassem contra eles a oposição dos órgãos eclesiásticos e mesmo estatais. Do séc. XII em diante os cardeais têm a precedência de honra bem como a de categoria sobre todos os outros dignatários eclesiásticos. Inocêncio IV os condecorou com a insígnia do chapéu vermelho (1245), Bonifácio VIII, ou talvez só Paulo II (1464), com a púrpura.

e) Direito Canônico: Após séculos de intensa influência germânica na vida jurídica da Igreja, agora vai se codificando em grandes coleções, o direito canônico. Com o aumento e a maior unificação do poder eclesiástico fez-se sentir mais forte do que no passado a necessidade de um ulterior desenvolvimento do direito canônico e de uma codificação mais segura.

Na época do conflito pelas investiduras compuseram coleções de direito canônico, entre outros, Anselmo Júnior, bispo de Luca (+1086), o cardeal Deusdedit (+1097); Bonício, bispo de Sutri (+1095); Ivo, bispo de Chartres (+1117). Contudo, as obras destes correspondiam apenas de modo limitado às crescentes exigências da prática e da ciência. Progressos maiores foram alcançados especialmente em Bolonha, onde o “legista” Irinério fundara uma célebre escola de direito romano (1084). Nessa escola o monge camaldulense Graciano começou a tratar pela 1ª vez, no séc. XII, do direito canônico com um método dialético, tratando-o como matéria distinta da teologia geral (Decretum Gratiani). Graciano tornou-se, assim, o “pai da ciência canonística”. A

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rica atividade legislativa dos papas Gregório IX, Bonifácio VIII, Clemente V, Gregório XIII, vai sendo recolhida e o direito canônico vai sendo aperfeiçoado.

* * *

IX - OS MOVIMENTOS HERÉTICOS E AS ORDENS MENDICANTES

Grandes marcos da vida religiosa do Ocidente: Em 529 fundação dos Beneditinos em Monte Cassino; em 817 o Sínodo de Aquisgrana presidido por Bento de Aniane; em 910 Cluny e 931 Gorze; em 1190 os Cistercienses. No começo do século XIII, as Ordens Mendicantes.

1 - OS MENDICANTES

Quando a burguesia começa a triunfar sobre o feudalismo, surge uma nova forma de vida monástica: os mendicantes.

O monge vive na solidão campestre ou na fortaleza da abadia;O frade convive com a gente e o povo da cidade.

A nova sociedade nos burgos substituíu a velha ordem feudal. Causas: a invasão dos bárbaros obrigaram os senhores feudais a abandonar suas vilas rurais e abrigarem-se em castelos (“Burg” em alemão). O povo começou a agrupar-se ao redor deles originando novas povoações dedicadas ao artesanato e ao comércio. No século XI muitos destes povoados libertaram-se da tutela feudal e tornaram-se “Cidades livres”. A formação dos Burgos tem como consequência o esvaziamento dos feudos. Os mosteiros ficam isolados na campanha. (Esta é a causa da queda do influxo dos cistercienses, por exemplo).(cf. CESCA, O, 83-85).

Com o desenvolvimento do comércio e do artesanato velhas cidades experimentaram um desconhecido reflorescimento. A vida humana trouxe à luz um novo tipo de homem: mais crítico, racional, aberto a novas correntes espiritualis e a heresias, ao não conformismo. A Igreja avessa ao comércio e rejeitando a usura, não se adaptou a esta nova sociedade. Tratou-a com desconfiança. Enquanto isso os leigos foram igualando-se e superando o clero.

O desenvolvimento do comércio está ligado às cruzadas. Também novas idéias filosóficas e religiosas penetraram na Europa. Os benefícios vindos do oriente se manifestariam na escolástica (cf. MATOS, 84-85).

NOVIDADES DAS ORDENS MENDICANTES (soluções alternativas)

- Combate às heresias. Não pela guerra aos albigenses (1209-1229), mas utilizando suas armas: vida evangélica e pregação;

- Ação misisonária. Até então reservada aos párocos e bispos pela pregação e administração dos sacramentos;

- Vida mista. Até então os monges viviam isolados dentro de suas fortalezas (as abadias). Os mendicantes convivem com o povo;

- Novas ordens. O Concílio de Latrão IV havia proibido o surgimento de novas ordens. E é exatamente ali que surgem os mendicantes.

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- Pobreza coletiva. A novidade maior das Ordens Mendicantes foi a pobreza coletiva (os frades devem providenciar o próprio sustento com o trabalho manual, intelectual ou pastoral. Esmolar é um serviço).

a) OS DOMINICANOS

Domingos de Gusmão (1170-1221) nasceu em Caleruega (Castela). Começa a pregar no sul da França. De retorno à Itália, em companhia do seu bispo Diego, participaram de uma reunião de Cistercienses que deliberavam sobre como reprimir a heresia dos albigenses. O bispo disse: “Creio impossível que eles voltem à fé somente por palavras. Estes homens se apoiam bem mais em exemplos.” A essas palavras o bispo emendou fatos concretos: Com Domingos e alguns clérigos começou pôr em prática a pobreza e a abnegação evangélica. Abades cistercienses os imitaram. Permaneceu ali por dois anos (1205-1207). Voltou para sua igreja temendo ser considerado negligente por parte de seus fiéis, mas prometendo voltar logo com novos recursos. Pretendia fundar uma congregação com este ideal de vida. Porém faleceu em dezembro de 1207. Seu ideal sobrou então para Domingos.

Em 1215 Domingos ganhou um castelo. Sentiu a hora oportuna de fundar a Ordem dos Pregadores (O.P.). Funda uma comunidade para combater os albigenses.

O IVº Concílio de Latrão (1215), sugeriu-lhe as finalidades da Ordem:- Reforma da Igreja;- Correção dos costumes;- Extirpação da heresia;- Confirmação da fé.No decreto três, decidia a “Instituição de pregadores e administradores da penitência”; no

decreto onze ordenava: “Em cada catedral ou paróquia haja um professor para o ensino gratuito”. Tudo isso foi assimilado por Domingos.

Inocêncio III aprovou o projeto de Domingos aconselhando-o a escolher uma regra das já existentes. Escolheu a de Santo Agostinho. Era o ano de 1215. Em 1218 a ordem decidiu ser formada por clérigos bem formados em teologia para a própria santificação e para a pregação (até então o ofício de pregador era reservado ao bispo e aos párocos). Provavelmente, em 1220 Domingos e Francisco encontraram-se. Estimavam-se mutuamente. Neste ano o capítulo geral dos frades escolhe a forma de vida de uma “Ordem Mendicante” (renúncia à propriedade e às rendas fixas). Aos 6 de agosto de 1221, Domingos faleceu em Bologna. Foi canonizado aos 3 de julho de 1234.

b) OS FRANCISCANOS (cf. M. DREHER, 103-111; )

Francisco de Assis (1181-1226) nasceu e morreu em Assis. Desde moço apaixonou-se pelo ideal da cavalaria. Em 1206-7 uma doença dá-lhe ocasião de endereçar a vida para outros ideais. Aos 24 de fevereiro de 1209, na igreja da Porciúncula ouviu Mt. 10,7. Escolhe uma vida de extrema pobreza e de pregação itinerante. Inocêncio III, em 1210, aprovou oralmente a forma de vida para pregar a penitência e os bons costumes.

Em 1212, no domingo de Ramos, Francisco recebe Clara de Assis. Inicia a 2ª Ordem Franciscana (desde 1253, Ordem das Clarissas).

Em 1214 Francisco quer ir aos maometanos em Marrocos. Chega à Espanha.Em 1219-20 foi ao Egito para converter o Sultão. Recebeu licença de visitar os lugares

santos na Palestina.Em 1221 foi aprovada a primeira regra (Não bulada) Foi o papa Honório III, em 1223,

quem aprovou solenemente a regra com 12 capítulos. Aos 17 de setembro de 1224 recebeu os

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estigmas no Monte Alverne. Morreu aos 3 de outubro de 1226. Foi canonizado dois anos após. (cf. o Testamento de Francisco, em J. COMBY - II, 163).

Ainda em 1221 passou a direção da Ordem a Frei Elias. Elias mitigou a regra. Aceitou os privilégios papais. Construiu a basílica de São Francisco; promoveu os estudos científicos. Foi deposto em 1239, excomungado e expulso da ordem. Morreu reconciliado em 1253.

São Boaventura conduziu a ordem de 1257 a 1274. Nesta época era forte a crise dos dois partidos: os espirituais e os “comunitários”.

A 3ª Ordem (Ordem Franciscana Secular) foi contemplada com sua regra em 1221. Santa Elizabete de Turíngia, falecida em 1231, é a padroeira; São Luiz IX, rei da França é um grande expoente.

c) CARMELITAS

Bertoldo de Calábria, com 10 companheiros, fundou seu ermo em 1181 na gruta de Elias no Monte Carmelo. Era de caráter contemplativo. Em 1226 Honório III aprovou a regra. Em 1238, expulso pelo Islã, passaram de eremitas a cenobitas. Em 1247 foram assimilados aos mendicantes. As carmelitas iniciaram em 1252.

2 - CONTROVÉRSIAS E CONFLITOS COM OS MENDICANTES (Cf. NOVA HIST. DA IGREJA II, 372-378)

a) Controvérsias internas (dos franciscanos). O conflito estabeleceu-se entre os laxistas (moderados) e os espirituais (rigoristas). Entre os

seguidores de Francisco ao pé da letra (regra e testamento) e os que, seguindo Frei Elias, mitigavam a rigidez dos princípios.

O programa dos espirituais: - supressão do estudo de filosofia; - pobreza pessoal absoluta (no comer, no vestir); - Regra e Testamento de São Francisco obrigatórios.

O Papa Gregório IX, em 1230, declara: “O Testamento não tem valor de regra”. Os frades podem receber esmolas. As propriedades são da Santa Sé. Os frades são isentos dos bispos.

- São Boaventura foi inimigo tanto do relaxamento quanto do rigorismo;- O zelo dos espirituais rompeu a comunidade. Em 1294, Celestino V decidiu suprimir a

Ordem. Bonifácio VIII suprimiu e anulou este ato;- No Concílio de Viene (1312) o Papa condenou o relaxamento generalizado mas

manifestou preferência para o “usus pauper” (moderação) mais do que pela “letra” da regra e do testamento. Ambos os partidos aceitaram a decisão

b) Controvérsias externa

- Rivalidade com o clero. Os párocos protestaram contra os mendicantes porque seu apostolado ficava prejudicado com a ação dos mendicantes (as esmolas e as taxas dos sacramentos diminuíam na caixa dos párocos). O bispo protestava contra os direitos de isenção dos mendicantes (diretamente dependentes do papa).

- Rivalidade científica. Os mendicantes quiseram estudar teologia sem aprovar outras disciplinas; criaram cadeiras introdutórias a graus universitários em suas próprias casas; quiseram isenção do regulamento da universidade (cf. Nova Hist. da Igreja II, 375).

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S. Alberto Magno (OP), S. Boaventura (OFM), Alexandre de Hales (OFM) e Rolando de Cremona atraiam a si os melhores alunos na universidade de Paris. Por ciúmes, a Universidade excluiu tais mestres. Guilherme de Saint-Amour conseguiu do Papa Inocêncio IV a bula de 21/11/1254 que proibia aos fiéis, sob pena de excomunhão, ouvir missa dominical em qualquer igreja dos religiosos. A estes proibiu a pregação nos horários das missas paroquiais.

O Papa Alexandre IV, aos 14 de abril de 1255 ordenou que a Universidade de Paris recebesse em seu seio, sob pena de excomunhão, os mestres franciscanos e dominicanos, apesar da decisão de Inocêncio IV (1254).

A Universidade não obedece. Dissolve-se aparentemente para não cair na excomunhão. O papa fez o rei expulsar do reino Guilherme de Saint-Amour e condenou à fogueira seus escritos contra os mendicantes onde dizia: “A mendicância, longe de ser uma virtude, é um grave perigo”. Esta fogueira aconteceu aos 5/10/1256. Ele faleceu em 1271.

Santo Tomás e São Boaventura lecionaram em seus respectivos conventos incorporados oficialmente à Universidade.

O Concílio de Lião de 1274 apresentou a proposta decretal de suprimir todas as organizações religiosas novas. Os grandes cardeais, S. Boaventura (OFM) e Pedro de Tarantasia (OP) [uma vez que Sto. Tomás faleceu no caminho de ida a este concílio], garantiram a defesa destas duas congregações. Os Eremitas de Santo Agostinho e os Carmelitas obtiveram concessão provisória que se converteu em permanente. Outras associações religiosas foram supressas.

A ESCOLÁSTICA E AS UNIVERSIDADES

As Universidades distinguiram-se das escolas locais (particulares, dos monges) por dois motivos:

- pelo fato de acolherem professores e alunos de todo o universo;- porque seus títulos valiam em qualquer parte do ocidente cristão.

O centro mais importante foi Paris, seguido de Colônia e Bolonha.A origem das Universidades está ligada ao alargamento dos horizontes culturais em

consequência das cruzadas. Então a atividade científica deslocou seu centro dos conventos para a Universidade.

No século XI as escolas claustrais e as abadias decairam. Floresceram as escolas das catedrais. Por volta de 1200, mestres de varias escolas reuniram-se em Paris numa corporação autônoma, embora com aprovação eclesial e estatal. Em 1231 Gregório IX isentou-a dos bispos, concedendo-lhe outros privilégios. Assim foram surgindo as “Universidades”: Salerno, a primeira, no séc. XI; Bolonha em 1158; Pádua em 1222; Paris em 1257, que tornou-se a mais improtante (iniciou com o colégio de teologia para 16 estudantes pobres sob Roberto de Sarbon).

Através de Agostinho e da preservação de sua teologia, a primeira metade da Idade Média esteve determinada pelo pensamento filosófico de Platão. Com Anselmo e Abelardo começou a ser preparada a base que abalou profundamente todo o edifício agostiniano-platônico.

ANSELMO DE CANTERBURY é considerado pai da escolástica. Reelaborou, sobre bases racionais, o inteiro patrimônio da fé. Então a fé passou a ser sustentada pelo intelecto. “A fé exige a razão”. A existência de Deus é demonstrada pela revelação, pela Escritura e confirmada pela razão.

- O teólogo mais importante da primeira escolástica foi PEDRO ABELARDO (1079-1142). Esqueceu os limites entre a fé e a razão. Foi duramente criticado por Bernardo de Claraval (cf. M. DREHER, 72-81).

- Em 1142 o monge GRACIANO, morto em 1158, mestre em Bolonha, recolheu e selecionou cânones da Igreja (Decretum Gratiani) que constituiram o núcleo central do Direito Canônico até 1917.

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- ARISTÓTELES, morto em 322 a.C., foi “cristianizado” pela alta escolástica constituindo o método filosófico e teológico moderno (o pensamento aristotélico penetra no Ocidente por influxo dos árabes, do comércio e das cruzadas). Foi acolhido favoravelmente pelos mendicantes:

- ALBERTO MAGNO, OP., ensinou em Paris e Colônia.- TOMÁS DE AQUINO, OP., nasceu em 1226 em Nápolis. Em 1224 fez-se dominicano,

contra a vontade dos familiares. Foi aluno de Alberto Magno em Paris e Colônia. Ensinou em Paris, Roma, Nápolis. Faleceu no caminho de ida ao Concílio de Lyon. Salientava o intelecto = conhecer a Deus.

- BOAVENTURA, nasceu em Viterbo em 1217. Em 1243 entrou na OFM. Estudou e ensinou com Tomás de Aquino em Paris. Foi ministro geral de 1257-1274. Morreu no final do Concílio de Lyon em 1274. Salientava a vontade com o objetivo de chegar ao amor de Deus.

3 - OS MOVIMENTOS HERÉTICOS

Os dissidentes religiosos medievais logo são incluídos na categoria de heréticos. Com frequência, não os conhecemos senão através da fontes eclesiásticas oficiais, em particular pelas investigações da Inquisição, que não os apresenta sob o seu melhor ângulo. Na maioria dos casos, os seus escritos foram destruídos. Deve-se sempre desconfiar dos boatos. Como outrora ocorrera com os primeiros cristãos, as tagarelices referentes às minorias tinham livre curso e o amálgama é facilmente posto em prática.

Em sua origem, muitos desses grupos dissidentes representam um protesto evangélico contra uma Igreja demasiado florescente.

a) OS CÁTAROS (cf. J. COMBY - I, 162)

O nome é derivado da palavra grega “katharos”, que significa puro. Os cátaros representam a “Igreja dos santos”. Os cátaros, ditos também Albigenses, porque a cidade de Albi era o centro do movimento

A partir de 1140, aparecem os Cátaros, principalmente no sul da França. A doutrina dos cátaros é um néo-maniqueismo que considera o mundo material como obra de um deus mau. Assim desclassificam toda a realidade sacramental da Igreja. O matrimônio é rejeitado porque gera mal (aprisiona a alma na matéria); o suicídio é buscado como forma de libertação; desprezam o trabalho manual porque implica o contato com a matéria. Jesus salva pela pregação, não pela morte. Levam à negação da encarnação e ressurreição de Cristo.

Em 1167, em Toulouse (sul da França), fizeram um concílio. À rica Igreja católica, cheia de bens temporais, pecaminosos, contrapuseram sua Igreja pobre que condenava qualquer tipo de posse. Eles definiam-se “católicos ideais”. Designavam a Igreja católica como “sinagoga de satanás”.

São uma seita elitista exclusivista: “só uma parte de seus membros se salva, ou melhor, tem condições de viver o ideal do completo despojamento das coisas materiais”. Evitam qualquer contato com a matéria para conservar a pureza. A inteira obra da criação é pecaminosa em si mesma.

Na França meridional, parte da aristocracia aproveitou-se da doutrina dos cátaros para justificar saques aos bens da Igreja e de seus fiéis. (outros grupos “ortodoxos” aparentaram-se com os cátaros).

b) VALDENSES (Pobres de Lyon) (cf. J. COMBY - I, 160)

São os seguidores de Pedro Valdo, rico mercador de Lyon (França). Lendo Mateus 10,5 ss descobriu o ideal da pobreza. Distribuiu seus bens. Pregou a pobreza e a penitência. Seus

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seguidores primavam pela piedade, boas obras, leitura da Bíblia, pregação missionária e mendicância. Valdo foi completamente ortodoxo, ao menos nos primeiros tempos.

Em 1163 o concílio de Tours estabeleceu: “Os albigenses convictos sejam encarcerados, privados de seus bens e remetidos às autoridades temporais”. Esta decisão suscitou uma rebelião armada. O concílio de Latrão convocou uma cruzada contra eles. O bispo local proibiu-os de pregar porque na época os leigos não podiam falar sobre questões de fé. Porque Valdo e seus companheiros descumpriram a proibição de pregar, foram excomungados em 1184.

Na França granjearam muitos seguidores, visto que a vida dos clérigos causava escândalo aos fiéis e era grande o anseio por uma reforma da Igreja.

MEIOS UTILIZADOS PARA COMBATER AS HERESIAS

- Pregação: Antes os Cistercienses, seguidos pelos Dominicanos e Franciscanos;- Inquisição: 1184 - acordo de Verona entre o Papa e o Imperador;

1231 - sob o controle da Igreja: “Inquisição Pontifícia”;- Cruzadas: a) 1208-12; b) 1218-19; c) 1225-29 (cf. Cento punti caldi, 143)

(Cf. A Repressão da Heresia, em J. COMBY - I, 164-167)

X - A INQUISIÇÃO

A bibliografia concernente a Inquisição é enorme. Quando Emile Van der Vekene iniciou a publicá-la, em 1963, recolheu 1950 títolos. Mas continuou crescendo muito, demonstrando o profundo interesse que o mundo da cultura reserva a esta instituição. Os autores que hoje melhor conhecem as fontes da Inquisição Espanhola são dois espanhóis, Ricardo Garcia Carcel e Jaime Contreras; um dinamarquês, Gustav Jenningsen; e um francês, Jean-Pierre Dedieu. Confira as seguintes obras:

- EYMERICH, Nicolau. Manual dos Inquisidores. Comentários de Francisco Peña; tradução de Maria José Lopes da Silva; Prefácio de Leonardo Boff. 2ª ed., Editoras: Universidade de Brasília e Rosa dos Tempos, 1993. (Trabalhar o Prefácio em grupos).

- BENNASSAR, Bartolomé. Storia dell’Inquisizione Spagnola. Dal XV al XIX secolo. Milano, 1994.

INTRODUÇÃO

O contraste existente entre a vida pobre de Jesus e a Igreja institucional do tempo, saltava aos olhos. Bispados estavam nas mãos dos nobres e poderosos leigos. Cresciam os movimentos populares contra a riqueza do clero e contra a religião estabelecida, crescia também a consciência dos leigos. Arnaldo de Brescia (Itália), exigia uma Igreja sem propriedades, pobre. Fez violentas críticas ao papado. O imperador Frederico Barbaroxa executou-o em 1155. Seus seguidores uniram-se aos Valdenses e Cátaros.

Numa sociedade compenetrada de fé mas acostumada à violência, a heresia é concebida como uma ofensa à verdade e à convivência social. No 3º Concílio de Latrão (1179), o Papa Alexandre III, por insistência de Luís VIII da França e Henrique II, da Inglaterra, convida os príncipes cristãos a confiscar os bens dos heréticos com a força das armas.

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1 - FUNDAMENTAÇÃO SOBRE A INQUISIÇÃO MEDIEVAL

A Igreja tem o dever de conservar intacto o depósito da fé cristã; de ser mestra da verdade e de atrair os filhos transviados.

De que meios a Igreja pode usar para estas finalidades? A Igreja tem poder coercitivo? Sim. Segundo o Conc. de Latrão (Can. 2214 §1) “a Igreja tem o direito de reclamar o concurso do braço secular (o Estado) exigindo a aplicação de remédios coercitivos para impedir que o erro e a heresia se propaguem entre os fiéis”. A história comprova esta legislação:

- Latâncio (séc. IV): “A religião não pode impôr-se à força”;- Stº Ambrósio, S. Martinho de Tours e o papa Sirício, protestaram contra o imperador

Máximo, porque submeteu Prisciliano à pena capital (1ª execução de um herege);- Stº Agostinho, primeiramente horrorizado com os castigos decretados pelo imperador

contra os donatistas, viu-se persuadido a crer que tais “inimigos só se corrigem com graves castigos”;

- S. Leão Magno: “O derramamento de sangue repugna a Igreja, mas o suplício corporal aplicado pela lei civil pode ser bom remédio para o espiritual”.

Legislação civil contra a heresia- Diocleciano, em 287 decreta contra os maniqueus: “Os chefes serão queimados com seus livros; os

discípulos serão condenados à morte ou a trabalhos forçados nas minas”;- Constantino, em 316, confiscou os bens e condenou os donatistas ao desterro. Desterrou também os

arianos ao Ilírico em 325.- Teodósio I, em 380 ameaçou os hereges; proibiu seus “conventículos” em 381; tirou o direito de herança

dos apolinaristas (388), aos enomianos e maniqueus (389); impôs a pena capital aos encratitas e outros hereges em 382;

- As leis de Teodósio foram confirmadas por Arcádio (395); Honório (407); Valentiniano III (428); Teodósio II (408-450); Marciano (450-457); Justiniano (527-565), com o acréscimo de outras: desterro, privação de direitos civis, confisco dos bens...

Estes exemplos mostram como as autoridades civis se adiantaram às eclesiásticas no castigo aos hereges.2 - HISTÓRICO DA INQUISIÇÃO

O Arcebispo de Reims, Henrique, era irmão de Luís VII, rei da França. Este não concordava com a orientação do papa: “tratar com brandura os hereges”. Escreveu ao papa Alexandre III, em 1162 pedindo que deixasse as mãos livres ao bispo para acabar com a heresia maniqueista. O papa, obrigado a sair de Roma, refugiou-se nos domínios de Luís VII, pensou na conveniência de considerar os desejos do monarca.

- No Sínodo de Tours (1163), os príncipes foram encarregados de “descobrir, aprisionar, castigar e confiscar os bens dos maniqueus”.

- O 3º Concílio de Latrão (1179) prega uma guerra contra os cátaros e sarracenos, com honras e indulgências das cruzadas.

- Na dieta de Verona em 1184, o papa Lúcio III e o imperador Frederico Barbaroxa, promulgaram a constituição “Ad Abolendam” anatemizando os cátaros e os pobres de Lyon e os arnaldistas com estas decisões: as penas ficam ao arbítrio da potestade secular (desterro, confisco); visita às paróquias suspeitas, duas vezes ao ano; concede plena autoridade aos bispos, em matéria de heresia.

Nascimento da Inquisição episcopal:Em 1229 o Concílio de Toulouse (cf. J. COMBY - I, 165) publica 45 capítulos, entre os quais:‘ Em cada paróquia os bispos e abades designem um sacerdote e dois ou três leigos para visitarem as

casas e descobrirem hereges;‘ Quem acolhe um herege em suas granjas e propriedades seja privado de suas posses e castigado

corporalmente;‘ Ninguém seja condenado enquanto não for declarado culpado pelo bispo. (Até aguardar a sentença,

prisão corporal).

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3 - A INQUISIÇÃO PONTIFÍCIA

Em 1231, o Papa Gregório IX organiza a Inquisição: os hereges condenados devem ser executados dentro de oito dias pelo braço secular (na fogueira); os que se arrependem obtêm a prisão perpétua. Durante o processo, os acusados não se beneficiam de nenhuma assistência jurídica e lhes é proibido apelar para outras instâncias. As conversações sobre fé, tanto em público como em particular, são proibidas aos leigos (constituição “Excommunicamus”).

Em 1232 confiou o ofício de inquisidores aos dominicanos. Em 1248 Inocêncio IV concedeu este “privilégio” aos franciscanos. (cf. Justificação teológica da repressão contra os heréticos, em J. COMBY - I, 167).

Porque o Papa assumiu a inquisição? Para impedir que o imperador Frederico II se arrogasse direitos sacros. Este tribunal eclesiástico visava a civilização: “A Igreja tinha obrigação de subtrair ao rei as violências a que estava exposta”(confisco arbitrário de bens).

Em 1252 Inocêncio IV autorizou também a tortura, se necessário, para arrancar a confissão da heresia. Ao homem medieval, o herético religioso era identificado a um revolucionário político. Por isto era perseguido. Mas, que houvesse outros meios para superar os perigos religiosos e para proclamar o Evangelho o demonstraram os mendicantes S. Domingos e S. Francisco.Em 1542 Paulo III organiza a Sagrada Congregação da Inquisição Universal. Ficou conhecida com o nome de Santo Ofício. No Vaticano II (1965) tomou o nome de Congregação para a Doutrina da fé.

Objetivo da Inquisição: Extirpar as heresias. Os judeus não eram perseguidos porque observavam a lei mosaica, mas somente porque se convertiam falsamente ao cristianismo (apostatando a nova religião ou conservando velhos dogmas).

4 - PREPARATIVOS DO PROCESSO DA INQUISIÇÃO

1 - O inquisidor, recebida a delegação pontifícia, dirigia-se à cidade suspeita de heresia;2 - Constituía um tribunal: um vigário, notários, peritos;3 - Solene sermão público com a proclamação de dois editos:

a) Edito de fé, intimando a todos os habitantes a denunciar os hereges (inclusive familiares e parentes);

b) Edito de graça: período de 15 a 30 dias durante os quais os hereges podiam obter facilmente o perdão (confissão);

4 - Pesquisa de busca aos hereges.a) PROCESSO CONTRA OS HERÉTICOS

Passado o tempo da graça eram citados ao tribunal do “Santo Ofício” todos os culpados ou suspeitos de heresia. A citação era feita durante as missas dominicais ou por aviso a domicílio. Os que fugissem eram caçados pela polícia. Se estivessem encarcerados eram conduzidos ao tribunal.

No período da inquisição estatal (1184-1231) as denúncias podiam ser anônimas. Depois tinham que ser declaradas e comprovadas. No processo eram utilizados os seguintes meios: persuasão, a intimidação e a tortura (a partir de 1252). (Francisco de la Peña, em 1578 conclui: “O inquisidor tenha sempre presente esta sentença do legislador: o acusado será torturado de modo que permaneça são para a liberdade ou para a execução”). As acusações não eram públicas. O acusado podia defender-se e recorrer ao bispo, ao vigário e ao papa em relação ao processo. (Os familiares eram obrigados moralmente a acusar o pai ou a mãe por heresias secretas? Parece que essa era uma questão discutida).

b) AUTO DA FÉ

Pela manhã, após a refeição, os sentenciados eram conduzidos à casa do inquisidor ao som dos sinos. Lidos os nomes dos réus iniciava a procissão precedida pelos frades inquisidores com

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estandarte do Santo Ofício, até a Igreja. A multidão seguia a procissão. Se era cedo, celebravam a missa. O sermão versava sobre a fé e a heresia. Seguia-se a proclamação das sentenças:

‘ Proclamava-se a indulgência para os que haviam cumprido a penitência;‘ Abjuravam de seus erros os que se arrependiam;‘ Declaravam-se as sentenças para os acusados: jejuns, obras pias, multas em dinheiro,

peregrinações, cruzes nas vestes, cárcere, juramento de lutar contra os sarracenos, entrega ao braço secular.

De 1308 a 1323 (15 anos) o inquisidor Bernardo Gui pronunciou 930 sentenças, das quais 42 foram “pena capital”; 139 absolvições imediatas; 307 encarcerações. Noventa sentenças referiam-se a falecidos que foram defendidos pelos filhos.

Conrado de Marburg, diretor espiritual de Santa Isabel de Turingia foi muito severo. Convocou ao tribunal um dos cavaleiros. Os outros revoltaram-se assassinando-o em 30/7/1233.

O inquisidor mais antipático foi Roberto, o bugre = herege, ex-cátaro. No dia 29 de maio de 1239 condenou à fogueira 180 hereges com o bispo Moranis. O papa condenou-o à prisão perpétua.

5 - A INQUISIÇÃO SOB OS REIS CATÓLICOS DA ESPANHA(cf. Storia dell’Inquisizione Spagnola, B. BENNASSAR, Biblioteca U. Rizzoli, Milano, 1994)

5.1 - A “Legenda Negra”

Existe uma “Legenda negra” para a história da conquista da América Latina e existe uma outra para a história da Espanha moderna, que se reflete sobre o catolicismo em geral. Essa tem um nome: Inquisição.

Os fatores que contribuiram para fazer nascer e nutrir esta legenda são vários:

a) A própria Inquisição que, circundando-se de silêncio, contribuiu a nutrir as mais graves suspeitas e boatos mais fantásticos;

b) Os reformadores Protestantes que em resposta às acusações de serem inovadores, e portanto de não gozarem da autoridade da tradição, sustentavam que somente eles se religavam a verdade da Igreja apostólica;

c) A propaganda anti-espanhola dos Países Baixos no séc. XVI. Tinha sido o rei da Espanha a sufocar aí as liberdades. Então não foi difícil identificar, com fins propagandísticos, opressão e Inquisição. Um papel importante exerceu a imprensa, que nos Países Baixos, era livre;

d) O Iluminismo divulgou a imagem de uma Igreja católica que havia reprimido as liberdades e havia tirado do homem a coragem de usar a própria razão. Por isso se falou de “século de trevas”, que somente as luzes haviam vencido. O caso Galileu foi um dos argumentos mais usados na propaganda;

e) O anticlericalismo do séc. XIX e o Marxismo continuaram sob este registro. O catolicismo foi pintado como obscurantismo, que se impôs graças a Inquisição, impedindo a evolução da sociedade que não soube manifestar a sólida virtude dos calvinistas (interessante ver as páginas dedicadas à Legenda do Grande Inquisidor, nos Irmãos Karamazov de Dostojevskji.

5.2 - A virada da sociedade espanhola no séc. XV

No séc. XV a Espanha era um país de fronteira: costumes diversos; povos hebreus, árabes... Estava dividida nos reinos de Castilha e León, Aragão, Navarra e Granada (este sob dominação árabe). Estes reinos não eram homogêneos nem do ponto de vista religiosos, cultural, legislativo.

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Aos olhos dos europeus (cristãos) não era um belo espetáculo a presença de árabes e judeus, de velhos e novos católicos.

A situação dos reinos de Castilha e León sob Henrique IV (1454-74) e de Aragão sob João II (1458-79) era penosa, pois ambos os reinos eram despedaçados pelas guerras intestinas.

O nascimento do herdeiro de Castilha, Juana la Beltraneja, que a voz popular dizia ser fruto do amor adúltero da rainha com Beltrán de la Cueva, fez explodir a guerra civil e a anarquia.

Com a morte do rei, o reino passou à irmã Isabel, que em 1469 havia casado com Fernando de Aragão. Esses em 1479 uniam à Castilha o reino aragonês. Os Reis Católicos, realizaram a união da Espanha, completada em 1492 com a conquista de Granada e, em 1513, com a incorporação do reino de Navarra. Com eles a Espanha se abriu ao humaninsmo, ao erasmismo, à devoção moderna e conquistou o Novo mundo.

Na vigília da tomada de Granada (1492) o problema religioso estava em primeiro plano:

a) Haviam os muçulmanos (mudéjares, mouros), que em 1482 constituiam cerca de 10% da população. Eram entre 20 e 50 mil em Castilha (sob 4 milhões de habitantes), 100 mil no reino de Valência, 50 mil em Aragão e 300 mil no reino de Granada. Nos estados cristãos tinham liberdade de costumes e de culto, em troca de um tributo. Eram, em sua maioria, agricultores que viviam nos vilarejos, por isso suas presenças não criava grandes problemas. Em geral as autoridades os protegiam, até o ponto de afastar os frades que procuravam converte-los.

Com a capitulação de Santa Fé em 21/11/1491, os Reis Católicos se empenhavam em garantir a conservação dos costumes e da religião em troca da submissão da cidade, que capitulou em 2/01/1492.

Foi nomeado arcebispo Hernando de Talavera que procurou, com bondade, converter os maometanos. Os resultados foram magros. Entre 1499 e 1501, Cisneros foi encarregado de uma dupla missão em Granada:

- uma inquisitorial para as pessoas que antes tinham sido cristãs;- uma missionária para a conversão dos mudéjares.

b) Os hebreus eram cerca de 350 mil em 1478. Esses viviam nas cidades. Ocupavam postos de prestígio e haviam contraído muitos legames com a aristocracia através de matrimônios.

Ao lado dos hebreus observantes estavam os conversos. Eram acusados de conservar suas convicções, e de praticarem escondidos os ritos judaicos (sábado, circuncisão, abstinência de carne). Eram vistos como ricos, potentes, vencedores.

Em 31 de março de 1492 a monarquia procurou resolver o problema dos hebreus de modo radical (com a expulsão).

5.3 - A Introdução da Inquisição

Em Castilha não existia a Inquisição. Em Aragão sim, mas era ineficaz.Se ela foi introduzida foi para evitar de deixar a solução do problema dos conversos ao

tumultos populares. Tinham ocorrido revoltas, como em Extremadura em 1467, e existia o perigo que a violência continuasse. Por isso os Reis Católicos obtém do papa Sixto IV (01/11/1478) uma bula que concedia a eles a nomeação dos Inquisidores.

A partir deste momento a Inquisição se torna um órgão legal da monarquia espanhola, desligado completamente de Roma. A Inquisição constituia um dos 5 Conselhos do reino (Estado, Castilha, Finanças, Inquisição e Aragão).

A OrganizaçãoA Inquisição dependia totalmente da monarquia, que nomeava o Grande Inquisidor, com

jurisdição sobre todo o reino. O primeiro foi o domenicano Tomás Torquemada. O Conselho, onde participavam dois membros do conselho de Castilha em modo

permanente, possuia a tarefa de vigiar os conselhos provinciais da Inquisição. Periodicamente

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ordenava inspeção para controlar o estado das prisões, a saúde dos carcerados, a comida, também os arquivos e os que faziam os interrogatórios. Os inspetores deviam verificar se os juízes eram suspeitos de parcialidade ou de crueldade; haviam controlado as testemunhas? Haviam usado a tortura sem indícios suficientes? Tinham relações com as prisioneiras, com as mulheres dos reclusos, com as prostitutas? Visitavam regularmente os seus distritos?

Na chefia do Conselho Supremo tinha também prelados. O pessoal julgador nas províncias era composto de pessoas preparadas, com estudos universitários e experiência jurídica e de governo. Estudando a Inquisição de Toledo, resulta que 95% dos inquisidores eram letrados (de 57 inquisidores, eram 41 mestres e 14 doutores). 90% eram seculares (não clérigos).

A Ação da Inquisição espanhola.

Os autores delineam quatro períodos na atividade da Inquisição:‘ 1ª fase (1483-1525): O alvo são os conversos do judaísmo;‘ 2ª fase (1252-1590): O alvo são os velhos católicos; a atividade antiprotestante é fraca;‘ 3ª fase (1590-1725): com a expulsão de Portugal chegam muitas pessoas que serão inquiridas por costumes judaicos;‘ 4ª fase (1725-1834): período de declínio.

As causas, sob as quais, a Inquisição era chamada a vigilar eram muito variadas:

- Causa fidei (fé): judaismo, islamismo, protestantismo, quietismo, delitos contra o Santo Ofício, blasfêmias e sacrilégio;

- Causa morum (costume): bigamia, sodomia, bestialidade;- Outras causas: contrabando de cavalos, etc.

A conclusão do processo podia ser a seguinte:- absolvidos;- reconciliados com pena;- fogueira (em pessoa ou com efígie [para os ausentes e mortos]).

Em 6 de janeiro de 1481 aconteceu o primeiro auto da fé, no qual foram colocados na fogueira seis pessoas. Desta data até 1525 teve 5.000 condenações a morte, além de milhares de pessoas condenada à revelia ou com a exumação do corpo. Este foi o período mais cruel. Uma pesquisa interessante seria ver quantas, nos mesmos anos, foram as execuções dos vários governos por causas religiosas. Por exemplo, a Inglaterra de Henrique VIII foi mais branda? Outra pergunta: foi a Inquisição que manteve católica a Espanha?

* * *

A Inquisição constitui o fenômeno mais desconcertante da Igreja medieval. Mesmo levando em conta a mentalidade da época, não há como justificar esta instituição.

Surgiu como meio para salvaguardar a ortodoxia da fé cristã e, consequentemente, para afastar e eliminar todos os inimigos da cristandade. O nome “Inquisição” provém de procurar hereges e, em seguida, puní-los. Inicialmente esta tarefa é confiada ao bispo local. Os senhores leigos são convidados a ajudar as autoridades eclesiásticas.

A Inquisição ultrapassou o período medieval e teve sobretudo na Espanha uma longa existência de terror e medo.

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Avaliar o fenômeno da Inquisição é uma tarefa arriscada. Nunca se justifica o uso do poder e da violência para eliminar os “inimigos” ou simplesmente aqueles que não se enquadram no esquema dominante. O fantasma da inquisição paira sempre sobre uma sociedade que se julga “superior” e “mais prefeita” e ameaça, por dentro, a verdadeira catolicidade do cristianismo.

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