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RODRIGO MORETTO PROCEDIMENTOS NO PROCESSO PENAL, PRISÕES CAUTELARES, PROVAS E MEDIDAS ASSECURATÓRIAS Doutrina e Jurisprudência

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RODRIGO MORETTO

PROCEDIMENTOS NO PROCESSO PENAL, PRISÕES CAUTELARES, PROVAS E

MEDIDAS ASSECURATÓRIAS

Doutrina e Jurisprudência

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Índice

1. Procedimentos no Processo Penal.........................................................................................................................................3

1.1. Conceituação e diferenciação entre Processo e Procedimento...........................................................................................3

1.2. Sistemas do processo penal................................................................................................................................................4

1.2.1. Sistema Inquisitório ...................................................................................................................................................4

1.2.2. Sistema Acusatório ....................................................................................................................................................5

1.2.3. Sistema Misto.............................................................................................................................................................6

2. Prisões...................................................................................................................................................................................8

2.1. Prisões cautelares.............................................................................................................................................................11

2.1.1. Prisão em flagrante...................................................................................................................................................15

2.1.2. Prisão preventiva......................................................................................................................................................21

2.1.3. Prisão temporária .....................................................................................................................................................28

2.1.4. Prisão decorrente de sentença de pronúncia.............................................................................................................30

2.1.5. Prisão decorrente de sentença penal recorrível ........................................................................................................32

3. Provas .................................................................................................................................................................................34

3.1. Perícias em geral..............................................................................................................................................................39

3.2. Exame de corpo de delito.................................................................................................................................................41

3.3. Exame necroscópico ou de autópsia ...............................................................................................................................43

3.4. Exames de lesões corporais .............................................................................................................................................44

3.5. Exame laboratorial...........................................................................................................................................................44

3.6. Perícia determinada por destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa, ou por meio de escalada ..........45

3.7. Interrogatório ...................................................................................................................................................................45

3.8. Confissão .........................................................................................................................................................................49

3.9. Prova testemunhal............................................................................................................................................................50

3.10. Prova documental ..........................................................................................................................................................52

3.11. Acareação ......................................................................................................................................................................53

3.12. Do reconhecimento de pessoas ou coisas ......................................................................................................................54

4. Medidas assecuratórias .......................................................................................................................................................56

4.1. Seqüestro .........................................................................................................................................................................57

4.1.1. Bens Imóveis............................................................................................................................................................58

4.1.2. Bens Móveis.............................................................................................................................................................60

4.2. Hipoteca Legal.................................................................................................................................................................61

4.3. Arresto .............................................................................................................................................................................62

4.4. Restituição de coisas apreendidas....................................................................................................................................64

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1. Procedimentos no Processo Penal

1.1. Conceituação e diferenciação entre Processo e Procedimento

Muito embora a maioria das pessoas acredite que processo e procedimento são palavras sinônimas, não são e, por isso, geram certa confusão e uso indevido. Na verdade, cada expressão tem um significado, vejamos:

Processo: É a aglutinação de atos que visa à aplicação da lei ao caso concreto, ou seja, processo é a maneira com que se possibilita a prestação jurisdicional do Estado. Segundo Mougenot “processo é termo mais amplo, que abrange idéias de procedimento, relação jurídico-processual e contraditório”.1

Nesta esteira, Tourinho Filho2 assevera que o processo é a atividade desenvolvida pelo juiz em concurso com os demais sujeitos processuais - partes e auxiliares da justiça - visando à solução do litígio. O processo é, genericamente, o conjunto de atos que se desenvolve na aplicação da norma jurídica.

Procedimento: É a seqüência com que devem ser apresentados os atos no processo. Trata-se do aspecto interno, mas que origina a sua forma externa. O desenvolvimento dos atos, a obediência de apre-sentação é o que se chama de procedimento.

Também denominado de rito, o procedimento é para Tourinho3 “o modus faciendi com que a presta-ção jurisdicional se desenvolve.” A maneira como se dispõem os atos dentro do processo, as suas combi-nações, relações, formas e o seu ordenamento são determinados pelo procedimento. Aliás, a caracterização de um procedimento é justamente a soma de vários atos ordenadamente expostos.

Conclui-se, portanto, que não há como haver processo sem procedimento, nem procedimento sem processo, a interligação é evidente. O procedimento é determinado por lei e não pode ser alterado, nem mesmo por concordância das partes. As formas procedimentais são de ordem pública, caracterizando-se, assim, pelo princípio da indisponibilidade4.

Não cabe às partes ou ao juiz decidir qual rito seguir, ou qual mais lhe agrada5. Compete ao legisla-dor estabelecer o modus procedendi, para que se chegue à sentença (prestação jurisdicional). E a sua obediên-cia é obrigatória, sob pena de declarar-se a nulidade do processo.

A relação processual, as partes, a natureza da infração penal determinam o procedimento a ser se-guido. Deste modo, as espécies procedimentais foram sendo criadas pelo legislador seguindo estas caracte-rísticas. Por isso, Mougenot afirma “enquanto o processo é uno, o procedimento é vário”6.

Embora se tenha o conhecimento das diferenças entre estes dois conceitos, o nosso legislador pá-trio acabou por confundi-las na legislação. No nosso Código de Processo Penal é evidente tal equívoco, na medida em que no Livro II, intitulado de “dos processos em espécie”, a nomenclatura correta seja “ dos procedimentos em espécie”, bem como os títulos que a ele pertencem, quais sejam, “do processo co-mum”, “dos processos especiais”, “ dos processos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação” – sendo que hoje estes procedimentos não vêm mais regulados pelo Código, mas,

1 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 429. 2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal, p. 245. 3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal, p. 245. 4 Contudo, apesar da indisponibilidade do rito processual, assegura Antonio Scarance, que na prática os tribunais têm burlado o procedimento. “Entretanto, a rigidez da estrutura procedimental e a falta de soluções alternativas no Código de Processo Penal levaram os juízes e tribunais a adotarem soluções que constituíram maneiras de tornar mais flexíveis os procedimentos: alarga-mento da utilização do habeas corpus para controle do ato de recebimento da denúncia; e não declaração de nulidade em virtude de vícios procedimentais”. FERNANDES, Antônio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal, p. 254. 5 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 633. 6 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 430.

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sim, por Lei Especial Lei 8.038/90 - deva a palavra processo, ser alterada para procedimento. A incongruência da terminologia está exatamente na diferença conceitual de processo e procedimento, já que as diferentes espécies abordadas no ordenamento se originam exatamente pelas suas particularidades, que revelam a síntese do procedimento.

Vale lembrar que o rito torna o processo mais célere ou mais lento, mas que, independentemente do procedimento, as garantias de devido processo legal, contraditório7, ampla defesa e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal (garantias pétreas) devem ser sempre observadas8. Todos os direitos assegurados aos litigantes no processo criminal jamais devem restar afetados pelo rito que orienta o processo, pois, conforme já citado acima, podem originar a nulidade9.

A tipificação dos procedimentos deve respeitar e garantir a funcionalidade do mesmo, assim, deve haver adequação e apropriação em relação à discussão da causa, visando a que o estado-juiz cumpra com a sua devida função de forma mais razoável e eficaz10.

1.2. Sistemas do processo penal

Para se realizar uma investigação e conduzir um processo-crime, pode-se utilizar de variados siste-mas. Historicamente foram desenvolvidos três sistemas processuais que se caracterizam, principalmente, pelas seguintes questões: a) quem exerce a jurisdição; b) a quem cabe o papel de defender e acusar; c) qual a forma de valoração de provas; d) quais as formalidades do processo.

Verificamos, então, o sistema inquisitório, o sistema acusatório e o sistema “misto”, que passamos a expor:

1.2.1. Sistema Inquisitório

O sistema penal inquisitório foi utilizado em toda a Europa Continental do Século XIII ao século XVIII, tendo sua principal expressão durante a era feudal e no direito germânico. Era a forma medieval de conduzir o processo e no Brasil foi visivelmente utilizado até as Ordenações.

Trata-se de sistema conduzido por um poder central, absoluto, em que não há dissociação entre as funções de Juiz e de Acusador, mas tão-somente uma figura única, o Magistrado, que acumulará as funções da acusação e da decisão. No processo inquisitório, pois, o juiz presidirá toda a sucessão de atos, colherá toda a prova, determinará as diligências que achar por bem e, ao final, proferirá uma decisão que porá termo à controvérsia deduzida perante ele. As provas tinham valor real, e o depoimento tinha peso diferenciado pela pessoa que depunha. A confissão era a prova das provas, e não importava o meio de consegui-la, então, utilizavam-se da tortura para que o acusado confessasse. O julgador era considerado um enviado de Deus e, por isso, tinha este poder.

Neste sistema, não há o exercício da ampla defesa e do contraditório, ou, quando há, estão sensivelmente diminuídos. Assim, como já foi possível constatar, há uma grande margem permissiva de 7 “Ao levar em conta o contraditório, no encadeamento dos atos procedimentais, a defesa deve ser posta sempre em condições de reagir à acusação, atuando depois dela”. FERNANDES, Antônio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal, p. 254. 8 Garantias constitucionais: Tutela jurisdicional: art. 5 XXXV; Devido Processo Legal: art. 5º LIV; Garantia de Acesso a Justiça: art. 5º, LXXIV; Garantia do Juízo Natural e Tratamento Paritário: art. 5º LIII e XXXVII; Ampla Defesa: art. 5º LV e LVI; Prova Conseguidas de Forma Ilícita: art. 5º LXII; Presunção de Inocência: art. 5º LVII, CF/88. 9 “O exame da nulidade em face do procedimento e de sua unidade mostra que, no plano concreto, a desobediência às regras procedimentais pode, em síntese, representar ofensa aos seguintes direitos da partes: direito a que seja observado o tipo de procedimento aplicável ao caso ou a que seja, obedecidas as alternativas procedimentais simplificadoras; direito a que não sejam suprimidos atos ou fases do procedimento; direito à ordem dos atos e fases”. FERNANDES, Antônio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal, p. 64. 10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal, p. 251.

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abusos, em que a vontade do juiz pode afastar-se da verdade aproximando-se, perigosamente, dos interesses dos governantes, dos mais fortes enfim, em detrimento da justiça para o Réu.

Ferrajoli define esta espécie de processo: “inquisitório seria todo o sistema processual onde o juiz procede de ofício na busca e valoração das provas, chegando-se ao juízo depois de uma instrução escrita e secreta da qual estão excluídos ou, de qualquer forma, limitados o contraditório e os direitos de defesa.”11

1.2.2. Sistema Acusatório

Neste sistema, o processo é conduzido com as garantias processuais devidas, toda a prova é colhida sob signo da ampla defesa e do contraditório. Há isonomia das partes e cabe a estas a produção de provas.

Existe a tripartição das funções processuais. Cada uma das partes tem função definida e específica. O Magistrado preside o feito, imprimindo-lhe a velocidade determinada pelo rito processual - indicado pelo crime contido na peça incoativa -, orienta a colheita da prova – fiscalizando a atuação das partes que são os responsáveis pela sua produção -, cuida para que haja o desenvolvimento válido do processo, proferindo, ao final, se o rito assim determinar, uma sentença na qual será decidida a causa. Haverá também a Acusação, que poderá ser pública ou privada, a qual, após iniciar a ação, através de denúncia ou queixa-crime, irá sustentar as acusações imputadas ao Réu, apontando as provas que devem ser colhidas para a comprovação do contido na sua inicial. Obviamente teremos, ainda, a Defesa, que pode e deve contraditar as provas produzidas contra o seu patrocinado (Réu), apontando as suas próprias provas e fiscalizando as atividades do Juízo e da Acusação, sempre em busca do melhor resultado para o Acusado.

Processual penal. Sistema acusatório. Prova. Gestão. Artigo 156, do CPP. Agressão ao artigo 129, i, da Constituição Federal. Ao juiz é vedado perseguir prova. Palavra da vítima. Ausência de valor probatório absoluto. O texto do artigo 156, do CPP, proclamado pela acusação, fere expressamente a norma constitucional, quer genericamente diante da recepção do sistema processual acusatório, quer específicamente em seu artigo 129, I (onde resguarda o princípio da inércia da jurisdição): eis a regra básica do jogo no sistema processual democrático: um acusa (e prova), outro defende e outro julga – não se pode cogitar da inquisitorial relação incestuosa entre acusador e julgador. A principiologia constitucional suplantou – desde muito – estratagemas como a crença mitológica de busca da “verdade real”. Dela o que se alcança é o resultado das limitações históricas, culturais e ideológicas de cada um, exteriorizado na interpretação dos fenômenos mundanos. Não prestar valor absoluto à palavra da vítima e não violar o princípio da inércia da jurisdição para buscar provas afasta a atividade jurisdicional dos dogmas processuais inquisitivos impregnados na legislação infraconstitucional e na atuação jurisdicional pátrias. A unanimidade negaram provimento ao apelo. Apelação Crime Nº 70006183826, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 28/05/2003.

Neste sistema é possível verificar a visão triangular do processo:

Visualiza-se, portanto, que a figura do julgador é imparcial e eqüidistante em relação as outras partes. Visa-se à celeridade e à publicidade dos atos. Ferrajoli define o sistema acusatório: “acusatório seria aquele em que o juiz é concebido como um sujeito passivo, rigidamente separado das partes e o processo como uma contenda entre iguais iniciada pela acusação, a qual compete toda a carga de prova,

11 FERRAJOLI, Luigi. Derecho Y Razón: Teoria del garantismo penal, p. 567.

Juiz

Acusação Defesa

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enfrentada pela defesa num juízo contraditório, oral e público, resolvida pelo juiz segundo sua livre convicção”.12

Processual Penal. Nulidade do processo. Colidência de defesa. Quebra da imparcialidade. 1. Sendo colidentes as versões apresentadas pelos réus em interrogatório, a assistência defensiva necessariamente deve ocorrer por procuradores distintos. 2. O direito de ser julgado por um terceiro imparcial, além de garantia mínima do processo penal democrático, é o próprio fundamento do ius puniendi estatal. Não é apto a sentenciar o magistrado que, durante a coleta da prova, demonstra claramente ter tomado a posição de acusador. Anularam o processo. Por maioria. Apelação Crime 70016085516, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 27/09/2006. (g.n.)

1.2.3. Sistema Misto

Como o próprio nome diz, esta espécie de processo trata de uma combinação das espécies processuais anteriormente analisadas: inquisitória e acusatória, tendo surgido, segundo alguns autores, após a Revolução Industrial.13 Divide-se em duas grandes fases que respectivamente apresentam caráter inquisitório e acusatório.

É o modo como atualmente são processadas as causas na Itália. Em um primeiro momento, o magistrado colhe as provas de forma secreta, o que impossibilita o contraditório. Posteriormente, o processo é remetido a corte que, preferencialmente, se utiliza da oralidade e publicidade, oportunizando a aplicação do princípio do contraditório e realizando a valoração das provas através do sistema de livre apreciação das provas.

Há quem, no Brasil, defenda14 que este é o nosso sistema processual. Tendo em vista que o Código de Processo Penal possui várias disposições15 com orientações e caráter inquisitório e que, mesmo não sendo um magistrado que preside a primeira fase, o delegado de polícia estaria exercendo o seu lugar e sua função.

Porém preferimos seguir as lições de Jacinto Coutinho16 e Aury Lopes Júnior17 de que não há um sistema misto. A natureza jurídica desta fase, por evidente, que antecede a instauração do processo propriamente dito – stricto sensu -, diz-se inquisitorial. No inquérito não se fala em ampla defesa, ou contraditório, pois não há acusação atuando, bem como não há atuação da defesa – esta pode apenas acompanhar. Trata-se de uma sucessão de atos presidida por um único sujeito (Delegado de Polícia), que colhe a prova, determina diligências e, ao final, elabora um relatório que, juntamente com toda a prova colhida nos autos do Inquérito, será remetida ao Juízo competente para a seqüência legal. No inquérito os direitos são os assegurados constitucionalmente a qualquer cidadão, mas não todos os aplicáveis ao processo, uma vez não haver ainda processo.18

12 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón, Teoria del garantismo penal, p. 567. 13 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 103. 14 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 104. 15 Título VII, CPP. art. 156, in fine; art. 209 in fine; Título IX, CPP. art. 311, todos os relacionados ao recurso de ofício, entre outros. 16 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à teoria geral do direito processual penal, pp. 3-55. 17 “Ora, afirmar que o sistema é misto é absolutamente insuficiente, até porque não existem mais sistemas puros... A questão é, a partir do reconhecimento de que não existem mais sistemas puros, identificar o princípio informador de cada sistema, para então classificá-lo como inquisitório ou acusatório”. LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: Fundamentos da instrumentalidade garantista, p. 86. 18 “O processo nasce com o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime, de acordo com a interpretação do Código de Pro-cesso Penal. Com efeito, caso o juiz rejeite a denúncia e o Ministério Público interponha recurso, tem-se efetivamente o início de uma relação processual.” TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código processo penal comentado.

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A continuação é a vista ao Órgão Ministerial para o oferecimento, ou não, de denúncia – no caso da ação penal pública incondicionada, ou condicionada à representação, se esta já tiver ocorrido. Se a ação for privada, o seu início dependerá, como já é sabido, do oferecimento da queixa-crime. E aí, inicia-se a triangulação, em que as partes têm as suas funções; ainda que o juiz possa determinar algumas diligências por sua íntima vontade, segundo o Código de Processo Penal, os preceitos constitucionais, as suas garantias, acabam por revogarem tais disposições. Permite-se afirmar, então, que a Constituição Federal de 1988 adotou o Sistema Acusatório.19 Sabedores de que a Constituição Federal é o documento mais importante, de maior força no ordenamento jurídico, afirmamos ser o Sistema Acusatório o adotado no Brasil.

19 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal teoria, crítica e práxis, p. 65.

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2. Prisões

Prisão é a privação de liberdade do indivíduo. Em sentindo amplo, prisão significa a privação de li-berdade de locomoção do sujeito que estaria proibido de movimentar-se, visto estar em lugar fechado, denominado clausura. Em sentindo estrito podemos dizer que prisão nada mais é do que tolher a li-berdade do ser humano, devendo tal procedimento ser efetuado por agente público, apresentando motivo lícito e decorrente de ordem fundamentada pela autoridade judiciária competente. Ainda, pode realizar-se a prisão caso haja flagrante delito ou por ordem de superior hierárquico-militar.

A prisão, então, como vimos, é fato excepcional, o normal é a liberdade20. No entanto, quan-do se comete ato ilícito, tipificado no Código Penal cuja existência gere a expedição de ordem de privação de liberdade pelo juiz21, este ato torna-se lícito e necessário. Importante que ressaltemos que no caso de se prender alguém sem justa causa, ou seja, através de ato ilícito, pode estar-se cometendo abuso de autorida-de se o coator for agente público, ou pode ser tipificado o ato de prender alguém como cárcere privado ou seqüestro, se realizado por particular nestas mesmas circunstâncias.

A liberdade do indivíduo é direito inviolável conforme prevê o caput, do artigo 5º, Constituição Fe-deral. A liberdade é cláusula pétrea na Carta Maior e, por isso mesmo a sua privação é taxativa e restritiva. O inciso LXI, art. 5º, prevê “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e funda-mentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão disciplinar ou crime propri-amente militar, definidos em lei”. Como se percebe, o rol de possibilidades de prisão é bem limitado. Aliás, poderíamos dizer resumidamente que a prisão poderá resultar apenas em: a) flagrante delito; b) ordem escrita e fundamentada do juiz (mandado de prisão)22.

Existem, é bem verdade, as hipóteses que autorizam a prisão sem ser uma das suas condições aci-ma, quais sejam, a prisão que ocorre durante o estado de defesa (artigo 136, §3º, I, CF) e a prisão realizada durante o estado de sítio (artigo 139, II). São verdadeiras exceções que autorizam a prisão sem o mandado ou sem se estar em flagrante.23 Existindo prisão sem mandado ou sem flagrante e não sendo uma das exce-ções referidas, a prisão será sempre ilegal.

A liberdade é um direito só superado pela própria vida e, para privar a liberdade de alguém, o Es-tado deve obedecer a critérios rigorosos. Assim, esta é considerada um direito clássico ou de primeira ge-ração pela Constituição e, por isso mesmo, deve obedecer de forma integral e irrestrita ao Princípio da Legalidade24. Para que não fique somente sob a égide de princípios, existe previsão legal para sua limitação

20 “É por isso que o fundamento do processo penal é a tutela da liberdade jurídica do ser humano, consubstanciando-se, antes de mais nada, em um instrumento da liberdade que surge como complemento dos direitos e garantias individuais, impondo limites à atuação estatal em cumprimento do seu dever de prestar jurisdição”. DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, pp. 3-4. 21 A figura da necessidade do juiz se faz para a aplicação do princípio da jurisdicionalidade, ou seja, com o devido processo legal. Segundo Aury Lopes Júnior, o devido processo legal está previsto no art. 5º, LIV: “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Ora, evidente que a constrição da liberdade pessoal deve ser proferida pelo magistrado, a obedecer o princípio da jurisdicionalidade. LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: Fundamentos da instrumentali-dade constitucional, p. 206. 22 Esta estreita possibilidade de prisões deve-se à visão constitucional e em caso de normalidade no contexto econômico, políti-co e social do país. 23 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 366. 24 “Não se pode cogitar em matéria criminal de um poder geral de cautela, através do qual um juiz passa a impor ao acusado restrições não expressamente previstas pelo legislador, como sucede no âmbito da jurisdição civil; tratando-se de limitação de liberdade, é indispensável a expressa permissão legal para tanto, pois o princípio da legalidade dos delitos e das penas não diz respeito apenas ao momento da condenação, mas à legalidade da inteira repressão, que põe em jogo a liberdade da pessoa desde os momentos iniciais do processo até a execução da pena imposta.” GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar, p. 57.

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e a realização de prisão. Sobre as prisões existentes em nosso ordenamento iremos discorrer a partir de então.

O Código Penal prevê em seu texto a prisão-pena, ou seja, a prisão existente como condenação por um crime. Deste modo, a prisão será oriunda de um devido processo legal, amparado pelos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e seguindo todos os preceitos legais. Ao final deste pro-cesso, chega-se à condenação do indivíduo caso tenha cometido o crime a ele imputado na exordial, é a prolação da sentença. Tal sentença, então, caso transite em julgado, origina uma pena que pode ser restriti-va de liberdade e, assim, será cumprida através da prisão.

O Código de Processo Penal tutela as prisões provisórias - aquelas que ocorrem enquanto o pro-cesso ainda não teve um deslinde final. Estas prisões provisórias têm caráter eminentemente cautelar por-que são originadas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória e, por isso, são prisões antecipa-das. Estão previstas no CPP, bem como em leis especiais. As prisões provisórias, como o próprio nome diz, são efêmeras e apenas subsistem até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Em sentido contrário à idéia de que todas as espécies de prisões provisórias são cautelares, está a tese defendida por Aury Lopes Júnior. Para ele, a prisão preventiva que se funda na garantia da ordem pública e econômica, bem como a prisão em flagrante não se apresentam como medidas cautelares. 25

Seguindo a divisão de Denílson Feitoza Pacheco, podemos classificar as prisões de acordo com sua definitividade ou provisoriedade:

a) Prisão definitiva:

a.1) Prisão penal, prisão – pena; a.2) Prisão disciplinar militar.

b) Prisão processual penal, prisão extrapenal ou prisão sem pena: b.1) Prisão processual penal;

b.1.1) prisão em flagrante; b.1.2) prisão preventiva; b.1.3) prisão temporária; b.1.4) prisão decorrente de sentença condenatória recorrível; b.1.5) prisão de decorrente de sentença de pronúncia.

b.2) prisão civil; b.3) prisão administrativa; b.4) prisão disciplinar militar.

A prisão definitiva é aquela que é imposta como forma de sanção pela prática de uma infração penal ou transgressão militar. É fixada em sentença. Assim, a prisão-pena é uma forma de prisão definiti-va26. A prisão-pena é aquela que se dá após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória. A sua finalidade é repressiva, retributiva. Podemos dizer que esta pena é a forma de castigar o infrator pela sua conduta. No Brasil só existe prisão-pena para a condenação penal.

Prisão provisória, prisão extrapenal ou prisão sem pena é a prisão de natureza cautelar, que não decorre de sentença penal condenatória transitada em julgado e, por isso, é de caráter excepcional. É im-posta não como sanção, mas para dar aplicabilidade à lei penal, acautelar a investigação criminal, para ga-rantir a segurança pública e, ainda, para os casos de transgressão militar sem condenação transitada em julgado. Prisão processual penal é aquela prisão provisória que decorre do processo penal ou da investi-gação criminal. É um instituto do direito processual penal. São verdadeiras medidas cautelares.

Rogério Lauria Tucci faz a distinção entre prisões tipicamente cautelares e prisões de natureza processual, quando diz que as prisões tipicamente cautelares são as prisões em flagrante, temporária e

25 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: Fundamentos da instrumentalidade constitucional, pp. 212-228. 26 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal teoria, crítica e práxis, p. 982.

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provisória, já que estas têm a finalidade a assecuração de resultado profícuo ao processo penal sempre que se exija a preservação da ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal ou ainda para a devida instrução criminal. De outra forma, as prisões processuais são as decorrentes de pronúncia ou de sentença penal condenatória recorrível, as quais foram alcançadas com uma instrução que ainda é corrente. 27

A prisão civil, como o próprio nome diz, advém do âmbito civil e pode ser originada de duas formas: pelo inadimplemento de pensão alimentícia ou ainda pelo depositário infiel28. Só há previsão de prisão civil para estes dois casos, não podendo ser gerada por outra causa. O inadimplemento deve ser voluntário e inescusável. Há posição jurisprudencial de que a prisão do depositário infiel não foi recepcio-nada pela Constituição Federal, tendo em vista o Pacto de São José da Costa Rica.

Não constitui constrangimento ilegal a decretação de prisão civil em desfavor do inadimplente em obrigação alimentícia. (STJ – RHC 6940 – Rel. Edson Vidigal – DJU 16.3.97, p. 189). Alienação fiduciária. Depositário infiel. Prisão civil. Habeas corpus. “No julgamento do HC 72.131, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que o Dec. Lei 911/69 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, inclusive no ponto em que admite pri-são civil do alienante fiduciante, quando se torne depositário infiel, como ali previsto. Prisão co-minada e, depois, decretada. Constrangimento ilegal não caracterizado. Habeas corpus indeferido”. (STF – HC 74.875-9 – Rel. Sidney Sanches – DJU 11.04.97, p. 12.192) Prisão civil – Alienação fiduciária em garantia. Cerceamento do direito da defesa. Incorporação em nosso Direito Constitucional do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e políticos (Dec. Legisla-tivo 226/91). Ordem concedida, com sustação do decreto prisional. (STJ – RHC 4.297-0 – Rel. Vicente Leal – DJU 05.02.96, p. 1.443).

A prisão administrativa nada tem a ver com a prática de infração penal. A sua natureza e sua or-dem são administrativas. A sua finalidade é a de compelir alguém a fazer algo ou acautelar um interesse administrativo. Existe a necessidade de uma leitura constitucional desta prisão. A doutrina majoritária a-credita que esta prisão deixou de existir com o advento da Constituição de 1988, havendo apenas a possibilidade de prisão de estrangeiro.

Prisão administrativa. Ilegalidade. Modalidade de custódia insubsistente após o advento da Consti-tuição Federal de 1988. Mandado anteriormente expedido. Hábeas corpus concedido de ofício. Aplicação do art. 5º, LXI, da CF (STF – RHc – Rel. Célio Borja – RT 641/269).

A prisão disciplinar militar é aquela que tem origem na transgressão militar e pode ser tanto de-finitiva, quanto provisória, dependendo da situação. Quando provisória, está sendo uma prisão processual, quando transitada em julgado, mostra-se como uma prisão–pena. Esta prisão é determinada e cumprida no âmbito militar e, por isso, não será objeto de estudo.

Fica-nos clara a diferença entre as prisões cautelares e as prisões-penas, já que as primeiras têm fi-nalidade instrumental e as segundas têm caráter “retributivo”29, punitivo30. Não há muito o que se falar das prisões definitivas, visto que estas são determinadas por decisões judiciais transitadas em julgado e que, por isso mesmo, têm caráter obrigatório e são estabelecidas de acordo com a sentença ou o acórdão. A sua aplicação e modo de operar são determinados também pela Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), sendo controlados pela Vara de Execuções Penais (VEC).

Cabe, neste momento, nosso estudo e aprofundamento em relação às penas provisórias, já que estas apresentam inúmeras peculiaridades. E, assim, passamos a expô-las.

27. TUCCI apud DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 87. 28 O Pacto de São José da Costa Rica (Decreto 678- 92) não autoriza prisão de depositário infiel. 29 O caráter da pena de prisão deve ser analisado quando do estudo das penas em direito penal. 30 GOMES, Luiz Flávio. Direito processual penal, p. 233.

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2.1. Prisões cautelares

Como já aventado anteriormente, a Constituição Federal preza pela liberdade dos indivíduos e, a-lém disso, prima pelo princípio da presunção da inocência. Conforme preceitua o artigo 5º, LVII, CF “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ou seja, até que fique provado o contrário por sentença penal condenatória transitada em julgado, o indivíduo é um ser inocente”.

Não só a Constituição e os Códigos Penal e Processual Penal tutelam o direito à liberdade, mas também os Pactos em que o Brasil é signatário. O Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos de Nova York e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) reser-vam grande parcela de disposições sobre o direito à liberdade e as garantias que são atinentes aos presos. Assim preceitua o artigo 9º do Pacto de Nova York: “Toda a pessoa tem direito à liberdade e a segurança pessoais. Ninguém será encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os preceitos nela estabelecidos”.

A prisão, que é um meio de restrição de liberdade, deveria ser realmente utilizada somente após a prova de culpa do acusado pela sentença transitada em julgado, mas há casos em que se faz necessária a realização da prisão anteriormente a este fato. Assim, recorrendo a outros princípios, provamos a necessi-dade existente, em certos momentos e casos específicos, de se utilizar as prisões provisórias. Essas medi-das cautelares pessoais31 são sustentadas pelo princípio da proporcionalidade32, por exemplo, quando se aplica a medida de restrição de liberdade já que o crime cometido é tão grave a ponto de atemorizar toda a sociedade. A medida cautelar é proporcional à gravidade da ação do agente no mais das vezes. Outro prin-cípio que dá base para a aplicação da prisão provisória é o princípio da necessidade encontrada, por exem-plo, quando existe a imperiosa necessidade de prisão do acusado para que este não fuja.

Somente se procede a uma prisão cautelar33 quando forem claros e evidentes dois fundamentos: fumus commissi delicti e periculum libertatis, ou seja, fumaça de cometimento de crime e perigo de liberdade do autor do delito. É certo que, se não houver nenhum indício de autoria e de ação ou fuga, além de indícios evidentes da materialidade do crime, não pode haver prisão provisória (lato sensu) de maneira nenhuma. Assim, só tem guarida a prisão cautelar no caso de perigo de liberdade do acusado e em havendo materialidade do delito. Desta forma, sempre que se pleitear que seja decretada uma prisão caute-lar, devem estar presentes tais requisitos; em não estando não pode haver expedição de mandado de prisão por parte do juiz.

Além disso, é providencial recordar que apenas cabe prisão provisória quando não couber a liberdade provisória. Exatamente por serem institutos antagônicos, se cabe a aplicação de um, o outro está excluído com certeza. Isso se justifica no momento em que analisamos o conceito de liberdade provi-sória, qual seja, o direito de responder o processo em liberdade. Caso o acusado cumpra com as determi-nações impostas e possua os requisitos de concessão, cabe a oportunidade da liberdade provisória, não podendo lhe ser determinada a prisão.

A liberdade provisória está tutelada no artigo 321, CPP e seguintes. Tal instituto existe justamente para impedir que em certos casos haja a prisão cautelar. Nos termos da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXVI, “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade

31 Não há processo penal cautelar, como lembra Delmanto, mas, apenas medidas cautelares que são providências tomadas no processo de conhecimento ou de execução. DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, pp. 3-4. 32 O princípio da proporcionalidade norteia a conduta do juiz frente ao caso concreto, ele irá determinar a gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida, de acordo com o fumus commissi delicti e o periculum libertatis da situação em questão. 33 As medidas cautelares de um modo geral possuem dois fundamentos: fumus boni iuris e periculum in mora, ou seja, fumaça do bom direito e perigo na demora. Assim, para que seja concedida uma medida cautelar, estes requisitos devem estar devidamente presentes, autorizada, está, desta forma a concessão antecipada. Na esfera penal tais requisitos apresentam uma adequação ao processo criminal e, por isso, passam a ser denominados de periculum libertatis e fumus commissi delicti.

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provisória, com ou sem fiança”. A liberdade provisória sem fiança34 apenas pode ocorrer nos casos de fla-grante delito e após ter sido autorizada pelo juiz.

Existem formalidades que devem ser observadas quando da prisão e que são indispensá-veis para a sua legalidade. Ressaltamos que a ilegalidade da prisão faz com que ela deva ser imediata-mente relaxada pelo juiz competente e, não o sendo de ofício, pode ser impetrada a ordem de Habeas Cor-pus a requerendo. Quando a ilegalidade se dá pela ação da polícia, cabe ao juiz competente analisá-la; no caso de ter sido concedida e validada por juiz, cabe esta análise à superior instância.

A primeira grande e importante regra é a da necessidade do mandado de prisão. Já sabemos que apenas nos casos de flagrante delito é que o mandado é dispensável35 (desde que não se esteja nas situ-ações de estado de sítio e defesa em que a dispensa existe). O mandado de prisão é uma ordem escrita, fundamentada, que deve ser obrigatoriamente expedida pela autoridade judiciária devendo seguir os requi-sitos do artigo 285, CPP. Conforme preceitua tal artigo, será feito em duas vias, sendo lavrado o mandado pelo escrivão e assinado pela autoridade. Deve conter no seu texto a infração que motiva tal ato; quando afiançável, o crime deve conter o valor da fiança; deve também haver a especificação mais precisa possível da pessoa a quem se destina o mandado. A prisão em virtude do mandado será dada como executada36 no momento em que o executor intima o réu e pede que o acompanhe, segundo preceitua o artigo 290, CPP.

Como lembra Nucci37, não cabe fixação de dia e hora para que se realize a prisão cautelar ordenada por mandado. Realmente, se a prisão cautelar tem por característica a urgência, o periculum libertatis e a in-dispensabilidade da restrição à liberdade, não há razão para que seja pré-determinado o seu cumprimento. Assim, quando expedido um mandado de prisão, deve esta prisão ser realizada de forma mais rápida e ágil para que cumpra com o seu fundamento. No entanto, existem algumas regras que se aplicam ao cumpri-mento do mandado e a principal delas é a previsão constitucional de inviolabilidade do domicílio. Segundo o artigo 5º, XI, CF a “casa é asilo inviolável” e por isso sofre algumas restrições o cumprimento do mandado em residências.

A redação do artigo38 é a seguinte: “a casa39 é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial”. Depreendemos do texto legal que não se pode en-trar na casa de ninguém no período da noite sem consentimento do morador, com a exceção de prestar socorro, em caso de desastre ou em flagrante delito. Durante o dia pode-se penetrar em havendo qualquer das hipóteses citadas e também em havendo um mandado judicial de prisão. Deste modo, em relação ao mandado podemos afirmar que só tem validade para determinar a apreensão dentro do domicílio de al-guém durante o dia, já que não autoriza a invasão do domicilio para cumprir a prisão no turno da noite, ao contrário da flagrância que autoriza em qualquer hora. Se houver consentimento do morador, mesmo no turno da noite, poderá ser feita a prisão caso haja mandado.

Violação de domicílio. Inspetor de polícia que adentra a casa da vítima arrombando a porta a pon-tapés. Fato ocorrido à noite, sem mandado. Mera suspeita de autoria de crime já consumado. I-nadmissibilidade. Delito configurado (TARS – AP 283022200 – Rel. João Loureiro Ferreira – RT 576/434). Prisão em flagrante. Quase-flagrante. Caracterização. Réu capturado em sua casa após intensa per-seguição policial. Ilegalidade inexistente. Aplicação do art. 302, III, do CPP (STF – RHC 66.934-4 – Rel. Francisco Rezek – DJU 2.12.88 – RT 639/390).

34 Vide artigo 321, CPP sobre a concessão da fiança. 35 Aliás, não é dispensável, mas inexistente. 36 Esta fixação de momento da prisão é importante para que se distinga o crime cometido no caso de resistência antes ou depois da prisão. Se for anterior, o crime é resistência mesmo; em sendo posterior, é desobediência. 37 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 537. 38 Artigo 5º, inc. XI, CF/88. 39 A expressão casa compreende, segundo o artigo 150, § 4º, CPP: 1) qualquer compartimento habitado; 2) aposento ocupado de habitação coletiva; 3) compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce a profissão.

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Quanto ao critério do horário para fixação do dia e da noite, há discussão que pende até hoje. E-xistem autores que optam pela previsão de diferenciação utilizada pelo Código Civil em que dia seria o período compreendido entre 6 horas da manhã e 18 horas da tarde, outros optam pela limitação entre 6 horas e 20 horas. Aqui, deixamos registrado que Nucci e Pacheco acreditam seja a luz solar que determine tal diferenciação.

Destarte, com o mandado de prisão e em não sendo dentro do domicílio de ninguém, pode-se rea-lizar a prisão em qualquer hora e local, inclusive em domingos e feriados. Em relação ao cumprimento do mandado, uma cópia deve ser entregue ao preso (mandado em duplicata, artigo 286, CPP) que assina as vias, sendo uma remetida à autoridade expedidora.

Como já dito, existe a necessidade de apresentação do mandado de prisão para que se possa reali-zá-la. Mas, é preciso que se diga que para a prisão em flagrante tal ato é desnecessário. O emprego de força para cumprimento da prisão tem caráter excepcional, sendo apenas autorizado nos casos de resistência do réu, oposição de terceiros e em tentativa de fuga do preso40.

Ao preso é assegurado uma série de direitos previstos constitucionalmente:

a) comunicação imediata ao juiz e à família do preso sobre a prisão, bem como, sobre o lo-cal onde se encontra – art. 5º, LXII, CF;

b) informação ao preso dos seus direitos – art. 5º, LXII, CF;

c) assegurada a assistência da família e do advogado – art. 5º, LXII, CF;

d) identificação dos responsáveis pela sua prisão ou por seu interrogatório – art. LXIV, CF;

e) direito de permanecer calado e não produzir provas contra si mesmo – Dec. 678/92, art. 8º, “g”.

No caso de o réu estar em comarca diferente daquela em que foi expedido o mandado, a prisão será realizada por precatória - artigo 289, CPP. A possibilidade da prisão por precatória ocorre dentro do território brasileiro apenas. Ainda, pode ocorrer, nos casos de extrema urgência do cumprimen-to da prisão, de o mandado ser enviado por telegrama em que deve constar o motivo da prisão, a infração cometida e, em caso de crime afiançável, o valor da fiança. Nesta ocasião deve o mandado original ser le-vado à agência telegráfica, sendo autenticada a firma do juiz41. Em caso de crimes inafiançáveis pode-se requerer a captura através de via telefônica.

Prisão preventiva. Efetivação em lugar estranho ao da jurisdição. Administração. Carta precatória não expedida. Irrelevância. Paradeiro do réu desconhecido. Mandado expedido para a delegacia estadual de capturas. Autoridade com atribuição em todo o Estado. Possibilidade de desdobra-mento do mandado em quantos necessários e efetivação da medida em qualquer parte do territó-rio. Aplicação do art. 297 do CPP – Inexistência de violação do art. 289 do mesmo estatuto (STF – RHC 65.126-7 – DJU 9.10.87 – Rel. Moreira Alves – RT 625/366). (g.n.) Constrangimento ilegal. Prisão em decorrência de mandado originário de outro Estado. Carta precatória não expedida. Inadmissibilidade. Hábeas corpus concedido. Inteligência do art. 289, caput, do CPP (TJMT – HC 261/83 – Rel, Onésimo Nunes Rocha – RT 578/372). (g.n.)

Em caso de recaptura de preso definitivo foragido, não há a necessidade de o mandado de prisão ser expedido novamente. Pode, neste caso, qualquer pessoa realizar a captura. Como lembra Nucci42, o preso já estava cumprindo a pena por ter sido determinada por sentença, então já houve ordem judicial que não necessita ser expedida novamente.

40 Vide artigo 292, Código de Processo Penal. 41 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 988. 42 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 986.

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O recolhimento à prisão somente se procede após a apresentação do mandado ao carcereiro ou diretor do presídio. A estes é entregue cópia assinada pelo executor ou apresentada a guia expedida pela autoridade competente. Deve ser passada a entrega do preso, declarando-se o dia e a hora. O preso provi-sório deve ser recolhido à cadeia pública, mas há a previsão de que não seja recluso juntamente com os presos definitivos. Neste sentido, o artigo 84, Lei 7.210/84 determina que o preso provisório fique separa-do do preso condenado por sentença transitada em julgado.

Prisão preventiva – Preso provisório recolhido em estabelecimento penal de segurança máxima – Determinação não justificada – Concessão da ordem, nessa parte. “Provada a existência do crime, revestido de grande crueldade e violência, que abalou o meio social, o que denota a periculosidade e a insensibilidade moral do seu autor, e havendo indícios da responsabilidade objetiva do imputa-do, afeito ao uso de drogas e, portanto, de antecedentes irrecomendáveis, impõe-se o decreto pro-visório não só para prevenir a repetição de fatos criminosos, mas, sobretudo, para acautelar o meio social e a credibilidade da justiça. Entretanto, tratando-se, como se trata, de preso provisório, é in-concebível o seu recolhimento em presídio de segurança máxima, sem motivo que o justifique” (TJPB – HC 96.001280-7 – Rel. Raphael Carneiro Arnaud – j. 24.05.96).

A prisão especial é uma espécie de regime de cumprimento da prisão cautelar. Desse modo, esta prisão é aquela que é possibilitada a algumas pessoas previstas nos artigos 295 e 296, CPP. A estes sujeitos é garantido que sejam recolhidos em local distinto da prisão comum. Em caso de não haver estabelecimen-to distinto, as celas o serão. Devem estas celas apresentar salubridade, condicionamento térmico e solar. Pode postular em juízo o pedido de prisão domiciliar43 aquele que tiver direito à cela especial, mas não houver na comarca este tipo de estabelecimento. Outra diferenciação dos presos comuns dos que possuem condição especial é o transporte destes, pois jamais ocorrerá condução para diferentes lugares dos presos comuns e especiais conjuntamente. Assim, a prisão especial se limita a tais garantias de recolhimento em local distinto e transporte separado.

Prisão especial. Engenheiro. Direito a esta. Art. 295, VII, do CPP, combinado com a Lei federal 5.296, de 1967. Possibilidade de ser convertida em domiciliar, à falta de estabelecimento adequado. Concessão da ordem para este fim (TJSP – HC 13,032 – Rel. Carvalho Filho – RJTJSP 50/329 – j. 17.01.78). (g.n.) Advogado. Prisão domiciliar. Incabimento. Estando o paciente, profissional de Direito, recolhido em estabelecimento militar, cujas acomodações estão de acordo com o Estatuto da OAB, não há por que deferir-lhe o benefício da prisão domiciliar (STJ – HC 3.375-2 – Rel. Cid Fláquer Scartezzini – RSTJ 78/331). (g.n.)

A prisão especial é válida apenas para prisão provisória, descabendo quando do cumprimento da prisão definitiva, já que o trânsito em julgado da sentença condenatória exclui este direito. No entanto, há ressalva para o caso de cela especial mesmo quando haja sentença penal condenatória transitada em julga-do que é para os casos em que o preso, ao tempo do fato criminoso, era funcionário da administração da Justiça Criminal44 (aqui, vale para a Polícia Penitenciária, Polícia Civil do DF, dos Estados e da União). Ainda, cumprem a pena em cela especial os membros do Ministério Público da União (artigo 18, II, e Lei Complementar 75/93).

De um modo geral as pessoas que têm direito à cela especial são aquelas que possuem terceiro grau completo, os advogados, os jornalistas, os policiais civis, aqueles que prestaram efetivamente o serviço de jurado do Tribunal do Júri, os membros do judiciário, membros do Ministério Público, delegados, minis-tros e parlamentares. É assegurado tal direito também aos governadores e aos membros dos Tribunais de Conta.

Prisão especial. Advogado. Remoção para sala do Estado-Maior. Inadmissibilidade. Acusado que já ocupa cela de distrito policial destinada aos presos com direito ao regime especial. Constrangimen-to ilegal inexistente. Ordem denegada (TJSP – HC 125.394-3 – Rel. Márcio Bártoli – j. 27.05.92).

43 Prisão domiciliar possível através da Lei 5.256/67. 44 Previsão do artigo 84, § 2º, Lei 7.210/84.

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Prisão especial. Inexistência na Comarca. Delegado de Polícia. Segregação em presídio especifica-mente destinado aos ocupantes das carreiras policiais – Legalidade – Art. 295, inc. XI, do CPP – Ordem denegada (TJSP – HC 139.940-3 – Rel. Dirceu de Mello – JTJ-LEX 144/315). Constrangimento ilegal. Jornalista profissional. Condenação a ser cumprida em prisão comum. I-nadmissibilidade. Direito a prisão especial. Hábeas corpus concedido. Inteligência dos arts. 66 da Lei 5.250/67 e 1º da Lei 5.256/67 (TJMT – HC 509/80 – Rel. Mauro José Pereira – RT 552/396). Constrangimento ilegal. Ausência. Prisão especial. Benefício indeferido a ex-policial. Desligamento do quadro da Polícia Civil após o delito cometido. Decisão transitada em julgado. Recurso de Ha-beas Corpus não provido. Inteligência do art. 40, §§ 2º e 3º, da Lei 4.878/65 (STF – HC 59.203-1 – Rel. Moreira Alves – RT 556/405). Penal. Processual penal. Habeas Corpus. Prisão especial. Diploma de curso superior. CPP, art. 295, VII. “Para fazer jus a prisão especial, deve o paciente fazer prova de que possui diploma de curso superior” (STF – HC 71.115-4 – Rel. Carlos Velloso).

O Presidente da República não poderá ser preso cautelarmente; portanto não há razão para a pre-visão de cela especial para ele. Em relação aos Governadores de Estado, se caberá a eles prisão cautelar ou não, é uma decisão que deve ser estipulada pelas Constituições Estaduais. Os juízes só vão presos caute-larmente no caso de terem cometido crime inafiançável e em havendo flagrante delito; nestes casos, então, têm direito à cela especial.

O Código Eleitoral faz a previsão de que as prisões sofrem restrições em períodos muito próximos às eleições. Assim, o artigo 236, Lei 4.737/65, diz que 5 dias antes e até 48 horas após o dia das elei-ções não é possível que se realize prisão ou se detenha qualquer eleitor. No entanto, também há previsão de exceção para esta vedação nos casos de prisão em flagrante e prisão decorrente de sentença de crime inafiançável. Há quem enumere aqui que pode haver recaptura de preso, mas, como para nós recapturar não é prender e, ainda, preso não é eleitor45, deixamos de citá-la.

No caso de haver dúvida sobre a necessidade de se aplicarem as prisões cautelares, estas não de-vem ser aplicadas. Deste modo, o princípio do in dúbio pro libertate é o que deve ser utilizado. Inexistindo indícios suficientes de autoria e provas da materialidade, prevalece a presunção de inocência do réu e a prisão provisória não pode ser aplicada jamais.

A partir de agora, passaremos a trabalhar cada uma das prisões cautelares que citamos anterior-mente, relatando suas principais características e suscitando as principais questões controversas.

2.1.1. Prisão em flagrante

Segundo as palavras de Fernando Capez46, a prisão em flagrante “é medida restritiva de liber-dade, de natureza cautelar47 e processual, que consiste na prisão, independentemente de ordem escrita e fundamentada do juiz competente, de quem é surpreendido cometendo, ou logo após ter cometido um crime ou uma contravenção”.

A previsão constitucional para esta prisão está no artigo 5º, LXI, CF e os artigos que a tutelam no Código de Processo Penal estão nos artigos 301 a 310. A prisão em flagrante, como já comentado, é a pri-são que independe de mandado de prisão, justamente porque ocorre quando o delito está sendo cometido ou logo após o cometimento. O artigo 302, CPP define que se considera em flagrante delito quem:

I) está cometendo a infração penal;

45 Com a sentença penal condenatória, o preso tem seus direitos políticos suspensos. 46 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 215. 47 Aury Lopes Júnior defende a tese de que a prisão em flagrante não é medida cautelar, mas a visibilidade de um delito. Revela-se, assim, como medida pré-cautelar. É medida precária que deve ser ratificada pelo judiciário. LOPES JÚNIOR, Aury. Introdu-ção crítica ao processo penal: Fundamentos da instrumentalidade constitucional, p. 225.

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II) acaba de cometê-la;

III) é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou qualquer outra pessoa em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam pre-sumir ser ele o autor da infração.

Portanto, percebemos que não apenas a prisão realizada no momento do crime como aquela que a sucede em um certo espaço de tempo é considerada flagrante. Seguindo a caracterização disciplinada pelo artigo 302 e seus incisos, faz-se uma classificação do flagrante em 3 modalidades, quais sejam:

Dentre as três modalidades de flagrante, existe aquele derivado da prisão do acusado quando no arder do crime, denominado real, que é circundado por outras duas: quase-flagrante, abrigado na perseguição do infrator, e o presumido, quando alguém é detido logo após o delito, em situação que faça presumir ser o autor da infração, vale dizer, da posse da instrumenta sceleris ou producta sce-leris (TACRIM-SP – HC – Rel. San Juan França – RJD 21/345).

O flagrante próprio é aquele que está previstos nos incisos I e II referidos, ou seja, quando a pri-são ocorre quando do cometimento ou quando o infrator acaba de cometê-la. Também denominado de flagrante real, ocorre em duas situações: a) durante o cometimento da infração. Assim, o agente é pego praticando o crime fazendo com que a autoria e materialidade sejam evidentes. Justamente por se dar no momento da ação do crime, muitas vezes acaba por interromper-se a execução gerando a desclassificação para tentativa; b) logo após cometê-la, neste caso, não há espaço temporal entre o término da ação e a captura, este revela-se ato contínuo. Embora tenha terminado a ação, não houve desligamento do autor com a cena e a sua autoria e materialidade também estão claras.

Entorpecente. Tráfico. Flagrante preparado. Descaracterização. Intervenção policial no momento em que o acusado transacionava a droga que tinha em seu poder. Flagrante próprio configurado (TJSP – HC – Rel. Jarbas Mazzoni – RT 707/303).

O flagrante impróprio ou quase-flagrante é aquele que ocorre na hipótese do inciso III do artigo 302, CPP. O agente realiza o ilícito e é perseguido logo após, fazendo-se presumir ser o autor do delito. Nas palavras de Nucci, “ocorre quando o agente conclui a infração penal – ou é interrompido pela chega-da de terceiros – mas não é preso no local do delito, pois consegue fugir, fazendo com que haja persegui-ção por parte da polícia, da vítima ou de qualquer do povo”48. Há evidência da autoria e materialidade do crime que permite a prisão. A perseguição deve ocorrer tão logo tenha ocorrido o delito, não devendo apresentar intervalos longos entre a execução e a perseguição. Não há prazo legal para a sua realização, podendo durar horas e até dias e ser considerado flagrante desde que tenha início logo após o crime e a perseguição tenha sido ininterrupta. O importante aqui é que fique claro que a perseguição foi imediata e ininterrupta não possuindo o apontado autor do delito qualquer momento de tranqüilidade.

Prisão em flagrante. Quase-flagrante. Caracterização. Réu capturado em sua casa após intensa per-seguição policial. Ilegalidade inexistente. Aplicação do art. 302, III, do CPP (STF – RHC – Rel. Francisco Rezek – DJU 2.12.88 – RT 639/390). Em se tratando do quase-flagrante ou flagrante impróprio relativo a fato contra menor, o tempo a ser considerado medeia entre a ciência do fato pelo seu representante e as providências legais que este venha a adotar para a perseguição do paciente. Havendo perseguição ao ofensor, por policiais, logo após terem sido informados do fato pela mãe da vítima, caracterizado está o estado de quase-flagrância, pouco importando se a prisão ocorreu somente quatro horas após” (STF – HC 3.496-1 – Rel. Fláquer Scartezzini – DJU 25.09.95, p. 31.114).

48 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 551.

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Flagrante presumido ou flagrante ficto é aquele em que o agente é abordado portando objetos que autorizem a presunção49 de ser ele o autor do fato criminoso. Não existe perseguição – pois estar-se-ia diante do quase-flagrante –, mas é necessário que a apreensão se faça logo após o crime, ou seja, não pode haver uma larga extensão de tempo entre a execução e a prisão do indivíduo. Não há prazo definido para a expressão “logo após” utilizada no texto legal, mas, como dito, deve ser razoável o lapso temporal, sob pena de se desconsiderar o flagrante. A principal causa da prisão é a mantença por parte do suposto agente dos objetos, armas e papéis que estariam relacionados ao crime.

Prisão em flagrante. Caracterização. Efetivação logo após o crime. Confissão do agente. Desneces-sidade de despacho fundamentado. Constrangimento ilegal inexistente. Hábeas corpus denegado. Inteligência do art. 302, IV, e inaplicabilidade do par. ún. Do art. 310 do CPP (STF – RHC – Rel. Djaci Falcão – RT 627/358).

O flagrante delito e a prisão em flagrante são fatos jurídico-processuais distintos. A situação em que se encontra a pessoa revelando a materialidade e autoria do crime é o flagrante delito. A prisão que se origina deste fato é outra coisa, ou seja, manter alguém na prisão pelo flagrante depende de autorização judicial e deve seguir os requisitos de sua realização rigorosamente50. O artigo 301 do Código de Processo Penal determina que qualquer do povo pode realizar a prisão em flagrante e que as autoridades policiais e seus agentes devem realizá-la, independentemente do tipo de flagrante. O que nos permite concluir que em relação aos executores do flagrante podemos classificá-los de duas formas: o flagrante obrigatório e o flagrante facultativo. O obrigatório é aquele realizado pela autoridade policial e seus agentes e, como o próprio nome diz, deve ser realizado. No caso destes agentes encontrarem alguém em qualquer das qua-tro situações do artigo 302, devem realizar a prisão, enquanto a qualquer do povo é dada a faculdade de realizá-la em se encontrando nas mesmas situações. Para estes há a possibilidade de realização, para aque-les a obrigação.

O flagrante facultativo – que é realizado por qualquer do povo, inclusive a vítima - é considerado um exercício de cidadania e está tutelado sob a excludente de ilicitude conhecida como exercício regular do direito (artigo 23, III, CP). O flagrante obrigatório, que revela um dever dos agentes de efetuá-lo, está pre-visto como excludente de ilicitude pelo denominado estrito cumprimento do dever legal (artigo 23, III, CP). O que deve ficar claro, no entanto, como lembra Delmanto51, é que a voz de prisão pode ser dada apenas pela autoridade policial; o que pode ocorrer é que a condução até a presença desta autoridade se faça por qualquer do povo e não apenas por agentes policiais.

Prisão. Flagrante. Alegada nulidade por ter sido efetuada por guardas civis metropolitanos. Inocor-rência. Direito concedido a qualquer do povo. Nulidade, ademais, não alegada em momento pró-prio. Preliminar rejeitada (TJSP – AP 235.150-3 – Rel. Prado de Toledo – j. 16.02.98).

É imperioso que registremos que a prisão em flagrante apresenta um caráter administrativo e não judicial, visto que independe de mandado judicial. Não fere o princípio da inocência esta prisão tanto porque há previsão legal (artigo 5º, LXI), quanto porque a prisão ocorre no momento ou logo após o co-metimento do crime, o que permite a constatação manifesta e evidente do cometimento do delito. É claro que a sua natureza administrativa ocorre apenas em relação ao exato momento da prisão, uma vez que, logo após, será noticiada ao juiz passando a ter um caráter judicial. Tão logo tome conhecimento da prisão, o magistrado deve proceder à análise de sua legalidade, e, então, passa a ter natureza judicial tal prisão.

49 Não há certeza da autoria do crime, mas acredita-se ser quem esteja na posse de objetos relacionados ao crime. A instrução criminal irá determinar a sua confirmação ou não. 50 Há dois momentos distintos na ação do julgador quando da análise da prisão em flagrante. O primeiro momento é aquele em que faz a análise do aspecto formal do flagrante. Vê a legalidade ou ilegalidade, no primeiro caso, homologa, no segundo, relaxa. O segundo momento só ocorrerá se tiver havido homologação da prisão em flagrante e, aí, fará a análise de se há pressupostos da prisão preventiva. Se necessária e cabível, poderá decretá-la, do contrário, deve determinar a liberdade provisória. LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: Fundamentos da instrumentalidade constitucional, pp. 226-227. 51 DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, pp. 112-113.

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Assim, revela-se o caráter administrativo quando da prisão pela polícia judiciária e passa a ter caráter juris-dicional quando o juiz, tomando conhecimento dela, irá mantê-la, caso a considere legal.

A prisão em flagrante, segundo Nucci52, é medida necessária para que haja segregação do autor da infração penal, além, é claro, de permitir a colheita de prova de autoria e materialidade do delito. No en-tanto, existe privação de aplicação de prisão em flagrante para algumas pessoas que possuem prerrogativas em razão de cargos ou função que exercem, quais sejam: a) os diplomatas, que não são submetidos a esta prisão em razão de uma convenção internacional que lhes assegura imunidade; b) os parlamentares federais e estaduais que somente podem ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis e, mesmo assim, após a lavratura do auto, que será remetido à respectiva Casa Legislativa para que lá seja analisada; c) os magistrados e os membros do Ministério Público, que somente podem ser presos em fla-grante se cometerem crimes inafiançáveis, devendo apresentar-se para o Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral de Justiça ou da República, logo após a lavratura do auto de flagrante; d) o Presidente da República que não está sujeito à prisão por crimes comuns até que seja transitada em julgado a sentença condenatória.

A prisão em flagrante deve ser realizada seguindo inúmeros requisitos formais tendo em vista que restringe a liberdade do indivíduo, por ocorrer antes de uma sentença, e também para que se evitem abu-sos, mas talvez a principal justificativa de dever imperativo aos requisitos formais esteja justamente no fato de ser esta prisão em flagrante a única que não advém de um provimento jurisdicional53. Deve haver, en-tão, cautela na sua aplicação e estrito cumprimento dos artigos 304 a 310, CPP, que são os dispositivos legais que a tutelam. Qualquer irregularidade no auto de prisão a invalida, ainda que não gere con-taminação na ação penal posterior, uma vez que, uma prisão posterior será precedida de ordem judicial.

O condutor – que deve apresentar o preso à autoridade policial mais próxima do local da prisão – é ouvido sobre o fato, devendo relatar o ocorrido. Após, assina a sua declaração e recebe a nota de entrega do preso. Serão, posteriormente, ouvidas as testemunhas que o acompanharam e, no caso do ofendido estar presente, pode este ser ouvido também. Por fim, toma-se o depoimento do suposto autor do fato. Em tendo ocorrido a prisão em flagrante pela própria autoridade, não haverá condutor, e, por isso mesmo, não será realizado seu depoimento. Será, sim, realizada a narração dos fatos, a voz de prisão, que conterá a descrição das declarações do preso e o depoimento das testemunhas. Em caso de fundadas suspeitas, a autoridade determina o recolhimento do conduzido, enviando o auto de prisão em flagrante para o juiz para que faça análise do mesmo e se manifeste pela mantença ou relaxamento da prisão, e passa a produzir a investigação e o inquérito, se competente for para isso. O conduzido, no entanto, será liberado em três possibilidades: a) em caso de livrar-se solto, b) prestar fiança quando prevista, c) não estiverem presentes os elementos do fato típico54.

Hábeas corpus. Concessão. Prisão em flagrante. Inocorrência, sequer, de quase-flagrante. prisão efetuada em local diverso da prática do crime e horas após. Ausência de perseguição ao indiciado. Auto não assinado, ademais, pelo condutor. Nulidade. Relaxamento. Inteligência do art. 302 do CPP (TJPR – HC – Rel. Munhoz Gonçalves – RT 555/415). Prisão em flagrante. Nulidade pretendida por erros formais. Ausência de nota de culpa. Existência de apenas uma testemunha e autuação de escrivão no inquérito policial sem compromisso legal. Alegações sem suporte fático ou jurídico (TJMT – HC – Rel. Onésimo Nunes Rocha – RT 615/321).

52 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 548. 53 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDO, Antonio Scarance e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no proces-so penal, p. 222. 54 O parágrafo primeiro do artigo 304, diz que “... fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão...” ora, contrário sensu se não houver tais suspeitas, deve liberá-lo.

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A recusa na assinatura do auto de prisão não torna inválido, desde que entenda a exigência prevista no art. 304, § 3º, do CPP. Recurso ordinário desprovido” (STJ – RHC 6845 – Rel. Vicente Leal – DJU 10.11.97, p. 57.844). A autoridade competente que preside o auto de prisão em flagrante, como mencionado nos arts. 304 e 308 do CPP, é, em regra, a autoridade policial no exercício das funções de polícia judiciária. Tal competência não afasta a competência excepcional da autoridade judiciária (STJ – RHC 5919 _ Rel. Vicente Leal – DJU 09.12.96, p. 49.295).

O auto de prisão em flagrante origina o inquérito policial. Surge, neste momento, a dúvida em rela-ção ao cometimento de crimes de ação pública condicionada e ação privada. Para estas ações, há a necessi-dade de manifestação da vítima, e a questão é: pode-se realizar a prisão em flagrante sem que o ofen-dido ou seu representante tenha se manifestado? Compartilhamos da mesma idéia de Guilherme Nucci, qual seja, a de que descabe a concretização da prisão no caso de o ofendido não conferir legitimi-dade à prisão. Cremos que deva ser realizado o auto de prisão, é claro, já que ocorreu o crime e sabe-se a autoria, além de se ter conduzido o autor da ação até a autoridade policial. Ocorre que, para legitimar tal pretensão, é necessária a manifestação do ofendido dentro do prazo de 24 horas - que é o prazo para que seja fornecida a nota de culpa55 do autor - deve haver a demonstração de interesse do ofendido e só então pode ser lavrado o auto56. Caso tenha transcorrido o prazo improrrogável de 24 horas e não tenha havido manifestação da vítima, deve o preso ser solto57. A peça incoativa dever ser a-presentada no prazo de 5 dias. Ao transcorrer este prazo sem que seja apresentada a denúncia ou queixa, deverá ser o preso liberado. Não decai, no entanto, o direito de queixa que é de 6 meses, o que ocorre é que não há mais motivo para a mantença da prisão do acusado.

Prisão em flagrante. Crime de ação privada. Admissibilidade. Obrigatoriedade, entretanto, da oitiva da vítima ou de seu representante legal depois de capturado o acusado. Inteligência do art. 301 do CPP (TJGO – HC – Rel. Juarez Távora de Coutinho – RT 700/375).

Existem casos em que o flagrante não acontece exatamente como previsto no artigo 302 do Códi-go de Processo Penal, mas ocorre interferência de terceiros e certas motivações para que não seja realizado na primeira oportunidade. Assim, passamos a analisar alguns tipos de flagrante existentes, hoje, em nosso ordenamento.

Flagrante preparado ou provocado é aquele em que o agente induz ou instiga alguém a come-ter a infração penal para que realize a sua prisão. A autoridade policial incentiva o suspeito a praticar o delito e toma todas as precauções para que o crime não se consuma. Na verdade, este flagrante não é váli-do por constituir crime impossível. Não há materialidade do crime e, por isso mesmo, o juiz não irá homo-logá-lo. Pode ser que o agente policial realize a prisão, mas esta não deve ser mantida pelo juiz58. A súmula 145 do STF sintetiza esta questão. Nestes casos os meios e o objeto são idôneos, mas as circunstâncias preparadas contaminam a ação. Agora, quando um criminoso desconhece da condição do agente policial e realiza o delito por sua vontade, autorizado está o agente em realizar a prisão. O que não pode ocorrer é a instigação a uma situação para que se proceda à prisão59.

Súmula 145 STF: “Não há crime, quando ocorrer a preparação do flagrante, pela polícia torna im-possível a sua consumação.”

55 A nota de culpa é o documento fornecido ao preso em que consta o motivo da sua prisão, o nome do condutor e das teste-munhas, bem como a assinatura da autoridade. O preso dá recebimento desta nota e, em não querendo ou não sabendo assinar, devem duas testemunhas assinarem. 56 Luiz Flávio Gomes acredita que deva ocorrer a lavratura do auto de prisão e, tão logo sua feitura, deve o preso ser liberado. 57 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 550. 58 Cabe a impetração de habeas corpus, com base no artigo 647, caput, e 648, I, ambos do CPP. Justifica-se tal impetração por tratar-se de coação ilegal, atentando à liberdade de ir e vir do indivíduo. 59 Conforme defendem Gilberto Thums e Vilmar Pacheco Filho, há exceção a esta regra que são os casos dos crimes relaciona-dos ao tráfico ilícito de entorpecentes. Neste caso, não há falar em crime impossível, já que a simples armazenagem de quanti-dade de drogas para venda já constitui crime.

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Processual penal. Prisão. Flagrante preparado em delito de concussão. “Nulidade do flagrante ante a participação e colaboração ativa da polícia na dramatização de uma farsa, cujo único mérito é servir de crime preexistente. Concessão da ordem para anular-se o flagrante, sem prejuízo da ação penal” (STJ – RHC – Rekl. Assis Toledo – RSTJ 13/135). Flagrante preparado. Influência da vítima no comportamento do réu. Necessidade. “Para o reco-nhecimento do flagrante preparado é imprescindível que a vítima tenha influenciado o comporta-mento do réu” (TACRIM- SP – AP – Rel. Pedro Gagliardi – RJD 21/154). Prisão. Flagrante preparado. Ocorrência. Tráfico. Uso próprio. Instigação do investigador para a-quisição da droga. Consumação impossível. Absolvição. Recurso provido (TJSP – AP 147.227-3 – Rel. Dante Busana – j. 11.11.93). Flagrante. Preparado. Inocorrência. Caso em que se configurou o denominado flagrante espe-rado. Inexistência de induzimento à prática da infração. Policial que deixou o agente agir. A-demais, existência do crime em seu desdobramento típico. Recurso não provido (TJSP – Ap 160.413-3 – Rel. Ângelo Gallucci – j. 09.05.94). (g.n.) Tóxico. Tráfico. Flagrante preparado. Inocorrência. Réu que guardava o produto na própria casa e se valia de menores para entregá-lo. Recurso não provido (TJSP – AP 128.751-3 – Rel. Ângelo Gallucci – j. 28.09.92).

Pode ocorrer de a autoridade policial retardar a sua ação para que possua maior êxito no resultado, este é o flagrante esperado. Ou seja, há situação de flagrância, mas não age o agente policial embora te-nha o dever, esperando que em outro momento mais oportuno possa realizar a prisão. Justifica-se tal ação nos casos em que o crime se protrai no tempo. No entanto, os principais casos são os crimes cometidos por quadrilha60 ou de tráfico ilícito de entorpecentes em que o retardamento pode gerar uma prisão de maior número de criminosos. Este flagrante é válido, já que há fato típico e não há qualquer tipo de mani-pulação por parte dos agentes. Também há quem o denomine de flagrante retardado ou diferido.

Flagrante esperado. Distinção entre este e flagrante preparado. Recurso de hábeas corpus despro-vido (STF – RHC – Rel. Alfredo Buzaid – DJU 3.12.82 – RT 573/487). Prisão. Flagrante.Preparado. Inocorrência. Réu que já possuía a cocaína e a expunha a venda. Fla-grante esperado. Recurso não provido (TJSP – AP 148.164-3 – Erel. Barreto Fonseca – j. 06.12.93). Prisão em flagrante. Réu surpreendido por seguranças de uma loja que acompanham sua conduta delitiva. Flagrante esperado. Ocorrência. “Inocorre flagrante preparado, mas sim esperado, quando empregados de uma loja surpreendem o réu subtraindo bens do estabelecimento, apenas por a-companhar sua conduta com espectadores e responsáveis pela segurança do local, sem nela inter-ferir” (TACRIM-SP – AP – Rel. Renato Nalini – RJD 25/316).

Flagrante forjado, fabricado ou maquiado, é aquele em que os agentes policiais ou terceiros for-jam elementos probatórios para incriminar certa pessoa. Os fundamentos da prisão são falsos, criados através de uma condição não existente. Assim, a autoridade é induzida a erro e acaba por prender alguém que não cometeu crime. O certo é que este flagrante não pode ocorrer na medida em que não há crime61.

Furto qualificado. Prova ilícita. A privatização da investigação policial, com ativo comando da se dizente vítima, que induz os suspeitos a um novo furto, imaginário, possibilitado flagrante forjado e conseqüentes confissões extorquidas, importa em ilícita colheita de prova. Imprestabilidade do inquérito policial. Condenação mantida a base exclusivamente da prova judicial, diante das confis-sões livres de alguns dos réus, apreensão de parte da rés, e memória testemunhal. Readequação das penas carcerárias, funcionando como atenuante especial a tortura infligida aos réus, na fase policial (ART. 66 CP). Remissão ao ART. 72, III, e, do Código Penal Militar. Suspensão condicional da

60 Vide artigo 2º, II, Lei 9.034/95 (Lei do Crime Organizado). 61 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 374.

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pena: superego externo indispensável para a readaptação social. (Apelação Crime nº 297005233, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Alçada do RS, Relator: Tupinambá Pinto de Azevedo, Jul-gado em 26/06/1997)

Importante que ressaltemos que nos casos de crime permanentes, que são aqueles que se prolon-gam no tempo, haverá estado de flagrância em qualquer momento da ação, enquanto permanecer o crime (artigo 303, CPP). Discussão existe em relação aos crimes habituais. Segundo uma corrente, da qual Fer-nando Capez62 é expoente, não há como se falar em flagrante nestes crimes, na medida em que o crime só ocorre com a reiteração da conduta. Assim, impossível realizá-lo em uma ação isolada. Mas há doutrinado-res, entre eles Júlio Mirabete63, que acreditam ser a flagrância possível desde que se possa provar a ação anterior, ou seja, a sua habitualidade.

Quando a prisão em flagrante inicia o inquérito policial, deve o mesmo ser encerrado no prazo de 10 dias em permanecendo o conduzido preso e, em 30 dias, no caso de ter sido determinada a sua soltu-ra64. Em relação à possibilidade de prisão em flagrante de autor de delito que, espontaneamente, a-presentou-se à autoridade policial, pensamos ser impossível a sua ocorrência. Através de uma análi-se, contrário senso, do artigo 317, CPP, podemos dizer que, aquele que cometeu crime e, voluntariamente, apresentou-se, não pode ter a prisão em flagrante decretada, já que, existe sim, a previsão da oportunidade de decretar-se apenas a prisão preventiva.65.

A prisão em flagrante dos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes depende de laudo pro-visório para que seja decretada. Portanto, é uma exceção o caso dos crimes de drogas, já que existe um requisito a mais que o dos outros, para a possibilidade de prisão em flagrante. O laudo provisório, como é chamado, dever ser feito por um perito, devendo atestar que a substância é entorpecente.

Outra peculiaridade da prisão preventiva está nos crimes de menor potencial ofensivo. Para esses crimes, que são regidos pela Lei 9.099/95, sendo processados nos Juizados Especiais Criminais e que, por isso, não se submetem a inquérito, mas se faz Termo Circunstanciado, não há prisão em flagrante. Há dispensabilidade da prisão em flagrante, já que o autor se compromete a comparecer em juízo quando da assinatura do TC. Além disso, não há prisão em flagrante para os casos de acidente de trânsito em que haja vítima e o agente preste socorro a ela de forma imediata e integral (art. 301, Lei 9.503/97).

Por fim, ainda sobre a prisão em flagrante, é vital que registremos que a mantença da pri-são em flagrante por parte do juiz deve ser motivada, ou seja, ao avaliar a prisão em flagrante rea-lizada pela autoridade judicial, é preciso que o juiz fundamente a decisão que a mantém, não ol-vidando que para isso devem estar presentes os fundamentos das prisões cautelares66. Em caso de verificação de ilegalidade da prisão em flagrante, deve o magistrado determinar seu pronto rela-xamento. Nos casos em que caiba fiança e que esta não possa ser arbitrada pelo delegado, deve o juiz determiná-la, motivando-a e, em caso de caber liberdade provisória, deve estabelecê-la.

2.1.2. Prisão preventiva

Trata-se de uma espécie de prisão cautelar e, assim, de caráter excepcional, de natureza processual, decretada pelo juiz durante o inquérito policial ou instrução criminal, antes do trânsi-to em julgado, sempre que preenchidos os requisitos legais e quando concorrerem os motivos autorizadores. A prisão preventiva está tutelada no Código de Processo Penal nos artigos 311 a 316. 62 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 218. 63 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado, p. 357. 64 Podendo haver prorrogação por igual prazo no caso se estar o indiciado solto e, em havendo, justifica para que haja a sua concessão. 65 Contrário a este pensamento está Nucci que não vê óbice para a sua decretação. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 560. 66 Quais seja, o fumus commissi delicti e o periculum libertatis.

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Revela-se como medida cautelar de constrição de liberdade que não ofende o princípio de inocên-cia por haver justificativa e requisitos para que seja aplicada. Tem a função de servir ao processo, como o próprio nome diz. Além disso, a Súmula 9 do STJ diz claramente que a prisão provisória não ofende o princípio da inocência.

Súmula 9 STJ “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”.

Já houve confusão em certa época em relação à denominação desta prisão, afinal, todas as prisões cautelares são prisões preventivas, já que antecedem a sentença transitada em julgado. Mas, hoje, já se sabe que o gênero prisão preventiva abarca todas as espécies de prisão cautelares, inclusive a espécie de prisão preventiva em sentido estrito e que será por ora estudada67.

A prisão preventiva poderá ser requerida em qualquer fase do inquérito ou do processo como foi dito, podendo ser determinada de ofício pelo juiz, a requerimento do querelante ou do Ministério Público - dependendo da titularidade da ação - ou por representação do delegado quando do inquérito. Seguindo preceito legal, não cabe ao assistente de acusação requerê-la.

Liberdade provisória prevista no art. 310, par. ún., do CPP. “A lei não a restringe a crimes sem violência, mas apenas àqueles em que não caiba a prisão preventiva. Embora a lei não exija que o juiz decrete de ofício a prisão preventiva em cada auto de flagrante que recebe, deve ele decidir fundamentadamente diante de requerimento da liberdade provisória, não sendo lícito exigir-se que a defesa prove o não cabimento da preventiva, sob pena de ser criar, por via oblíqua, hipótese de prisão, sem fundamentação. Na espécie, defere-se a ordem de habeas corpus, sem prejuízo do decre-to de custódia preventiva diante de elementos de prova que realmente justifiquem a medida” (STF – RHC 66.371-1 – Rel. Djaci Falcão – j. 27.5.88 – DJU 5.8.88 – RT 634/366). Enquanto o inquérito não for distribuído, o Juiz Corregedor da Polícia Judiciária é competente pa-ra decretar prisão preventiva de acusado, a pedido do Ministério Público. Recurso conhecido mais improvido (STJ – RHC 4114-5 – Rel. Edson Vidigal). A prisão preventiva, segundo se depreende do art. 311 do CPP, poderá ser decretada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, inclusive mediante representação da autoridade policial. Recurso de habeas corpus improvido (STF – RHC 65.001-5 – Rel. Célio Borja – DJU 08.05.87 – RT 619/386).

São pressupostos para aplicação desta prisão a prova de existência do crime e os indícios suficientes de autoria68. Estes são os componentes do requisito denominado fumus commissi delicti, ou seja, a fumaça do cometimento do crime. Assim, somente é cabível a prisão preventiva quando se souber que há materialidade69, ou seja, que ocorreu o crime e, ainda, quando houver indícios de autoria. Lembramos que estamos ainda na fase investigatória, o que não nos permite afirmar com toda a certeza sobre a verda-deira autoria, aliás, este é um dos objetos do processo.

Recurso em sentido estrito. Posse ilegal de arma de fogo de uso permitido. art. 16, da lei n.º 10.826/03. Pretensão ministerial de ver decretada a prisão cautelar do recorrido em face da veda-ção de liberdade provisória preconizada no art. 21, do mesmo diploma legal. Inexistência, no caso concreto, dos requisitos previstos no art. 312, do Código de Processo Penal. Impossibilidade de decretação da segregação cautelar. Precedentes jurisprudenciais. Conforme o melhor entendi-mento doutrinário, são pressupostos para a decretação e manutenção de qualquer prisão cautelar o fumus commissi delicti e o periculum libertatis. Em outras palavras, primeiro hão de ser constatadas a materialidade do delito e a existência de graves indícios de sua autoria (que são

67 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 381. 68 Como lembra Nucci, não se pode determinar o recolhimento cautelar de uma pessoa presumidamente inocente se houver dúvida quanto à existência do fato típico. 69 Ensina Lopes Júnior: “A exigência da existência de provas advém da necessidade do juízo de probabilidade, ou seja, deve ser provável e não só possível, em face do princípio do estado de inocência e dos reflexos que a prisão pode gerar.” Assim, não bastam indícios de materialidade, mas é preciso que se comprove a existência do crime.

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os pressupostos da prisão cautelar); em seguida, deverá ser aferida a ocorrência do perigo concreto que a manutenção da liberdade do acusado representa para a instrução processual ou para a futura aplicação da lei penal (seus requisitos). No caso concreto, embora presente o fumus delicti, já que o recorrido foi preso em flagrante delito por policiais militares, tenho que os argumentos lançados pela douta magistrada de primeiro grau são suficientes para a concessão da benesse. Vale lembrar que a arma de fogo apreendida, calibre 38, não é daquelas de uso restrito, apresentando apenas marca e numeração raspadas, além de inexistirem nos autos elementos concretos que viabilizem a segregação cautelar com base na ordem pública. Por outro lado, não merece prosperar o argumen-to ministerial acerca da inviabilidade de liberdade provisória em razão do disposto no art. 21 da Lei n.º 10.826/03. Ora, segundo os princípios constitucionais norteadores do processo penal pátrio, o status libertatis deve ser encarado como a regra geral, somente sendo possível a segregação indivi-dual nos casos previstos no art. 312, do Código de Processo Penal. Portanto, pode-se sustentar que a vedação de liberdade provisória pela Lei n.º 10.826/03 é, no mínimo, de duvidosa constitu-cionalidade quando confrontada com o disposto no art. 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal vigente. Recurso em Sentido Estrito desprovido. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70014567770, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 28/06/2006) (g.n.)

Outro requisito é o periculum libertatis, ou seja, o perigo de liberdade do autor da infração. Existe pe-rigo em que o acusado fique solto em relação ao bom andamento do processo. E há previsão legal para que este requisito seja apresentado, através da redação do artigo 312, CPP. O perigo de liberdade aqui está evidenciado em quatro possibilidades taxativas: 1) como garantia da ordem pública; 2) ga-rantia da ordem econômica; 3) por conveniência da instrução criminal; 4) para assegurar a aplica-ção da lei penal70.

Habeas corpus. Receptação. A segregação cautelar de paciente primário, com atividade lícita e ende-reço fixo tem caráter de antecipação de tutela repressiva. Ausente o periculum libertatis. Ordem tor-nada definitiva. (Habeas Corpus Nº 70018460287, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 28/02/2007)

Como já sabemos, estes dois requisitos são pressupostos de toda e qualquer prisão cautelar71. No entanto, aqui se fazem mais evidentes através da previsão expressa do dispositivo legal. Concluímos, assim, que, para que a prisão preventiva seja decretada pelo juiz, deve este verificar a presença de três condições: a) existência do crime (materialidade); b) indícios suficientes de autoria (indícios, mas que sejam ao menos suficientes para que não se prendam inocentes a todo momento); c) presença de uma das quatro situações descritas no artigo 312, CPP, todas referidas72.

Em relação à garantia da ordem pública, podemos dizer que tal previsão é extensa e confusa demais, já que, na forma como está no texto legal, permitiria que toda e qualquer razão fosse aqui aventa-da. Mas é claro que a doutrina e a jurisprudência trataram de limitá-la. Aliás, é bem verdade que hoje a aplicação desta motivação é bem pouco aceita, devendo apresentar-se de forma bem fundamentada e con-vincente. A garantia da ordem pública seria uma espécie de resguardo da credibilidade da justiça posta em cheque pelo cometimento do delito. Além disso, o clamor público73 ligado obrigatoriamente a uma genera-lizada ausência da paz da sociedade autorizariam a prisão preventiva.

A ordem pública resta ofendida quando a conduta provoca acentuado impacto na sociedade, dado ofender significativamente os valores reclamados, traduzindo vilania do comportamento (STJ – RHC 3169-5 – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU 15.05.95, p. 13.446).

70 Trata-se do juízo de probabilidade, visto que não há presunção de perigo no processo penal. Assim, há necessidade de prova de tais alegações, sob pena de descaracterizar a necessidade da prisão preventiva. 71 “O eixo, a base, o fundamento de todas as prisões cautelares no Brasil residem naqueles requisitos da prisão pre-ventiva. Quando presentes, pode o juiz fundamentadamente decretar qualquer prisão cautelar”. In revista Jurídica, nº 189, de julho de 1994, Editora Síntese LTDA, Porto Alegre. Fonte bibliográfica citada por Fernando da Costa Tourinho Filho. 72 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 563. 73 O que não é autorizador de prisão preventiva porque não justifica a garantia a ordem pública é pressão midiática. Há casos em que a mídia toda cria uma atmosfera que seria ensejadora de uma pronta e imediata ação da polícia e espera-se seja o indicia-do preso. Mas este não pode ser um justificador à restrição e liberdade.

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Mantém-se o decreto de prisão preventiva, evidenciados o clamor público e a necessidade da cons-trição ao exercício do direito de liberdade” (STJ – RHC 6.050 – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro). Prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública e por conveniência da instrução crimi-nal contra réu acusado de haver torturado e matado a própria mulher. Negado provimento (STJ – RHC 315 – Rel. Carlos Thibau).

Quando trata o artigo 312, CPP de garantia da ordem econômica, se está abordando os crimes do “colarinho branco”, ou seja, os crimes cometidos contra a ordem econômica e financeira. A gravidade do delito da lesão econômica é a justificativa para essa prisão. O encarceramento deste tipo de criminoso visa a impedir que o indiciado ou réu permaneça a lesar mais vítimas e o próprio Estado74.

Outra hipótese que assegura a prisão preventiva é a conveniência da instrução criminal. Com a prisão do autor do delito, pretende-se que este não destrua ou oculte as provas existentes do crime. A não segregação deste indivíduo poderia vir a prejudicar a colheita de provas, na medida em tentasse influenciar na sua produção. Existem muitos criminosos que ameaçam testemunhas e vítimas, destroem elementos probatórios de culpabilidade e acabam com evidências materiais75.

A conveniência da instrução criminal evidencia necessidade de a coleta de provas não ser pertur-bada, impedindo a busca da verdade real (STJ – RHC 3169-5 – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU 15.05.95, p. 13.446).

Por fim, o último motivo de permanecer o indiciado ou réu preso durante o inquérito ou a instru-ção criminal justifica-se pela necessidade de se assegurar a garantia da aplicação da lei penal. A prisão preventiva visa principalmente neste caso a evitar que haja fuga por parte do réu. O processo é todo de-senvolvido para que se conclua pela culpabilidade ou não do réu e para a devida aplicação de pena em caso de comprovada autoria e materialidade. Quando fica claro que existe a possibilidade de se tornar inexitosa esta sanção, prende-se preventivamente76.

Assegurar a aplicação da lei penal traduz idéia de o indiciado, ou réu demonstrar propósito de fur-tar-se ao cumprimento de eventual sentença condenatória. Aqui, é suficiente o juízo de probabili-dade (STJ – RHC 3169-5 – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU 15.05.95, p. 13.446).

Além dos requisitos acima citados, existe a previsão de condições de admissibilidade da prisão pre-ventiva que apenas pode ocorrer em crimes dolosos e que:

a) sejam punidos com pena de reclusão;

b) sejam punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou que haja dúvidas sobre a sua identidade e não for possível esclarecê-la;

c) exista reincidência em crimes dolosos.

Como percebemos, ao ler o artigo 313, Código de Processo Penal, apenas cabe prisão preventiva aos crimes dolosos. Exclui-se, portanto, a possibilidade de prender preventivamente aqueles que comete-rem crimes culposos ou contravenção penal. Ora, não se justifica a possibilidade de preventivamente reco-lher-se ao cárcere alguém que não teve a intenção de cometer um crime, não apresentando periculosidade à sociedade, ou de restringir a liberdade de forma preventiva daquele que será beneficiado pelos institutos da composição ou transação penal. Assim, existe obrigatoriamente a junção dos requisitos do artigo 312 – periculum libertatis – que são as quatro justificativas para não se aconselhar a liberdade do indiciado, junta- 74 Para Aury Lopes Júnior, as situações de garantia à ordem pública e econômica não são autorizadoras de fundamentação para a decretação da prisão preventiva. Revelam-se, antes de tudo, inconstitucionais. LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: Fundamentos da instrumentalidade constitucional, pp. 212-219. 75 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 383. 76 Aury Lopes Júnior evidencia a natureza cautelar da prisão preventiva com os fundamentos da tutela da instrução criminal e da aplicação a lei penal. Mas enfatizar a verificação da necessidade de sua aplicação é que as torna legítimas e possíveis. LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: Fundamentos da instrumentalidade constitucional, p. 219.

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mente com o fato de ter ocorrido um crime doloso. Ainda, restringiu-se mais tal possibilidade na medida em que os incisos do artigo 313 fazem uma previsão taxativa de crimes dolosos que serão passíveis de pri-são preventiva.

Prisão preventiva. Decretação por juiz substituto em caso de crime apenado com reclusão. Admis-sibilidade. Inteligência dos arts. 144, § 1º, b, da CF e 17 e 22, § 2º, da Lei Complementar 35/79, com a redação da Lei Complementar 37/79 (STF – RHC – Rel. Soares Muñoz – RT 556/416).

Os que são punidos com detenção não são obrigatoriamente autorizadores de prisão preventiva, mas tão somente quando houver dúvidas quanto à identidade do acusado, visto que o conhecimento da autoria do crime é imprescindível para haver a prisão cautelar. Preenchendo-se tal requisito, se evita que quem não é responsável pelo fato seja condenado, pois se estaria burlando o requisito do fumus commissi delicti77. Já em relação à previsão baseada na vadiagem, cremos não mais fazer sentido. No mundo de hoje, onde existe uma expressiva quantidade de pessoas excluídas e sem emprego, este requisito tornou-se inó-cuo, para não dizer, inaplicável. Fica aqui registrado por conteúdo formal, mas não apresentando conteúdo material.

Prisão preventiva. Crime apenado com detenção. Possibilidade de decretação caso o réu seja vadio ou se houver dúvidas sobre sua identidade. Requisitos não configurados na hipótese – Habeas corpus concedido. Inteligência do art. 313, II, do CPP (STJ – RHC – Rel. Assis Toledo – RT 693/404).

O outro elemento que preenche as condições de admissibilidade da decretação da prisão preventi-va é a reincidência em crime doloso. E frise-se doloso, já que a reincidência em outra modalidade de crime não é autorizadora. Assim, caso o delinqüente tenha agido dolosamente em outro crime e a sua con-denação tenha sido prolatada em até cinco anos, a reincidência está presente e autoriza a prisão preventiva.

Criminal. Condenação. Apelação em liberdade. Habeas corpus. Reincidência. Incabimento do writ para exame da controvertida homonímia alegada em relação à reincidência, inclusive para efeitos de obtenção do sursis. Prisão. “Não há liberar-se o réu do recolhimento à prisão preventiva para recorrer, se o benefício lhe foi negado por sentença forrada na indicação dos seus péssimos ante-cedentes, além da discutível reincidência. Negado provimento” (STJ – RHC 262 – Rel. José Dan-tas – j. 16.10.89).

Assim, no crime doloso que se enquadre num dos três incisos do artigo 313, quando hou-verem indícios de autoria e comprovada materialidade e, estando presentes um dos quatro moti-vos elencados no artigo 312, possível se faz que a prisão preventiva seja decretada pelo juiz.

Há previsão legal no artigo 314, Código de Processo Penal de que não se pode proceder à prisão preventiva em caso de ter sido cometido o fato nas condições do artigo 23 e incisos do Código Penal. As-sim, caso se verifique a presença de excludentes de tipicidade, não há razão para aplicação de cár-cere, quiçá preventivo. Ora, por analogia podemos estender a não aplicação desta prisão também em relação às situações de excludente de culpabilidade, já que sabemos, hoje, ser a culpabilidade compo-nente do crime78. Exclui-se, no entanto, desta situação, o inimputável já que a este pode ser decretada a prisão preventiva.

O juiz poderá conceder a liberdade provisória ao réu, preso em flagrante, evidenciada causa exclu-dente de ilicitude (CP, art. 23), ou quando ausente qualquer hipótese que autorize a prisão preven-tiva (STJ – RHC 4.092-0 – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro).

A decretação da prisão preventiva por parte do juiz deve ser devidamente fundamentada. Não basta que apenas a determine e diga que está presente tal fundamento, nem mesmo a repetição das palavras da lei bastam. É necessário que justifique o porquê desta inserção. Além de ser ato do juiz que

77 Neste caso, no tocante à autoria do crime que, ao ser duvidosa, acaba por não constituir o requisito da fumaça do cometimen-to do delito que possui duas esferas: autoria e materialidade. 78 Nesta esteira também Nucci. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 569.

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deve ser fundamentado, de acordo com o artigo 93, IX, CF, mais ainda se faz necessária por dizer respeito à restrição da liberdade do indivíduo, conforme preceitua o artigo 315 do CPP. O despacho que deter-mina a prisão preventiva pode ser a qualquer momento revogado, tendo em vista que os requisitos e fundamentos autorizadores de sua decretação não se fazem mais presentes. E o contrário também proce-de, quando houver requerimento por meio das partes ou do delegado e o juiz não verificar a procedência do pedido, esta será negada, mas, se posteriormente a encontrar, pode a qualquer momento decretá-la, inclusive sem nova manifestação do requerente.

Prisão preventiva. decretação em face da gravidade do crime cuja prática é imputada ao acusado. Extorsão mediante seqüestro agravado pelo morte de menor. Decisão não fundamentada e pro-ferida muitos anos após a consumação do delito. Réu primário, chefe de família, com profissão e domicílios certos, além de apresentar bons antecedentes. Constrangimento ilegal configurado. Re-curso de habeas corpus provido. Declaração de votos. Inteligência dos arts. 312 e 315 do CPP. “sub-jetivismo do julgador não constitui fundamentação suficiente para tirar-se a liberdade de acusado primário e de bons antecedentes antes da decisão final e definitiva da ação penal que lhe foi inten-tada. A prisão provisória situa-se como medida excepcional. Na sistemática do atual Direito Posi-tivo brasileiro já não existe a custódia obrigatória compulsiva (art. 312 do CPP). Cabe ao juiz indi-car, de modo claro, fatos concretos que demonstrem a imperiosidade da custódia preventiva, a fim de garantir a ordem pública, assegurar a espécie, não obstante a gravidade do crime de que trata a denúncia, não se acha suficientemente justificada a prisão provisória do recorrente. Provimento do recurso para anular o decreto de custódia preventiva em relação ao paciente, por ausência de fun-damentação adequada” (STF – RHC 60.608-3 – Rel. Djaci Falcão – DJU 29.06.84 – RT 589/411). (g.n.) Prisão preventiva. Revogação. Custódia deferida supondo-se revel o acusado, por não ter sido lo-calizado para citação pessoal. Hipótese, porém, em que se encontrava internado em casa de trata-mento para viciados. Falta de razões substanciais a justificar a imposição da medida excepcional (TJSP – HC – Rel. Jarbas Mazzoni – RT 619/285).

Em relação à apresentação espontânea do acusado, não há nenhuma justificativa para que não se decrete a prisão preventiva, desde que presentes os requisitos e ao menos um dos fundamentos necessá-rios. Assim, conforme determina o artigo 317, CPP, a apresentação espontânea do acusado não impede a decretação da prisão preventiva. Ocorre em certos casos que o autor do fato se apresenta justamente acre-ditando que irá escapar da prisão preventiva iludindo o magistrado com a sua apresentação. Atento a isso, o legislador não autorizou que, através do uso de subterfúgios, o criminoso deixe de ser encarcerado pre-ventivamente.

Prisão provisória. Revogação. Admissibilidade. Réu pronunciado. Ausência dos requisitos previs-tos no art. 312 do CPP. Apresentação, espontânea em Juízo. Criminoso ocasional. Custódia caute-lar desnecessária. Ordem concedida (TJSP – HC 153.572-3 – Rel. Cunha Bueno). Decretação (prisão preventiva) contra réu que se apresenta espontaneamente. Penal. Processual penal. Hábeas corpus. Apresentação espontânea do acusado. Prisão preventiva. Fundamentação. Inquérito policial. Conclusão. CPP, art. 317. “Apresentação espontânea do acusado não impede se-ja decretada sua prisão preventiva. CPP 317. Decreto de prisão preventiva corretamente funda-mentado. Excesso de prazo para conclusão de inquérito policial não caracterizado. Hábeas corpus indeferido” (STF – HC 74858 – Rel. Carlos Velloso – DJU 18.4.97)

Há quem defenda que todos os crimes hediondos79 são ensejadores de prisão preventiva; discor-damos desta opinião e sequer encontramos justificativa legal para tal afirmativa. Não é a gravidade do cri-me que irá determinar a necessidade da prisão preventiva, mas, sim, todos os requisitos e condições supra-citadas. Pode ocorrer de um crime hediondo ser cometido por agentes que não apresentam periculosidade ou que não gerem desordem pública, por exemplo, não apresentando, portanto, justificativa para a decre-tação desta prisão cautelar.

79 Crimes previstos na Lei 8.072/90.

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A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quanto a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII) (RTJ 137, p. 287) (STJ – HC 6497 – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU 25.05.98, p. 152). Prisão preventiva. Decretação contra autor de latrocínio. Despacho não suficientemente funda-mentado, cingindo-se à gravidade do delito, ao clamor da lei penal. Constrangimento ilegal confi-gurado. Paciente, ademais, menor e primário, com residência fixa e emprego certo. Habeas corpus concedido. Inteligência do art. 312 do CPP. “A gravidade do delito, por si só, não basta para fundamentar a decretação de prisão preventiva, ainda que nele se aluda à necessidade de ga-rantia da ordem pública e da aplicação da lei penal. É imprescindível a demonstração da necessida-de de garantia da aplicação da lei penal, assi9m como de que a ordem pública se veja ameaçada com a liberdade do acusado” (TJSP – HC 43.044-3 – Rel. Nogueira Garcez – RT 608/325). (g.n.)

O período de duração da prisão preventiva não foi fixado pelo Código de Processo Penal, nem mesmo por qualquer outro tipo de legislação. Há uma lacuna em relação a este tema. O certo é que não pode um indivíduo ser mantido na prisão provisória indefinidamente ou esperar que transite a sentença em julgado imotivadamente. Assim, uma construção doutrinária ocorreu em cima do prazo da prisão preven-tiva, e muitos autores, juristas e executores da lei a consideram. A fixação deste prazo foi realizada através do cálculo de tempo de todos os atos processuais que ocorrem desde o inquérito até o final da instrução criminal. Assim, chegou-se à conclusão de que em 81 dias se chegaria ao prazo para que a colheita de pro-vas se encerrasse e fosse possível confirmar a autoria e materialidade.

O somatório de 81 dias representa um judiciário extremamente ativo, as partes cumprindo todos os prazos, com dedicação da máquina do estado voltada apenas para aquele processo. O prazo fixado é ilusório, já que sabemos que num processo muitos fatores incidem e são determinantes, principalmente em um judiciário assoberbado de ações como é o caso do Brasil. Para nós, a prisão preventiva deve durar apenas e tão-somente o prazo em que seja necessária para a verificação da autoria. Não há neces-sidade de manter-se o acusado preso até o final da colheita de provas, posto que, é ilegal. Mas não há prazo rigorosamente definido neste sentido.

O indivíduo que se recolhe preso preventivamente deve manter-se no cárcere nesta condição ape-nas o tempo necessário para a colheita de provas indispensáveis à investigação e, no caso de desapareci-mento de qualquer requisito ou condição, revogada deve restar a prisão preventiva.

Habeas corpus. Prisão preventiva. Fundamentação. Prazo. Preventiva devidamente fundamentada. O decurso de seis meses, sem encerramento da instrução, caracteriza constrangimento ilegal, mesmo reconhecida a complexidade dos atos processuais, mas constatada a fragilidade da prova até o momento colhida. Habeas Corpus concedido. (HC nº 70007308794, Oitava Câmara Criminal, Tri-bunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Pinto de Azevedo, Julgado em 29/10/2003)

Quanto à prisão preventiva de menor de 18 anos, é necessário que seja aplicada a Lei 8.069/90, que prevê que, em sendo comprovada a autoria e a materialidade na realização do ato infracional, aos me-nores infratores pode haver a internação provisória (art. 2º, Estatuto da Criança e do Adolescente). Deste modo pode-se aplicar a medida cautelar de internação, mas com um prazo fixado, qual seja, 45 dias, desde que a decisão que a determine seja fundamentada e estando presente a necessidade imperiosa de tal medi-da.

A liberdade provisória é sempre incompatível com a prisão preventiva, assim, em se verifi-cando os requisitos da liberdade provisória, deve ser revogada a prisão.

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2.1.3. Prisão temporária

A prisão temporária, como já se sabe, é mais uma espécie de prisão cautelar, mas apresenta-se como prisão pré-processual. A sua ocorrência se dá antes do processo penal, já que apenas pode ser realizada quando do inquérito policial. Aliás, a sua origem remonta justamente de uma prisão para averiguação como era denominada, quando realizada pela polícia nas suas investigações. Com o advento da Constituição de 1988, que determinou que, para haver prisão, ou deve haver flagrante ou ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária, esta modalidade de prisão anteriormente utilizada foi revogada. Criou-se, então, a Medida Provisória80 111/89, que se converteu na Lei 7.960/89, a qual disciplina a prisão temporária.

A prisão temporária é aquela prisão que deve ser requerida pelo Ministério Público ou a-través de representação da autoridade policial com a finalidade de assegurar uma eficaz investi-gação policial.81 Assim, quando se tratar de apuração de infração penal grave, pode o delegado ou o MP requisitar que seja decretada a prisão temporária do indiciado. Não cabe ao juiz de ofício decretá-la.

Penal. prisão temporária. Manutenção. Necessidade. “Havendo fortes razões para assegurar a apu-ração de graves delitos praticados por quadrilha da qual o paciente, segundo notícia contida nos autos, a manutenção da prisão temporária impõe-se. Recurso improvido” (STJ – RHC 4.953 – Rel. William Patterson).

No entanto, cabe apenas ao juiz sua decretação e depende de mandado de prisão para que seja executada. Segundo preceitua o artigo 2º da Lei 7.960/89, o período da prisão temporária é de 5 dias de duração, podendo tal prazo ser prorrogado por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. No entanto, com o advento da Lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, crime de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo, o prazo da prisão temporária para estes cri-mes é outro. Segundo a redação do artigo 2º, § 3º, desta lei, o período de duração da prisão tempo-rária dos crimes tutelados pela lei dos Crimes Hediondos é de 30 dias, podendo ser prorrogado também por igual período em se comprovando a extrema necessidade. Acreditamos que quis o le-gislador determinar que o juiz poderá fixar para os crimes hediondos e equivalentes o prazo de até 30 dias. Portanto, se crer o magistrado que em 20 dias será o bastante para a investigação, poderá determinar no despacho que seja este o prazo do cumprimento da prisão.

A regra contida no art. 2º, § 3º, da Lei 8.072/90, que assegura a prorrogação do prazo da prisão temporária por mais trinta dias nas hipóteses de crimes hediondos, exige a comprovação de sua necessidade. Não consubstancia constrangimento ilegal, susceptível de ataque por via de habeas corpus, a ordem de prorrogação de prisão temporária provida de fundamentos indicativos da pre-sença efetiva de sua necessidade (STJ – HC 7655 – Rel. Vicente Leal – DJU 23.11.98, p. 212).

O despacho que determinar a prisão temporária deverá ser devidamente fundamentado como pre-ceitua o §2º do artigo 2º da Lei 7.960/89 c/c art. 93, XI, CF. Além disso, o mesmo dispositivo prevê que deva ser o despacho prolatado dentro de 24 horas contadas a partir da representação ou do requerimento. Em caso de ter havido representação do delegado de polícia para que fosse expedido o mandado de prisão temporária, deve o juiz, antes de decidir pelo pedido, ouvir o Ministério Público.

80 É de conhecimento de todos que Medida Provisória não pode estabelecer, nem disciplinar matéria penal, nem processual penal, mas, ao converter-se em Lei, passa a ter validade, ainda que pese a sua impropriedade de não ter sido proposta pelo Le-gislativo como deveria, mas, sim, pelo poder executivo. 81 Conforme assevera Delmanto, existe uma certa impropriedade em decretar uma prisão para que seja realizada a instrução durante o inquérito. Tal incongruência evidencia-se no momento em que analisamos o direito ao silêncio do acusado. Assim, pode o indiciado calar-se e recusar-se a realizar qualquer tipo de prova, afinal, a seu favor está o princípio do nemo tenetur se detege-re. Ou seja, não está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Se não for realizar nenhum ato no inquérito, qual o motivo de sua prisão? Eis aí o ponto que leva muitos juristas a considerarem esta prisão inconstitucional, já que o direito ao silêncio e a não produção de provas está previsto no Pacto de São José da Costa Rica, tida em nosso ordenamento como disposição consti-tucional segundo o art. 5º, § 2º, CF. DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 156.

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Prisão temporária. Constrangimento ilegal. Ausência de fundamentação. Caracterização. Despacho sem os motivos de convencimento de seu prolator. Ordem concedida para este fim (TJSP – HC 228.744-3 – Rel. Djalma Lofrano).

Decorrido o prazo de 5 dias de detenção nos crimes comuns e 30 dias nos crimes hedion-dos e equiparados, deve-se proceder à soltura dos presos sem que haja expedição de alvará por parte do magistrado82. Não ocorrerá tal situação se tiver havido pedido de prorrogação da prisão – den-tro do prazo legal – e tiver sido pelo juiz deferido tal pedido. Ao término da prorrogação, então, procede-se à soltura, desde que não tenha sido apresentada a denúncia ou queixa e o juiz não tenha determinado a prisão preventiva. Neste caso permanece o denunciado em cárcere, mas agora sob a égide da prisão pre-ventiva e não mais da prisão temporária.

Prisão temporária. Transformação em prisão preventiva. Admissibilidade. Hipótese de crime hedi-ondo que abalou a opinião pública. Magistrado que, sem desconsiderar os atributos do paciente, entendeu de boa cautela mantê-lo preso, pela gravidade do delito. Ordem denegada (TJSP – HC 133.797-3 – Rel. Barbosa Pereira).

Durante o período da prisão temporária pode ser requisitado o preso para que compareça ao juízo para que se proceda ao exame de corpo de delito e fornecidos esclarecimentos por parte do indiciado.

Então quais são os requisitos para que se possa prender temporariamente um indiciado? Os requi-sitos encontram-se no art. 1º da Lei que tutela a prisão temporária. A redação de tal artigo é:

“ Caberá prisão temporária: I- quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II- quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III- quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legis-lação penal, de autoria ou de participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso; b) seqüestro ou cárcere privado; c) roubo; d) extorsão; e) extorsão mediante seqüestro; f) estupro; g) atentado violento ao pudor; h) revogado; i) epidemia com resultado morte; j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte; k) quadrilha ou bando; l) genocídio; m) tráfico de drogas; n) crimes contra o sistema financeiro.”

A doutrina é controversa ao afirmar se os requisitos são alternativos, concomitantes ou combinató-rios. Nós pertencemos à corrente que acredita que os incisos I e III devam obrigatoriamente se fazer presentes para que a decretação da prisão temporária ocorra. Assim, deve haver imprescin-dibilidade da prisão para a investigação criminal, bem como deve ter ocorrido um dos crimes ci-tados pelo inciso terceiro. Em ocorrendo também o inciso segundo, mais evidente está a sua aplicabili-dade; no entanto, somente o I e III já bastam.

Aliás, salutar se faz a menção de que o rol de crimes que autorizam tal prisão é taxativo, o que nos permitiria afirmar que apenas nestes casos a prisão temporária pode ser determinada. No entanto, como já citado, a Lei de Crimes Hediondos acabou por prever, em seu texto, dispositivos que se relacionam à prisão temporária para os crimes lá previstos. Podemos, portanto, dizer que a 82 Deixar de soltar o sujeito, desde que decorrido o prazo da prisão, consiste em crime de abuso de autoridade, previsto no artigo 4º, i, Lei 4.898/65.

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Lei 7.960/89 e a Lei 8.072/90 prevêem os delitos que, se cometidos, são autorizadores de decreta-ção de prisão temporária, caso os demais requisitos se façam presentes.

Asseguram-se ao preso temporário os direitos constitucionais que são pertinentes a qualquer preso, além dos imanentes a eles, quais sejam, o de ficar separado dos demais presos e de ser solto assim que terminar o prazo legal da prisão. Destarte, a prisão temporária é medida cautelar que somente pode ser usada durante o inquérito policial em casos de imprescindibilidade de prisão para a investigação, desde que tenha sido cometido crime previsto na Lei de prisão temporária ou dos crimes hediondos. Podem ser pre-sos, também, os autores e partícipes de tais crimes ditos graves.

2.1.4. Prisão decorrente de sentença de pronúncia

A prisão decorrente da sentença de pronúncia como todas as demais prisões vistas neste capítulo é espécie de prisão provisória, cautelar, processual. Para que entendamos o porquê desta prisão, relembra-remos de forma rápida o que já estudamos quando dos procedimentos penais. A sentença de pronúncia é aquela que é originada nos crimes dolosos contra a vida, ou seja, é possível que seja decretada no caso de pronúncia para o Tribunal do Júri.

Referimos, anteriormente, neste estudo, que os crimes de competência do Tribunal Popular são compostos de duas etapas distintas e, por isso, denominamos de procedimento escalonado ou bifásico. A primeira fase é aquela denominada “iudicium accusationis”, ou seja, se procede ao juízo de ad-missibilidade da acusação. Tem início tal fase com o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime e se finda com a decisão do juiz singular de enviar a posterior análise ao Tribunal do Júri ou não83. Assim, ao pronunciar, afirma o juiz singular que se trata de crime doloso contra a vida e que, por isso, não lhe cabe mais o julgamento da ação84.

Pronunciado o réu, inicia-se a segunda fase do procedimento do Júri, já que os jurados – populares – é que irão proceder ao julgamento da causa. O Juízo da causa (iudicium causae) é justamente a análise em plenário do crime e posterior julgamento do crime pelo Conselho de Sentença.

O juiz, ao pronunciar o acusado, determina que sejam providenciadas as devidas ações para que se ofereça o libelo acusatório e se proceda ao julgamento em plenário. A pronúncia está prevista no artigo 408, do Código de Processo Penal. Mas o dispositivo que tutela a prisão originada pela pronúncia está no parágrafo primeiro do referido artigo. Em relação a este artigo há uma grande discussão, tendo em vista que grande parte dos juristas e doutrinadores acreditam ser este dispositivo inconstitucional.

O argumento de inconstitucionalidade da prisão decorrente da pronúncia na forma encontrada no artigo 408, § 1º, do CPP está exatamente em não se verificar necessariamente a presença das condições de aplicação da prisão preventiva, ou seja, não é toda e qualquer situação de pronúncia que demonstra o peri-culum libertatis e o fumus commissi delicti. E é sabido por nós que apenas estando presentes estes requisitos é que se torna possível a prisão cautelar. Assim, acreditamos também que não cabe a imediata decretação da prisão decorrente de pronúncia apenas pela simples formalidade do dispositivo legal. Com isso, estamos a refutar a auto-aplicação do parágrafo 1ª do art. 408, CPP.

O fato é que, caso o juiz venha a pronunciar o réu, existe a possibilidade de prisão decor-rente desta decisão, mas, é claro, a sua aplicação irá depender da existência de motivos que a au-torizem. O prejuízo de deixar o pronunciado solto – periculum libertatis – deve ser provado85, ca-so não o seja, não há falar em prisão decorrente de pronúncia. Afinal, toda a prisão provisória, para não se confundir com a punição antecipada, deve ser cautelar, ou seja, deve ter fundamenta-

83 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 387. 84 Conforme disposição estabelecida no artigo 5º, XXXVIII, d, CF/88. 85 Já que a pronúncia do réu já preenche o outro requisito, qual seja, o fumus commissi delicti. Sim, uma vez que o juiz acredita através da prova dos autos que houve cometimento de crime doloso contra a vida.

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ção na preservação do bom andamento da instrução criminal ou na necessidade de se garantir a eficácia da lei penal.

Defendemos, ainda, a tese de que, se até o momento da pronúncia esteve o réu em liberdade, deve assim permanecer. Não se justifica a sua prisão já que até o presente momento esteve solto. Se não estão presentes até agora motivos e requisitos para a prisão preventiva, quais serão os motivos para que seja re-colhido ao cárcere ao ser pronunciado? Não existem a princípio. Agora, se o pronunciado esteve até o presente momento preso e permanecerem as condições que aconselhem e determinem o seu recolhimen-to, que assim seja feito. A tese é que, se verificadas as condições de prisão preventiva neste momento, seja decretada a prisão, senão, não. Não estamos defendendo a liberdade incondicional do pronunciado, mas apenas requerendo que a sua prisão decorrente da pronúncia seja legítima.

Além disso, o § 2º do artigo citado prevê que, no caso de ser o pronunciado primário e de bons an-tecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão, ou revogá-la se encontra-se preso. Este dispositi-vo corrobora a idéia de que tanto quanto possível deve-se primar pela presunção da inocência e pelo prin-cípio de liberdade do indivíduo. Não quer se dizer com esta previsão que não pode haver prisão para os pronunciados se forem primários e de bom antecedentes. Pode ocorrer, sim, a sua prisão, desde que este-jam presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva.

Entretanto, como lembra Delmanto, não é possível que se decrete a prisão de alguém por ser este reincidente ou por ostentar maus antecedentes. Ao aceitar tal idéia, não se está a punir ninguém pela sua ação criminosa, mas pela sua história o que não tem razão de ser. Ainda, não são a reincidência e os maus antecedentes que preencherão os requisitos das medidas cautelares pessoais; afinal, se não há perigo para a realização do julgamento pelo Tribunal, nem para a futura execução da pena, por que procederia a decreta-ção de prisão provisória decorrente de pronúncia? Não tem razão de ser e, ao que parece, está por afirmar-se antecipadamente a culpabilidade do agente86.

Justifica-se o pedido de prisão do pronunciado por parte do juiz na situação em que o mesmo é ausente no processo. Ou seja, em caso de ser o réu revel, é possível que o juiz expeça o mandado de prisão quando da pronúncia, tendo em vista que a ausência daquele para recebimento da citação de audiência do Tribunal Popular ocasiona a suspensão do feito. Isto porque a citação para tal audiência deve ser realizada pessoalmente quando for o crime inafiançável – o que representa a maioria dos crimes que são analisados por esta corte – e o desconhecimento de seu paradeiro impossibilitaria tal procedimento. Para evitar o trancamento da ação expede-se o mandado de prisão, e a citação, então, é feita certamente, já que será realizada no lugar em que o pronunciado esteja recolhido.

Ainda é razão para a decretação de prisão decorrente de pronúncia para pronunciado ausente no processo a necessidade de sua presença na audiência de instrução e julgamento do Tribunal do Jú-ri87. Também nos crimes inafiançáveis a sua presença em audiência é obrigatória e, como o réu foi ausente no processo, pode presumir88 o magistrado que o seja nesta audiência; assim, o juiz decreta - ainda que seja desproporcional tal medida - a prisão para que no momento do julgamento aquele se faça presente, já que será requisitado à casa prisional a que se encontrar que seja conduzido até a audiência, evitando a suspen-são do feito89.

86 A jurisprudência tem de fato requerido justificativas a mais do que a simples reincidência para a decretação da prisão decor-rente de pronúncia. 87 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 571. 88 Esta presunção deve estar baseada em provas ou em fortes indícios, não pode ocorrer aleatoriamente ou por foro íntimo. A anterior tentativa de intimação deve ocorrer. 89 “Segundo a teoria das cautelares, a necessidade cautelar não decorre do direito substancial (no nosso caso, poder de punir) em si mesmo ou do fato constitutivo do direito em si mesmo (fato delitivo), mas do perigo para a efetividade do direito da demora de fazê-lo, decorrente da circunstância fática concretamente e devidamente demonstrada”. PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal teoria, práxis e crítica, p. 1027.

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É claro que esta medida de decretação da prisão deve ser precedida da tentativa de inti-mação do pronunciado. Quer-se dizer com isso que não é somente porque o pronunciado foi ausente até o presente momento no processo que há obrigação de proceder-se à prisão. Sabe-se que há o direito de o réu não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere); além disso, o seu silêncio não pode ser interpretado contra ele. Assim, não pode o acusado ser penalizado por utilizar uma prerrogativa a ele ine-rente. Mas, em tendo sido realizadas as diligências para a sua intimação e tendo sido negativa a resposta, então, a prisão decorrente de pronúncia pode vir a ocorrer.

Outra justificativa imperiosa está no fato de se autorizar aos crimes hediondos – considerados os crimes mais cruéis e temíveis - a possibilidade de apelação em liberdade e, querer-se fazer preso um réu apenas de sentença de pronúncia. Ora, o princípio da igualdade apresenta-se burlado nesta situação. A razão lógica não se faz presente nesta ocasião, já que mesmo seja sentenciado pelo Tribunal do Júri como culpado, pode ser que venha a apelar da sentença condenatória em liberdade. Desarrazoada esta justificati-va.

Na visão de Delmanto90, a decretação da prisão decorrente de pronúncia é uma espécie de pena antecipada, já que, segundo a visão constitucional desta prisão, na sua decretação seria a admissão de culpabilidade do acusado e que não pode ser, já que a sentença final não foi prolata-da não podendo sequer se falar em trânsito em julgado.

Entendendo o magistrado haver a necessidade de prisão do réu pronunciado, deve o mesmo expe-dir um mandado de prisão, podendo apenas ser executada quando aquele for expedido. Além disso, já é pacífico hoje que, no caso de ser o pronunciado preso, não há falar em excesso de prazo para a formação da culpa. O STJ já pacificou tal discussão através da súmula 21.

Súmula 21 STJ “Pronunciado o réu, fica superada a alegação de excesso de prazo na formação da culpa”

Sintetiza toda esta questão da prisão decorrente de sentença de pronúncia o julgado do STF91 que discorre: “o juiz pronunciando deve, sempre, motivar a sua decisão, quer para decretar, quer para revogar, quer para deixar e ordenar a prisão provisória do réu pronunciado”. Não há, em tema de liberdade indivi-dual, a possibilidade de reconhecer a existência de arbítrio judicial. Os juízes e tribunais estão, ainda que se cuide do exercício de mera faculdade processual, sujeitos, expressamente, ao dever de motivação dos atos constritivos do status libertatis que pratiquem no desempenho de seu ofício. A conservação de um homem na prisão requer mais do que um simples pronunciamento jurisdicional. A restrição do estado de liber-dade impõe ao ato decisório suficientemente fundamentado que encontre suporte em fatos con-cretos.

2.1.5. Prisão decorrente de sentença penal recorrível

No caso de ter sido realizado o processo penal e, ao final, prolatada a sentença condenatória, prevê o Código de Processo Penal que seja o preso recolhido à prisão para que apele. De qualquer forma, mesmo existindo sentença penal condenatória, não tem caráter de pena tal prisão, mas revela-se uma medida cautelar, visto que não há trânsito em julgado.

Sendo proferida a sentença condenatória recorrível, deve “ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança”, é o que reza o artigo 393, I, CPP. Assim, determina este artigo que deva ser recolhido à prisão de forma induvidosa o réu que receber a sentença condenatória. A nosso ver, é necessário que se faça uma leitura constitucional de tal dispositivo.

90 DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 196. 91 RTTJRS 149/15.

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Corrobora a violação do princípio da inocência e do duplo grau de jurisdição outro dispositivo do Código de Processo Penal, qual seja, o artigo 594: “o réu não poderá apelar em liberdade sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime que se livre solto.” Exigir que se recolha à prisão o réu para que apele fere o princípio da inocência explicitamente, já que possui evidente antecipação de pe-na, considerando o réu culpado como se trânsito em julgado houvesse. Não há necessidade de análi-se da Superior Instância sobre o caso já que, caso seja tomada tal providência de prisão, está a se afirmar que não há dúvidas sobre o julgamento.

Estamos falando de uma prisão cautelar, e, por isso, requer-se a constatação da presença dos pressupostos básicos destas prisões, quais sejam, o fumus commissi delicti e o pericullum libertatis, já tão citado por nós. Já que foi prolatada sentença condenatória o requisito da existên-cia de delito está presente, caso contrário, não haveria condenação; no entanto, há a evidente ne-cessidade de se provar a necessidade de segregação do indivíduo de forma cautelar. Caso contrá-rio, estará a ferir-se o princípio constitucional de inocência.

Existem inúmeros fatores e condições que podem vir a influenciar a mantença ou decretação da prisão ao condenado por sentença recorrível, entre eles, a condição de liberdade durante o decorrer do processo penal. Em tendo estado durante todo o processo solto o condenado e, não havendo no momen-to da sentença motivos de aplicação da prisão preventiva, não há razão de ser realizar-se a prisão antes do trânsito em julgado. É inadmissível para ele tal decretação.

Agora, caso esteja o condenado preso já preventivamente durante a instrução e permanecendo as situações autorizadoras, é claro que o juiz irá mantê-la e com a devida razão. A condenação em regime fechado ou semi-aberto e por um período longo de tempo pode aumentar a chance de o condenado con-tinuar preso ou de ser determinada a sua prisão, visto que para o magistrado isso pode representar a sua maior periculosidade e estar comprovada a gravidade do delito cometido92 .

No entanto, no caso de o réu ser condenado para o regime aberto ou por um período pequeno de condenação, que pode vir até a ser inferior ao tempo que ficará cautelarmente preso até que transite em julgado a sua sentença, necessária se faz a sua soltura ou que se mantenha a sua liberdade. Hoje, com os institutos despenalizadores, com a possibilidade de penas alternativas, sursis e etc, quando a sentença fixar a pena de forma que qualquer destes institutos possa ser aplicado, é imprescindível que o preso permaneça solto, já que incongruente seria outra decisão.

Embora o artigo 393, I, CPP preveja a prisão e a súmula 9 do STJ garanta que a prisão não ofende a presunção de inocência, cremos que as considerações acima devem ser consideradas de acordo com um processo penal constitucional. E assim tem sido feito, já que a súmula 9 do STJ vem sendo flexibilizada, conforme vê-se no julgado:

Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. Seja para vedá-la, seja para consenti-la. A prisão processual tem como pressuposto a ne-cessidade. Assim, quando o réu responde o processo em liberdade, impor que recorra preso, ne-cessário se faz indicar, na decisão, o fato novo para evidenciar a mudança de tratamento. Não po-de ser, evidente, a simples condenação. Se assim fosse, retornar-se ia a período superado pela legis-lação brasileira que consistia na constrição do exercício do direito de liberdade, pela natureza da in-fração penal, ou pela sanção cominada. (RHC 3356-8 – PA, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 10.10.1994)

Não há mais, portanto, qualquer dúvida de que deve o juiz fundamentar a sua decisão, seja ela pela prisão, seja pela liberdade do indivíduo. Não há falar em restrição de liberdade sem justificá-la.

92 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 573.

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3. Provas

Utilizando-se do conceito de provas de Fauzi Hassan Choukr, que traz uma leitura constitucional do tema, prova é “todo o produto obtido por um meio lícito, em contraditório, pelas partes legiti-madas, perante o juiz natural da causa, tendente a certificar o conteúdo da imputação do objeto do processo ou descaracterizá-lo, devendo ser sopesado explicitamente pelo órgão julgador na fundamentação de seu provimento”93.

Assim, toda e qualquer alegação, realizada por quaisquer das partes na instrução criminal, deve res-tar confirmada por meio de um instrumento chamado prova. Este termo no processo penal brasileiro pos-sui três diferentes aplicações, quais sejam:

a) ato de provar: provar com o significado de demonstração de veracidade das alegações realiza-das no processo;

b) meio: são os instrumentos utilizados para a demonstração das alegação sobre o fato;

c) resultado da ação de provar: a certeza ou convicção do magistrado em relação ao que foi ale-gado. É a análise dos instrumentos utilizados.

Deste modo, podemos utilizar o vocábulo prova em diferentes sentidos, mas sempre relacionan-do-o à comprovação, à análise e ao exame de fatos e alegações. Tendo em vista que o processo tem como objeto a aplicação do direito para a solução e pacificação de um conflito e que, para que se alcance tal objetivo é necessária a utilização da razão, por óbvio está a certeza de que o magistrado a fim de prola-tar a sua decisão deve basear-se na verificação dos fatos e alegações que as partes relatam e defendem quando das suas manifestações no processo.

A prova é justamente este elo entre a alegação e a confirmação, já que, para que seja considerada certa afirmação por parte do juiz, deve haver sua comprovação, que se dá através da apresentação da pro-va. Neste sentido, a atividade probatória tem a finalidade de desvendar os fatos narrados. O pro-cesso penal, dizem alguns autores, busca a verdade real, ou seja, tem como finalidade a busca do aconteci-mento tal como ocorreu. Nós optamos por uma outra doutrina que busca a verdade processual94, ou melhor, crê que o magistrado deva, através da verdade apresentada no processo95, decidir.

Como bem lembra Bonfim96, “a prova tem como finalidade permitir que o julgador conheça os fa-tos sobre os quais fará incidir o direito”. O que corrobora a tese de que a análise do julgador será feita em cima das provas alegadas e devidamente apresentadas no processo, pois, seguindo o preceito legal do arti-go 93, IX, CF, as decisões deverão ser fundamentadas. Ora, a fundamentação só pode advir do que foi extraído do processo, visto que é de onde foram reconstruídos os fatos passados que pedem julgamento.

Conclui-se, portanto, que a prova apresenta duas diferentes finalidades: a) demonstração do fato como forma de reconstrução da história do fato delituoso, revelando o aspecto objetivo da prova; b) como forma de convicção do juiz. É a esfera subjetiva, já que visa internalizar no juiz a convic-ção da alegação.

Em relação ao ônus da prova, podemos defini-lo com o uso do brocardo latino actori incumbit pro-batio, ou seja, cabe ao autor a prova do que alegar. Mas tal definição não vige sozinha, a regra do et réus in excipiendo fir actor se traduz em ao acusado cabe a demonstração dos fatos de que alegue ao elidir a preten-

93 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal. Comentários consolidados e crítica jurisprudencial, p. 284. 94 Para o sistema acusatório faz-se necessária a busca da verdade processual, visto que a busca pela verdade real é inútil. O sis-tema acusatório funda-se na atribuição às partes da atividade probatória e na separação entre as funções de acusar e julgar, tor-nando inócua a busca da dita verdade real. 95 Deve-se buscar uma verdade mais próxima da realidade, é a dita verdade processual. 96 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 286.

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são do autor97. Percebe-se, portanto, que à acusação, que fez a denúncia ou queixa, cabe provar tais fatos aventados na exordial acusatória. Quanto à defesa ter que apresentar as provas referentes às excludentes que tenha vindo a alegar quando de sua defesa há mais de uma posição da doutrina, uma vez que, seguindo o sistema acusatório puro, mesmo na alegação da defesa a prova da desconstrução caberia ao órgão acusador.

Neste sentido Aury Lopes Júnior98 assevera que “...a primeira parte do art. 156 do CPP deve ser lida á luz da garantia constitucional da inocência. O dispositivo determina que ‘a prova da alegação incumbirá a quem fizer’. Mas a primeira (e prin-cipal) alegação feita é a que consta na denúncia e aponta para a autoria e a materialidade; logo, in-cumbe ao MP o ônus total e intransferível de provar a existência do delito. Gravíssimo erro é cometido por numerosa doutrina (e rançosa jurisprudência), ao afirmar que à defesa incumbe a prova de uma alegada excludente. Nada mais equivocado. A carga o acusador é de provar o alegado; logo, demonstrar que alguém (autoria) praticou um crime (fato típico, ilícito e culpável). Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que in-tegram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade e, logicamente, a inexistência das causas de justifi-cação.”

Desse modo, fica-nos claro que não pode haver inversão do ônus da prova no processo penal. Não cabe, conforme explicitado acima, ao réu provar sua inocência, até porque o princípio da inocência é vigente em nosso país, mas cabe, sim, à acusação provar a culpabilidade do acusado. As alegações feitas pelo órgão acusador deverão cabalmente serem provadas, sob pena de ter a sua pretensão indeferida pelo juiz.

Quando apresenta fato extintivo, modificativo ou impeditivo em relação ao que lhe foi impu-tado na peça acusatória, deve o acusado alegá-lo. No entanto, não requer tal afirmação prova cabal, exis-tindo prova que gere dúvidas no magistrado em torno do alegado na exordial, já o bastante para que se utilize do provérbio “in dúbio pro reu”.

Em caso de o acusado apresentar álibi, deve exaustivamente provar a sua veracidade. Álibi é a de-fesa do acusado baseada em estar em outro lugar ao tempo do fato. Apresentando lugar diverso daquele em que foi realizado o delito, o réu afirma não poder tê-lo cometido. Já que foi o acusado quem fez a ale-gação, a ele cabe a sua comprovação. Aqui também cabe o alerta citado, ou seja, segundo parte da doutri-na, caberia ao órgão acusador a desconstrução do álibi.

Defendemos que a produção de prova cabe apenas às partes como conseqüência de uma leitura constitucional do código de processo penal. Em um Estado onde vige um sistema acusatório descabe a pretensão defendida por alguns de que ao juiz é possível a determinação da produção de provas, embora seja verdade que constem dispositivos99 no CPP que autorizem tal interpretação. Tal assunto já foi por nós estudado quando tratamos dos sistemas penais no capítulo 1, mas torna-se importante frisar-se aqui que o papel de juiz inquisidor, que possui superpoderes no processo, entre eles o de determinar a produção de provas, está em desacordo com o sistema democrático de direito defendido e determinado pela Constituição Federal. Assim, é necessário que fique clara a posição por nós utilizada de que apenas às partes confere-se o direito de produção e apresentação de provas. Ao magistrado100 cabe anali-sá-las e valorá-las.

A atividade probatória é tutelada por uma série de princípios, entre eles:

a) Princípio da não auto-incriminação. É o princípio defendido pelo brocado nemo tenetur se dete-gere que determina que não pode o acusado ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. O direito ao silêncio quando do inquérito e, ainda, quando do interrogatório judicial lhe são assegurados. Também lhe é

97 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, pp. 304-305. 98 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: Fundamentos da instrumentalidade constitucional, p. 190. 99 Alguns artigos que possibilitam a produção de provas por parte do magistrado são: 156, 196, 209, 234, CPP. 100 Ao juiz cabe conservar apenas a sua função de julgador, devendo em relação à produção de provas ficar inerte.

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permitido resguardar-se da produção de qualquer tipo de prova; não está obrigado a realizar a reconstitui-ção, falar quando solicitado, fazer provas periciais, enfim. Ao agir assim, por permitir-lhe tal princípio, não pode haver interpretação contrária à defesa, não pode inferir-se prejuízo da não-produção de provas.

b) Princípio da comunhão das provas. As provas, como sabemos, são produzidas por cada uma das partes, mas, ao serem acostadas no processo, passam a ele pertencer e, assim, produzem um conjunto probatório unitário. A prova apresentada por uma parte pode, inclusive, favorecer a outra segundo este princípio.

c) Princípio do livre convencimento motivado101. Este princípio está mais direcionado à ação do juiz na causa, já que diz respeito à valoração e convicção deste na análise das provas do processo. As provas são apresentadas pelas partes que as produzem esperando convencer o juiz sobre as alegações feitas em relação aos fatos. O juiz, ao analisá-la, dará o valor que quiser, devendo, no entanto, dar fundamento a tal escolha. Assim, disciplina o princípio do livre convencimento que é possibilitado ao magistrado livre-mente escolher dentre as provas legalmente produzidas e constantes do processo, aquelas nas quais irá fundamentar a sua decisão. Não é este um pensamento defendido exclusivamente pela aplicação de um princípio, mas há previsão legal, baseado no disposto no artigo 157, CPP. Lembramos que no nosso sis-tema não há hierarquia de provas e que a sua análise lógica é que irá prevalecer. A convicção, a escolha são livres, desde que apresentem justificativas.

Cabe apontar que há exceção a este princípio que é verificado no procedimento do Tribunal do Jú-ri. Neste caso, os jurados populares não estão obrigados a fundamentarem a sua decisão. Lá, eles proferem a suas sentenças de acordo com a íntima convicção apenas102.

d) Princípio da publicidade. Os atos do processo penal devem ser públicos, assim como toda a sua instrução, inclusive, a apresentação das provas, cabendo raras exceções, tidas como segredo de justiça, que estão previstas em lei.

e) Princípio do contraditório. Como sabemos, o contraditório é a possibilidade de contraprova daquilo que foi apresentado pela outra parte. Assim, sempre que for produzida uma prova por uma parte, tem a outra direito a manifestar-se sobre ela e, inclusive, apresentar outra prova que refute a apresentada. Há quem diga que é o caráter bilateral da prova, já que as duas partes (acusação e defesa) têm direito a contrariar a prova apresentada pela outra parte. Caracteriza nulidade no processo o fato de ser apresentada prova por uma das partes e não ser dado a outra o direito de manifestação – impugnação e contraprova - sobre a mesma.

f) Princípio da livre produção de provas. O nosso ordenamento possui alguns tipos de provas arrolados como em sendo espécies de provas. Mas é importante lembrar que este rol é meramente exem-plificativo, na medida em que é possível que as partes apresentem provas que não estejam ali previstas. O sistema adotado pelo CPP é liberatório como percebemos, cabendo restrição apenas em duas situações, quais sejam: 1) provas relativas ao estado das pessoas. Conforme disciplina o artigo 155, CPP, são estabe-lecidas em conformidade com a lei civil. 2) aceitação apenas de provas lícitas. Esta situação merece um estudo um pouco mais aprofundado.

As provas devem ser licitamente colhidas e apresentadas perante o juízo. A Carta Maior da Repú-blica repudia a colheita de forma ilícita explicitamente, através do texto do artigo 5, LVI, o qual cita “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito”.

101 Também conhecido como princípio da persuasão racional do juiz. 102 Podemos apontar 4 sistemas de valoração das provas. O sistema ordálico, que era usado na Idade Média, em que se busca-va a confissão do acusado através do uso de tortura. Usava-se brasa e, caso o acusado não suportasse a dor, era considerado culpado. O sistema da íntima convicção é utilizado hoje pelo Tribunal do Júri. A discricionariedade é plena. Sistema da prova tarifada ou da prova legal: as provas recebiam por parte do legislador um valor pré-estabelecido. Assim, a lei dizia ao juiz o quanto valia aquela prova. E o sistema do livre convencimento ou da persuasão racional. Neste sistema, existe liberdade por parte do juiz em julgar quais são as provas válidas e que as convencem, mas esta liberdade é restringida pela necessidade da fundamentação.

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Na verdade, não existe apenas vedação para as provas ilícitas, mas também para as que foram co-lhidas ilegitimamente103. A produção de prova ilegítima viola o direito processual, enquanto a fabricação de prova ilícita fere o direito material, principalmente o direito constitucional. Exemplo de prova ilícita é a colhida mediante tortura ou quando houver violação das comunicações, e espécie de prova ilegítima é a leitura de peça nova em plenário, por exemplo, já que possui vedação legal para tal fato.

De qualquer forma, há jurisprudência e doutrina que defendem a tese de que, no caso de ser a pro-va ilícita ou ilegítima favorável ao réu, possível está a sua utilização. Neste sentido, Luiz Flávio Gomes104 assevera que o fundamento da teoria de que cabível é a utilização de prova ilícita a favor do réu e está no fato de se utilizar da razoabilidade, já que, entre a inadmissibilidade da prova e a presunção da inocência, deve preponderar a última existente para a elucidação do caso, por isso possível se faz a sua utilização. Esta é também a opinião de Tourinho Filho que elucida que lhe parece razoável que se utilize de uma pro-va que inocente um réu em detrimento de uma possível condenação injusta - é a aplicação do principio da proporcionalidade pro reu.

A opinião defendida por nós está no sentido de haver realmente a possibilidade de utilização de provas obtidas ilegítima ou ilicitamente, mas desde que apresentem dois requisitos: a) ser a prova favorá-vel ao réu. Assim, não há falar em prova ilícita suscitada pela acusação, por ser decorrente do princípio da proporcionalidade pró réu105; b) indispensabilidade da prova, ou seja, ser esta a única possível para que seja determinada a inocência do réu.

Importante, ainda, tratarmos da Teoria da Prova Derivada da Ilícita, também conhecida como Te-oria da Árvore Envenenada. As provas ilícitas por derivação são, por assim dizer, aquelas que foram produzidas em cima de provas obtidas ilicitamente. Ora, estas provas não podem ser consideradas; se as que as originam não o são, com mais razão estas.

Ainda, necessária se faz a citação do caso das provas emprestadas. Estas, como o próprio nome já deixa a entender, são provas que se retiram de um lugar e se colocam em outro. Por óbvio que estamos a tratar de uma prova que foi colhida em um processo e será utilizada também em outro processo. Possível é que se realize esta ação, desde que a prova a ser emprestada tenha sido colhida, observando-se os precei-tos legais do contraditório e do devido processo legal, além da obrigatoriedade de serem os processos per-tencentes às mesmas partes. Pode ser utilizado qualquer tipo de prova, seja ele documental, seja um laudo, seja um depoimento. O translado deste documento não o faz perder seu caráter jurídico original.

No processo penal, como salientamos anteriormente, há necessidade de se provarem os fatos ale-gados e, assim não o sendo, não terão efeitos sobre a decisão judicial. No entanto, existem fatos que não necessitam de comprovação, que a sua existência basta para que sejam considerados verdadeiros. Os fatos excluídos da atividade probatória são:

a) os fatos notórios. Trata-se daqueles fatos que são de conhecimento do “homem médio”, fa-zem parte de nossa cultura106. Os fatos notórios são aqueles que são de conhecimento geral, são nacional-mente conhecidos. Não existe fato notório que seja pertencente ao Município, por exemplo. Deve o fato notório ser certo e de conhecimento público e não de um determinado grupo de pessoas por maior que possa ser este número. Podemos citar como fato notório que no dia 25 de Dezembro é dia de Natal e que a moeda utilizada no Brasil é o Real.

b) os fatos intuitivos ou evidentes. São abordados aqui os fatos que não carecem de prova por constituírem-se em si mesmos como fatos que a percepção já apura. Não há discussão ou dúvida sobre o

103 Existe doutrina, embora minoritária, que defende a possibilidade de utilização de provas ilícitas baseando-se na justificativa da busca da verdade real para que tal procedimento seja possível. Entre seus expoentes está José Roberto dos Santos Badaque. 104 GOMES, Luiz Flávio. Direito processual penal, p. 182. 105 Ora, a acusação já apresenta a desigualdade que lhe favorece por ver o estado e a máquina pública trabalhando em seu favor. 106 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 286.

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fato, a sua visualização já é o bastante para se ter certeza. O exemplo citado por Bonfim107 é o da constata-ção de estar viva uma pessoa; ora, se ela fala, se mexe e respira, só pode estar viva, é evidente.

c) os fatos inúteis ou irrelevantes. Estes fatos são aqueles que não irão ajudar na solução do lití-gio. A sua existência não irá determinar nenhuma alteração ou conclusão ao processo por ser-lhe alheio. É a utilização do brocado “frusta probatur quod probantum non relevat”. Claro que a definição do que é útil ou inútil deve-se ao objeto do processo.

d) presunções legais (iuri et de jure). Também ditas como presunções absolutas, não necessitam de comprovação, pois, se são absolutas, são incontestáveis. Não suportam provas em sentido contrário. O Código Penal determina em seu artigo 27 que os menores de 18 anos são inimputáveis. Então se uma cri-ança de 12 anos comete crime, ele é inimputável.

e) o direito, em regra, não necessita ser provado. Tratando-se de leis que não têm abrangência nacional, deve a parte que as alega, prová-las. Destarte, caso a parte venha a referir-se ou solicitar que lhe seja concedido direito que tem aplicação municipal ou estadual, ou ainda, que seja tutelado por tratado internacional, deve trazer aos autos a redação e a sua comprovação, pois não é dever do juiz saber de legis-lação que não seja de competência nacional108.

Diferentemente do que ocorre com o direito trabalhista, civil e em outras áreas do direito, no pro-cesso penal existe, sim, a necessidade de provar os fatos incontroversos. Caso ocorra de uma parte alegar um fato e a outra não refutá-lo, da mesma forma, deve haver comprovação do fato. Não se exime da prova o fato que não foi contradito. Não há confissão ficta ou presumida no processo penal.

É possível que se faça uma classificação das provas de acordo com os seguintes critérios:

a) quanto ao objeto, pode ser a prova direta ou indireta. Provas diretas são aquelas que incidem sobre o fato principal – fato probando. A prova direta demonstra o fato de forma imediata, ou seja, no momento (flagrante, o corpo de delito). A prova indireta, por sua vez, não incide sobre o fato prin-cipal, mas afirma um fato de que se infira ou presuma algo (suspeitas, indícios, etc.).

b) quanto ao sujeito ou fonte. Provas pessoais são as realizadas sobre uma pessoa (corpo de deli-to, por exemplo). Prova real é aquela que surge de coisa ou objeto.

c) quanto à forma ou aparência. Será dita como prova documental se basear-se em provas escri-tas, documentos. As provas podem ser também testemunhais, quando ocorre de haver testemunhas do fato delituoso. E as provas materiais são as que incidem sobre um objeto.

d) quanto ao valor ou efeito. Prova plena é aquela prova que permite ao juiz chegar a uma certe-za. Podemos dizer que é uma prova que tem sentido completo, perfeito. Enquanto prova não plena é a prova que não permite o julgador concluir pela condenação ou não do acusado. Lembramos que no siste-ma brasileiro de apreciação de provas, qual seja, o livre convencimento motivado, não há provas plenas. Todas as provas possuem valor relativo e são possíveis de serem utilizadas pelo magistrado para o seu convencimento.

Passamos a expor as provas em espécie, determinando suas previsões legais, seus requisitos e ca-racterísticas. Os meios probatórios nominados por nosso código de processo penal são:

107 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 286. 108 Nas palavras de Luis Flávio Gomes, “precisam ser provados, além do fato narrado, culpabilidade do réu etc.: a) os costumes; b) regulamentos e portarias; c) direito estrangeiro; d)direito estadual; e) direito municipal...”. GOMES, Luiz Flávio. Direito proces-sual penal, p. 178.

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3.1. Perícias em geral

Perícia é o exame realizado pelo perito – pessoa que possui conhecimento específico sobre determinado assunto – em relação a determinado fato de difícil compreensão e que está sendo analisado pelo magistrado para que possa proceder a sua decisão. Neste sentido, “perícia é o exame técnico feito em pessoa ou coisa para comprovação de fatos e realizado por alguém que tem determinados conhecimentos técnicos e científicos adequados à comprovação. A perícia é realizada porque o magistrado não tem tais conhecimentos ou porque a lei exige109”.

Dizer que se está realizando uma perícia significa dizer que está sendo feita uma análise, uma avali-ação sobre as condições de alguém ou algo. Prevê o Código de Processo Penal que as perícias podem ser realizadas durante o inquérito policial, bem como no transcorrer do processo penal.

Este julgamento é feito por um perito, que é o sujeito considerado auxiliar da justiça, que possui conhecimentos específicos em relação ao que será apresentado. A nomeação do perito é de competência exclusiva do juiz da causa, não cabendo em hipótese alguma interferência das partes na sua nomea-ção. Pode ocorrer de o perito ser funcionário público e exercer esta função de perito, mas pode acontecer de ser o experto110 - um cidadão que é trabalhador na área - e que venha a ser solicitado a colaborar com a justiça.

Deste modo, o perito oficial, denominação utilizada por nosso Código de Processo Penal, art. 159, §1º, é aquele que está investido na função, em razão de lei. Em relação a este perito não há nomeação do juiz ou da autoridade administrativa, já que pertence ao quadro de funcionários da justiça. Agora, o perito não oficial, sim, é de competência do juiz da causa nomeá-lo e assim procederá no caso da falta de perito oficial. Terá como requisito para esta nomeação a necessidade de haver o indivíduo concluído o Ensino Superior e, preferencialmente, apresentar conhecimento técnico na área do exame a ser realizado. Como a sua função no processo não está regida por um estatuto, não há vínculo obrigacional com a justi-ça, para os peritos não oficiais, no entanto, existe a obrigação de prestar compromisso ao ser-lhe atribuída a análise de uma prova111.

O especialista deverá realizar um laudo, que é o documento que irá produzir quando da realização perícia. Assim, podemos afirmar que o laudo é o documento em que os peritos apresentam a sua conclusão sobre os elementos analisados na sua perícia. A rigor, deve o laudo ser constituído de qua-tro partes, quais sejam, o preâmbulo, a descrição, a conclusão e o encerramento. Não há óbice na confec-ção de outro tipo de laudo, desde que fique claro ao juiz quais são os elementos analisados, as conclusões a que o perito chegou e qual a sua opinião sobre o caso.

Aliás, conforme preceitua o artigo 160, CPP, há obrigatoriedade, de que os peritos, ao produzi-rem o laudo, façam-no de forma minuciosa e respondam aos quesitos perguntados. Exatamente, há quesitos aos quais devem os peritos responder. Tanto as partes, quanto o juiz irão formular os quesitos que devem ser utilizados e respondidos no laudo. A apresentação dos quesitos pelas partes é a forma en-contrada pelo legislador para estabelecer o contraditório e a ampla defesa durante a produção das provas. Na fase do inquérito, a elaboração dos quesitos é atribuída à autoridade policial; como para que esta prova ocorra nesta fase presente está a urgência na sua produção, o contraditório é feito posteriormente. Para estes casos, a presença do contraditório se dá na possibilidade de pedido de complementação e esclareci-mento, bem como a contestação do laudo realizado pelo perito112.

Os quesitos são a forma pela qual as partes e o julgador irão perguntar sobre o que julgam impor-tante em relação à prova. Como dito, cabe ao perito o subsídio técnico sobre a questão suscitada, nada mais justo, então, do que a parte poder questioná-lo em relação à prova apresentada sobre este aspecto.

109 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal teoria, crítica e práxis, p. 854. 110 Necessariamente o perito deve ter 3º grau completo, seja ele oficial ou não oficial. 111 No caso de o perito não oficial prestar serviço em mais de um processo, para cada um deve prestar compromisso. 112 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional, p. 89.

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No processo penal, os quesitos podem ser apresentados até o momento da diligência, como disciplina o artigo 176 do Código de Processo Penal.

O laudo contendo o resultado dos exames realizados é acostado aos autos. Após a sua juntada, po-de ocorrer de as partes manifestarem-se sobre ele. É permitido seja o laudo refutado e questionado, po-dendo, inclusive, a parte apresentar pareceres técnicos113 sobre a prova examinada pelo perito. Estes pare-ceres são elaborados por especialistas que irão questionar os métodos e as conclusões do laudo114. Por se-rem estes peritos particulares que as partes contratam o laudo por ele emitido será examinado como prova documental pelo magistrado.115

O laudo pericial deverá ser elaborado no prazo de 10 dias, podendo ser prorrogado tal prazo, em caso de verificar o perito a necessidade, solicitando à autoridade que deve deferir ou não o pedido de prorrogação116.

A prova pericial pode ser solicitada por qualquer das partes no processo, mas o deferimento da produção desta prova cabe à autoridade, seja ela policial, na fase do inquérito, seja judicial, quando for realizada durante a instrução criminal. Tal preceito está amparado pelo art. 184 do CPP. Existe apenas um tipo de prova que é obrigatório que a autoridade realize quando houver solicitação da partes, que é o exa-me de corpo de delito. A este tipo de prova descabe a discricionariedade da autoridade.

Lembramos, novamente, por apresentar-se de suma importância, a questão de que no Brasil todas as provas têm valor relativo, que não há prova absoluta e não está o juiz obrigado a fundar sua senten-ça em cima do laudo apresentado pelo perito. De forma alguma existe o dever por parte do juiz de aceitar e concordar com o laudo. Diz o artigo 182, CPP: “o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo acei-tá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”.

O número de peritos que devem realizar a perícia é fixado pelo Código de Processo Penal no número de dois. Portanto, quando houver a determinação de perícia, deve haver a presença de dois peritos para feitura do exame e elaboração do laudo. A fixação em dois peritos está prevista no artigo 159, CPP. Com o advento da Lei 8.862 de 1994, é obrigatória a subscrição do laudo por, no mínimo, dois peri-tos, sejam eles oficiais ou não. Não pode restar dúvida, então, em relação ao fato de que por um certo pe-ríodo de tempo era defendido que a presença de dois peritos se fazia necessária apenas para o caso de lau-do realizado por perito não oficial. Sabemos, hoje, que a obrigatoriedade da presença de no mínimo dois peritos é para toda117 e qualquer perícia, independentemente se ser o perito oficial ou não.

Pode ocorrer de dois peritos fazerem a perícia juntos, mas, ao elaborarem o laudo, discordarem em certos pontos. Não há problema nenhum em que isso ocorra, visto que podem ter diferentes opiniões e conclusões sobre a mesma prova. No entanto, deve-se fazer presente no laudo a divergência. Assim, pode ser elaborado um só laudo, onde constem todas as divergências apresentadas pelos peritos. Como eles podem optar em realizar laudos diferentes, não há vedação em relação a isto, muito antes, há previsão legal, encontrada no artigo 181, CPP.

Caso a autoridade entenda que há necessidade de elaboração de outro laudo, assim deve ser feito, podendo, inclusive, nomear novos peritos para que procedam à perícia. Também lhe é facultado o direito de solicitar que o laudo apresentado pelos expertos seja complementado, seja reformulado, a fim de cum-prir com os requisitos formais, ou ainda, seja esclarecido ponto obscuro.

O fato é que, caso seja descumprida a regra da necessidade de elaboração de laudo por dois peritos, previsão legal há de que seja considerado nulo tal laudo. O artigo 564, III, b, CPP pre-

113 No processo penal não existe a figura do assistente técnico, mas é lícito que as partes apresentem laudos técnicos realizados por peritos particulares. 114 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 308. 115 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 378. 116 Vide parágrafo único do artigo 160, CPP. 117 As exceções a esta regra serão posteriormente estudadas.

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vê que é caso de nulidade o descumprimento do requisito do número de peritos a elaborarem o laudo. A doutrina é discordante ao determinar se esta é uma nulidade absoluta ou relativa. Mas, hoje, é majoritária118 a doutrina que defende ser caso de nulidade relativa, visto que deve ser provado o prejuízo da parte. Op-tamos pela corrente que entende ser nulidade absoluta a falta de dois peritos na realização da perícia, por cercear a defesa do acusado.

No entanto, encontramos exceção para a obrigatoriedade da elaboração do laudo por dois peritos quando da análise do crime de tóxicos. Para estes crimes, o laudo provisório, ou seja, aquele que determina de pronto se a substância apreendida é ilícita ou não e a sua quantidade, pode ser realizada por um só perito. É o que determina o parágrafo 1º do artigo 50 da Lei 11.343/06. O laudo de constatação pode ser firmado por um só perito, que pode, inclusive, posteriormente participar da elaboração do laudo definitivo, este, sim, necessariamente assinado por dois peritos. Desse modo a súmula 361 do STF não tem aplicabilidade para estes crimes.

Súmula 361 STF: “No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão”.

Os exames periciais realizados durante o inquérito policial poderão vir a ser realizados novamente, quando possível for e assim seja solicitado. No entanto, há perícias que perdem a sua razão de ser quando transcorrido um lapso temporal, são as chamadas provas não repetíveis. Quando há a ocorrência deste tipo de situação em que não cabe nova produção de perícia, o contraditório será realizado igualmente, visto ser este um princípio constitucional. A prova já foi realizada, é verdade, mas a sua jurisdicionalização será feita na medida em que ao ser trazida aos autos como prova deve ser aberto prazo para que as partes manifes-tem-se em torno da sua existência, validade, requisitos, enfim, abre-se a oportunidade de contraditá-la. As provas devem estar sob a égide do princípio do contraditório para serem válidas.

A perícia que deva ser realizada em lugar diverso daquele em que tramita o processo, dá-se por precatória. A carta precatória requisitará seja a diligência realizada, contendo os requisitos a serem respondidos pelo perito. Neste caso, a nomeação do perito caberá à comarca deprecada. Quando privada for a ação, possível se faz a nomeação pelo juízo deprecante.

3.2. Exame de corpo de delito

A diferenciação entre corpo de delito e exame de corpo de delito é a primeira medida que devemos tomar a fim de que possamos estudar a prova do exame de corpo de delito. Corpo de delito é o conjunto de vestígios, sejam materiais, sejam sensíveis, deixados pelo autor do fato delituoso quando do cometimen-to do delito.

Luiz Flávio Gomes119 sinteticamente define como corpo de delito “o conjunto de vestígios deixa-dos pelo crime”. Devemos saber, portanto, também, a definição de vestígios que nada mais são do que pistas, rastros, indícios deixados por algo ou alguém. Ora, percebemos que o corpo de delito é a própria materialidade do crime.

Exame de corpo de delito é a comprovação pericial do corpo de delito. Assim, o exame é a veri-ficação que o perito faz nos vestígios deixados pelo crime. É a análise da prova da existência do crime.

Agora que sabemos o significado de ambas as palavras, passemos a tratar do modo de verificação desta perícia. Exame de corpo de delito é uma espécie das perícias em geral, apresentando no nosso código de processo penal tratamento especial e uma caracterização bem detalhada. Vejamos:

118 Entre os expoentes deste pensamento encontramos Denílson Feitoza Pacheco, enquanto Ada Pellegrini Grinover acredita ser nulidade absoluta. De outra banda, Luiz Flávio Gomes crê ser mera irregularidade a presença de apenas um perito. 119 GOMES, Luiz Flávio. Direito processual penal, p. 187.

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Determina o artigo 158, CPP: “quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo suprir-lhe a confissão do acusado”. Este dispositivo deixa bem clara a indispensabilidade do exame de corpo de delito quando a infração deixar vestígios. Deste modo, as infrações que produzem vestígios, as chamadas delicta facti permanentis devem ser apuradas mediante a feitura do exame de corpo de delito, sob pena de ser indeferida pelo juiz a pretensão punitiva. Representa nulidade no processo penal a falta do exame quando obrigatório.

Fala a lei em exame direto e indireto. Exame direto é aquele produzido em cima de vestígios mate-riais relativos à infração. Podemos dizer que o exame direto é o realizado sobre o corpo de delito. Exame indireto é aquele realizado quando as provas materiais diretamente ligadas ao fato delituoso desaparecerem e devem ser supridas por outras provas, colhidas indiretamente. Devem ser estes outros meios admitidos no direito que, geralmente, são realizados através do exame de testemunhos e verificação de provas docu-mentais.

Ressalva há: a colheita de provas por exame de corpo de delito indireto120, qual seja, a confissão. Não pode a confissão suprir a falta de exame direto. Complementa o supracitado artigo, outra previsão do mesmo ordenamento que: “não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desapare-cido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. Neste momento, cria-se na doutrina uma divergência. Há uma corrente, perfilhada por Tourinho Filho121 e Espínola Filho, que defende que a prova testemunhal é a própria colheita de prova indireta. Assim, não há formalidade para compor o exame de corpo de delito indireto. Já há outra corrente, na qual Guilherme Nucci122 e Hélio Tornaghi trabalham, que acredita que corpo de delito indireto é um exame pericial, e por isso mesmo, não se trata de um mero depoimento de testemunhas. Devem os peritos realizar verificação e análise em cima do depoimento dado pelas testemunhas. Sendo o exame de corpo de delito uma prova pericial constatatória da materialidade do delito, optamos realmente por seguirmos a corrente de Nucci123 ao acreditarmos ser necessário o laudo pericial sobre os depoimentos realizados, como forma de exame indireto.

É o corpo de delito uma espécie de prova tarifada, já que o ordenamento determina a sua obrigato-riedade quando o crime deixar vestígios. Desta forma, tal previsão fere o princípio da livre produção de provas. Por outro lado, a previsão da impossibilidade de a confissão suprir a falta de exame direto foi acer-tadamente colocada no ordenamento, tendo em vista que a confissão é prova frágil. Podemos classificá-la como prova não plena, pois descabe a condenação do acusado baseada apenas na existência da confissão e corretamente aplica-se esta previsão124.

O exame de corpo de delito pode ser realizado a qualquer dia e qualquer hora como de-termina o art. 161, CPP. Se indispensável se faz tal exame, não poderia ser diferente a disposição da pre-visão de realização do mesmo. Em relação ao momento da realização do exame, controvérsia há, visto que para alguns autores é condição de admissibilidade da ação a presença do laudo quando da queixa ou de-núncia. Para outros doutrinadores e para a jurisprudência majoritária, esta vedação não é absoluta, já que poderia juntar-se tal laudo até as alegações finais. Há situações específicas em que o laudo é exigido, como, por exemplo, o já citado caso dos crimes de tráfico ilícito de entorpecente, em que nem mesmo a prisão em flagrante pode ocorrer sem que o laudo provisório seja feito. Mas, via-de-regra, a elaboração do laudo pode ocorrer em qualquer momento da instrução criminal.

120 Para Tourinho Filho, não há qualquer formalidade para a produção do corpo de delito indireto. TOURINHO FILHO, Fer-nando da Costa. Prática de processo penal, pp. 223-224. 121 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado, v. , p. 122 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 372. 123 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 371. 124 Inúmeros motivos nos levam a crer que a confissão é prova frágil, visto que não é determinante de materialidade por si só. A confissão pode advir do uso de força e violência, ou seja, pode haver coação ao sujeito para que assuma a autoria. Pode alguém assumir a culpa para livrar alguém do crime cometido, enfim, inúmeras possibilidades se fazem presentes como forma de indu-zir a autoria a alguém.

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Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Art. 121, § 2º, I e IV. Exame de corpo de de-lito. Nulidade. Necessidade. Prisão preventiva. Garantia da ordem pública. Aplicação da lei penal. I - A falta do exame de corpo de delito não pode obstar a persecutio criminis in iudicio. Ela não retira, aí, a admissibilidade da demanda, porquanto a despeito de o referido exame ser, em regra, realizado antes do oferecimento da denúncia, tal fato não se apresenta como uma exigência intransponível, capaz de determinar a nulidade de toda a ação penal, até porque o exame de corpo de delito pode ser realizado a qualquer tempo e a sua falta pode ser suprida pelo exame de corpo de delito indire-to e pela prova testemunhal (art. 158 c/c art. 167, do CPP). (Precedentes) II - Resta devidamente fundamentado o r. decisum que decretou a prisão preventiva, com o reconhecimento da materiali-dade do delito, de indícios de autoria, e expressa menção à situação concreta que se caracteriza pe-la garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e aplicação da Lei Penal. (Prece-dentes). III - Condições pessoais favoráveis não têm o condão de, por si só, ensejar a liberdade provisória, se há outros fundamentos nos autos que recomendam a manutenção da custódia caute-lar dos pacientes. (Precedentes). Habeas corpus denegado. (HC 36200 / BA, Ministro FELIX FIS-CHER, DJ 14.03.2005)

Para a lei, que tutela os juizados especiais, os crimes que deixam vestígios e requerem a feitura do exame de corpo de delito, sua presença pode vir a ser suprida pela apresentação de boletim médico ou prova que o valha, segundo dispõe o §1º, art. 77, Lei 9.099/95. Assim, a comprovação da materialidade pode ser feita de forma diferente da comumente necessárias as ações do rito ordinário.

O certo é que a realização do exame de corpo de delito deva ser feito o mais cedo possível, a fim de que se consiga a maior colheita de provas, visto haver o perigo da materialidade do delito desaparecer. Importante: lembremos que o exame de corpo de delito, como já dito, é realizado sobre o corpo de delito, portanto, pode ser que a análise se faça no corpo da vítima, mas possível é também que se dê sobre material usado na prática do crime, como a arma ou o pedaço de pedra. Enfim, o exame é feito sobre algo ou alguém. É a única prova que se solicitada por alguma das partes, assim, deve o juiz acolher o pedido e determinar a realização.

3.3. Exame necroscópico ou de autópsia

O exame necroscópico também chamado de autópsia é aquele realizado no cadáver da vítima, a-presentando como finalidade a descoberta da causa mortis, bem como os demais elementos pertinentes ao fato. Este exame dever realizado pelo menos 6 horas após a ocorrência da morte. No entanto, pode ocor-rer antes deste lapso temporal, se entenderem os peritos que as evidências lhe permitem, devendo constar no auto tal fato e justificativa.

Será analisado o corpo apenas externamente caso a morte tenha sido violenta e tal verificação baste para a determinação da causa mortis, ou ainda, caso não haja infração penal a ser apurada. No entanto, pro-cede-se a exames internos caso seja necessária a verificação de situações e circunstâncias relevantes ao fato morte ou para a determinação da causa do falecimento.

Ao final da perícia, procedem os peritos à elaboração de laudo atestando a causa da morte e todas as circunstâncias que forem extraídas do exame. Junto ao laudo, sempre que possível, devem os peritos apresentarem provas fotográficas, esquemas ou fotos para que sejam representadas as lesões que por ventura tenham sido encontradas.

Pode ocorrer de determinar-se a exumação de cadáver para que seja realizado o exame ne-croscópico. Ou seja, o cadáver deve ser desenterrado, procedendo-se à perícia. A principal justificativa é a de necessidade de complementação ou re-análise do laudo anteriormente realizado. Mas pode ocorrer de não ter sido elaborado laudo; e passa-se, então, a sua feitura. Tal procedimento necessita de autorização judicial para sua realização, devendo restar fundamentado.

Para a exumação cadavérica deve a autoridade determinar dia e hora para que a perícia ocorra. Na data aprazada, deve o administrador do cemitério indicar o lugar em que se encontra a sepultura, onde se dará, o desenterro do cadáver. Em caso de não se saber o exato local da sepultura, ou ainda, encontrar-se o

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cadáver em lugar não destinado a inumações, a autoridade deverá determinar as pesquisas necessárias, que, inclusive, constarão nos autos. Em havendo dúvida quanto à identidade do cadáver exumado, cabe ao Instituto de Identificação e Estatística realizar a identificação, podendo, ainda, proceder-se tal fato através do reconhecimento por testemunhas. Nestes casos, os sinais e indicações deverão ser assinalados no laudo.

Por fim, há previsão de que seja retirada foto do modo como foi encontrado o cadáver. Por isso, encontramos como uma das atribuições do delegado de polícia que ele se dirija para onde estiver o corpo e providencie para que não sejam alteradas as condições do lugar e do próprio corpo. Todas as disposições concernentes aos exames de necropsia estão previstos nos artigos 162 a 166 do CPP.

3.4. Exames de lesões corporais

O crime de lesões corporais, previsto no Código Penal no artigo 129, pode gerar diferentes tipos de lesão na vítima, e o exame de lesões corporais visa identificar justamente a classificação das lesões ori-undas de tais infrações, estando tutelado pelo artigo 168, CPP. A análise irá permitir que o perito de-termine a gravidade e a natureza de tais lesões. Por serem as lesões corporais vestígios da agressão ao físico da vítima, e que pode haver seu desaparecimento com o passar do tempo, é fundamental proceder-se ao exame o mais rápido possível.

Pode ocorrer ser este exame uma espécie de exame complementar que se justifica por dois moti-vos: a) ter sido realizado de forma incompleta pelo perito quando da primeira realização da perí-cia; b) ser o exame necessário para determinar a classificação do delito de acordo com as possibi-lidades do art. 129, § 1º, CPP.

A necessidade de complementação de laudo é evidente quando este não atendeu a todas as exigên-cias formais, ou ainda, quando em relação à materialidade restaram dúvidas. Já a situação b, em que se deve proceder ao laudo para que se classifique a lesão, justifica-se, na medida em que pode resultar debilidade da lesão e esta deve ser atestada.

A classificação em lesão grave é determina pelas seguintes situações: I – incapacidade para ocupa-ções habituais por mais de trinta dias; II – perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração do parto. Só se pode saber se a incapacidade por mais de 30 dias ocorreu, se transcorrido tal período seja feita perícia que a determine, a permanência da debilidade da mesma forma. Assim, passados os 30 dias, deve o sujeito retornar à perícia para que a incapacidade seja atestada, se assim for o caso. O trintídio deve ser contado do dia do crime.

Conforme dispõe o §1º do artigo 168, CPP, quando da realização do exame complementar de lesão corporal, deverão os peritos estarem de posse do laudo anterior a fim de retificá-lo ou complementá-lo. Pode ocorrer de os vestígios desaparecerem e a perícia tornar-se inócua; então, prevê o §3º do mesmo artigo, que supre a falta do laudo de lesão corporal a prova testemunhal. O exame complementar pode ser determinado a requerimento da parte ou por determinação do juiz de ofício125, conforme reza o caput do citado artigo.

3.5. Exame laboratorial

É o tipo de exame que requer um aparelhamento e condições de pesquisa; é, portanto, realizado dentro do espaço de um laboratório. Crimes realizados com substâncias entorpecentes, relacionados à

125 Devem ser feitas as mesmas considerações acerca da impossibilidade de produção de prova por requerimento de ofício pelo juiz. Fere o sistema acusatório tal medida.

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saúde pública, provas que dependam de análise química, física e biológica, são espécies de exames ditos laboratoriais, devido à circunstância do espaço onde são colhidos e examinados126.

Determina o artigo 170, CPP, que os peritos guardem certa quantia do material analisado com o in-tuito de preservar a possibilidade de realização de nova perícia. Pode ser que a parte queira produzir con-traprova, que seja necessário laudo complementar ou se proceda à perícia de verificação; assim, com o devido cuidado de mantença do material utilizado, torna-se possível ocorrer novo exame. Não prevê o ordenamento o tempo exato para que deva haver o armazenamento do material, mas o ideal seria que as-sim se procedesse até o trânsito em julgado da sentença.

É importante que lembremos que o princípio da não incriminação é vigente no Brasil, conforme já dito anteriormente, o que faz com que percebamos que a obrigatoriedade de conceder o acusado material que possibilite a produção da perícia laboratorial é nula. Portanto, não há obrigação alguma por parte do acusado de colaborar na produção desta prova, caso assim resolva proceder. Como decorrência do princí-pio nemo tenetur se detegere, não pode haver por parte do magistrado nenhuma presunção de culpa ou análise prejudicial ao réu por sua não colaboração na produção da presente prova.

3.6. Perícia determinada por destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa, ou por meio de escalada

O artigo 171 do código de processo penal determina seja elaborado um laudo sobre os crimes co-metidos com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa, ou por meio de escalada. As-sim, aos delitos que forem cometidos através da escalada ou destruindo-se ou rompendo-se obstáculo, requer-se haja a presença de peritos que atestem e analisem tais situações.

Deverão os expertos em seu laudo indicar os instrumentos utilizados, os meios pelos quais foram praticados os delitos e em que época lhes parece ter sido realizada tal ação. Além disso, devem minuciosamente descrever os vestígios que encontrarem.

Embora o texto legal indique a necessidade de que o laudo seja apenas para crimes de lesão ao pa-trimônio, não nos parece acertada tal interpretação. A necessidade deste laudo para atestar, por exemplo, que um homicídio foi cometido através da escalada do prédio para que o autor do delito pudesse adentrar no recinto e matar a vítima é imprescindível para que seja esse homicídio dito qualificado pelo fato de tor-nar impossível ou dificultosa a sua defesa.

Portanto, independentemente do tipo de delito cometido, desde que tenha sido rompido ou destruído obstáculo, ou ainda, tenha sido cometido mediante escalada, o laudo de constatação de tal circunstância se faz necessário.

Nucci refere, em sua obra, o caráter de probabilidade que se dá às teses a serem levantas pelos peri-tos, visto que é dado a estes o poder de presunção de situações e conjecturas devido à experiência que possuem em trabalhar com esse tipo de situação. No seu laudo, os peritos podem levantar teses relativas a ação dos delinqüentes. Além, é claro, de informarem com precisão os instrumentos utilizados e descrever minuciosamente os vestígios.

3.7. Interrogatório

O interrogatório é o ato em que o juiz ouve o acusado sobre a imputação que lhe é feita, ajudando a formação de sua convicção acerca do fato delituoso. O interrogatório pode ser policial, quando realizado pelo delegado ainda no inquérito policial, ou judicial podendo ser realizado a qualquer momento durante o processo criminal. 126 Espécie de exame laboratorial que está sendo amplamente usado hoje em dia é o exame de DNA. Tal exame apresenta 99,9% de segurança e, por isso, tem sido bastante utilizado.

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Constitui o interrogatório meio de defesa, na medida em que ao acusado é assegurado o direito ao silêncio. A Constituição Federal, como já visto, em seu artigo 5º, LXIII, garante ao indivíduo o direito de permanecer calado – não produzir prova contra si mesmo. Este princípio pró réu, proíbe que seja gerada qualquer tipo de conseqüência em desfavor do réu pela sua inércia.

O interrogatório é o momento de o acusado exercer a sua autodefesa, porque a defesa cons-titui-se de duas partes: a) autodefesa, realizada pelo próprio imputado; b) defesa técnica, exercida obrigato-riamente por advogado. Na sua defesa, pode o acusado, além de calar-se, dar a sua versão aos fatos, ne-gando a imputação, indicando, caso saiba, quem é o verdadeiro autor; pode também mentir, pois não cabe a imputação de nenhum crime ao acusado que mente durante o interrogatório.

E, ao falar, então, durante o interrogatório está se utilizando também de um meio de prova. As-sim, o que alegar no interrogatório será considerado pelo juiz tanto na sua defesa, quanto para a determi-nação de sua culpabilidade. Acreditamos, portanto, no caráter misto da prova, apresentando-se fundamen-talmente como meio de defesa e, em segundo plano, como meio de prova127.

O artigo 185, CPP estabelece a obrigatoriedade do interrogatório quando dispõe que “o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado”. Ora, a expressão será impõe uma obrigação e não poderia ser diferente, pois é o momento, como já dito, em que o acusado faz a sua autodefesa. Pressupõe o interrogatório judicial ter havido a citação do acusado, já que é através dela que toma conhecimento da imputação que lhe é feita e, mais do que isso, em cima do fato imputado nela é que estrutura sua defesa.

Ainda, no mesmo sentido da obrigatoriedade do interrogatório está a justificativa usada por muitos doutrinadores no que tange ao disposto no artigo 196 do mesmo diploma legal. Ali, está previsto que a qualquer momento o juiz poderá proceder ao interrogatório de ofício128 ou a pedido das partes. Se há tal possibilidade durante todo o processo penal, evidente está a sua necessidade e, inclusive, a sua obrigatorie-dade. É possível que o acusado seja ouvido também pelo Tribunal, caso esteja o processo na 2ª Instância, em que compete, primordialmente, ao relator a realização do interrogatório.

A falta da intimação para interrogatório no processo penal, estando o acusado presente é considerada nulidade absoluta por nós, conforme dispõe o artigo 564, III, e, CPP, ainda que para muitos seja considerada nulidade relativa. Imperioso para nós se faz que seja decretada a nulidade absoluta, visto que estará ferindo os princípios do devido processo legal e da ampla defesa ao su-primir-se tal ato. Podemos considerar que o interrogatório é um ato processual:

a) público: na medida em que deve ser realizado à vista de todos, aliás, como todos os atos do processo penal, salvo raras exceções previstas taxativamente em lei, em que o sigilo é aplicado.

b) personalíssimo: apenas o acusado pode ser interrogado. Não cabe interrogatório de outra pes-soa que possua procuração para fazê-lo ou qualquer outro tipo de substituição129.

c) oral: o atributo da oralidade se faz presente porque a maneira de manifestação do acusado pe-rante o magistrado deve se dar pela fala. Faz a exposição de sua tese, responde às perguntas do magistrado, oralmente. Pode ocorrer de estar o acusado impossibilitado de falar, ou ser mudo, autorizada está, então, a resposta às perguntas de maneira escrita caso o acusado saiba escrever.

d) contraditável: é ato que pode ser contraditado. Esta possibilidade é recente, data de 2003, quando a Lei 10.792 previu que, ao final do interrogatório, podem as partes realizar perguntas que, caso o 127 Há três outras correntes: 1) apenas meio de defesa, defendida por Camargo Aranha; 2) meio de defesa, segundo Ada Pelle-grini Grinover, Fernando da Costa Tourinho Filho e Antônio Magalhães Gomes Filho; 3) meio de defesa e prova com a mesma intensidade para Frederico Marques, Julio Fabbrini Mirabete e Greco Filho. 128 Ao fazermos uma leitura estritamente constitucional, tal dispositivo estaria disconforme com o sistema acusatório, já que não pode o juiz determinar a produção de provas, pois lhe cabe apenas o julgamento do feito e que o faça de forma imparcial. 129 Quando o acusado não souber falar a língua nacional, um intérprete será utilizado, não havendo substituição do sujeito. Apenas um terceiro irá traduzir o que o acusado falou. Deve o interprete prestar compromisso.

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magistrado considere pertinentes, do seu modo irão realizá-las. Era imprescindível que houvesse esta re-formulação no depoimento, pois, até então, o princípio do contraditório não existia nesta prova. Restava prejudicado o princípio da ampla defesa também, tendo em vista que o defensor pode através da repergun-ta esclarecer pontos que possam ter ficado deficientes ou ressaltar questões importantes da defesa. Claro que as reperguntas passam pelo crivo do juiz, mas de qualquer forma existe tal previsão.

e) individual: o interrogatório é realizado a cada um dos acusados, de forma que, em havendo pluralidade de acusados, o interrogatório será em separado. Deve ser ouvido um de cada vez, sem permi-tir-se que os demais continuem no recinto.

f) livre e espontâneo: atributo derivado do princípio da não auto-incriminação. Não pode ser co-lhida prova durante o interrogatório de forma ilícita ou constrangedora. Não é obrigado o acusado a falar, sua manifestação deve ser livre.

Dispõe o §1º do artigo 185 que o interrogatório do preso será realizado preferencialmente no esta-belecimento prisional. Revelando-se tal impossível por motivos de insegurança, deve ser realizado nas de-pendências do fórum como anteriormente o era. Foi a maneira encontrada pelo legislador de evitar o transporte dos presos, que muitas vezes fogem durante o percurso.

Outra mudança estabelecida pela Lei 10.792/03, está no direito assegurado ao acusado de en-trevista reservada com o seu defensor antes do ato de interrogatório. Determinada pelo §2º do artigo 185, CPP, esta previsão tutela tanto o interrogatório policial quanto o judicial e visa a que o advogado faça a instrução de seu cliente. O advogado irá fornecer ao acusado esclarecimentos tanto em relação às conse-qüências de suas declarações quanto à indicação de como portar-se e o que alegar. A entrevista reservada e pessoal com o cliente é assegurada tanto aos defensores nomeados quanto os dativos, já que servirão co-mo meio de instruir a defesa e, portanto, tutelados pelo princípio da ampla defesa.

Outro direito reservado ao interrogado é a presença de seu defensor durante a realização do ato. Neste sentido, está o caput do artigo 185, CPP, que torna imprescindível a presença do advogado do acusado durante a realização do interrogatório judicial. Na verdade, quando do mandado de citação para o interrogatório, que deve ser realizado pessoalmente, deve o oficial de justiça questionar o acusado se ele já possui defensor. Em tendo já constituído o defensor, deve o acusado fornecer ao oficial o nome e o endereço do advogado para que se proceda à intimação pela imprensa em relação ao interrogatório. Caso a resposta a tal pergunta seja negativa e ateste o acusado ser pobre e não ter condições de pagar um defen-sor, ao devolver o mandado, o oficial deve consignar na certidão a inexistência de defensor por parte do acusado, possibilitando ao magistrado que providencie a atuação de um defensor público e, em não ha-vendo, que nomeie um defensor dativo.

Não há como se proceder ao interrogatório sem a presença do advogado do acusado, sob pena de decretar-se a nulidade do ato. Aliás, para nós, constitui nulidade absoluta a ausência do defensor, com pre-visão no art. 564, IV, CPP. Caso o acusado tenha nomeado o defensor por ocasião do interrogatório, não existe a exigência de instrumento de mandato130.

Corrobora a idéia de obrigatoriedade da presença do defensor no interrogatório a previsão do arti-go 188, CPP, por nós já tratada, qual seja, a do fato de, ao final do interrogatório, possibilitar o juiz que as partes solicitem esclarecimentos ou façam perguntas ao interrogado, caso julguem necessário e o juiz de-termine a sua pertinência. Ora, quem poderia vir a requerer tais esclarecimentos e elaborar perguntas? Por óbvio o advogado que quer exercer a defesa de forma mais ampla possível e contraditar aquelas que julga favoráveis à acusação.

O Código de Processo Penal, no caput do artigo 187, determina que o interrogatório é dividido em duas partes, sendo a primeira relativa ao acusado e a segunda versaria sobre os fatos. No entanto, para uma melhor compreensão do interrogatório, dividiremos a sua execução em três fases distintas:

130 Vide artigo 266, CPP.

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1) interrogatório de qualificação do acusado – é ato contínuo à abertura do ato do interrogató-rio, neste momento, o magistrado irá solicitar que o acusado forneça seus dados identificadores, como, por exemplo, nome, idade, estado civil, profissão, etc. A finalidade desta fase do procedimento é a individuali-zação estrito senso do acusado.

Segundo a corrente a qual perfilhamos, descabe a utilização do direito ao silêncio nesta fase do in-terrogatório131. É nesta fase, por exemplo, que o magistrado pode perceber a inimputabilidade do réu devi-do a sua idade; também é possível que ele averigúe através da qualificação que está a se processar o indiví-duo errado, enfim, pode apresentar-se de suma importância para o acusado tal qualificação. Somos a favor do princípio na não auto-incriminação, mas ai a aceitar a sua utilização de forma indistinta e ilimitada é outra questão.

2) interrogatório de individualização – tão logo seja devidamente identificado o acusado, passa-se à fase do interrogatório de individualização lato senso, que é a verificação de dados sobre a pessoa do acusado. Nas palavras de Nucci132 é a individualização do ser humano da pessoa do acusado. Não são os dados relativos ao estado da pessoa, mas dados de sua personalidade, de sua condição de vida.

Esta fase revela-se de suma importância para o cálculo da pena, em caso de comprovada culpabili-dade do sujeito após o devido processo legal. Foi mais uma das alterações advindas da Lei 10.792/03, que acertadamente possibilitou a colheita de dados para a devida individualização da pena por parte do magis-trado. Nesta fase, capta-se informações sobre a conduta social, a personalidade, as condições sociais do acusado. Pergunta o magistrado ao acusado se possui antecedentes e, em caso de resposta afirmativa, pos-sível é que se façam perguntas sobre o processo e a condenação caso tenha sido prolatada – colheita de dados sobre a vida pregressa do acusado. É claro que, em relação às últimas informações, deverá o juiz requerer as certidões, mas as perguntas podem ajudar-lhe a perceber o modo como o acusado lida com isso.

3) Interrogatório do mérito – tem como objetivo esta fase questionar-se o acusado sobre a impu-tação que lhe foi conferida. Deve o magistrado perguntar ao imputado todas as questões previstas no §2º, art. 187, CPP. São elas:

I – se é verdadeira a acusação que lhe é feita;

II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular para faze-la, se conhece a pessoa ou as pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais são, se com elas esteve antes da prática da infração, ou depois dela;

III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícias desta;

IV - as provas já apuradas;

V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou a inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas;

VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido;

VII – se tem conhecimento de todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração;

VIII - se tem algo mais a declarar em sua defesa.

Estes são os requisitos que o juiz deve obrigatoriamente perguntar ao acusado. Podendo, é claro, fazer outras perguntas que julgar necessárias à elucidação do caso. Cabe ao acusado respondê-las ou não,

131 Em sentido contrário, defendendo a possibilidade de silêncio na qualificação, está Luiz Flávio Gomes. GOMES, Luiz Flávio. Direito processual penal, p. 193. 132 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 402.

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conforme queira. Pode também recusar-se a responder todas as perguntas feitas pelo juiz e apenas apre-sentar a sua versão dos fatos. Pode mentir em juízo também, sem incorrer em infração penal. Afinal, a defesa é sua e o princípio do nemo tenetur se detegere é vigente.

O acusado pode negar a acusação, pode indicar a autoria e apresentar provas que confirmem a sua versão dos fatos. Em assumindo a autoria, deve o juiz perguntar-lhe os motivos e circunstâncias do fato e demais dados relativos à infração.

Quanto à possibilidade de uso de força coercitiva para a condução do acusado ao interrogatório, divergências doutrinárias existem. É verdade que o artigo 260, CPP prevê a condução coercitiva do indiví-duo que não atender à intimação do interrogatório. Mas o fato de haver a possibilidade de calar-se perante o juiz fez com que tal dispositivo perdesse a razão ao menos em parte. Se lhe é permitido ficar calado e não haver imputação negativa em relação a este fato, por que o Estado haveria de dispensar força, pessoal, tempo e até dinheiro para conduzi-lo a juízo? No entanto, se considerarmos que a sua identificação, ao menos, é obrigatória, justificada estaria a coercitividade da condução.

Optamos pelo uso da força coercitiva na condução do acusado ao ato do interrogatório, caso a sua individualização seja de extrema importância. Ao verificar o magistrado que possui os dados necessários a sua identificação e que tais estão corretos, não há por que conduzir, se optou por não comparecer.

É evidente que o art. 260, CPP deve ser lido através de uma visão constitucional, tendo em vista a previsão do art. 5º, LXIII, o direito ao silêncio, que foi defendido com a promulgação da Lei 10.792/03. Na verdade, cremos que a obrigatoriedade é da intimação para depor - magistrado tem dever de intimá-lo, possibilitando que o acusado exerça sua autodefesa. Quanto à obrigação por parte do acusado de compa-recer ao interrogatório, seguimos a tese citada.

3.8. Confissão

Confissão é ato realizado pelo suposto acusado de aceitar como verdadeira a imputação que lhe foi feita na denúncia ou na queixa-crime. Ou seja, é dizer que foi o autor do ato narrado na exordial acusatória. A previsão desta espécie de prova e os dispositivos que os balizam estão nos artigos 197 a 200, do Código de Processo Penal.

Como todo o meio de prova existente no ordenamento jurídico brasileiro, a confissão tem valor relativo e será apreciada pelo juiz quando do seu julgamento através de uma análise conjun-ta com as outras provas. Não existe dever de vinculação entre a confissão e a imputação do crime. Com isso pretendeu-se dizer que pode o acusado confessar e o juiz absolvê-lo; é possível, sim, afinal, estamos diante do sistema do livre convencimento motivado.

Já houve um tempo que a confissão era a “rainha” das provas; no sistema ordálico de avaliação das provas, a presença da confissão nos autos determinava a culpabilidade imediata do acusado. Felizmente este tempo passou e que o processo penal brasileiro não segue este sistema.

A confissão é retratável e divisível, como dispõe o artigo 200 do Código de Processo Penal. É divisível a confissão porque pode ser que apenas com relação a uma parte da denúncia concorde o acusa-do. É retratável porque existe a possibilidade de revisão por parte do imputado da declaração de culpa. Não poderia ser diferente, visto que pode ter havido coação por parte de terceiros que obrigaram o indiví-duo a assumir o fato delituoso, negar-lhe a retratação é negar que o verdadeiro autor seja responsabilizado, em síntese é impossibilitar que justiça seja feita.

Podemos também caracterizar a confissão como sendo ato personalíssimo e que deve ser livre e espontâneo. Assim, pelo seu atributo personalíssimo, é impossível que outra pessoa que não o acusado o faça. Não cabe a ninguém reconhecer a imputação do fato delituoso que não o imputado, ainda que pos-sua documento que o autorize, por ser este inaceitável. Deve ser lícito e voluntário porque descabe a utilização de qualquer meio de coação ou instigação à confissão.

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Segundo Luiz Flávio Gomes133, podemos classificar a confissão em sete diferentes tipos:

a) Judicial: é a confissão realizada em juízo;

b) Extrajudicial: é feita fora do juízo e só tem valor se ratificada em juízo. Assim, não é válida a apresentação de um papel em que determinada pessoa admita a realização de um fato delituoso. Deve ha-ver confirmação em juízo;

c) Explícita: é a confissão em que não resta dúvida, ou seja, o réu admite explicitamente ser o au-tor do fato delituoso;

d) Implícita: é a que advém de uma ação que se presume seja uma confissão. No processo penal tal confissão tem mínimo valor, devendo haver outras provas que a corroborem. É prova não plena;

e) Simples: é a confissão pura, na qual o réu confessa e não apresenta nenhuma justificativa;

f) Qualificada: é a confissão em que o acusado confessa o crime e apresenta defesa;

g) Complexa: é a confissão de vários fatos por parte do agente;

h) Delatória: é a confissão em que o acusado confessa que realizou o ato, mas indica, também, ou-tros autores. Em alguns casos previstos na legislação, é possível que seja concedido ao confitente prêmios pela sua atitude.

A confissão ficta ou presumida, que é a confissão que se dá quando o acusado não contes-ta os fatos narrados, não tem aplicabilidade do processo penal brasileiro. Assim, mesmo que o acusado não venha a contestar, não significa confissão.

3.9. Prova testemunhal

A prova testemunhal é aquela que tem origem numa terceira pessoa, ou seja, que não é a vítima, nem o acusado e que presta esclarecimentos sobre fato delituoso. Deve a testemunha prestar compromis-so e comprometer-se em dizer a verdade, conforme previsto no art. 203, CPP. Incorre no crime de falso testemunho134 aquele que firma compromisso, mente em juízo e falta com a verdade.

Nas palavras de Denílson Pacheco135, testemunha é “toda pessoa humana capaz de depor e estra-nha ao processo, chamada ao processo para declarar a respeito de fato percebido por seus sentidos e rela-tivo à causa”. Os dispositivos que tutelam a prova testemunhal estão previstos no Código de Processo Penal nos artigos 202 a 225.

Desta forma, depreendemos da conceitualização que toda a pessoa poderá ser testemunha e que, ao ser intimada para que o seja, tem o dever legal de comparecer e prestar depoimento. Em tendo sido devidamente intimada a testemunha e caso não venha a comparecer na data e hora aprazada, pode o juiz determinar a sua apresentação, sendo possível, inclusive, que seja utilizada a força coercitiva do Estado para que a testemunha se faça presente, conforme dispõe o artigo 218, CPP. É claro que tal medida deve ser usada em último caso.

O que ocorre é a possibilidade de recusa justificada. É o que prevê o artigo 206, CPP, quando existe elo familiar entre aquele que poderia ser testemunha e o acusado, confere tal dispositivo a faculdade do exercício do testemunho. De qualquer forma, esta exceção possui vedação na sua aplica-bilidade, qual seja, quando este for o único meio de provar o fato. Assim, caso o ascendente, descendente, cônjuge, parte interessada no processo, enfim, os citados no art. 206 sejam os únicos a prestarem esclare-

133 GOMES, Luiz Flávio. Direito processual penal, p. 198. 134 Tipo penal previsto no artigo 342, CP. 135 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal teoria, crítica e práxis, p. 879.

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cimento sobre o fato, devem fazê-lo. Mas atente-se que o vocábulo usado foi esclarecimentos, ou seja, estes não serão tidos como testemunhas, mas como informantes.

Igual tratamento é dado aos doentes e deficientes mentais, bem como aos menores de qua-torze anos, ou seja, são considerados informantes apenas e não prestam compromisso, conforme ates-ta o artigo 208, CPP. Por não prestarem compromisso, não estão obrigados a falar a verdade.

No entanto, prevê o artigo 207 do já referido diploma legal as pessoas que são proibidas de depor. A proibição baseia-se no fato de serem impedidas por ofício, profissão, ministério ou função que desempenham. Devem estas pessoas guardar os segredos que lhes são conferidos justamente pela função que desempenham. Assim, ao serem intimadas a depor, caso o sejam, alegam tais fatos e a desobrigação ocorre. No entanto, pode ocorrer destas pessoas prestarem depoimento, que é o caso em que a parte inte-ressada abre mão do dever de segredo e autoriza que o profissional preste seu testemunho136.

A prova testemunhal é caracterizada pela:

a) oralidade: conforme tutela o art. 204, CPP, o depoimento da testemunha deve ser realizado verbalmente, ou seja, através da fala. Não é permitido fazê-lo por escrito. De qualquer modo é autorizado que a testemunha leve apontamentos relativos ao fato137;

b) individualidade: cada testemunha deverá ser ouvida separadamente com o intuito de não ha-ver combinação, nem influência nos depoimentos. Esta característica está prevista no artigo 210, CPP;

c) contraditoriedade: como toda prova do processo penal, há aplicação do princípio do contradi-tório, ou seja, permite-se que seja a testemunha perguntada através do sistema de reperguntas, tutelado no artigo 212, CPP138;

d) objetividade: as testemunhas são chamadas a juízo para prestarem informações concernentes aos fatos relacionados ao processo. Não lhes cabe a emissão de juízo de valores e opiniões, salvo se inse-paráveis da narrativa do fato, como consta no artigo 213 do referido diploma legal;

e) retrospectividade: a testemunha deve relatar fatos ocorridos, prestar testemunho de fato pas-sado e não fazer projeções ou previsões. Não pode se basear no “achismo”, mas na ocorrência do fato.

As testemunhas são apresentadas pelas partes, a acusação as apresenta na peça acusatória, enquan-to a defesa, na maioria das vezes, na defesa prévia. O número de testemunhas que podem ser indicadas é determinado pelo rito do processo. No entanto, pode o juiz ouvir outras testemunhas além das arroladas pelas partes, são aquelas pessoas citadas pelas testemunhas e que passam a ser testemunhas do juízo, caso tenha sido requerido seu testemunho por parte do juiz. Por força do disposto no art. 209, § 2º, não são computadas as testemunhas que nada souberem sobre o fato. As testemunhas apresentadas têm o dever de comunicar ao juiz da causa o fato de alterarem sua residência.

Pode haver impugnação às testemunhas, ou seja, é permitido que as partes, logo após a qualifi-cação da testemunha, venham a argüir defeitos e circunstâncias que permitam supor que esteja ela impedi-da ou suspeita de prestar o testemunho. Deve o juiz consignar em ata tal consideração, mas só irá excluir a testemunha ou deixar de deferir compromisso se satisfeitas as situações dos artigos 207 e 208, CPP.

A testemunha faz o seu depoimento oralmente, mas este é reduzido a termo pelo escrivão, deven-do a testemunha assiná-lo. Caso a testemunha não saiba assinar ou não possa fazê-lo, pedirá que alguém leia o termo e o assine.

136 São exemplos: o padre, o psicólogo, o advogado que tenha sido consultado sobre o caso ou trabalhado no processo por um certo tempo. 137 Há exceção para o oralidade do testemunho que são os mudos e surdos-mudos, já que sua situação física não permite que cumpram com este requisito. Devem apresentar seu testemunho e a resposta às perguntas a eles formulada de forma escrita. Também há exceção para as pessoas previstas no artigo 221, § 1º, CPP, que são aquelas que ocupam o primeiro escalão dos três poderes. 138 O juiz faz uma análise de legalidade e conveniência das perguntas solicitadas pelas partes.

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O testemunho deve ser prestado no local constante da intimação que normalmente é no foro da causa, mas pode ocorrer de a prova testemunhal ser produzida em lugar distinto. É o que ocorre quando a testemunha está doente ou impossibilitada; neste caso, proceder-se-á a colheita de testemunho onde esta encontra-se. Ainda, outra possibilidade de não confecção do testemunho que não na audiência de instrução é quando a prova for realizada por precatória139. Determina o artigo 222, CPP que o juiz do local da residência da testemunha é que irá proceder a ouvida do testemunho. Não há prejuí-zo neste ato porque no processo penal não vige o princípio da identidade física do juiz. Por fim, pode ser que sejam ouvidas em lugar diverso do foro da causa as autoridades constantes do artigo 221, caput. Estas, por sua vez, poderão ser ouvidas em local, dia e hora ajustados entre elas e o juiz.

Tendo em vista que no processo penal não cabe a inversão da apresentação das testemu-nhas, a regra é que primeiro sejam ouvidas as testemunhas de acusação e, posteriormente, as de defesa. Exceção a esta regra é a colheita de testemunho de pessoa muito velha ou que se apresenta grave-mente enferma, visto que a demora na produção deste testemunho pode inviabilizá-la. Ainda, pode ser que precatória seja juntada posteriormente aos autos. Pode haver reinquirição de testemunhas, segundo o Có-digo de Processo Penal, a qualquer momento, desde que justificadamente.

Por fim, lembramos que existe um programa de proteção às testemunhas e às vítimas coagidas ou ameaçadas. A Lei que tutela essa situação é a Lei 9.807/99, visando à proteção da integridade física e psi-cológica destes sujeitos.

3.10. Prova documental

A citação da conceituação utilizada por Guilherme de Souza Nucci140 é de grande valia, na medida, e, de forma brilhante, define que documento “é toda base materialmente disposta a concentrar e ex-pressar um pensamento, uma idéia ou qualquer manifestação de vontade do ser humano, que sirva para demonstrar e provar um fato ou acontecimento juridicamente relevante. São documen-tos, portanto: escritos, fotos, fitas de vídeo e som, desenhos, esquemas, disquetes, CDs, entre ou-tros.”

Com este julgamento do que seja documento, fácil fica visualizarmos as inúmeras possibilidades de produção de prova documental. É verdade que o Código de Processo Penal, em seu artigo 232, não faz menção a várias das formas de documentos acima transcritas, mas é necessário que atentemos que este ordenamento jurídico foi elaborado em 1941 e, com o passar do tempo, foi-se aprimorando a forma de manifestação da vontade, do pensamento, a manifestação artística, além, é claro, da ampliação da forma de armazenamento destes dados. Por isso, hoje, encontramos maior incidência do que é considerado docu-mento do que o exposto no dispositivo legal.

A apresentação de documentos em juízo é, então, meio de prova, sendo permitido seu acosta-mento aos autos em qualquer momento do processo, exceto quando a lei dispuser em contrário. Encontramos duas exceções à livre apresentação de documentos no processo ao analisarmos o procedi-mento do Júri, tanto no momento do plenário, em que se deve juntar até 3 dias antes a prova documental, como no momento das alegações finais. No mais das vezes, permitida está a apresentação em qualquer momento.

Os documentos apresentados podem ser originais ou cópias, desde que estas estejam autenticadas. Vale lembrar que as provas ilegítimas ou ilicitamente obtidas não são a priori aceitas em nosso ordenamen-to.

139 É imprescindível a intimação das partes quando há expedição de precatória. 140 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 463.

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Cartas particulares poderão ser apresentadas em juízo como prova, desde que, quem as exiba seja o destinatário em defesa de seus direitos, sendo dispensável o consentimento do signatário. É o que está previsto no parágrafo único do artigo 233, CPP.

Mais uma vez, ao tutelar as provas, o legislador previu a produção a requerimento do juiz. Já dis-corremos inúmeras vezes sobre esta questão, defendendo a necessidade de uma leitura constitucional so-bre este assunto, posto dever ser o juiz inerte no processo penal. De qualquer forma, o artigo 234, CPP, autoriza o juiz a determinar a apresentação de documentos de que tiver notícia e acreditar sejam necessá-rios para a elucidação do caso.

Documentos em língua estrangeira devem ser traduzidos por tradutor público ou, na falta deste, por pessoa idônea nomeada pelo magistrado. Quando houver dúvidas quanto à autenticidade do docu-mento, deve proceder-se ao exame da letra e da firma contidas no documento.

Como decorrência do princípio do contraditório e ampla defesa, sempre que uma das par-tes apresentar documentos aos autos, deve o juiz ouvir a outra parte a respeito da prova apresen-tada, sendo conferido o prazo de cinco dias para tal manifestação141.

Os documentos podem ser públicos ou privados, indiferentemente, é possível a apresentação de qualquer uma das duas modalidades. Os documentos públicos possuem presunção de veracidade, relativa, é claro, mas há. De outro lado, os documentos particulares são considerados autênticos quando: a) a firma for reconhecida por oficial público; b) forem aceitos como autênticos por quem se possa prejudicar; c) houver perícia que comprove a letra ou firma.

Em relação à devolução dos documentos, descabe a pretensão do magistrado em devolver os do-cumentos a quem quer que seja. Apenas pode ocorrer esta situação, caso tenha sido solicitada por qualquer das partes. Já se disse, o juiz deve ser inerte no processo penal, devendo manifestar-se apenas quando soli-citado.

3.11. Acareação

É o ato pelo qual se procede à verificação de divergências observadas nos interrogatórios ou depoimentos. Assim, colocam-se frente a frente as pessoas cujas declarações sobre fatos ou circuns-tâncias sejam conflitantes. Encontra previsão legal nos artigos 229 e 230 do Código de Processo Penal.

A acareação pode ser realizada entre:

a) acusados;

b) acusado e testemunha;

c) testemunhas;

d) acusado ou testemunha e a pessoa ofendida;

e) pessoas ofendidas.

Esta prova só será realizada se o magistrado julgar de extrema importância a sua realização e desde que não importe retardamento do deslinde do processo. Como regra geral, procede-se a este tipo de prova de forma oral que, além de ser mais rápida, atinge a sua finalidade de forma mais acertada142.

Mesmo que o objetivo desta prova seja confrontar as alegações controversas dos sujeitos envolvidos na ação, possível é ao acusado ficar calado. O princípio constitucional do silêncio é aqui, por óbvio, observado. É claro que como condição de procedibilidade está o requisito de ter havido a oitiva

141 FERNANDES, Antônio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal, p. 87. 142 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 330.

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das testemunhas vítima e acusado anteriormente à acareação. É necessário também que seja encontrada divergência durante os depoimentos.

3.12. Do reconhecimento de pessoas ou coisas

Reconhecimento é o ato pelo qual uma pessoa verifica e confirma a identidade da pessoa ou quali-dade de uma coisa. O reconhecimento é meio de prova tanto no inquérito policial, quanto no processo penal. Este tipo de prova está previsto no ordenamento através dos artigos 226 a 228 do Código de Pro-cesso Penal.

É instrumento de prova valioso, na medida em que faz a individualização de pessoa ou objeto. E, por isso mesmo, apresenta um rol de requisitos formais para a sua execução que deve ser estritamente observado. O reconhecimento de pessoa apresenta um maior número de requisitos, visto que a) pode ge-rar situações de perigo para quem faz o reconhecimento – a visualização do reconhecedor pelo suposto autor do fato pode autorizar vingança por parte deste; b) gera processo penal que inegavelmente ocasiona segregação por parte da sociedade de alguém que não é criminoso; c) ainda, ao reconhecer alguém que não é efetivamente o autor do crime, pode levar à condenação pessoa inocente. Imprescindível se faz, portan-to, o dever de cautela, certeza e proteção na realização de tal meio de prova.

No caso de reconhecimento de pessoa, primeiramente, a autoridade solicitará à pessoa que fará o reconhecimento, que descreva a pessoa a ser reconhecida. Neste momento, poderá o juiz ou delegado verificar a exata memorização, se há uma certeza dos traços do suposto autor, além da autoridade poder visualizar se as características apontadas estarão evidentes no indicado.

Após, deve ser providenciado que um certo número de pessoas com características semelhantes se-jam perfilhadas, e a pessoa que faz o reconhecimento indique, de forma clara e precisa, a pessoa que crê seja o autor. Preferencialmente este ato deve ser realizado de tal forma que os possíveis indicados não possam verificar quem está realizando o reconhecimento, conforme institui o inciso III, artigo 226, CPP. A justificativa dada pelo próprio artigo é que assim se proceda para evitar intimidação ou influência. Esta situação só é válida na fase de investigação, visto que, em plenário ou instrução criminal, não há tal ressalva.

Discordamos do dispositivo legal, acreditando que a preservação da identidade também seja possí-vel na instrução criminal. Ora, evidente está o perigo em reconhecer no plenário o autor do crime, se du-rante o inquérito foi considerado perigoso. Teria desaparecido tal circunstância? Por óbvio que não. Foi infeliz o legislador ao prever tal vedação no processo. Aliás, o próprio legislador posteriormente editou uma lei que tem a finalidade de garantir proteção às testemunhas e às vítimas, ou seja, motivos há para que seja vedada a identificação do que reconhece o infrator. Mas, no sentido de concordar com a previsão le-gal, encontramos Tourinho Filho143 que, em seu livro, diz existirem razões óbvias para que haja tal veda-ção, ainda que não as enumere.

Tourinho Filho144, em seu estudo sobre esta prova, diz que não há obrigatoriedade da existência de mais de uma pessoa a ser reconhecida. O inciso II, do art. 226, usa a expressão se possível e adverte este autor que ela se relaciona à expressão “ao lado de outras pessoas”. Assim, seria possível que apenas fosse apresentada uma pessoa apenas para que o reconhecente indicasse ser ou não o “autor do delito”. Real-mente, concordamos que possa ser realizado desta forma o procedimento de reconhecimento, no entanto, não é o que recomendamos.

Deve ser realizado auto pormenorizado do procedimento de reconhecimento, que deve ser assinado pela pessoa que fez o reconhecimento, pela autoridade e por duas testemunhas que pre-senciaram o ato.

143 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Código de processo penal comentado, v.1, p. 432. 144 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Código de processo penal comentado, v.1, p. 433.

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Em relação ao reconhecimento do objeto, preceitua o artigo 227, CPP, que devam ser usadas as mesmas cautelas do reconhecimento de pessoas.

No caso de haver mais de uma pessoa que fará o procedimento de reconhecimento, exige a lei que seja realizado o ato de forma separada. Deste modo, haverá pluralidade de ato de reconheci-mento, conforme o número de pessoas a reconhecer.

Ressalvamos que, embora não esteja previsto no Código de Processo Penal o reconhecimento por meio fotográfico, a jurisprudência já o tem validado, nos casos em que não é possível o reconhecimento pessoal. Como bem explicita Bonfim145, esta seria uma prova inominada, que deve obedecer ao disposto no art. 226, CPP.

Cabe apenas como lembrança que esta prova é relativa e que por si só não é capaz de determinar a autoria do crime. Deve esta ser analisada em conjunto com as demais provas apresentadas em juízo para que formem a convicção do juiz que de forma motivada irá expô-la na sentença.

145 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 329.

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4. MEDIDAS ASSECURATÓRIAS

Primeiramente, cabe alertar para o fato que o capítulo VI do Título VI do Código de Processo Pe-nal, que trata das medidas assecuratórias, sofreu alteração em 28 de dezembro de 2006 pela Lei 11.435, para substituir a expressão “seqüestro” por “arresto”, em alguns artigos com os devidos ajustes redacio-nais, a fim de corrigir um equívoco terminológico.

Como lembra José Camargo Henrique,146 o seqüestro penal pode referir-se a bens móveis e imó-veis adquiridos com o dinheiro do crime, não importa que tenham sidos transferidos a terceiros (arts 125 e 132 do CPP), ou seja, o seqüestro tem como fundamento a proveniência ilícita dos bens e como objetivo garantir a transferência destes em favor da União, caso o delinqüente venha a ser condenado. Já quando se tratar do caso do artigo 137, bens móveis do agente, embora não adquiridos com o dinheiro do crime, estamos frente a um típico arresto, dado que seu objetivo é tutelar o interesse que a vítima tem na obten-ção da reparação do dano patrimonial sofrido ou atender à segurança da obrigação civil.

Embora no Brasil não se permita a satisfação do dano civil diretamente no Processo Penal, permi-timos que a vítima ou quem a represente venha a requerer no juízo civil, concomitantemente a ação penal ou posterior a esta. Com o intuito de garantir esta execução civil, a parte interessada poderá requerer, tanto na esfera civil, quanto penal, medidas cautelares de garantia. Denominamos no CPP medidas assecurató-rias todas as providências cautelares que beneficiem aqueles interesses solicitados pela vítima ou por um representante legal.

Trata-se aqui de uma forma de garantir a satisfação de uma obrigação, não deixando com que a e-xecução de uma sentença torne-se ilusória147.

Quando houver infração penal e por conseqüência surgir um prejuízo ao ofendido, surge uma pre-tensão punitiva (por parte do Estado) e de ressarcimento (ação civil ex delicto pela vítima ou seu represen-tante). Para que não se frustre esta execução, como já manifestado, é cabível uma medida cautelar, tais como: seqüestro, arresto, caução, busca e apreensão e também a hipoteca legal.

Segundo Tourinho Filho, a parte interessada possui duas formas para requerer a pretensão civil ex delicto de restituição, ressarcimento ou reparação:

I – propõe de imediato a ação civil, com base no art. 186 do CCB (culpa) c/c art. 64 CPP, ou

II – aguarda o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e, face a sua eficácia vinculante, executa-a no civil, com base no art. 63 CPP.

Determina o parágrafo único do artigo 64 do Código de Processo Penal que o juiz da ação civil poderá suspender o curso da ação civil de reparação até o julgamento definitivo da ação penal.

Para garantir que se efetive tal ação ex delicto, portanto, permite-se que a parte que sofreu o prejuízo ou seu representante requeira uma medida cautelar, visando efetivamente garantir a execução civil. Sendo assim, as medidas assecuratória no processo penal são procedimentos adotados na para garantir uma inde-nização ou reparação para a vítimas dos danos decorrentes da infração penal, bem como faz com que o acusado não obtenha lucro com a sua conduta desviante.148

Como já salientado, as medidas assecuratórias podem ser propostas direto no juízo civil, caso a a-ção de reparação, naquele juízo, esteja aguardando a ação penal para executar a restituição, ressarcimento ou reparação ou no próprio juízo penal.149

146 http://www.secrel.com.br/tributos/camargo1.html 147 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado, v. 1, p. 320. 148 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 338. 149 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p. 409.

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Lembrando mais uma vez Tourinho Filho150, há que se ter clara a diferença entre restituição, res-sarcimento e reparação, pois a primeira, como o próprio nome diz, tem como objetivo a devolução do próprio objeto. Em caso do bem estar apreendido, poderá ser requerida diretamente a devolução, mesmo antes de iniciado o processo penal.

Quanto à segunda, ressarcimento, vemos que ocorre quando não houver possibilidade de devolu-ção do próprio bem, cabendo, somente, neste caso, o ressarcimento através de indenização monetária.

Nos casos em que não há valor do prejuízo, bem como haja impossibilidade de retornar ao status quo ante, falamos em reparação, tal como ocorre em uma lesão corporal.

Determina o artigo 143 do CPP que, uma vez transitada em julgado a sentença penal condenatória e intentada a ação civil no juízo competente, os autos incidentais das medidas acautelatórias serão remeti-dos a este para que proceda a execução.

O artigo 141 do CPP impõe que, em provindo uma sentença penal absolutória ou, no caso de ser julgada extinta a punibilidade, as medidas assecuratórias determinadas no juízo penal se desfazem, o que não impede, em determinados casos, que se ingresse com uma ação ex delicto, segundo artigo 66 do CPP, diretamente no juízo civil requerendo uma medida cautelar se provado o requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato. Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; II - a decisão que julgar extinta a punibilidade; III - a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime

Em sentido contrário, a lei processual penal faz coisa julgada quando reconhecida uma excludente de ilicitude.

Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em es-tado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

4.1. Seqüestro

Segundo determina o artigo 125 do Código de Processo Penal, o seqüestro tem como finalidade a retenção de bens móveis ou imóveis do acusado ou terceiro, para que dele não se desfaça durante a ação criminal a fim de que esteja assegurada uma eventual indenização para a vítima ou seu representante, bem como para que o sujeito não obtenha lucro da atividade criminosa.

A possibilidade de seqüestro recai sobre todos os bens móveis ou imóveis adquiridos direta ou in-diretamente em proveito do crime, como forma de indenizar as vítimas. Em caso de não serem identifica-das, os bens serão confiscados em proveito da União (artigo 91, II, b, CP).

A decretação do seqüestro deve se dar na esfera judicial, isto é, trata-se de procedimento judiciali-zado, não sendo permitido o seqüestro de bens sequer por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Neste sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal

DESPACHO: Vistos, etc. Cuida-se de mandado de segurança em que as empresas Holon Empre-endimentos e Participações S/A, Sacre Empreendimentos e Participações S/A, Banco Marka S/A e seus diretores Salvatore Alberto Cacciola, Antônio Sérgio do Carmo Dupim, Cinthia Costa e Souza, em litisconsórcio, objetivam tornar sem efeito ato do Presidente da chamada CPI dos Ban-

150 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p. 409.

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cos instituída pelo Senado Federal e do Presidente do Banco Central, por meio do qual foi decre-tada a "indisponibilidade dos bens dos membros da Diretoria do Banco Marka S/A e dos fundos por ela geridos". Sustentam, em resumo, ressentir-se o referido ato dos vícios de incompetência e da ausência de fundamentação. A inicial, todavia, não esclareceu a participação do Presidente do Banco Central no ato impugnado, circunstância que determinou fosse precedida de pedido de in-formações a apreciação do requerimento de medida liminar, deduzido no sentido da suspensão dos efeitos da constrição patrimonial decretada pela CPI até o julgamento final do mandado de se-gurança. Respondendo, disse o Presidente do Banco Central que, no caso, se limitou a divulgar, no âmbito de instituições financeiras, o ato impugnado, como seu mero autor, sem qualquer poder de corrigir ilegalidade de que, eventualmente, se revista ele. Aliás, relativamente ao Presidente do Banco Central, houve superveniente desistência manifestada pelos impetrantes. O Presidente da CPI, de sua vez, em resumo, sustenta que a determinação de indisponibilidade dos bens dos impe-trantes não ofende a norma do art. 54, § 3º, da CF, como alegado, nem significa um extrapolamen-to dos legítimos e regulares poderes da CPI, argumentando, in verbis: "O parágrafo terceiro da Constituição Federal em conjunto com o art. 158 do Regimento Interno do Senado Federal atri-buem, textualmente, às Comissões Parlamentares de Inquérito, poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, pelo que o cerne da quaestio reside em saber qual seria a amplitude que se pode, licitamente, conferir a tais poderes e quais diligências determinadas pela CPI poderiam, concretamente, se enquadrar com correção nestas fronteiras. Em primeiro ponto, entendemos conveniente apreciar a matéria à luz dos poderes conferidos às próprias autoridades judiciais para, explicitando-os à luz do direito positivo, verificar a correspondência destes às atividades das CPI's a quem o constituinte atribuiu idênticos poderes investigatórios. Logo, cabe indagar: como se reve-lam, no âmbito do Poder Judiciário, o exercício dos poderes ditos investigatórios? O Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao procedimento das Comissões Parlamentares de In-quérito, conforme expressamente determina o art. 153 do Regimento Interno do Senado Federal e também pelo art. 38 da Lei nº 4.595/64, regula em seus arts. 125 a 144 as chamadas medidas asse-curatórias que antecedem, sempre, a qualquer decisão final e meritória nos processos de conheci-mento, em regra demorada, justamente para evitar que o conjunto probatório para que se perfaça com êxito a sanção penal futura não se perca e a reparação de uma infração penal não venha a se tornar inócua ou mesmo impossível. Por esta razão, o legislador criou tais providências, justamen-te para acautelar os interesses do prejudicado com a prática da infração, permitindo à autoridade judicial que proceda às medidas ali referenciadas, mesmo sem concluir nada sobre o mérito da questão, unicamente para, cautelarmente, garantir a satisfação de uma obrigação ou, ainda, para não tornar ilusória a execução das medidas decisórias futuras. Desta maneira, quando a autoridade judiciária determina, na seara do processo penal, a adoção de providências tais como a indisponibi-lidade de bens, busca e apreensão de documentos, seqüestro de bens, a hipoteca legal de bens e o arresto, não está a concluir absolutamente nada no campo meritório da pretensão punitiva do Es-tado e nem muito menos está a dar um só passo adiante do patamar puramente instrutório e inves-tigatório. É induvidoso afirmar que, a depender da matéria, a não adoção de tais diligências rela-cionadas com os fatos determinados apurados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, pode, simplesmente, acarretar dois efeitos seriamente nefastos ao êxito dos trabalhos desenvolvidos, quais sejam, a dificuldade de um aprofundamento investigatório e analítico da história patrimonial dos envolvidos e, a posteriori, uma impossibilidade de ressarcimento ao erário público dos prejuí-zos a este causados por operações irregulares e delituosas, justamente porque ausente os recursos materiais capazes de honrar a condenação dos envolvidos, notadamente no campo da reparação cível." Não é essa, entretanto, como sobejamente demonstrado na inicial, a orientação que, sobre a matéria, restou assentada no STF, cuja jurisprudência não reconhece poder à CPI para medidas acautelatórias ou restritivas de direito, entre as quais se inclui a indisponibi-lidade de bens verificada neste caso. Ante o exposto, defiro a medida liminar requerida. Comu-nique-se. Após, à douta Procuradoria-Geral da República. Publique-se. Brasília, 16 de junho de 1999. (STF MS 23446 / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator Ministro ILMAR GALVÃO, DJ 23-06-99 P-00039) (g.n.)

4.1.1. Bens Imóveis

São passíveis de seqüestro os bens imóveis, os quais o Código Civil nos artigos 79 a 81 assim os e-lenca:

Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.

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Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram; II - o direito à sucessão aberta. Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis: I - as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local; II - os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.

Para que ocorra o seqüestro de bens se faz necessário o respeito aos requisitos para que ocorra tal medida, ou seja, deverá haver indícios fortes e não meros indícios de que os bens são de procedência ilíci-ta, tanto que a lei acrescenta ao termo indícios o adjetivo veementes.

Art. 126. Para a decretação do seqüestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniên-cia ilícita dos bens. (g.n.)

Neste sentido Apelação criminal. Seqüestro de bens adquiridos com o produto do crime. Ausência de indícios veementes dessa circunstância. Inquérito policial recém instaurado. Possibilidade de que o fato fique restrito ao ilícito civil. Pretensão que se mostra prematura. Decisão mantida. Recurso desprovido. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70007046733, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 12/08/2004).

Correrá o seqüestro em autos apartados de modo a não tumultuar o processo principal, havendo, inclusive, recursos próprios para atacar as decisões dos autos incidentais.

Art. 129. O seqüestro autuar-se-á em apartado e admitirá embargos de terceiro.

O seqüestro de bens poderá ser requerido pelo órgão ministerial pela vítima ou seu representante legal, pelos herdeiros em caso de falecimento da vítima, a requerimento da autoridade policial e pelo pró-prio juiz, agindo neste caso de ofício, o que nos parece inconstitucional por ferir o sistema acusatório ado-tado pela Constituição, como já mencionado.

Art. 127. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, ou mediante re-presentação da autoridade policial, poderá ordenar o seqüestro, em qualquer fase do processo ou ainda antes de oferecida a denúncia ou queixa.

Segundo Pacheco151, a decisão que defere ou indefere pedido de seqüestro é irrecorrível, podendo, em alguns casos, ser atacada por Mandado de Segurança. Já a decisão que determina o cancelamento do seqüestro é atacada por Apelação (art. 593, II, CPP)152. Em sentido contrário Fernando Capez153 e Touri-nho Filho154, para os quais contra a decretação do seqüestro cabe Apelação.

Uma vez decretado o seqüestro, o juiz ordenará a inscrição deste no Registro de Imóveis através da expedição de um mandado, segundo determina o artigo 128, CPP. Uma vez assentado o seqüestro a mar-gem do registro do imóvel, ficará público a indisponibilidade deste.

Os bens transferidos a terceiros, independentemente de boa ou má-fé, que tenham sido adquiridos com proventos da infração, são passíveis de seqüestro, cabendo aos terceiros de boa-fé isentos da infração embargar a decisão, tal como preceitua o art. 130, CPP. Quanto à decisão dos embargos, há divergência entre os doutrinadores, pois a lei é expressa em determinar que a decisão nos embargos somente poderá ser dada após a sentença penal transitada em julgado. Nucci, no entanto, é peremptório em afirmar que a decisão dos embargos, no caso do artigo 129, poderá ser dada assim que termine a instrução do procedi-mento incidental, não se aplicando o artigo 130, parágrafo único, enquanto que no caso do inciso II do artigo 130, deverá o trânsito em julgado da sentença penal. O autor paulista também enfatiza que o termo

151 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal teoria, crítica e práxis, p. 1091. 152 RT 552/339. 153 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 379. 154 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p. 411.

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embargo utilizado na lei não se trata de verdadeiro embargo de terceiro mas sim de uma contestação ou impugnação. Segundo ele, embargos de terceiro só se verifica no caso do artigo 129 do CPP.155

Art. 130. O seqüestro poderá ainda ser embargado: I - pelo acusado, sob o fundamento de não terem os bens sido adquiridos com os proventos da in-fração; II - pelo terceiro, a quem houverem os bens sido transferidos a título oneroso, sob o fundamento de tê-los adquirido de boa-fé. Parágrafo único. Não poderá ser pronunciada decisão nesses embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória.

A competência para o julgamento dos embargos é do próprio juízo criminal.

O seqüestro poderá ser levantado em caso de a) a ação penal não ter sido intentada no prazo de 60 dias, contados do termino da diligência, b) se o terceiro, a quem tiverem sido transferidos os bens, prestar caução que assegure a aplicação do disposto no art. 74, II, b, segunda parte, do Código Penal, ou c) se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu, por sentença transitada em julgado, como determina o artigo 131, CPP. Na hipótese “b” caso fique provada a boa-fé do terceiro, este poderá levantar a caução.

4.1.2. Bens Móveis

Há a possibilidade legal de seqüestro de bens móveis156, desde que estes não passíveis de apreensão. Como já mencionado, serão aptos à apreensão, segundo artigo 240, CPP os bens móveis quando estes forem obtidos por meio criminoso, servir de instrumento de falsificação, contrafação ou seus derivados, se for instrumento utilizado para a prática de crime ou qualquer outro fim delituoso, armas ou elementos que possam servir como prova. Segundo Tourinho Filho, se não se pode dizer que tal objeto seja o produto do crime então cabe seqüestro, bem como busca e apreensão quando se tratar do próprio objeto do crime. 157

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal. § 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para: a) prender criminosos; b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g) apreender pessoas vítimas de crimes; h) colher qualquer elemento de convicção.

155 “A diferença existente entre este terceiro de boa-fé, estranho ao processo criminal, e o terceiro de boa-fé do art. 130, II, do CPP, que se vale de uma impugnação ao pedido de seqüestro, é a seguinte: o primeiro não adquiriu o bem imóvel sobre o qual recaiu o seqüestro diretamente do indiciado ou acusado, podendo ter havido uma mera confusão a respeito da ordem de cons-trição judicial. Ilustrando: ordena o juiz o seqüestro da casa 1-A do condomínio, mas a medida é lavrada no tocante à casa 1-B. o proprietário deste imóvel interpõe embargos de terceiro, com base no art. 129, merecendo julgamento imediato. Quanto ao terceiro adquirente, a título oneroso, do imóvel, cabe a previsão feita no parágrafo único do art. 130, ou seja, os embargos por ele interpostos serão apreciados somente após o termino definitivo do processo criminal.” NUCCI, Guilherme de Souza. Manu-al de processo penal e execução penal, pp. 341-342. 156 Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico; II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio. 157 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, p 327.

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Já se os bens móveis forem adquiridos com o produto do ilícito penal, neste caso falamos de se-qüestro, tal qual determina o artigo 312, CPP, ou seja, se o indiciado vier a comprar bens móveis com o provento de crime, desde que existam indícios veementes, poderá ser requisitado o seqüestro de tais bens. São aplicáveis ao seqüestro de bem móvel todas as disposições do seqüestro de bens imóveis, exceto o registro.

Art. 132. Proceder-se-á ao seqüestro dos bens móveis se, verificadas as condições previstas no art. 126, não for cabível a medida regulada no Capítulo XI do Título VII deste Livro.

Ainda que os bens móveis tenham sido transferidos a terceiros, há a possibilidade de seu seqüestro.

Uma vez transitada em julgado a sentença condenatória, dá-se por finalizada a medida assecurató-ria, neste caso, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, determina a avaliação e a venda dos bens em leilão público, revertendo estes valores ao lesado ou terceiro de boa-fé, já o que não couber a estes será recolhido ao Tesouro Nacional.

Art. 133. Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do in-teressado, determinará a avaliação e a venda dos bens em leilão público. Parágrafo único. Do dinheiro apurado, será recolhido ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé.

A doutrina alerta para o fato de que é o juiz da condenação criminal, ou seja, aquele que decretou o seqüestro que deverá determinar a avaliação e a venda, bem como dar o destino do valor conseguido com o leilão, uma vez que o Código de Processo Penal não é expresso em determinar que a competência seria do juízo civil. Sendo assim, em função Código não ser expresso, considera-se de competência do juízo criminal esta diligência. Se for caso de arresto de móveis e imóveis – é que caberá ao juízo civil, caso haja ação civil ex delicto.158

4.2. Hipoteca Legal

Trata-se de uma medida assecuratória que diverge em muito do seqüestro, porém, apresenta certos pontos em comum, tal como os bens seqüestrados e hipotecados ficam seguros para servir de garantia na satisfação do dano ex delicto. A hipoteca legal é um direito real de garantia que recai sobre os bens imóveis.

Diferencia-se a hipoteca do seqüestro, pois o bem hipotecado destina-se ao ressarcimento do dano, despesas processuais e eventuais penas pecuniárias, enquanto que o bem seqüestrado visa à satisfação do dano e tudo que ultrapassar o valor será repassado ao lesado, terceiro de boa-fé ou aos cofres públicos.

Não há prazo para que ocorra a hipoteca de bens imóveis, basta que o ofendido, em qualquer fase do processo, requeira. Nucci alerta para o fato de que o Código de Processo Penal apresenta redação equi-vocada, pois a hipoteca legal não é possível somente em qualquer fase do processo senão também ainda na fase de inquérito.159

Estão legitimados para requerer a hipoteca legal o ofendido, representante legal ou herdeiros. Art. 1.489. A lei confere hipoteca: (...) III - ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinqüente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais; (...) Art. 1.490. O credor da hipoteca legal, ou quem o represente, poderá, provando a insuficiência dos imóveis especializados, exigir do devedor que seja reforçado com outros.

158 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 343. 159 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 344.

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Art. 1.491. A hipoteca legal pode ser substituída por caução de títulos da dívida pública federal ou estadual, recebidos pelo valor de sua cotação mínima no ano corrente; ou por outra garantia, a cri-tério do juiz, a requerimento do devedor.

O MP pode promover, desde que o ofendido seja pobre e a requeira, ou se houver interesse da Fa-zenda Pública, segundo preceitua o art. 142, CPP.

Art. 142. Caberá ao Ministério Público promover as medidas estabelecidas nos arts. 134 e 137, se houver interesse da Fazenda Pública, ou se o ofendido for pobre e o requerer.

Pela leitura do artigo 134, CPP, tem-se como requisito para a hipoteca que haja “certeza”160 da ma-terialidade do crime e indícios suficientes da autoria.

O processamento deverá respeitar o determinado no artigo 135, CPP, ou seja, a parte interessada deverá pedir a especialização161, mediante requerimento, em que estimará o valor da responsabilidade civil e designará e estimará o imóvel ou imóveis que terão de ficar especialmente hipotecados. Assim, o juiz mandará logo proceder ao arbitramento do valor da responsabilidade e à avaliação do imóvel ou imóveis.

O processo de especialização da hipoteca correrá em auto apartado.

O requerimento da hipoteca se dará por petição a qual será instruída com as provas ou indicação das provas em que se fundar a estimação da responsabilidade, com a relação dos imóveis que o responsá-vel possuir, se outros tiver, além dos indicados no requerimento, e com os documentos comprobatórios do domínio, segundo artigo 135, § 1º, CPP. O arbitramento do valor da responsabilidade e a avaliação dos imóveis designados far-se-ão por perito nomeado pelo juiz, onde não houver avaliador judicial, sendo-lhe facultada a consulta dos autos do processo respectivo. Observa-se que o laudo apresentado pelo perito não vincula o magistrado nos termos do artigo 182, CPP.162

Ouvidas as partes no prazo de 2 dias, prazo este que corre em cartório, o juiz poderá corrigir o ar-bitramento do valor da responsabilidade caso entenda ser aquém ou além daquela. Somente será autoriza-da a inscrição da hipoteca dos imóveis necessários para a garantia do valor da responsabilidade. Tendo em vista que o valor da responsabilidade só será liquidado após o trânsito em julgado da sentença penal con-denatória, a parte, neste momento de liquidação, poderá requerer novo arbitramento caso não esteja con-formada com o arbitramento anterior.

É cabível o oferecimento de caução por parte do réu, sendo que esta caução poderá se dada em di-nheiro ou em títulos de dívida pública, pelo valor de sua cotação em Bolsa. Sendo assim, o juiz poderá deixar de mandar proceder à inscrição da hipoteca legal.

Antes de ocorrer a hipoteca legal, por cautela, poderá ser decretado o arresto do imóvel, revogan-do-se, porém, se no prazo de 15 dias não for promovido o processo de inscrição da hipoteca legal, segun-do nova redação dada ao artigo 136, CPP.

4.3. Arresto

Com o intuito de corrigir um equívoco de redação do Código de Processo Penal, a lei 11.435/06 alterou os artigos 136, 137, 138, 139, 141 e 143 modificando o termo seqüestro para aresto.

Arresto é a retenção de qualquer bem do indiciado ou réu, com o fim de assegurar o ressarcimento do dano, evitando-se a dilapidação do patrimônio. As garantias do ressarcimento do dano alcançarão tam- 160 Nas palavras de Nucci “o termo certeza foi infeliz. Levando-se em conta que ainda não existe condenação com trânsito em julgado, razão pela qual o mérito não foi apreciado, não se pode dizer que a infração penal é certa”. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 344. 161 Apontar sobre quais imóveis deve incidir a hipoteca, tornando-os indisponíveis. 162 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 345.

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bém as despesas processuais e as penas pecuniárias, tendo preferência sobre estas a reparação do dano ao ofendido.

Diferencia-se o seqüestro do arresto, pois aquele se refere a bens móveis e imóveis, adquiridos com o dinheiro do crime, não importa que tenham sidos transferidos a terceiros (arts 125 e 132 do CPP), ou seja, o seqüestro tem como fundamento a proveniência ilícita dos bens e como objetivo garantir a transferência destes em favor da união, caso o delinqüente venha a ser condenado. Já quando se tratar do caso do artigo 137, bens móveis do agente, embora não adquiridos com o dinheiro do crime, estamos frente a um típico arresto, dado que seu objetivo é tutelar o interesse que a vítima tem na obtenção da re-paração do dano patrimonial sofrido ou atender a segurança da obrigação civil.

Tal qual a hipoteca legal não há prazo para requerer o arresto, isto é, o mesmo pode ser requerido em qualquer fase do processo.

A lei autoriza que, se o responsável não possuir bens imóveis em valor suficiente para cobrir o va-lor da responsabilidade, poderão ser arrestados bens móveis. Se estes forem fungíveis e facilmente deterio-ráveis, serão avaliados e levados a leilão público, depositando-se o dinheiro apurado, ou entregues ao ter-ceiro que os detinha (se este for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade).

Das rendas dos bens móveis poderão ser fornecidos recursos arbitrados pelo juiz para a manuten-ção do indiciado e de sua família.

O Código de Processo Civil, com a nova redação dada pela lei 11.382/06 para o artigo 649 do CPC, alterou os bens impenhoráveis, sendo que, agora, se tornaram impenhoráveis:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio pa-drão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pen-sões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sus-tento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissio-nal liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em edu-cação, saúde ou assistência social; X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança. § 1o A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem. § 2o O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para paga-mento de prestação alimentícia. Art. 650. Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalie-náveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia. Art. 651. Antes de adjudicados ou alienados os bens, pode o executado, a todo tempo, remir a e-xecução, pagando ou consignando a importância atualizada da dívida, mais juros, custas e honorá-rios advocatícios.

Além destes é impenhorável o imóvel residencial próprio do casal, segundo art. 1º da lei 8.009/90. Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não res-ponderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

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Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a constru-ção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

O processo de arresto correrá em auto apartado e o depósito e a administração dos bens arrestados ficarão sujeitos ao regime do processo civil, segundo artigos 148 a 150.

Art. 148. A guarda e conservação de bens penhorados, arrestados, seqüestrados ou arrecadados se-rão confiadas a depositário ou a administrador, não dispondo a lei de outro modo. Art. 149. O depositário ou administrador perceberá, por seu trabalho, remuneração que o juiz fixa-rá, atendendo à situação dos bens, ao tempo do serviço e às dificuldades de sua execução. Parágrafo único. O juiz poderá nomear, por indicação do depositário ou do administrador, um ou mais prepostos. Art. 150. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, cau-sar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada; mas tem o direito a haver o que legiti-mamente despendeu no exercício do encargo.

Uma vez absolvido o réu ou tendo sido extinta a punibilidade o arresto será levantado ou a hipote-ca cancelada, o que não afasta, segundo o motivo da absolvição, que a vítima ou seu representante requeira indenização no juízo civil, porém mesmo neste caso não se mantém o arresto ou a hipoteca, devendo ser requerida outra medida no juízo civil.163

De outra forma, determina o artigo 143, CPP, que, passando em julgado a sentença condenatória, serão os autos de hipoteca ou arresto remetidos ao juiz do cível para que se aplique o determinado no arti-go 63, CPP.

Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juí-zo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Observa-se que o réu no processo criminal não é o único responsável pelo pagamento da indeniza-ção, como bem lembra Nucci, tanto que o Código Civil em seu artigo 942 determina que outras pessoas possam ser solidárias, elencando-as no artigo 932.

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à re-paração do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas desig-nadas no art. 932. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do tra-balho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

4.4. Restituição de coisas apreendidas

Trata-se de um procedimento no qual devolvem-se os bens apreendidos164 a quem de direito. Os bens serão devolvidos quando não mais necessário na instrução criminal. 163 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 347. 164 São os bens que de algum modo servem para o esclarecimento de um delito e de sua autoria, tanto que o artigo 6º, CPP determina que a autoridade, logo após ter tomado conhecimento de um crime, deve dirigir-se ao local e providenciar a apreen-são dos objetos vinculados ao crime.

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Observa-se que se ocorrer dúvida quanto à propriedade do bem, será aberto um incidente, corren-do em apartado.

Art. 120. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, medi-ante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. § 1º Se duvidoso esse direito, o pedido de restituição autuar-se-á em apartado, assinando-se ao re-querente o prazo de 5 (cinco) dias para a prova. Em tal caso, só o juiz criminal poderá decidir o in-cidente.

A liberação está vinculada ao interesse processual, quer dizer, se os objetos não mais tiverem inte-resse ao processo podem ser devolvidos a qualquer tempo, apesar da lei determinar o trânsito em julgado, em sentido contrário, em tendo interesse ao processo os bens ficam apreendidos, mesmo que pertençam a terceiro de boa-fé, podendo inclusive jamais retornarem ao legítimo dono, tal como ocorre no confisco.

Art. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser res-tituídas enquanto interessarem ao processo. Art. 119. As coisas a que se referem os arts. 74 e 100 do Código Penal não poderão ser restituídas, mesmo depois de transitar em julgado a sentença final, salvo se pertencerem ao lesado ou a tercei-ro de boa-fé.

Cabe alertar para o fato de que os bens utilizados para o delito ou o próprio bem do delito podem ser apreendidos, já os bens adquiridos mediante a transformação do produto do crime devem ser seqües-trados, segundo determinação do artigo 132, CPP.165

Como já mencionado, em ocorrendo dúvida quanto a propriedade dos bens aprendidos, a restitui-ção deverá ocorrer em apartado, devendo a parte interessada apresentar provas num prazo de 5 dias. Uma vez instruído o incidente, deverá o juiz decidir sobre a restituição, devendo antes ouvir o Ministério Públi-co. O mesmo ocorre quando os bens forem encontrados com terceiro de boa-fé.

§ 1º Se duvidoso esse direito, o pedido de restituição autuar-se-á em apartado, assinando-se ao re-querente o prazo de 5 (cinco) dias para a prova. Em tal caso, só o juiz criminal poderá decidir o in-cidente. § 2º O incidente autuar-se-á também em apartado e só a autoridade judicial o resolverá, se as coi-sas forem apreendidas em poder de terceiro de boa-fé, que será intimado para alegar e provar o seu direito, em prazo igual e sucessivo ao do reclamante, tendo um e outro 2 (dois) dias para arra-zoar. § 3º Sobre o pedido de restituição será sempre ouvido o Ministério Público.

Permanecendo a dúvida do verdadeiro proprietário o juiz remeterá às partes para o juízo cível166, ordenando o depósito das coisas em mãos de depositário ou do próprio terceiro que as detinha, se for pessoa idônea.

Em não havendo dúvida quanto à propriedade e não sendo mais necessários ao processo, os bens serão restituídos mediante termo nos próprios autos, o que pode ocorrer tanto na fase investigatória (or-denada pela autoridade policial) quanto judicial (ordenada pela autoridade judiciária).

O pedido de restituição poderá ser feito pelo réu, pela vítima ou por terceiro, a quem pertença o bem.

Se os bens fungíveis e facilmente deterioráveis, serão avaliados e levados a leilão público, deposi-tando-se o dinheiro apurado, ou entregues ao terceiro que os detinha (se este for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade).

165 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 335. 166 Alerta Nucci que se o conflito da propriedade os bens se der entre particulares a competência para dirimir a lide é do juízo civil comum, enquanto que se for entre particular e a Fazenda, a competência será do juízo da Fazenda Pública. NUCCI, Gui-lherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 337.

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O prazo para terceiro de boa-fé ou o lesado requerer a restituição, segundo artigo 122, CPP, é de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pois após este prazo, se não houver habilitação de interessados o juiz decretará a venda em leilão público revertendo o valor em favor do Te-souro Nacional. Os bens que não podem ser vendidos, tais como drogas, deverão ser incinerados.

Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes.

Os recursos cabíveis contra o deferimento ou indeferimento por ser coisa ilícita é apelação, com fundamento no artigo 593, II, CPP. Já o indeferimento por haver dúvida quanto à propriedade legítima é irrecorrível. Por último, o indeferimento com base no perdimento determinado no artigo 91, CP é irrecor-rível, mas nada obsta que o interessado apresente embargos de terceiro, com base nos artigos 129 e 130, CPP, fazendo-se analogia ao seqüestro.