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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL LETÍCIA CORRÊA PIRES SITES DE EMPRESAS QUE COMERCIALIZAM PRODUTOS NATURAIS: APROPRIAÇÕES POSSÍVEIS SOBRE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL Porto Alegre 2014

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE COMUNICAO SOCIAL

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO SOCIAL

    LETCIA CORRA PIRES

    SITES DE EMPRESAS QUE COMERCIALIZAM PRODUTOS

    NATURAIS: APROPRIAES POSSVEIS SOBRE ALIMENTAO

    SAUDVEL

    Porto Alegre 2014

  • LETCIA CORRA PIRES

    SITES DE EMPRESAS QUE COMERCIALIZAM PRODUTOS

    NATURAIS: APROPRIAES POSSVEIS SOBRE ALIMENTAO

    SAUDVEL

    Dissertao apresentada como requisito para obteno do grau de Mestre pelo Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Comunicao Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Orientadora: Profa. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker

    Porto Alegre 2014

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    P667a Pires, Letcia Corra

    Sites de empresas que comercializam produtos naturais: apropriaes possveis sobre alimentao saudvel / Letcia Corra Pires

    193 f. Diss. (Mestrado) FAMECOS, PUCRS. Orientao: Profa. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker.

    1. Comunicao Social. 2. Sade. 3. Comunicao Digital.

    4. Hbito Alimentar. 5. Internet. 6. Mdia Digital. I. Scroferneker, Cleusa Maria Andrade. II. Ttulo.

    CDD 301.243

    Ficha Catalogrfica elaborada por Vanessa Pinent

    CRB 10/1297

  • LETCIA CORRA PIRES

    SITES DE EMPRESAS QUE COMERCIALIZAM PRODUTOS

    NATURAIS: APROPRIAES POSSVEIS SOBRE ALIMENTAO

    SAUDVEL

    Dissertao apresentada como requisito para obteno do grau de Mestre pelo Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Comunicao Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Aprovada em: 19 de agosto de 2014.

    BANCA EXAMINADORA:

    ________________________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker PUCRS

    ________________________________________________________ Prof. Dr. Roberto Ramos PUCRS

    ________________________________________________________ Profa. Dra. Maringela Machado Toaldo UFRGS

    Porto Alegre 2014

  • Dedico esta Dissertao aos meus familiares, que estiveram comigo nesta

    rdua aventura desde o momento em que ainda era sonho, me envolvendo

    numa grande rede de apoio e compreenso, para que eu pudesse buscar

    esta redescoberta na vida profissional.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo aos meus pais, Ana Maria e Raul, pelo grande amor, apoio e

    confiana em todos os momentos dessa trajetria. Sempre acompanhando de perto

    e trazendo motivao nas horas difceis, foram meus parceiros essenciais desde os

    primeiros passos.

    Ao meu esposo, Ianiv, pela enorme generosidade, pacincia e amor. Sem

    este companheiro, meu exemplo de persistncia, eu poderia ter ficado pelo caminho.

    Seus conselhos nas horas de cansao me estimularam a retomar a batalha,

    mostrando a importncia de dar um passo de cada vez, sem o trao do

    perfeccionismo, mas com muita honestidade e adequao.

    Aos meus sogros, Helene e Jacques, por seus constantes estmulos positivos

    e imenso carinho nestes anos.

    s minhas amizades, que souberam entender minhas ausncias, sempre

    torcendo para que eu vencesse cada etapa do trabalho da melhor forma, podendo

    retornar ao convvio aps o dever cumprido.

    minha orientadora, Profa. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker, por ter

    me aceito como orientanda, mesmo com minhas limitaes e indefinies, dando-me

    um exemplo de competncia e importantes lies sobre a arte de dissertar. Sua

    pacincia e generosidade foram fundamentais para este trabalho entrar nos trilhos,

    sempre com o objetivo de construir um contedo relevante.

    Aos professores e colegas do PPGCOM/PUCRS, que enriqueceram minha

    vida, tanto pessoal quanto acadmica.

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul

    (FAPERGS) pelo apoio fundamental por meio da bolsa de pesquisa de Mestrado.

    Agradeo, por fim, a seres que no so humanos, mas que so parte

    essencial de mim: meus quatro filhos caninos, que entendem cada olhar meu e

    esto sempre ao meu lado, enchendo minha vida de muito amor e alegria.

  • A cincia uma aventura hipottica e probabilstica. O fluxo contnuo. Sempre se recomea. Errar fundamental. Correr riscos uma obrigao. O nico erro inaceitvel no correr riscos por excesso de zelo metodolgico ou de respeito s normas. O mais importante, ao final de uma pesquisa, no saber que mtodo foi usado, mas o que foi des(en)coberto. (SILVA, 2010)

  • RESUMO

    O campo Comunicao e Sade o tema desse estudo. Para o desenvolvimento

    da pesquisa foram selecionados os sites das organizaes Mundo Verde e Ponto Natural,

    tendo como objetivos evidenciar como essas empresas relacionam as sugestes de

    consumo de alimentos presentes nas subsees de seus sites denominadas Dicas com

    a sade e a preveno/tratamento de doenas e investigar os pontos congruentes e

    divergentes entre as recomendaes feitas pelas empresas e as descritas no Guia

    Alimentar para a Populao Brasileira 2014. Em relao ao Mtodo, elegeu-se a

    Hermenutica de Profundidade, tendo como procedimentos metodolgicos a pesquisa

    exploratria, o levantamento bibliogrfico e estudos de casos. As anlises apontaram a

    prevalncia de sugestes que relacionam os alimentos a peso/emagrecimento,

    preveno/tratamento de doenas e a nutrientes nos textos das empresas.

    Palavras-chave: Comunicao. Comunicao Digital. Sade. Alimentao Saudvel. Sites.

  • ABSTRACT

    The Communication and Health field is the theme of this study. In order to

    develop the research, the Mundo Verde and Ponto Natural company websites were

    selected, with the objective to show how these companies relate the suggestions of

    food consumption in subsections called "Tips" to health and the prevention /

    treatment of diseases and investigate the congruent and divergent points between

    the recommendations made by the companies and those described in the Food

    Guide for the Brazilian Population 2014. Regarding the method, we elected to Depth

    Hermeneutics, with the methodological procedures of exploratory research,

    bibliographic and case studies. The analyzes showed the prevalence of suggestions

    that relate food to weight loss, to prevention / treatment of disease and to nutrients in

    the texts of the companies.

    Key-words: Communication. Digital Communication. Health. Healthy Feed. Websites.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Formas de Investigao Hermenutica ............................................... 22

    Quadro 2 - Caractersticas tpicas dos contextos sociais ...................................... 23

    Quadro 3 - Interfaces do Campo Comunicao e Sade ...................................... 50

    Quadro 4 - O que orgnico significa? .................................................................... 63

    Quadro 5 - Princpios ticos CREMESP ............................................................... 71

    Quadro 6 - Diferentes dimenses da comunicao ............................................... 74

    Quadro 7 - Tipos de Interao para Thompson ..................................................... 83

    Quadro 8 - Simbologia das Cores ......................................................................... 91

    Quadro 9 - Mundo Verde em nmeros .................................................................. 93

    Quadro 10 - Textos selecionados para a Anlise ................................................ 114

    Quadro 11 - Sntese dos Dez passos para uma alimentao saudvel ............... 115

    Quadro 12 - Resultados da anlise dos principais sentidos sobre sade nos textos das Dicas .............................................................................. 115

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Matriz de Anlise quanto aos pontos congruentes e divergentes entre dicas dos sites e passos para uma alimentao saudvel do Guia Alimentar para a Populao Brasileira ................................................... 25

    Figura 2 - Caractersticas e exemplos de produtos prontos para consumo processados ou ultraprocessados ............................................................ 57

    Figura 3 - Proporo de empresas que possuem website ..................................... 87

    Figura 4 - Capa da Revista Mundo Verde ............................................................. 96

    Figura 5 - Rodap da pgina inicial do site Mundo Verde, descrio dos submenus ... 97

    Figura 6 - Pgina inicial do site Mundo Verde ....................................................... 98

    Figura 7 - Imagem do Facebook da Ponto Natural com convite para degustao .....102

    Figura 8 - Home do site Ponto Natural ................................................................ 104

    Figura 9 - Sees do site Ponto Natural .............................................................. 105

    Figura 10 Perfil de consumo de alimentos no Brasil..........................................108

    Figura 11 Principais fatores considerados na deciso de compra.....................110

    Figura 12 Principais aspectos para a experimentao de novo produto............112

    Figura 13 Nvel de conhecimento sobre termos apresentados..........................112

    Figura 14 Autocrtica dos consumidores sobre seu peso...................................113

    Figura 15 Informaes mais procuradas nos rtulos.........................................113

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ........................................................................................... 12

    2 MTODOS E PROCEDIMENTOS .............................................................. 18

    2.1 HERMENUTICA: UM PARADIGMA INTERPRETATIVO .......................... 18

    2.2 O REFERENCIAL DA HERMENUTICA DE PROFUNDIDADE ................. 21

    2.3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS .................................................... 27

    3 COMUNICAO E SADE ....................................................................... 29

    3.1 A COMUNICAO ..................................................................................... 32

    3.2 A SADE ................................................................................................... 41

    3.3 O CAMPO COMUNICAO E SADE ...................................................... 46

    3.4 SADE E ALIMENTAO ......................................................................... 51

    3.5 QUALIDADE DA INFORMAO EM SADE ............................................. 64

    4 COMUNICAO DIGITAL ......................................................................... 73

    4.1 A INTERATIVIDADE NO MEIO DIGITAL .................................................... 82

    4.2 SITES E A EXPERINCIA DO USURIO .................................................. 87

    5 AS EMPRESAS DE PRODUTOS NATURAIS ............................................. 92

    5.1 MUNDO VERDE ......................................................................................... 92

    5.1.1 O Site da Empresa Mundo Verde ............................................................. 97

    5.2 PONTO NATURAL ..................................................................................... 99

    5.2.1 O Site da Empresa Ponto Natural .......................................................... 103

    5.3 O CONTEXTO DO PBLICO CONSUMIDOR .......................................... 106

    6 ANLISE DOS SITES E INTERPRETAO/REINTERPRETAO ....... 114

    6.1 ANLISE .................................................................................................. 114

    6.2 REINTERPRETAO .............................................................................. 127

    7 CONSIDERAES .................................................................................. 135

    REFERNCIAS ........................................................................................ 140

    ../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313896#_Toc394313896../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313903#_Toc394313903../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313904#_Toc394313904../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313904#_Toc394313904../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313905#_Toc394313905../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313897#_Toc394313897../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313898#_Toc394313898../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313899#_Toc394313899../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313900#_Toc394313900../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313901#_Toc394313901../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313902#_Toc394313902../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313906#_Toc394313906../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313898#_Toc394313898../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313899#_Toc394313899../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313907#_Toc394313907../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313908#_Toc394313908../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313909#_Toc394313909../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313910#_Toc394313910../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313911#_Toc394313911../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313911#_Toc394313911../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313912#_Toc394313912../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313913#_Toc394313913../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313914#_Toc394313914../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313915#_Toc394313915../../AppData/Local/AppData/Local/AppData/Local/Temp/LETICIA_versao_revisada_3.doc#_Toc394313916#_Toc394313916

  • 11

    ANEXO A - Dez passos para uma alimentao saudvel, extrado do Guia Alimentar para a Populao Brasileira 2014 ............... 150

    ANEXO B - Os Seis Princpios do Guia Alimentar .................................... 152

    ANEXO C - Polticas para orientar a alimentao, extradas do livro Em Defesa da Comida um manifesto (2008), de Michael Pollan 153

    ANEXO D - Textos com opinies dos clientes sobre a Mundo Verde e Ponto Natural ........................................................................ 158

    ANEXO E - Dicas da Nutricionista Mundo Verde ...................................... 166

    ANEXO F - Dicas da Ponto Natural .......................................................... 177

    ANEXO G - Sntese sobre as principais informaes ligadas sade nas Dicas Mundo Verde e Ponto Natural .............................. 184

  • 12

    1 INTRODUO

    No Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares

    da Comunicao (Intercom) de 2013, no Grupo de Pesquisa Comunicao, Cincia,

    Meio Ambiente e Sociedade, sete trabalhos apresentados tinham, dentre suas

    palavras-chave, a sade.

    Em 2012, a Organicom1 (Revista Brasileira de Comunicao Organizacional e

    Relaes Pblicas) publicou uma edio especial sobre Comunicao e Sade

    com 17 artigos, destacando o dilogo entre a sade e a comunicao, vistas como

    reas extremamente vinculadas e intrnsecas (FERRARI, 2012, p. 12). A maior

    parte dos trabalhos abordava a comunicao a servio de temas de sade ou

    tratava da comunicao na funo de promotora da sade ou na humanizao do

    atendimento em sade.

    No mesmo ano, o congresso da Associao Latino-Americana de

    Investigadores da Comunicao (ALAIC), em seu grupo temtico Comunicao e

    Sade, contou com a apresentao de mais de 50 trabalhos a maioria sobre a

    comunicao da sade, estudos de caso sobre vises de temas de sade pblica na

    mdia, comunicao e promoo da sade.

    Esse breve panorama ilustra a relevncia e a atualidade da conexo de

    comunicao e sade em alguns dos principais fruns de discusso dos

    pesquisadores em Comunicao. Assim, na presente dissertao, elegeu-se este

    tema Comunicao e Sade, dando tambm continuidade a uma trajetria

    profissional2. A opo por Comunicao e [grifo nosso] Sade embasada em

    Arajo e Cardoso (2009, 2013), que a concebem como campos de estudo com

    1 Organicom uma publicao semestral produzida pelo Programa de Ps-Graduao em Cincias da Comunicao (PPGCom) da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo (ECA-USP), por meio do Curso de Ps-Graduao Lato Sensu de Gesto Estratgica em Comunicao Organizacional e Relaes Pblicas (Gestcorp), em conjunto com a Associao Brasileira de Pesquisadores de Comunicao Organizacional e de Relaes Pblicas (Abrapcorp).

    2 Desde 2004, recm-graduada em Jornalismo, a autora atua como assessora de comunicao. Naquele ano, exerceu essa atividade no Hospital Moinhos de Vento (Porto Alegre/Rio Grande do Sul). Logo depois, abriu empresa prpria, e, por mais de oito anos, prestou servios para a Hospitalar Home Care (tambm em Porto Alegre), organizao voltada ao atendimento de sade domiciliar.

  • 13

    discursos especficos, mas que possuem interfaces. O interesse est no

    entendimento de cada um dos campos e no dilogo que estabelecem; cada um

    como um contexto que interfere na produo de sentidos sobre o que sade, sobre

    o que comunicao. Assim, Comunicao e Sade um campo compsito,

    formado na interface de dois outros campos.

    Ressalta-se a importncia dessa definio, diferenciando-a de outras

    designaes como comunicao em sade, na sade, para a sade. Estas

    constituem outro sentido: o de uma prtica comunicativa que ocorre dentro da

    Sade; uma prtica que visa resolver os problemas da Sade, percebidos como

    problemas de comunicao ou com um forte componente comunicacional. Seu

    sentido histrico embasado numa viso instrumental, que atribui comunicao a

    identidade de um conjunto de meios a servio da sade. Ou, no caso de

    comunicao em sade [grifo nosso], pode designar uma comunicao sobre temas

    de sade, que poderia ocorrer tanto a partir do campo da Comunicao, como do

    campo da Sade. De acordo com Arajo (2013, p. 4-6) [...] comunicao para e na

    sade so instrumentais [...]; so prticas sem espaos de interlocuo e

    caracterizadas por uma abordagem normativa e prescritiva. As palavras-chaves so

    persuaso e preveno.

    Para Arajo e Cardoso (2009), no campo Comunicao e Sade, a

    comunicao entendida como o permanente processo de conferir sentido aos

    eventos, experincias e discursos sobre o mundo e a sociedade. Nesse

    enquadramento, h uma recusa de um significado pronto e acabado em cada

    palavra, passvel de ser transferido e compreendido pelos receptores [grifo nosso]

    tal e qual imaginado pelo emissor [grifo nosso]. Os diferentes contextos histrico,

    econmico, poltico, institucional, mas tambm o textual, intertextual e o situacional

    desempenham papel decisivo nos processos comunicacionais.

    Dentre as inmeras temticas do campo Comunicao e Sade, elegeu-se a

    alimentao saudvel, por consider-la como um dos principais fatores que

    influenciam a sade (KATZ; MELLER, 2014). Recentemente, em maio, foi encerrada

    a consulta pblica ao documento Guia Alimentar para a Populao Brasileira

    verso 2014. Este material foi elaborado pelo Ministrio da Sade, com a assessoria

  • 14

    do Ncleo de Pesquisas Epidemiolgicas em Nutrio e Sade (NUPENS) da

    Universidade de So Paulo, contando tambm com o apoio da Organizao Pan-

    Americana de Sade Brasil.

    O Guia Alimentar para a Populao Brasileira 2014 apresenta um conjunto de

    informaes, anlises e recomendaes sobre a escolha e o consumo de alimentos,

    tendo em vista a construo de uma alimentao saudvel [grifo nosso]. Uma das

    justificativas para a elaborao de tal documento estaria na existncia de uma gama

    de informaes sobre alimentao e sade pouco confiveis. Segundo o Guia, com

    o aumento da variedade de alimentos disponveis no mercado [...], a escolha do que

    comer passou a ser uma tarefa cada vez mais complexa (BRASIL, 2014, p. 66).

    Para Wolton (2010), vive-se numa poca na qual a qualidade e a veracidade

    das informaes encontradas na web nem sempre so questionadas. H um

    excesso de informao, sem que isso signifique conhecimento. Por isso, o autor

    alerta: preciso tomar cuidado com a m informao e com a infobesidade [...]

    (WOLTON, 2010, p. 47). Um bom exemplo disso a questo dos nutrientes dos

    alimentos o nutricionismo, to presente na indstria dos alimentos, aproveitado

    tambm por aqueles que comercializam esses produtos alimentcios. A ideologia3 do

    nutricionismo afirma que o mais importante no o alimento, mas sim o nutriente, e

    que, por este ser invisvel, preciso contar com a ajuda de especialistas para decidir

    o que comer (POLLAN, 2008).

    Nesse contexto, sites de empresas que comercializam produtos naturais4 se

    constituem num espao propcio para analisar os sentidos criados pelas informaes

    sobre a alimentao relacionada sade. Elegeu-se sites (ou websites), pois eles

    3 Thompson (2009, p. 79) prope conceitualizar ideologia em termos das maneiras como o sentido,

    mobilizado pelas formas simblicas, serve para estabelecer e sustentar relaes de dominao: estabelecer, querendo significar que o sentido pode criar ativamente e instituir relaes de dominao; sustentar, querendo significar que o sentido pode servir para manter e reproduzir relaes de dominao atravs de um contnuo processo de produo e recepo das formas simblicas. 4 Definimos as empresas Mundo Verde e Ponto Natural como empresas que comercializam produtos naturais com base em suas prprias declaraes: Maior rede de lojas de produtos naturais [grifo nosso], orgnicos e bem-estar da Amrica Latina tem como propsito a vida saudvel, bem estar e sustentabilidade (Mundo Verde em http://www.mundoverde.com.br/historia/); A Ponto Natural uma franquia de produtos naturais que alimenta o bem-estar das pessoas, desde 1985 (em http://www.pontonaturalbrasil.com.br/institucional).

    http://www.mundoverde.com.br/historia/http://www.pontonaturalbrasil.com.br/institucional

  • 15

    representam o canal, a materialidade da comunicao digital. Corra (2009)

    evidencia o fato de que a comunicao na sociedade contempornea e a

    comunicao corporativa especificamente recorrem cada vez mais invisvel e

    poderosa rede de conexes provida pelas Tecnologias Digitais de Informao e

    Comunicao (TICs). Baldissera e Silva (2012) afirmam que o site institucional

    uma das falas autorizadas da empresa, um lugar privilegiado para alinhar o discurso

    e as estratgias.

    Os sites que pertencem a empresas que comercializam especificamente

    produtos naturais Mundo Verde e Ponto Natural foram eleitos levando em

    considerao a anlise feita na pesquisa Brasil Food Trends 2020, encomendada

    pela Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (FIESP), entidade que

    congrega as principais indstrias de alimentos no pas. Esta pesquisa aponta o

    crescimento desse segmento, que dever ser o preferido dos consumidores que

    atendem aos apelos da alimentao saudvel lojas oferecendo produtos

    orgnicos, naturais, diets, lights, destinados aos consumidores adeptos de um

    conceito de vida impulsionado pela mdia e que buscam abolir acares e gorduras

    da sua dieta cotidiana (BRASIL FOOD TRENDS, 2010, p. 150).

    A partir desses recortes realizados sobre o tema mais amplo Comunicao e

    Sade, definiu-se dois problemas de pesquisa: 1) Como os sites das empresas

    Mundo Verde e Ponto Natural orientam seus consumidores sobre alimentao

    saudvel?; 2) Quais as semelhanas e/ou as diferenas entre as recomendaes

    dessas empresas que comercializam produtos naturais e as recomendaes do

    Guia Alimentar para a Populao Brasileira 2014? Para responder a tais

    questionamentos, os objetivos determinados foram, respectivamente: 1) Evidenciar

    como essas empresas relacionam as sugestes de consumo de

    alimentos/ingredientes e outros cuidados e prticas presentes nas subsees de

    seus sites denominadas Dicas com a sade e a preveno/tratamento de doenas;

    2) Investigar os pontos congruentes e divergentes entre as recomendaes feitas

    pelas empresas e as recomendaes descritas no Guia Alimentar para a Populao

    Brasileira 2014, na seo Dez passos para uma alimentao saudvel.

  • 16

    Assumiu-se como mtodo a Hermenutica de Profundidade (THOMPSON,

    2009), por considerar que ele oferece um aprofundamento nas condies

    contextuais do objeto de pesquisa. A HP permite desvelar os sentidos ocultos por

    meio de uma interpretao fundamentada. Como primeiro procedimento dessa

    pesquisa exploratria (GIL, 2010), foi realizado o levantamento bibliogrfico,

    concentrando o referencial terico nos seguintes assuntos: comunicao, sade,

    comunicao e sade, comunicao digital, alimentao saudvel e critrios de

    qualidade da informao em sade.

    O segundo procedimento o estudo de mltiplos casos (YIN, 2001), a partir

    dos sites das empresas Mundo Verde e Ponto Natural, com o recorte das sees de

    Dicas para a Anlise. Aps a descrio das empresas, de seus sites e das

    caractersticas do pblico no que se refere ao consumo de alimentos, foram

    analisados os textos das Dicas, oferecendo uma sntese dos principais sentidos de

    alimentao e sade. Posteriormente, os textos foram examinados segundo uma

    matriz prpria, cruzando as informaes [dicas] disponibilizadas com os passos do

    Guia Alimentar para a Populao Brasileira, revelando os pontos congruentes e

    divergentes.

    Como ltimo procedimento metodolgico, procedeu-se a Interpretao /

    Reinterpretao, buscando estabelecer as relaes entre informao/comunicao e

    sade, trazendo tona os sentidos ocultos nos textos dos sites em estudo sobre

    alimentao saudvel.

    O referencial terico principal compreende a comunicao (WOLTON, 2004,

    2006, 2010), a cibercultura (LEMOS, 2002; LVY, 2011), a comunicao digital

    (CORRA, 2009), a interao (PRIMO, 2011), a comunicao e sade (ARAJO,

    2013, 2009; BUENO, 2004; PINTOS, 2001), a qualidade da informao em sade

    (LOPES, 2006; CREMESP, 2001) e a alimentao saudvel (BRASIL, 2014;

    POLLAN, 2008).

    A dissertao foi organizada em sete captulos, incluindo a Introduo e as

    Consideraes Finais. No captulo inicial, apresentou-se o mtodo, a Hermenutica

    de Profundidade, ressaltando suas caractersticas e etapas, bem como os

  • 17

    procedimentos metodolgicos eleitos para concretizar a pesquisa. No captulo sobre

    Comunicao e Sade, os campos da Comunicao e da Sade foram abordados

    separadamente, para chegar discusso do campo compsito. Como um dos temas

    desse campo, discutiu-se a relao de Sade e Alimentao, mencionando,

    tambm, a questo da qualidade da informao em sade na web, a fim de

    contextualizar o objeto de pesquisa sites de empresas de produtos naturais e seus

    textos sobre alimentao e sade.

    Na sequncia, um captulo sobre Comunicao Digital foi desenvolvido, no

    qual se refletiu sobre o contexto da cibercultura, sobre as caractersticas da

    comunicao no meio digital, especialmente a interao, e sobre os sites.

    No quinto captulo, foi realizada a descrio das empresas Mundo Verde e

    Ponto Natural, destacando suas trajetrias e estratgias na web. Alm disso, o

    contexto do pblico consumidor foi abordado por meio de dados sobre o consumo

    de alimentos por parte dos brasileiros. No sexto captulo, a anlise tomou corpo,

    com vista interpretao/reinterpretao dos textos das Dicas desses sites sobre

    alimentao saudvel.

    Desse modo, espera-se contribuir para as discusses sobre o campo

    comunicao e sade, mais especificamente, sobre os sentidos produzidos pela

    informao relacionada alimentao saudvel na web.

  • 18

    2 MTODOS E PROCEDIMENTOS

    A partir de Arajo e Cardoso (2009), este trabalho adota o termo

    Comunicao e Sade, com a compreenso de que se tratam de campos distintos,

    mas que possuem interfaces. Para estas autoras, os diferentes contextos histrico,

    econmico, poltico, institucional, mas tambm o textual, intertextual, o existencial e

    o situacional desempenham papel decisivo nos processos comunicacionais. Desse

    modo, para abordar esse campo, analisando seus diferentes contextos, acredita-se

    ser o mtodo da Hermenutica de Profundidade (THOMPSON, 2009) o mais

    apropriado. Ele permite a realizao de uma sntese, uma construo criativa por

    meio da fase de Reinterpretao integrando os significados das formas simblicas

    (informaes sobre sade e alimentao saudvel) anlise do contexto de sua

    produo (contextos da comunicao, da sade, da alimentao, da comunicao

    digital e dos sites de empresas de produtos naturais).

    2.1 HERMENUTICA: UM PARADIGMA INTERPRETATIVO

    Como informa Alberti (1996), etimologicamente, hermenutica remonta ao

    verbo grego hermeneuein, geralmente traduzido por interpretar, e ao substantivo

    hermeneia, interpretao, objeto do tratado Peri hermeneias, Da interpretao, de

    Aristteles. Segundo esta autora, a maior parte dos estudiosos identifica a obra de

    Friedrich Schleiermacher (1768-1834) com uma ruptura importante na histria da

    hermenutica. At Schleiermacher, a hermenutica teria aparecido apenas nos

    momentos em que havia dificuldades com a interpretao de textos (por exemplo, na

    exegese bblica, textos jurdicos e clssicos). A partir de Schleiermacher, ela

    passaria a ser pensada sistematicamente como cincia, sendo definida como o

    estudo da prpria compreenso (ALBERTI, 1996).

    Alberti (1996) destaca que compreender seria, para Schleiermacher, a arte de

    reconstruir o pensamento de outrem. O princpio dessa reconstruo estaria no

    crculo hermenutico, isto , o processo pelo qual o todo fornece o sentido s partes

    e vice-versa.

  • 19

    Dilthey (2010) retomou as ideias de Schleiermacher, trazendo definitivamente

    a hermenutica para o campo das cincias humanas. Para compreender o homem,

    dizia o autor, necessrio compreender a historicidade e apenas na linguagem a

    vida humana encontra sua expresso mais completa. Por essa razo, a arte da

    compreenso consiste, para Dilthey, na interpretao dos resduos da existncia

    humana conservados pela escrita. A precedncia do escrito nesse processo de

    entendimento ainda ressaltada pela necessidade de alcanar um grau controlvel

    de objetividade, que s possvel quando a expresso de vida fixada.

    Assim, desde as primeiras regras hermenuticas, a historicidade e o lugar

    ou contexto, tanto do texto quanto do intrprete, so considerados. Adams e

    Junges (2009) reforam que a verdade reside na linguagem, na palavra, que

    sempre interpretao aberta e inacabada. Para esses autores, acreditar na

    estabilidade e linearidade do conhecimento acreditar que a prpria linguagem

    estvel e segura, suposio que no faz sentido na perspectiva hermenutica. No

    mais se compreende o conhecimento como claro e distinto. no e pelo processo

    que vai se constituindo o conhecimento e a aprendizagem.

    Para Alberti (1996), o filsofo alemo Martin Heidegger deu um passo alm

    com relao a Dilthey, estendendo a hermenutica para a ontologia, ou seja, para

    tudo, inclusive para as cincias da natureza. A compreenso , para ele, a base de

    toda interpretao; ela co-original com a existncia e, por isso, ontologicamente

    fundamental. Toda compreenso temporal, intencional e histrica, inclusive a das

    cincias da natureza.

    Tambm de acordo com Alberti (1996), Hans-Georg Gadamer (com a

    publicao de Verdade e mtodo, 1960), tornou-se um dos principais expoentes

    dessa nova hermenutica na filosofia alem. Ele concordava com Heidegger no

    entendimento ontolgico e buscou na dialtica grega o modelo de sua filosofia: na

    dialtica, a coisa mesma lana perguntas ao sujeito, no o sujeito o ponto da

    partida do conhecimento (ALBERTI, 1996, p. 46).

    Adams e Junges (2009) analisam que, a partir da concepo heideggeriana,

    posteriormente desenvolvida por Gadamer, a hermenutica vista como o modo

  • 20

    mais prprio de fazer filosofia. Filosofar significa interpretar, interpretar a realidade

    da vida, em seus mais diversos nveis e aspectos, no com o propsito de fazer o

    seu inventrio, mas de lhe atribuir um sentido.

    Na sequncia da tradio de hermeneutas, Andrioli (2003) destaca Paul

    Ricoeur. O trabalho de Ricoeur entendido como uma tentativa de abordar os

    problemas relativos ao significado da atitude filosfica na hermenutica (a partir de

    Gadamer) e na dialtica (a partir de Habermas). O gesto hermenutico visto como

    crtica das ideologias, levando em considerao as condies histricas a que est

    submetida a compreenso humana sob o domnio da finitude e o desafio de se

    contrapor diante das distores que emergem no ato da comunicao (ANDRIOLI,

    2003).

    Na concepo de Fonseca (2009), Ricoeur enxerga o trabalho da

    interpretao com a inteno de vencer as distncias e as diferenas culturais,

    harmonizando o leitor/intrprete com o texto que lhe era estranho, e incorporando o

    seu sentido na compreenso atual que um homem capaz de ter de si mesmo.

    Assim, o pressuposto de partida da hermenutica em Ricoeur, segundo Fonseca

    (2009), que no h conhecimento imediato de si. Toda a compreenso sempre

    o resultado de uma mediao ou de uma interpretao, ela prpria tambm sempre

    mediada. E o principal no reencontrar detrs do texto a inteno subjetiva do

    autor, mas, sim, explicitar, frente ao texto e a partir do texto, o mundo que ele abre,

    descobre e desvela.

    Schramm (2002) complementa que, no ponto de vista de Ricoeur, a

    interpretao no deve buscar a verdade, pois estar sempre restrita viso de

    mundo do intrprete, enquanto sujeito histrico e cultural. A interpretao deve

    buscar o sentido.

    Paul Ricur uma das principais influncias tericas da metodologia da

    Hermenutica de Profundidade (HP) proposta por Thompson (2009). De acordo com

    este autor (2009, p. 362):

  • 21

    A obra de Ricur de interesse particular nesse assunto, porque ele procurou construir sobre as intuies de Heidegger e Gadamer, sem abandonar as preocupaes metodolgicas. Ele procurou, explcita e sistematicamente, mostrar que a hermenutica pode oferecer tanto uma reflexo filosfica sobre o ser e a compreenso como uma reflexo metodolgica sobre a natureza e tarefas da interpretao na pesquisa social. A chave desse caminho de reflexo o que Ricur e outros chamaram de hermenutica de profundidade (HP).

    Thompson (2009) prope uma ruptura metodolgica com a hermenutica da

    vida cotidiana. O autor assinala que preciso ir alm da interpretao da doxa5,

    levando em considerao outros aspectos das formas simblicas aspectos que

    surgem da constituio do campo-objeto.

    As formas simblicas nada mais so do que expresses lingusticas, gestos,

    aes, obras de arte etc. Thompson (2009, p. 79) afirma: Por formas simblicas,

    eu entendo um amplo espectro de aes e falas, imagens e textos, que so

    produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles e outros como construtos

    significativos. Em sntese, as formas simblicas so expresses do sujeito.

    2.2 O REFERENCIAL DA HERMENUTICA DE PROFUNDIDADE

    A Hermenutica de Profundidade (HP) o estudo da construo significativa

    e da contextualizao social das formas simblicas. De acordo com Thompson

    (1995, p. 369),

    a tarefa da primeira fase da HP reconstruir as condies e contextos scio histricos de produo, circulao e recepo das formas simblicas, examinar as regras e convenes, as relaes sociais e instituies, e a distribuio de poder, recursos e oportunidades em virtude das quais esses contextos constroem campos diferenciados e socialmente estruturados.

    O mundo scio-histrico um campo-sujeito-objeto construdo pelas pessoas

    no curso rotineiro de suas vidas. Por meio das formas simblicas, o indivduo

    interpreta e reflete sobre a sua existncia. Somada preocupao scio-histrica, a

    HP leva em considerao a questo temporal passado-presente, haja vista que a

    experincia humana est inserida em uma cultura com tradies histricas, pois o

    5 Para Thompson (2009, p. 38), a interpretao da doxa a transformao interpretativa das

    compreenses, das atitudes e das crenas cotidianas das pessoas que constituem o mundo social.

  • 22

    resultado de uma pesquisa pode ter diferentes percepes de acordo com o

    momento em que a sociedade vive. Para Thompson (1995, p. 361),

    os resduos do passado no so apenas a base sobre a qual ns assimilamos novas experincias no presente e no futuro; esses resduos podem tambm servir, em circunstncias especficas, para esconder, obscurecer ou mascarar o presente.

    Thompson (1995) explica o papel inovador da abordagem da HP sobre as

    tradicionais formas de ideologia, invocando a necessidade de propor sentidos,

    discuti-los, desdobr-los e desvel-los. Na sua proposta, o pesquisador apresenta os

    sentidos ocultos que cobririam os fenmenos sociais atravs de uma leitura e

    interpretao fundamentada, plausvel e amplamente justificada. O referencial

    metodolgico da HP oferece aprofundamento e mergulho nas condies contextuais

    do fenmeno. Ele descrito em trs fases: anlise scio-histrica, anlise formal ou

    discursiva e interpretao/reinterpretao (Quadro 1) (THOMPSON, 1995).

    Quadro 1 - Formas de Investigao Hermenutica

    Fonte: Elaborado pela autora, com base em Thompson (2009, p. 365).

    A primeira fase tem o objetivo de reconstruir as condies sociais e histricas

    da produo, circulao e recepo das formas simblicas (THOMPSON, 1995, p.

    366). De acordo com o autor, no substrato material em que, e atravs do qual, as

  • 23

    formas simblicas so produzidas e transmitidas, compreendendo quatro aspectos

    bsicos dos contextos sociais (Quadro 2).

    Nessa dissertao, os contextos da comunicao, da sade, da alimentao,

    da comunicao digital e dos sites de empresas de produtos naturais Mundo Verde

    e Ponto Natural so abordados. Delimitou-se tambm o conceito de alimentao

    saudvel a partir do Guia Alimentar para a Populao Brasileira (BRASIL, 2014).

    O primeiro aspecto da fase da anlise scio-histrica trata das situaes

    espaos-temporais em que as formas simblicas (faladas, narradas, inscritas) so

    produzidas e recebidas (vistas, ouvidas, lidas) por pessoas que pertencem a um

    lugar especfico. Nesse sentido, observou-se o contexto do tempo atual, marcado

    pela cibercultura, aspecto central na discusso que feita no captulo da

    comunicao digital. Alm disso, levou-se em considerao o contexto do Brasil

    como lugar especfico. Assim, um ponto importante que tratado na dissertao

    o Guia Alimentar para a Populao Brasileira e seu contraponto, o Brasil Food

    Trends 2020 a viso da indstria nacional sobre a alimentao.

    Quadro 2 - Caractersticas tpicas dos contextos sociais

    Fonte: Adaptado de Thompson (2009, p. 199).

  • 24

    O segundo aspecto da HP nesta primeira fase observa o campo de interao

    social, que pode ser conceituado como um espao de posies ou um conjunto de

    trajetrias das organizaes, ambas relacionadas com o tipo de recurso ou capital

    que o sujeito acessou e acumulou. Alm disso, cabe reforar que so nas relaes

    sociais cotidianas que se materializam os processos de valorizao simblica de

    pessoas, objetos e prticas, que eventualmente podem reverter em valorizao

    econmica (THOMPSON, 1995). Nesse sentido, as trajetrias das empresas Mundo

    Verde e Ponto Natural so detalhadas, incluindo dados atuais sobre nmero de

    franquias e expectativas de expanso. No que concerne s regras e convenes

    que permeiam os campos de interao entre as empresas em estudo e os seus

    pblicos, o presente trabalho elucida aspectos do meio site, que regem os

    dispositivos de comunicao e informao.

    Dando sequncia anlise scio-histrica proposta por Thompson (1995), o

    terceiro aspecto da primeira fase se refere s instituies sociais, que podem ser

    vistas como conjuntos relativamente estveis de regras e recursos, juntamente com

    as relaes que so estabelecidas. As instituies sociais em anlise so as

    empresas, caracterizadas especialmente por relaes econmicas de franquias.

    Por fim, h o quarto aspecto de que trata a estrutura social, que se refere s

    assimetrias e diferenas relativamente estveis que caracterizam as instituies

    sociais e os campos de interao (THOMPSON, 1995, p. 367). No que diz respeito

    a essa caracterstica, ela abordada por meio da anlise das falas institucionais

    textos institucionais nos sites e as Dicas em um contraponto com as falas do Guia

    Alimentar.

    No que tange segunda fase da HP, a Anlise Formal ou Discursiva, h

    diversas maneiras de conduzi-la, dependendo dos objetos e das circunstncias

    particulares da investigao. De fato, pessoas, comunidades e grupos sociais

    contam suas histrias com palavras e expresses no-verbais, que contribuem para

    o entendimento da sua viso de mundo e da sua experincia. Assim, o sentido no

    est somente ao final do discurso, mas ao longo de toda a sua narrativa

    (THOMPSON, 1995).

  • 25

    A Anlise Formal ou Discursiva tem relevncia fundamental, pois examina as

    formas simblicas na perspectiva da sua estrutura interna, como por exemplo, na

    anlise semitica de uma imagem ou anlise narrativa ou de contedo de texto.

    Trata-se de uma desconstruo (campo-objeto) dos elementos internos constitutivos

    da forma simblica nas suas condies de produo ou no seu contexto scio-

    histrico.

    Considerando o objeto de estudo (textos selecionados das subsees

    denominadas Dicas dos sites das empresas Mundo Verde e Ponto Natural) e os

    objetivos da pesquisa, se recorre, inicialmente, a uma sntese sobre cada um dos

    textos e seus principais sentidos de alimentao e sade. Num segundo momento,

    uma matriz comparativa (pontos congruentes e pontos divergentes) entre os textos

    selecionados e as recomendaes do Guia Alimentar construda (Figura 1).

    Figura 1 - Matriz de Anlise quanto aos pontos congruentes e divergentes entre dicas dos sites e passos para uma alimentao saudvel do Guia Alimentar para a Populao Brasileira

    Nessa matriz, de elaborao prpria, utiliza-se as siglas M1 e P1,

    respectivamente, texto 1 da subseo Dicas da Nutricionista do site Mundo Verde6 e

    texto 1 da subseo Dicas do site Ponto Natural7. Dez textos (M1, M2... e P1, P2...)

    6 MUNDO VERDE. Dicas da nutricionista. Disponvel em: . Acesso em:14 fev. 2014. 7 PONTO NATURAL. Texto 1-Subseo Dicas. Disponvel em: . Acesso em: 14 fev. 2014.

  • 26

    de cada empresa em tais sees foram selecionados. A escolha foi feita no ms de

    fevereiro de 2014, com os textos disponveis naquele momento, focados em

    alimentao saudvel8. No cruzamento entre os textos e os passos sugeridos pelo

    Guia, assinalou-se C (convergente), D (divergente) ou NA (no se aplica).

    H o entendimento de que a matriz proporciona, mesmo que parcialmente,

    uma viso sobre a relao das Dicas fornecidas pelos sites Mundo Verde e Ponto

    Natural com as recomendaes do Guia Alimentar para a Populao Brasileira 2014,

    apontando onde esto (em que passo) as principais convergncias/divergncias. Na

    sequncia dos resultados da Matriz, h um detalhamento dos trechos em que houve

    convergncia/divergncia. Em um mesmo passo, possvel encontrar algumas

    questes convergentes e outras divergentes. Na Matriz, elegeu-se o predominante

    (mais frequente).

    A terceira e ltima fase do enfoque da HP chamada de

    Interpretao/Reinterpretao, que facilitada pelas fases anteriores, pois seus

    processos procuram revelar os padres e efeitos que constituem e operam dentro de

    uma forma simblica, denominada por Thompson (1995) como a construo criativa,

    pois o impulso compreenso do mundo social e construo de saberes que

    possuam um potencial crtico de interpretao. Para Thompson (1995, p. 375) a

    interpretao implica em um movimento novo de pensamento, ela procede por

    sntese, por construo criativa de possveis significados.

    O processo da interpretao procede de anlise desconstruo, quebra e

    diviso, visando ampliar o conhecimento da estrutura interna mediado pelos

    processos da Anlise scio-histrica e da Anlise Formal ou Discursiva e transcende

    a contextualizao das formas simblicas. A reinterpretao sntese, integrando o

    contedo das formas simblicas anlise do contexto de sua produo. Trata-se de

    uma explicao interpretativa, plausvel e bem fundamentada justificando a

    necessidade do referencial terico consistente. Thompson (1995, p. 376) argumenta

    que a possibilidade de um conflito de interpretao intrnseca ao prprio processo

    de interpretao.

    8 Tais textos esto disponveis na ntegra nos Anexos E e F.

  • 27

    O esquema intelectual da HP, reafirma Thompson (1995), dever demonstrar

    os aspectos mltiplos das formas simblicas, evitando as armadilhas do internalismo

    (o texto independente do contexto) ou do reducionismo (o texto produzido

    exclusivamente em funo do contexto), fazendo justia ao carter de constructo

    situado social e historicamente, e que apresenta uma estrutura articulada atravs da

    qual algo representado ou dito.

    2.3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    O ponto de partida a proposta de Comunicao e Sade como um campo

    especfico a ser estudado, dentro das especificidades de cada um de seus

    componentes a Comunicao e a Sade. Dentro da Comunicao, busca-se a

    Comunicao Digital, tendo o site como o meio escolhido. Considerando o conceito

    de Sade, o tema da alimentao saudvel o eleito. Desse modo, como objeto de

    pesquisa, opta-se pelos sites de empresas que comercializam produtos naturais

    Mundo Verde e Ponto Natural, selecionando, para a anlise, o recorte das sees de

    Dicas (ou Dicas da Nutricionista) que tratam de alimentao saudvel num conceito

    amplo.

    Os textos que compem tais sees so, inicialmente, sintetizados em seus

    principais sentidos de alimentao e sade, com o objetivo de evidenciar de que

    forma cada uma dessas empresas relaciona as sugestes de consumo de

    alimentos/ingredientes e outros cuidados e prticas presentes nas subsees de

    seus sites denominadas Dicas com a sade e a preveno/tratamento de doenas.

    Num segundo momento, os textos so tambm analisados conforme a Matriz

    (Figura 1), com o objetivo de investigar os pontos congruentes e divergentes entre

    as recomendaes feitas pelas empresas e as recomendaes descritas no Guia

    Alimentar para a Populao Brasileira 2014, na seo Dez passos para uma

    alimentao saudvel.

    Assim, nessa pesquisa exploratria, adota-se como primeiro procedimento

    metodolgico o levantamento bibliogrfico, concentrando o referencial terico nos

  • 28

    seguintes assuntos: comunicao, sade, comunicao e sade, comunicao

    digital, alimentao saudvel e critrios de qualidade da informao em sade.

    O segundo procedimento o estudo de mltiplos casos (sites das empresas

    Mundo Verde e Ponto Natural). Com o propsito de caracterizar essas organizaes,

    suas trajetrias so descritas, bem como algumas opinies de seus clientes,

    chegando a contemplar uma breve descrio de seus sites, com o detalhamento de

    suas sees, especialmente as sees de Dicas.

    A pesquisa exploratria tem como objetivo proporcionar maior familiaridade

    com o problema, com vistas a torn-lo mais explcito. Seu planejamento bastante

    flexvel, de modo que possibilite a considerao dos mais variados aspectos

    relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: a)

    levantamento bibliogrfico; b) entrevistas; e c) anlise de exemplos como estudos de

    caso (GIL, 2010).

    O estudo de mltiplos casos prev que cada caso pode ser cuidadosamente

    selecionado de modo a: a) prever resultados semelhantes (uma replicao literal);

    ou b) produzir resultados contrastantes apenas por razes previsveis (uma

    replicao terica) (YIN, 2001, p. 68). Trata-se de uma tcnica qualitativa, permitindo

    integrar um conjunto de ferramentas para levantamento e anlise de informaes.

    Yin (2001, p. 34) afirma que estudo de caso uma inquirio emprica que investiga

    um fenmeno contemporneo dentro de seu contexto da vida real especialmente

    quando os limites entre o fenmeno e o contexto no esto claramente definidos. O

    autor tambm considera que os estudos de caso teriam que tratar tanto do

    fenmeno de interesse quanto de seu contexto, produzindo um grande nmero de

    variveis potencialmente relevantes (YIN, 2001, p. 71). Assim, cada caso em

    particular consiste em um estudo completo, no qual se procuram provas

    convergentes com respeito aos fatos e s concluses para o caso (YIN, 2001, p. 72).

    Como ltimo procedimento metodolgico, realiza-se a Interpretao /

    Reinterpretao, buscando compreender melhor as relaes entre

    informao/comunicao e sade, trazendo tona os sentidos ocultos nos textos

    dos sites em estudo sobre alimentao saudvel.

  • 29

    3 COMUNICAO E SADE

    O Grupo de Trabalho (GT) Comunicao e Sade da Associao Latino-

    Americana de Investigadores da Comunicao (ALAIC), na descrio de seu perfil9,

    afirma que o campo Comunicao e Sade um espao de mltiplas dimenses,

    formado por histria, teorias, metodologias, tecnologias, atores, instituies, polticas,

    prticas, agendas, interesses e as relaes de poder e disputas dos sentidos

    [traduo nossa] (ALAIC, 2013). A abrangncia desse conceito pode gerar

    questionamentos. Afinal, Comunicao e Sade seria, de fato, um campo de

    estudos? Para Arajo (2013, p. 4):

    Comunicao e Sade apresenta-se como um campo compsito, formado na interface de dois outros campos, o da Comunicao e o da Sade. Neste sentido, pode ser considerado um subcampo de cada um, mas, considerando que traz em si todas as caractersticas de um campo, ainda que novo, portanto em consolidao, ser aqui assim considerado.

    Prope-se, para os fins deste trabalho, aprofundar um pouco mais a

    conceituao, especialmente no que concerne s diferenas entre os termos

    Comunicao e Sade e Comunicao para a Sade/Comunicao em Sade

    expresses muitas vezes tomadas como sinnimos. Arajo e Cardoso (2009)

    clarificam que o conectivo e ressalta o fator de articulao entre campos sociais

    distintos, historicamente constitudos, movidos por disputas por posies e capitais

    materiais e simblicos. Desse modo, o termo Comunicao e Sade implica na

    existncia de discursos especficos o da Comunicao e o da Sade que

    possuem diferentes constituies, enfoques tericos e esto em situao de

    concorrncia/cooperao e no em simples soma.

    Em contrapartida, os termos Comunicao para a Sade ou Comunicao

    em Sade tm outra concepo: a comunicao a servio do campo sade. A

    comunicao, nesses recortes, vista como um conjunto de tcnicas para serem

    utilizadas para atingir os objetivos da sade; em geral, para transmitir informaes

    de sade para a populao [viso instrumental do conceito de comunicao]

    (ARAJO; CARDOSO, 2009).

    9 Perfil deste GT disponvel em: http://www.alaic.org/site/grupos-de-trabalho/gt5-comunicacao-e-saude/.

  • 30

    Dellazzana (2012), em artigo publicado na edio temtica da Organicom

    (Revista Brasileira de Comunicao Organizacional e Relaes Pblicas) sobre

    Comunicao e Sade, apresenta um estudo que, em sua parte inicial, busca

    identificar as possveis relaes entre os termos comunicao e sade. A autora

    recorreu a um levantamento bibliogrfico das pesquisas publicadas em 2011 com o

    tema sade nos portais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da

    Comunicao (Intercom) e da Associao Nacional dos Programas de Ps-

    Graduao em Comunicao (Comps).

    Dellazzana (2012) aponta que a perspectiva mais recorrente na bibliografia

    encontrada em seu estudo a da comunicao em/para sade, considerando a

    comunicao como um aspecto transversal em sade, ou seja, a comunicao vista

    como um conjunto de estratgias para informar/influenciar as decises dos

    indivduos e comunidades para que estes promovam a sade. Polticas pblicas de

    sade, sade na comunicao comunitria, sade e cidadania, sanitarismo e

    jornalismo cientfico/divulgao cientfica apareceram como os enfoques principais

    do campo denominado comunicao em/para a sade.

    No site da Comps, Dellazzana no encontrou publicaes. Para atualizar

    esse levantamento, na presente dissertao, realizou-se tambm uma consulta10 no

    site dessa associao (na rea da Biblioteca e dos Anais do Encontro de 2013).

    Apenas trs trabalhos foram encontrados nos Anais11. Na Revista E-Comps12,

    utilizando a palavra sade no campo de pesquisa, apenas trs registros recentes13

    apareceram.

    Dellazzana (2012) pesquisou tambm o site da Sociedade Brasileira de

    Estudos Interdisciplinares da Comunicao (Intercom), no qual encontrou 29 estudos

    10

    Consulta ao site da Comps (http://www.compos.org.br) e dos Anais (http://encontro2013.compos.org.br/anais/)>. Acesso em: 18 jun. 2014.

    11 Blogs de pacientes com cncer: do estigma ao compartilhamento / A velhice no tempo do capitalismo emocional: uma questo delicada / Crack na imprensa: imaginrios e modos de representao do jornalismo sobre o surgimento e a exploso da droga em Belo Horizonte (MG, Brasil).

    12 http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos.

    13 Media Frame Building and Culture: Transgenic crops in two Brazilian Newspapers during the Year of Controversy, 2013; Epidemia e memria no discurso jornalstico sobre a dengue / Cultura da autoajuda: o surto do aconselhamento e a bioascese na mdia, 2012.

    http://www.compos.org.br/http://encontro2013.compos.org.br/anais/

  • 31

    com o tema sade publicados em 2011. As abordagens encontradas nos textos

    foram: 1) comunicao das empresas da sade com seus pblicos; 2) jornalismo

    sobre beleza/esttica; 3) jornalismo cientfico sobre doenas/preveno; 4)

    campanhas de sade pblica/conscientizao; 5) polticas de

    comunicao/comunicao comunitria; 6) propaganda de medicamentos; 7)

    pesquisas sobre a comunicao e a sade. Nestes estudos, o enfoque mais

    frequente foi a questo da sade pblica, utilizando a comunicao em campanhas

    de conscientizao da populao quanto preveno e tratamentos de doenas em

    geral.

    Tambm atualizou-se o levantamento de Dellazzana no site da Intercom

    (www.portalintercom.org.br), pesquisando nos Anais do congresso de 2013 e na

    Revista Intercom. Conforme mencionado na Introduo, sete papers que tinham,

    dentre suas palavras-chave, a sade surgiram no Grupo de Pesquisa Comunicao,

    Cincia, Meio Ambiente e Sociedade. Mas, uma busca geral sem definio de GP

    resultou em 19 trabalhos com a pesquisa da palavra sade.

    Do mesmo modo que Dellazzana (2012), visibilizando a comunicao como

    um aspecto transversal em sade, Freimuth e Quinn (2004, p. 2053) apontam

    comunicao em sade como o estudo e o uso de mtodos que permitem

    influenciar as decises individuais e grupais de modo a melhorar a sade dos

    cidados. Ainda Beltrn (2001) ressalta a importncia da comunicao para a

    promoo da sade: Visto que por definio a promoo deve alcanar seus fins

    por persuaso, no por coero, se atribui universalmente comunicao a

    qualidade de instrumento-chave para materializar tal poltica de sade (BELTRN,

    2001).

    A comunicao essencialmente no vis instrumental de transmitir

    informaes de sade para a populao parece sintetizar o conceito de

    comunicao em/para a sade. No entanto, preciso pontuar que o conceito

    abarca, por vezes, tambm prticas de jornalismo, de planejamento e de educao.

    Pintos (2001) afirma que a comunicao para a sade (ou comunicao em sade)

    se refere no apenas difuso e anlises da informao (atividade comumente

    denominada jornalismo cientfico ou jornalismo especializado em sade), mas diz

    http://www.portalintercom.org.br/

  • 32

    respeito tambm produo e aplicao de estratgias comunicacionais massivas

    e comunitrias, orientadas preveno, proteo sanitria e promoo de estilos

    de vida saudveis, bem como implementao de polticas de sade/educao

    mais globais (PINTOS, 2001, p. 122).

    Nesta dissertao, adotou-se o termo Comunicao e Sade a partir de Arajo

    e Cardoso (2009), com o entendimento de que se tratam de campos em separado,

    que possuem interfaces. Para estas autoras, a comunicao entendida como o

    permanente processo de conferir sentido aos eventos, experincias e discursos sobre

    o mundo e a sociedade. Nessa concepo, h uma recusa de um significado pronto e

    acabado em cada palavra. De acordo com Arajo e Cardoso (2009):

    ao invs de cristalizar as posies, tomamos os participantes de um processo de comunicao como interlocutores, conferindo destaque aos variados lugares que ocupam, nos diferentes contextos e relaes de poder dos quais participam. Nessa perspectiva, comunicao pensada como espao de desigual concorrncia material e simblica, que compreende no s a instncia da produo discursiva, to exacerbada nas instituies de sade, mas tambm as suas condies sociais de circulao e apropriao.

    Seguindo o raciocnio destas autoras, h a necessidade de caracterizar os

    campos Comunicao e Sade, para, ento, retornar s suas relaes.

    3.1 A COMUNICAO

    Wolton (2004, p. 29-30) define a comunicao considerando trs nveis na

    troca de mensagens: a comunicao direta, a comunicao tcnica e a comunicao

    social. No primeiro, trata-se de uma experincia antropolgica fundamental,

    traduzindo-se por compartilhar com o outro, criando a vida em sociedade e um

    modelo cultural. A comunicao tambm um conjunto de tcnicas, que permitiu a

    interao distncia por meio de tecnologias como o telefone, a televiso, o rdio, a

    informtica etc. J no terceiro sentido, Wolton (2004) aborda a comunicao social

    como a necessidade funcional de interao entre as economias globalizadas. Sob a

    perspectiva desse autor (2006, p. 10):

  • 33

    [...] salvar a comunicao antes de tudo preservar sua dimenso humanista: o essencial da comunicao no est do lado das tcnicas, dos usos ou dos mercados, mas do lado da capacidade de ligar ferramentas cada vez mais performticas a valores democrticos.

    O entendimento principal da comunicao segundo Wolton (2004) est no

    contraponto da dimenso normativa com a dimenso funcional. A normativa estaria,

    de forma ideal, relacionada comunicao direta, ao compartilhar, compreenso

    mtua. J a comunicao funcional (que englobaria, em tese, a comunicao tcnica

    ou social) estaria ligada ao sentido de transmisso e difuso, ao gerenciamento das

    informaes necessrias para o funcionamento das relaes humanas e sociais.

    Para Wolton (2006, p. 141):

    Na realidade, com a globalizao, a comunicao muda de estatuto. Deixa de ser fsica, cada vez menos um dispositivo tcnico, passa a ser a condio de simbolizao que permite o funcionamento das sociedades abertas. Est menos nas ferramentas e nos servios onipresentes do que no papel de mediao, de terceiro lugar, de interface. Passa para o lado simblico. Tornando-se to onipresente, refugia-se na representao, acentuando assim sua dimenso normativa. Eis a vitria da comunicao: a passagem da transmisso para a mediao.

    O autor enfatiza, desse modo, que o ato de comunicar est ligado ao

    entendimento entre as partes. Isso no quer dizer concordncia, mas, sim, entender

    o que o outro est falando, a partir de que lugar, com que referncias, histrias e

    representaes conforme Arajo e Cardoso (2009) apontam. Em tempos de

    convergncia de mltiplos canais, instantaneidade, abundncia de informaes e

    convivncia de diferentes culturas, o comunicar pode perder espao para o simples

    transmitir, informar, sem entendimento, sem compreenso. a isso que Wolton

    (2004) se refere quando fala da margem de manobra. Ou seja, relaes

    interpessoais podem virar uma simples comunicao funcional, sem autenticidade.

    Em contrapartida, televiso e telefone, que so meios tcnicos, podem permitir uma

    comunicao normativa, na qual a capacidade crtica estar presente. Trata-se de

    uma ambiguidade fundamental da comunicao, j que no existe a comunicao

    perfeita, isto , segundo Wolton (2006, p. 16):

    Qualquer que seja seu suporte, a informao permanece ligada mensagem. Informar produzir e distribuir mensagens o mais livremente possvel. A comunicao, em contrapartida, supe um processo de apropriao. (...) Hoje dois fenmenos importantes complicam essa relao.

  • 34

    Existem cada vez mais trocas de mensagens e, com a globalizao, cada vez mais receptores. Os riscos de incomunicao so, portando, crescentes.

    Essa incomunicao est ligada aos limites da compreenso, aos mal-

    entendidos, j que as novas tcnicas de comunicao e os inmeros canais no

    reduzem a polissemia na comunicao (WOLTON, 2004).

    Em seu livro Informar no comunicar (2010), Wolton procura retomar os

    valores de emancipao da informao e da comunicao num contexto onde

    ambas se tornaram onipresentes e terrivelmente polissmicas (WOLTON, 2010, p.

    14). Para o autor, a informao tem trs dimenses: imprensa, servio e

    conhecimento. Ele ainda acrescenta que necessrio atentar para a informao

    relacional, centro da comunicao humana, que permeia todos os meios sociais e

    organiza o dia-a-dia das pessoas. A informao relacional , na verdade, o ponto de

    partida para a compreenso do outro. A saturao e o acesso instantneo de

    informaes afetam a capacidade crtica dos indivduos. Desse modo, a enxurrada

    de informaes aumenta a incomunicao (WOLTON, 2010).

    Alm disso, a quase instantaneidade e o grande volume no significam nem

    qualidade nem pluralismo da informao. Um exemplo disso estaria na informao

    imprensa ou estilo mdia, que, sob o pretexto de alcanar a clareza para um grande

    pblico, simplificaria, formataria a comunicao a forma suplantando o contedo.

    Ganha quem for mais rpido na inveno das frases curtas e das frmulas

    (WOLTON, 2006, p. 61), enfatiza o autor.

    Ainda para este autor, A questo da comunicao o outro. Uma diferena

    quase ontolgica com a informao (WOLTON, 2010, p. 59). Com isso, ele conclui

    que comunicar cada vez menos transmitir, raramente competir, sendo cada vez

    mais negociar e, finalmente, conviver (WOLTON, 2010, p. 62). Comunicar a busca

    por tentar compreender o outro nas suas diferenas, estabelecendo um dilogo no

    qual ambos tm voz, tm direitos, tm seus tempos e espaos. Trata-se de respeito

    e isso, muitas vezes, leva tempo; um processo e no mera transmisso de

    informao instantnea.

  • 35

    Morin (2004), em certa medida, compartilha do entendimento de comunicao

    de Wolton. Ele tambm aponta que h um excesso de informao e insuficincia de

    organizao, logo, carncia de conhecimento [pois o conhecimento o resultado da

    organizao da informao]. Para Morin (2004, p. 12):

    [...] Ao discurso eufrico que diz tudo comunica oponho outra afirmao: quanto mais desenvolvidos so os meios de comunicao, menos h compreenso entre as pessoas. A compreenso no est ligada materialidade da comunicao, mas ao social, ao poltico, ao existencial, a outras coisas.

    Assim como Wolton e Morin, Rdiger (2011) ressalta a compreenso, o

    dilogo, a interao no conceito de comunicao, frisando, tambm, a questo das

    formas simblicas. Segundo o autor (2011, p. 87):

    A comunicao mediada pelas formas simblicas, mas essas precisam ser compreendidas em meio prtica para permitir a cooperao entre os homens. As chamadas formas simblicas, produto da histria, precisam ser tematizadas e entendidas para possibilitar a comunicao. A conversao, portanto, no transmisso, mas dilogo, na medida em que o sentido de que portadora no est na conscincia, nem na linguagem compartilhada pelas pessoas: produto da interao ativa dessas pessoas em um determinado contexto de vida.

    Em seu livro As teorias da comunicao (2011), Rdiger revisita as principais

    correntes tericas. O autor inicia seu curso bsico de teoria da comunicao pela

    teoria matemtica da informao, tambm conhecida como o Paradigma de

    Shannon e Weaver, do final dos anos 40. Neste, a comunicao se reduz realmente

    transmisso da informao e est relacionada ao estabelecimento das condies

    necessrias para a otimizao da transferncia de mensagens e capacidade do

    canal conduzir as informaes sem rudo para o destinatrio.

    Esta corrente relevante para a anlise, tendo em vista a prevalncia do

    entendimento de comunicao como mera transmisso de informaes at os dias

    de hoje em diversos segmentos da sociedade, em especial no meio comercial. Um

    exemplo est nos sites institucionais de diversas empresas. Estas acreditam que

    esto se comunicando [grifo nosso] com seus pblicos porque informam sobre o

    histrico da companhia, seus produtos e servios mais atuais. No entanto, no h

    canais de contato alm de um mero formulrio.

  • 36

    Na viso de Rdiger (2011), esse paradigma portador de uma srie de

    dficits, propondo uma comunicao fragmentada, com procedimentos limitados no

    tempo e com componentes rigidamente separados no espao. Tambm, o modelo

    realiza um total esvaziamento da dimenso histrica e sociocultural da comunicao

    e contm um dficit hermenutico, excluindo os conceitos de compreenso, sentido

    e interpretao.

    Em direo oposta ao Paradigma de Shannon e Weaver est a Escola de

    Chicago e o interacionismo simblico. Fundadora da reflexo terica sobre a

    comunicao nas primeiras dcadas do sculo 20, entende que as pessoas se

    relacionam atravs de smbolos e que os smbolos permeiam o processo da

    comunicao. Assim, a sociedade produto da comunicao, que proporciona a

    interao social. Conforme assinalam Borges, Carvalho e Rgo (2010, p. 151):

    Durante o processo de qualquer ato social, os objetos do ambiente percebido se definem e se redefinem. De tal dinamismo consiste a interao simblica, a qual no se d por reao direta s aes e gestos do outro, mas mediante uma interpretao dessas aes ou gestos com base no significado que lhes atribudo.

    Com efeito, para os interacionistas simblicos, o significado um dos mais

    importantes elementos na compreenso do comportamento humano. Os

    interacionistas argumentam que, para alcanar uma compreenso plena do

    processo social, o investigador precisa se apoderar dos significados que so

    experienciados pelos participantes (BORGES; CARVALHO; RGO, 2010).

    Rdiger (2011) destaca que a Escola de Chicago foi a primeira a chamar

    ateno para a revoluo nas comunicaes provocada pelo desenvolvimento das

    modernas tecnologias de comunicao, sugerindo [...] o conceito de aldeia global

    vrias dcadas antes deste ser popularizado por Marshall McLuhan. (RDIGER,

    2011, p. 48).

    Thompson (2013), que tambm sofreu influncias de McLuhan, frisa sua

    afinidade com os interacionistas simblicos e afirma que: [...] se baseia

    principalmente na tradio hermenutica, mas traz tambm uma afinidade com o

    trabalho dos interacionistas simblicos [...] (THOMPSON, 2013, p. 268). Neste caso,

  • 37

    Thompson se referia especificamente ao seu entendimento sobre self um projeto

    simblico, uma identidade, que a pessoa constri ativamente e criativamente,

    condicionada socialmente.

    Numa outra vertente, ainda ligada teoria da informao (Shannon e

    Weaver), est o paradigma funcionalista. Ele surge exatamente nesse contexto da

    criao das mdias de difuso, tentando analisar como a comunicao pode cumprir

    com suas funes na sociedade. Assim, o sistema social entendido como um

    organismo cujas diferentes partes desempenham funes de integrao e de

    manuteno do sistema (ARAJO, 2010).

    Um dos pioneiros dessa corrente foi Harold Lasswell, que definiu pela

    primeira vez a estrutura e a funo da comunicao social no final da dcada de

    1930. Ele apoiou, contra os defensores do entendimento interacionista, uma viso

    linear do processo de comunicao. Do ponto de vista da estrutura, a comunicao

    toda ao que responde s perguntas: Quem? Diz o qu? Em que canal? Para

    quem? Com que efeito? (RDIGER, 2011, p. 56).

    Conforme comenta Wolf (2012), cada uma dessas variveis vai organizar um

    setor especfico da pesquisa: a primeira determina o estudo dos emissores, isto , a

    anlise do controle sobre o que difundido. Os que estudam a segunda varivel

    elaboram o estudo do contedo das mensagens, enquanto o terceiro elemento d

    lugar ao exame dos meios. O estudo da audincia e dos efeitos define os setores de

    pesquisa restantes.

    Assim, no paradigma funcionalista, a comunicao dita eficiente quando a

    reao do receptor corresponde ao objetivo pretendido pelo comunicador. No

    entanto, nos anos 50, Wilbur Schramm, fundador do campo acadmico da

    comunicao de massas, reelaborou esse entendimento, considerando que a

    relao do emissor com o receptor no seria unilateral. Haveria um condicionamento

    recproco entre emissores e receptores no processo da comunicao. Schramm

    (1954 apud RDIGER, 2011, p. 62) assinalou que a comunicao humana

    estruturada por sujeitos que desempenham, ao mesmo tempo, as funes de

    emissor e receptor, no contexto de uma rede formada pelo sistema social em que

  • 38

    vivem. A circulao das mensagens seria mediada pelos chamados formadores de

    opinio. Os ditos experts ou especialistas como nutricionistas, no caso dos sites

    objetos desse estudo atuam como formadores de opinio (RDIGER, 2011).

    A comunicao de massa tambm foi alvo da abordagem marxista do

    paradigma da pesquisa crtica. As principais caractersticas desta so: a anlise

    centrada no produto e na produo cultural; anlise dentro de categorias histricas

    como classe social, dominao, hegemonia, racionalidade tcnica, ideologia; a

    comunicao e a cultura so estudadas no nvel ideolgico das aes sociais, no

    qual reside o significado social; o sistema simblico analisado por meio dos

    produtos culturais (mensagens); e a interpretao marcada pelo sentido da ao

    social dentro de determinada configurao histrico-social (LOPES, 1990).

    Thompson (2009), em seu livro Ideologia e Cultura Moderna, declara sua influncia

    por esta abordagem marxista ao afirmar: estudar a ideologia estudar as maneiras

    como o sentido serve para estabelecer e sustentar relaes de dominao

    (THOMPSON, 2009, p. 76).

    Na esteira do materialismo marxista, surgiu a Escola de Frankfurt, trazendo

    novas temticas como a indstria cultural e a transformao dos conflitos sociais nas

    sociedades altamente industrializadas (WOLF, 2012). O conceito principal era de

    que o mercado de massa impe padronizao e organizao; os gostos do pblico e

    as suas necessidades impem esteretipos e baixa qualidade. Desse modo, o

    sistema condiciona por completo a forma e a funo do processo de fruio e a

    qualidade do consumo, bem como a autonomia do consumidor, ou seja, esta

    mquina da indstria cultural gira sem sair do lugar: ela mesma determina o

    consumo e exclui tudo o que novo, que se configura como risco intil, tendo

    elegido com primazia a eficcia dos seus produtos (WOLF, 2012, p. 76-77). O

    carter impositivo atingia em cheio os media, conforme assinalou Lemos (2002, p.

    83): A Escola de Frankfurt criticou, de forma oportuna, o carter homogeneizante da

    tecnologia e dos media, assim como o perigo da vinculao entre tecnologia e

    poder.

    Esse vis do carter impositivo [grifo nosso] da mdia interessa ao presente

    estudo. Os discursos das indstrias e do comrcio de produtos naturais, veiculados

  • 39

    em seus sites, padronizaram a questo dos nutrientes. O produto alimentcio foi

    igualado a alimento. E todos foram reduzidos a meros nutrientes, destacando

    vitaminas, e deixando aditivos e conservantes sem a devida ateno, em letras

    minsculas, nos rtulos.

    Thompson assinala a influncia da Escola de Frankfurt sobre seu

    pensamento, j que os primeiros tericos crticos buscavam analisar as trajetrias de

    desenvolvimento especficas das sociedades modernas, refletindo sobre suas

    limitaes e oportunidades de desenvolvimento. Assim, ele argumenta: Sejam quais

    forem as limitaes da obra dos tericos crticos, eles estavam corretos, no meu

    ponto de vista, ao enfatizar a importncia persistente da dominao no mundo

    moderno (...) (THOMPSON, 2009, p. 426). No entendimento deste autor, a

    comunicao uma atividade social que envolve a produo, a transmisso e a

    recepo de formas simblicas. E a transmisso cultural das formas simblicas

    envolveria trs aspectos: o meio tcnico (substrato material, que garante grau de

    fixao e permite reproduo); o aparato institucional e o distanciamento espao-

    temporal, de acordo com Thompson (2009).

    Para o referido autor (2009, p. 167), a comunicao de massa se tornou um

    fator principal de transmisso da ideologia nas sociedades modernas:

    A comunicao de massa , certamente, uma questo de tecnologia, de mecanismos poderosos de produo e transmisso; mas, tambm, uma questo de formas simblicas, de expresses significativas de vrios tipos, que so produzidas, transmitidas e recebidas por meio de tecnologias desenvolvidas pela indstria da mdia.

    Assim, os meios tcnicos criam novas relaes sociais. A forma de

    transmisso da mdia afeta a natureza da interao social, pois contemplar, utilizar

    ou perceber uma extenso de ns mesmos sob forma tecnolgica implica

    necessariamente em adot-la (MCLUHAN, 2007, p. 64). O meio mcluhaniano o

    ambiente que afeta, tensiona, sugere significados e sentidos, visto que sob essa

    perspectiva, a noo de meio carrega em si um carter cultural (BARICHELLO;

    CARVALHO, 2013, p. 236-237).

  • 40

    Nesse sentido, a Teoria do Meio, que proporciona aportes sobre o meio digital

    e seus impactos na comunicao, entra nesta reviso terica. O americano Joshua

    Meyrowitz batizou esta corrente de pesquisa na dcada de 80. Para ele: cada

    medium um tipo de ambiente que possui caractersticas relativamente fixas que

    influenciam a comunicao numa maneira particular (MEYROWITZ, 2001, p. 95).

    Segundo o autor, as caractersticas do meio podem encorajar ou limitar formas de

    interao e organizao social, e as discusses sobre o ciberespao confirmariam

    isso.

    Joshua Meyrowitz (2001) apontou que Harold Innis e Marshall McLuhan

    faziam parte da primeira gerao desta teoria, analisando os efeitos dos meios sob o

    ponto de vista das transformaes macrossociais. Innis (1951), segundo Czitrom

    (1982), partiu dos estudos de Thorstein Veblen (1904) sobre os estgios do

    crescimento tecnolgico e chegou comunicao como um fator at ento ignorado

    pelos economistas. Em seu livro O vis da comunicao (2011), Innis trata do papel

    dos meios de comunicao na histria, valorizando a tradio oral. Tambm, discute

    a importncia do elo cultura-tecnologia no mundo moderno, destacando que a

    interao entre o meio de comunicao e realidade social criaria o vis que

    impactava os valores da comunidade, ou seja, o meio repercutia sobre a mensagem.

    McLuhan foi um seguidor de Innis. Tambm para ele, a mensagem de

    qualquer meio ou tecnologia est na mudana de escala ou padro que esse meio

    ou tecnologia introduz nas coisas humanas. A mensagem do cinema enquanto meio,

    na viso desse autor, est na transio da sucesso linear para a configurao

    criativa, por exemplo (MCLUHAN, 2007). Extrapolando para o atual objeto de

    pesquisa, considera-se que o meio de transporte internet tende a causar impactos

    na relao das empresas Mundo Verde e Ponto Natural com os pblicos que

    acessam seus sites. Os mesmos textos, em outro meio (um folder impresso, por

    exemplo) podem produzir uma informao diferente.

    Desse modo, a primeira gerao da Teoria do Meio se preocupou com as

    mudanas que as grandes instituies sociais (Estado, Escola etc.) poderiam sofrer

    por conta da insero de um novo meio. J a segunda gerao, cujo principal

    representante o prprio Meyrowitz, se ocupou especialmente dos efeitos dos

  • 41

    meios de comunicao sobre o comportamento do indivduo. Em seu livro No Sense

    of Place: The Impact of Electronic Media on Social Behavior (1986), Meyrowitz

    aproxima a Teoria do Meio do Interacionismo Simblico. Segundo Sousa (2004), ele

    argumenta que os meios de comunicao modificam as situaes sociais porque

    alteram o sentido de lugar e o acesso aos sistemas de informao.

    Com efeito, a Teoria do Meio traz contribuies relevantes para a discusso

    dessa dissertao. O meio internet tem impactos sobre os textos dos sites em

    estudo, estruturando sentidos sobre a sade que no estariam presentes em outros

    meios (impresso, por exemplo).

    E para entender os diferentes sentidos e expresses da comunicao sobre a

    sade, cabe tratar de seus variados conceitos ao longo da histria.

    3.2 A SADE

    Traar uma epistemologia da sade implica em recorrer histria. Por mais

    de seis dcadas, um conceito de sade amplamente aceito tem sido o da

    Organizao Mundial da Sade (OMS), divulgado na carta de princpios de sete de

    abril de 1948 (desde ento, o Dia Mundial da Sade): Sade o estado do mais

    completo bem-estar fsico, mental e social e no apenas a ausncia de enfermidade

    (SCLIAR, 2007, p. 37).

    No Brasil, a Constituio Federal de 1988 definiu o conceito de sade

    incorporando diversas dimenses; para se ter sade, seria preciso ter acesso a um

    conjunto de fatores como alimentao [grifo nosso], moradia, emprego, lazer,

    educao etc. (CONASS, 2011, p. 22).

    Ainda na Constituio Federal (1988), no artigo 196, a sade apresentada

    como sendo um

    direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao.

  • 42

    Tanto na definio da OMS quanto na Constituio Federal, sade um

    conceito amplo e pode parecer inatingvel. Desse modo, cabe pontuar como o

    significado de sade evoluiu ao longo dos tempos at a atualidade, discutindo esse

    carter de integralidade, que envolve tambm a alimentao, apresentado nas falas

    oficiais [grifo nosso] das instituies e governos.

    Segundo Albuquerque e Oliveira (2002), as concepes trazidas desde a pr-

    histria sobre sade e doena foram modificadas a partir de Hipcrates, mdico

    grego (460-377 a.C.), considerado o pai da medicina ocidental14. Para Scliar (2007),

    a concepo de sade e de doena tem, no Oriente, at os dias atuais, similaridade

    com a concepo hipocrtica quando as foras vitais funcionam de forma

    harmoniosa, h sade; caso contrrio, emerge a doena. Desse modo, as medidas

    teraputicas (acupuntura, ioga etc.) tm por objetivo restaurar o fluxo normal de

    energia (chi, na China; prana, na ndia) no corpo.

    J no sculo XVII, surge o modelo biomdico. Albuquerque e Oliveira (2002)

    relatam que a orientao cientfica da Idade Moderna, naquele momento da Histria,

    estava baseada numa viso mecanicista e reducionista do homem e da natureza,

    traduzindo a realidade do mundo conforme a metfora de funcionamento de uma

    mquina. Do mesmo jeito que se montavam e desmontavam as mquinas, os seres

    vivos poderiam ser estudados por suas partes constituintes (os rgos).

    No sculo XIX, dois acontecimentos histricos influenciaram o modo de

    pensar o processo sade-doena. Corra (2010) aponta que o primeiro foi a

    revoluo pasteuriana, e o segundo foi o desenvolvimento da epidemiologia e

    medicina social. Louis Pasteur [1822-1895], Robert Koch [1843-1910], entre outros

    cientistas, comearam a observar e identificar atravs do microscpio os agentes

    etiolgicos de doenas infecciosas, alcanando a produo de soros e vacinas. No

    Brasil, diversos cientistas voltaram-se para a microbiologia; entre eles, Oswaldo

    Cruz, que fez estgio no Instituto Pasteur (CORRA, 2010).

    14

    Segundo Albuquerque e Oliveira (2002), Hipcrates criou um novo conceito de sade, defendendo que as doenas no eram originadas por demnios ou por deuses, mas por causas naturais que obedeciam a leis tambm naturais. Para ele, o bem-estar estava sob a influncia do ambiente (ar, gua, locais que a pessoa frequentava, alimentao etc.).

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    De acordo com Azeredo (2011), na mesma poca, o filsofo alemo Friedrich

    Nietzsche [1844-1900] discutia a concepo de sade, partindo da compreenso de

    que no h um padro definitivo para um homem saudvel e de que o corpo est em

    permanente combate entre foras. O sinalizador da sade seria o desejo de vida, a

    capacidade de dizer sim vida, de enfrentar os combates fsicos. Negar a natureza

    trgica e catica da vida promoveria a degenerao das foras vitais, uma vez que

    no haveria como retirar do ser humano todos os seus fatores de impreciso e

    movimento.

    No pensamento nietzschiano, ainda segundo Azeredo (2011), a grande

    sade representava um estado de disposio plena para a vida. Um corpo doente

    no impedia a sade. No se tratava de ser forte ou fraco, mas de dizer sim vida

    diante da dor, da alegria, da angstia, do desconhecido.

    Dcada depois de Nietzsche, aps a Segunda Guerra Mundial, h uma

    retomada da nfase na dicotomia sade-doena. Amorim (2014) destaca que, se no

    sc. XIX os governos tinham comeado a considerar a sade a partir de uma

    vertente poltica, j que a produtividade das fbricas dependia de trabalhadores

    saudveis, depois da Segunda Guerra, tornou-se necessrio que os pases unissem

    esforos para a promoo da sade.

    Assim, nessa segunda metade do sculo XX, o foco passou a ser a adoo

    de comportamentos saudveis. Albuquerque e Oliveira (2002) exemplificam que era

    preciso deixar de fumar, ter cuidados com a alimentao [grifo nosso], praticar

    exerccio fsico, gerenciar o estresse, dormir o nmero necessrio de horas de sono

    e fazer um check up regular do estado de sade.

    J Capra (2004, p. 301) ressalta que

    a doena fsica pode ser contrabalanada por uma atitude mental positiva e por um apoio social, de modo que o estado global seja de bem-estar. Por outro lado, problemas emocionais ou o isolamento social podem fazer uma pessoa sentir-se doente, apesar de seu bom estado fsico. Essas mltiplas dimenses da sade afetam-se mutuamente, de um modo geral; a sensao de estar saudvel ocorre quando tais dimenses esto bem equilibradas e integradas. A experincia de doena resulta de modelos de desordem que podem se manifestar em vrios nveis do organismo, assim

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    como nas vrias interaes entre o organismo e os sistemas mais vastos em que ele est inserido.

    A sade, portanto, estaria ligada a uma experincia de bem-estar resultante

    de um equilbrio dinmico que envolve os aspectos fsicos e psicolgicos do

    organismo, assim como suas interaes com o meio ambiente natural e social [grifo

    nosso].

    Em 1986, ocorre a primeira Conferncia Internacional sobre Promoo da

    Sade, realizada em Ottawa (capital do Canad), onde foi aprovada a carta de

    Ottawa. Neste documento, a promoo da sade ento considerada uma

    responsabilidade tanto do indivduo, pois exige dele estilos de vida saudvel [grifo

    nosso], quanto do setor da sade, que deve propiciar condies e recursos

    essenciais sade (educao, alimentao [grifo nosso], recursos econmicos,

    equidade etc.). Assim, a promoo da sade cruza-se, oficialmente, com o

    conceito de estilo de vida (AMORIM, 2014).

    A noo de estilo de vida foi colocada como o fator mais relevante para

    preservar e/ou prejudicar a sade humana (mais importante do que os fatores

    biolgicos, ambientais ou de organizao dos servios de sade), uma vez que os

    estilos de vida esto fora do controle dos servios de sade e dependem das

    escolhas das pessoas. Assim, a concepo de que a sade depende, em maior

    grau, das decises individuais e, com isso, responsabilidade de cada indivduo

    se converteu numa ideia dominante particularmente desde os anos 90, quando o

    Banco Mundial e a Organizao Pan-Americana da Sade/OMS respaldaram essa

    postura (ROJAS-RAJS; SOTO, 2013).

    A referncia mais atual para o conceito de sade repousa no trabalho do

    pesquisador Naomar de Almeida Filho, do Instituto de Sade Coletiva da Universidade

    Federal da Bahia, que, em 2011, lanou o livro O que sade?. Com ele, a discusso

    relativiza tanto a definio da OMS quanto as teorias dos comportamentos saudveis

    de cada indivduo. O autor deixa claro que h vrias sades (p. 145). Em programa

    de entrevista veiculado no Canal Sade (2012), no qual o livro debatido entre

    Almeida Filho e a tambm pesquisadora Dina Czeresnia, o autor aponta que o

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    conceito da OMS cria uma falsa ideia de que po