simone weil e a mistificação revolucionaria
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SIMONE WEIL E A MISTIFICAÇÃO REVOLUCIONÁRIA
MICHEL SUÁREZ1
“Sofres em silencio e ninguém te compreende
-Sagrado Ser! Murcha e cala
Porque vão é, entre os bárbaros
Que procures teus semelhantes à luz do sol
As almas ternas e grandes não existem já”
HÖLDERLIN
CAPÍTULO 1. UMA PENSADORA ICONOCLASTA
Há algo de intimidatório numa primeira aproximação dos textos de Simone Weil.
E é compreensível: ter auscultado o pulso de seu tempo com uma sagacidade tão penetrante e
sem concessões a dogmas e consignas de nenhum tipo resulta quanto menos insólito nesta
época de grotescos passatempos eletrônicos e severo acondicionamento técnico. Não obstante,
durante suas exíguas três décadas de existência, ainda longe do mundus furiosus dos devotos
da virtualidade e das tropelias do posmodern, a sorte também lhe foi adversa, e seus escritos
apenas encontraram eco fora de um reduzido círculo de publicações e grupos operários. Este
ostracismo estava, porém, justificado: em plenos anos trinta do século XX as esperanças de
uma transformação revolucionária da sociedade no seio do movimento operário cobraram
tanta verossimilhança que poucos estavam dispostos a prestar ouvidos a uma desmancha-
prazeres que considerava as expectativas de mudança social radical de miragens infundadas e
denunciava, mesmo apoiando suas aspirações, a cegueira dos trabalhadores para localizar as
verdadeiras fontes da opressão social. Longe de festejar o furor produtivista que impregnava o
conjunto do movimento operário, Simone Weil escolheu o caminho da incompreensão por
parte daqueles a quem tanto amava, e junto a quem trabalhou (como operária nas linhas de
montagem) e lutou (integrada na Coluna Durruti na Revolução Espanhola), no exclusivo
interesse da verdade, um artefato que antes do desembarque das hordas nietzschianas ainda
possuía um valor intrínseco.
Seu desencontro com os marxistas foi absoluto, e, apesar de reconhecer a colossal
estatura de Marx como pensador e teórico, não se dobrou a seu hegelianismo totalizador nem
a sua taumatúrgica revolucionária. Em melhor disposição para se entender com anarquistas
1 Redator da revista Maldita Máquina. Cadernos de Crítica Social.
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e sindicalistas revolucionários, posto que compartilhava com eles uma profunda desconfiança
com respeito ao Estado e aos partidos políticos, sua figura apenas despertou curiosidade
devido a seu ceticismo revolucionário, sua contundência antiprogressista, e, em parte, a um
misticismo e uma espiritualidade vistos com enorme receio pelos trabalhadores.
Há, todavia, uma indiscutível raiz libertária no pensamento de Simone Weil.
Fervorosa admiradora dos gregos e seu sentido da mesura e da justiça, sua crítica revelou-se
dotada da essência que distingue aos clássicos: a durabilidade. Algo mais de setenta anos
despois de seu falecimento, as pedras angulares de toda crítica social que não aspire ao mais
prodigioso dos ridículos, isto é, a crítica do Estado e da representatividade política,
continuam, salvo honrosas exceções, sendo ignoradas por filósofos e pensadores de toda laia;
a diferença da retração crítica atual, o “último grau da ruína”, como diria Poe, Weil insistiu na
impostergável destruição destes dois fatores elementares da opressão. Sua oposição à
existência de um vértice de poder que governasse exteriormente o conjunto da sociedade
constitui um elemento capital de seu pensamento, e sua filípica contra os partidos ainda não
foi superada em descaro, brilhantismo e contundência. Mas Weil não traçou seu limite crítico
no Estado e nos partidos; além disso, denunciou de forma implacável a confiança operária no
maquinismo como uma fantasmagoria funesta, uma via decepcionante que aprisionaria aos
trabalhadores, fosse qual fosse o regime político instaurado, entre dois extremos: o da
alienação física e espiritual e o do catastrófico imperialismo sobre a natureza que perseguia
uma opulência material nociva e insustentável.
Pese a tudo, Simone Weil nunca patrocinou o cinismo nem o desespero. Não
intrigou com a emergência de um cenário radicalmente novo surgido após um relâmpago
revolucionário posto que sabia bem que as transformações profundas exigem uma maceração
lenta e que os traumas breves constituem apenas a ponta de um iceberg que esconde um
continente de práticas, costumes e conceições do mundo forjados previamente; e, além disso,
não garantem a erradicação da opressão.
* * *
Simone Weil nasceu em Paris em 5 de fevereiro de 1909, e desde a mais terna
infância deu provas de uma inteligência singular, assim como de uma saúde frágil e delicada.
Em 1925 se torna aluna de Alain e se familiariza com a literatura e a filosofia greco-latinas.
Posteriormente, cursa algumas matérias na Sorbonne e em 1928 ingressa na muito restrita
École Normale Supérieur. Em 1929, ao tempo que harmoniza o trabalho braçal no campo,
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prepara um trabalho de uma maturidade notável para uma jovem de sua idade, intitulado
“Ciência e Percepção em Descartes”. Seguindo um detalhado plano de estudos, prepara sua
habilitação como docente, interrompido por violentas enxaquecas que a condenam a
prolongados períodos de prostração. Obtém uma vaga como professora de filosofia em Puy,
onde tomará contato com sindicalistas revolucionários; assim, em 1932 publica em L’Effort,
órgão de expressão dos trabalhadores da construção de Lyon, o mesmo ano em que aparece
um pequeno artigo no qual denuncia a miserável atitude da social democracia respeito do
Estado capitalista, e repudia a atitude servil da Internacional Comunista em relação os
mandatos de Moscou. Esse mesmo ano realiza uma viagem à Alemanha, fruto da qual
surgirão uma serie de lúcidos artigos sobre o peso real do nacional-socialismo e o sectarismo
suicida do Partido Comunista. Já em 1933 aparecem alguns esboços do que será um tema
recorrente em sua crítica: a necessidade de que os trabalhadores superem o estreito marco da
política e integrem a técnica por direito próprio em seu seio, posto que uma verdadeira
transformação global da existência exige uma reconsideração integral do fetichismo
tecnológico.
Um ano depois, em 1933, é destinada ao Liceu de Roanne, e em novembro
publica em La Critique Social, revista fundada por comunistas dissidentes, um pequeno e
emotivo artigo sobre as cartas do cárcere de Rosa Luxemburg, e outro muito menos gentil
sobre as inconsistentes elucubrações filosóficas de Lênin em “Materialismo e
Empiriocriticismo”. Mas o que chamou a atenção para a figura desta esquálida professora de
províncias foi a redação de “Réflexions sur la guerre”, uma diatribe na que sustentava a
existência de um continuum entre Lênin e Stalin. Apenas um mês depois da publicação do
texto, Trotsky, hospedado no domicilio familiar dos Weil, não perdeu a oportunidade de
lembrar pessoalmente a sua anfitriã o lastro de todos seus “preconceitos pequeno-burgueses e
reacionários” de “anarquista barata”. Al hierarca bolchevique não lhe faltavam os motivos,
posto que Weil tinha publicado em La Révolution Prolétarienne seu magnifico e clarividente
“Perspectives. Allons-nous vers la révolution proletarienne?”, onde desmontava as
mistificações sobre a natureza operária do “Estado Soviético”.
Em dezembro de 1934, com apenas 25 anos, dá à imprensa as “Réflexions sur les
causes de la liberté et de l’oppression sociale”, texto que não verá a luz até 1955, graças à
intercessão de Albert Camus com Gallimard. Obra capital da literatura política do século
passado, as Reflexões preservam uma pertinência surpreendente e permanecem como uma das
mais agudas críticas confeccionadas sobre a carcoma do marxismo, o papel da tecnologia e os
mitos da Revolução e do Progresso.
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Um ano depois, em 1934, pretextando o desejo de elaborar uma tese sobre “a
relação da técnica moderna, base da grande indústria, com os aspectos essências de nossa
civilização, quer dizer, por uma parte, nossa organização social, e por outra nossa cultura”, se
afasta da docência para experimentar em carne própria a escravidão fabril aperfeiçoada pelos
novos métodos de racionalização do trabalho. Assim, se entrega a um calvário voluntário que
se traduz em horríveis enxaquecas que a colocam à beira do colapso. Após uma breve
passagem por uma fábrica onde contava com um certo trato de favor por parte de diretor, em
1935 entra na Renault. Esse mesmo ano visita a Espanha e Portugal, onde afirma ter
experimentado uma visão mística. Em outubro regressa à França, e ocupa um cargo de
professora no Liceu de Bourges.
O novo ano será decisivo em muitos aspectos tanto para a vida de Weil quanto
para o destino da Europa. Às ambições territoriais a cada vez menos dissimuladas de Hitler,
se somaram agitações internas na França que levaram León Blum a formar um governo de
coalição , o Frente Popular; em junho, uma onda de greves paralisa o pais e Weil publica em
La Révolution Prolétarienne, “La vie et la grève des ouvrières métallos”. Em julho, o
alçamento militar na Espanha desencadeia uma resistência popular comandada pelos
anarcosindicalistas que desemboca num experimento revolucionário de proporções nacionais.
Simone Weil parte para a Península Ibérica em agosto, incorporando-se a uma coluna de
militantes da Confederación Nacional del Trabajo (CNT), liderada pelo carismático
Buenaventura Durruti. Em 20 de agosto sofre queimaduras de gravidade que obrigam ao seu
traslado a um hospital em Sitgés. Regatada pelos pais, regressa a Paris e redige, a partir da sua
experiência espanhola, dois documentos desiguais: um doloroso esboço de artigo, as
“Reflexions pour déplaire”, onde, mesmo sabendo que suas palavras serão consideradas
escandalosas pelos homens e mulheres com os que compartilhou as trincheiras, lamentava a
existência de coação nas milícias e no trabalho de retaguarda, e, muito especialmente, o ódio
do que estavam imbuídos os revolucionários. O outro documento consistiu em uma carta
endereçada ao católico e monárquico Georges Bernanos a raiz da leitura de “Grands
Cimetières sous la lune”, um livro de denuncia dos horrores que o francês tinha contemplado
no território ocupado pelos “nacionales”, a quem, por temperamento e afinidade ideológica
tinha apoiado em um primeiro momento. Na carta, Weil, saudava o compromisso com a
verdade de Bernanos, e celebrava que nenhum fanatismo ideológico tivesse quebrantado seu
humanismo radical.
O espetáculo dos horrores da guerra levou Simone Weil a adotar um
posicionamento pacifista recalcitrante que os acontecimentos posteriores lhe obrigariam a
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retificar. Em 1937, defende este pacifismo em um texto soberbo aparecido em Nouveaux
Cahiers, “Ne recommençons pas la guerre de Troie”, em que denunciava a catástrofe que a
guerra representava para os homens. Esse mesmo ano aprofunda sua crítica ao marxismo, e a
Marx, em vários textos publicados em Essais et Combats, revista da Federação Nacional de
Estudantes Socialistas.
No ano seguinte, suas convicções religiosas se consolidam ao tempo que sua
esperança no sindicalismo revolucionário como instrumento de transformação se evapora
definitivamente. Em 1939 aparece seu formidável “L’Iliade, ou le poème de la force”, uma
profunda reflexão sobre as devastadoras consequências do uso da força, e arma um projeto de
formação de enfermeiras voluntarias de primeira linha do front para auxiliar aos soldados
feridos que foi rejeitado por absurdo.
Em junho de 1940, Paris é declarada “Cidade Aberta” e Simone abandona seu
domicílio familiar junto a seus pais para nunca mais regressar. Instalados em Vichy, trabalha
num livro de poemas, “Venise sauvée”. Suas imprescindíveis “Réflexions sur la vie d’usine”
aparecem na revista católica de Marseille, Économie et humanisme, e em maio desse ano,
após uma escala em Casablanca, os Weil chegam a Nova Iorque. Nos Estados Unidos,
Simone trata desesperadamente de fazer escala no Reino Unido como cabeça de ponte para
desembarcar na França e cooperar no esforço de guerra. Através de conhecidos e de alguns
contatos, chega finalmente a Londres em novembro de 1942, incorporando-se a um
organismo da resistência francesa que trabalha na elaboração de um plano geral de
reconstrução do pais uma vez acabada a guerra. Desde sua chegada à capital inglesa, alberga a
insensata ambição de ser lançada em paraquedas na França, enquanto trabalha febrilmente na
redação de um número espantoso de obras de uma qualidade extraordinária. Dentre estas
obras, que integrarão os “Escritos de Londres e últimas cartas”, encontra-se
“L’enracinement”, e as “Notas sobre a supressão geral dos partidos políticos”, uma
pulverização em toda regra do espírito de rebanho destas organizações antidemocráticas.
Decepcionada pela linha conservadora da France Libre, Simone, que era vista
como uma marciana, abandona seu cargo e só pensa em pular o Canal da Mancha. Debilitada
pela atividade sem descanso, mal alimentada e abandonada fisicamente, contrai a tuberculose,
complicada por uma anemia severa e um quadro de enfraquecimento geral. Argumentando
que o dever moral dos residentes na Inglaterra era ingerir a mesma quantidade de alimento
que os franceses submetidos à ocupação alemã, nega-se a comer adequadamente e falece em
30 de agosto de 1943 na cidade inglesa de Ashford.
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Embora os escritos de Weil não tenham gozado de uma difusão massiva, seria um
erro pensar que eram totalmente ignorados. Depois de tudo, frequentou lideres militantes
como Landau ou Prudhommeaux, e inclusive Trotsky, e cultivou uma amizade pessoal com
dirigentes operários, trabalhadores de base, professores universitários e diversos intelectuais.
Em todo caso, uma coisa parece clara: seus textos possuíam uma caraterística comum: foram
elaborados, mesmo que sem intenção, “pour déplaire”, para desagradar. Em plena era da
máquina, uma crítica tão demolidora como a sua sobre o papel da tecnologia como elemento
inextricável da opressão social não podia prender no ideário dos trabalhadores que viam no
desenvolvimento material uma condição indispensável para a construção de uma sociedade
revolucionaria. Artigo de fé para marxistas, os anarquistas, salvo algumas exceções notáveis,
abraçaram com igual determinação a ideia de que a revolução só poderia se consolidar sobre a
plataforma da potencia máxima e de um poder faústico; mesmo criticando os efeitos nocivos
da máquina, não podiam comungar com seu anti-industrialismo nem com sua incredulidade
revolucionária, e ela foi sempre perfeitamente ciente disto: “sem dúvida estas ideias serão
tachadas de derrotistas, inclusive por camaradas que tratam de ver claro”.
Mas, quais eram os pontos inadmissíveis na crítica de Weil para os “camaradas
que tratavam de ver claro”? Vejamos a continuação com mais detalhe alguns elementos
fundamentais de sua crítica da Revolução.
CAPÍTULO 2. A REVOLUÇÃO COMO FANTASIA TRANQUILIZADORA
Nos anos trinta do século passado os renovados augúrios de uma iminente
transformação social perderam seu caráter de profecia e se aproximaram tanto da
possibilidade real de cristalizar que dificilmente o ceticismo revolucionário de Simone Weil
podia ter tido alguma repercussão significativa. E se em plena efervescência de transformação
sua voz apenas teve ressonância, a dissipação acrítica das décadas seguintes não podia mais
do que relegá-la ao capítulo de excêntricos. Mas, qual era a raiz desse ceticismo? Acaso era
uma concessão ao imobilismo, ao desanimo e ao fatalismo, ou alimentava-se de uma
pungente lucidez com respeito às ilusões de uns e outros sobre as possibilidades reais de
mudança sobre a que nem o mundo nem os homens apresentavam a menor prova? A
Revolução, pensava Weil, congregava esperanças que se encontravam fora da História.
“Há [...] desde 1789, uma palavra mágica que contém em si todos os futuros imagináveis, e
não é jamais tão rica em esperança quanto nas situações desesperadas; é a palavra
revolução. Assim, ela tem sido frequentemente pronunciada há algum tempo [...] Há mais de
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um século, cada geração de revolucionários pôs suas esperanças sucessivamente numa
Revolução próxima; hoje, essa esperança perdeu tudo o que lhe poderia servir de suporte.
Nem no regime nascido da Revolução de Outubro, nem nas duas Internacionais, nem nos
partidos socialistas ou comunistas independentes, nem nos sindicatos, nem nas organizações
anarquistas, nem nos pequenos agrupamentos de jovens que surgiram em tão grande número
há algum tempo, pode-se encontrar qualquer coisa de vigoroso, de são ou de puro [...]
Repete-se frequentemente que a situação é objetivamente revolucionária, e que só se requer o
‘fator subjetivo’; como se a carência total da única força que poderia transformar o regime
não fosse uma característica objetiva da situação atual, e cujas raízes devemos procurar na
estrutura de nossa sociedade! É por isso que o primeiro dever que nos impõe o momento
presente é o de ter a coragem intelectual suficiente para nos perguntarmos se o termo
‘revolução’ é mais do que uma palavra, se ele tem um conteúdo preciso, se não é
simplesmente uma das numerosas mentiras que o regime capitalista suscitou em seu
florescimento, e que a crise atual nos faz o favor de dissipar. Essa questão parece ímpia, por
causa de todos os seres nobres e puros que todo sacrificaram, inclusive sua vida, por essa
palavra. Mas só os padres podem pretender medir o valor de uma ideia pela quantidade de
sangue que ela fez derramar” (WEIL, 1995, pp. 58-59).
Desta aniquilação podemos extrair duas considerações importantes. Em primeiro
lugar, sobre o conteúdo preciso do termo, Weil sublinhava o fato de que a falta de protocolo
semântico constituía um entrave para entrar no debate com garantias de entendimento.
Tomada em sua multiplicidade de sentidos a ideia de “Revolução”, encontraríamos que
“muitas vezes não há relação alguma entre as aspirações de toda espécie que essa palavra
traduz no pensamento dos homens que a pronunciam, e as realidades às quais ela é capaz de
corresponder, caso o futuro trouxesse efetivamente uma subversão social” (WEIL, 1955, p.
179). Assim, se fossem procurados os móveis reais que orientam o sentido do termo
“Revolução” em cada um que leva a palavra costurada nos lábios “veríamos que
extraordinária diversidade de ideias e sentimentos pode encerrar uma mesma palavra.
Veríamos que a revolução de um homem não é sempre a do vizinho, nem muito menos, e que,
frequentemente, até são incompatíveis” (WEIL, 1955, p. 179).
E o que resultava ainda mais grave: em ocasiões a evocação da palavra
“Revolução” catalisava uma energia popular cujo propósito permanecia difuso, atuando como
um desabafo vital que podia ter consequências catastróficas: “atribuam-se maiúsculas a
palavras vazias de significado e, por pouco que as circunstâncias impulsionem a isso, os
homens verterão rios de sangue, amontoarão ruínas sobre ruínas repetindo essas palavras, sem
chegar nunca a conseguir algo que lhes corresponda; nada real pode corresponder-lhes jamais,
pois nada querem dizer” (WEIL, 1960, p. 258).
Em segundo lugar, a questão da validade das teorias revolucionárias não residia
na precisão ou verossimilhança das analises de conjuntura sobre as que se apoiavam as
diferentes propostas que cada vetor operário propugnava; era a própria encenação de um corte
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social radical o que constituía uma ópera bufa, um artificio que arrastava às multidões em pós
de uma região mítica. Assim, essa palavra mágica, “Revolução”, parecia capaz de compensar
“todos os sofrimentos, de satisfazer todas as inquietudes, vingar o passado, remediar as
desgraças presentes, resumir todas as possibilidades de futuro”. Além disso, não constituía
uma novidade, já que essa mistificação tinha mais de um século e meio de vida. “Uma
primeira tentativa de aplicação, de 1789 a 1793, deu algo novo, mas não o que se esperava.
Desde então, cada geração de revolucionários se acha, na sua juventude, designada para fazer
a verdadeira revolução, depois vai envelhecendo aos poucos e morre colocando suas
esperanças nas gerações seguintes; não corre o risco de receber um desmentido, já que
morre”. Neste sentido, a Revolução gerava militantes de obediência jesuítica sempre
dispostos ao sacrifício. “Esta palavra suscitou devoções tão puras, fez correr em tantas
ocasiões um sangue tão generoso, foram tantos os desditados para os que constituiu a única
razão de viver, que é quase um sacrilégio examiná-la; tudo isso não impede que, porém,
talvez não esteja vazia de sentido. Os mártires não substituem às provas senão para os
sacerdotes” (WEIL, 1955, p. 178).
Neste sentido, a Revolução constituía uma fantasmagoria, uma causa sui que
supria o verdadeiro existir e à que se entregavam aqueles que necessitavam preencher sua
vida com uma projeto que exigisse desprendimento de si, abnegação e renuncia. Consagrar a
vida à Revolução era perseguir sombras: o revolucionário tem uma missão e a ela submete
toda sua energia animal e intelectual; seu empenho se nutre de um fervor proselitista. “A
partir dai, basta que um homem tenha caráter para que dedique sua vida à destruição do
capitalismo, ou, o que vem a ser o mesmo, à revolução; já que essa palavra revolução não tem
atualmente senão esse significado puramente negativo” (WEIL, 1960, pp. 266-267).
Mas, concretamente, o que é ser revolucionário? “Ser revolucionário é esperar,
num futuro próximo, uma bem-aventurada catástrofe, uma comoção que realize nesta terra
uma parte das promessas do Evangelho e nos dê finalmente uma sociedade onde os últimos
sejam os primeiros?” (WEIL, 1955, p. 201), se perguntava Weil. “Se é assim, não sou
revolucionária, posto que tal futuro, que por outra parte me preencheria, é aos meus olhos,
senão impossível, ao menos completamente improvável; e não acho que ninguém possa hoje
ter razões sólidas, sérias, para ser revolucionário nesse sentido” (WEIL, 1955, p. 201).
Ou ser revolucionário consistiria, talvez, em “apelar aos desejos e favorecer
mediante os atos tudo o que pode, direta e indiretamente, aliviar ou levantar o peso que
esmaga à massa dos homens, as correntes que envilecem o trabalho, rejeitar as mentiras por
meio das quais se quer disfarçar ou desculpar a humilhação sistemática da maioria?” Mas
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nesse caso, tratar-se-ia simplesmente de um ideal, de um juízo de valor, “e não de uma
interpretação da história humana e do mecanismo social. O espírito revolucionário, tomado
neste sentido, é tão antigo como a própria opressão e durará tanto quanto ela, mais tempo
inclusive, pois, se esta desaparece, ele deverá subsistir para impedir que reapareça”; esse
espírito não pertence a nenhuma época, “é eterno; não tem que sofrer revisão, mas pode ser
enriquecido, aguçado, e deve ser purificado de todas as contribuições estranhas que possam
vir a disfarça-lo e alterá-lo” (WEIL, 1955, p. 202).
A própria desmesura da empresa revolucionária limitava sua realização, mas isso
não significava entregar-se nos braços do conformismo e da desídia, nem fugir da miséria
terrena refugiando-se na região do espírito. “O homem de letras é inimigo do mundo”,
sentenciava Baudelaire, mas para Weil a intempérie também era necessária. “Se, como é muito
possível, devemos perecer, façamo-lo de modo a não perecer sem ter existido. As forças
temíveis que temos a combater apressam-se em esmagar-nos; e certamente elas podem nos
impedir de existir plenamente, isto é, de imprimir ao mundo a marca de nossa vontade”. Não
obstante, havia um domínio em que essas forças eram completamente impotentes: “Elas não
podem nos impedir de trabalhar para conceber claramente o objetivo de nossos esforços, a fim
de que, se não podemos realizar o que queremos, ao menos o tenhamos querido, e não desejado
cegamente”. Para Weil, não existia nenhuma contradição entre esse trabalho de esclarecimento
teórico e a as tarefas colocadas pela luta efetiva; pelo contrário, “há correlação, uma vez que
não se pode agir sem saber que se quer, e quais os obstáculos que se tem a vencer. Contudo,
como o tempo de que dispomos é limitado em todos os sentidos, somos forçados a reparti-lo
entre a reflexão e a ação, ou, para falar mais modestamente, a preparação para a ação” (WEIL,
1999, p. 271).
Em todo caso, o que Weil nunca ocultou foi seu desencanto com a organização do
mundo: “Desejo de todo coração uma transformação o mais radical possível do atual regime,
no sentido de uma maior igualdade na relação de forças”, mas a mudanças necessárias para
extirpar a raiz do capitalismo não estavam ao alcance de sua época, nem de nenhuma outra.
“Não acredito absolutamente que o que hoje se denomina revolução possa conduzir a ela”,
espetava a francesa. “Antes e depois da que se chama a si mesma Revolução Operária os
operários da R. continuarão obedecendo passivamente, desde que a produção estiver fundada na
obediência passiva”; que o diretor da fábrica obedecesse os ditados de um delegado do capitalista,
ou se subordinasse às ordens de um “trust de Estado” autodenominado socialista não tinha o
menor impacto no combate contra a opressão. De todas formas, “a fábrica de uma parte, e a
polícia, o exército, as prisões, etc., de outra, estarão no primeiro caso em distintas mãos, e no
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segundo nas mesmas. A desigualdade na relação de forças não terá diminuído, mas ter-se-á
acentuado. Esta consideração, não obstante, não me leva a ser contra dos partidos chamados
revolucionários” (WEIL, 2010, p. 87).
Simone Weil, que já tinha passado pela experiência da fábrica (R. de Renault),
esboçava assim o que seria o centro de gravidade de sua crítica às diferentes correntes
revolucionárias que pretendiam mudar a configuração socioeconômica sem alterar em
profundidade a orientação da técnica. Aqui radicava a fragilidade de um movimento operário
que cifrava seu fracasso em uma incorreta colocação do verdadeiro problema que assediava
aos trabalhadores: “encontrar um método de organização do trabalho que seja aceitável ao
mesmo tempo para a produção, o trabalho e o consumo”. O mundo do trabalho não podia
resolver este problema “porque ainda não foi colocado; de maneira que se amanhã nos
apoderássemos das fábricas, não saberíamos o que fazer com elas e nos veríamos obrigados a
organizá-las tal e como estão na atualidade, depois de um período mais ou menos prolongado
de vacilações” (WEIL, 1951, p. 295).
Voltando à Revolução, em alguns casos, concedia Weil, seu espectro pairava
sobre um período concreto e fazia renascer as esperanças dos oprimidos. “Em certos
momentos da historia, um grande sopro passa sobre as massas; sua respiração, suas palavras,
seus movimentos se confundem. Então nada se lhes resiste. Os poderosos conhecem por sua
vez, por fim, o que é sentir-se sozinho e desarmado; e tremem” (WEIL, 1955, p. 189). Esses
instantes possuíam o poder de suspender qualquer ação e paralisar a normalidade diária; mas
“esse tempo de parada não pode se prolongar; o curso da vida cotidiana deve seguir, as tarefas
de cada dia têm que ser feitas. A massa se dissolve de novo em indivíduos, a lembrança da
vitória se esvai; a situação primitiva, ou uma situação equivalente, se restabelece aos poucos e,
embora no intervalo os amos tenham podido cambiar, sempre são os mesmos os que
obedecem”. Essa comunhão coletiva era algo relativamente frequente nos anais da História,
“mas de ordinário essa emoção, apenas acordada, é reprimida pelo sentimento de uma
impotência irremediável. Alimentar esse sentimento de impotência é o primeiro artigo de uma
política hábil por parte dos amos” (WEIL, 1955, p. 190). Após a euforia inicial, a
espontaneidade cede perante um estado de normalização consolidado sobre o fato de que a
“massa se dissolve de novo em indivíduos” que não podem escapar ao fato de que “o costume
é uma segunda natureza” (SAVONAROLA, 2000, p. 63), esgotado o fragor “sempre são os
mesmos os que obedecem”.2
2 Neste sentido, Huxley afirmava que “a maioria das revoluções políticas e econômicas até agora fracassou nos
resultados antecipados. Elas varreram instituições que se tornaram insustentáveis por induzir indivíduos e
grupos a sucumbir a perigosas tentações. Mas as novas instituições revolucionárias levaram outros indivíduos e
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Nas contadas ocasiões que os que obedecem tinham conseguido revirar a ordem
social, nesses raros instantes em que os papeis sociais se suspendem, a Revolução pareceu ter
atingido seu objetivo, até o ponto de supor que se inaugurava uma nova era regida por regras
do jogo diferentes. “De tempos em tempos, os oprimidos chegam a expulsar uma equipe de
opressores e a substituí-la por outra, e às vezes mesmo a mudar a forma de opressão”, mas
isso não implicava na sua abolição, posto que “seria preciso para isso suprimir suas fontes,
abolir todos os monopólios, os segredos mágicos e técnicos que dão influência sobre a
natureza, os armamentos, a moeda, a coordenação dos trabalhos”. Inclusive no suposto de que
os oprimidos estivessem dotados da consciência suficiente para levar a cabo essa labor, não
poderiam consegui-lo: “seria condenar-se a ser logo subjugados pelos grupos sociais que não
operam a mesma transformação; e mesmo que esse perigo fosse afastado por milagre, seria
condenar-se à morte, pois, quando uma vez se esqueceram dos procedimentos da produção
primitiva e transformou-se o meio natural ao qual eles correspondiam, não se pode
reencontrar o contato imediato com a natureza” (WEIL, 1955, p. 96). Com efeito, a técnica
condicionara as relações do homem com a natureza de maneira tão marcante que toda
tentativa de estabelecer uma nova inter-relação sem sua mediação seria condenar-se ao
suicídio coletivo.
Abundando no conteúdo exato da Revolução, Weil comprovara que dentre todos
os homens que se obstinam ainda em falar nela, “talvez não haja entre eles dois que atribuam
a esse termo o mesmo conteúdo. E isso nada tem de surpreendente. A palavra revolução é
uma palavra pela qual se mata, pela qual se morre, pela qual se enviam as massas populares à
morte, mas que não tem nenhum conteúdo” (WEIL, 1955, pp. 79-80). Devido a esse sentido
escatológico, esclarecer o que se espera da Revolução era uma tarefa principal.
“O que reivindicaríamos da revolução é a abolição da opressão social; mas para que essa
noção tenha ao menos chances de ter um significado qualquer, é preciso ter o cuidado de
distinguir entre opressão e subordinação dos caprichos individuais a uma ordem social.
Enquanto houver uma sociedade, ela encerrará a vida dos indivíduos em limites muito
estreitos e lhes imporá regras; mas esse constrangimento inevitável não merece ser
chamado de opressão senão na medida em que, pelo fato de que provoca uma separação
entre aqueles que o sofrem, ele coloca os segundos a mercê dos primeiros e faz assim pesar
até o esmagamento físico e moral a pressão daqueles que comandam sobre aqueles que
executam [...] O problema é, pois, bem claro; trata-se de saber se se pode conceber uma
organização da produção que, embora impotente para eliminar as necessidades naturais e
o constrangimento social que delas resulta, permitiria ao menos ser exercida sem esmagar
sob a opressão os espíritos e os corpos” (WEIL, 1955, p. 80).
grupos a tentações tão perigosas quanto as antigas”. (HUXLEY, Aldous. Huxley e Deus. Ensaios. Rio de
Janeiro: Bertrand, 1995, pp. 102-103).
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Visto em sua justa perspectiva, o capitalismo tinha introduzido duas inovações
radicais no processo histórico: por um lado, instalou na imaginação coletiva a superstição de
que a natureza constituía um obstáculo para o bem-estar material dos homens que deviam,
mediante uma excitação permanente das forças produtivas, subordiná-la a seus interesses; por
outro lado, propiciou uma adaptação do trabalho individual ao coletivo que provocou um
incremento insólito da produtividade do mesmo. Esse incremento exigiu dos trabalhadores um
preço exorbitante: sua redução a “uma condição absolutamente desumana”. Cada vez mais
alienado pelos novos sistemas industriais, os trabalhadores chegados ao último grau de
escravidão fabril deveriam, em consequência, cobrar consciência de sua condição e enfrentar
o seguinte problema: “restabelecer o domínio do trabalhador sobre as condições do trabalho,
sem destruir a forma coletiva que o capitalismo imprimiu à população. A resolução deste
problema é a revolução total” (WEIL, 2007, p. 66).
Como noção que encerrava uma rebelião contra a justiça social, “a ideia
revolucionária é boa e sadia. Em tanto que constitui uma rebelião contra a desgraça essencial
contra a condição mesma dos trabalhadores, é uma mentira. Já que nenhuma revolução
suprimirá esta desgraça”. E essa mentira, como falsidade e evasão, “é o que faz maior
sucesso, já que esta desgraça essencial do trabalho sente-se muito mais vivamente, mais
dolorosamente, que a injustiça mesma”. Analogamente, não menos importante resultava
evitar os perigos da revolução como região do escapismo mais vulgar e das compensações a
uma vida sem espessura, já que esta “satisfaz igualmente o desejo de aventura, que é a coisa
mais oposta à necessidade e que é inclusive uma reação contra a mesma desgraça” (WEIL,
2007, pp. 358-359).
Nos anos trinta do século XX, todas as forças políticas que orgulhosamente
proclamavam ser a Revolução seu horizonte imediato esquivavam esta questão devido a uma
leitura demasiado estreita da vida social. “A ‘esquerda’ tanto reformista quanto revolucionária
(sic) [...] o que se imagina (vagamente) sob o nome de revolução, são modificações que só
incidem em parte sobre fatores que hoje são, no fundo, secundários (a propriedade...), e numa
medida ainda maior sobre simples palavras” (WEIL, 2010, p. 259). Mas colocar o acento na
propriedade ou numa mudança de gestores políticos desembocava diretamente “num beco
sem saída. Não me parece que na situação dada possa ser encontrada uma solução para o
problema social sensivelmente melhor que as da burguesia e da direita se não se modificam os
fatores essenciais do problema” (WEIL, 2010, p. 259). Nesse sentido, “a questão dos salários
chega a fazer esquecer outras reivindicações vitais. E chega-se inclusive a considerar que a
transformação do regime econômico fica definida como a supressão da propriedade
13
capitalista, como se efetuar isto fosse equivalente à instauração do socialismo desejável”
(WEIL, 2010, p. 292).
Simone Weil não se enganava assinalando a importância que a mudança da
propriedade tinha revestido nas teorias de todos os transformadores sociais. Com efeito, a
tentação de identificar a mudança do regime de propriedade como objetivo central da
Revolução foi comum a todas as épocas e correntes operárias. A “expropriação dos
expropriadores” constituiu um critério de demarcação fundamental entre a reforma e a
Revolução desde que Morelly, um autor, lembremos, admirado por Marx e Engels,
prometesse um mundo sem crueldades, ladrões assassinos e conquistadores, unicamente com
eliminar a propriedade privada. “Essa peste universal, o interesse particular, essa febre lenta,
essa eisia de toda a sociedade teria se desenvolvido onde não encontrasse nenhum alimento
nem o menor fermento perigoso? Creio que não se contestará a evidência desta proposição:
onde não existe nenhuma propriedade, não pode existir nenhuma de suas perniciosas
consequências” (MORELLY, 1755, p. 30).
Desde seus primórdios, ficou claro que a propriedade era o nó górdio da questão
social para o marxismo. Assim, Bebel, por exemplo, confirmava as intuições de Morelly com
seu habitual verbo inflamado de futuro idílico. “A fonte de todos os males sociais sem exceção
é a ordem social das coisas, que descansa hoje, como demonstrei, no capitalismo, no modo
capitalista de produção, em virtude do qual a classe capitalista é a proprietária de todos os meios
de produção: o solo, das minas, das máquinas, dos meios de comunicação e das matérias
primas”. Em consequência, os trabalhadores deviam optar pelo enérgico caminho de
“transformar essa propriedade individual em propriedade social (propriedade coletiva) [...] A
transformação de todos os meios de produção na propriedade comum oferece à sociedade uma
nova base [...] Nada se pode conseguir nesse problema sem atacar decididamente a propriedade
privada” (BEBEL, 1978, pp. 17-18-62)
Se para os marxistas era objeto de doutrina, também os anarquistas colocaram o
foco na desapropriação da burguesia. Assim, Kropotkin escreveu que “todas as leis sobre a
propriedade, que enchem os grandes volumes dos códigos e são a alegria dos advogados, cujo
objeto é tão só o de proteger a injusta apropriação dos produtos do trabalho da humanidade por
certos monopolizadores, não tem nenhuma razão de ser, e os socialistas revolucionários estão
decididos a fazê-las desaparecer o dia da revolução”, entendida não como uma simples
mudança de governo, mas como “um cataclismo que transformará radical e completamente o
regime de propriedade [...] Expropriação! Eis a consigna que se impõe na próxima revolução”
(KROPOTKIN, 2001, pp. 238-277-288).
14
Por sua parte, Malatesta confirmava que os ácratas “não queremos roubar
absolutamente nada! Mas desejamos que o povo tome a propriedade dos ricos para colocá-la
em comum em proveito de todos [...] A primeira coisa a fazer é tomar a propriedade dos
burgueses; sem isso, o mundo nunca poderá melhorar” (MALATESTA, 2009, pp. 41-47).
Uma vez desaparecido da sociedade humana o direito da força, continuava o italiano, “os
meios de produção colocados à disposição daqueles que querem produzir, o resto será
resultado da evolução pacífica” (MALATESTA, 2008, p. 116).
A questão parecia, até certo ponto, simples: tratava-se de arrancar as máquinas das
mãos dos capitalistas para uso e desfrute dos trabalhadores, e foi isso o que afirmou com toda
franqueza Jean Grave: “A máquina é um mal atual na sociedade atual, porque os patrões
dirigem em seu exclusivo benefício todas as melhoras que o gênio e a indústria do homem
aportaram nos meios de produção. Se essas máquinas pertencessem a vocês em lugar de a
uma minoria, as faríamos produzir sem trégua nem descanso, e quanto mais produzissem mais
seriam felizes, já que poderiam satisfazer todas suas necessidades” (GRAVE, 1896, p. 15).
O sindicalismo revolucionário fez igualmente da propriedade coletiva seu
postulado capital. No seu berço francês, a organização mais representativa, a CGT, que “salvo
durante a última guerra’, proclamou um culto contínuo da máquina”, em seu Congresso de
Amiens de 1906, redigiu a seguinte declaração de princípios: “Na obra reivindicativa
cotidiana, (o sindicalismo revolucionário) persegue a coordenação dos esforços operários, o
incremento do bem-estar dos trabalhadores pela realização de melhoras imediatas... mas isto
não é mais do que uma parte de sua obra; prepara a emancipação integral que não pode ser
realizada mais que pela expropriação dos capitalistas” (Cf. DUBOIS, 1976, pp. 102-107).
Em opinião de Simone Weil, a abolição da propriedade privada dos meios de
produção era, com efeito, uma medida necessária, porém, parcial e insuficiente; a estrutura
opressiva operava à margem de quem possuísse a titularidade legal dos mesmos. “Respeito do
tema parece haver muitas ilusões, sabiamente mantidas pela demagogia. Não são os
benefícios o que se deve calcular; sob qualquer regime, o lucro que se reinveste na produção,
em geral, se subtrai dos trabalhadores” (WEIL, 1955, p. 68). Apelar à necessidade de atingir
uma problemática opulência para iniciar um processo de democratização real era desconhecer
as forças que estavam em jogo. “Deveríamos, declarava Weil, poder somar todos os trabalhos
dos que fosse possível prescindir com vistas a uma transformação do regime de propriedade”,
mas essa premissa não deixaria a questão resolvida: “há que levar em conta que trabalhos
implicariam na reorganização completa do aparelho de produção [...] É impossível,
evidentemente, estabelecer cálculos precisos; mas estes não são indispensáveis para perceber
15
que a supressão da propriedade privada estaria longe de impedir que o trabalho nas minas e
nas fábricas continue pesando como uma escravidão sobre aqueles submetidos a ele” (WEIL,
1955, p. 68). Essa opressão essencial estava a salvo de qualquer regime de propriedade.
À incredulidade sobre a possibilidade revolucionária, Simone Weil agregou uma
não menos contundente desconfiança nas reformas: “Todos os sistemas de reforma ou de
transformação social conduzem facilmente a soluções falsas; se ditas reformas se realizassem
deixariam o mal intato; são sistemas que querem mudar demasiadas coisas e muito poucas ao
mesmo tempo: mudam muito pouco o que constitui a causa do mal real, e as circunstâncias
que lhe são estranhas” (WEIL, 1951, pp. 344-345). Se passar a esponja pela Historia e apelar
à tabula rasa era um absurdo que na prática tinha gerado catástrofes inauditas, a introdução
de medidas paliativas em graus variáveis estava condenada à impotência. “Imaginar que se
pode orientar a história numa direção diferente transformando o regime a golpes de revoltas
ou revoluções, esperar a salvação de uma ação defensiva ou ofensiva contra a tirania e o
militarismo é sonhar acordado. Não existe nada em que se apoiar, nem simples tentativas”
(WEIL, 1955, p. 153).
As reformas, como as Revoluções, operavam numa arena na que o essencial da
opressão não se discutia. “Não se destruirá a condição proletária com medidas jurídicas, quer
se trate da nacionalização das indústrias-chave, ou da supressão da propriedade privada, ou de
poderes concedidos aos sindicatos para a conclusão de convenções coletivas, ou de delegados
de fábricas, ou do controle da contratação” (WEIL, 1949, pp. 52-53). Todas as medidas
ideadas por espíritos bem-intencionados, esporeados por um desejo sincero de acabar com as
diferencias sociais, acabavam naufragando, impotentes, no domínio das leis. “Todas as
medidas que se propõem, quer tenham a etiqueta revolucionária ou reformista são puramente
jurídicas, e não é no plano jurídico que se situam a desgraça dos operários e o remédio para essa
desgraça”. Resultava inútil procurar remédio para as calamidades dos operários nas suas
reivindicações; se faziam um esforço violento para se livrarem de sua desgraça intrínseca de
operários, caiam “em devaneios apocalípticos, ou buscam uma compensação num imperialismo
operário que não deve ser encorajado tanto quanto o imperialismo nacional”; e se pretendiam o
controle da contratação ou a nacionalização se devia em grande medida à sua obnubilação
originada no “medo do desenraizamento total, do desemprego”. Seu desejo de abolir a
propriedade privada se explicava pelo fato de estarem “fartos de ser admitidos no lugar de
trabalho como imigrantes que se deixa entrar de favor” (WEIL, 1949, p. 53).
A tentação de transmutar integralmente o indivíduo era, de igual modo, uma
quimera funesta. “Toda a questão da política resume-se no seguinte: encontrar em
16
determinadas condições uma forma de sociedade conforme às exigências da razão e que
repouse ao mesmo tempo sobre necessidades inferiores”. Esta premissa derivou em muitos
casos em um desejo de reformar a sociedade procedendo a uma transformação substancial da
natureza antropológica do homem, o que era um absurdo: “Quantos indivíduos justos e
escrupulosos em sua vida individual não hesitam em mentir quando são diplomatas ou em
explorar operários quando são patrões. Um juiz é desonesto na qualidade de juiz, um médico
tem de mentir para dar segurança e para praticar o charlatanismo (dar remédios que o cliente
não admitiria que ele não desse). Se o operário pusesse de lado todas as peças malfeitas, não
ganharia seu pão”. O paradoxo de que esses homens pudessem exercer suas funções sem
alterar sua escrupulosidade “na vida individual, mostra que a profissão coloca antolhos,
canaliza as virtudes individuais e que não são as virtudes individuais as que elevam a
profissão” (WEIL, 2002, p. 118). Além disso, “o próprio funcionamento da sociedade impede
que os homens sejam virtuosos: é uma máquina para fabricar escravos e tiranos. Giramos num
círculo vicioso: os que querem reformá-la mecanicamente chegaram ao resultado lamentável
que se vê na Rússia; os que querem transformá-la reformando os indivíduos chegaram a
algumas belas vidas individuais, mas não chegaram a nada do ponto de vista da sociedade”
(WEIL, 2002, p. 118). De uma forma geral, continuava Simone Weil, “uma reforma de
importância social infinitamente maior do que todas as medidas classificadas sob a etiqueta de
socialismo seria uma transformação na própria concepção das pesquisas técnicas”. A luta dos
operários por conquistarem maiores salários e melhores condições de trabalho resultava
infrutuosa e suas vitorias efêmeras já que durante esse tempo de combate “os engenheiros de
alguns escritórios de estudos inventam, sem nenhuma má intenção, máquinas que esgotam seu
corpo e alma ou agravam as dificuldades econômicas”. E de que lhes serviria a
“nacionalização parcial ou total da economia, se o espírito desses escritórios de estudos não
mudou?” (WEIL, 1949, pp. 55-56).3
3 A biógrafa e amiga de Simone Weil, Simone Pétrement, resumiu bem este aspecto central na obra de Weil:
“Encontramos aqui de novo esse problema que, mais do que qualquer outro, ocupava sua atenção: em que
condições pode uma revolução ser realmente eficaz? Compreendia perfeitamente que a mudança política
sozinha é pouca coisa, que nessas condições nunca fez mais do que substituir uma opressão por outra. Que é a
técnica o que dirige a política e que certas máquinas implicam por si mesmas opressão [...] Simone mostra,
portanto, que entre as condições de uma verdadeira revolução, há que contar com uma profunda transformação
da técnica. Mas lembra também [...] que o maquinismo está, porém, unido a um modo coletivo de produção que
incrementa formidavelmente a produtividade do trabalho humano [...] Daí que a revolução deva ser separada,
não já mediante a elevação do nível cultural e de conhecimento dos proletários, mas também pela pesquisa
teórica sobre um problema que, de não ser resolvido, se colocará depois da revolução fazendo-a inútil [...] Para
o revolucionário, a questão que se coloca não é como derrubar o governo, mas como encontrar um modo de
organização tal que a revolução não resulte finalmente inútil”. (PÉTREMENT, Simone. Vida de Simone Weil.
Madrid: Trotta, 1997, p. 201). Igualmente, Ellul sublinhou este aspecto do pensamento de Weil: “Tal
permanência a sublinha, por exemplo, Simone Weil, quando diz, com razão, que o sistema de racionalidade
industrial deve ser desenvolvido normalmente pelo socialismo, e que este, muito longe de resolver o problema
17
A verdadeira Revolução entranhava implicações que iam além do meramente
material, posto que sem uma disposição espiritual que bloqueasse essa corrida insensata à
procura de uma maior produtividade e de um crescente gasto energético, a sujeição dos
homens a um sistema de racionalização extrema, e, portanto, irracional, não mudaria seu
caráter degradante. Com independência de sua problemática adesão marxista,4 Benjamin foi
um dos contados escritores que viram claro neste sentido: “Eu gostaria de me contentar, aqui,
com indicar a diferença essencial que existe entre o simples aprovisionamento de um aparelho
de produção e sua transformação [...] Eu gostaria de enunciar a tese de que aprovisionar um
aparelho de produção sem mudá-lo – na medida do possível- é procedimento altamente
contestável, mesmo quando a matéria com a qual esse aparelho é aprovisionado parece de
natureza revolucionária” (Cf. ABENSOUR, 1990, pp. 131-132).
A mudança do espírito global de uma época não se improvisa. Uma
“transformação espiritual”, assinala Koyré, nunca é “uma mutação brusca. As revoluções, elas
também, precisam de um tempo para cristalizar; as revoluções, elas também, têm uma
história” (KOYRÉ, 1962, p. 5), e obedecem a um processo dilatado, que não responde a um
plano prévio. Não eram as diferentes encruzilhadas do caminho, assim como as resistências
que encontra em forma de costumes, tradições e inércias coletivas, ingredientes que se
misturavam de uma forma aleatória, ou, pelo menos, impossíveis de prever? Podia instaurar-
se um novo zeitgeist que modificasse drasticamente todas as representações que tinham regido
até então? E quem o levaria a cabo: indivíduos fabricados num laboratório a salvo de todo
contato com a sociedade, ou seria uma iniciativa de visionários, utópicos e iluminados? O
“avô” de Frankenstein, William Godwin, já tinha formulado a mesma pergunta: “Devemos
procurar que essa reforma se realize gradualmente ou de uma só vez? Nenhum dos termos do
dilema nos oferece a solução justa. Nada é mais prejudicial à causa da verdade que apresentá-
la de um modo imperfeito e parcial à atenção dos homens” (GODWIN, 1986, p. 132). E a
operário, não fará senão agravar a condição operária [...] O Estado não pode modificar as regras técnicas, e
quando tenta fazê-lo por motivos doutrinais, vai ao fracasso. Por esta razão, o fato de que a economia passe a
mãos do Estado cria um capitalismo de Estado, não um socialismo. O socialismo supõe a supressão do Estado”.
(ELLUL, Jacques. La Edad de la Técnica. Barcelona: Octaedro, 2003, p. 249). 4 Gerson Scholem, que lhe conhecia bem, já que mantiveram uma estreita amizade, mostrava sua estranheza com
o novo entusiasmo de Benjamin pela literatura marxista depois de ter conhecido a Asia Lacis, uma militante
marxista letã, que lhe tinha iniciado na obra do filósofo alemão. Scholem aponta que “suas cartas eram tão
pobres em recomendações referentes à literatura marxista, como pobres eram, no relativo a títulos relevantes
deste gênero, sua lista de livros efetivamente lidos até o final”. (SCHOLEM, Gerson. Walter Benjamin. Historia
de una Amistad. Barcelona: Debolsillo, 2007, p. 200). Além disso, não podemos ignorar que a noção de
catástrofe já tinha sido usada por Weil quando asseverava: “a ideia de um sucesso assim dava motivos para
excitar os ânimos. A catástrofe chegou pouco depois” (WEIL, Simone. Sobre la Ciencia. Buenos Aires: El
Cuenco de Plata, 2006, p. 122), e com anterioridade também Ernst Jünger tinha alertado sobre o tema (Ver seus
magníficos foto livros: JÜNGER, Ernst. El Mundo Transformado, seguido de El instante Peligroso. Valencia:
Pretextos, 2005).
18
causa da verdade na questão social era sistematicamente esquivada posto que o debate,
centrado em reformas ou mudanças súbitas, nunca se colocava em seus justos termos.
As revoluções vitoriosas consagravam uma transformação previa e elevavam ao
poder a homens que já o possuíam em boa medida: há ai uma necessidade. Como poderia
haver “ruptura de continuidade na vida social, uma vez que é preciso comer, vestir-se, produzir
e comerciar, comandar e obedecer todos os dias, e que tudo isso não se pode fazer hoje senão
sob formas sensivelmente parecidas com as de ontem?” Não é sobre uma era agitada e
turbulenta que se que operam as transformações profundas nas atribuições das diversas
categorias sociais, mas “sob um regime aparentemente estável [...] As lutas violentas, quando se
produzem, e não se produzem sempre, não fazem senão o papel de balanças; elas dão o poder
àqueles que já o têm” (WEIL, 1955, p. 184).
Assim como acontecera com a burguesia francesa, que não esperou a 1789 para
dar uma cotovelada na nobreza, “o que a história nos apresenta são lentas transformações de
regimes em que os acontecimentos sangrentos que batizamos de revoluções desempenham um
papel muito secundário, e de onde eles podem mesmo estar ausentes; é o que acontece quando
a camada social que dominava em nome das antigas relações de força chega a conservar uma
parte do poder em favor de relações novas” (WEIL, 1955, p. 106). E essas novas formas não
se desenvolvem até não serem compatíveis com a nova ordem e não apresentarem perigo real
para os poderes consolidados.
Para que as novas formas surgidas substituam às antigas é imprescindível que um
processo de desenvolvimento prévio as tenha colocado em situação de desempenhar um papel
protagonista no funcionamento do novo organismo social, isto é, “que elas tenham suscitado
forças superiores àquelas das quais dispõem os poderes oficiais”. Isso implica a impossibilidade
de uma “ruptura de continuidade, nem mesmo quando a transformação do regime parece feito
de uma luta sangrenta; pois a vitória então não faz senão usar forças que, desde antes da luta,
constituíam o fator decisivo da vida coletiva, formas sociais que há muito haviam começado a
substituir progressivamente aquelas sobre as quais repousava o regime em decadência” (WEIL,
1955, p. 106).5 As formas que adotem as novas instituições não revestem uma grande
importância, prosseguia Weil; o crucial é que, quando tentamos “desvendar seu mecanismo,
5 Curiosamente, Mill, pensava da mesma forma: “Os efeitos repentinos na história são geralmente superficiais.
Causas que se aprofundam nas raízes de eventos futuros produzem apenas lentamente as partes mais
importantes de seus efeitos e têm, portanto, tempo para se tornar parte da ordem familiar das coisas antes que a
atenção geral seja atraída para as mudanças que estão acarretando; pois, quando as mudanças se tornam
realmente evidentes, muitas vezes não são percebidas por observadores ligeiros como relacionadas de qualquer
forma peculiar com a causa. As consequências mais remotas de um novo fato político raramente são
compreendidas quando ocorrem, exceto quando tiverem sido apreciadas anteriormente”. (STUART MILL, J.
Capítulos sobre o Socialismo. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 40).
19
não perceberemos senão um morno jogo de forças cegas que se unem ou se chocam, que
progridem ou declinam, que substituem umas as outras, sem jamais deixar de esmagar sob seu
peso os infelizes seres humanos. Essa sinistra engrenagem não apresenta à primeira vista
nenhum defeito por onde uma tentativa de libertação possa achar passagem” (WEIL, 1955, p.
106).
Infetados de singulares modos de pensar, de novas representações sociais e de
uma cosmovisão que entrasse em contradição com o existente, os homens poderiam ir
lavrando um novo caminho que encontraria, ou não, um domínio que forjasse sua expressão
histórica própria. Só uma mudança dos sitten, da concepção do mundo, que englobaria
inexoravelmente a relação com o mundo material, poderia fazer surgir com um mínimo de
garantias uma plataforma para uma transformação social radical.
Em síntese, ancorada a civilização em sua incapacidade para se reinventar ou para
mudar seus contornos por meio de um brusco e deliberado golpe de leme, que alternativa
lançava Weil como revulsivo a esta situação? Que podiam opor os homens a esta realidade? A
resposta era tão desalentadora quanto o diagnóstico: nada, ou quase nada. E era lógico:
Simone Weil não podia avançar um plano de ação sem cair no maior dos descréditos, já que
propor uma via de salvação através de uma razão teórica que escrutasse de fora e do alto era
escapar do fogo para cair na fogueira. As poucas orientações que deixou escritas não podiam
mais que parecer absurdos conformistas para os impacientes da Revolução. E o motivo
principal era sua recusa a aceitar a uma “luta de classes” como principio reitor das sociedades.
Como esperar que nos anos trinta isso não fosse uma provocação?
Sabemos bem qual era o papel da luta de classes para Marx e seus discípulos; e
também para o sindicalismo revolucionário e o anarquismo. “Que solidariedade pode existir,
com efeito, entre o capitalista e o operário a quem este explora?” (KROPOTKIN, 2001, p.
47), se perguntava Kropotkin, enquanto Bakunin afirmava que “é preciso ser ou muito
taimado ou muito ingênuo, verdadeiramente, para atrever-se a dizer que entre dois interesses
tão sérios e tão completamente opostos é possível uma reconciliação qualquer” (BAKUNIN,
1980, p. 146). Do mesmo parecer era Sorel, quando afirmava que unicamente o sindicalismo
revolucionário encarnava o que há “de verdadeiro no marxismo, de profundamente original,
de superior a todas as fórmulas: a saber, que a luta de classes é o alfa e ômega do socialismo;
que não é um conceito sociológico para uso dos sábios, mas o aspecto ideológico de uma
guerra social empreendida pelo proletariado contra todos os chefes de indústria; que o
Sindicato é o instrumento da guerra social” (SOREL, 1977, p. 18). Pouget, numa diatribe
contra Jaurès, declarava que este não levava em “consideração o permanente estado de guerra
20
entre o capital e o trabalho. Ora, o simples bom senso sugere que, sendo o patrão o inimigo,
para o operário não há maior deslealdade por sua parte em levantar emboscadas contra seu
adversário que em combatê-lo a cara descoberta” (POUGET, s/d, p. 31). E Besnard ardia de
cólera quando escutava falar em colaboração de classe, “não somente um imenso embuste,
mas ainda um perigo extremamente sério que convêm evitar” (BESNARD, 1988, p. 44).
Não resulta difícil entender, à vista destas questões, a escassa ressonância dos
escritos de Weil nos meios operários, entre trabalhadores desejosos de dinamitar as bases de
um mundo que não lhes tinha sido propício. No melhor dos casos Weil provocava incêndios
de indignação e incompreensão. Não era natural a decisão de depositar sobre a vontade
monstruosa de algum nome próprio a responsabilidade de um processo que tinha cobrado um
impulso próprio? “Conhecidas são as condições do trabalho industrial. Não é culpa de
ninguém” (WEIL, 2010, p. 67), sentenciava Weil. Sendo a função da indústria naturalmente
opressiva, o temperamento do patrão constituía um fator que podia agravar ou facilitar a
existência dos trabalhadores, mas o que não estava ao seu alcance era a redenção dos
operários. Numa carta a Victor Bernard, Simone Weil escreve: “Eis aqui o que existe de
terrível na forma moderna de opressão social; e a bondade ou a brutalidade de um chefe não
pode mudar muito as coisas. Reparará claramente em que o que acabo de dizer é aplicável a
qualquer ser humano nessa mesma situação, seja quem for” (WEIL, 2010, p. 85). E se
pergunta: “Qual é a situação do patrão com relação a essas máquinas? Ele é tão escravo da
fábrica quanto os operários” (WEIL, 2002, p. 136). 6
Weil insistia na futilidade da luta de classes, embora seu propósito não fosse a
criação de um idílico romance entre classes, mas abolir o sistema que as propiciava, e que,
segundo ela, e a diferença de Marx, explorava tanto a uns quanto aos outros. A única
possibilidade de salvação consistiria numa cooperação metódica de todos os poderosos e fracos,
visando uma descentralização progressiva da vida social; mas “o absurdo de tal ideia salta
imediatamente aos olhos”. Tal cooperação não pode se imaginar nem mesmo em sonhos numa
civilização que repousa sobre a rivalidade, a luta, a guerra. “Fora de tal cooperação é impossível
interromper a tendência cega da máquina social em direção a uma centralização crescente, até
6 De igual forma, Mumford sustentava que “o centro da autoridade [...] já não é uma autoridade visível, um rei
todo-poderoso; até nas ditaduras totalitárias, o centro radica agora no próprio sistema, invisível, mas onipotente,
já que todas as componentes humanas, incluída a elite técnica e diretiva, inclusive a sagrada classe sacerdotal da
ciência [...] se encontram por sua vez presos pela mesma perfeição da organização que eles mesmos inventaram”.
(MUMFORD, L. Técnicas Autoritarias y Democráticas, IN: KRANZBERG, M; DAVENPORT, W. (Comp.)
Tecnología y Cultura. Barcelona: Gustavo Gili, 1978, p. 57). Antes, também Morris, o “socialista sentimental”
(Engels), manifestou uma similar quando se dirigia aos patrões “implorando-lhes que renunciem a suas
pretensões de classe e unam sua sorte à dos trabalhadores. Talvez algum deles se mantenha afastado e não
fomente ativamente a causa na que acredita por esse medo à organização”. (MORRIS, W. Como vivimos y
cómo podríamos vivir. Logroño: Pepitas de Calabaza, 2004, pp. 133-134).
21
que a própria máquina trave brutalmente e voe em pedaços. Quanto podem pesar os desejos e
votos daqueles que não estão nos postos de comando, enquanto que, reduzidos à impotência
mais trágica, eles são os simples joguetes de forças cegas e brutais? (WEIL, 1955, pp. 156-
157).
Apesar de ser ciente de que o capitalismo constituía um regime profundamente
opressivo, expressava uma opinião dos patrões que se parecia muito com a indulgência,
extremo que muitos militantes não podiam senão deplorar. “Não é menos verdade, afirmava,
que o sistema capitalista significa essencialmente o sacrifício do operário não para o bem-
estar ou o luxo do patrão, mas para o crescimento da empresa, quer dizer, o crescimento do
aparelho de produção, minas, máquinas, fábricas”. Weil desvanecia assim a centralidade da
figura do capitalista como imagem e símbolo da opressão transferindo-a ao feixe de
significações mentais e materiais do capitalismo, e combater uma abstração sempre era
infinitamente mais difícil de combater que a um individuo. A exploração era inegável, mas
“sempre o trabalho arrebatado ao operário é empregado para desenvolver o aparelho de
produção, num processo que não tem fim, devido à competência” (WEIL, 2007, p. 337).
Weil varria, simplesmente, com um dos pilares sobre os que se arquitetava toda
teoria revolucionária, a luta de classes, para transferir a responsabilidade da exploração ao
mecanismo cego da técnica e as condições mentais que propiciavam seu desenvolvimento.7
Essa engrenagem transbordava, em certa maneira, as decisões pessoais dos capitalistas. A luta
de classes como elemento central da história entre dominantes e dominados, porém, esteve
presente nos primeiros textos de Weil. Bem é verdade que em novembro de 1931, nas
Reflexões referentes à Crise Econômica, escritas para o Boletim da Secção do Alto Loira,
ainda fazia referência à luta de classes; mas, posteriormente, irá se desprendendo de forma
progressiva desse lastro teórico.
7 Weil não podia esperar que neste ponto os teóricos do movimento operário fossem compreensivos. Sorel,
grande patrocinador da luta de classes, após esboçar o paradoxo do progresso como elemento indiscutível para
ambos os lados, acusa de idealismo o abandono da táctica da confrontação. “Há no mundo capitalista um
progresso real [...] que é a contradição necessária da revolução socialista. Este progresso real, que alberga no
seio da técnica de produção, é igualmente aplaudido pelos burgueses que abençoam a possibilidade de uma
vida mais longa, e pelos socialistas que o contemplam como uma garantia de uma revolução que visaria a
supressão dos patrões. Assim, os marxistas denunciaram sempre os filantropos como reacionários perigosos,
que para tratar de evitar ao povo os sofrimentos provocados pela grande transformação econômica, desejavam
entravar o progresso real mediante regramentos. Os intelectuais se esforçaram sempre para compreender como
os possuidores e os revolucionários puderam se entender, neste ponto, sobre o valor do progresso real. Sempre
lhes pareceu que o que devia ser uma vantagem para os primeiros deveria ser odioso para os segundos [...]
Muitos pensaram que a admiração que manifestaram nossos contemporâneos pelo progresso real, poderia
testemunhar em favor de uma harmonia de interesses; toda a filosofia social se reduziria a saber se cada grupo
se beneficiou tanto quanto merecia. A verdadeira questão, para os revolucionários, é a de julgar os fatos do
presente em relação ao porvir que eles preparam; é esta forma de pensar que não compreendem muitos dos
profissionais do idealismo”. (SOREL, G. Les Illusions du Progrès. Paris: Marcel Rivière, 1947, p. 277).
22
Em definitivo, não era do resultado do enfrentamento histórico entre explorados e
exploradores que a História presenciaria o final da exploração, senão a través de uma
cooperação que era, e ela sabia bem disso, absurda e improvável. Perante este panorama
pouco alentador para as esperanças de emancipação dos trabalhadores, Weil imaginava
algumas tarefas que não seriam prejudiciais.
Que fazer, então: “Nada, senão esforçar-se para pôr um pouco de molejo nas
engrenagens da máquina que nos tritura; aproveitar todas as ocasiões para despertar o
pensamento por toda parte onde for possível; favorecer tudo o que e suscetível, no domínio da
política, da economia ou da técnica, de deixar aqui e ali ao individuo uma certa liberdade de
movimentos no interior dos laços em que é tolhido pela organização social”. Isto, é claro, era
quase uma rendição e resultava frustrante para os oprimidos. Mas para Weil acalentar ilusões
sobre libertações heroicas da classe operária eram levitações teóricas. “No conjunto, a situação
em que estamos é bastante semelhante à dos viajantes completamente ignorantes que se
encontrassem num automóvel lançado a toda velocidade e sem motorista através de uma região
acidentada” (WEIL, 1955, p. 158).
A pesar do seu turbulento tempo, Simone Weil não se deixou levar pela emoção:
“Quando se produzirá a ruptura depois da qual poderá ser o caso de procurar construir alguma
coisa de novo? Talvez seja uma questão de dezenas de anos, ou mesmo de séculos. Nenhum
dado permite determinar um prazo razoável”.
CAPÍTULO 3. A FINALIDADE DOS MEIOS
Como acabamos de ver, para Weil o modelo capitalista de indústria avançada não
podia aspirar legitimamente a consolidar um regime de igualdade e justiça, já que suas
premissas negavam esses princípios de raiz. Ademais, um sistema técnico requeria o
acompanhamento de um conjunto de condições sociais que envolvessem esse sistema; isso
significava que para uma civilização desenvolvida tecnologicamente era imperativo que a
organização social possuísse um formato cuja elasticidade encontrasse seus limites nos
confins das exigências sociais, econômicas e mentais desse mesmo modelo. Quem poderia
pensar em fazer um uso que não fosse capitalista da técnica capitalista? Poderia existir um uso
“medieval” de dita técnica?
As grandes questões que sua, nossa, época não tinha podido resolver, como o grau
de pertinência do conteúdo semântico das palavras, o imperialismo de mistificações
solidamente assentadas que guiavam a conduta humana, a tendência a atuar em função de
23
slogans carentes de sentido, mas respeitados em tanto que consignas inquestionáveis de
partidos ou organizações revolucionárias; o embotamento, enfim, do sentido crítico e a
exigência de independência intelectual, nem sequer tinham sido colocadas sob a límpida luz
da verdade e a beleza.
“Em todos os âmbitos parece que perdemos as noções essências da inteligência, as noções
de limite, medida, grau, proporção, relação, correspondência, condição, vinculação
necessária, conexão entre meios e resultados. Para se ater aos assuntos humanos, nosso
universo político está povoado exclusivamente de mitos e de monstros; não conhecemos
senão entidades, absolutos. Todas as palavras do vocabulário político e social poderiam
servir de exemplo. Nação, segurança, capitalismo, comunismo, fascismo, ordem, autoridade,
propriedade, democracia, poderiam ser tomadas uma após outra. Nunca as utilizamos em
fórmulas tais como: há democracia na medida em que... [...] Cada uma destas palavras
parece representar uma realidade absoluta, independente de qualquer condição, ou uma
meta absoluta, independente de todos os modos de ação, ou um mal absoluto; e ao mesmo
tempo, sob cada uma dessas palavras colocamos sucessivamente ou inclusive
simultaneamente qualquer coisa [...] atuamos, lutamos, nos sacrificamos a nós mesmos e
aos outros em virtude de abstrações cristalizadas, isoladas, impossíveis de por em relação
entre si ou com coisas concretas. Nossa época supostamente técnica não sabe mais do que
combater contra moinhos e vento” (WEIL, 1960, pp. 158-159).
O que a crítica social deveria visar não era uma determinada organização do dado,
mas o mecanismo social sobre o que essa organização se erigia, já que por seu funcionamento
cego, está em vias “de destruir todas as condições de bem-estar material e moral do individuo,
todas as condições do desenvolvimento intelectual e da cultura. Dominar esse mecanismo é
para nós uma questão de vida ou morte; e dominá-lo e submetê-lo ao espírito humano, isto é,
ao individuo” (WEIL, 1999, pp. 268-269). O surpreendente seria, porém, que se chegasse a
algo melhor partindo de uma tradição “absolutamente lendária e ilusória, a de 1793, e
empregando o método mais defeituoso possível: o de valorar cada guerra pelos fins perseguidos
e não pelo caráter dos meios empregados. Não se trata de que seja melhor censurar em geral o
uso da violência, como fazem os pacifistas; a guerra constitui, em cada época, uma espécie bem
determinada de violência, e cujo mecanismo é necessário estudar antes de realizar qualquer
juízo (WEIL, 1960, p. 233).
O modelo de Revolução triunfante, a Revolução Russa, tinha cooperado na
disseminação desse espírito de 1793, catapultando com ela as teses do método materialista,
que consistia em examinar os fatos humanos levando em conta menos os fins perseguidos que
as consequências necessárias implícitas no desenvolvimento dos meios empregados. “A partir
daí pouco importa que a guerra seja defensiva ou ofensiva, imperialista ou nacional; todo
Estado em guerra está obrigado a empregar esse método, desde o momento em que o inimigo
24
o emprega” (WEIL, 1960, pp. 233-234). Marx, “é verdade, analisa e desmonta com uma
admirável clareza o mecanismo da opressão capitalista; mas ele se da conta de que não
podemos nem mesmo imaginar como, com as mesmas engrenagens, o mecanismo poderia um
belo dia transformar-se a ponto de que a opressão se desvaneça progressivamente” (WEIL,
1955, p. 185). Lênin levou esta inconsequência a limites grotescos. Após ter constituído um
partido para consumar a desaparição progressiva do Estado e instaurar uma ditadura
proletária, viu-se preso no labirinto do próprio Estado “operário”. E era natural: “o erro mais
comum e o mais mortal, em matéria de política, é pensar que, para realizar um grande
desígnio, basta com levar adiante um meio poderoso. Um meio poderoso nunca é poderoso
para qualquer coisa, mas tão só para levar a cabo aquilo que resulta necessariamente de sua
estrutura” (WEIL, 2007 p. 224) .
“Seria a maior lerdeza e a mais absurda utopia”, afirmava o bolchevique, “supor
que se pode passar do capitalismo ao socialismo sem coerção e sem ditadura. A teoria
marxista pronunciou-se faz muito, e do modo mais rotundo, contra este absurdo pequeno-
burguês e anarquista” (LÊNIN, 1977, p. 115).8 Mas, com independência do que o oráculo
marxista tivesse vaticinado, não era menos absurdo supor que subordinar uma nação a um
poder central ferrenhamente centralizado poderia ser o caminho idôneo para a consecução de
um regime democrático.9
Destacados marxistas como Gramsci e Togliatti não sentiram nenhuma
curiosidade especial por este assunto, tal vez porque, como afirmavam em 1919, “quem quiser
os fins, tem querer também os meios”. E depois se perguntavam: “Como dominar as imensas
forças desencadeadas pela guerra? Como discipliná-las e dar-lhes uma forma política que
contenha em si a virtude de desenvolver-se normalmente, de integrar-se continuamente até se
converter em formato do Estado socialista no qual encarnará a ditadura do proletariado?”
8 Kumar comenta que a obra de Engels The Condition of the Working Class in England, publicada na Alemanha
em 1845, e na Inglaterra só em 1887, tornando-se imediatamente um clássico, teve um profundo impacto em
Lênin. (KUMAR, Krihan. Prophecy and Progress. London: Penguin, 1979, p. 50). Nunca reparou, em vista do
que Engels citava em sua obra, em que aguçar a disciplina fabril constituísse um esplêndido argumento contra a
instauração de um regime diametralmente oposto do que pregava. 9 Weber, num ataque dirigido à Revolução Espartaquista, atingia por elevação aos bolcheviques sobre as
incongruências de querer conquistar o poder para decretar a liberdade. “Até agora também não tem inovado
nada fundamental a este respeito à estrutura atual do Estado revolucionário, que entregou o poder da
administração a uns diletantes puros que dispunham das metralhadoras e gostariam de utilizar os funcionários
profissionais só como mente e braço executor [...] Qual é a verdadeira relação entre ética e política? [...] Será
verdade que é perfeitamente indiferente para as exigências éticas que à política se dirigem o fato de esta ter
como meio de ação o poder, após o qual está a violência? Não estamos vendo que os ideólogos bolcheviques e
espartaquistas obtêm resultados idênticos aos de qualquer ditador militar precisamente porque se servem desse
instrumento da política? Em que outra coisa, se não é na pessoa do titular do poder e em seu diletantismo, se
distingue a dominação dos conselhos de operários e soldados da de qualquer outro governante do antigo
regime?” (WEBER, Max. El Político y el Científico. Barcelona: Círculo de Lectores, 1999, pp. 55-95). Note-se,
ademais, o costume dos líderes bolcheviques de desqualificar a seus adversários ideológicos aplicando-lhes a
cantilena de “pequenos burgueses” e anarquistas”
25
(GRAMSCI, BORDIGA, 1975, pp. 67-71).10 E não eram os únicos que relativizavam os
meios. “Um meio excelente hoje pode ser ruim amanhã, já que haverão mudado as condições
que o justificavam hoje” (BEBEL, 1978, p. 17) sentenciava Bebel, e Lukács, refletindo sobre
a degradação da subjetividade humana num sistema de divisão do trabalho avançado afirmava
que “a atitude contemplativa diante de um processo mecanicamente conforme às leis e que se
desenrola independentemente da consciência e sem a influência possível de uma atividade
humana”, exigia que os trabalhadores fossem igualmente fragmentados de modo racional. “Por
um lado, seu trabalho fragmentado e mecânico, ou seja, a objetivação de sua força de trabalho
em relação ao conjunto de sua personalidade [...] é transformado em realidade cotidiana durável
e intransponível, de modo que, também nesse caso, a personalidade torna-se espectador
impotente de tudo o que ocorre com sua própria existência, parcela isolada e integrada a um
sistema estranho” (LUKÁCS, 2003, pp. 203-205). Não era esta uma descrição bastante fiel e
ajustada à realidade do capitalismo industrial? Então, como, reforçando esse sistema
degradante para o trabalhador, seria possível atingir um patamar onde reinasse a liberdade e a
harmonia? Levando a opressão até o ponto mais álgido, veríamos então as possibilidades de
redenção pela tecnologia?11 Desapareceria por arte de magia a configuração mental ultra
racionalista dos homens que os levava a produzir sem descanso? Como se daria esse processo
que erradicaria a eficácia e o utilitarismo como princípios diretrizes da conduta?
Sobre a correspondência, ou a ausência de, entre meios e fins, Weil tinha alguns
antecedentes no campo libertário. Godwin foi um dos mais taxativos: “Nenhum erro é mais
deplorável que o que nos induz a empregar meios imorais e perniciosos, em defesa de uma
causa justa” (GODWIN, 1986, p. 127); e Bakunin, dissertando sobre a liberdade afirmava que
não só os meios e os fins deviam possuir uma economia interna, mas também que as
sinédoques, tomando uma parte pelo todo, propiciavam, na arena social, a resultados terríveis.
Assim, a liberdade, era “indivisível; não é possível suprimir nela uma parte sem destruí-la por
completo em seu conjunto. Esta pequena parte de liberdade que está sendo limitada é a
essência mesma de minha liberdade, é tudo” (BAKUNIN, 1978, p. 258).
Malatesta, por seu lado, escrevia que “enganando-nos na escolha dos meios, não
alcançamos o objetivo contemplado” (MALATESTA, 2008, p. 65), e contemplava a
“anarquia aceitada e praticada por todos”, não como coisa de um dia nem um simples ato
10 Por sua parte, Deutscher fantaseia com as supostas tendências libertárias de Trotsky, e o apresenta como uma
figura trágica condenada pela História. “Foi outra das ironias da história que Trotsky, o aborrecedor do Leviatã,
se tornasse o primeiro arauto de sua ressurreição”. (DEUTSCHER, Isaac. Trotsky, el profeta armado. Santiago:
ERA, 2007, p. 546). Na realidade, isso não teve nada a ver com as ironias da História. 11 Sobre o assunto, ver: CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado. São Paulo: COSACNAIFY, 2008, p.
213.
26
insurrecional: “o importante é o método com o qual se conseguem o pouco ou o muito”
(RICHARDS, 2007, p. 71). E ainda: “todo fim requer seus meios, visto que a moral deve ser
buscada no objetivo, os meios são fatais [...] Encontrar o bom meio, tal é o segredo dos
grandes homens e dos grandes partidos que deixaram marcas na historia” (RICHARDS, 2007,
p. 71). E Rudolf Rocker, fazendo eco aos seus correligionários, sustentava que ”uma
organização não é, em definitivo, mais do que um meio para determinada finalidade. Quando
se torna um fim em si mesmo, mata o espírito e a iniciativa vital de seus membros,
estabelecendo esse domínio da mediocridade que é próprio da burocracia” (ROCKER, 1979,
p. 100).
Não obstante, a questão que se colocava no caso dos anarquistas era que sem
serem, a exceção de alguns casos, partidários da desaceleração do desenvolvimento das forças
produtivas, e sendo, além disso, plenamente cientes da subordinação à máquina que esse
desenvolvimento exigia, não ficava claro como pensavam erigir uma ordem social igualitária
sobre essas bases.12
Alguns espíritos brilhantes como Herzen, advertiram de que “nenhum fim
longínquo, nenhum chamado a princípios gerais nem homens abstratos pode justificar a
supressão da liberdade, nem a fraude, a violência ou a tirania” (Cf. BERLIN, 1992, p. 211),
enquanto Morris denunciava “a superstição do comércio como fim em si mesmo, de que o
homem foi feito para o comércio, e não o comércio para o homem” (MORRIS, 2004, 115); e
inclusive o próprio Max Weber incidia no mesmo argumento, embora de uma forma bastante
ambígua, quando escrevia que quem utiliza como meios o poder e a violência sela um pacto
com o diabo, “de tal modo que já não é verdade que em sua atividade o bom produza o bem e o
ruim o mal, senão que frequentemente acontece o contrário”. Estes problemas podem ser
colocados também a todos aqueles técnicos que, muito frequentemente, “têm que decidir de
acordo com o principio do mal menor ou do relativamente melhor. A diferença estriba em que a
12 Simone Weil, que integrou uma milícia anarquista no verão de 1936 na Espanha, escrevia assim sobre o que
tinha observado durante aquele período em que os anarquistas tinham tomado o pulso da vida social e econômica
em algumas regiões da Península. “Lênin era o chefe de um partido político, de uma máquina de tomar e exercer
o poder. Pode-se questionar sua boa fé e a de seus companheiros; ao menos pode-se pensar que havia
contradição entre os objetivos definidos por Lênin e a natureza de um partido político. Mas não se pode por em
dúvida a boa fé de nossos camaradas libertários na Catalunha. Porém, que vemos lá? Também lá vemos
produzirem-se formas de coação, casos de desumanidade claramente contrários ao ideal libertário e
humanitário dos anarquistas. As necessidades e a atmosfera de guerra civil prevalecem sobre as aspirações que
tratam de defender por meio da guerra civil [...] Há coação no trabalho [...] acabam de decretar a obrigação,
para os operários, de efetuar tantas horas suplementarias não pagas como se fossem precisas. Outro decreto
prevê que os operários que não produzam a um ritmo suficiente serão considerados facciosos e tratados como
tais; o que significa, simplesmente, a aplicação da pena de morte na produção industrial [... ] A mentira
organizada existe, também, desde o 19 de julho”. (WEIL, Simone. Réflexions pour dépleire IN: OEuvres. Paris:
Gallimard, 1999, pp. 401-402).
27
estes técnicos já se lhes apresentou o principal de antemão; que é o fim” (WEBER, 1999, pp.
101-144).
O sistema industrial, que prometia absolvição do pecado de impotência física dos
homens confrontados à natureza, acabava por arrebatar o sentido último do trabalho, tornando
os trabalhadores simples peças intercambiáveis.13 “Realizaram-se unicamente esforços para
subsistir. Tudo é interminável nesta existência; sua finalidade não se vê por nenhuma parte: a
coisa fabricada é um meio; alguma coisa que será vendida. Quem pode fazer dela seu bem? [...]
Não há que buscar em outra parte as causas da desmoralização do povo. A causa está ai, é
permanente, é essencial à condição do trabalho” (WEIL, 1961, p. 262).14 Neste aspecto, Weil
mostrou-se expeditiva: a opressão não se sustentava em determinada articulação política,
senão no próprio regime industrial, que por sua vez era uma forma pura de política. “O único
caráter próprio deste regime é que os instrumentos da produção industrial são ao mesmo
tempo, as principais armas na corrida pelo poder; mas, sempre, os procedimentos desta
corrida, sejam os que forem, submetem aos homens com a mesma vertigem e se impõem a
eles como fins absolutos” (WEIL, 1955, p. 94). O fim absoluto, como apontava Herzen, é “a
submissão do individuo à sociedade – ao povo – à humanidade – à ideia – é uma continuação
do sacrifício humano. A crucifixão do inocente pelo culpado ... O indivíduo que é a
verdadeira e a autêntica mônada da sociedade, sempre foi sacrificado a um conceito geral, a
algum nome coletivo, a uma ou outra bandeira. Qual era o propósito do sacrifício? Isto nem
sequer se perguntou” (Cf. BERLIN, 1992, p. 187).15 O propósito do sacrifício consistia em
dar vida a consignas vácuas que ameaçavam com espantosos assoalhos humanos, sempre em
busca da força necessária para aceder a um novo patamar da sociedade: “A força não é uma
máquina de criar automaticamente justiça. É um mecanismo cego de onde saem ao acaso,
indiferentemente, os efeitos justos ou injustos, mas, pelo jogo das probabilidades, quase
13 Paralelamente a Weil, Friedmann elaborava uma crítica do industrialismo que responsabilizava a essa falta de
economia entre fins e meios da loucura geral da época. “Devemos nos lembrar que os meios, quaisquer que
sejam, se inscrevem em um conjunto, em uma civilização, que lhes imprime sua marca, seus constrangimentos,
seus fins. Daí a utilização feita de certas possibilidades em um quadro determinado” (FRIEDMANN, Georges.
7 Estudos sobre o homem e a técnica. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, p. 40). Hannah Arendt, por
sua parte, chegava à conclusão de que “o problema radica em que a natureza da rede categorial de fins e meios
transforma imediatamente cada fim conseguido nem meio para um novo fim, e, deste modo, ali onde é aplicada,
destrói o sentido, inclusive no seio do aparentemente inacabável interrogar utilitarista: Qual é o uso de...? No
seio de um inesgotável progresso, em que o fim de hoje se converte no meio de um futuro melhor, a única
pergunta que surge e que nenhum pensamento utilitarista pode jamais contestar é ‘E qual é o uso do uso?’ como
o exprimiu Lessing”. (ARENDT, Hannah. De la Historia a la Acción. Buenos Aires: Paidós, 2008, p. 63). 14 Becker formulou de maneira mais clara ainda os extremos da questão: “Qual é o preço da ordem? Qual é o
preço da industrialização? Que devemos conservar da ordem benéfica da sociedade tradicional enquanto tentamos
eliminar suas injustiças e suas desigualdades? Como pode conservar-se o bom e rejeitar o mau? É um beneficio
absoluto a industrialização? Podem ser previstos o remediados seus maus efeitos?”. (BECKER, Ernest. La
Estructura del Mal. Un ensayo sobre la unificación de la ciencia del hombre. México: FCE, 1980, p. 73). 15 HERZEN, reproduzido IN: BERLIN, I. Los Pensadores Rusos. México: FCE, 1992, p. 187.
28
sempre injustos [...] Se a força for absolutamente soberana, a justiça é absolutamente irreal”
(WEIL, 1949, p. 205). 16
Simone Weil compreendeu, não só que um fim sem glória ou utilidade neutraliza
o meio, mas que “esta inversão da relação entre o meio e o fim é a loucura fundamental que
da razão de tudo o que de insensato e sangrento há ao longo da história. A história humana é a
história da escravidão que faz dos homens, tanto dos opressores quanto dos oprimidos, o
simples brinquedo dos instrumentos de dominação que eles mesmos fabricaram. (WEIL,
1955, p. 95). Essa certeza não devia, porém, ser entendida como álibi para entregar-nos a um
abismo de opróbrio, nem nos autorizava a brutalizar a existência, resignada perante a
tremenda estupidez e feiura que governa o mundo. Para isso era necessária a verdadeira
atenção, mas “a atenção verdadeira é um estado tão difícil para o homem, tão violento, que
qualquer turbação pessoal da sensibilidade basta para obstaculizá-la. Daí a obrigação
imperiosa de proteger, tanto como for possível, a faculdade de discernimento que se tem em si
mesmo contra o tumulto das esperanças e dos temores pessoais” (WEIL, 2000, p. 111).
Em novembro de 1933, Weil publicou um artigo em La Critique Social, em que se
lia: “um aparato opressor continua sendo tal desde que se constitui até que é destruído”
(WEIL, 1960, p. 234). Em outras palavras, a pretensão de usá-lo já define o resultado: “A
sociedade atual não dá outros meios de ação que não máquinas para esmagar a humanidade;
quaisquer que possam ser as intenções daqueles que as tomam nas mãos, essas máquinas
esmagam e esmagarão enquanto existirem”. Os grandes presídios fabris não podiam fabricar
senão escravos industriais, nunca trabalhadores livres que conformassem uma classe dominante.
“Com canhões, aviões, bombas, pode-se espalhar a morte, o terror, a opressão, mas não a
vida e a liberdade. Com as máscaras de gás, os abrigos, as alertas, pode-se forjar
miseráveis rebanhos de enlouquecidos, prontos a ceder aos terrores mais insensatos e a
acolher com reconhecimento as mais humilhantes tiranias, mas não cidadãos. Com a
grande imprensa, a TSF, pode-se fazer todo um povo engolir, juntamente com o café da
manhã ou a refeição da noite, opiniões prontas, e por isso mesmo absurdas, pois mesmo
pontos de vista racionais se deformam e se tornam falsos no espírito de quem os recebe
sem reflexão; mas não se pode, com essas coisas, suscitar nem um lampejo de pensamento.
E sem fábricas, sem armas, sem grande imprensa, nada se pode contra os que possuem
tudo isso. Assim é em relação a tudo. Os meios poderosos são opressivos, os meios fracos
são inoperantes. Todas as vezes que os oprimidos quiseram construir grupos capazes de
exercer uma influência real, esses grupos, com o nome de partidos ou sindicatos,
reproduziram integralmente em seu meio todos os vícios do regime que pretendiam
reformar ou derrubar, isto e, a organização burocrática, a inversão da relação entre os
16 Com sua habitual sagacidade, Arendt observou: “A violência é, por natureza, instrumental; como todos os
meios sempre precisam de um guia e uma justificação até lograr o fim que persegue. E o que precisa
justificação por algo, não pode ser a essência de nada”. (ARENDT, Hannah. Sobre la Violencia. Madrid:
Alianza, 2006, p. 70).
29
meios e os fins, o desprezo pelo indivíduo, a separação entre o pensamento e a ação, o
caráter maquinal do próprio pensamento, a utilização do embrutecimento e a mentira
como meios de propaganda, e assim por diante” (WEIL, 1955, pp. 156-157).
A Revolução, em definitivo, não podia dar um sentido à vida humana; para aqueles que
faziam dela o fio condutor de sua existência “o sucesso seria a maior das desditas, exatamente
igual que o caçador, assim o viu Pascal, é infeliz por ter atingido o animal perseguido, porque
desde esse momento a caça terminou”. A revolução é uma luta constante contra tudo o que
conspira contra a vida, mas sempre será um meio, e “se o fim perseguido é vão, o meio perde
seu valor” (WEIL, 2007, p. 103).
Simone Weil entregou sua vida levando até o limite o abandono de si que
pregava; mas não é menos verdade que esse foi, nela, um ato de amor puro. Seu estoicismo
nunca lhe concedeu o direito a desfrutar de uma existência despreocupada enquanto seus
irmãos sofriam. Spinoza, a quem respeitava sinceramente, não teria aprovado a extrema
coerência que a levou a realizar uma “daquelas ações que a natureza humana abomina”, como
não se esforçar por “evitar a sua própria morte e coisas análogas, às que ninguém pode ser
induzido mediante prêmios nem ameaças” (SPINOZA, 1986, III, § 24-29). Longe de esperar
recompensas, Simone Weil não fez mais do que seguir a máxima de seu admirado Marco
Aurélio com a maior das consciências: “entrega-te sem reservas à Parca, deixando-a tecer tua
vida com todos os acontecimentos que lhe aprouverem” (MARCO AURÉLIO, 1957, IV,
XXXIV) Nunca ignorou que “o desejo do bem totalmente puro implica a aceitação para si do
último grau de infelicidade” (WEIL, 1993, p. 111).
30
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