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Almeida Garrett (Porto, 1799 - Lisboa, 1854), foi um proeminente escritor e dramaturgo romântico que fundou o Conservatório Geral de Arte Dramática, edificou o Teatro Nacional D. Maria II em Lisboa e organizou a Inspecção-Geral dos Teatros, revolucionando por completo a política cultural portuguesa a partir de 1836, no rescaldo das Guerras Liberais. Frei Luís de Sousa é a sua obra maior. Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett – algumas linhas de leitura 1. Obra - elementos gerais - Peça organizada em três actos : o primeiro constituído por doze cenas, o segundo por quinze e o terceiro, tal como o primeiro por doze cenas. - A divisão em actos está relacionada com a mudança de espaço ( cenário), enquanto a divisão em cenas é marcada pela entrada e/ou saída de personagens. - Além do texto principal (falas das personagens, em diálogo ou em monólogo), há um texto secundário muito importante, formado pelas didascálias . Estas são informações do autor sobre: a) o espaço em que se desenrola a acção; Fernanda Afonso 2008/2009 1 ESCOLA SECUNDÁRIA DE SANTO ANDRÉ 2008/2009 FICHA INFORMATIVA - PORTUGUÊS

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Almeida Garrett (Porto, 1799 - Lisboa, 1854), foi um proeminente escritor e

dramaturgo romântico que fundou o Conservatório Geral de Arte Dramática, edificou o Teatro

Nacional D. Maria II em Lisboa e organizou a Inspecção-Geral dos Teatros, revolucionando por

completo a política cultural portuguesa a partir de 1836, no rescaldo das Guerras Liberais. Frei Luís

de Sousa é a sua obra maior.

Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett – algumas linhas de leitura

1. Obra - elementos gerais

- Peça organizada em três actos : o primeiro constituído por doze cenas, o segundo por

quinze e o terceiro, tal como o primeiro por doze cenas.

- A divisão em actos está relacionada com a mudança de espaço ( cenário), enquanto a

divisão em cenas é marcada pela entrada e/ou saída de personagens.

- Além do texto principal (falas das personagens, em diálogo ou em monólogo), há um

texto secundário muito importante, formado pelas didascálias . Estas são informações do

autor sobre:

a) o espaço em que se desenrola a acção;

b) os ambientes, sobre a movimentação e reacção das personagens em cena;

c) o tempo - as datas históricas, a referência à luz do dia, à noite, etc.

2 .Obra: estrutura externa e linhas de leitura

Acto I

- decorre num espaço interior (o palácio de Manuel de Sousa Coutinho), numa divisão

decorada com requinte e sobriedade, conotando as personagens com a nobreza;

- a acção inicia-se com um quadro familiar pois Dª Madalena de Vilhena lê, em Os

Lusíadas, o episódio lírico de Inês de Castro, quando Telmo, seu fiel servidor, entra em

Fernanda Afonso 2008/20091

ESCOLA SECUNDÁRIA DE SANTO ANDRÉ2008/2009

FICHA INFORMATIVA - PORTUGUÊS

Turma: 11º A /C/D PROF: Fernanda

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cena para com ela dialogar. Será assim que nas duas primeiras cenas se apresenta o

conflito e os seus antecedentes; ou seja:

- o primeiro casamento de Dª Madalena, o desaparecimento de D. João de Portugal

( primeiro marido de Madalena) durante a batalha de Alcácer Quibir, as sucessivas

buscas para o encontrar, sempre em vão, originando a convicção da sua morte em

Madalena e na família do próprio D. João,;

- o segundo casamento com Manuel de Sousa, com o consentimento da família de D.

João de Portugal, e o nascimento de uma filha, Maria, cuja fragilidade extrema e

inteligência precoce tanto preocupam seus pais e Telmo;

- a culpa que Dª Madalena sente por ter amado o seu segundo marido em vida do

primeiro. Culpa esta que Telmo se encarrega de sublinhar, ao afirmar que ela, nessa

altura, traíra em pensamento o seu nobre amo D. João, e ao reiterar, ainda, que Madalena

casara pela segunda vez, sem nenhuma certeza absoluta sobre morte efectiva do seu

primeiro marido.

Embora reconheça que Dª Madalena tudo fizera para o encontrar, Telmo afigura-se a voz

da consciência (culpada) de Madalena e, como tal, é já o arauto de uma tragédia

pressentida. Com efeito, é a hybris desta personagem que desencadeia a tragédia, uma

vez que os seus actos constituem uma transgressão, um desafio ao destino, a Deus, pelo

que poderá vir a ser punida.

- ao mesmo tempo que se dá a ver uma família unida pelo intenso amor, merecedora de viver

em paz e felicidade, salienta-se igualmente a possibilidade de uma catástrofe cair sobre ela,

catástrofe essa constantemente sugerida pelas observações de Telmo (que lembra as palavras

de D. João de Portugal: «Vivo ou morto, Madalena, hei-de ver-vos pelo menos uma vez neste

mundo.» - Acto I, cena II) e, também, pelos temores de Dª Madalena e pelos pressentimentos

e sonhos de sua filha, Maria;

- no final do 1º acto, Manuel de Sousa, num gesto patriótico, incendeia a sua própria casa, de

modo a impedir que os governantes castelhanos – que a tinham requisitado – nela habitassem.

Este é um acto de resistência, de defesa da honra pessoal e nacional que, simbolicamente,

representa Portugal insurgindo-se contra a ocupação castelhana;

- o incêndio do palácio de Manuel de Sousa é a peripécia que permite a evolução da acção

no sentido da fatalidade, da tragédia. Com efeito, o espaço luminoso do acto I desaparece,

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dando lugar às chamas que consomem o palácio e o retrato de Manuel de Sousa Coutinho,

vestido de Cavaleiro de Malta. Enquanto o marido encara o incêndio como uma reacção

adequada de apaixonado patriotismo, Dª Madalena vê nele um indício, um sinal de que a sua

felicidade, junto do marido e da filha, está ameaçada. Na verdade, o retrato queimado

simboliza um indício da perda de identidade de D. Manuel enquanto cavaleiro da nobre Ordem

de Malta , marido e pai. Para além disso, a destruição da casa de D. Manuel de Sousa e a sua

decisão de ir habitar o antigo palácio de D. João de Portugal acentuam essa perda de

identidade, pois revelam-se um recuo para o passado, constituindo, assim, uma ameaça ao

presente;

- as referências temporais, aludindo à noite ( do final da tarde à «noite fechada») acentuam

simbolicamente o carácter trágico da acção. Simbolicamente as trevas da noite representam o

mal que ronda a família e que sobre ela se abaterá.

I Dª Madalena e Maria ( Quem és tu?, filme de João Botelho)

Acto II

- a acção desenvolve-se no palácio frio, escuro e opressivo de D. João de Portugal. A

austeridade e o desconforto do espaço contrastam com o espaço do 1º acto. Este conota um

tempo feliz perdido e uma vivência actual, triste, num espaço habitado por memórias de um

passado - o qual influi negativamente na vida das personagens. Este facto é salientado na cena

1 deste acto, quando Maria conversa com Telmo sobre a angústia que atormenta a sua mãe,

apesar de «oito dias» passados sobre o episódio do incêndio, e acrescenta que não só pressente,

como tem a certeza de que uma «desgraça» está para acontecer;

- Simbolicamente, o palácio de D. João de Portugal é e o testemunho de um passado histórico

português glorioso ( veja-se o retrato de Camões) mas igualmente trágico ( os retrato de D.

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Sebastião, de D. João de Portugal evocam a coragem dos patriotas portugueses, mas também

a perda da independência de Portugal). Neste sentido, o retrato de D. João representa o passado

que atormenta o presente das personagens ( mesmo das que, como Manuel, não vêem no

passado uma ameaça).

Assim, o palácio é um espaço inquietante, o que acentua o clima de tragédia que paira sobre

aquela família. Todavia, é neste palácio que a jovem Maria, apaixonada pela história e lendas

do seu país, se deslumbra com o retrato de D. Sebastião, o rei desaparecido que, segundo a

crença popular, voltará numa manhã de nevoeiro ( mito do sebastianismo, modo de afirmação

de uma identidade perdida e do desejo de a recuperar);

- Neste espaço ( palácio de D. João), e no final do 2º acto, ocorrerá a revelação e o aumento

do Pathos (sofrimento) quando, após um tempo de tranquilidade ( retardamento da acção e da

catástrofe) em que a família retoma o seu quotidiano calmo, surge o romeiro. Estão em cena

apenas Dª Madalena – nesse dia, serena, sem os temores que habitualmente a atormentavam -

e Frei Jorge, tendo os restantes saído para visitar uma parente religiosa;

- O momento da revelação ( Anagnorisis), isto é o conhecimento de que D. João de Portugal

está vivo e, depois, o reconhecimento de que o romeiro é o próprio D. João, intensifica o

sofrimento ( pathos) que atinge desta maneira o seu ponto culminante ( clímax), evoluindo a

acção para um desfecho trágico. A partir de agora, cumprir-se-á fatalmente o destino trágico

das personagens, uma vez que a catástrofe, anunciada desde o 1º acto, se concretizou;

- O romeiro é a materialização do passado que destrói o presente. Realmente, surge com o

intuito de recuperar a honra perdida, aparece tendo como objectivo vingar-se da suposta - e

para ele certa - traição de Dª Madalena . Diz ele, na cena XV deste acto, dirigindo-se a

Madalena e a Frei Jorge: « – Agora acabo; sofrei que ele também já sofreu muito» .Tendo

surgido como um peregrino que traz notícias de um cativo na Terra Santa, é reconhecido por

Frei Jorge como D. João de Portugal . À pergunta do frade sobre a sua identidade ( «Romeiro,

Romeiro, quem és tu?»), responde, indicando o seu retrato: Ninguém!»;

- A consciência de que não é «Ninguém» mostra o romeiro como alguém que procurou

recuperar a sua identidade, o seu estatuto, o seu amor, a sua dignidade pessoal e que não o

conseguiu pois constatou que a sua existência não tinha cabimento no tempo presente: Dª

Madalena ama outro com quem está casada, tem uma filha e, até, o fiel Telmo não só não o

reconhece logo, como ama mais Maria;

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- a tragédia pessoal do romeiro simboliza a de Portugal que, ao perder a independência, perde

também a sua identidade nacional. Com efeito, D. João de Portugal (ou o romeiro) é símbolo

desse passado em que Portugal fora um país soberano, com valores grandiosos. O seu regresso

a um país ocupado pelos castelhanos aviva a consciência desse passado mas, também, a certeza

daquilo em que Portugal se tornara: «Ninguém» tal como o Romeiro.

Acto III

cartaz do filme de João Botelho ( personagens: Maria e Romeiro)

- o último acto decorre num espaço religioso (« Capela de Nª Senhora da Piedade na Igreja de

S. Paulo dos domínicos em Almada») existente na «Parte baixa do palácio de D. João de

Portugal».

- Os símbolos religiosos como a Cruz de Cristo indiciam o sacrifício metafórico que ali

decorrerá: a dissolução de um casamento ( o de Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa

Coutinho), a morte simbólica do casal e a sua aceitação de uma vida religiosa, tornando-se

irmãos em Cristo;

- a decisão de professar - da tomada de votos religiosos -, encorajada por Frei Jorge, e que é

aceite por Manuel de Sousa Coutinho como a única via digna, não é facilmente encarada por

Dª Madalena, a qual luta até ao fim pelo direito ao amor e à sua vida conjugal e familiar,

reagindo ao que as normas sociais impunham.

- Manuel de Sousa procede com a coragem e a racionalidade próprias de um cavaleiro, de um

nobre que respeita os valores da honra e não aceita viver em adultério ( situação causada pelo

aparecimento do primeiro marido de Madalena). Assim, Madalena revela-se uma heroína

romântica pois valoriza o direito individual de ser feliz, de amar e ser amada, de manter a sua

família unida mesmo contrariando as regras sociais.

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- Madalena debate-se contra o sacrifício que lhe é exigido e luta desesperadamente para o

impedir, defendendo o amor conjugal e familiar como valor supremo. Já Manuel aceita o

preço social e moral que deve pagar, mostrando-se racional, respeitador dos valores morais e

sociais , colocando-os, acima de tudo, até da sua própria felicidade pessoal. Neste sentido, a

personagem foi construída de acordo com um modelo clássico de herói.

- o sofrimento do casal é intensificado pela certeza de que Maria será considerada filha

ilegítima, que viverá uma situação desonrosa, sem culpa alguma e que tal poderá levá-la à

morte : a sua saúde frágil devido à tuberculose avançada ( doença que nunca é referida, mas

cujos sintomas são referidos), a sua extrema sensibilidade a isso conduzirão decerto. Afirma, o

pai de Maria: «Oh, minha filha, minha filha (...) Desgraçada filha que ficas órfã!... Órfã de pai

e mãe ... e de família e de nome que tudo perdeste hoje.». Também Telmo sofre

particularmente com este facto uma vez que Maria é, para ele, uma filha amada, um anjo

inocente. Nada justificaria a sua condenação ao estatuto de filha ilegítima, nem as razões de D.

João de Portugal;

- Dividido entre o desejo de vingança e o arrependimento pela dimensão da dor causada, o

romeiro (D. João) sugere a Telmo que comunique que ele era um impostor, testando tanto a

lealdade do seu antigo e fiel aio, como querendo reparar o irreparável.

- A resposta de Telmo sugere que a sua lealdade não seria para com D. João ( «Senhor,

senhor, não tenteis a fidelidade de vosso servo»).

- A resolução do conflito (hybris) dá-se pela consumação da tragédia: Maria morre na

cerimónia em que os pais se entregam à vida religiosa ( morrendo, também eles,

simbolicamente) para se redimirem do pecado cometido. Note-se que a jovem morre

consciente da desonra social (de ser filha ilegítima) a que o romeiro a condenara:

«Maria ( apontando para o romeiro) – é aquele , é ele, é ele! Já não é tempo...Minha

mãe, meu pai, cobri-me estas faces, que morro de vergonha...» (Acto III, cena XII).

- O romeiro pusera em marcha a tragédia e esta era imparável, mesmo por ele. E, desta forma,

cumpria-se o Fatum (destino). A catástrofe, sempre temida por Madalena e Telmo e

pressentida por Maria, consumara-se.

Tempo histórico, tempo dramático

- a acção situa-se, historicamente, no século XVII.

- Decorreram vinte e um anos após a batalha de Alcácer-Quibir ( 1578), onde

supostamente teria sido morto D. João de Portugal que integrava os exércitos do rei D.

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Sebastião; daqui resulta que a acção decorre em 1599 ( transição do sec. XVI para o

XVII. Na didascália de abertura, a datação do início do século XVII), período em que

Portugal vive ainda sob o domínio filipino ( castelhano);

- o tempo histórico evolui por três ciclos de sete anos:

1) a busca de D. João em África, a mando de Dª Madalena ( 7 anos);

2) o segundo casamento desta, o nascimento da filha ( que tem 13 anos

quando surge o romeiro), a vida familiar (7+ 7 = 14 anos);

3) o aparecimento do romeiro e a fatalidade desencadeada ( em 1599, 21 anos

após a batalha de Alcácer-Quibir).

- o tempo dramático é de uma semana (de uma sexta-feira a outra sexta-feira decorre

a tragédia familiar);

- todos os acontecimentos marcantes ocorreram numa sexta-feira. Este dia é

considerado por Madalena dia aziago, funesto. Com efeito, está associado ao dia do seu

primeiro casamento, ao dia em que conheceu Manuel de Sousa e o amou para sempre,

como que pondo em marcha um destino trágico e, por fim, é o dia em que surge o

romeiro.

- Observe-se que esta superstição, a coincidência dos acontecimentos funestos

ocorrerem neste dia da semana caracterizam um traço do gosto romântico. Além deste

aspecto, temos as atmosferas nocturnas ou de pouca luminosidade, que servem

igualmente para conferir maior dramatismo aos acontecimentos, correspondem

igualmente à atmosfera privilegiada pelo romantismo.

Para saber mais sobre Frei Luís de

Sousa através do filme Quem és tu?

de João Botelho, consulte :

http://faroldasletras.no.sapo.pt/frls_personagens.htm&usg

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