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Ano 20 • N° 2 julho/dezembro 2012 ISSN 2238-6807 Fred Gelli: todo design deve ser sustentável Pré-sal: o impacto das pesquisas sísmicas Senac Ambiental Ano 20 N. 2 • 2012 Sinal Verde Metrópoles vão reduzir emissões Uma das mais poluídas aponta caminhos

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Page 1: Sinal Verde - Departamento Nacional · de mudança de paradigma, e o que não atende aos pre - ceitos básicos de impacto ambiental será insustentá- vel num futuro muito pró-ximo

Ano 20 • N° 2

julho/dezembro 2012 ISSN 2238-6807

Fred Gelli: todo design deve

ser sustentável

Pré-sal: o impacto das

pesquisas sísmicas

Senac Ambiental

Ano 20 N. 2 • 2012

Sinal Verde

Metrópoles vão reduzir

emissõesUma das

mais poluídas aponta

caminhos

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Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Departamento NacionalAv. Ayrton Senna, 5.555, Barra da TijucaRio de Janeiro - RJ - Brasil - 22775-004

www.senac.br

Conselho NacionalAntonio Oliveira Santos

Presidente

Departamento NacionalSidney Cunha

Diretor-geral

A revista Senac Ambiental é uma publicação semestral produzida pelo Gerência de Marketing e Comunicação do Senac Nacional. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Sua reprodução em

qualquer outro veículo de comunicação só deve ser feita após consulta aos editores.

Contato: [email protected]

ExpEdiEntE

EditorFausto Rêgo

Colaboraram nesta ediçãoAna Bittencourt, Katia Costa,

João Roberto Ripper, Elias Fajardo, Luísa Gockel e Francisco Luiz Noel

EditoraçãoGerência de Marketing e Comunicação

Projeto gráfico e diagramaçãoCynthia Carvalho

Produção gráficaSandra Amaral

Capa

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Senac ambiental / Senac, Departamento Nacional. – n. 1 (1992)- . – Rio de Janeiro : Senac/Departamento Nacional/Gerência de Marketing e Comunicação, 1992- . v. : il. color ; 26 cm.

Semestral. Absorveu: Senac e educação ambiental. ISSN 2238-6807.

1. Educação ambiental – Periódicos. 2. Ecologia – Periódicos. 3. Meio ambiente – Periódicos. I. Senac. Departamento Nacional.

CDD 574.505

Ficha elaborada pela Gerência de Documentação Técnica do Senac/DN.

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Sinais de fumaça já vemos no ar faz tempo. Mas o sinal verde que se es-perava acendeu ao final da Rio+20, a Conferência da ONU sobre Desen-volvimento Sustentável, realizada no ano passado. Ele não veio dos chefes de Estado, mas dos prefeitos de algumas das maiores cidades do planeta.

Metas de redução das emissões de carbono na atmosfera foram acordadas entre os prefeitos de 58 metrópoles – entre as quais fi-guram três municípios brasileiros. Londres, que acabou de receber os Jogos Olímpicos, é uma dessas cidades – e uma das mais poluí-das do mundo. Mas está tentando se transformar. Por isso fomos co-nhecer as iniciativas de mobilidade urbana que estão mudando os ares da capital inglesa.

Também conversamos com o pre-miado designer Fred Gelli para saber mais sobre design sustentável. Inves-tigamos o impacto das pesquisas sísmicas do pré-sal sobre a fauna marinha. E mostramos que uma va-cina contra a esquistossomose está sendo produzida no Brasil.

Tem ainda muito mais para você. É só virar a página.

Hora de respirar

novos ares

Editorial

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18Mobilidade

Sinal verdeAs medidas que mudaram os ares de uma das cidades mais poluídas

da Europa.

12Capa

Compromisso das metrópolesGrupo de grandes cidades mundiais

faz acordo para reduzir emissões poluentes.

Correção: diferentemente do que foi publicado na edição anterior, a data de capa correta era “janeiro/junho 2012” e o CEP do Departamento Nacional do Senac é 22775-004.

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6Entrevista

Fred GelliEcoinovação, biomimética e as soluções de design que vêm da

natureza.

34Documento

Das águas e dos povosDo semiárido nordestino à

Cúpula dos Povos, a luta pela sustentabilidade.

48Legislação

Falando em CódigoA polêmica em torno do novo

Código Florestal brasileiro.

42Impacto Ambiental

Baleia à vista!O impacto da pesquisa sísmica,

intensificada com o pré-sal, sobre as baleias.

56Retrato

Ilha risonha e francaA vida em Paquetá, em meio às poluídas águas da Baía de

Guanabara.

30Saúde

Ciclo perto do fimCientistas da Fiocruz produzem vacina contra esquistossomose.

28Notas

54Estante Ambiental

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EntrEviSta

Tudo que não atenda aos preceitos básicos de impacto ambiental será insustentável

em breve. A inovação, segundo o designer Fred Gelli, virá do que já está diante de

nós há bilhões de anos

Katia CostaO verdadeiro design sustentá-vel é ecossexy. Deve combinar baixo impacto ambiental com alto impacto sensorial e ser amigável, possuir uma inter-face atraente e sedutora – em outras palavras: sexy. Também é essencial que seja produzi-do com o mínimo de recursos e o máximo de simplicidade.

Quem afirma é Fred Gelli, professor do departamento de Design da Pontifícia Uni-versidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, onde ministra os cursos de Ecoinovação e Biomimética. Ele também é sócio e diretor de Criação da Tátil, agência de branding que fez as logomarcas dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos do Rio 2016 e conquistou mais de 70 prêmios internacionais, in-cluindo o Leão de Bronze no Cannes Lions em 2009.

Neste bate-papo sobre sus-tentabilidade, Gelli conta que busca inspiração nas soluções apresentadas pela natureza, seguindo os prin-cípios de otimização, ciclo e

Inspiração na natureza

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interdependência. Para ele, a expressão design sustentável tende a se tornar redundan-te e desaparecer, pois todo design deverá ser, num futuro próximo, obrigatoriamente sus tentável.

Senac Ambiental: O que significa ecoinovação? E qual a sua relação com de-sign sustentável?

Fred Gelli: Ecoinovação é a ampliação do conceito de ecodesign. O design do pre-sente e do futuro tem de ser eco, senão não é design. Para isso, busquei a fusão de conceitos com objetivo de ampliar o olhar das pesso-as que vão desenhar coisas, não é simplesmente colo-car mais objetos no mundo com menos impacto am-biental. Estamos numa fase de mudança de paradigma, e o que não atende aos pre-ceitos básicos de impacto ambiental será insustentá-vel num futuro muito pró-ximo. Por isso, ecoinovação inclui outras dimensões que transcendem o design como é proposto nas universida-des, ainda com forte cone-xão com o objeto. Somos costuradores de informação e o nosso desafio criativo é juntar conhecimentos. A profissão de designer é natu-ralmente isso por vocação, devido à formação multidis-ciplinar e por estarmos mais próximos do que qualquer outra profissão dessa lógica da inovação.

Senac Ambiental: Então qual seria o papel do designer no mundo atual?

Fred Gelli: O designer não sabe profundamente nada, e nem deve. O mais impor-

tante é saber juntar expertises, pontos de vistas, saberes. A inovação surge desse encon-tro. Não adianta um ecodesig-ner saber tudo sobre como colocar um objeto no mun-do com menos impacto am-biental sem estar conectado às razões do acontecimento. Ele precisa estar antena-do com outras dimensões, como a política e os macro-movimentos da economia global, que transcendem a função de designer. Entre dez diretores executivos de com-panhias de sucesso, hoje, nove são designers, mesmo que eles próprios não sai-bam disso. Isso se refere ao jeito do designer de pensar (o que hoje se chama design thinking), que transcendeu o design e foi para o universo da economia e da inovação. Significa uma ampliação muito grande de espectro, pois deixa simplesmente de ser uma conexão com o ob-jeto para se tornar uma co-nexão com o movimento de impulso evolutivo.

Senac Ambiental: Como surge essa importância do papel do designer na socieda-de atual?

Fred Gelli: No processo evolutivo, a natureza gera va-riações e, quando o contex-to muda, alguém se dá bem. De alguma forma, o contex-to atual pede competências que os designers têm, assim como há milhões de anos somente alguns mamíferos conseguiram sobreviver. Fa-vorecidos por essa mudan-ça de contexto, os designers, com seu jeito de olhar o mundo, possuem relevância para o tipo de desafio que se apresenta atualmente. Não é

Cartões de visita feitos com embalagens PET: o design do futuro deve ser obrigatoriamente sustentável

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a visão mais difundida pelas escolas de designers. Infeliz-mente, a maioria delas não está preparada formalmente para isso. A ecoinovação e a biomimética são duas disci-plinas que ajudam a acordar esse inovador em potencial que existe em cada estu-dante de design, agente de transformação, mas que fica adormecido devido à inércia do processo educativo.

Senac Ambiental: O que podemos aprender por meio da biomimética?

Fred Gelli: Nessa visão de termos um grande desa-fio criativo pela frente, de redesenhar nossa relação com o mundo e mudar nos-so conceito de consumo, a biomimética tem um papel importante. Há mais de três bilhões de anos, a nature-za vem exercitando solu-ções de design, engenharia e arquitetura. Não somos os primeiros a armazenar grande quantidade de infor-mação e transportar grande volume de matéria de um lugar para o outro. A gente pode olhar para a vida nes-sa perspectiva de projeto, utilizando as inspirações da natureza no jeito de pro-jetar e, por consequência, gerando soluções com mais inteligência.

Senac Ambiental: Quais foram seus primeiros passos rumo a esses conceitos?

Fred Gelli: Ainda no meu curso de graduação, na dé-cada de 1980, mergulhei no conceito da biônica e fui estudar como a natureza embalava as coisas. A bar-riga da mulher, a atmosfera do planeta e a banana são

exemplos de superembala-gens. A partir daí, cheguei aos três princípios básicos que permeiam meu traba-lho: a natureza projeta com economia, com a maior quantidade de energia e o mínimo de matéria (otimi-zação). Recurso e resíduo têm o mesmo valor e se realimentam (ciclo), e tudo é uma grande teia que se mexe de forma interligada (interdependência). Nós, humanos, operamos numa lógica totalmente inversa. Somos máximos, cartesia-nos e lineares.

Senac Ambiental: Como é feita a transposição da na-tureza para os projetos de design?

Fred Gelli: Somamos os princípios da biônica às premissas do ecodesign, que se baseia na “desmonta-bilidade” do objeto, fun-damental para reciclar as partes independentemente. Outras duas premissas são usar a menor quantidade de matéria-prima possível, para reduzir o processo de produção, e gastar o míni-mo de energia com o pro-cesso produtivo. Em tudo que se coloca no mundo temos de pensar como vol-ta para o mundo. Ficamos dez anos pensando em so-luções sustentáveis e cria-mos os primeiros objetos no Brasil com papel reciclá-vel e papelão, em 1986. Es-tamos na vanguarda desse pensamento.

Senac Ambiental: Qual o sig-nificado do design sustentável?

Fred Gelli: De modo geral, as pessoas entendem de-sign sustentável como algo

Fred Gelli: “Estamos hipotecando o futuro. Isso é o mesmo que usar o cheque especial sem olhar o extrato”

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de baixo impacto ambiental, mas que, na maioria das ve-zes, produz soluções muito ruins, “ecochatas”. O ver-dadeiro design sustentável é ecossexy, ou seja, possui alto impacto sensorial aliado ao baixo impacto ambiental. A gente precisa continuar desfrutando das coisas, uti-lizando equipamento com interface amigável, usar mó-veis e utensílios de cozinha que dão mais prazer, uma roupa que seja bacana e em que você se sinta mais bo-nito.

Senac Ambiental: Qual sua visão do processo de substituição de bens em um mundo com escassos recur-sos? Que tipo de transfor-mação está em jogo nesse processo?

Fred Gelli: Isso tem a ver com a lógica do hipercon-sumo, nascido na década de 1950, a partir do concei-to da obsolescência progra-mada. Na época, tínhamos recursos sobrando e quan-to mais rápido o consumo, mais gerávamos bens para perpetuar o ciclo produtivo e alimentar a economia. O outro tipo de obsolescên-cia é a percebida e tem a ver com o design, o estilo, as cores, a tendência. Am-bas estão a serviço dessa lógica e incentivam a subs-tituição de produtos no menor tempo possível. Mas as pessoas começam a se ligar nisso a partir de agora. Inevitavelmente, daqui a 30 anos, seremos 10 bilhões de pessoas no planeta e precisamos inventar uma nova lógica. O preço verda-deiro das coisas, somado à parcela das externalidades

e do passivo ambiental, é uma conta a ser paga pelas gerações futuras. Estamos hipotecando o futuro. Isso é o mesmo que usar o che-que especial sem olhar o extrato.

Senac Ambiental: De que forma, na prática, isso vai acontecer?

Fred Gelli: Deixaremos de ser consumidores e passa-remos a ser desfrutadores. Ser puramente consumidor é uma redução da nossa razão de ser e somente se aplica em um mundo com recursos em abundância. Em um mundo de recursos escassos, poucos espaços e mais gente, como o atual, rompe-se a lógica perversa da obsolescência. Na me-dida em que os preços su-birem, o descarte será bem menor. Um computador gera 200 vezes o peso dele em resíduos pelo caminho, da extração da bauxita à em-balagem na caixa. E quem paga por isso? Eu não pago, nem a empresa. Existem de-sequilíbrios e externalidades no processo de produção que não estão embutidos no preço, que é artificial nessa lógica de hiperconsumo. Por isso acredito que as leis se-rão cada vez mais rigorosas, como a de resíduos sólidos, que exige das empresas res-ponsabilidade por todas as embalagens colocadas no mundo. Isso vai encarecer essa dinâmica e frear de vez o consumo.

Senac Ambiental: Você compara a metrópole a um ecossistema, como o banco de corais, que não tem pon-tas soltas e se realimenta a partir da sequencia de fluxos

A barriga de uma mulher grávida e as frutas são exemplos de embalagens perfeitas oferecidas pela natureza

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energéticos, sem desperdí-cios, ao contrário de uma grande cidade. Como resol-ver o caos insustentável das metrópoles se espelhando no processo simbiótico e no sistema de comunicação móvel e instantâneo desse ecossistema?

Fred Gelli: É um desafio criativo gigantesco. Vamos ter de mudar a nossa ma-neira de fazer planejamento urbano e passar a entender que as cidades precisam parecer mais com ecossis-temas. Para isso, algumas premissas são fundamen-tais. Uma delas é a ganân-cia, que funciona como uma dimensão do nosso jeito de operar e fazer negócios. Ela é completamente contradi-tória e não acontece na na-tureza. A crise de 2008 é um retrato do desequilíbrio en-tre competição e coopera-ção, movido pela ganância. Em um ecossistema, o lu-cro só é garantido se todos estiverem lucrando, senão um organismo sucumbe e a não existência do vizinho desequilibra o ecossistema do qual ele depende. A na-tureza não é nada altruísta, todos pensam no seu lado, mas existe um pacto, e a competição e a cooperação são dois vetores que atuam juntos.

Senac Ambiental: Você tem conhecimento de es-tudos sobre modelos de cidade baseados nesses conceitos fora do Brasil? E de que forma a questão da acessibilidade está incluída nesses projetos?

Fred Gelli: A gente vai ter de mudar radicalmente

BiomiméticaA biomimética é uma área da ciência que tem por objetivo o estudo das estruturas biológicas e das suas fun-ções, procurando aprender com a natureza, suas estratégias e soluções, e utilizar esse conhecimento em di-ferentes domínios da ciência. A de-signação provém da combinação das palavras gregas bíos, que significa vida, e mímesis, que significa imitação. Dito de modo simples, a biomimética é a imitação da vida.

Fonte: Wikipédia

muita coisa e seguir os três princípios básicos. O auto-móvel, por exemplo, pre-cisa ser “desinventado”. É evidente que essa é uma ideia máxima, pois pagar o preço do impacto am-biental causado pelo carro seria inviável. O automóvel deve se tornar um meio de transporte público compar-tilhado, no qual as pessoas seriam desfrutadoras em vez de consumidoras, e uti-lizado para transportá-las dos centros urbanos para a periferia, onde elas vão morar, como já acontece no Japão, em Nova York e Lon-dres, entre outras. Vai haver um desestímulo crescente do uso do carro, com au-mento do preço do veículo, do estacionamento etc. As cidades se tornariam mais verticais, com integração dos suprimentos de ener-gia, para se viver bem em grandes concentrações. Mas eu não tenho a menor dúvida de que a gente vai conseguir se redesenhar, se reinventar.

Para o designer, nosso comportamento precisa

mudar. Não é possível que a sociedade seja puramente

consumidora em um mundo com recursos escassos

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Curitiba: uma das primeiras referências em sustentabilidade no Brasil

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Capa

Em meio à discussão plenária que en-volvia chefes de Estado e diplomatas de todo o planeta, veio de um painel formado por prefeitos de grandes me-trópoles mundiais uma das melhores notícias da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvol-vimento Sustentável, realizada no Rio de Janeiro, em junho do ano passa-do. Presidido por Michael Bloomberg, prefeito de Nova York, EUA, o grupo C40 formalizou um acordo significati-vo para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, grande vilão do aquecimento global. Du-rante esse encontro, batizado como Rio+C40, foi firmado o compromisso de obter uma redução de aproxima-damente 248 milhões de toneladas até 2020, chegando a 1,3 bilhão de toneladas até o ano de 2030.

Se, por um lado, as negociações entre os governos de cada país na Rio+20 resultaram em um documento final tímido, o acordo firmado pelos pre-feitos pode ser a chave para transfor-mações significativas para conter as mudanças climáticas. Segundo dados da organização não governamental

O compromisso

das metrópoles

Grandes cidades se comprometem a reduzir significativamente suas

emissões de carbono nos próximos anos

Fausto Rêgofo

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Carbon Disclosure Project (em tra-dução livre, Projeto de Informações sobre Carbono), é o poder municipal que detém o controle direto de 75% das fontes urbanas de emissões de gases poluentes. E hoje o C40 reúne 58 municípios, o que representa mais ou menos 14% das substâncias libera-das na atmosfera.

Apenas em 2011, as emissões de di-óxido de carbono em todo o mundo tiveram um aumento de 2,5%, che-gando a 34 bilhões de toneladas, se-gundo o Instituto de Energia Renová-vel da Alemanha (IWR). A ser mantida essa tendência, a previsão é que as emissões globais alcancem a marca de 40 bilhões de toneladas em 2020.

O país-líder do ranking de poluidores é a China, com EUA, Índia, Rússia, Japão e Alemanha vindo em seguida. Mas é possível ter esperança quando consideramos que cidades como Pe-quim e Xangai (na China), Nova York, Houston e Los Angeles (nos EUA), Nova Délhi e Mumbai (na Índia), Mos-cou (na Rússia), Tóquio e Yokohama (no Japão), Berlim e Heidelberg (na Alemanha) integram o C40. O pla-neta terá, portanto, muito a agrade-cer caso os compromissos firmados pelas grandes metrópoles mundiais saiam de fato do papel.

Participação ativaO C40 foi formado em outubro de 2005, quando o então prefeito de Londres, Ken Livingstone, conclamou representantes de 18 metrópoles mundiais a participar de um esforço conjunto para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. Assim foi firmado o primeiro acordo de cooperação e construção de polí-ticas públicas comuns sobre o tema. A partir do ano seguinte, o grupo passou a atuar em parceria com a fundação Clinton Climate Initiative, criada por Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos.

Os membros do C40 têm realizado, isoladamente ou com apoio dos go-vernos nacionais, uma série de ações voltadas para a sustentabilidade: substituição de combustíveis fósseis por fontes limpas de energia, como a eólica (em Copenhague, Dinamar-ca); plano de eficiência energética em grandes prédios (em Nova York, EUA); redução do gás metano em aterros sanitários (na Cidade do México), en-tre outros projetos.

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il Trânsito no Rio de Janeiro: poluição, estresse e tempo perdido

Investimento em ciclovias é cada vez mais importante nas grandes cidades

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O intercâmbio entre as cidades que integram o grupo é frequente, com reuniões técnicas eventuais para compartilhar know-how e experiências, além de conferências de cúpula que são realizadas a cada dois anos. A mais recente, aliás, ocorreu na capital paulista, no ano passado. As resolu-ções do encontro foram expressas na Carta de São Paulo, documento usado para reivindicar aos membros das Nações Unidas uma participa-ção mais ativa na discussão global sobre as transformações no clima, bem como o interesse em assumir um papel de liderança na questão ambiental.

Após firmar com a prefeitura de Paris um termo de cooperação que envolve áreas como desenvolvimento urbano, tratamento de resíduos e saneamen-to, o então prefeito de São Paulo, Gil-berto Kassab, destacou o papel das grandes metrópoles na busca do de-senvolvimento sustentável e afirmou que os municípios detêm “a chave e a condução” do processo de comba-te às mudanças climáticas. Dentre as ações conduzidas pela capital paulis-ta, mencionou a criação de parques lineares, a implantação de uma frota verde, o incentivo à eficiência energé-tica nas edificações, os programas de adensamento populacional e a capta-ção de gases nos aterros sanitários.

Rio investe em mobilidadeAlém da capital paulista, mais dois municípios brasileiros fazem parte do C40: Rio de Janeiro e Curitiba. Sede dos próximos Jogos Olímpicos, o Rio de Janeiro incluiu o desafio de ser uma cidade mais “verde” em seu pla-nejamento. A prefeitura trabalha com metas de redução de 16% em 2016, com relação às emissões registradas em 2005, chegando a 20% em 2020. “O total de emissões do Rio registra-do em 2005 foi de 11,35 milhões de toneladas de CO2”, disse o prefeito Eduardo Paes. “Obtivemos uma redu-ção parcial equivalente a 9% até 2012,

cumprindo a meta de 8% na legisla-ção até o fim deste ano.”

Paes aposta alto na reorganização do modelo viário, em especial com a criação de faixas expressas para ôni-bus – sistema conhecido pela sigla em inglês BRS, de Bus Rapid System – e de um modelo de ônibus articulados que trafegam em corredores exclusi-vos, o BRT – de Bus Rapid Transit. A prefeitura calcula que apenas uma das vias criadas para o tráfego do BRT, a TransOeste, será responsável por reduzir em 2,8 mil toneladas por ano a emissão de gases do efeito estufa.

“A mobilidade urbana sustentável é premissa da reorganização do siste-ma de transporte do Rio. Estamos ampliando as alternativas de trans-porte de alta capacidade na cidade”, diz o prefeito. “A rede atual atende a 18% da população. Esse percentual chegará a 63% em 2015, com a expan-são da rede de BRTs, metrô, trens e barcas, além da otimização da frota, com redução do número de ônibus nas ruas. Outro aspecto é a utilização de combustíveis menos poluentes. Já existe previsão de evolução na utili-zação de diesel com menor nível de enxofre e maior percentual de biodie-sel na composição. Estão sendo ava-liadas alternativas energéticas como geração híbrida ou elétrica.

O prefeito menciona ainda a expan-são da malha cicloviária e o incentivo

Reunião do C40 na Rio+20: Eduardo Paes, prefeito do Rio, é o

quarto a partir da esquerda; Gilber-to Kassab, de São Paulo, o segundo

a partir da direita

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ao uso da bicicleta. Atualmente, o Rio conta com 300 quilômetros de ciclo-vias. A prefeitura promete chegar a 450 quilômetros no ano olímpico. O uso dessa alternativa de transporte é incentivado com medidas como o bem-sucedido programa Bike Rio, que oferece bicicletas de aluguel que podem ser retiradas em qualquer uma das quase 60 estações espalha-das pela cidade (embora ainda con-centradas na Zona Sul) e devolvidas em outra.

Segundo Paes, outras medidas de contenção dos impactos climáticos têm sido observadas pela prefeitura. Uma delas é o selo Qualiverde, regu-lamentação urbanística que procura incentivar empreendimentos com menor impacto ambiental. “Quere-mos incentivar o aumento do núme-ro de construções sustentáveis na cidade, que utilizem menos recursos naturais na construção e na vida útil dos equipamentos urbanos”, afirma.

Curitiba usa biodieselReferência imediata quando falamos em cidades sustentáveis no Brasil – e marcada profundamente pelas inter-venções realizadas durante os três mandatos do urbanista Jaime Lerner –, Curitiba trabalha na construção do Plano Municipal de Mitigação e Adap-tação a Mudanças Climáticas. O do-cumento, que vai estabelecer metas e prazos para redução de emissões de CO2 e estará pronto em 2013, é ela-borado pelo Fórum Curitiba de Mu-danças Climáticas, organismo que conta com a participação do poder público, de instituições de ensino e pesquisa, do terceiro setor e do se-tor produtivo.

Enquanto o plano não é finalizado, a capital paranaense investe em so-luções para conter o impacto am-biental do trânsito. “Aumentamos gradativamente o uso do biodiesel em nossos ônibus e apostamos na inovação”, explica o prefeito Luciano Ducci. “Incluímos em nossa frota um

ônibus movido a eletricidade e bio-diesel, que reduz em 90% a emissão de poluentes. Estamos ampliando a nossa malha de ciclovias e instalan-do paraciclos em pontos estratégi-cos da cidade, para incentivar o uso da bicicleta e atender melhor quem já a utiliza.”

Ducci lembra que o controle das emissões industriais também é feito de forma rotineira pelo município e é condição para o licenciamento am-biental. “Mantemos ações de fiscali-zação para verificar e garantir o res-peito da legislação que regulamenta as emissões.”

Ao contrário de Eduardo Paes, que foi reeleito no Rio de Janeiro para mais quatro anos de governo, Ducci não segue à frente da prefeitura, nem fez seu sucessor. Mas não acredita que o enfrentamento das mudanças climá-ticas deixe de ser priorizado em fun-ção disso. “Esse compromisso deve superar qualquer mudança de gover-no. É um tema importante e precisa ser enfrentado pelos governantes e por toda a sociedade de forma efe-tiva e com clareza das responsabili-dades mútuas. Curitiba é referência em sustentabilidade e planejamento justamente porque diversos proje-tos e programas foram continuados, mesmo com as sucessões adminis-trativas. Acredito que a própria po-pulação cobrará essa continuidade”, pondera.

O que membros do C40 estão fazendo

• Sydney, na Austrália, anunciou re-centemente o plano de implementar a tecnologia de LEDs (sigla para “dio-do emissor de luz”, que é bem mais eficiente e consome menos carbono) na iluminação pública em toda a sua área central, ao longo dos próximos três anos. Isto significa substituir 6.450 lâmpadas, o que deverá redu-zir à metade o uso da energia elétrica convencional e a poluição em ruas e

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Parques: espaços para lazer, contemplação e vida saudável

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Luciano Ducci, prefeito de Curitiba

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parques. O investimento é de apro-ximadamente 7 milhões de dólares, mas a economia prevista é de 800 mil dólares ao ano. A iluminação pública é responsável por um terço do uso de energia elétrica em toda a cidade e por 30% das emissões de carbono. Berlim (Alemanha), Barcelona (Espa-nha), Los Angeles e São Francisco (EUA) também estão adotando medi-das semelhantes.

A cidade se propõe ainda a insta-lar painéis para captação de energia solar em seus prédios, o que poderá reduzir as emissões anuais em outras 2.250 toneladas.

• Amsterdam, na Holanda, criou o Open Data Program (Programa Dados Abertos). Desde março de 2012, o Departamento Municipal de Infraestrutura e Transporte passou a liberar publicamente todas as in-formações sobre estacionamento (tarifas, disponibilidade e tempo de uso), pontos de táxi, paradas de ônibus, ciclovias e trânsito nas prin-cipais vias da cidade. Dessa forma, desenvolvedores de aplicativos para celulares puderam criar produtos e serviços inovadores no campo da mobilidade urbana.

O aplicativo MyTrafficJam, por exem-plo, mapeia o trânsito na cidade, in-forma onde há retenções e os melho-res caminhos alternativos. Para quem anda de bicicleta, o BikeCityGuide apresenta os melhores roteiros. E o AmsterdamApp se propõe a ser um guia de mil e uma utilidades, capaz de dizer até que horas um estaciona-mento fica aberto ou quando a coleta de lixo será feita na sua rua.

• A Cidade do México conseguiu reduzir seu volume de emissões de carbono em 7,7 milhões de tonela-das no período de 2008 a 2012. O resultado, animador por si só, re-presenta um avanço de 10,2% com relação à meta estabelecida pelo seu Programa de Ação Climática, uma iniciativa que programou ações

Principais poluidores País Emissão de CO2 em 2011 (em toneladas)

China 8,87 bilhões

EUA 6,02 bilhões

Índia 1,78 bilhão

Rússia 1,67 bilhão

Japão 1,31 bilhão

Alemanha 804 milhões

Coreia do Sul 739 milhões

Canadá 628 milhões

Arábia Saudita 609 milhões

Irã 598 milhões

Grã-Bretanha 513 milhões

Brasil 488 milhões

México 464 milhões

Indonésia 453 milhões

África do Sul 452 milhões

Fonte: IWR/Ministério da Economia da Alemanha

nas áreas de biodiversidade, clima, saúde, agricultura, re-florestamento e combate à pobreza.

Do total das emissões evita-das, 62% foram obtidos em ações de transporte; 15,3% em resíduos sólidos; 11,6% em sequestro de carbono por reflorestamento e 10,8% em eficiência energética.

• Ao pé da letra, o termo in-glês brownfield, que não tem correspondente em portu-guês, pode ser traduzido como “campo marrom”. Tra-ta-se de um contraponto a greenfield (campo verde), que se refere às áreas flores-tais ou de plantio, afastadas dos centros urbanos. O que brownfield designa (e está defi-nido em lei nos EUA) são ins-talações industriais ou comer-ciais abandonadas ou ociosas que podem ter sofrido algum tipo de contaminação, mas ainda mantêm potencial para serem reutilizadas.

Nova York (EUA) tem um bom punhado de instalações desse tipo, muitas delas em áreas estratégicas da cidade. Revitalizar essas áreas de-gradadas poderia beneficiar toda a população, abrindo espaços de lazer, integração, comércio ou moradia. Por essa razão, a prefeitura começou a trabalhar no Programa de Limpeza de Brownfields (BCP), atrelado ao plano local de sustentabilidade de longo pra-zo. Foi a primeira iniciativa desse gêne-ro a ser desenvolvida em todo o país.

Apenas 18 meses após ser iniciado, o BCP comemorou a aprovação do seu 50º projeto. Segundo estima o poder público municipal, o sucesso do pro-grama representa a criação de 2 mil novos empregos permanentes, 5.100 empregos temporários e mais de 730 milhões de dólares em receitas fiscais para o governo.

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mobilidadE

Em geral, as pessoas conhecem e percebem a cidade onde vivem quando estão em movimento – seja a caminho da escola, do tra-balho ou ao se deslocarem para ter acesso a áreas de comércio e serviços em geral. Por isso a forma como a população se locomove nos grandes centros urbanos é um dos maiores desafios das metró-poles do século 21. E a cidade que tem o metrô mais antigo do mun-do mostra que tradição e inovação podem andar juntas quando o as-sunto é mobilidade urbana. Com planejamento, investimento e a ajuda da população, Londres vem evoluindo rapidamente para ofere-cer um sistema de transporte mais sustentável, acessível e eficiente.

Se estivesse localizada no Brasil, Londres – com uma população de mais de 8 milhões de pessoas – se-ria o segundo maior município do país e só ficaria atrás de São Paulo, com mais de 11 milhões de habi-tantes. Em termos de transporte, os desafios que as grandes cidades brasileiras e a capital inglesa en-frentam são semelhantes, como

Sinal verde

Uma das cidades mais poluídas da Europa, Londres investe em ciclovias, pedágio

urbano e carros elétricos para melhorar o trânsito e a

qualidade de vida

Luísa Gockel

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congestionamento e poluição do ar. A grande diferença está na estratégia bem-sucedida que Londres tem adotado na última década: uma combinação da dimi-nuição do uso de veículos particu-lares com a ampliação do sistema público de transporte.

A fórmula parece simples, mas colocá-la em prática nas cidades brasileiras implicaria uma mu-dança cultural grande. O modelo brasileiro de transporte foi mol-dado nas décadas de 1950 e 1960 e prioriza o carro particular em detrimento de pedestres, ciclis-tas e do transporte público em geral. Há exceções – e algumas capitais já são reconhecidas por suas inovações, como é o caso de Curitiba, no Paraná, com seus corredores de ônibus. No entan-to a maioria das grandes cidades brasileiras ainda sofre com siste-mas de transporte ultrapassados, pouco integrados e que não valo-rizam opções mais sustentáveis, como a bicicleta. Conhecer a for-ma criativa e eficiente como Lon-dres tem vencido esses desafios pode servir de inspiração.

Pedestres e ciclistas em uma cidade medievalSe é possível em Londres, é pos-sível em qualquer lugar. Segundo Philipp Rode, pesquisador da Lon-don School of Economics and Po-litical Science (Escola de Ciências Econômicas e Políticas de Londres – LSE) e diretor executivo do pro-grama LSE Cities (Cidades LSE), um centro de estudos dedicado à sociedade urbana contemporânea, a capital inglesa é uma das poucas cidades no mundo que não passa-ram por nenhuma grande mudan-ça em termos de distribuição das ruas desde o século 19. “Especial-mente no centro, ainda é possí-vel observar a antiga distribuição medieval. Como resultado, após os carros terem sido integrados a essa área, pedestres e ciclistas fi-caram sem espaço”, explica o pes-quisador. Para vencer esse desafio, a prefeitura tem feito muitas obras para adaptar a cidade à nova era, como a ampliação de calçadas, a construção de pontes e a adição de mais faixas para pedestres. Segundo Rode, se levarmos em consideração o plano da cidade há alguns anos, já é possível notar os avanços.

De acordo com o Departamento de Transporte de Londres (TfL, do inglês Transport for London), 25 milhões de viagens são realizadas a cada dia no sistema público. Esse número inclui residentes e a cha-mada “população diurna”, cerca de 1 milhão de turistas, visitantes e trabalhadores que não vivem na cidade, mas utilizam o sistema pú-blico de transporte todos os dias. As jornadas feitas a pé correspon-dem a 25% do total de viagens e são levadas muito a sério pelo TfL. No website da organização é possí-vel planejar qualquer trajeto e visu-alizar várias opções, combinando diferentes meios de transporte,

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até mesmo a caminhada. É possí-vel personalizar a busca e inserir as opções de caminhar ou ir de bicicleta e ainda escolher a velo-cidade da caminhada. Em termos de transporte público, há uma ten-dência mundial em valorizar a in-tegração multimodal, ou seja, utili-zar diferentes meios de transporte para completar uma única viagem.

Transformar Londres em uma cida-de para pedestres é um desafio que requer investimento e muito plane-jamento. Mas Detlef Golletz, coor-denador de Programas da União Europeia do Institute for Sustaina-bility (Instituto para a Sustentabi-lidade) acredita que transformá-la em uma cidade para ciclistas é um desafio ainda maior, por motivos culturais. “A bicicleta não é consi-derada um meio de transporte im-portante em Londres ou em outras partes do Reino Unido. Além disso, Londres não é como a maioria das cidades europeias, com grandes avenidas que podem facilmente acomodar uma faixa exclusiva para ciclistas”, explica.

A barreira cultural não foi suficien-te para impedir um crescimento de mais de 100% no número de jorna-das feitas de bicicleta em menos de uma década, de acordo com o TfL. Um dos principais motivos é a campanha Revolução do Ciclis-mo (em inglês, Cycling Revolution) comandada pelo atual prefeito de Londres, Boris Johnson. Não é di-fícil encontrar Johnson pedalando para o trabalho nas ruas movimen-tadas da capital inglesa. Segun-do ele, o aumento do número de ciclistas nas ruas é fundamental para o futuro da cidade. Parte da estratégia para aumentar o número de pessoas pedalando foi a ado-ção, em 2010, de um esquema de bicicletas públicas, apelidado pela população de “bicicletas do Boris”, em alusão ao prefeito ciclista.

Os números são animadores e, nos últimos dois anos, 17 milhões de viagens foram feitas utilizando as bicicletas pú-blicas. No caso de cidades eu-ropeias como Londres, é possível notar que o clima tem um gran-de impacto na rotina da população e na maneira como as pessoas se locomovem. Segundo o TfL, durante o verão de 2011, houve uma média de 30 mil viagens diárias com as bici-cletas alugadas. Esse número cai para menos da metade durante os meses de inverno. Outro fator que tem contribuído é a constru-ção das vias super-rápidas para ciclistas. Quatro rotas que ligam os subúrbios de Londres ao centro da cidade já foram inauguradas e outras oito serão abertas até 2015. As vias para ciclistas contam com pavimentação especial, sinalização de segurança e até espelhos em cruzamentos movimentados, para que motoristas de veículos mais pesados possam ver ciclistas que estejam perto do seu ponto cego.

A população também tem feito a sua parte. O projeto Cyclestreets (que poderia ser traduzido como Ciclovias) foi criado por dois ci-clistas da cidade inglesa de Cam-bridge que contaram com a ajuda de vários voluntários para lançar a versão beta do website, no qual é possível planejar viagens e esco-lher entre rotas mais tranquilas ou mais rápidas – estas para ciclistas mais experientes. É possível tam-bém calcular o tempo do percur-so baseado na velocidade média do ciclista, o número de sinais de trânsito no itinerário e até a

Pela internet, é possível planejar trajetos e ver as

opções de transporte, além do tempo estimado

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quantidade de calorias queimadas e emissões de carbono evitadas pelo usuário se tivesse feito o mesmo percurso de carro.

Além das bicicletas pú-blicas e das vias exclu-sivas, a prefeitura tem ampliado o número de estacionamentos para bicicletas e também oferecido treinamen-to e passeios guiados para que a população se sinta mais confiante para começar a pedalar. Comparada a outras ca-pitais europeias, como Amsterdam e Cope-nhague, o ciclismo em Londres ainda vive a sua infância. Entretanto as medidas tomadas nos últimos anos vêm pro-porcionado um cresci-mento considerável do número de ciclistas nas

ruas, apesar da distribuição pouco favorável da cidade. O que mostra que, com um pouco de vontade política e apoio da população, até uma das cidades mais tradicionais do mundo pode passar por uma revolução.

Carros fora!Londres é uma das maiores cida-des europeias e também uma das mais poluídas. Mesmo assim, não tem o pior trânsito do continente. Na verdade, o número de veículos que circulam na região central des-pencou na última década. O prin-cipal motivo é a taxa de conges-tionamento, introduzida em 2003. Para dirigir no centro de Londres em um dia de semana, das 7h às 18h, cada motorista tem de de-sembolsar 10 libras (por volta de R$ 32). No primeiro dia em que a taxa esteve em vigor, uma redução

de 80 mil carros foi observada e, de acordo com o TfL, uma redução de 25% no número de carros no centro da cidade tem se mantido desde 2003.

A taxa de congestionamento é um grande sucesso e aceita pelos lon-drinos como o certo a ser feito, de acordo com Chris Barker, diretor da Campanha por um Transporte Melhor (em inglês, Campaign for Better Transport). “Certamente ela poderia ser expandida para cobrir o restante da capital e até o país todo, substituindo outras taxas para a utilização de estradas. Há uma estimativa de que, se a taxa fosse cobrada em toda a capital, seria possível arrecadar mais de 5 bilhões de libras por ano (cerca de R$ 16 bilhões)”, defende. Todo o dinheiro arrecadado com a taxa é investido em obras para melhorar o transporte.

A taxa pode ser paga pela internet, por telefone, mensagem de texto, correio ou em uma das lojas cre-denciadas pelo TfL. Se o motoris-ta precisar dirigir dentro da área restrita e se esquecer de pagar, tem até a meia-noite do mesmo dia para pagar o mesmo valor ou pode pagar no dia seguinte um va-lor 20% mais alto. Quem deixa de pagar fica sujeito a uma multa de R$ 200. Moradores da região, pes-soas com deficiência e motoristas de carros elétricos estão isentos e existe uma disputa para tentar fazer que embaixadas e carros ofi-ciais de outros países também pa-guem a taxa. O presidente dos EUA Barack Obama foi multado em 2011 e alegou imunidade diplomática para não pagar.

De acordo com Detlef Golletz, do Institute for Sustainability, o grande impacto na diminuição do número de carros no centro de Londres é o resultado da taxa de congestionamento e de um con-

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Área restrita: das 7h às 18h, motoristas pagam pedágio para dirigir no centro de Londres

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junto de medidas que visa a uma melhor distribuição do espaço ur-bano. Londres está tentando tirar espaço dos carros particulares para dar lugar a ônibus, bicicletas e pedestres. “Houve uma grande mudança no comportamento da população com relação à utilização de carros. O motivo é uma mistura da taxa de congestionamento, da falta de vagas para estacionar alia-da ao alto preço do estacionamen-to no centro da cidade, do aumen-to do preço do combustível e da ampliação do transporte público”, explica Golletz.

Outra medida da prefeitura que vem contribuindo para a diminui-ção do número de veículos circu-lando pela cidade foi a criação, em 2008, de uma Zona de Baixas Emissões (em inglês, Low Emis-sions Zone). É a maior do mundo e inclui toda a área da cidade, dife-rentemente da taxa de congestio-namento, que só cobre o centro de Londres. Apenas veículos pesados, como vans, caminhões e ônibus, movidos a diesel, são afetados. Caso não cumpram as normas an-

Números• O metrô de Londres leva 28 milhões de passageiros por ano

• Mais de 1 bilhão de viagens são feitas anualmente pelo metrô

• A estação de Waterloo é a que recebe mais passageiros durante o período mais movimentado da manhã: 57 mil por hora

• Por ano, mais de 2 bilhões de viagens são realizadas pelo sistema de ônibus da cidade

• Metade das viagens de ônibus do Reino Unido é realizada em Londres

• Mais de 80% de todas as jornadas re-alizadas nos ônibus e metrôs são pagas com o Oyster Card, um cartão eletrônico que pode ser recarregado nas estações e online

• Existem mais de 22 mil táxis licenciados na cidade

• Para dirigir um dos famosos táxis pretos de Londres, os motoristas têm de fazer um teste e memorizar 25 mil ruas

Fonte: Transport for London

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tipoluição, têm de pagar uma taxa que varia de R$ 325 a R$ 650 para cada dia que circularem dentro da zona monitorada. O principal obje-tivo é melhorar a qualidade do ar.

Carros? Só elétricos ou compartilhadosLonge de ser uma novidade, os carros elétricos são sempre ci-tados como exemplo do que a tecnologia pode fazer pelo meio ambiente. O prefeito de Londres está disposto a transformar a cida-de na capital europeia dos carros elétricos e prometeu instalar 1.300 pontos de recarga até 2013. “Eu quero acelerar a adoção de veícu-los elétricos e transformar Londres no epicentro da condução elétrica na Europa. Queremos aumentar o número de motoristas que optam por esse meio de transporte, que é mais limpo e verde, e damos incen-tivos, como a isenção da taxa de congestionamento. O resultado vai trazer um benefício ambiental con-siderável”, defende o prefeito no website Source London, que apre-senta informações sobre o plano da prefeitura com relação aos veí-culos elétricos.

Segundo o Departamento de Transportes de Londres, a estima-tiva é de que esses carros emitam até 40% menos dióxido de carbo-

no, um dos gases que provocam o efeito estufa. Os elétricos são mais leves e poluem menos, mas são mais lentos que os movidos a ga-solina, gás ou álcool. Detlef Golletz conta que em cerca de 60% das ve-zes utilizamos o carro para viagens muito curtas, situação em que os carros elétricos seriam ideais. “A tecnologia já existe e só precisa-mos pensar em como vamos car-regar esses automóveis. Com um pouco de planejamento, é possível mostrar à população que a utili-zação dos carros elétricos é uma boa saída para o transporte nas grandes cidades”, defende o espe-cialista. Golletz também ressalta que é importante que as grandes empresas fornecedoras de energia vejam os elétricos como uma nova oportunidade para fazer negócios.

Philipp Rode, do programa LSE Ci-ties, também vê benefícios, mas é menos otimista quanto à motiva-ção do setor privado para adotar soluções tecnológicas mais sus-tentáveis. Entretanto acredita que a utilização desse tipo de veículo pode ser responsável por uma re-volução no sistema de transportes. “A adoção em grande escala dos carros elétricos vai significar um novo conceito de transporte públi-co em Londres, em que uma frota de carros leves, pequenos e viajan-do em uma velocidade máxima de 60 km/h pode ser compartilhada entre a população”, diz Rode.

Esquemas de compartilhamento de carros existem na cidade des-de 2006. São populares entre os moradores de Londres e uma res-posta criativa e sustentável para problemas de mobilidade urbana. Os membros têm um cartão que dá acesso a uma frota estacionada em vários pontos da cidade e pagam o aluguel por hora. Uma das inicia-tivas de compartilhamento de car-ros que têm crescido nos últimos meses é o WhipCar, que permite a

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Veículos elétricos abastecem em pontos de recarga especiais

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qualquer pessoa compartilhar seu próprio automóvel. A ideia de divi-dir o carro com o vizinho tem se mostrado popular entre os londri-nos na faixa de 20 a 55 anos, que não valorizam tanto o ato de com-prar e possuir um bem.

De acordo com Vinay Gupta, um dos criadores do WhipCar, uma das motivações iniciais foi a vontade de mudar a relação que as pessoas têm hoje com a ideia de proprie-dade. “Fomos bem-sucedidos em criar um novo comportamento. Se cada um de nós utilizar os recur-sos de maneira mais eficiente, vai ser melhor para todo mundo”, afir-ma. Os benefícios de compartilhar bens como automóveis são muitos e têm um impacto direto no meio ambiente e no sistema público de transporte, reduzindo o número de carros produzidos, comercializa-dos e em circulação nos grandes centros urbanos.

Não existe modelo perfeito Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada em junho de 2012, no Rio de Janei-ro, o LSE Cities lançou uma pes-quisa sobre os maiores desafios e aspirações das grandes metrópo-les com relação à sustentabilidade. O relatório, chamado Going Green (em tradução livre, Tornando-se Verde), reúne depoimentos de go-vernantes de grandes cidades e cita o transporte como o principal desafio a ser enfrentado nas pró-ximas décadas (geração de empre-gos e crescimento populacional fi-caram em segundo e terceiro lugar, respectivamente). O transporte ur-bano também foi lembrado como a segunda grande aspiração de go-vernantes, logo atrás do desenvol-vimento econômico. “Esse sistema afeta toda a população e ninguém pode ignorá-lo, porque todos têm de se locomover de alguma forma.

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É uma área que requer planeja-mento de médio a longo prazo e é extremamente cara”, explica Detlef Golletz.

Londres tem avançado rapidamen-te e a cada dia prova que tem um dos sistemas de transporte mais complexos e bem conectados do mundo. O metrô da cidade permite 3,5 milhões de jornadas diariamen-te através das suas 270 estações. Os famosos ônibus vermelhos de dois andares têm acesso para pes-soas em cadeira de rodas e, em 2012, a frota começou a ser reno-vada, recebendo veículos híbridos, com motores movidos a diesel e eletricidade (estima-se que poluam 30% menos). O sistema é tão ex-tenso que mais de 90% da popula-ção da cidade vive a menos de 400 metros de um ponto de ônibus.

Apesar dos avanços, a capital in-glesa também enfrenta problemas, como o alto preço das passagens e a pouca eficiência do transporte público nos bairros mais afasta-dos do centro. “Os subúrbios da

cidade representam o maior de-safio em termos de transporte. O sistema público não funciona tão bem nessas áreas, então o carro é o meio mais usado pelos morado-res”, explica Philipp Rode. No en-tanto, o pesquisador ressalta que não existe modelo perfeito quando o assunto é transporte. “Existem várias outras cidades que conse-guiram se destacar em áreas es-pecíficas, como Copenhague, com seu sistema de bicicletas; Berlim e Viena, pela integração de vários meios diferentes de transporte; e Bogotá e Curitiba, pelo siste-ma rápido de ônibus”, cita Rode. Em 2013, o metrô de Londres com-pleta 150 anos de história. Com-parada aos municípios brasileiros, a capital inglesa está tentando resolver os problemas de trans-porte urbano há mais tempo que a maioria das grandes cidades no Brasil. Estas, porém, podem usar o exemplo inglês como inspiração e tentar aprender com seus acertos sem precisar incorrer nos mesmos erros.

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Legado olímpico A estimativa do Comitê Olímpico Internacional é de que 900 milhões de telespectadores no mundo todo assistiram à abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em julho de 2012. Enquanto atletas se esforçavam para garantir medalhas de ouro no maior evento esportivo do planeta, outro recorde era quebrado pelo sistema público de transporte da cidade: o metrô de Londres recebeu, a cada dia, mais de 1 milhão de passageiros extras durante a competição.

Segundo o diretor de Transporte para os Jogos Olímpicos da TfL, Mark Evers, a cidade se preparou para o pior, mas tudo correu bem. “Queríamos o evento perto do centro da cida-de, do centro de negócios e das casas das pessoas, porque queríamos que a população se envolvesse. Para conseguir isso, percebemos que o transporte público era a principal área que precisávamos melhorar”, explica Evers.

A campanha Prepare-se para os Jogos estava no metrô, nos trens, nos ônibus, na imprensa e era o principal assunto entre os londrinos. Os espectadores foram encorajados a usar o transporte público e receberam um passe diário grátis junto com o ingresso. “Não havia estacionamento para carros nos locais dos eventos, só para pessoas com deficiência”, conta Evers. “Além disso, investimos muito em melhorar o que já existia e evitamos fazer obras em lugares onde não havia uma demanda prévia de ampliação do transporte público.”

Segundo o executivo, empresas de frete são responsáveis por 25% do tráfego nas ruas de Londres. Foi produzida uma campanha para que as entregas fossem realizadas em horários alternativos ou durante a noite. Com isso, o trânsito ficou menos pesado durante os jogos. As faixas olímpicas criadas especialmente para veí-culos que levavam atletas e organizadores permaneceram abertas para todos os motoristas 90% do tempo.

De acordo com o Departamento de Transporte de Londres, um terço da po-pulação mudou sua rota diária durante os Jogos para evitar engarrafamentos e superlotação em trens e estações. Algumas pessoas trabalharam de casa, outras saíram em horários alternativos e muitas mudaram a rota para evitar áreas mais concorridas. Para Mark Evers, o trabalho desenvolvido na capital inglesa mostrou que uma estratégia de comunicação e argumentos eficientes podem fazer a população mudar seus hábitos diários em prol de uma melhor qualidade de vida para todos.

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Hospitais saudáveisParece redun-dância, já que

um hospital, por definição, deve

cuidar da saúde, mas o nome é esse mesmo. Para ga-nhar o título de hospital saudável, a instituição deve cumprir ao menos duas normas de uma lista que inclui itens como redução do consumo de água e energia, tratamento ade-quado de resíduos, substituição de substâncias nocivas (mercúrio, por exemplo), compra de produtos mais seguros e sustentáveis e diminuição da prescrição abusiva de remédios.

Cerca de 3 mil hospitais em todo o mundo já participam dessa rede, que no Brasil conta com a partici-pação do Sírio-Libanês, da Santa Casa de Misericórdia (ambos de São Paulo) e do Instituto de Trau-matologia e Ortopedia (do Rio de Janeiro), entre outros. Redes como a Amil e a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina tam-bém se juntaram ao grupo. O lan-çamento desse conceito no Brasil ocorreu em setembro, durante o 5º Seminário de Hospitais Saudáveis, realizado na capital paulista. A ini-ciativa tem o apoio da organização não governamental Saúde sem Dano (www.noharm.org).

A Rede Global de Hospitais Verdes e Saudáveis (www.greenhospitals.net) pretende conquistar a adesão de pelo menos 10% dos hospitais bra-sileiros em um prazo de dois anos.

Sociedade da intoxicação

Para o filósofo, sociólogo e historia-dor francês Edgar Morin, a socieda-de de consumo é uma sociedade da intoxicação. De passagem pelo Bra-sil em junho, quando participou do workshop “A Terra está inquieta”, even-to paralelo à conferência Rio+20, o pensador definiu assim o mundo em que vivemos. Segundo ele, é uma intoxicação de caráter egocêntrico, baseada no discurso publicitário, que promete beleza, juventude, saú-de e ilusão.

Morin defende transformações ur-gentes para que não se inviabilize a vida humana. “Uma nova sociedade será produto de uma nova política, uma nova educação e uma nova consciência”. Para o intelectual fran-cês, a ideia de sustentabilidade é im-precisa. Em geral, significa promover o desenvolvimento sem degradar a natureza. Para isso, observa, são necessárias algumas condições par-ticulares no campo das energias e da concepção dos produtos.

“Hoje, nas empresas, por razões de competitividade, há pressões para que os trabalhadores produzam mais e em maior velocidade, às ve-zes em condições opressivas e ad-versas à saúde. Precisamos mudar o sentido da palavra desenvolvimento, que tem um núcleo técnico-eco-nômico demasiadamente forte, em detrimento de um desenvolvimen-to humano mais rico. O conceito de sustentabilidade deveria estar relacionado a uma via pessoal sus-tentável. Ficar duas horas dentro de um ônibus para chegar ao trabalho, depois voltar, dormir e retornar ao trabalho, por exemplo, é insensível. Precisamos diminuir o ritmo, mudar muito para alcançarmos de fato a sustentabilidade”.

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Césio 137: 25 anosEm setembro passado, o maior aci-dente radiológico do mundo com-pletou 25 anos. Foi em 1987, na ca-pital de Goiás, que dois catadores de materiais recicláveis recolheram das ruínas do antigo prédio do Ins-tituto Goiano de Radioterapia uma velha máquina de raio-x. Eles não imaginavam que, por descuido, o aparelho ainda continha cloreto de Césio 137, um elemento químico al-tamente radioativo.

A substância foi manuseada por uma série de pessoas antes que os primeiros sintomas de contamina-ção começassem a aparecer. Mas o diagnóstico se confirmou apenas duas semanas depois. Quatro pes-soas morreram e centenas acabaram contaminadas.

Em Goiânia, esse triste aniversá-rio foi lembrado com uma extensa programação que incluiu palestras, exposições, exibição de filmes, de-poimentos de vítimas do acidente e uma visita ao local onde estão depositados os rejeitos radioativos. Os eventos foram organizados por instituições como o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro--Oeste, o Centro de Assistência aos Radioacidentados, a Associação das Vítimas do Césio 137, a Universidade Estadual de Goiás e a Secretaria Es-tadual de Saúde.

Efeito estufa: nível recorde

A emissão de gases causadores do efeito estufa alcançou um nível re-corde em 2011. A informação é da Organização Meteorológica Mun-dial (OMM), organismo internacio-nal autorizado pelas Nações Unidas em questões que envolvem a at-mosfera, suas relações com o clima e os oceanos.

Segundo a OMM, a liberação de CO2 chegou a 391 partes por mi-lhão (ppm), o que vai ao encontro das conclusões de um outro estu-do, divulgado pelo Banco Mundial, que alerta: se forem mantidos esses níveis de emissão de poluentes, poderemos chegar a 800 ppm até a metade deste século, o que re-presentaria um aumento de 4ºC da temperatura global.

Esses dados sublinham a recente análise do Programa das Nações Uni-das sobre Meio Ambiente (Pnuma), que afirmou: não há mais tempo para cumprir o compromisso de evi-tar que a temperatura global suba mais do que 2ºC até 2020. O acordo havia sido firmado na África do Sul, em 2010, por representantes de 190 países.

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SaúdE

Cerca de 200 milhões de pessoas em todo o mundo têm esquistos-somose e mais de 800 milhões es-tão vulneráveis a essa enfermidade, profundamente associada às condi-ções de saneamento e higiene. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), é a doença para-sitária mais letal, perdendo apenas para a malária. E o Brasil tem uma das maiores incidências. A notícia boa é que uma vacina já está a ca-minho. E produzida aqui, por cien-tistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O anúncio de que a vacina havia sido aprovada nos testes realiza-dos com voluntários humanos foi feito em junho. A expectativa é de que ela esteja disponível no mer-cado em um prazo de três a qua-tro anos, coroando um trabalho que vem sendo desenvolvido há três décadas, sob a coordenação da chefe do Laboratório de Es-quistossomose Experimental da Fiocruz, Miriam Tendler. Ela acre-dita que é possível imunizar toda a população e erradicar a esquistos-somose em menos de cinco anos.

Ciclo perto do fim

Endêmica no Brasil e relacionada à falta de

saneamento, esquistossomose terá vacina em um prazo de quatro anos, produzida pela

Fiocruz

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No Brasil, cerca de 2,5 milhões de pessoas estão contaminadas. Há re-gistros da moléstia em 18 estados, com maior incidência na região Nor-deste. Mas no Sudeste também se encontra um dos estados mais afeta-dos: Minas Gerais. Uma boa explica-ção para esse número expressivo é o baixo percentual de municípios brasi-leiros com políticas de saneamento – são apenas 28,2%, segundo a Pesqui-sa de Informações Básicas Municipais 2011, do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística. A pior taxa é regis-trada justamente no Nordeste (5,4%). O Sudeste lidera, com 5,4%, seguido de Sul (13,46%), Centro-Oeste (8,79%) e Norte (8,6%).

A OMS classifica as doenças consi-derando o impacto provocado, os sintomas, a duração e as sequelas. E a esquistossomose é tratada pela organização como uma grave amea-ça, a ponto de, na Assembleia Mun-dial da Saúde realizada em maio do ano passado, na Suíça, referendar o compromisso de eliminá-la. A evo-lução da doença se divide em duas fases – uma aguda e outra crônica. Na primeira, a pessoa pode ter co-ceiras ou inflamações na pele, fe-bre, falta de ânimo e apetite, tosse, enjoo, diarreia e ânsia de vômito. A fase crônica, no entanto, costuma não apresentar sintomas. O caso se

agrava com a possibilidade de au-mento do fígado e do baço, cirrose hepática, hemorragia interna e ascite (a popular barriga d’água, que resulta da dilatação do abdome).

“A esquistossomose passou para o topo do ranking de importância das doenças por causa da espoliação crônica que acarreta, com anemia e comprometimento da capacidade cognitiva das crianças, com efeito direto na capacidade de aprendi-zado escolar e da força de trabalho dos adultos jovens, das populações mais afetadas, que vivem nas áreas endêmicas dos países que depen-dem da saúde e do bem-estar des-sas pessoas para atingir seu pleno desenvolvimento”, explica Miriam.

Embora não tenha uma taxa de mortalidade alta, a esquistosso-mose apresenta consequências que podem durar por toda a vida. “Não é nada fácil saber que as po-pulações de áreas endêmicas são forçadas a conviver com a doença. É muito duro imaginar crianças indo à escola em fase de aprendizado com náuseas e funções cognitivas reduzidas, e jovens debilitados pela anemia e outros sintomas. A vacina, cuja formulação já está finalizada, será destinada à faixa etária em ida-de escolar residente em áreas endê-micas”, adianta a cientista.

O contágioA esquistossomose, também conhecida como xistose, bar-riga d’água e doença dos ca-ramujos, é transmitida pelo parasita Schistosoma mansoni. O ser humano é o principal hos-pedeiro definitivo, nele o ver-me chega à forma adulta. Seus ovos são eliminados nas fezes. Onde não há saneamento, ocorre contaminação de rios, açudes e lagoas. Em contato com a água, os ovos liberam larvas que, ao encontrarem os caramujos da família Planorbi-dae e do gênero Biomphalaria, se alojam e continuam o ciclo, ge-rando novas larvas e infectan-do as águas. A contaminação humana se dá pelo contato com pele ou mucosas.

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A próxima etapa do projeto prevê a realização de testes com mulhe-res e crianças de áreas com grande incidência de pessoas infectadas. “Tudo é feito gradativamente”, diz Miriam. “Primeiro começamos com um número pequeno, então vamos aumentando o número de pessoas incluídas no teste clínico, de modo que nos próximos três a quatro anos isso já deve estar assegurado, até que possa ser disponibilizado para a população.”

O teste clínico em humanos teve início em maio de 2011, logo após a aprova-ção da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A legislação internacional determina que os testes com pacien-tes sejam realizados no país de ori-gem da tecnologia, e esta é a primei-ra vez que isso ocorre no Brasil.

Ciclo de negligênciaA esquistossomose está incluída na lista das doenças negligenciadas. Esse termo surgiu na década de 1970, para se referir a enfermidades endêmicas em regiões de pobreza extrema – especialmente na África, na Ásia e na América Latina – e são pouco atraentes para a indústria far-macêutica, que prefere investir mais recursos em pesquisa e desenvolvi-mento de medicamentos para com-bater Aids, malária e tuberculose.

A organização internacional de aju-da humanitária Médicos sem Fron-teiras adotou o termo e passou a produzir relatórios sobre a situa-ção das doenças negligenciadas no mundo. O mais recente chama--se “Enfrentando a negligência” (Fighting neglect) e foi lançado no início de 2012. O documento abor-da doenças tropicais como Chagas, leishmaniose visceral e tripanosso-míase africana, porém não faz refe-rência ao Brasil ou à ocorrência de esquistossomose.

“Houve um interesse crescente em doenças tropicais negligenciadas

nos últimos anos. São doenças de tratamento simples”, conta a con-sultora de MSF para Doenças Ne-gligenciadas e coordenadora do relatório, Gemma Ortiz Genovese. “Queríamos mostrar claramente que não existem desculpas: vidas podem ser salvas com os recursos de que já dispomos, mesmo que ainda haja necessidade de inves-tir no desenvolvimento de novas e melhores drogas e ferramentas de diagnóstico.”

É necessário, segundo ela, romper o “ciclo de negligência”. Os pacien-tes que precisam de diagnóstico e tratamento não conseguem acesso porque são muito pobres. Os médi-cos, por sua vez, nem sempre com-preendem ou conhecem a fundo es-sas doenças, por vezes excluídas do currículo ou abordadas superficial-mente. “Como os próprios pacien-tes não têm conhecimento sobre essas doenças, o resultado é que não existe demanda pelo tratamen-to, o que significa que a indústria farmacêutica não vê esse mercado como proveitoso e, consequente-mente, demonstra pouco interesse em desenvolver medicamentos para esse público”, explica.

O “ciclo de negligência” só pode ser rompido com mudanças radicais nas políticas de saúde pública e in-vestimento em pesquisa e desen-volvimento de medicamentos, em especial nos países endêmicos. “A erradicação da esquistossomose é uma tarefa difícil”, diz Miriam Ten-dler. “Afinal, a varíola foi, até hoje, a única doença que o homem con-seguiu eliminar. Por outro lado, a ferramenta que permitiu e permite fazer isso é a vacina, porque age in-terrompendo a transmissão.”

Essa conquista já estamos próxi-mos de conseguir. Mas políticas pú-blicas de universalização do sanea-mento básico ainda têm um longo caminho pela frente.

Doenças negligenciadasA Organização Mundial da Saúde considera como negli-genciadas as seguintes doen-ças tropicais: úlcera de Buruli, doença de Chagas, cisticercose, dengue e dengue hemorrágica, dracunculíase (doença do ver-me-da-guiné), equinococose, fasciolíase, tripanossomíase africana (doença do sono), leishmaniose, lepra, filaríase linfática, oncocercíase, raiva, esquistossomose, parasito-ses (helmintíases) transmitidas pelo solo, tracoma e bouba.

A vacina foi testada em um grupo de voluntários

Miriam Tendler

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doCumEnto

No dia 3 de junho de 2012, o Rio de Janeiro se preparava para receber chefes de Estado de quase 190 paí-ses para a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sus-tentável, a Rio+20, realizada de 15 a 23 daquele mês. Além deles, cente-nas de líderes ambientalistas de todo o mundo chegavam à capital carioca para participar da Cúpula dos Povos, o fórum paralelo das organizações não governamentais de defesa do meio ambiente e dos direitos sociais. Mas bem longe dali, em Itacuruba, município do semiárido de Pernam-buco, a população afetada pela seca unia-se ao clamor dos militantes am-bientalistas em defesa do planeta e de seus próprios direitos.

Na ocasião, indígenas, quilombo-las, movimentos sociais e religio-sos, populações urbanas e rurais, homens, mulheres, idosos, jovens e crianças realizaram a Marcha das Águas, inaugurando a Cúpula dos Povos no coração do semiárido de Pernambuco. A caminhada reuniu

Das águas e dos povos

Moradores de Itacuruba, no semiárido de Pernambuco, unem-se aos ambientalistas

da Cúpula dos Povos em defesa do desenvolvimento

sustentável

Texto e fotos: João Roberto Ripper

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cerca de 3 mil pessoas – mais da metade da população do menor mu-nicípio do estado (4.369 habitantes). Além de moradores do local, a mar-cha recebeu militantes e apoiadores de municípios e estados vizinhos, como Sergipe, Alagoas e Bahia.

Os manifestantes protestavam con-tra a intenção do governo de instalar no local a primeira usina nuclear do Nordeste, em pleno território indíge-na Pankará. Questionavam também o valor de outros megaprojetos, como o da transposição do Rio São Francisco, pregando, em contrapartida, a revita-lização do rio conhecido como Velho Chico. Também reivindicavam respei-to ao meio ambiente e infraestrutura adequada, capaz de garantir água, comida e emprego para a população.

Em carta aberta divulgada durante o evento, os militantes denunciavam que a transposição do São Francisco e a construção da usina irão afetar territórios indígenas de várias etnias, como os Pankará, Pankararu, Tuxá, Pankararé, Atikum e Neopankararé, além de comunidades quilombolas, trabalhadores rurais e ribeirinhos. Engenheiros, geógrafos, vaqueiros e setores de diferentes igrejas também apoiam o movimento.

Com faixas e cartazes, os manifes-tantes exigiam a imediata suspensão do programa nuclear e as lideranças lembravam, em seus discursos, que o Brasil dispõe, como nenhum outro país, de diversas fontes de energia al-ternativa, como a biomassa, a solar, a eólica e a das marés.

Barragem deslocou município e populaçãoEm janeiro de 2011, a cidade de Ita-curuba foi escolhida pela Eletronu-clear, estatal responsável pela opera-ção das usinas nucleares brasileiras, para abrigar a primeira usina nuclear do Nordeste, dentro do Programa de Expansão de Energia Nuclear Brasi-leiro. A escolha baseou-se em crité-rios geográficos e operacionais, con-siderando a proximidade do Lago de Itaparica, o solo estável da região, a baixa densidade populacional, além de o município contar com linhas de transmissão da Companhia Hidrelé-trica do São Francisco (Chesf) e es-tar localizado entre os três maiores mercados consumidores de energia elétrica do Nordeste: Recife (PE), Sal-vador (BA) e o Complexo Industrial e Portuário de Suape (PE).

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Mas os problemas decorrentes da implantação de megaprojetos no lo-cal são mais antigos. Começou em 1988, com a construção da barragem de Itaparica pela Chesf. Na ocasião, a sede do município foi deslocada de seu antigo território para a re-gião que ocupa hoje, causando im-pactos de ordem ambiental, social e cultural, segundo denunciam os moradores. Muitos acompanharam a mudança da sede; outros, porém, le-vados pelas circunstâncias, tiveram de mudar suas vidas e recomeçar em localidades vizinhas.

Segundo informa o Jornal do Commercio, de Recife, na reportagem intitulada “Itacuruba: a terra dos deprimidos”, assinada por Eduardo Machado e publicada em 20 de agosto de 2011, a construção da barragem de Itaparica, em 1988, pela Chesf, ge-rou graves consequências, como a inundação da sede do município e o seu deslocamento para a posição atual. A população pagou caro pela intervenção.

“A área escolhida para instalar a nova Itacuruba fica a 12 quilômetros da rodovia mais próxima e a quatro qui-lômetros do Rio São Francisco. Nin-guém passa por Itacuruba, apenas quem tem a cidade como destino. A vizinha, Petrolândia, viveu situação semelhante. Os registros da Chesf apontam para 2.297 famílias (aproxi-

madamente 7 mil habitantes) transfe-ridas da velha para a nova Itacuruba ou assentamentos em cidades próxi-mas. Por 12 anos, os moradores re-ceberam uma verba de manutenção temporária”, diz a reportagem.

Tanta mudança, segundo narra o Jornal do Commercio, fez surgir uma população de deprimidos, que lotam os serviços de saúde da região em busca de medicamentos antidepres-sivos e de tratamento para transtor-nos mentais, distúrbios de compor-tamento e depressão.

Danos ambientais agravam secaEm artigo intitulado “Carminha e a seca no Nordeste”, o professor Heitor Scalambrini Costa, da Universidade Federal de Pernambuco, afirma que a seca deste ano (2012), que atinge mais de 15% do território brasileiro, é a pior das últimas três décadas no Nordeste, equiparando-se a perío-dos de estiagem históricos, como os de 1983/84, 1935 e 1887, que pro-vocaram a morte de quase 500 mil nordestinos. Ele cita números do Ministério da Integração Nacional, segundo os quais 525 municípios da região chegaram a uma situação de emergência e outros 221 passaram a sofrer efeitos da estiagem.

Scalambrini observa que a carên-cia de chuvas é típica de regiões

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semiáridas e tem se in-tensificado em razão “dos danos ambientais e da total desproteção do São Francisco e de sua nascente, além do descontrole no uso da água na irrigação”. Ele critica o que chama de “indústria da seca e co-ronelismo”, elementos que ainda resistem no Nordeste. “Sob novos nomes e programas, o que vemos é a continu-ação de um processo histórico com a perpe-tuação do sofrimento e da miséria em favor do lucro de alguns”, critica.

Seguindo a mesma li-nha de raciocínio, o so-ciólogo Ruben Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra na Bahia, ob-serva que as obras de transposição do Rio São Francisco con-tribuem para agravar ainda mais o problema da seca no Nordeste. A crítica está no artigo “Obras da transposição agravam a seca”, em

que denuncia que águas de açudes foram usadas na construção dos ca-nais e agora faltam ao povo, aos ani-mais e à lavoura. “Poços artesianos perfurados pelas empresas contri-buem para baixar o nível das águas subterrâneas e das aguadas”, conta.

Críticas à transposiçãoA Marcha das Águas foi organizada por dezenas de entidades não go-vernamentais, entre elas a Articu-lação Popular São Francisco Vivo. A entidade condena a proposta de transposição do rio, por considerá--la danosa ao meio ambiente. Em seu lugar, prega sua revitalização, com respeito ao seu curso natural,

ao meio ambiente e às comunidades ribeirinhas.

Em 4 de outubro de 2011, dia dedi-cado a São Francisco e ao rio que recebe o nome do santo ecológico, a Articulação Popular, aliada a mais de 300 entidades da Bacia, lançou documento condenando o proje-to. Entre outros aspectos, o texto denuncia que ”a obra sairá muito mais cara que o previsto, pois de 5 bilhões iniciais já está reajustada em 6,8 bilhões, um aditivo de 1,8 bi-lhões, 36% em média”. O documento diz ainda que o projeto não atenderá a população mais necessitada, antes aponta para o desmantelamento da produção agrícola local. E acrescen-ta que seu custo seria inviável, pois “o próprio governo reconhece que o metro cúbico valerá cerca de R$ 0,13 (poderá ser ainda bem maior), seis vezes maior que às margens do São Francisco, onde muitos irrigantes es-tão inadimplentes por dívidas com os sistemas de água”.

Além disso, prossegue o documen-to, o projeto impactará 50 comuni-dades quilombolas e nove povos indígenas, emperrando as demarca-ções de seus territórios e destruin-do patrimônios; e destruirá o meio ambiente, desmatando grandes por-ções da caatinga. A obra, segundo as denúncias contidas no documen-to, “vai impactar ainda mais o Rio São Francisco e não vai levar água para os necessitados do Nordeste Setentrional”. A transposição – con-clui a denúncia – será para o agro-hi-dronegócio e para polos industriais de Pecém (CE) e Suape.

Os ambientalistas denunciam também que os projetos ligados à transposição foram aprovados sem suficiente deta-lhamento e ignoraram as condições climáticas e geológicas da região. A pressa teria resultado em canais ra-chados, desabamento de túneis, deslizamento de solo e infiltrações, comprometendo o meio ambiente.

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Impacto das obras na vida dos moradoresEm entrevista à jornalista Joelma Couto, o padre Sebastião Gonçalves, pároco de Betânia (PE), que acompanha as comunidades atingidas pelas obras da transposição das águas do Rio São Francisco, afirma que “um dos primeiros impactos na vida das pessoas (com as obras de transposi-ção) foi a perda das suas melhores terras”.

“O mais grave” – diz ele – “é que muitas famílias foram deslocadas, um drama na vida deste povo, porque eles têm toda uma afetividade com a terra em que nasceram, cresceram e estavam vivendo”.

Ele contesta o governo, segundo o qual o projeto de transposição vai ma-tar a sede de 12 milhões de pessoas. “Na verdade – diz –, o primeiro objetivo da transposição é a irrigação para os grandes empresários do agronegócio, para a indústria do turismo no estado da Paraíba e para a produção de melão no Rio Grande do Norte. Essa água não vai favorecer as comunidades que estão às mar-gens do canal, as comunidades pobres, porque não foi pensada para eles. Essa água foi pensada para fins de irrigação e exportação e para favorecer o agronegócio.”

Sem benefícioNa região do Lote Nove, município de Floresta (PE), as obras de transposição do Velho Chico, que pretendem levar água até o município de Monteiro, na Paraíba, em um trecho de 220 quilômetros de canal, passam a 200 metros da casa do sertanejo Paulo Feitosa, de 67 anos, em localidade próxima do lago de Itaparica. Apesar disso, ele conta que não será beneficiado pelo projeto. “Vai ficar tudo gradeado e a gente não vai poder pegar uma gota. Os homens dizem que o que vai ter é muito emprego pra fiscal.”

Na luta pela sobrevivência, Paulo já experimentou vários tipos de trabalhos pesados. “Trabalhei na roça, que-brei pedra, construí casa. Lutei muito nessa vida, fiquei doente com o trabalho, passei por várias cirurgias e hoje vivo de uma aposentadoria pequenininha, assim como eu, que sou baixinho”, diz, bem-humorado.

O sertanejo mora em uma casa muito simples, com um cercado de madeira. Vive só, com poucos móveis, sem televisão e com uma criação de 20 cabras. Apesar da idade, corre como um garoto, na paisagem seca e cinzenta do sertão do Pageú.

“Me acostumei com o sol e a falta d’água, mas tenho a vida que Deus me deixou pra ser feliz. A gente não precisa de muito, né ? Agora, água era bom, mas...”

A cerca de 1 quilômetro da casa de Paulo Feitosa, ao longo das obras da transposição, é possível perceber que há muitos trechos já destruídos, abandonados antes de a obra terminar. No cenário marcado pela forte seca, notam-se carcaças de gado abandonadas.

Um vaqueiro com roupas de couro, usadas para proteger dos espinhos da vegetação, cavalga cansado, na esperança de encontrar, ainda com vida, uma rês desgarrada. Indagado sobre a obra, responde: “Ah, uma obra tão grande de Deus o homem não deve se meter a mudar, não. O Velho Chico está chorando”.

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Embate entre Rio+20 e Cúpula dos Povos Enquanto chefes de Estado de todo o mundo se reuniam na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvi-mento Sustentável, a Rio+20, repre-sentantes de mais de 50 redes nacio-nais e internacionais de instituições e organizações não governamentais, sindicatos de trabalhadores, associa-ções indígenas e outras entidades da sociedade civil se reuniam em outro ponto da cidade, no fórum parale-lo denominado Cúpula dos Povos. O objetivo era denunciar as causas da crise socioambiental, apresentar soluções práticas e fortalecer movi-mentos sociais. Em ambos os fóruns, o foco da discussão era o mesmo: ecologia e meio ambiente, desenvolvimento

sustentável e as repercussões que as intervenções humanas na natureza vêm gerando no campo dos direi-tos humanos e sociais. Contudo as abordagens, os resultados e as deci-sões divergiram politicamente.

A conferência oficial da ONU investiu no discurso de políticas de economia verde, fortalecendo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), com o intuito de mobilizar e reorientar a economia para atividades ligadas a tecnologias verdes e infraes-trutura natural.

Nesse conjunto, destacam-se setores de energia que se utilizam da cha-mada tecnologia limpa, entre eles, reciclagem, energia rural, energia re-novável e biomassa sustentável. A ini-ciativa propõe investimentos também em agricultura sustentável, incluindo

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orgânicos; em infraestrutura ecos-sistêmica e na redução do desmata-mento.

Contudo, a Rio+20 foi duramente cri-ticada pelos ambientalistas e demais participantes da Cúpula dos Povos, que consideraram o documento final tímido e descomprometido.

Três eixosA Cúpula dos Povos foi norteada por três grandes eixos temáticos: a de-núncia das causas estruturais das cri-ses, das falsas soluções e das novas formas de reprodução do capital; as soluções e os novos paradigmas dos povos para os problemas mais graves enfrentados hoje no mundo e o es-tímulo a organizações e movimentos sociais para articular processos de luta anticapitalistas após a Rio+20.

O primeiro eixo teve um caráter críti-

co. A Cúpula associou os problemas de ordem social e ambiental do pla-neta a um modelo econômico preda-dor. O sociólogo Ivo Lesbaupin, da direção nacional da Associação Bra-sileira de Organizações Não Gover-namentais, compara o desempenho dos dois fóruns e aponta as vanta-gens da Cúpula dos Povos sobre a conferência oficial: “A nossa crítica teve mais força porque apresenta-mos soluções”, disse, ressaltando que, por isso mesmo, o segundo eixo do evento alternativo, sobre soluções e novos paradigmas, foi o principal.

Ele esclarece que diversas soluções apresentadas durante o evento da ONU já são praticadas, mas não têm visibilidade. “Muitas práticas não são difundidas, ficam restritas a uma região e não são assumidas pe-los governos. Mas mostramos que é possível fazer diferente, valorizar as soluções dos povos e propor práti-cas em vez de teorias.”

Dentre as iniciativas, destaca a agro-ecologia, que permite a produção de produtos agrícolas sem o uso de agrotóxicos, não maltrata o solo, gera emprego e renda e estimula a agricultura familiar. Outra prática é a da economia solidária, que valoriza, acima de tudo, o capital humano, com base no cooperativismo para a produção de bens e serviços.

Por fim, o terceiro eixo estimulou organizações e movimentos sociais a articular processos de luta antica-pitalista pós-Rio+20.

Estudiosos e intelectuais como o so-ciólogo português Boaventura Sou-sa Santos reforçam as críticas. Para ele, “é uma perversão total transfor-mar a natureza em mercado. Econo-mia verde é suprir o capitalismo com mais capitalismo”, afirmou em deba-te na Cúpula dos Povos. Em contra-posição, defendeu a economia soli-dária como a economia de transição, que vai ajudar “a fazer o trânsito en-tre a produção e o consumo”.

Cúpula dos Povos foi espaço para manifes-

tação de indígenas, sindicatos, ONGs e

outras organizações da sociedade civil

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impaCto ambiEntal

Baleia à vista!

A reboque do navio de pesquisa sísmica, submersos a poucos me-tros da superfície, os canhões de ar comprimido fazem um disparo atrás do outro, gerando ondas de som que se refletem no fundo do mar e, na volta, são captadas por sensores puxados pela embarcação. Da sala de comando e da amurada, de bi-nóculo, observadores de mamíferos marinhos procuram caudas, barba-tanas e dorsos no oceano. A cena é rotineira nas bacias de Santos (SP) e de Campos (RJ), em tempos de cor-rida às reservas gigantes do pré-sal. Os técnicos em sísmica procuram petróleo; os observadores de bordo, baleias e outros cetáceos. Quando surge um a 500 metros, a ordem é parar tudo, para poupá-lo do impac-to das descargas sonoras.

Biólogos, oceanógrafos ou veteriná-rios, os observadores de mamíferos marinhos – MMOs, do inglês marine mammal observers – são presença obri-gatória na prospecção sísmica no mar, indispensável para a descoberta

O impacto da pesquisa sísmica – atividade pouco conhecida,

mas intensificada com a corrida pelo pré-sal – sobre a população de baleias e outros mamíferos marinhos na costa

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Francisco Luiz Noel

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de óleo e gás natural. O monitora-mento das águas começa ao nascer do sol e termina ao anoitecer, como requisito de licenciamento ambiental da pesquisa sísmica de reflexão. A exemplo de outros países, o Brasil ainda não dispõe de regras para a proteção das baleias e outras espé-cies depois que escurece, embora os canhões de ar sigam disparando pe-tardos sonoros noite adentro. Exce-ção noturna é a Grã-Bretanha, onde sensores (hidrofones) registram os sons dos animais e detectam sua aproximação dos navios.

A aquisição de dados sísmicos con-siste no mapeamento das camadas geológicas da subsuperfície do oce-ano, a fim de que geólogos e geofí-sicos possam identificar, nas carac-terísticas das rochas, sinais típicos da ocorrência de hidrocarbonetos. O ponto de partida desse levanta-mento é a emissão, nos navios, de ondas acústicas de alta pressão rumo ao fundo do mar. Detonadas por linhas de canhões de ar, essas cargas de som são fracionadas à medida que ricocheteiam em cada camada de rocha, produzindo pul-sos sonoros que, retornando à superfície, são registrados pelos hidrofones, presos a uma rede de cabos na popa das embarcações.

Impactos sonorosDos hidrofones, enfileirados em ca-bos flutuantes de até 15 quilômetros, os pulsos são convertidos em sinais elétricos e transmitidos a um siste-ma digital que os codifica em dados sísmicos, nos navios. Em terra, essas informações serão processadas pe-las petrolíferas em possantes com-putadores, para a produção de ima-gens de corte vertical do fundo do mar, que é retratado em duas, três e até quatro dimensões – as sísmicas 2D, 3D e 4D.

Do trabalho de campo ao resultado final, uma sísmica pode durar mais de um ano. Sua qualidade é funda-

mental para a confirmação de reser-vas de óleo e gás e a demarcação de locais para a perfuração de poços.

Os disparos de ar no oceano geram o que os biólogos chamam de mas-caramento dos sons, fenômeno em que as ondas acústicas da sísmica se superpõem à comunicação sonora dos seres marinhos. No caso das ba-leias, dizem os cientistas, a desorien-tação pode fazer que subam em ve-locidade, o que tende a gerar bolhas de ar entre tecidos do seu corpo. E, além do risco de danos ao sistema auditivo em caso de proximidade dos canhões, os sons da sísmica po-dem afetar o regime de alimentação, ao dificultarem a identificação de presas, e a interação com filhotes, em prejuízo da reprodução. Outros problemas em estudo são o estresse e redução do tempo de vida. A sísmi-ca tem sido associada também, em vários países, à redução temporária da captura de peixes.

Afora algumas certezas científicas sobre a interferência da sísmica na vida marinha, a relação entre a ati-vidade e acidentes com baleias está, porém, longe de ser consenso entre pesquisadores de países como Esta-dos Unidos, Canadá, Austrália, Ingla-terra e Noruega, além do Brasil. Os maiores encalhes de baleias nas últi-mas décadas são associados à emis-são de ondas por sonares de uso mi-litar. Em 2000, após testes feitos em uma embarcação norte-americana, 17 baleias encalharam nas Bahamas – havia danos auditivos e cerebrais em quatro das sete que morreram. Em 1996, depois de testes sonares da Organização do Tratado do Atlân-tico Norte (Otan)*, 17 baleias bicudas de Cuvier encalharam em uma praia do Mediterrâneo.

Proteção e restriçãoO Brasil dispõe de normas para o licenciamento ambiental de pros-pecção sísmica no mar desde 1999. Realizada para as petrolíferas por

* Otan – A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) é uma aliança militar

formada a partir da iniciativa dos países ocidentais, em 1949, durante a chamada

Guerra Fria (em que EUA e a União Soviética disputavam o predomínio bélico e ideológico no

mundo). A organização continuou existindo com o fim da União Soviética, mas com um

novo papel, voltado para políticas de seguran-ça no continente europeu e intervenção em

conflitos internacionais.

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empresas especializadas, estran-geiras e nacionais, a atividade pas-sou a ter estudo prévio de impacto ambiental e monitoramento por exigência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na-turais Renováveis (Ibama), com base na Lei 6.938, de 1981, e no Decreto 99.274, de 1990, que balizam a Po-lítica Nacional de Meio Ambiente. A medida fez frente ao impulso dado à exploração de óleo e gás pela chega-da de companhias do exterior após a quebra do monopólio estatal no setor, em 1997. Três anos depois, quase metade da frota mundial de sísmica esteve mobilizada em águas brasileiras.

Desde 1999, o Ibama concedeu cer-ca de 150 licenças para pesquisas sísmicas na plataforma continental do Brasil. Em linha com a legislação, as regras de licenciamento da ex-ploração e produção de óleo e gás no ambiente marinho são prescritas pela Resolução 350 do Conselho Na-cional do Meio Ambiente (Conama), de 2004, e pela Portaria 422 do Mi-nistério do Meio Ambiente, de 2011, que abrangem também os procedi-mentos necessários em zonas de transição entre a terra e o mar. No monitoramento dos mamíferos ma-rinhos, os observadores de bordo seguem padrão de coleta de dados fixado em guia elaborado pelo Ibama em 2005.

Para proteção das baleias e outras espécies em risco de extinção, a sís-mica tem áreas de restrição perma-nente e periódica no litoral desde o fim de 2011. A medida, que condicio-na o licenciamento da atividade, foi baixada por instrução normativa do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ouvidos pesquisadores, ambientalistas e a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocom-bustíveis (ANP). Do Piauí ao Paraná, oito zonas de restrição permanente foram estabelecidas, pela importân-cia que têm para a conservação de cetáceos como a baleia de Bryde, a toninha (também chamada de golfi-nho do Rio da Prata ou franciscana) e o peixe-boi marinho.

A sísmica também está vedada du-rante parte do ano em três grandes trechos da costa, para defesa da re-produção do peixe-boi e das baleias jubarte e franca: Amapá, Pará e parte do Maranhão, de setembro a maio; Sergipe, Bahia e Espírito Santo, de julho a novembro; e parte de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, de ju-nho a dezembro.

O coordenador de Petróleo e Gás do Ibama, Cristiano Vilardo, observa que, com a oficialização das restri-ções permanentes e periódicas, o licenciamento da aquisição de dados sísmicos passou a levar em conta a

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busca, por parte das empresas, de locais alternativos para as pesquisas e de adequação de seus cronogra-mas às interdições temporárias da atividade dos navios de sísmica.

Olho vivo no marOs levantamentos científicos sobre a observação de baleias e outros ma-míferos marinhos durante as sísmi-cas ainda são escassos no Brasil. En-tre os trabalhos sobre o tema está a dissertação de mestrado em Ciência e Tecnologia Ambiental apresentada na Universidade do Vale do Itajaí, em 2009, pela oceanógrafa paranaen-se Mariana de Karam e Britto, que trabalha no Projeto Tamar, base de Ubatuba (SP). Outro estudo, de natu-reza abrangente, é o livro virtual Mo-nitoramento da biota marinha em navios de sísmica: seis anos de pesquisa (2001-2007), organizado pelos biólogos Renata Ramos e Salvatore Siciliano e pelo engenheiro cartógrafo Rogério Ribeiro (disponível em http://ramo-setal2010.blogspot.com.br).

Trabalhos como esses demonstram o papel que a sísmica offshore (em alto--mar) desempenha, em todo mundo, para a pesquisa científica dos mamí-feros marinhos, sobretudo em águas profundas. “O estudo desses animais é difícil, pelo ambiente que ocupam e porque quase só podemos observá--los por pouco tempo, quando vêm à superfície para respirar. A sísmica é uma grande oportunidade para a pesquisa”, afirma Mariana de Karam e Britto. Outra chance de observação sistemática são os cruzeiros científi-cos, caros e limitados a regiões do oceano. “Espécies oceânicas pouco conhecidas quanto à distribuição e à ocorrência em águas brasileiras têm sido observadas nos monitora-mentos em navios sísmicos”, assina-la Renata Ramos, coordenadora de monitoramento da biota marinha da consultoria ambiental Everest.

Das 85 pesquisas sísmicas licenciadas no país de 1999 a 2008, Mariana es-

tudou os relatórios de monitoramento ambiental de 59, no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamí-feros Aquáticos (CMA) do ICMBio, em Itamaracá (PE). Nos 5.272 períodos de avistagem relacionados, os obser-vadores registraram 37.339 aparições de cetáceos – 23.796 de golfinhos e das chamadas baleias com dentes (odontocetos), 3.214 de baleias verda-deiras (misticetos) e outras 19.339 de mamíferos não identificados. O levan-tamento atestou que, entre as verda-deiras, reina nos mares brasileiros a baleia jubarte, com 2.933 aparições vistas dos navios de sísmica.

Baleia jubarte“A jubarte é avistada em quase todos os meses do ano, exceto fevereiro e março. É uma baleia migradora, como os outros misticetos, que passa os me-ses mais quentes nas águas antárticas, alimentando-se, e nos mais frios sobe para nosso litoral, onde se reproduz e cuida dos filhotes. Por isso as observa-ções tiveram grande concentração de julho a novembro”, destaca a oceanó-grafa Mariana de Karam e Brito.

Na família dos golfinhos, vistos du-rante todo o ano, os mais comuns foram o rotator, com 6.811 apari-ções; o pintado do Atlântico, com 4.992, e o nariz-de-garrafa (o famoso Flipper), com 3.104 registros.

A observadora de bordo minei-ra Raquel Moreira, da consultoria ambiental Ecohub, conta que as jubartes, além de mais numerosas em grande parte do ano, são as baleias que mais chegam perto das embarcações de sísmica. “A jubar-te é muito curiosa. Normalmente, quando o canhão está desligado, ela se aproxima muito”, testemunha. As baleias-piloto, que medem em torno de oito metros, também são muito avistadas, diz Raquel. Fora do mundo dos mamíferos aquáticos, relata a observadora, os seres mais avistados são as tartarugas. O Brasil é o único país que as inclui entre os

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animais a serem protegidos na área de segurança de 500 metros ao re-dor dos navios de sísmica.

As distâncias de observação dos mamíferos do mar variam, depen-dendo das condições do oceano e de visibilidade, e podem chegar a até 16 quilômetros, de acordo com o estudo de Mariana. Muitas vezes, a avistagem se resume, na lente do binóculo, à visão do borrifo de água que caracteriza a expiração dos ma-míferos do mar. Poucos são os casos em que eles são vistos pela primeira vez na zona de 500 metros ao redor das embarcações, onde a detecção de um cetáceo obriga, de acordo com a legislação ambiental, o des-ligamento imediato dos canhões de ar. “A média matemática das distân-cias informadas pelos observadores foi de pouco mais de 2 quilômetros”, observa a oceanógrafa paranaense.

Mas imprevistos também aconte-cem. Em outubro, em uma tarde nublada com vento e mar agitado, a 100 quilômetros da costa, na Bacia de Santos, a observadora e outros embarcados em um navio de sísmica foram surpreendidos pelo salto de uma baleia a 100 metros da proa. “Só consegui-mos identificar que era do gênero Balaenoptera sp. Não foi possível confirmar se da espécie sei ou fin”, conta Raquel. Os canhões de ar estavam recolhidos, pois a embar-cação ainda seguia para a área de pesquisa. Bióloga, há quatro anos na observação de bordo, ela diz que a surpresa foi marcante. Uma Balaenoptera sp mede 20 metros e pesa de 45 a 50 toneladas.

Atividade em altaOs requisitos para um bom MMO são apontados pela oceanógrafa Cláu-dia Bethlem, diretora executiva da Ecohub, que também treina obser-vadores. “Um bom profissional em-barcado deve somar competências técnicas a atitudes para um bom con-

vívio a bordo, onde o ambiente é mais sensível, pois espaços profissionais e pessoais se misturam”, diz. Fatores como redução da privacidade e alte-rações dos períodos de sono podem ser fonte de estresse. Em empresas como a Ecohub, a demanda por con-sultoria ambiental e por treinamento para observação de bordo está aque-cida pelo aumento da exploração de óleo e gás desde o anúncio, em 2007, das descobertas do pré-sal.

Embora o monitoramento ambiental das sísmicas tenha avançado desde o fim dos anos 1990, há ainda mais a fazer em defesa dos mamíferos e ou-tros animais marinhos. Uma das me-didas esperadas por pesquisadores e ambientalistas é a obrigatoriedade do acompanhamento noturno – o cha-mado monitoramento acústico pas-sivo (MAP), com uso de hidrofones e binóculos especiais. “O MAP já vem sendo exigido pelo Ibama em algumas situações, de forma experimental”, diz o coordenador de Petróleo e Gás do instituto, Cristiano Vilardo, prevendo que a universalização da vigilância noturna deverá ser adotada em médio prazo no país, vencidos desafios de tecnologia e capacitação.

Outra frente de proteção e estudo das baleias e dos demais mamíferos ma-rinhos é o fortalecimento de bancos de dados sobre os avistamentos nas sísmicas, com base nas informações fornecidas pelas empresas ao Ibama. Uma das iniciativas do gênero é o Sistema de Monitoramento de Mamí-feros Marinhos (Simmam), da Univer-sidade do Vale do Itajaí (Univali), que coleta dados de avistagens, capturas acidentais e encalhes. Outras ações associadas ao impacto das sísmicas vêm sendo desenvolvidas no país, como o Projeto Monitoramento de Baleias por Satélite (Projeto Baleias). Com apoio da Universidade Federal de Juiz de Fora e patrocínio de uma multinacional do ramo petroleiro, o projeto se dedica a mapear as rotas da jubarte na costa brasileira.

Raquel Moreira, observadora de bordo

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Área de conservação de Mata Atlântica, no estado de São Paulo

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lEgiSlação

Falando em Código

Depois de anos de intensas mobili-zações, debates e negociações por parte de ruralistas e ambientalistas, entrou em vigor, em outubro de 2012, o novo Código Florestal bra-sileiro. Aprovado em setembro pelo Congresso Nacional, o projeto de lei de conversão da Medida Provisória 571, que modifica o Código, foi san-cionado pela Presidência da Repúbli-ca com nove vetos.

Os vetos foram publicados no Diá-rio Oficial no dia 19, juntamente com um decreto que regulamenta alguns itens do Cadastro Ambien-tal Rural (CAR) e dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), que serão implementados pelos governos estaduais.

O decreto presidencial retoma o es-calonamento das metragens mínima (20 metros) e máxima (100 metros) de recuperação de beiras de rios desmatadas em Áreas de Preserva-ção Permanente (APPs). Mas não re-cupera, por exemplo, artigo que trata da proteção das nascentes intermi-tentes, presente no texto original, tornando, assim, mais vulneráveis à devastação biomas como a Caatinga e o Cerrado. Mantém ainda artigo

A polêmica em torno do novo Código Florestal e as

principais determinações da lei que acaba de ser aprovada

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introduzido pela bancada ruralista que abre possibilidades legais para que médios e grandes proprietários desrespeitem a Reserva Legal (RL).

Em entrevista concedida à Agência Brasil, publicada em 19 de outubro, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, defendeu a nova versão da legislação – embora a versão ante-rior, revogada em maio, enfatizasse mais a garantia de proteção e de obrigações ambientais. Ela explicou que os vetos buscaram preservar o princípio que justificou a edição da MP: “não anistiar, não estimular desmatamentos ilegais e assegurar a justiça social”.

Em 22 de outubro, representantes do Grupo de Trabalho de Florestas do Fórum Brasileiro de ONGs e Movi-mentos Sociais para o Meio Ambien-te e o Desenvolvimento (FBOMS) entregaram documento à ministra reivindicando participar do debate e da formulação das normas que vão regulamentar o novo Código.

Os ambientalistas argumentam que a interferência da Presidência não foi suficiente para impedir que, com as mudanças, parte significativa dos desmatamentos ilegais seja anistia-da, bem como seja reduzida a pro-teção a áreas consideradas de risco localizadas em propriedades rurais, entre outros pontos considerados arriscados ao meio ambiente e à sociedade.

“Na nossa avaliação, o novo Código trouxe mais flexibilidade à atuação do pequeno produtor em alguns as-pectos, como na questão da delimi-tação do módulo fiscal. Mas priori-tariamente favoreceu o agronegócio, permitindo mais devastação, sem que seja preciso fazer a recupera-ção do que foi destruído”, contesta a representante da direção nacional do Movimento de Mulheres Campo-nesas (MMC Brasil), Noeli Taborda, integrante do grupo que participou da reunião no ministério.

A proposta apresentada à ministra é a de que seja criado um grupo de trabalho no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) ou em âmbito interministerial, com partici-pação da sociedade civil, para dis-cutir a regulamentação de 12 temas considerados particularmente polê-micos, entre eles o CAR, os PRAs e a regularização ambiental da agri-cultura familiar.

“Para melhorar a situação da agri-cultura camponesa, é preciso muito mais que flexibilizar o tamanho dos módulos, é preciso haver reforma agrária, políticas públicas de incen-tivo à pequena produção, de com-bate ao agrotóxico e à produção de transgênicos. Nossa luta a favor da natureza passa pelos princípios da agroecologia, pela produção de alimentos saudáveis. Só consegui-remos elaborar um Código Florestal adequado quando a sociedade se mobilizar de fato em torno dessa pauta”, defende Noeli.

Os ruralistas, por sua vez, ponderam que mesmo os pequenos produto-res foram beneficiados com a nova proposta. Setores mais radicais, no entanto, não concordaram com os vetos presidenciais e falaram até em acionar a Justiça contra o que consi-deram uma medida inconstitucional.

Não é o caso da Confederação Na-cional da Agricultura e Pecuária (CNA), cuja presidente, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), demonstrou estar satisfeita com a nova legis-lação. “Com a aprovação do novo Código Florestal brasileiro, produzir alimentos no Brasil passará a con-tar com maior segurança jurídica. Agora, os produtores rurais saberão seus direitos e suas obrigações com relação à nossa legislação ambiental, que continua sendo uma das mais ri-gorosas do mundo. Estabeleceu-se um novo paradigma, que comprova a opção do país pela produção com preservação”, enfatiza.

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Principais propostas da MP 571/12• Recomposição de APPs em torno de rios – recomposição escalonada, de acordo com o tamanho da propriedade (quanto maior o imóvel, menos precisa ser recu-perado da vegetação).

• Limite de recomposições de APP para pequenas propriedades – permite recu-peração menor de APP por imóveis com até quatro módulos fiscais, limitando a área de preservação a 10% da propriedade (até dois módulos) ou a 20% (para áreas maiores de 2 até 4 módulos).

• Princípios de preservação ambiental – relaciona sete princípios pautados no uso sustentável da vegetação e na atuação governamental conjunta para a proteção e criação de políticas.

• Prática do pousio – permite interrupção de atividades em até 25% das terras por cinco anos.

• Área abandonada – define área abandonada para diferenciá-la do pousio e per-mitir reforma agrária.

• Aquicultura em APP – proíbe novos desmatamentos nessas áreas para criação de peixes.

• Áreas úmidas – podem ser APPs se decreto decidir ser necessária proteção.

• Apicuns e salgados – define regras para a exploração de apicuns e salgados, exigindo termo de compromisso para ocupações anteriores a 22 de julho de 2008.

• Crédito agrícola – restringe a concessão de crédito rural, depois de cinco anos do novo Código, àqueles que regularizem sua situação.

• Unidades de Conservação Ambiental – proíbe continuidade de atividades rurais consolidadas em APP de imóvel localizado em unidade de conservação de prote-ção integral.

• Bacias hidrográficas consideradas críticas – permite definição de metas de recu-peração de APP superiores para bacias hidrográficas consideradas críticas.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Manifestantes protestam contra a aprovação do

novo Código Florestal no plenário da Câmara

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Ela conclui, animada: “Avançamos muito em termos de legislação am-biental no Brasil. Chegamos ao fi-nal do processo de reforma do Có-digo Florestal revelando ao mundo o nosso compromisso com o de-senvolvimento sustentável. Temos, agora, uma lei florestal nascida no Poder Legislativo e sanciona-da pela Presidência da República, em um ambiente essencialmente democrático. E, posso garantir, te-mos todas as condições de enfren-tar o grande desafio de colocá-la em prática”.

A origem Considerado desde sua criação, em 1934, um marco legal à frente de seu tempo – e, talvez por isso, recorren-temente desrespeitado –, o Código Florestal traz um conjunto de regras sobre a preservação do meio am-biente em propriedades rurais, per-tencentes ao Estado ou particula-res, tendo em vista sua importância pública para a sociedade.

Sua primeira versão foi elaborada com a colaboração de naturalis-tas, pensadores e políticos preo-

cupados, principalmente, em criar meios de frear o crescente proces-so de derrubada das florestas nati-vas, preservar as fontes de água e o regime de chuvas, bem como evitar a ocupação de áreas de risco.

Diante da pouca aplicabilidade da lei e de seu desrespeito por parte dos proprietários rurais e do pró-prio poder público, houve uma ten-tativa de revigorar o Código. Um novo projeto tramitou por mais de uma década na Câmara, sendo atu-alizado de fato em 1965, por meio da Lei Federal nº 4.771.

Foi aí que os conceitos dessa pro-teção foram aprimorados, com a criação das APPs e da RLs. Dois anos depois, para garantir a apli-cação dessas políticas de conser-vação, foi criado o Instituto Brasi-leiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) – transformado em 1989 no Instituto Brasileiro de Meio Am-biente e dos Recursos Naturais Re-nováveis (Ibama).

A legislação sofreu pequenas alte-rações de 1996 a 1999, mas foi a partir do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, que novas discussões em torno do Có-digo Florestal vieram à tona com mais força. Grupos de trabalho e comissões especiais na Câmara dos Deputados e no Senado foram criados, culminando na proposta finalizada pelo relator Aldo Rebelo em 2012.

Para mais informações sobre o novo Código, consulte também:

www.agenciabrasil.ebc.com.br

www.camara.leg.br/agencia

www.cartamaior.com.br

www.socioambiental.org

www.sosflorestas.com.br

bit.ly/cartcf (formato PDF)

bit.ly/analisewwf (formato PDF)

Ambientalistas acham que novo Código favorece o agronegócio e permite mais devastação

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GlossárioApicuns e salgados – locais próximos à praia, onde é feita, por exemplo, a carcinicultura (criação de camarão).

Área de Preservação Permanente – área coberta ou não por vegetação nativa para preser-var recursos hídricos, paisagem, biodiversidade, solo e assegurar o bem-estar das populações.

Bioma – conjunto de diferentes ecossistemas que possuem certa homogeneidade.

Cadastro Ambiental Rural – ferramenta importante utilizada pelo governo para auxiliar no planejamento da propriedade e na recuperação de áreas degradadas.

Medida Provisória – em casos de relevância, o presidente da República pode adotar me-dida provisória, com força de lei, devendo submetê-la ao Congresso. Perde a eficácia se não for convertida em lei no prazo de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual período.

Módulo fiscal – unidade de medida em hectare fixada para cada município, considerando fatores como: tipo de exploração predominante; renda obtida com essa exploração; explo-rações secundárias; conceito de propriedade familiar.

Nascente intermitente – apresenta fluxo de água apenas durante a estação das chuvas.

Passivo ambiental – conjunto de todas as obrigações que as empresas têm com a natu-reza e a sociedade.

Pousio – descanso dado às terras cultiváveis, de um a três anos, interrompendo-se as cul-turas para tornar o solo mais fértil.

Programa de Regularização Ambiental – permite a solução de vários passivos ambientais. É considerado no acesso aos incentivos econômicos e financeiros dos serviços ambientais.

Reserva Legal – área localizada em propriedade ou posse rural que não seja de preserva-ção permanente. Objetiva conservação e reabilitação dos processos ecológicos, conserva-ção da biodiversidade e abrigo e proteção de fauna e flora nativas.

Unidade de Conservação Ambiental – área de proteção ambiental legalmente instituída pelo poder público nas suas três esferas (municipal, estadual e federal).

Agricultores em defesa da lei: para eles, país concilia produção e preservação

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EStantE ambiEntal

Sustentabilidade e educação - um olhar da ecologia políticaCarlos Frederico B. Loureiro

Cortez Editora, Rio de Janeiro, 2012, 128 págs.

Autor de diver-sas obras que abordam o pa-pel da educa-ção ambiental na mudança de paradigmas políticos, eco-nômicos e sociais, Carlos Frederico Lou-reiro contex-tualiza, neste livro, algumas

questões fundamentais do debate ambiental à luz da ecologia política.

A proposta é entender como as decisões individuais relativas ao estilo de vida, ao consumo e à sa-tisfação das necessidades podem afetar a sociedade e o planeta, em sentido amplo.

O livro deixa claro como a educação ambiental pode desenvolver o pen-samento crítico do leitor diante de dilemas que a sociedade enfrenta na atualidade, ao explicitar a res-ponsabilidade individual e coletiva com a sustentabilidade dos recursos naturais. Coerente com a proposta de vivência da educação ambiental, o autor esclarece conceitos funda-mentais e nem sempre bem compre-endidos, por meio de um glossário de termos e de atividades práticas.

Contatos da editoraTel.: (11) 3611-9616

Site: www.cortezeditora.com.br

Mobilidade urbana e cidadaniaEduardo Alcântara de

Vasconcellos

Senac Nacional/Senac São Paulo, 2012, 216 págs.

Trânsito caótico, ônibus que não param nos pontos, pedestres que atravessam fora dos sinais, trens e metrôs superlotados, carros par-ticulares subutilizados, ciclistas disputando as ruas e calçadas com carros e pedestres. Um elenco de problemas comuns em quase to-das as grandes cidades brasileiras. E aí? O que os cidadãos comuns podem fazer?

Para o autor, que é engenheiro civil e sociólogo, a plena cidadania só será alcançada quando todos puderem sair às ruas e circular com conforto e segurança, respeitando os direitos dos outros na mesma medida em que exigem respeito aos seus pró-prios direitos.

A obra analisa os impactos do trân-sito, as desigualdades no consumo dos recursos da cidade e o perfil dos usuários de transporte coletivo, apontando para aspectos que não costumam ser questionados pela população, como se fossem assunto exclusivo da administração pública.

Contatos da editoraTel.: (21) 3138-1385 e (11) 2187-4450

E-mail: [email protected] e [email protected]

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EStantE ambiEntal

Caráter educativo do movimento indígena brasileiro

(1970-1990)Daniel Munduruku

Paulinas, 2012, 230 págs.

Doutor em Educação pela USP, o autor discorre sobre como esse movimento se organizou nos anos 1980 dentro do contexto histórico nacional – período de intensa parti-cipação popular, pelas mobilizações políticas em prol da democracia.

O livro enfoca o movimento indíge-na brasileiro sob a ótica do cará-ter educativo, de modo que o mo-vimento é narrado desde sua origem como um instrumento legítimo na defesa dos direitos indígenas e es-truturado em seu processo de auto-formação, tendo servido como mola para promover mudança no olhar da sociedade brasileira sobre os povos indígenas.

Daniel escreve como se estives-se produzindo uma carta aos seus parentes indígenas e organiza o li-vro em duas partes: “Colocando os pingos nos is” e “Somos aqueles por quem esperamos”. Os capítulos po-dem ser lidos independentemente, porque tratam de conteúdos não lineares, mas estruturados para ofe-recer uma visão de um tema comple-xo, com muitas faces e possibilida-des de aprofundamento.

Contatos da editoraTel.: 0800-701-0081

E-mail: [email protected]

Energia eólicaAdilson de Oliveira e

Osvaldo Soliano

José Eli da Veiga (org.)

Senac São Paulo, 2012, 216 págs.

O livro dá continuidade ao debate sobre alternativas energéticas inicia-do com a publicação de Energia Nu-clear, em 2011.

A organização é do economista José Eli da Veiga, professor titular da Uni-versidade de São Paulo, com textos do engenheiro químico Adilson de Oliveira (professor titular do Insti-tuto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do en-genheiro eletricista Osvaldo Soliano Pereira (diretor do Centro Brasileiro de Energia e Mudanças Climáticas e professor da Faculdade Área 1, em Salvador).

A obra trata do cenário que a ener-gia gerada pelos ventos encontra no Brasil e no exterior, discute seu po-tencial como fonte complementar de energia elétrica sustentável e mostra ainda as vantagens que o uso dessa fonte alternativa pode oferecer.

Contatos da editoraTel.: (11) 2187-4450

E-mail: [email protected]

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rEtr ato

“Paquetá é um céu profundo que co-meça neste mundo e não sabe onde acabar”, diz a letra de uma canção dedicada à simpática ilha localiza-da a noroeste da Baía de Guanaba-ra. Um bairro da cidade do Rio de Janeiro onde vivem cerca de 4.500 habitantes. Um local de sonho e romance, procurado principalmente nos fins de semana e homenageado também neste trecho da música La-tin lover, de João Bosco e Aldir Blanc: “Mas me lembro/de uma noite sua mãe tinha saído/me mostraste um sinal adquirido/numa queda de pa-tins em Paquetá”.

Carros não circulam na ilha e os des-locamentos são feitos de bicicleta ou a pé. Isto permite desfrutar dos sons do mar e dos ventos, em um cenário em que se pode ver a Serra do Mar com o pico Dedo de Deus ao fundo e, do outro lado, a metrópole e a montanha do Corcovado com o Cristo Redentor.

São aproximadamente 2.200 domi-cílios (a metade deles, casas de fim de semana), 40 ruas, 12 praças e dois parques públicos. A água distribuída

Uma ilha risonha e

francaApesar da poluição das águas

da Baía de Guanabara, a qualidade de vida se mantém neste lugar muito especial na

memória do carioca

Texto e fotos: Elias Fajardo

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aos moradores vem da Estação de Tratamento de Imuna-Laranjal, abas-tecida pelo rio Macacu, no município de São Gonçalo. Em 1912, foi cons-truído um pioneiro sistema de coleta e tratamento de esgotos. Hoje de-fasado, está sendo substituído por uma nova rede para captar dejetos, que serão levados para a Estação de Tratamento de São Gonçalo. A obra, com recursos do município, do esta-do do Rio e do governo federal, está orçada em R$ 20 milhões e deve ficar pronta em 2013.

Atualmente, 100 milhões de litros de esgoto são jogados diariamente na Baía de Guanabara. Daí surge uma questão: vale a pena investir em ini-ciativas como esta ou é apenas “cho-ver no molhado”?

David Zee, geógrafo e professor da Faculdade de Oceanografia da Uni-versidade Estadual do Rio de Janeiro, diz que a ilha é um local emblemático e que a obra vai chamar a atenção para a necessidade de combater a poluição. “O mau exemplo é figura fá-cil, um lugar comum na mídia”, diz ele. “A sociedade brasileira está desacos-tumada de bons exemplos. Em vez de atacar as consequências, o tratamen-to de esgotos está mirando numa das causas da poluição. Tomara que

o exemplo se espalhe pelas ilhas do Governador, do Fundão e outros lo-cais à beira da Baía de Guanabara.”

O engenheiro Wagner Nogueira, especialista em recursos hídricos, lembra que o impacto imediato do esgoto paquetaense, ainda que em pequena quantidade, pode ser maior – pelo menos para quem está na praia perto de onde ele é lançado – do que o impacto do esgoto que vem pelo mar, o qual tem mais condições de ser diluído, por causa do tempo e do volume de água. Mais uma razão para tratar os esgotos da ilha.

Critérios de balneabilidadeAté a década de 1980, as águas de Paquetá eram balneáveis, próprias para banho e atividades esportivas. Mas foram pouco a pouco deixando de ser, prejudicando uma de suas principais atrações. A balneabilidade é determinada pela quantidade de bactérias do grupo coliforme, que indicam a contaminação presente na água. Analisam-se os coliformes totais e os fecais. Os totais têm a ver com a decomposição de matéria or-gânica. E os fecais estão associados às fezes de pessoas e animais.

A poluição não industrial é, pois, consequência de saneamento bási-

O geógrafo David Zee

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co deficiente, da presença de lixo e ainda de dejetos trazidos de outros lugares pelas marés. Tudo isto fa-vorece a proliferação de bactérias, fungos e parasitas que causam, en-tre outras, doenças na pele, no es-tômago e no intestino, sendo a mais comum a gastroenterite. Mas nem todos os que se banham em praia poluída ficam doentes. Tudo vai de-pender do estado de imunidade de cada pessoa, do tempo que ela fica no mar, se mergulha ou não a cabe-ça e se bebe a tal água.

David Zee explica que é preciso con-siderar também o estado da areia e dá algumas dicas. O banhista deve pegar um pouco de areia seca per-to da linha d’água e jogá-la no lugar onde pretende se sentar. Se houver uma diferença de cor entre as duas areias, o local está contaminado. Deve-se evitar também ficar perto de línguas negras de esgoto e do calçadão. Aconselha-se ainda não sentar perto de coqueiros e árvores onde animais e seres humanos cos-tumam urinar. Além disso, quanto mais sombreado o local, mais pos-sibilidades de areias poluídas, pois os raios de sol atacam as bacté-rias. E quanto mais perto da linha d’água, melhor costuma ser a areia,

pois o mar tem uma ação bacterici-da sobre ela.

No caso da água, a cor é um critério importante. Se o mar estiver azul--esverdeado, com água sem cheiro, está próprio para banho. Se tiver as cores verde, amarelada e marrom, é suspeito. E quando o banhista entra na água até a cintura e não consegue enxergar os pés, ela está poluída.

Paquetá é banhada por um canal profundo, que permite uma boa re-novação das águas, dependendo da força e do movimento das marés. A praia da ponta do Parque Darke de Matos, por exemplo, costuma apre-sentar boa balneabilidade. Mas as praias que dão para o interior do continente têm uma lama escura na linha d’água e mau cheiro.

Situação dos peixesMuitos moradores pescam e ven-dem seus produtos. Paulo Roberto Oliveira, de 58 anos, é um deles. Pesca robalo, badejo, corvina e pes-cada amarela e orgulha-se de já ter pegado uma enchova de 10 quilos. “Há mais de um ano, as águas co-meçaram a melhorar por causa da despoluição da Baía de Guanabara.

O pescador Paulo Roberto Oliveira

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O mar faz parte da minha vida”, afir-ma. “Gosto de tudo que ele nos dá.”

No caso dos peixes, o consumidor não entra em contato com os coli-formes fecais, pois as vísceras são retiradas antes do consumo. Mas os metais pesados, depositados no fundo do mar por indústrias quími-cas e farmacêuticas e pelo líquido que escorre dos lixões, contaminam a carne, razão pela qual peixes apa-nhados no interior da baía devem ser evitados. Entre os frutos do mar mais perigosos estão mariscos, os-tras e mexilhões, pois filtram a água e retêm metais pesados.

Os elementos da natureza têm uma boa capacidade de recuperação. Mas David Zee pondera: “Nos últimos 200 anos, a poluição das águas da baía só tem aumentado. E apenas nos úl-timos 30 anos tem sido feito um es-forço em contrário. O passivo é muito grande, pois a população cresce mais do que a capacidade dos governos de investir em melhorias ambientais.” Mesmo assim, ele acha que a despo-luição da baía pode ser conseguida por governos e empresas com a parti-cipação da sociedade, principalmen-te com ações de educação ambien-tal. “Mas temos de trabalhar rápido para que a natureza não se desmo-tive e possa continuar a nos ajudar a recuperar as águas”, conclui.

Qualidade de vidaQuem vive em Paquetá desfruta prin-cipalmente de um belo cenário, da tranquilidade e do prazer de conviver em um local onde não há assaltos.

“Qualidade de vida não é só praia. Eu, por exemplo, não sou do mar, sou do mato”, brinca a aposentada Mariau-gusta Salvador, que viveu na ilha mais de sete anos. Ela adorava participar de atividades oferecidas pelo Centro Cultural do Banco do Brasil, perto da Praça Quinze de Novembro, no cen-tro do Rio, e depois tomar a barca que, em 1 hora e 10 minutos, a deixa-va na casa onde morava com a cadela Mel e dois gatos.

O historiador e professor Francisco Mendes, instalado confortavelmente em uma casa na praia, afirma: “Aqui você ouve o silêncio. Toda manhã abro a janela e me encanto com a mata, o mar e o céu. Tem um incrível sabor de infância e recordação”.

O bandolinista e compositor Pedro Amorim vive na ilha com a mulher, a escritora Conceição Campos, e dois filhos. Ele diz que não é um paraí-so, pois também existem problemas, entre eles a má conservação de mo-numentos e locais públicos, mas “o convívio e a valorização das pessoas dentro de um clima de respeito nos dão muita alegria”.

Tradição comunitária e musicalA vegetação original era a Mata Atlântica, mas a ela foram se mes-clando plantas vindas de fora, como palmeiras, bambus, mangueiras, ta-marineiras, jaqueiras, coqueiros, al-godoeiros, flamboyants e bougainvillies, que fazem as delícias de pintores e aquarelistas, entre eles Pedro Bruno (1888/1949), o mais conhecido repre-sentante das artes plásticas locais.

A chegada e a partida da barca marcam o tempo na ilha

O historiador Francisco Mendes

Luca Kervokian, violinista premiado

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Um pouco de história Uma das prováveis origens do nome Paquetá é uma expressão indí-gena que significa “muitas conchas”. Os primeiros habitantes foram os índios temiminós. No século 16, portugueses e franceses entra-ram em conflito pela posse da terra. Os primeiros se aliaram aos índios temiminós; os segundos, aos tamoios. Tamoios e franceses chegaram a dominar a ilha. O padre franciscano André Thevet fez o primeiro mapa local e levou-o à Europa, onde Paquetá foi reconhe-cida pelo então rei da França, Henrique II, em 1556. O historiador Francisco Mendes lembra que a primeira povoação da ilha vem antes da própria cidade do Rio de Janeiro, fundada por Estácio de Sá em 1565. Com a expulsão dos franceses, os temiminós voltaram a ha-bitar Paquetá. Os portugueses dividiram a ilha em duas sesmarias: a do Campo e a da Ponte. E essa divisão ainda perdura e provoca alguma rivalidade nas festas populares, nas brincadeiras de carnaval e nos jogos de futebol.

São apenas 15 quilômetro até o Rio, e a proximidade favoreceu a ocupação e, algumas vezes, o exílio. José Bonifácio de Andrada e Sil-va, o Patriarca da Independência, viveu em prisão domiciliar em uma casa tombada em 1938, também o ano do tombamento das praias.

Na época colonial, a ilha ajudava a abastecer o Rio com produtos agrícolas vindos, sobretudo, da Fazenda São Roque. A coleta de ma-riscos e a pesca também eram importantes. A partir do século 17, começou a exploração de pedras e de cal para a construção civil. A cal tinha origem nas conchas marinhas e a madeira dos manguezais era usada nos fornos. Em 1836 foi inaugurada uma linha regular de barcas para o Rio e a publicação do romance A moreninha, de Joa-quim Manoel de Macedo, em 1844, ambientado em Paquetá, con-tribuiu para criar uma aura romântica e tornar a ilha o polo turístico que ainda é nos dias de hoje.

Farol da Mesbla: a antiga loja de departamentos tinha uma colônia de férias em Paquetá e lá construiu a réplica do relógio que caracterizava sua fachada

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Os vários tipos de águaÁgua potável é aquela própria para consumo do ser humano. Deve estar livre de qualquer tipo de contaminação e não ter cheiro. Pode vir de uma fonte natural ou ser obtida por meio de um tratamento físico ou químico. Nas cidades, quem realiza esse processo são as Estações de Tratamento de Água.

A água poluída, muitas vezes, tem cheiro forte, provocado pe-los esgotos ou por substâncias químicas. A resolução 274 do Conselho Nacional do Meio Ambiente trata da balneabilidade da água. Ela é classificada como excelente quando em 80% das amostras coletadas houver até 250 coliformes fecais por 100 mililitros.

A balneabilidade é boa quando forem encontrados, no máximo, 500 coliformes fecais em 100 mililitros. É considerada satisfa-tória quando houver até 2.500 coliformes fecais. E é imprópria para banhos e recreação (natação, mergulho ou esqui aquático, que exigem contato direto e prolongado com a água) quando houver mais de 2.500 coliformes fecais por 100 mililitros.

Um decreto de 1967 tombou dez árvores, entre elas o baobá da praia

dos Tamoios, chamado carinho-samente de Maria Gorda.

Há alguns anos, surgiu o grupo Plante Paque-tá. Quando percebem que uma árvore mor-

reu ou foi cortada de um lugar público, seus inte-grantes plantam outra no lugar. No momento, eles cuidam de uma muda de

baobá para dar à ilha outro exemplar dessa bela planta de

origem africana.

Uma forte tradição musical tam-bém se faz presente. Anacleto de Medeiros (1866/1907), filho de uma escrava liberta, tornou-se músico e compositor e formou inúmeras bandas no Rio de Janeiro. Nascido e criado em Paquetá, suas valsas, dobrados, polcas e xotes foram fundamentais para estabelecer uma identidade musical brasileira. Na década de 1950, época de ouro da Rádio Nacional, os encontros

musicais e saraus se sucediam, reunindo Carlos Galhardo, Sil-vio Caldas, Pixingui-nha, Orestes Barbosa, Jacob do Bandolim e Cartola, alguns de-les também ilustres moradores. Muitos fizeram músicas que enriquecem o cancio-neiro local. A família de Sílvio Caldas ainda vive na ilha.

Hoje, a Casa de Ar-tes oferece educação artística e musical a crianças e jovens e mantém a Orquestra Jovem de Paquetá, com 25 adolescen-tes que se dedicam à música erudita. Luca

Kervokian, o primeiro violino da orquestra, ficou em se-gundo lugar em um concurso inter-nacional.

A partir do fim da década de 1960, com a abertura de novas estradas e o aumento do turismo na Região dos Lagos, Paquetá começou a ser menos procurada pelos visitantes. Mas no início do século 21, com o intenso movimento nas estradas fluminenses, volta a ser mais visi-tada e valorizada e vive um bom momento, com suas festas popula-res, apresentações musicais grátis no primeiro fim de semana do mês na Casa de Artes, além de longos e belos crepúsculos que antecedem noites como aquela que inspirou a conhecida Luar de Paquetá, de Freire Jr. e Hermes Fontes, cujos versos dizem:

“Nessas noites olorosas, quando o mar desfeito em rosas/ se desfo-lha à lua cheia/ lembra a ilha um ninho oculto/ onde o amor celebra em culto/ todo o encanto que o rodeia”.

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