sinfonia da recente na netflix, filme nacional traz

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C1 Campo Grande-MS | Quinta-feira, 10 de setembro de 2020 ARTES & LAZER SINFONIA DA NECRÓPOLE Recente na Netflix, filme nacional traz relação da morte com o poder capital, e com o progresso a qualquer custo Fotos: Reprodução Leo Ribeiro Entre os títulos adicionados recentemente à plataforma de streaming Netflix está “Sinfonia da Necrópole”, que chama atenção só pelo curioso nome, mas por ser classificado como uma “comédia de terror”. Brasileiro, a obra de Juliana Rojas é datada de 2014, mas, seja por sua identidade teatral musicada, por abordar a morte e o progresso, e a forma que lidamos com os sentimentos no nosso cotidiano, ou até mesmo pela relação dos personagens em cena, é um filme que vale a pena ter na lista de assistidos. No enredo do filme acompanhamos o personagem Deodato (papel de Eduardo Gomes), não muito animado por sua nova ocupação como aprendiz de coveiro. Desmaiando ao confrontar o luto e a morte, restos mortais ou até mesmo pela relação que o personagem desenvolve com a música, ele se mostra o mais sensível na trama. O vulnerável protagonista se vê afetado quando precisa trabalhar ao lado de uma funcionária do serviço funerário, Jaqueline (Luciana Paes). Remodelar o cemitério de forma que o local abrigue mais jazigos é o foco da história, que, mesmo em tom de humor e musicada, nunca perde o respeito. Nesta reforma agrária às avessas impulsionada pelo capitalismo, uma boa quantidade de túmulos precisa ser transferida para um cemitério vertical (e é aí que Deodato se incomoda), cuja capacidade de abrigar ossadas é bem maior – ou seja, mais dinheiro à vista. O aprendiz de coveiro, além de assombrado por aqueles que já foram, se coloca no lugar dos familiares e de como se sentiriam ao chegar ao cemitério e não encontrar os restos mortais de seus parentes onde os haviam sepultado. Juliana Rojas também assina a trilha sonora da obra, ao lado de Marco Dutra, com quem dirigiu seu primeiro curta-metragem, em 2004, intitulado “O Lençol Branco”. Com produção de Max Eluard, “Sinfonia da Necrópole” tem menos duas horas de duração (84 minutos), o que não impede o filme de abordar a forma como o capitalismo dita a vida – e a morte – e a maneira como deixamos passar nossos sentimentos no cotidiano, tornando nossas relações efêmeras. Fica evidente que, mesmo diante da morte de quem se conhece, o que importa é o progresso e o capital. Ousado, “Sinfonia da Necrópole” lembra um teatro musicado e apresenta ao espectador um longa- metragem musical com canções originais, algo raro no cinema brasileiro pela difícil tarefa de compôr músicas que se adequem à história e, ao mesmo tempo, tragam uma sonoridade que conquiste o público. Crítica De acordo com a crítica de Ruy Gardnier, de “O Globo”: “a escolha do gênero musical para lidar com as tensões entre tradição e modernização, passando por dilemas sentimentais e profissionais, é preciosa. A opção por essa fantasia de morbidez melódica nos permite acreditar em situações a princípio implausíveis”. Para o crítico Rubens Ewald Filho, o filme é: “original e engraçado, é uma comédia musical com toques de suspense e terror [...] Num filme com um ótimo elenco ainda pouco conhecido, canções divertidas e situações muito engraçadas”. Ainda assim, há quem destaque que a subjetividade de “Sinfonia da Necrópole” seja um ponto prejudicial do filme, que não concretiza os relacionamentos, nem de Deodato com Jaqueline – que ignora o poema do aprendiz de coveiro após uma noite intensa com o rapaz – e até mesmo do casal formado pela dona da loja de flores e um dos coveiros. Segundo Zeca Seabre, do Almanaque Virtual: “o filme vai se dividindo entre criador e criatura, prejudicado pelo caráter primário de algumas sequências e por um final desajeitado e abrupto. O resultado não é satisfatório, mas revela a boa intenção de realizar algo diferente”. Diêgo Araujo, do portal Cinemascope, também aponta que: “a incoerência do filme ao retratar um problema sério de forma tão cômica – e romântica –, no entanto, torna-o menos impactante do que deveria e mais superficial do que seria necessário para considerá-lo uma grande obra”. Ainda assim, o filme tem um bom desempenho com a crítica especializada em geral, e é uma boa opção para aprofundar-se ainda mais pelos caminhos do cinema brasileiro. Cemitério passará por reformas e a mudança das ossadas é um dos pontos que incomodam o protagonista do filme

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C1Campo Grande-MS | Quinta-feira, 10 de setembro de 2020Artes&LAzer

SINFONIA DA NECRÓPOLE

Recente na Netflix, filme nacional traz relação da morte com o poder capital, e com o progresso a qualquer custo

Fotos: Reprodução

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Leo Ribeiro

Entre os títulos adicionados recentemente à plataforma de streaming Netflix está “Sinfonia da Necrópole”, que chama atenção só pelo curioso nome, mas por ser classificado como uma “comédia de terror”. Brasileiro, a obra de Juliana Rojas é datada de 2014, mas, seja por sua identidade teatral musicada, por abordar a morte e o progresso, e a forma que lidamos com os sentimentos no nosso cotidiano, ou até mesmo pela relação dos personagens em cena, é um filme que vale a pena ter na lista de assistidos.

No enredo do filme acompanhamos o personagem Deodato (papel de Eduardo Gomes), não muito animado por sua nova ocupação como aprendiz de coveiro. Desmaiando ao confrontar o luto e a morte, restos mortais ou até mesmo pela relação que o personagem desenvolve com a música, ele se mostra o mais sensível na trama. O vulnerável protagonista se vê afetado quando precisa trabalhar ao lado de uma funcionária do serviço funerário, Jaqueline (Luciana Paes).

Remodelar o cemitério de forma que o local abrigue mais jazigos é o foco da história, que, mesmo em tom de humor e musicada, nunca perde o respeito. Nesta reforma agrária às avessas impulsionada pelo capitalismo, uma boa quantidade de túmulos precisa ser transferida para um cemitério vertical (e é aí que Deodato se incomoda), cuja capacidade de abrigar ossadas é bem maior – ou seja, mais dinheiro à vista. O aprendiz de coveiro, além de assombrado por aqueles que já foram, se coloca no lugar dos familiares e de como se sentiriam ao chegar ao cemitério e não encontrar os restos mortais de seus parentes onde os haviam sepultado.

Juliana Rojas também assina a trilha sonora da obra, ao lado de Marco Dutra, com quem dirigiu seu primeiro curta-metragem, em 2004, intitulado “O Lençol Branco”. Com produção de Max Eluard, “Sinfonia da Necrópole” tem menos duas horas de duração (84 minutos), o que não impede o filme de abordar a forma como o capitalismo dita a vida – e a morte – e a maneira como deixamos passar nossos sentimentos no cotidiano, tornando nossas relações efêmeras. Fica

evidente que, mesmo diante da morte de quem se conhece, o que importa é o progresso e o capital.

Ousado, “Sinfonia da Necrópole” lembra um teatro musicado e apresenta ao espectador um longa-metragem musical com canções originais, algo raro no cinema brasileiro pela difícil tarefa de compôr músicas que se adequem à história e, ao mesmo tempo, tragam uma sonoridade que conquiste o público.

CríticaDe acordo com a crítica de Ruy

Gardnier, de “O Globo”: “a escolha do gênero musical para lidar com as tensões entre tradição e modernização, passando por dilemas sentimentais e profissionais, é preciosa. A opção por essa fantasia de morbidez melódica nos permite acreditar em situações a princípio implausíveis”.

Para o crítico Rubens Ewald Filho, o filme é: “original e engraçado, é uma comédia musical com toques de suspense e terror [...] Num filme com um ótimo elenco ainda pouco conhecido, canções divertidas e situações muito engraçadas”.

Ainda assim, há quem destaque que a subjetividade de “Sinfonia da Necrópole” seja um ponto prejudicial do filme, que não concretiza os relacionamentos, nem de Deodato com Jaqueline – que ignora o poema do aprendiz de coveiro após uma noite intensa com o rapaz – e até mesmo do casal formado pela dona da loja de flores e um dos coveiros.

Segundo Zeca Seabre, do Almanaque Virtual: “o filme vai se dividindo entre criador e criatura, prejudicado pelo caráter primário de algumas sequências e por um final desajeitado e abrupto. O resultado não é satisfatório, mas revela a boa intenção de realizar algo diferente”.

Diêgo Araujo, do portal Cinemascope, também aponta que: “a incoerência do filme ao retratar um problema sério de forma tão cômica – e romântica –, no entanto, torna-o menos impactante do que deveria e mais superficial do que seria necessário para considerá-lo uma grande obra”.

Ainda assim, o filme tem um bom desempenho com a crítica especializada em geral, e é uma boa opção para aprofundar-se ainda mais pelos caminhos do cinema brasileiro.

Cemitério passará por reformas e a mudança das ossadas é um dos pontos que incomodam o protagonista do filme