situação política do méxico - novembro de 2014

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Uma breve analise sobre a situação política no México por Leandro Fontes - MES/RJ Nos últimos dois meses, estamos acompanhando atentamente o processo de ascensão e radicalização do movimento de massas no México. Esse brusco “incêndio popular” teve sua centelha em Iguala, cidade pertencente ao Estado de Guerrero. Local da chacina de 43 estudantes que cursavam a Escola Normal Rural Isidro Burgos de Ayotzinapa. Os alunos, conhecidos como normalistas, para além dos estudos preparatórios para a carreira do magistério, se dedicavam a atividades culturais, sociais e políticas. A escola tem regime de internato e é conhecida por ser um espaço de formação crítica. Esse modelo de escola gratuita surgiu no México no inicio do século XX para atender as demandas educacionais nas áreas mais carentes do país. Para um aluno ingressar na escola normal o pré-requisito é ter baixa renda familiar e, além desse elemento, é necessário ser aprovado numa prova concurso. O perfil majoritário dos alunos normalista é: indígena, camponês ou residente de bairros pobres. Por serem críticos e ativos politicamente, numa local cercado por grupos criminosos, eventualmente os estudantes normalistas acabam sendo perseguidos. Nos últimos cinco anos, antes do massacre de Iguala, dois estudantes foram executados e há relatos de outros desaparecimentos na região. O desenrolar da crise. No dia 26 de setembro, os normalistas haviam se dirigido ao município de Iguala com a intenção de cotizar recursos e transporte para garantir uma caravana estudantil até a Cidade do México onde ocorre anualmente a tradicional marcha de repúdio ao massacre deTlatelolco - 2 de outubro de 1968 - quando mais de 300 estudantes foram mortos pela polícia durante um protesto contra a ocupação militar da UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México). Contudo, os estudantes de Ayotzinapa foram surpreendidos a tiros pela polícia local e por um grupo de pistoleiros narcotraficantes. Após o tiroteio, os estudantes foram capturados pela polícia municipal e, em seguida, entregues aos pistoleiros. As autoridades mexicanas tentaram sustentar algumas controvérsias para embaralhar os fatos e ofuscar a barbárie. Mas, nenhuma versão pública ou desculpa oficial amorteceu a revolta e a indignação por parte do povo mexicano. Devido à pressão pública, dos familiares, de órgãos internacionais (ONU e OEA) e principalmente das manifestações, os jornais começaram a divulgar fragmentos da investigação que comprovou a relação de “parceria” entre o governo local com o cartel (organização criminosa) Guerreiros Unidos. Os autos da investigação criminal comprovaram que os normalistas, desde sua entrada em Iguala, foram seguidos por esse grupo criminoso que serviu de suporte armado aos policiais. Isto é, oficiais da policia e narcotraficantes operaram como uma equipe bem coordenada para perseguir, render e abater os estudantes. Entretanto, não é comum um grupo criminoso executar e oculta os cadáveres de 43 jovens estudantes a troco de nada. Evidentemente, teve uma ordem superior dando o sinal verde para essa atrocidade. Os primeiros suspeitos da autoria intelectual dos assassinatos já estão presos, são eles: o ex-prefeito do município de Iguala, José Luis Abarca e sua esposa, Maria de Los Angeles Pineda. O casal, que se encontrava foragido, mantinha fortes relações com o narcotráfico. Um dos chefes da milícia “Guerreiros Unidos”, conhecido como El Chuky, também é apontado como corresponsável do crime. E a lista de modo indireto pode chegar ao calcanhar do presidente dos Estados Unidos Mexicanos, Enrique Penã Neto. Desde o período do presidente Vicente Fox, os partidos políticos tradicionais para garantir a todo custo sua manutenção nos poderes do Estado gradualmente costuraram acordos e se submeteram a relações espúrias com grupos criminosos, cuja sua sustentação passa pelo narcotráfico e se estende ao controle econômico, social e político de territórios. Assim como as milícias e o trafico no Brasil, no México esses cartéis se utilizam da violência, da extorsão, dos sequestros e dos assassinatos para impor sua vontade em algumas regiões do país, principalmente nos estados de Michoacán, Sinaloa e Guerrero.

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Texto de Leandro Fontes sobre a situação do México após os assassinatos de 43 jovens estudantes de Ayotzinapa.

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Page 1: Situação política do México -  novembro de 2014

Uma breve analise sobre a situação política no Méxicopor Leandro Fontes - MES/RJ

Nos últimos dois meses, estamos acompanhando atentamente o processo de ascensão e radicalização do movimento de massas no México. Esse brusco “incêndio popular” teve sua centelha em Iguala, cidade pertencente ao Estado de Guerrero. Local da chacina de 43 estudantes que cursavam a Escola Normal Rural Isidro Burgos de Ayotzinapa. Os alunos, conhecidos como normalistas, para além dos estudos preparatórios para a carreira do magistério, se dedicavam a atividades culturais, sociais e políticas. A escola tem regime de internato e é conhecida por ser um espaço de formação crítica. Esse modelo de escola gratuita surgiu no México no inicio do século XX para atender as demandas educacionais nas áreas mais carentes do país. Para um aluno ingressar na escola normal o pré-requisito é ter baixa renda familiar e, além desse elemento, é necessário ser aprovado numa prova concurso. O perfil majoritário dos alunos normalista é: indígena, camponês ou residente de bairros pobres. Por serem críticos e ativos politicamente, numa local cercado por grupos criminosos, eventualmente os estudantes normalistas acabam sendo perseguidos. Nos últimos cinco anos, antes do massacre de Iguala, dois estudantes foram executados e há relatos de outros desaparecimentos na região.

O desenrolar da crise. No dia 26 de setembro, os normalistas haviam se dirigido ao município de Iguala com a intenção de cotizar recursos e transporte para garantir uma caravana estudantil até a Cidade do México onde ocorre anualmente a tradicional marcha de repúdio ao massacre deTlatelolco - 2 de outubro de 1968 - quando mais de 300 estudantes foram mortos pela polícia durante um protesto contra a ocupação militar da UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México). Contudo, os estudantes de Ayotzinapa foram surpreendidos a tiros pela polícia local e por um grupo de pistoleiros narcotraficantes. Após o tiroteio, os estudantes foram capturados pela polícia municipal e, em seguida, entregues aos pistoleiros. As autoridades mexicanas tentaram sustentar algumas controvérsias para embaralhar os fatos e ofuscar a barbárie. Mas, nenhuma versão pública ou desculpa oficial amorteceu a revolta e a indignação por parte do povo mexicano. Devido à pressão pública, dos familiares, de órgãos internacionais (ONU e OEA) e principalmente das manifestações, os jornais começaram a divulgar fragmentos da investigação que comprovou a relação de “parceria” entre o governo local com o cartel (organização criminosa) Guerreiros Unidos. Os autos da investigação criminal comprovaram que os normalistas, desde sua entrada em Iguala, foram seguidos por esse grupo criminoso que serviu de suporte armado aos policiais. Isto é, oficiais da policia e narcotraficantes operaram como uma equipe bem coordenada para perseguir, render e abater os estudantes.

Entretanto, não é comum um grupo criminoso executar e oculta os cadáveres de 43 jovens estudantes a troco de nada. Evidentemente, teve uma ordem superior dando o sinal verde para essa atrocidade. Os primeiros suspeitos da autoria intelectual dos assassinatos já estão presos, são eles: o ex-prefeito do município de Iguala, José Luis Abarca e sua esposa, Maria de Los Angeles Pineda. O casal, que se encontrava foragido, mantinha fortes relações com o narcotráfico. Um dos chefes da milícia “Guerreiros Unidos”, conhecido como El Chuky, também é apontado como corresponsável do crime. E a lista de modo indireto pode chegar ao calcanhar do presidente dos Estados Unidos Mexicanos, Enrique Penã Neto.

Desde o período do presidente Vicente Fox, os partidos políticos tradicionais para garantir a todo custo sua manutenção nos poderes do Estado gradualmente costuraram acordos e se submeteram a relações espúrias com grupos criminosos, cuja sua sustentação passa pelo narcotráfico e se estende ao controle econômico, social e político de territórios. Assim como as milícias e o trafico no Brasil, no México esses cartéis se utilizam da violência, da extorsão, dos sequestros e dos assassinatos para impor sua vontade em algumas regiões do país, principalmente nos estados de Michoacán, Sinaloa e Guerrero.

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O assassinato dos estudantes normalistas de Ayotzinapa foi à gota d’água para desembocar uma grande maré de mobilizações nos quatro cantos do México e chegar com força ao Palácio Nacional, sede do governo federal, no Zocálo. A marcha chamada convocada para o dia 20 de novembro, data comemorativa da revolução de 1910, foi um marco reunindo aproximadamente meio milhão de pessoais na histórica Praça da Constituição. Inúmeras atividades de solidariedade foram desenvolvidas no mesmo período, inclusive de caráter internacional nas ruas e nas redes sociais. Em poucos dias rodovias e pedágios foram ocupados, inúmeros catracaços nos metros foram realizados, um estúdio da rede de Televisa foi ocupado, a prefeitura em Iguala e a sede regional do PRI (partido do governo) foram incendiadas. As manifestações foram tendo continuidade e ganharam musculatura com a soma de ativistas ligados aos direitos humanos, familiares de desaparecidos e vitimas da escalada de violência que vive o México. O movimento de massas de modo espontâneo foi ganhando confiança em suas próprias forças e colocou contra parede as autoridades do Estado de Guerreiro e o presidente Peña Neto, exigindo justiça e solução para os profundos problemas sociais no país.

Pode-se dizer que o México não será o mesmo após essa rebelião. Assim como nas jornadas de junho no Brasil, é visível o aumento do nível de consciência de parte importante da população. O aquecimento da luta de classes e a crise de regime, fez com que o parlamento mexicano encabeçado pelos partidos PRI, PAN e PVEM aprovasse um decreto antimarchas maquiado e justificado pela defesa da “mobilidade universal”. Esse decreto nada mais é que uma tentativa de intimidar as manifestações de massa que vem ocorrendo regularmente num espaço curto de tempo. Além disso, no dia 01 de dezembro, “para conter o alastramento da labareda” o presidente Enrique Peña Neto anunciou dez medidas referentes à segurança pública do país. Entretanto, a rigor, as medidas anunciadas não passam de promessas de emendas constitucionais indicativas ao combate ao crime organizado, a mudanças de jurisdição em materiais penais, aumento do efetivo policial e promessas de enfrentamento a corrupção. Tudo indica que a velha receita será repetida, promessas vazias por um lado e forte repressão aos protestos por outro.

Apesar disso, temos que aguardar um pouco mais a reação das massas sobre as promessas de Peña Neto. Porém, em curto prazo, o que podemos caracterizar é que a polarização entre as classes e a instabilidade do governo deve seguir. De modo global, o quadro do atual presidente é critico. Não só pela aguda crise política e pelas dificuldades econômicas que passa o país. Mas, também por razões de doença (câncer) e por um escândalo moral envolvendo uma luxuosa mansão registrada no nome da primeira-dama mexicana (Angélica Rivera, atriz da rede Televisa). A polêmica mansão foi ofertada pelo Grupo Higa, grupo este que ganhou a licitação para as principais obras de infraestrutura do mandato de Peña Nieto. Ou seja, um conflito de interesses cristalino que chegou ao conhecimento do conjunto do povo. Todos esses elementos somados, pesados e medidos, revelam a crise de representatividade e legitimidade do governo priista e o “Fora Peña Neto” começa a ganhar musculatura nas manifestações.

A saber, Enrique Peña Neto é um político burguês profissional. É membro do PRI, partido que hegemonizou o poder no México por mais de sete décadas, e vem de uma família de políticos que ocupam cargos no poder executivo desde 1914. Depois de passar por inúmeros cargos dentro de seu partido, Peña Neto foi eleito a deputado e em seguida a governador do Distrito Federal do México. Em 2012 foi eleito presidente no meio de fortes indícios de fraude eleitoral por meio da compra direta de votos, suborno às principais agências de pesquisa de opinião e a utilização de grupos narcotraficantes em zonas eleitorais “curral” controladas por esse poder paralelo na base da baioneta.

Retornando a situação política, avaliamos que ainda é prematuro afirmar categoricamente o futuro do governo Peña Neto, mas a crise feriu severamente o governo e o regime político vigente. Até mesmo o PRD (Partido da Revolução Democrática), maior força de oposição nos marcos da ordem, passa por uma grave crise. Recentemente, Cuauhtémoc Cárdenas (filho de Lázaro

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Cárdenas, presidente do México entre 1934 e 1940), fundador do PRD, anunciou sua ruptura com o partido. O tema da crise política é pautado abundantemente nos principais jornais e órgãos de imprensa do país. Alguns analistas políticos pautam a urgência de uma reforma política e outros chegam a sugerir abstratamente a refundação da república mexicana.

Concretamente, os elementos objetivos da crise ainda não estão totalmente desenvolvidos e a burguesia mexicana, mesmo com fissuras, pode desencadear uma reação. O ponto fundamental é que o movimento de massas passou à ofensiva, a classe dominante não tem mais total controle do regime, a situação institucional não é estável e a condição econômica não permite grandes concessões materiais às massas. O determinante é que parte significativa do povo mexicano, em especial a juventude, compreendeu que a saída é coletiva e passa necessariamente pelas mobilizações. Mais ainda, cabe destacar que mesmo sem muita compreensão em seus primeiros passos, o movimento de massas acertou nos alvos. Isto é, os partidos da ordem, as autoridades políticas de Guerrero e o presidente Peña Neto.

Consideremos, por tanto, que setores de massas estão dispostos a lutar contra o governo e no interior desse rico movimento ascendente a juventude tem papel protagonista, seguida por setores populares radicalizados e setores médios insatisfeitos. O processo segue avançando a cada marcha ao Zocálo. O fato objetivo, ignorado apenas pelos céticos, é que a burguesia não poderá seguir governando com a mesma truculência de antes. Minimamente, o campo dos trabalhadores e do povo deverá avançar postos em relação aos direitos humanos, a segurança pública e a direitos democráticos. Isso pode ser o mínimo, mas ainda não temos como prever cientificamente o saldo final dessa jornada de lutas. Entretanto, nenhum processo é linear e é preciso refletir algumas lacunas da rebelião mexicana. Até então a classe trabalhadora organizada, dirigida pelas centrais sindicais domesticadas pelo governo, se posicionou do modo tímido e reativo ao processo. Além disso, não existe uma direção, um partido ou movimento, com um programa audaz que se proponha fazer o contraponto ao bloco burguês e se apresente como alternativa para o poder. A conclusão imediata é: com todas as debilidades e insuficiências, falta um PSOL no México.

No terreno organizativo, com profundo respeito às organizações da esquerda mexicana, em nosso ponto de vista estão distantes de serem um polo social e político atraente, independente, combativo, anti-capitalista e anti-imperialista. Em diferentes graus e matizes as correntes de tradição trotskista no México (UNIOS, PRT, MTS - Fração Trotskista, GSO - LIT) estão fragmentadas e pouco inseridas no processo vivo das ruas. Assim sendo, reproduzem velhas formulas que não dialogam qualitativamente com o movimento de massas. O movimento Zapatista (EZLN - Exército Zapatista de Libertação Nacional), por sua vez, mantém sua orientação nacionalista de guerrilha rural e de autodefesa, priorizando a manutenção das “zonas liberadas” (territórios ocupados de autogestão) no sul do Estado de Chiapas, contudo, o movimento segue não tendo relação com a luta política nacional e na pratica se abstém do todo processo. Já o novo partido MORENA (Movimento pela Regeneração Nacional), encabeçado pelo ex-candidato presidencial (então pelo PRD) e ex-governador do Distrito Federal, Andrés Manoel Lopez Obrador, é uma alternativa reformista de esquerda que surgiu com elementos superestruturalistas. Sua formação atraiu grupos, lideranças e militantes referenciados no marxismo, mas o partido não se proclama socialista, mas de nacionalista progressivo. O regime interno não permite direito de tendências e alguns de seus dirigentes mantém relações com o Foro de São Paulo. O MORENA, portanto, nasce como uma reação ao projeto de “alternância” neoliberal do PRI-PAM, mas também como uma alternativa eleitoral a centro-esquerda PRD. Sua aposta é no desgaste político e moral do atual governo, sua principal palavra de ordem nos últimos dois meses se balizava na renuncia de Peña Neto e na convocação de novas eleições presidenciais. Sua ação está mais vinculada com o movimento de massas, porém sua política referenciada nas eleições se distância de parte importante da vanguarda do movimento que defende o Fora Peña Neto e a convocação de uma assembleia constituinte ampla, democrática e soberana.

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Por último, é preciso referenciar o bravo povo mexicano. Em cinco séculos enfrentou a coroa espanhola para se libertar da escravidão e conquistar sua independência. Depois resistiu ao imperialismo espoliador norte-americano, em seguida, expulsou o exercito invasor francês. No inicio do século XX, 1910, a revolução mexicana com Zapata, Villa e Madero derrubou a ditadura Porfirio Diaz. Já no inicio dos anos 90, com a introdução do NAFTA, a luta passou pela resistência ao selvagem projeto neoliberal, responsável por milhões de pessoas exploradas, desempregadas e com baixos salários. Nessa década, o México tem servido de mercado manufatureiro em alternativa ao mercado asiático, mas a crise econômica capitalista nos EUA afetou diretamente esse setor. Assim sendo, uma parte grande de trabalhadores mexicanos foram diretamente prejudicados. Ou seja, não podemos compreender por inteiro o que acontece na luta de classes no México, se não vincularmos minimamente as condições básicas da luta nacional com a situação internacional. O massacre dos normalistas foi o estopim no barril de pólvora. Mas, o fato é que o México vem se arrastando numa crise econômica e política. A base diária do salário mínimo mexicano é de 67 pesos, isso é equivalente a 15 reais no Brasil. Não há possibilidade de uma situação desse porte perdurar de modo pacifico num país tão desigual economicamente e segregado socialmente como o México. Nesse contexto, estamos confiantes que o povo mexicano sairá mais forte desse processo. Mais ainda, conforme ocorreu na Espanha com o surgimento PODEMOS, esperamos germinar das ruas uma nova ferramenta política capaz de organizar os indignados da rebelião de todo o México.