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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA PARTE 2 1. Simetrias O conceito de simetria é de fundamental relevância na Mecânica Clássica, pois está intimamente ligado à própria ideia de movimento. As relações físicas e geométricas entre simetria e movimento são particularmente claras na denominada formulação ativa de uma transformação suave, ponto pelo qual iniciamos este tópico. 1.1. Transformações ativas. Seja f (x, y) uma função suave f : R 2 R. Podemos considerar como domínio de f qualquer variedade M. Na prática, expressaremos sempre a função f em alguma carta de M e, portanto, teremos sempre algo do tipo f : R n R, pois todas nossas análises são estritamente locais (i.e., restritas à vizinhança coberta pela carta). A opção n =2 é meramente uma simplificação para gráficos e exemplos, não é difícil estender para n arbitrário todos nossos resultados e conclusões. A extensão para funções a valores vetoriais, f : R n R m , também é análoga. Consideremos agora a família de curvas suaves Γ x, ¯ y) : R R 2 definidas como Γ x, ¯ y) = (x, y) R 2 |x = ux, ¯ y,α),y = vx, ¯ y,α)R , (1) com a propriedade Γ x, ¯ y) α=0 = (¯ x, ¯ y), a qual é obviamente equivalente a ux, ¯ y, 0) = ¯ x e vx, ¯ y, 0) = ¯ y. Em palavras, Γ x, ¯ y) é uma curva suave em R 2 que passa pelo ponto x, ¯ y). Como toda curva suave, seu vetor tangente é ~ V x ˆ ı y ˆ , sendo o ponto a derivada em relação ao parâmetro α da curva. Já sabemos que ~ V T M. Sabemos também que, dado um campo vetorial ~ V (x, y), podemos determinar as funções u e v resolvendo-se o sistema de EDO ˙ x ı · ~ V (x, y), ˙ y · ~ V (x, y). (2) Como nossa preocupação é apenas local, a existência e unicidade dessas soluções estão garantidas com restrições mínimas sobre o campo ~ V T M. Podemos interpretar Γ x, ¯ y) como o movimento de algum corpo pontual de teste que, para α =0, está no ponto x, ¯ y). Considerando-se arbitrário o ponto x, ¯ y), a família de curvas Γ x, ¯ y) corresponderá, de fato, a um fluxo 1 : a cada ponto x, ¯ y) R 2 , temos uma trajetória Γ x, ¯ y) que passa por ele. Em nosso contexto, um fluxo é expresso por uma função Γ: R 2 × R R 2 Γ=(u(x, y, α),v(x, y, α)), com u(x, y, 0) = x e v(x, y, 0) = y. (3) 1 Fluxo: uma função suave Φ: R →M, sendo que para todo Q ∈M, Φ(Q, t)= Q 0 ∈M, obedecendo: Φ(Q, 0) = Q e Φ(Φ(Q, t),s) = Φ(Q, t + s). 1

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA

PARTE 2

1. Simetrias

O conceito de simetria é de fundamental relevância na Mecânica Clássica,pois está intimamente ligado à própria ideia de movimento. As relaçõesfísicas e geométricas entre simetria e movimento são particularmente clarasna denominada formulação ativa de uma transformação suave, ponto peloqual iniciamos este tópico.

1.1. Transformações ativas. Seja f(x, y) uma função suave f : R2 → R.Podemos considerar como domínio de f qualquer variedadeM. Na prática,expressaremos sempre a função f em alguma carta deM e, portanto, teremossempre algo do tipo f : Rn → R, pois todas nossas análises são estritamentelocais (i.e., restritas à vizinhança coberta pela carta). A opção n = 2 émeramente uma simplificação para gráficos e exemplos, não é difícil estenderpara n arbitrário todos nossos resultados e conclusões. A extensão parafunções a valores vetoriais, f : Rn → Rm, também é análoga.

Consideremos agora a família de curvas suaves Γ(x,y) : R → R2 definidascomo

Γ(x,y) =

(x, y) ⊂ R2 |x = u(x, y, α), y = v(x, y, α), α ∈ R, (1)

com a propriedade Γ(x,y)

∣∣α=0

= (x, y), a qual é obviamente equivalente au(x, y, 0) = x e v(x, y, 0) = y. Em palavras, Γ(x,y) é uma curva suave em R2

que passa pelo ponto (x, y). Como toda curva suave, seu vetor tangente é~V = xı+ y, sendo o ponto a derivada em relação ao parâmetro α da curva.Já sabemos que ~V ∈ TM. Sabemos também que, dado um campo vetorial~V (x, y), podemos determinar as funções u e v resolvendo-se o sistema deEDO

x = ı · ~V (x, y), y = · ~V (x, y). (2)

Como nossa preocupação é apenas local, a existência e unicidade dessassoluções estão garantidas com restrições mínimas sobre o campo ~V ∈ TM.Podemos interpretar Γ(x,y) como o movimento de algum corpo pontual deteste que, para α = 0, está no ponto (x, y). Considerando-se arbitrário oponto (x, y), a família de curvas Γ(x,y) corresponderá, de fato, a um fluxo1:a cada ponto (x, y) ∈ R2, temos uma trajetória Γ(x,y) que passa por ele. Emnosso contexto, um fluxo é expresso por uma função Γ : R2 × R→ R2

Γ = (u(x, y, α), v(x, y, α)), com u(x, y, 0) = x e v(x, y, 0) = y. (3)

1Fluxo: uma função suave Φ :M× R →M, sendo que para todo Q ∈ M, Φ(Q, t) =Q′ ∈M, obedecendo: Φ(Q, 0) = Q e Φ(Φ(Q, t), s) = Φ(Q, t+ s).

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2 PARTE 2

Funções do tipo (3) são comumente denominadas transformações. Esta in-terpretação como trajetórias de possíveis deslocamentos em R2 é chamadade “ativa”.

Podemos agora nos perguntar como a função f(x, y) varia ao longo dascurvas Γ(x,y). Isso corresponde a considerar a função f : R2 → R restrita àcurva Γ(x,y) ⊂ R2, ou em outras palavras, a considerar f Γ(x,y) como nodiagrama abaixo

R

R2 R

Γ(x,y)fΓ(x,y)

f

Estamos particularmente interessados nos casos em que f Γ(x,y) é constante,i.e., nos casos em que a função f não varia ao longo da curva Γ(x,y). Dizemosque a transformação ativa (3) é uma simetria de f(x, y) quando f Γ(x,y)

for constante para todo (x, y) ∈ R2. Esta condição de simetria pode serexpressa de forma diferencial se lembrarmos que

f Γ(x,y) = f(u(x, y, α), v(x, y, α)) (4)

e que a condição de ser constante (não depender de α) implica emd

(f Γ(x,y)

)= ~V · ∇f = 0, (5)

que naturalmente é a condição que define as curvas de nível da função f .Alguns exemplos ajudarão a compreender melhor estes pontos.

1.1.1. Exemplo: rotações. Consideremos a função f(x, y) = ax2 + y2 e atransformação (

u(x, y, α)v(x, y, α)

)=

(cosα sinα− sinα cosα

)(xy

). (6)

Como

f Γ = (a cos2 α+sin2 α)x2+(cos2 α+a sin2 α)y2+2(a−1)xy cosα sinα (7)

é evidente que f Γ será independente de α para x e y arbitrários apenasse a = 1. Esse é o único caso em que a transformação (6), que correspondea uma rotação por um ângulo arbitrário α, é uma simetria de f(x, y) =ax2 + y2.

1.1.2. Exemplo: rotações hiperbólicas. Que transformações do tipo (3) serãosimetrias da função f(x, y) = x2 − y2? Esta questão pode ser respondidaexplorando-se a condição (5). As transformações serão aquelas cujos vetorestangentes ~V = xı+ y obedecem

~V · ∇f = 2 (xx− yy) = 0, (8)

cuja uma das solução para x e y é x = y e y = x, que é um sistema de EDO2

que admite como solução(x(α)y(α)

)=

(coshα sinhαsinhα coshα

)(xy

), (9)

2Trata-se de um sistema do tipo X = MX, sendo M uma matriz constante. A soluçãogeral é X = eαMX0, sendo X0 a condição inicial e eαM = 1 + αM + 1

2!(αM)2 + · · ·

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 3

sendo x e y constantes de integração. As funções u e v serão

u(x, y, α) = x coshα+ y sinhα, v(x, y, α) = x sinhα+ y coshα, (10)

e assim temos finalmente uma transformação que corresponde a uma simetriade f(x, y) = x2 − y2.

Para estes exemplos simples que consideramos, o fluxo associado às sime-trias de f(x, y) corresponde às suas curvas de níveis, o que de certa formaé intuitivo, já que definimos simetria como um conjunto de possíveis traje-tórias sobre as quais a função f(x, y) é invariante. Nesse contexto, não ésurpresa encontramos alguma arbitrariedade na definição de ~V , como o daequação (8). Se um dado vetor ~V é tangente às curvas de nível de f(x, y)

(este é o conteúdo geométrico da condição de simetria (5)), então g(x, y)~Vtambém será, com g(x, y) arbitrária que não se anula. Notem que se ti-véssemos, por exemplo, uma função f : R3 → R, obteríamos mais de umvetor diretor tangente ~V a partir de (5) e, portanto, mais de uma possívelsimetria, o que é natural já que, nesse caso, as curvas de nível de f serãosubvariedades de dimensão 2 e, portanto, teríamos sempre 2 direções L.I.para possíveis trajetórias contidas nas superfícies de f constante.

Há uma outra maneira de se encarar as expressões (4) e (5) que são deuso muito comum na Mecânica Clássica. Notem, primeiro, que se fizermosuma expansão de Taylor em α para a transformação (3), teremos

u(x, y, α) = x+ αu+ · · · , v(x, y, α) = x+ αv + · · · , (11)

sendo ~V = uı + v o chamado gerador infinitesimal da transformação. Acomposição (4), portanto, corresponde a fazer as substituições x 7→ x + αue y 7→ y + αv em f(x, y), a qual, por sua vez, irá ser alterada como

f(x, y) 7→ f(x+ αu, y + αv). (12)

A condição de simetria (5) é equivalente a dizer que f(x, y) é invariante soba ação da transformação x 7→ x + αu e y 7→ y + αv em primeira ordemem α. Esta será a maneira com que iremos definir todas as simetrias queencontraremos mais adiante.

1.2. Transformações passivas. Há uma outra possível interpretação paraa transformação (3). Considere agora um certo α fixo e que a matriz Jaco-biana

Jα =∂(u, v)

∂(x, y)(13)

seja de posto-completo. Isto nos permite interpretar a transformação (3)como uma mudança de coordenadas (x, y) ↔ (u, v) de R2. A interpretaçãode (3) como uma mudança de coordenadas é chamada de “passiva”. Seja Γαa transformação que, para um dado α, retorne os valores de (u, v) associadosa (x, y), exatamente como a transformação (3). O diagrama abaixo nosajudará com a definição de simetria para transformações passivas. Suponha

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4 PARTE 2

que a função f : R2 → R seja expressa em coordenadas (u, v).

R2(x,y)

R2(u,v) R

ΓαfΓα

f

A transformação passiva (3) é dita uma simetria de f se f Γα : R2 → R forindependente de α. Porem

f Γα = f(u(x, y, α), v(x, y, α)) (14)

e a análise é idêntica ao caso anterior.

2. Simetrias pontuais

Seja a Lagrangiana L(qk, qk; t), k = 1, . . . , n. A primeira noção de si-metria que iremos discutir envolve, basicamente, apenas transformações navariedade de configurações Q parametrizada pelas coordenadas generalizadasqk, i.e., consideramos em todos nossos desenvolvimentos apenas transfor-mações suaves do tipo qk 7→ qk = qk(qj , t), sendo que, de fato, nos interessaapenas a formulação infinitesimal da transformação:

qk 7→ qk = qk + εξk(qj , t). (15)

As funções ξk(qj , t) são chamadas geradores da transformação e sempre estãobem definidas se a transformação for suave na vizinhança da identidade,vejam discussão da seção anterior. Transformações desse tipo, apesar deestarem definidas apenas no espaço de configuração (espaço de base) Q,podem ser estendidas facilmente para todo o fibrado tangente TQ no qual afunção Lagrangiana L está naturalmente definida. Obviamente, a extensãoconsiste em se admitir que as derivadas se transformam como qk 7→ ˙qk =ddt q

k(qj , t), ou na versão infinitesimal

qk 7→ ˙qk = qk + εξk(qj , qj , t), (16)

com

ξk(qj , qj , t) =n∑j=1

∂ξk

∂qjqj +

∂ξk

∂t(17)

Este procedimento também é chamado de “prolongamento” da transformaçãode Q a TQ. Transformações desse tipo recebem o nome de transformaçõespontuais e as simetrias eventualmente derivadas a partir delas são chamadassimetrias pontuais. Em termos de (15) e (16), supondo-se já ε infinitesimal,tem-se

L(qk, qk; t) 7→ L(qk, ˙qk; t) = L(qk, qk; t) + ε

n∑k=1

(ξk∂L∂qk

+ ξk∂L∂qk

). (18)

É evidente que se o termo entre parêntesis for nulo, a função Lagrangiana L éinvariante pelas transformação pontual (15) estendida a todo TQ como (16).Assim, a transformação (15) é dita uma simetria pontual da Lagrangiana.Porém, já sabemos que a Lagrangiana em si não é uma quantidade relevante,ao contrário das equações de movimento (Euler-Lagrange). Portanto, se

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 5

estamos interessados (e sempre estaremos) em simetrias das equações demovimento, podemos admitir situações do tipo

n∑k=1

(ξk∂L∂qk

+ ξk∂L∂qk

)=

d

dtF (qk, t), (19)

pois já sabemos que Lagrangianas que diferem por uma derivada total têmas mesmas equações de Euler-Lagrange.

Exercício 1: Demonstre essa última afirmação: duas Lagrangianasque diferem por uma derivada total têm as mesmas equações deEuler-Lagrange. O que você pode afirmar sobre a inversa dessa afir-mação? Se duas Lagrangianas têm exatamente as mesmas equaçõesde Euler-Lagrange, elas necessariamente diferem por uma derivadatotal? E se usarmos como critério não as equações de Euler-Lagrange,mas sim suas soluções? Em outras palavras, se duas Lagrangianascoincidem na descrição de um certo sistema (quer dizer, obtemosas mesmas soluções a partir das correspondentes equações de Euler-Lagrange), elas necessariamente diferirão por uma derivada total?

Solução. Sejam L(qk, qk; t) e L′(qk, qk; t) duas Lagrangianas tais que

L − L′ =d

dtF (qk, t) =

n∑j=1

∂F

∂qjqj +

∂F

∂t= G(qk, qk; t).

Como o termo da derivada total não contribui ao problema variacional (se res-tringirá a contribuições nos pontos extremos, que são considerados fixos no pro-blema de Euler-Lagrange), não se espera nenhuma diferença. Isso também podeser mostrado diretamente determinando-se as equações de Euler-Lagrange de G:

d

dt

∂F

∂qk−

(n∑j=1

∂2F

∂qj∂qkqj +

∂2F

∂qk∂t

),

que são identicamente nulas. Vamos agora considerar a inversa. Suponhamosque L e L′ possuam exatamente as mesmas equações de Euler-Lagrange. Istoimplica em

d

dt

∂G

∂qk− ∂G

∂qk= 0,

para L − L′ = G, identicamente, que implica emn∑j=1

∂2G

∂qj∂qkqj +

n∑j=1

∂2G

∂qj∂qkqj +

∂2G

∂qk∂t− ∂G

∂qk= 0,

que também deve valer identicamente, i.e., para todos os valores de qk, qk e qk,implicando que o termo da segunda derivada deve se anular isoladamente, o quenos fornece

G =

n∑j=1

qjHj(qk, t) + I(qk, t).

Substituindo-se na equação de Euler-Lagrange, tem-sen∑j=1

(∂Hk∂qj

− ∂Hj∂qk

)qj +

(∂Hk∂t− ∂I

∂qk

)= 0.

Novamente, para que seja identicamente nula essa expressão, precisamos que ostermos entre parênteses se anulem individualmente. O primeiro nos fornece3

Hk =∂F

∂qk,

3Note que a equação corresponde a uma componente de um rotacional. Se quiseremmais informações, procure sobre lema de Poincaré.

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6 PARTE 2

com F suave arbitrária, enquanto o segundo implica em

I =∂F

∂t,

o que nos finalmente proporciona G = ddtF. Em palavras: duas Lagrangianas

com equações de Euler-Lagrange idênticas diferem por uma derivadatotal. Assim, se considerarmos como equivalentes as Lagrangianas com equaçõesde Euler-Lagrange idênticas, temos um critério simples para classificá-las numaclasse de equivalência: basta que difiram por uma derivada total.

Porém, se quisermos definir como equivalentes Lagrangianas que dão origemàs mesmas soluções, tudo fica muito mais complicado. Como exemplo explícitodesta situação, há o caso de duas Lagrangianas que diferem por uma constantemultiplicativa. Um exemplo mais surpreendente é o da Lagrangiana do exercício7

L(x, x; t) = eλt(x2 − ω2x2) ,

a qual descreve completamente a dinâmica do oscilador harmônico amortecido,pois

d

dt

∂L∂x− ∂L∂x

= eλt(x+ λx+ ω2x

).

Por outro lado, a (estranhíssima) Lagrangiana4

L′ =(

1 + eλt) x2

2+ λxx ln x− λ2

2x2,

por exemplo, nos forneced

dt

∂L′

∂x− ∂L′

∂x=(

1 + eλt + λx

x

)(x+ λx) ,

cujas soluções descrevem o limite ω → 0 do oscilador harmônico amortecido,mas L e L′ não diferem por uma derivada total. Outro exemplo curioso é estaLagrangiana

L =x4

6+ ω2x2x2 − ω4

2x4,

para a quald

dt

∂L∂x− ∂L∂x

= 2(x2 + ω2x2) (x+ ω2x

),

que corresponde ao oscilador harmônico sem dissipação (λ→ 0). Uma vez mais,trata-se de uma Lagrangiana que não difere por uma derivada total da anteriorcom λ = 0.

As transformações pontuais (15) que obedecem (19) são chamadas de sime-trias variacionais. Usualmente, dá-se o nome de termo de gauge à funçãoF e denominam-se simetrias de gauge as simetrias com F 6= 0 (na práticaF não constante). É importante frisar que a condição de simetria (19) deveser encarada como uma identidade sem supor que temos uma solução qk(t)definida, i.e. as variáveis qk e qk devem ser consideradas independentes,são apenas a “coordenadas” de TQ. A condição (19) deve ser entendidacomo uma propriedade da função Lagrangiana e da geometria de TQ, nãoda dinâmica. Finalmente, nunca, jamais, se deve usar as equações deEuler-Lagrange para se estabelecer a identidade (19).

Se a condição (19) for verificada, as equações de Euler-Lagrange de Limplicam em

d

dt

(n∑k=1

ξk∂L∂qk− F

)= 0, (20)

4Para mais informações, ver N.A. Lemos, Symmetries, Noether’s theorem and inequi-valent Lagrangians applied to nonconservative systems, Rev. Mex. Fis. 39, 304 (1993).

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 7

e o teorema de Noether segue diretamente:

Teorema. Se uma Lagrangiana L exibe uma simetria variacional (19)com geradores ξk(qj , t) e função F (qj , t), então a quantidade entreparêntesis em (20) é uma constante de movimento e comumente recebeo nome de “carga de Noether” associada à simetria (15).

Porém, nós conhecemos uma outra constante de movimento que está sem-pre disponível quando a função Lagrangiana não depende explicitamente dotempo. Trata-se da função Hamiltoniana

H(qk, qk) =n∑k=1

qk∂L∂qk− L (21)

e uma pergunta natural aqui é se haveria alguma simetria que pudesse serassociada a H via alguma variação do teorema de Noether. A resposta ésim, mas não com a abordagem anterior, já que não existe nenhum mo-mento canônico conjugado a t. Em outras palavras, t não é uma coordenadageneralizada, não parametriza Q. Porém, não será nenhuma surpresa se afunção Hamiltoniana surgir com simetrias que envolvam o tempo, pois jásabemos que H é constante se a Lagrangiana não depender explicitamentedo tempo. Será suficiente consideramos uma reparametrização do tempocomo t 7→ s = s(t), com s(t) > 0, mantendo-se os pontos de Q inalterados,i.e., qk(t) 7→ qk(s(t)) = qk(t). Por outro lado, devemos esperar mudançasnas derivadas: qk(t) 7→ q′k(s(t)) = 1

s qk(t). (Um ponto indica derivada em

relação a t, a linha derivada em relação a s.) Diante de uma transformaçãodesse tipo, a ação se alterará como∫

L(qk, qk; t) dt 7→∫L(qk, q′k; s) ds =

∫L(qk, q′k; s) s dt. (22)

Supondo-se uma reparametrização s(t) infinitesimal no mesmo espírito de(15), teremos

t 7→ t+ εv(t),

qk 7→ qk, (23)qk 7→ (1− εv(t))qk,

e de (22) teremos

L(qk, qk; t) 7→ (1 + εv)L(qk, (1− εv)qk; t+ εv) (24)

= L(qk, qk; t)− εvH+ εv∂L∂t.

Estamos agora em condições de formular o equivalente do teorema de No-ether para a função Hamiltoniana. A reparametrização (23) será uma sime-tria variacional do problema se

vH− v∂L∂t

=d

dtF (qk, t). (25)

Nesse caso, utilizando as equações de Euler-Lagrange que, em particular,implicam em

d

dtH = −∂L

∂t, (26)

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8 PARTE 2

teremosd

dt(vH− F ) = 0, (27)

que corresponde ao teorema de Noether para transformações do tipo (23).Exercício 2: Mostre que se uma ação é invariante sob qualquer re-

parametrização t 7→ s(t), s > 0, necessariamente teremos H = 0.Problemas deste tipo são ditos invariante por reparametrização tem-poral. Considere agora uma Lagrangiana L(qk, qk; t) homogênea degrau 1 nas variáveis qk, i.e., se qk 7→ αqk, então L 7→ αL, paraqualquer α ∈ R (positivo). Mostre que, para estas Lagrangianas, amatriz Hessiana

[H]kj =∂2L∂qk∂qj

nunca é de posto-completo e H = 0 sempre. Discuta sob que condi-ções uma Lagrangiana homogênea de grau 1 nas velocidades descre-verá problemas invariantes por reparametrização temporal.

Solução. Afirmar que a ação é invariante sob qualquer reparametrização equivalea afirmar que (25) deve ser verificada para quaisquer funções v e v. Comecemospelo caso mais simples, quando F = 0 (de fato, qualquer constante). Nesse, caso,a Lagrangiana (24) é invariante, e, portanto, sua integral, a ação, também será.Se (25) deve ser verificada para quaisquer funções v e v com F = 0, teremosimediatamente ∂L

∂t= 0 e H = 0. Porém, já sabemos que ao considerarmos a ação

como uma integral entre extremos fixos, a condição F = 0 passa a ser um tantoforte. Vamos agora considerar que (12) é verificada para quaisquer funções v ev, com F 6= 0. Nesse caso, é natural também esperar que a função F dependa dev. Teremos

vH− v ∂L∂t

=∂F

∂vv +

n∑k=1

∂F

∂qkqk +

∂F

∂t.

Novamente, os termos em v e v devem se anular individualmente. Em particular,teremos H = ∂F

∂v. Porém, como H não depende de v, isto implica em F =

vH(qk, t) + I(qk, t), e ficamos com

(H−H) v −(∂L∂t− dH

dt

)v − dI

dt= 0,

que já implica I constante. Para os outros termos, teremos

H = H, L =

n∑k=1

Gk qk +H,

com∂Gk∂t

=∂H

∂qk. Porem, para L dessa forma, teremos H = −H, que implica em

H = H = 0.A questão da matriz Hessiana decorre diretamente do teorema de Euler para

funções homogêneas. Seja

L(qk, αqk; t) = αL(qk, qk; t).

Derivando-se em relação a α ambos lados e tomando α = 1, tem-sen∑k=1

qkL∂qk

= L,

de onde já temos H = 0 para essas Lagrangianas. Aplicando-se ∂∂qj

em amboslados, temos

n∑k=1

qk [H]jk = 0,

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 9

que mostra que as colunas da matriz Hessiana não são L.I. e, portanto, ela nãopode ser de posto-completo. Uma Lagrangiana homogênea de grau 1 nas velo-cidades será invariante por reparametrizações se, e somente se, for independentedo tempo.

A formulação Hamiltoniana para problemas invariantes por reparametrização,como o caso do fluxo geodésico, requer a utilização de vínculos. Discutiremos esseassunto oportunamente.

Já deve estar claro que o teorema de Noether pode ser formulado para paratransformações infinitesimais que envolvam simultaneamente mudanças emqk e em t

t 7→ t+ εv(qj , t),

qk 7→ qk + εξk(qj , t). (28)

Obviamente, transformações desse tipo não correspondem a simples mu-danças de coordenadas em Q, como eram as transformações iniciais (15).São mudanças de coordenadas simultâneas a reparametrizações “não homo-gêneas”, pois a mudança em t depende do ponto Q. Não precisamos agoranos aprofundar na interpretação geométrica precisa das transformações (28).Necessitaremos apenas do seu prolongamento para TQ, que será dado por

qk 7→ qk + ε(ξk − vqk

). (29)

Com as transformações (28) e (29), teremos

L 7→ L+ εn∑k=1

(ξk∂L∂qk

+ (ξk − vqk) ∂L∂qk

)+ εvL+ εv

∂L∂t, (30)

Lembrando que

ξk =n∑j=1

∂ξk

∂qjqj +

∂ξk

∂te v =

n∑j=1

∂v

∂qjqj +

∂v

∂t. (31)

Como no caso das simetrias pontuais, supondo-se que (28) é uma simetriavariacional

L 7→ L+ εd

dtF, (32)

com F = F (qk, t) e usando-se as equações de movimento, tem-se ddtC = 0,

com

C(qk, qk; t) =n∑k=1

ξk∂L∂qk− vH− F, (33)

que corresponde ao teorema de Noether em sua maior generalidade parasimetrias pontuais na formulação Lagrangiana da Mecânica.

Exercício 3: Demonstre todas as fórmulas (29) a (33). Demonstretambém que C(qk, qk; t) é invariante pelas transformações (28) e (29).Em palavras: uma carga de Noether é sempre invariante sob a açãode sua transformação associada. Este fato simples é útil em diversassituações, como por exemplo no seguinte exercício.

Solução. A primeira parte é simples, vamos direto a segunda. Devemos mostrarque (adotando-se a notação de Einstein)

C(qk, qk; t) = ξk∂L∂qk− vH− F

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10 PARTE 2

é invariante pelas transformações

t 7→ t+ εv(qj , t),

qk 7→ qk + ξk(qj , t),

qk 7→ qk + ε(ξk − vqk

)(34)

tais que

ξk∂L∂qk

+ (ξk − vqk)∂L∂qk

+ vL+ v∂L∂t

=d

dtF (qk, t). (35)

Vamos elaborar um pouco mais nossas notações para facilitar a solução desteproblema. É fácil verificar que uma função f(qk, t) será invariante sob transfor-mações pontuais (35) se Υ

(0)v,ξf = 0, sendo Υ0 o operador diferencial5

Υ(0)v,ξ = v

∂t+ ξk

∂qk, (36)

Caso a função seja do tipo f(qk, qk, t), sua invariância irá requerer Υ(1)v,ξf = 0,

sendo Υ(1)v,ξ o operador prolongado a TQ

Υ(1)v,ξ = v

∂t+ ξk

∂qk+ ζk

∂qk, (37)

com

ζk = ξk − vqk =∂ξk

∂qjqj +

∂ξk

∂t− ∂v

∂qjqk qj − ∂v

∂tqk (38)

Obviamente, sempre teremos Υ(1)v,ξf(qk, t) = Υ

(0)v,ξf(qk, t). Daqui em diante, dei-

xaremos de registrar os subíndices dos geradores v, ξ para não congestionar asexpressões. Nosso problema requer mostrar que

Υ(1)C(qk, qk; t) =(ξk − vqk

)Υ(1) ∂L

∂qk+∂L∂qk

Υ(1)(ξk − vqk

)+

vΥ(1)L+ LΥ(0)v −Υ(0)F = 0. (39)

Notem, primeiro, que temos a seguinte identidade para o operador Υ(1)

∂qjΥ(1)f = Υ(1) ∂f

∂qj+∂ζk

∂qj∂f

∂qk. (40)

Aplicando-se para o caso da Lagrangiana, temos

Υ(1) ∂L∂qj

=∂

∂qjΥ(1)L − ∂ζk

∂qj∂L∂qk

. (41)

Ao mesmo tempo, (35) implica em

Υ(1)L =d

dtF − vL =

∂F

∂qkqk +

∂F

∂t−(∂v

∂qkqk +

∂v

∂t

)L (42)

e finalmente teremos

Υ(1) ∂L∂qj

=∂F

∂qj− ∂v

∂qjL − v ∂L

∂qj− ∂ζk

∂qj∂L∂qk

. (43)

A equação (39) fica

Υ(1)C(qk, qk; t) =

[(ξk − vqk

) ∂F∂qk

+ vd

dtF −Υ(0)G

]+

[Υ(0)v −

(ξk − vqk

) ∂v

∂qk− vv

]L (44)

+

[Υ(1)

(ξk − vqk

)− v

(ξk − vqk

)−(ξj − vqj

) ∂ζk∂qj

]∂L∂qk

,

5Para mais detalhes, ver W. Sarlet e F. Cantrijn, Generalizations of Noether’s theoremin Classical Mechanics, SIAM Review 23, 467 (1981). Outro artigo pertinente, descobertopelos colegas, é este: Z.K. Silagadze, Invariance of the Noether charge, Eur. J. Phys. 37,015004 (2016), disponível no arXiv.

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 11

e pode-se mostrar sem muitas dificuldades que os termos entre colchetes são todosidenticamente nulos.

Exercício 4: Considere o problema de Kepler no plano (x, y), cujaLagrangiana é

L(x, y, x, y) = T − U =1

2

(x2 + y2

)+k

r,

com r2 = x2 + y2, admitindo-se, sem perda de generalidade, m = 1.Já sabemos que este problema tem 3 constantes de movimento: aenergia total E = T + U , o momento angular I = xy − yx e nossotão admirado vetor de Laplace-Runge-Lenz ~R = R1ı+R2, com

R1 = Iy − kx

r, R2 = −Ix− ky

r.

Item 4.1: Determine as simetrias pontuais independentes to tempode I, i.e., determine as transformações x 7→ x + εf(x, y) ey 7→ y + εg(x, y) que deixam invariante I.

Solução. A condição de ser uma simetria é

f∂I

∂x+ g

∂I

∂y+ f

∂I

∂x+ g

∂I

∂y= 0,

que implica em

fy − gx− y(x∂xf + y∂yf) + x(x∂xg + y∂yg) = 0,

que pode ser rearranjado como

(x∂xg − y∂xf − g) x− (y∂yf − x∂yg − f) y = 0,

que implica em duas equações simultâneas

x∂xg − y∂xf − g = 0 e y∂yf − x∂yg − f = 0 (45)

Derivando-se a primeira em relação a y e a segunda em relação a x esomando-se, temos

∂xf + ∂yg = 0. (46)

Substituindo-se nas primeiras equações, ficamos com

x∂xg + y∂yg = g e x∂xf + y∂yf = f (47)

Esta equação pode ser resolvida, por exemplo, pelo método das caracterís-ticas6. As soluções gerais para f e g podem ser convenientemente escritascomo

f(x, y) = xF

(x

y

), g(x, y) = yG

(x

y

), (48)

com F e G arbitrárias. Levando-se às equações (45), teremos (as duasequações são idênticas)

zG′(z)−G(z) = zF ′(z) + F (z), (49)

com z = xy. Notem que uma arbitrariedade em uma das funções. Vamos

considerar o seguinte problema, completamente equivalente

zG′(z)−G(z) = zF ′(z) + F (z) = H(z), (50)

sendoH(z) uma função completamente arbitrária. Para cadaH(z), teremosduas funções F e G e uma simetria pra I. Comecemos com a mais simples:H = 0. Nesse caso, as soluções são

G(z) = aZ, F (z) =b

z, (51)

6Ver livro de Métodos II

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12 PARTE 2

com a e b constantes. Levando-se em (48), teremos f = by e g = ax.Levando-se agora em (45), teremos b = −a e podemos, sem perda de gene-ralidade, escolher b = 1. Esta é a simetria de rotação usual. A Lagrangianado problema de Kepler tem essa simetria, e a carga de Noether associada éI. Porém, considerem agora o caso H(z) = 1. Temos outra possível soluçãoF = 1 e G = 1, que nos dá f = x e g = y, que é um deslocamento radial!Não é uma simetria da Lagrangiana, que depende explicitamente de r, masé uma simetria da função I, confiram.Só por curiosidade, vejam o caso H = zn, com n > 1, que corresponde aestranhíssima transformação

f(x, y) =1

n+ 1

xn+1

yn, g(x, y) =

1

n− 1

xn

yn−1. (52)

Isto é uma simetria de I para todo n! Confiram! Moral da história: Umacarga de Noether é invariante pelas simetrias que a geram, mas tipicamentenão só por elas!

Item 4.2: Mostre que não há nenhuma simetria desse tipo quedeixe invariante ~R. Em palavras: não há nenhuma simetriapontual independente do tempo associada ao vetor de Laplace-Runge-Lenz.

Solução. Tomemos, por exemplo, a primeira componente. A condiçãode simetria será

f∂R1

∂x+ g

∂R1

∂y+ f

∂R1

∂x+ g

∂R1

∂y= 0, (53)

que implica em

(f − y∂yf + 2x∂yg) y2 + (2x∂xg − y∂yg − y∂xf − g) xy

− (y∂xg) x2 −(f∂x

kxr

+ g∂ykxr

)= 0 . (54)

Os termos entre parêntesis devem ser todos nulos individualmente. Notemque o termo proporcional a x2 implica em g = g(y). Do termo envolvendoo potencial, temos

f(x, y) = xg(y)

y. (55)

Levando-se este resultado às equações decorrente dos termos y2 e xy, tere-mos

(2y − 1)g′ + 2g = 0, yg′ + 2g = 0, (56)

que implicam g = f = 0.Exercício 5: Considere Lagrangianas usuais L = T − U , com

T =m

2

n∑k=1

(qk)2

e U = U(qk, t), e simplifique ao máximo que conseguir as transfor-mações (28) que poderiam corresponder às simetrias variacionais doproblema.

Solução. As simetrias pontuais variacionais de uma Lagrangiana são tais que

ξk∂L∂qk

+ (ξk − vqk)∂L∂qk

+ vL+ v∂L∂t

=d

dtF (qk, t), (57)

relembrando que

ξk =∂ξk

∂qjqj +

∂ξk

∂t, v =

∂v

∂qjqj +

∂v

∂t. (58)

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 13

Colecionando-se os termos de mesma potência nas velocidades, ficamos com

−m2∂v∂qj

qjqk qk +m(∂ξk

∂qj− 1

2∂v∂tδkj

)qj qk

+(m ∂ξk

∂t− ∂v

∂qkU − ∂F

∂qk

)qk −

(ξk ∂U

∂qk+ ∂v

∂tU + v ∂U

∂t+ ∂F

∂t

)= 0. (59)

Cada um dos termos deve se anular isoladamente. O primeiro, nos dá ∂v∂qj

=

0, i.e., v = v(t), que já faz desaparecer um termo da contribuição linear navelocidade. O termo quadrático nas velocidades implica que

∂ξk

∂qj− 1

2

∂v

∂tδkj = Akj (t) (60)

é uma matriz antissimétrica, possivelmente dependente do tempo. Assim, temos

ξk =1

2

∂v

∂tqk +Akj (t)qj +Bk(t), (61)

com Bk(t) arbitrário. O termo linear na velocidade nos diz que (já derivamosambos os lados com relação a qj)

1

m

∂2F

∂qk∂qj=

1

2

∂2v

∂t2δkj +

∂tAkj . (62)

Como o lado esquerdo é simétrico, devemos ter ∂∂tAkj = 0, i.e., a matriz antissi-

métrica Akj é constante e ficamos com

F =m

4

∂2v

∂t2qkqk +m

∂Bk

∂tqk + g(t) (63)

Resumindo:

As simetrias pontuais de uma Lagrangiana do tipo L = T − U têm ne-cessariamente a forma

t 7→ t+ εv(t),

qk 7→ qk + ε

(v

2qk +Akj q

j +Bk), (64)

sendo Akj uma matriz antissimétrica constante. O termo de gauge é dotipo (63), e a condição de simetria é(

v

2qk +Akj q

j +Bk)∂U

∂qk+ vU + v

∂U

∂t+∂F

∂t= 0. (65)

Antes de passarmos ao próximo item, convém uma olhada no caso U = 0, i.e.,o bem conhecido caso da partícula livre. Note que nesse caso, de (51), temos queF não depende do tempo, o que implica, de (49), que

v(t) = at2 + bt+ c, Bk = tCk +Dk, (66)

sendo a, b, c, Ck e Dk constante. Sem perda de generalidade, tomamos g(t) = 0.A carga de Noether associada será

C = am

(tqk qk − t2

2qk qk − 1

2qkqk

)+bm

2

(qk qk − tqk qk

)−cH+mAkj q

j qk +mCk(tqk − qk

)+mDk qk (67)

Como a, b, c, Ck e Dk são constantes arbitrárias, cada termo do lado direito éuma constante individualmente. Algumas são esperadas: H, associada a transfor-mação que apenas tem c 6= 0 (translação temporal), as componentes do momentoangular (confiram!), associadas a Akj , o momento linear, etc.

Vejam agora a transformação correspondente a Ck. Sua grandeza conservadaé

tqk − qk = qk0 , (68)

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14 PARTE 2

lembrando que a solução geral das equações de Euler-Lagrange para U = 0são qk(t) = tW k + qk0 , sendo W k (velocidade) e qk0 (posição inicial em t = 0)constantes. Por outro lado, a simetria subjacente a esta grandeza tem formainfinitesimal

t 7→ t, qk 7→ qk + εtCk. (69)

Como vemos, trata-se de uma transformação de Galileo! Vamos agora a simetriacorrespondente ao parâmetro b. Sua ação infinitesimal é

t 7→ t+ εt, qk 7→ qk +ε

2qk. (70)

A grandeza conservada associada é

qk qk − tqk qk = qk0Wk. (71)

A ação finita correspondente ao geradores (70) é

t 7→ αt, qk 7→√αqk, (72)

que já tivemos oportunidade de discutir. A última simetria, e talvez a maiscuriosa, é a correspondente á constante a. Sua ação infinitesimal é

t 7→ t+ εt2, qk 7→ qk + εtqk, (73)

e sua carga associada

tqk qk − t2

2qk qk − 1

2qkqk = −q

k0 qk0

2. (74)

Não se trata de uma carga independente das anteriores, mas sua simetria asso-ciada é um tanto curiosa, e inesperada. Convém fazermos um exercício explícitode como se obter a ação finita a partir de uma infinitesimal não trivial. É o casoem questão, por ser não linear. Lembrando o que foi dito na primeira parte, paraobter a forma finita da transformação, devemos resolver o sistema de EDO

d

dαt = t2

d

dαqk = tqk (75)

cujas soluções são t = t01−αt0

e qk =qk0

1−αt0. As transformações finitas, cuja

interpretação, se for interessante, pode valer um 10 vitalício em todasas disciplinas comigo, é esta

t 7→ t

1− αt , qk 7→ qk

1− αt . (76)

Fica de exercício mostrar que essa transformação finita é uma simetria variacionalde T . (Façam, é interessante). Moral da história: uma Lagrangiana pode tersimetrias esquisitas!

Exercício 6: Utilize seus conhecimentos do teorema de Noether, in-cluindo o exercício anterior, e discuta as possíveis constantes de mo-vimento para as seguintes Lagrangianas (considere todos os proble-mas definidos no espaço usual Q = R3 e todas as Lagrangianas dotipo L = T − U):Item 6.1: Lagrangianas com potencial U(~r) homogêneo de grau k

(U(α~r) = αkU(~r), para todo α ∈ R+). Há algum valor notávelpara k?

Solução. Do teorema de Euler para funções homogêneas, sabemos que

qk∂U

∂qk= kU. (77)

Levando-se na condição de simetria, ficamos com

v

(1 +

k

2

)U +Akj q

j ∂U

∂qk+Bk

∂U

∂qk+∂F

∂t= 0. (78)

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 15

Esta equação deve ser entendida como uma equação para v(t), Akj e g(t),com U fixo. Notem que k = −2 é um valor especial, pois nesse caso oprimeiro termo desaparece e ficamos com algo do tipo

m

4

...v (qk)2 +mBkqk + g = Akj q

j ∂U

∂qk+Bk

∂U

∂qk. (79)

Sem nenhuma outra informação sobre U , só podemos esperar que ambosos lados sejam zero, pois envolvem diferentes funções de qk. Isso implicaráAkj = Bk = 0 . Do lado direito, teremos as mesmas restrições sobre v e gdo problema anterior: v(t) = at2 + bt+ c e g = 0, com todos os coeficientesconstantes. Portanto, para k = −2, temos a simetria

t→ t+ εv(t), qk 7→ qk +εv

2qk (80)

As cargas de Noether são

C = am

(tqk qk − t2

2qk qk − 1

2qkqk − U(r)

)+bm

2

(qk qk − tqk qk − 2U(r)

)− cH,

cuja interpretação é semelhante ao caso anterior. Para k 6= −2, sem, ne-nhuma outra condição sobre U , necessitamos de (78) que v = 0, e ficaremosapenas com a Hamiltoniana como quantidade conservada.

Item 6.2: Lagrangianas com potencial do tipo onda plana U =

U(~r−t ~W ), com ~W constante e arbitrário. Aproveite e interpreteesta Lagrangiana em termos das transformações de Galileo.

Solução. Nesse caso, notem que U : R3 → R. Portanto, U tem gradi-ente ∇U . O fato de seu argumento ser ~r − t ~W , implica em

∂U

∂t= − ~W · ∇U = −W k ∂U

∂qk(81)

sendo W k as componentes de ~W . A condição de simetria (65) fica(v

2qk +Akj q

j +Bk − vW k

)∂U

∂qk+ vU +

∂F

∂t= 0. (82)

Novamente, sem nenhuma outra informação acerca de U , todos os termosdevem se anular isoladamente. Isto nos dá v = 0. Também devemos terAkj = 0 e ficamos com Bk = vW k, com v constante, que implica F = 0. Asimetria final é

t 7→ t+ εv, qk 7→ qk + εvW k, (83)

e a carga de Noether correspondente é

C = mW k qk −H. (84)

A questão das transformações de Galileu neste problema tem a ver com aobservação que, diante da transformação ~r 7→ ~r + t ~W , temos

U(~r − t ~W ) 7→ U(~r) (85)

e o problema aparentemente fica independente do tempo! Porém, as trans-formações de Galileu não são simetrias desde problema. Mais detalhes, naaula.

Item 6.3: Lagrangianas com potencial do tipo onda esférica U =U(|~r| − ct), com c constante.

Solução. Novamente, U : R3 → R, mas neste caso

∇U = U ′∇|~r| ou∂U

∂qk= qk

U ′

r(86)

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16 PARTE 2

Também temos∂U

∂t= −cU ′ (87)

A condição de simetria neste caso é(v

2qkqk +Bkqk − cvr

)U ′

r+ vU +

∂F

∂t= 0. (88)

A primeira conclusão é que temos conservação de momento angular, pois otermo proporcional à matriz antissimétrica é identicamente satisfeito. Defato, não é surpresa, pois o potencial, apesar de depender de t, é central.

Exercício 7: Mostre que Lagrangiana

L(x, x; t) =m

2eλt(x2 − ω2x2

)descreve completamente a dinâmica do oscilador harmônico amorte-cido x + λx + ω2x = 0. Discuta as possíveis grandezas conservadasdessa Lagrangiana, supondo sempre λ 6= 0.

Solução. Trata-se de um problema unidimensional, as transformações pontuaismais gerais são do tipo

t 7→ t+ εv, x 7→ x+ εξ, x 7→ x+ ε(ξ − vx

). (89)

Esta transformação será uma simetria se

ξ∂L∂x

+(ξ − vx

) ∂L∂x

+ vL+ v∂L∂t

=d

dtF (x, t), (90)

com∂L∂x

= −mω2eλtx,∂L∂x

= meλtx∂L∂t

= λL. (91)

Primeiro, notem o termo proporcional a x3 implica v = v(t). Os termos seguintespodem ser agrupados como

meλt

2

(2∂ξ

∂x− v + λv

)x2 +

(meλt

∂ξ

∂t− ∂F

∂x

)x

−mω2eλt(ξx+

v

2x2 +

λv

2x2

)=∂F

∂t(92)

O primeiro termo implica

ξ =1

2(v − λv)x+ g(t). (93)

Já o segundo, implica

F =m

4eλt(v − λv)x2 +meλtgx+ h(t). (94)

Os termos restantes podem ser agrupados como

−mω2eλtv =m

4

d

dteλt(v − λv), −mω2eλtg = m

d

dteλtg, (95)

e h = 0. As eqs. (95) implicam em...v −

(λ2 + 4ω2) v = 0 e g + λg + ω2g = 0, (96)

cujas soluções são

v = a+ be$t + ce−$t, g = e−λt2 (m cosϑt+ n sinϑt) , (97)

sendo a, b, c,m e n constantes,$2 = λ2+4ω2 e ϑ2 = ω2−λ2

4, que admitimos como

positiva (caso subcrítico. Os outros, são análogos). As cargas de Noether sãocalculadas como já sabemos. A única simetria “óbvia” do problema correspondea constante a. Trata-se da transformação

t→ t+ εa, x→ x− εa

2x (98)

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 17

Trata-se de um “deslocamento” em t e uma multiplicação em x. A transformaçãofinita pode ser facilmente determinada

t→ t+ aα, x 7→ e−aα2 x. (99)

A constante de movimento associada é

C = completar (100)

3. Além das simetrias pontuais

As transformações pontuais têm uma clara interpretação na variedade deconfiguração Q. Podem ser vistas de forma “passiva”, como simples mudan-ças de coordenadas, ou de forma ativa, quando correspondem a certos “des-locamentos” em Q. O livro discute bem esse assunto. Porém, são várias asaplicações nas quais surgem naturalmente simetrias que também envolvem asvelocidades qk, i.e., transformação do tipo qt 7→ qk(qj , qj , t). No exercício4, por exemplo, já vimos que se quisermos encontrar simetrias independentesdo tempo associadas ao vetor de Laplace-Runge-Lenz, teremos que genera-lizar nossas transformações. Uma transformação do tipo qt 7→ qk(qj , qj , t)não pode ser interpretada da forma passiva, ela não corresponde a nenhumatransformação de coordenadas em Q, já que também envolve qk ∈ TQ. Elapode, porém, ser interpretada de maneira ativa, como um deslocamento quedepende da velocidade num dado ponto. Vamos considerar para efeitos doteorema de Noether transformações mais gerais do tipo

qk 7→ qk + εV k(qj , qk, t),

t 7→ t+ εv(qj , qk, t). (101)

Por consistência, o prolongamento dessas transformações para TQ deve sercomo (29), porém agora com

V k =n∑j=1

(∂V k

∂qjqj +

∂V k

∂qjqj)

+∂V k

∂te v =

n∑j=1

(∂v

∂qjqj +

∂v

∂qjqj)

+∂v

∂t,

(102)o que nos causa alguns problemas, já que surge nas expressões a segundaderivada qk, que não está definida em TQ, mas sim no espaço tangente dofibrado tangente TQ, chamado também de segundo fibrado T2Q. Porém,esse problema é facilmente contornável. Estamos interessados nas transfor-mações (101), prolongadas como (29) e (102), que correspondam a simetriasvariacionais do problema, i.e., simetrias tais que (18) se verifica, porém nestecaso com G = G(qk, qk, t). Assim, as segundas derivadas acabarão absorvi-das pelo termo d

dtG e ficamos com o problema variacional usual em TQ. Nãoprecisamos de nada do segundo fibrado T2Q.

Exercício 8: Mostre que as fórmulas (15) a (19) continuam válidasneste contexto, com (21) no lugar de (17) e G = G(qk, qk, t).

Exercício 9: Considere transformações com V k = V k(qj , qk) e v = 0para Lagrangianas com termo cinético usual. Mostre que os gerado-res V k e a função G devem satisfazer a equação

mn∑k=1

qk∂V k

∂qj=∂G

∂qj. (103)

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18 PARTE 2

Solução. Para estes geradores, uma simetria requer

V k∂L∂qk

+ V k∂L∂qk

=dG

dt,

com G = G(qk qk). Com o termo cinético usual, os temos proporcionais a qj

serão

mqk∂V k

∂qjqj =

∂G

∂qjqj ,

que deve ser válido pra todo qj e, assim, implica (50).Exercício 10: Considere a Lagrangiana

L(x, y, x, y) =m

2

(x2 + y2

)− U(r),

com r2 = x2+y2 (potencial central). Sabemos que há duas grandezasconservadas neste problema, a energia total e o momento angularI = m(xy − yx). Mostre que a transformação

x 7→ x− εyy, y 7→ y + ε (2xy − yx) (104)

satisfaz (22) e determine G. A transformação (23) é simetria paraalgum U(r)? Comente. Faça o mesmo para a transformação

x 7→ x+ ε (2yx− xy) , y 7→ y − εxx. (105)

Solução. Começando por (51). Temos V (1) = −yy e V (2) = 2xy − yx e

−myy =∂G

∂x, m (2xy − yx) =

∂G

∂y.

Notem que ambas as equações implicam∂2G

∂x∂y= −my, o que implica que são

compatíveis e podem ser resolvidas por integração simples, levando a

G(x, y, x, y) = m(xy2 − yxy

)+ F (x, y).

Para determinarmos F (x, y), vamos agora examinar os outros termos na definiçãoda simetria. São eles

V k∂L∂qk

= yy∂U

∂x− (2xy − yx)

∂U

∂y

qj∂V k

∂qj∂L∂qk

= 0

qk∂G

∂qk= x

∂F

∂x+ y

∂F

∂yCombinando-se os termos, teremos

∂F

∂x= y

∂U

∂y,

∂F

∂y=

(y∂U

∂x− 2x

∂U

∂y

).

A condição de integrabilidade sobre∂2F

∂x∂yagora nos dá

∂U

∂y+ y

∂2U

∂y2= y

∂2U

∂x2− 2

(∂U

∂y+ x

∂2U

∂x∂y

)Como U = U(x2 + y2), temos as seguintes identidades

∂xU = 2xU ′, ∂yU = 2yU ′

∂2xU = 2U ′ + 4x2U ′′, ∂2

yU = 2U ′ + 4y2U ′′, ∂x∂yU = 4xyU ′′

Usando-as, temos finalmente

2(x2 + y2)U ′′ + U ′ = 0⇒ 2r2U ′′(r2) + U ′(r2) = 0

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 19

⇒ 2sU ′′(s) + U ′(s) = 0⇒ U =A√s

+B,

em outra palavras, só será uma simetria para o potencial Newtoniano 1/r. Usandoessa condição, podemos facilmente determinar F (x, y) por integração simples

∂xF = − Ay2

(x2 + y2)32

⇒ F = − Ax√x2 + y2

⇒ F (x, y) = −xU

Finalmente a carga de Noether será

C = V k∂L∂qk−G = m

(xy2 − yxy

)− F = yI + xU

4. Introdução

4.1. Fibrados tangentes e cotangentes, tensores. As equações de Euler-Lagrange associadas a uma função Lagrangiana L(qk, qk; t), k = 1, . . . , n,

d

dt

∂L∂qk− ∂L∂qk

= 0, (106)

tipicamente, formam um sistema de n EDOs de segunda ordem. Já vimosque no caso autônomo (L independente de t), é sempre conveniente analisaras soluções de (106) no espaço de fase parametrizado por (qk; qk), que nessecaso será o próprio fibrado tangente TQ associado ao espaço base de confi-gurações Q. Também já sabemos que, no caso autônomo, sempre teremosum constante de movimento, a função Hamiltoniana

H(qk, qk) = qj∂L∂qj− L. (107)

O vetor velocidade qk está definido no espaço tangente TqQ ao ponto comcoordenadas (qk) de Q. É sempre interessante analisar como vetores dessetipo se comportam diante de mudanças nas coordenadas de Q. Seja qk =qk(qj) um novo sistema de coordenadas em Q. Para que uma transformaçãodesse tipo seja, de fato, uma mudança de coordenadas, necessitamos que amatriz jacobiana

J =

[∂qk

∂qj

](108)

seja invertível. Uma simples regra da cadeia nos mostra que

˙qk =∂qk

∂qjqj . (109)

Em palavras, componentes de vetores em TqQ se transformam linearmente,via multiplicação pela matriz Jacobiana (108), diante de uma mudança decoordenadas em Q. Se arranjarmos as componentes do vetor velocidade qknuma matriz coluna V , vemos que sua transformação diante de uma mudançade coordenadas é

V = JV. (110)Vetores com essa propriedade são chamados na literatura física de contrava-riantes7. Por outro lado, também esperamos, do ponto de vista físico, queos momentos generalizados

pk =∂L∂qk

(111)

7Vejam mais sobre essa nomenclatura aqui.

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20 PARTE 2

sejam vetores (i.e., estejam sujeito as operações vetoriais usuais, algo quejamais esperaríamos, por exemplo, dos pontos de Q). Novamente, com aregra da cadeia, podemos mostrar facilmente, usando-se (118), que

pk =∂

∂ ˙qkL(qj ; qj , t

)=∂qj

∂qk∂L∂qj

=∂qj

∂qkpj . (112)

Vemos que os momentos generalizados também se transformam linearmente,agora pela matriz inversa da Jacobiana (108), diante de uma mudança decoordenadas qk = qk(qj) em Q. Arranjando-se as componentes de pk numamatriz linha W , podemos escrever sua transformação como

W = WJ−1 (113)

Vetores com essa propriedade são chamados de covariantes na literatura fí-sica. A convenção, amplamente utilizada em conjunto com a notação dasoma de Einstein, é a de sempre usarmos índices superiores para quantida-des contravariantes e inferiores para as covariantes. Considerem agora doisvetores arbitrários, o primeiro V ∈ TqQ (portanto, contravariante) de com-ponentes vk e um outro W , covariante, de componentes wk. Chamamos decontração a seguinte quantidade

(V )W = WV = wkvk = α. (114)

Notem que, fixando-se W , temos uma transformação linear ( · )W : TqQ→R. É evidente que W pode ser identificado como um elemento do espaçodual T∗qQ de TqQ. Porém, mais interessante que isso é que

(V )W = wkvk =

∂qj

∂qk∂qk

∂q`wjv

` = wkvk = (V )W , (115)

que decorre diretamente das identidades

∂qk

∂q`∂qj

∂qk=∂qk

∂q`∂qj

∂qk= δj` . (116)

Em palavras, a contração α = wkvk não depende das coordenadas utilizadas

em Q. Trata-se de uma genuína8 função escalar α : Q → R. Podemos,portanto, sempre interpretar qk e pk como elementos, respectivamente, deTqQ e T∗qQ. O chamado fibrado cotangente T∗Q é definido de maneiraanáloga ao fibrado tangente, reunindo-se, de maneira disjunta, os espaçosduais a todos os espaços tangentes TqQ de Q. Notem que, por trás de (112)está a hipótese que a função Lagrangiana é uma função escalar L : TQ→ R.

4.1.1. Tensores. A transformação linear associada a (114) pode ser gene-ralizada para o caso de n vetores contravariantes e m covariantes. Seja atransformação T do tipo(

W 1, · · · ,Wm, V 1, · · · , V n)T

:(T∗qQ

)m × (TqQ)n → R. (117)

Vamos exigir que T seja um escalar linear em todas suas entradas. Da mesmaforma de (114), queremos expressar T em termos de contrações. Necessita-remos de m entradas para vetores covariantes e n para os covariantes, de tal

8No sentido que um único real é associado a cada ponto de Q, e seu valor independedas coordenadas utilizadas para a localização dos pontos em Q.

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 21

forma que poderemos escrever(W 1, · · · ,Wm, V 1, · · · , V n

)T

= tk1k2...kmj1j2...jn

w(1)k1w

(2)k2· · ·w(m)

kmvj1(1)v

j2(2) · · · v

jn(n),

(118)sendo w(m)

k as componentes do vetor covariante Wm e vj(n) as componentes

do vetor contravariante V n. O objeto tk1k2...kmj1j2...jn

, que possui m índices contra-variantes e n covariantes, é dito um tensor do tipo (m,n). A ordem de umtensor é sempre dada pelo inteiro m+n. Para garantir que a transformaçãolinear (117) não dependa das coordenadas empregadas em Q, obviamenteprecisamos que esse tensor se transforme como

tk′1k′2...k

′m

j′1j′2...j

′n

= Λk′1k1

Λk′2k2· · ·Λk

′mkm

(Λ−1)j1j′1

(Λ−1)j2j′2· · · (Λ−1)jnj′n

tk1k2...kmj1j2...jn

(119)

por uma mudança de coordenadas em Q, sendo Λkj = ∂qk

∂qje (Λ−1)kj = ∂qk

∂qj.

Com estas definições, vemos que um vetor covariante é um tensor do tipo(1, 0), enquanto um contravariante é um tensor do tipo (0, 1). Ambos sãotensores de ordem 1. Uma quantidade escalar é um tensor de ordem zero,pois é do tipo (0, 0). A noção de campo tensorial sobre Q é análoga a decampo vetorial. Notem que a interpretação das contrações (118) em termosde operações matriciais, como em (117), só é possível para tensores de, nomáximo, ordem 2.

Talvez o campo tensorial do tipo (1, 1) mais difundido seja a nossa conhe-cida função delta de Kronecker

δkj =

1, se j = k,0, se j 6= k.

(120)

É fácil mostrar que esse tensor tem exatamente as mesmas componentesem todos os sistema de coordenadas9. Dá-se o nome de quantidades (geo-métricas) intrínsecas de Q toda e qualquer função f que não dependa dascoordenadas utilizadas para a descrição de Q, i.e., funções genuinamenteescalares, as que efetivamente são do tipo f : Q→ R. As grandezas tensori-ais, que sempre estão definidas nos espaços tangentes TqQ e seus duais, nospermitem construir quantidades intrínsecas facilmente: basta contrairmos osdiferentes índices de modo a sempre termos um escalar.

Antes de passarmos ao formalismo Hamiltoniano, vamos examinar umaquestão geométrica interessante. A segunda lei de Newton em coordena-das cartesianas nos diz que d~P

dt tem caráter vetorial, já que tal quantidadenada mais é que o vetor força. Poderíamos esperar algo semelhante de pk?Confiramos:

˙pk =d

dt

(∂qj

∂qkpj

)=∂qj

∂qkpj +

d

dt

(∂qj

∂qk

)pj . (121)

Vemos que pj não se transforma linearmente, portanto não é um vetor con-travariante, nem covariante. Agora uma pergunta: há alguma quantidadevetorial10 simples envolvendo pj? A resposta é sim. Para exibí-la, conside-rem inicialmente a quantidade rk = ∂L

∂qk, a qual poderíamos esperar que fosse

9Demonstre!10Notem que uma quantidade que não se transforma linearmente como um tensor,

como o caso explícito de (121), não pode representar uma quantidade vetorial autêntica,

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22 PARTE 2

uma espécie de “gradiente” da função Lagrangiana. Vamos examinar comoela se transforma mediante uma mudança de coordenadas em Q. Há umadiferença fundamental aqui em relação à transformação (112), confiram

rk =∂

∂qkL(qj ; qj , t

)=∂qj

∂qk∂L∂qj

+∂qj

∂qk∂L∂qj

. (122)

Porém, é fácil mostrar que

d

dt

(∂qj

∂qk

)=∂qj

∂qk(123)

e assim, inspecionando-se (121) e (122), temos que a quantidade

Ek =d

dt

∂L∂qk− ∂L∂qk

(124)

é efetivamente um vetor covariante! É o chamado vetor de Euler-Lagrange,o qual pode ser interpretado como um elemento de T∗qQ e também podeser visto como a versão variacional do gradiente de funções usuais de váriasvariáveis (que sempre é um vetor covariante), pois a condição Ek = 0 nos dáuma condição necessária para um extremo do funcional, exatamente comoo gradiente para as funções usuais. Também é denotado na literatura comoEk = δL

δqk. Esta é uma nova forma de interpretarmos as equações de Euler-

Lagrange (106): correspondem à extensão covariante mais simples de ~F =d~Pdt .

Exercício 1: Mostre como a matriz Hessiana [Hkj ] = ∂2L∂qk∂qj

, a “acele-

ração” qk e a matriz [Gjk] = ∂2L∂qj∂qk

se transformam por mudanças decoordenadas qk = qk(qj) em Q. Podem ser considerados tensores?Construa funções escalares envolvendo estas três quantidades.

Exercício 2: Seja L uma função Lagrangiana com derivadas de se-gunda ordem, i.e., do tipo L(qk, qk, qk, t). Admitindo-se que L éuma função escalar, mostre que

Ak(L) =∂L∂qk

, Bk(L) =∂L∂qk− d

dt

∂L∂qk

,

e

Ck(L) =d

dt

(∂L∂qk− d

dt

∂L∂qk

)− ∂L∂qk

são todos vetores covariantes com relação a mudanças de coordena-das qk = qk(qj) em Q. Qual deles poderia ser interpretado como ogradiente variacional para as Lagrangianas do tipo L(qk, qk, qk, t)?

4.2. Formalismo Hamiltoniano. O formalismo Hamiltoniano surge natu-ralmente quando descrevemos as equações de Euler-Lagrange em T∗Q aoinvés de TQ, i.e., quando usamos como variáveis dinâmicas (qk, pk) no lugarde (qk, qk). Obviamente, isto exige que possamos estabelecer uma relação

pois uma combinação linear dessas quantidades nas coordenadas (qk) não corresponderáa uma combinação linear no sistema (qk).

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 23

um-a-um entre os momentos e as velocidades a partir de (111), o que porsua vez requer que a matriz Hessiana

H =

[∂2L∂qk∂qj

](125)

seja invertível. Nesse caso, a mudança de variáveis entre (qk, pk) e (qk, qk)corresponde a uma transformada de Legendre, e a Lagrangiana transfor-mada é precisamente a função Hamiltoniana (107) após a substituição qk =qk(qj , pj)

H(qk; pk, t) = qjpj − L. (126)De (126), temos

∂H∂qk

dqk +∂H∂pk

dpk = qkdpk −∂L∂qk

dqk, (127)

que deve ser encarada como uma relação válida para todo T∗Q e para dqk edpk arbitrários, pois trata-se do diferencial da função H : T∗Q → R e, por-tanto, é uma aplicação linear de TT∗Q→ R. Porém, usando-se as equaçõesde Euler-Lagrange, temos

∂H∂qk

dqk +∂H∂pk

dpk = qkdpk − pkdqk, (128)

de onde temos finalmente que (106) é equivalente aqk =

∂H∂pk

,

pk = −∂H∂qk

,

(129)

que são as conhecidas equações Hamiltonianas para o problema com Lagran-giana L(qk; qk, t) tal que a matriz Hessiana (125) é invertível. Na maior partedos casos de interesse, não só na Mecânica, o ponto de partida é a funçãoHamiltoniana, não importando qual foi a Lagrangiana que a originou.

Uma quantidade fundamental na análise Hamiltoniana é o chamado col-chete de Poisson11, que surge naturalmente quando perguntamos como umdado observável12 f(qk, pk; t) varia ao longo das soluções de (129). Temos

df

dt=

∂f

∂qkqk +

∂f

∂pkpk +

∂f

∂t=

∂f

∂qk∂H∂pk− ∂f

∂pk

∂H∂qk

+∂f

∂t, (130)

onde usamos (129). Note que, se ∂f∂t = 0, f será uma constante de movimento

se o colchete de Poisson entre f e H for nulo

f,H =∂f

∂qk∂H∂pk− ∂f

∂pk

∂H∂qk

= 0. (131)

O colchete te Poisson é um operador diferencial · , · : F×F → F , sendoF o espaço das funções suaves f : T∗Q→ R (que também podem dependerdo tempo), e tem uma série de propriedades interessantes. Em particular, éantissimétrico, bilinear e satisfaz duas importantes propriedades diferenciais:

11Também chamado de parêntesis de Poisson, ou simplesmente comutador.12Na Mecânica Hamiltoniana, chamamos de observável qualquer função suave f :

T∗Q→ R, podendo eventualmente depender do tempo (nesse caso, obviamente será umafamília ft : R×T∗Q→ R.)

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24 PARTE 2

Regra de Leibniz:

fg, h = g f, h+ f g, h (132)

Identidade de Jacobi:

f, g , h+ h, f , g+ g, h , f = 0 (133)

A regra de Leibniz é de prova simples. A identidade de Jacobi é um poucomais complicada e a provaremos explorando a formulação simplética da Me-cânica Hamiltoniana. Notem que sempre podemos expressar as equações deHamilton em termos dos colchetes de Poisson como

qk = qk,H, pk = pk,H . (134)

Tivemos também oportunidade de discutir as relações fundamentais

qk, qj = pk, pj = 0, qk, pj = δkj . (135)

e suas semelhanças com os comutadores quânticos. Dá-se o nome de variáveisconjugadas às variáveis que satisfazem relações do tipo (135).

Muitas vezes, dizemos, a partir de (134), que os colchetes de Poisson“geram” o fluxo Hamiltoniano, e isto pode ser visto supondo um fluxo suavee analítico e que, portanto, admite uma expansão em série de Taylor do tipo

qk(t) = qk(0) + tqk(0) +t2

2qk(0) + · · · (136)

pk(t) = pk(0) + tpk(0) +t2

2pk(0) + · · ·

Porém, se H não depende do tempo, é fácil mostrar que

dnqk

dtn= qk,H,H · · · ,H︸ ︷︷ ︸

n vezes

(137)

e de maneira análoga para pk, o que nos permite escrever (136) como

qk(t) = qk(0) + tqk,Ht=0 +t2

2qk,H,Ht=0 + · · · (138)

pk(t) = pk(0) + tpk,Ht=0 +t2

2pk,H,Ht=0 + · · · ,

que são as soluções formais para (129) no caso autônomo.Exercício 3: Resolva o oscilador harmônico explorando-se a solução

formal (138).

4.3. Formulação simplética. Vamos agora introduzir uma notação uni-ficada para as variáveis (qk, pk) que se mostrará extremamente vantajosa.Vamos representá-las numa única lista e nesta ordem

ξA = (q1, q2, . . . , qn; p1, p2, . . . , pn), (139)

sendo que os índices maiúsculos percorrem os valores 1 . . . 2n, i.e.

ξA =

qA, se 1 ≤ A ≤ n,pA−n, se n < A ≤ 2n.

(140)

Notem queξA, ξB = ωAB, (141)

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 25

sendo[ωAB

]a chamada matriz simplética13 2n× 2n[

ωAB]

= Ω =

[0 In−In 0

], (142)

sendo In a matriz identidade n× n. Trata-se de uma matriz antissimétrica,invertível e cuja inversa é simplesmente sua transposta (é uma matriz orto-gonal). Vamos denotar por ωAB as componentes de sua inversa. Teremossempre

ωABωBC = δCA . (143)

Explicitamente, suas componentes são

ωAB = −ωAB =

δAB, se 1 ≤ A ≤ n e n < B ≤ 2n,

−δAB, se n < A ≤ 2n e 1 ≤ B ≤ n,0, todos outros casos.

(144)

Usando-se as variáveis ξA e a matriz simplética Ω, podemos escrever asequações de Hamilton como

ξA = ωAB∂H∂ξB

, (145)

e os colchetes de Poisson como

f, g = ωAB∂f

∂ξA∂g

∂ξB. (146)

As equações de Hamilton em termos dos colchetes de Poisson nas novasvariáveis são simplesmente

ξA =ξA,H

. (147)

Como primeira “aplicação” do formalismo simplético, vamos provar a identi-dade de Jacobi (133) para o colchetes de Poisson. Notem que

f, g, h = ωCD∂

∂ξC

(ωAB

∂f

∂ξA∂g

∂ξB

)∂h

∂ξD(148)

= ωABωCD(

∂2f

∂ξC∂ξA∂g

∂ξB+

∂f

∂ξA∂2g

∂ξC∂ξB

)∂h

∂ξD

= ωABωCD(∂h

∂ξD∂2f

∂ξC∂ξA∂g

∂ξB− ∂f

∂ξB∂2g

∂ξC∂ξA∂h

∂ξD

),

sendo que no último passo trocamos A ↔ B para deixarmos os termos dasegunda derivada com os mesmos índices. Com as devidas permutações

13A história do termo simplético (symplectic), cuja origem é atribuída a H. Weyl (vejamaqui um pouco da história) é curiosa. Reproduzo a seguir um excerto da introdução dasótimas Lectures on Symplectic Geometry, de A. Cannas da Silva: As a curiosity, notethat two centuries ago the name symplectic geometry did not exist. If you consult a majorEnglish dictionary, you are likely to find that symplectic is the name for a bone in a fish’shead. (...) The word symplectic in mathematics was coined by Weyl who substituted theLatin root in complex by the corresponding Greek root, in order to label the symplecticgroup.

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26 PARTE 2

cíclicas, temos

h, f, g = ωABωCD(∂g

∂ξD∂2h

∂ξC∂ξA∂f

∂ξB− ∂h

∂ξB∂2f

∂ξC∂ξA∂g

∂ξD

)(149)

g, h, f = ωABωCD(∂f

∂ξD∂2g

∂ξC∂ξA∂h

∂ξB− ∂g

∂ξB∂2h

∂ξC∂ξA∂f

∂ξD

)(150)

de onde a identidade de Jacobi (133) decorre diretamente.Como segunda “aplicação” do formalismo simplético, vamos propor uma

condição necessária e suficiente para que um dado sistema de EDOs de pri-meira ordem seja Hamiltoniano. Inicialmente, notem que as equações deHamilton são um caso particular de sistemas do tipo

ξA = XA(ξB, t). (151)

As soluções ξA(t) são um fluxo sobre T∗Q com vetores tangentes XA ∈TT∗Q. O fluxo é dito Hamiltoniano se as equações (151) forem Hamilto-nianas, i.e., se tivermos XA = ωAB ∂H

∂ξB. Daqui, já temos uma condição

necessária para que um fluxo do tipo (151) seja Hamiltoniano: é necessárioque ∂XA

∂ξA= 0. Há porém, uma condição bastante simples que é necessária e

suficiente para garantir que um dado fluxo do tipo (151) seja Hamiltoniano.

Teorema. Um fluxo do tipo (151) é Hamiltoniano se, e somente se,d

dtf, g = f , g+ f, g

para todos observáveis f e g.

Vamos primeiro mostrar que essa condição é suficiente. Se o fluxo for Ha-miltoniano, temos

d

dtf, g = f, g,H+

∂tf, g. (152)

Usando-se a identidade de Jacobi e a antisimetria dos colchetes de Poisson,temos

f, g,H = f,H, g+ f, g,H. (153)Combinando-se com

∂tf, g = ∂tf, g+ f, ∂tg , (154)

temos nosso resultado. Para mostrarmos que a condição é necessária, lembreque, se é valida para todos f e g, será valida em particular para f = ξA eg = ξB. Como ξA, ξB = ωAB, temos

ξA, ξB+ ξA, ξB = XA, ξB+ ξA, XB = 0. (155)

Notem, porém, que

XA, ξB = ωCD∂XA

∂ξC∂ξB

∂ξD= −ωBC ∂X

A

∂ξC. (156)

Assim, (155) pode ser escrita como

ωAC∂XB

∂ξC− ωBC ∂X

A

∂ξC= 0. (157)

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 27

Contraindo-se com ωDAωEB

∂YE∂ξD

− ∂YD∂ξE

= 0. (158)

com YA = ωABXB. Porém, do Lema de Poincaré, sabemos que nesse caso

existe (localmente) uma função H tal que YA = ∂H∂ξA

, de onde temos final-mente XA = ωAB ∂H

∂ξB.

5. Transformações canônicas

Dado um sistema dinâmico do tipo (151), seja ele Hamiltoniano ou não, de-veríamos ser capazes de enuncia-lo usando-se variáveis dinâmicas arbitrárias.Dito de outra maneira, se conhecemos as equações (151) para as variáveisξA, devemos ser capazes de escrevê-las para quaisquer variáveis ξA = ξA(ξB).Vamos sempre supor que a matriz Jacobiana, agora 2n× 2n,

J =

[∂ξA

∂ξB

](159)

é invertível, o que sempre nos garante que a transformação em questão éum-a-um. Há um tipo de transformação muito especial, que de fato é onosso maior interesse. Vamos inicialmente defini-la e então exploraremossuas propriedades.

Definição 1. Uma transformação ξA = ξA(ξB) é dita canônica seξA, ξB

= ωAB.

Duas propriedade se destacam. A primeira, é a invariança dos colchetes dePoisson. Considerem f(ξA(ξB)) e g(ξA(ξB)). Notem que

f, gξ = ωCD∂f

∂ξC∂g

∂ξD

= ωCD∂ξA

∂ξC∂f

∂ξA∂ξB

∂ξC∂g

∂ξB(160)

= ωAB∂f

∂ξA∂g

∂ξB= f, gξ

onde o índice ao colchetes de Poisson indica sobre quais variáveis ele foicalculado. Em palavras, uma transformação canônica preserva os colchetesde Poisson, i.e., podemos calculá-lo tanto com respeito as variáveis iniciaisξA ou com relação às novas ξA, os resultados serão sempre idênticos.

A segunda propriedade das transformações canônicas é a mais interes-sante. Suponha que tenhamos um sistema Hamiltoniano nas variáveis ξAcom Hamiltoniana H(ξA), a qual vamos supor ser independente do tempopor ora. Sabemos que, para qualquer função ξA(ξB) teremos

˙ξA =

ξA,H

ξ. (161)

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28 PARTE 2

Porém, já sabemos que os colchetes de Poisson são invariantes sob transfor-mações do tipo ξA(ξB) e portanto

˙ξA =

ξA,H

ξ

= ωAB∂H∂ξB

. (162)

Em palavras, se o sistema é Hamiltoniano nas variáveis ξA, também o seránas variáveis ξA(ξB), com Hamiltoniana H(ξA) = H(ξB(ξA)). Muitas ve-zes, esta propriedade é usada como definição das transformações canônicas.Voltaremos a este ponto mais adiante.

Vamos agora caracterizar melhor uma transformação canônica. Da defi-nição, temos que, para ser canônica, a transformação deve verificar

ωCD∂ξA

∂ξC∂ξB

∂ξD= ωAB, (163)

que pode ser expressa em termos da matriz Jacobiana (159) como

JΩJ t = Ω. (164)

Esta é a condição que a matriz Jacobiana de uma transformação canônicadeve satisfazer. Antes de passarmos ao estudo mais detalhado da natu-reza dessas matrizes J , vamos exibir explicitamente uma transformação quesempre é canônica. Trata-se da mudança de coordenadas qk do espaço deconfigurações Q que exploramos na primeira seção. Já sabemos que diante deuma mudança de coordenadas qk = qk(qj) os momentos pk se transformamde maneira covariante, como (112). Em termos das variáveis ξA, a matrizJacobiana será

J =

[Jn 0

0 (J−1n )t

], (165)

sendo Jn a matriz Jacobiana n × n associada a transformação qk = qk(qj),ver (108). É fácil verificar que (165) satisfaz a condição (164).

5.1. O grupo simplético. A condição (164) sobre a matriz Jacobiana Jda transformação canônica pode ser entendida a partir de elementos simplesde Álgebra Linear. Vamos começar com um problema com matrizes reaisum pouco mais geral. Seja P uma matriz n × n de determinante não nulo.Considerem agora matrizes S, também n× n, tais que

StPS = P. (166)

O que podemos dizer sobre o conjunto G de matrizes S? Bem, obviamente,espera-se que muitos detalhes dependam da matriz P . Há, porém, algumaspropriedades universais. Primeiro, para qualquer P , é óbvio que In ∈ G.Outra propriedade interessante, que decorre diretamente de (200) e do fatode detP 6= 0, é que detS = ±1. Isto implica que S sempre terá inversa.Ao mesmo tempo, multiplicando-se ambos os lados de (200) pela esquerdapor S−1 e pela direita por

(S−1

)t, concluímos que se S ∈ G, então S−1 ∈ G.Portanto, G tem estrutura de grupo pela multiplicação matricial. Algunsdestes grupos são bem conhecidos por todos. Por exemplo, para o caso P =In, temos as matrizes ortogonais, e nesse caso o grupo G é denominado O(n).Outro caso conhecido: quando P é a matriz diagonal com elementos 1 ou −1.Nesse caso, o grupo se denomina O(n,m), sendo n o número de entradas 1 na

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 29

diagonal, e m o número de −1. Obviamente, são matrizes (n+m)× (n+m).O caso de interesse para relatividade especial é o da assinatura LorentzianaO(3, 1). Em todos esses exemplos, se quisermos nos restringir aos casoscontínuos, i.e., os casos que podem ser continuamente deformados até atransformação identidade, devemos tomar detS = 1. Não há como umamatriz com determinante −1 ser considerada “próxima” à identidade. Nessecaso, adiciona-se a letra S ao nome do grupo. Por exemplo, SO(n) é o grupodas matrizes ortogonais (SSt = I) com determinante 1 e assim por diante.

Para o caso P = Ω, temos o grupo simplético, cujo nome “oficial”14 éSp(2n). Uma peculiaridade do caso simplético é que a condição (200) jáimplica detS = 1. Para ilustrar esse resultado, vamos considerar o casobidimensional:

S =

[a bc d

], (167)

com detS = ad− bc. Porém, temos

StΩS =

[0 detS

−detS 0

], (168)

de onde temos que a condição (200) para P = Ω e n = 2 implica que S éuma matriz 2 × 2 arbitrária de determinante 1. Este também é um grupoclássico, o chamado grupo das transformações especiais lineares, ou SL(2).Acabamos de mostrar que Sp(2) = SL(2). Para n > 1, teremos sempreSp(2n) ⊂ SL(2n) (inclusão própria).

Exercício 4: Mostre que se S satisfaz a condição (200) para P = Ω,então detS = 1. Isto pode (e deve!) ser feito de duas maneirasdiferentes:Exercício 4.1: Descubra o que é o Pfaffiano de uma matriz an-

tissimétrica e explore suas propriedades.Exercício 4.2: Considere S da forma

S =

[A BC D

],

sendo A, B, C e D matrizes n × n. Mostre que se detA 6= 0,temos15

detS = detAdet(D − CA−1B

).

Em seguida, mostre que (200) implica detS = 1. E os casoscom detA = 0? Pensem e resolvam. ,

5.2. Classificação das transformações canônicas. Em geral, o gruposimplético é muito complicado para nos proporcionar uma classificação útildas transformações canônicas. A classificação usual explora a formulação

14Também Sp(2n,R) para o caso real, Sp(2n,C) para o complexo. Note que, no nossocaso, J = St.

15Esta fórmula está na wikipedia! Porém, vocês podem prová-la facilmente decom-pondo a matriz S em um produto de duas matrizes bloco triangulares.

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30 PARTE 2

variacional das equações de Hamilton. Notem que (129) podem ser vistascomo as equações de Euler-Lagrange para o problema variacional

S =

∫ t1

t0

(pkq

k −H(qk, pk, t))dt. (169)

Se uma transformação Qk = Qk(qj , pj , t) e P k = P k(qj , pj , t) é canônica, asnovas variáveis (Qk, Pk) também satisfarão um conjunto de equações Hamil-tonianas que também virão de um problema variacional

S =

∫ t1

t0

(PkQ

k −K(Qk, Pk, t))dt. (170)

As dinâmicas regidas por (169) e (170) serão equivalentes se16

pkqk −H = PkQ

k −K +d

dtF. (171)

Classificaremos as transformações canônicas em 4 tipos, de acordo com afunção F.

5.2.1. Tipo 1. Vamos considerar inicialmente

F = F1(qk, Qj), (172)

com

G1 =

[∂2F1

∂qj∂Qk

](173)

invertível. Nesse caso, a condição (171) fica

pkqk −H = PkQ

k −K +∂F1

∂qkqk +

∂F1

∂QkQk +

∂F1

∂t, (174)

que deve ser vista como uma condição válida para todos (qk, pk) e (Qk, Pk)e suas derivadas, que implica

pk =∂F1

∂qk, Pk = − ∂F1

∂Qk, K = H+

∂F1

∂t. (175)

Notem que a condição da matriz (173) ser invertível é obrigatória para quepossamos inverter as expressões para pk e P k. O caso particular mais famosodas transformações do tipo 1 corresponde a F1 = qkQk, que implica

Qk = pk, Pk = −qk. (176)

Notem que esta transformação canônica corresponde a uma troca entre co-ordenadas e momentos. Uma questão que sempre surge neste ponto é comointerpretar tensorialmente relações teste tipo, já que os índices parecem estardesbalanceados. Por ora, basta levar em conta que, se necessário, os índi-ces poderiam ser balanceados. Ocorre que isto não é necessário, pois nãoexigiremos nenhum caráter tensorial de (176), pois se trata de uma relaçãoválida apenas para as varáveis (qk, pk) e (Qk, Pk), não havendo sentido falarem qualquer outra mudança de coordenadas neste ponto.

16A piada mais infame da física é dizer que, como H é chamada Hamiltoniana, Kdeveria ser a Kamiltoniana./

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 31

5.2.2. Tipo 2. As transformações deste tipo são as que envolvem as coorde-nadas originais qk e os momentos novos Pk. Correspondem a escolha

F = F2(qk, Pj)−QkPk, (177)

com

detG2 = det

[∂2F2

∂qj∂Pk

]6= 0. (178)

A condição (171) neste caso fica

pkqk −H = −QkPk −K +

∂F2

∂qkqk +

∂F2

∂PkPk +

∂F2

∂t, (179)

que implica

pk =∂F2

∂qk, Qk =

∂F2

∂Pk, K = H+

∂F2

∂t. (180)

O caso particular F2 = qkPk corresponde à transformação identidade.Exercício 5: As transformações canônicas infinitesimais são transfor-

mações do tipo

Qk = qk + εh1(qk, pk), Pk = pk + εh2(qk, pk),

supondo-se ε pequeno, i.e., apenas os termos lineares em ε são manti-dos em todos os desenvolvimentos necessários. Estas transformaçõessão sempre do tipo 2. Mostre que elas podem ser obtidas a partirde F2 = qkPk + εh(qk, Pk), determine h1 e h2 como funções de he escreva as transformações canônicas infinitesimais em termos doscolchetes de Poisson.

Exercício 6: Interprete a transformação canônica correspondente a

F2 = fk(qj , t)Pk,

com fk suaves tais que a condição (178) é verificada.

5.2.3. Tipo 3. São as transformações que envolvem os momentos originais eas coordenadas novas. Correspondem ao caso

F = F3(pk, Qj) + qkpk, (181)

com

detG3 = det

[∂2F3

∂pj∂Qk

]6= 0. (182)

A condição (171) neste caso fica

−H = PkQk + qkpk −K +

∂F3

∂pkpk +

∂F3

∂QkQk +

∂F3

∂t, (183)

que implica

qk = −∂F3

∂pk, Pk = − ∂F3

∂Qk, K = H+

∂F3

∂t. (184)

O caso particular F3 = pkQk corresponde a transformação

qk = −Qk, Pk = −pk, (185)

que é uma reflexão total. Notem que uma transformação dessas só terádeterminante 1 se o espaço subjacente for de dimensão par, como é o nossocaso.

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32 PARTE 2

F qk pk Qk Pk

F1(qk, Qj)∂F1

∂qk− ∂F1

∂Qk

F2(qk, Pj)−QkPk∂F2

∂qk∂F2

∂Pk

F3(pk, Qj) + qkpk −∂F3

∂pk− ∂F3

∂Qk

F4(pk, Pj) + pkqk − PkQk −∂F4

∂pk

∂F4

∂Pk

Tabela 1. Os 4 tipos clássicos de transformações canônicas.

5.2.4. Tipo 4. Por fim, o último tipo de transformações canônicas são aquelasque envolvem os momentos originais e os novos. Correspondem ao caso

F = F4(pk, Pj)−QkPk + qkpk, (186)

com

detG4 = det

[∂2F4

∂pj∂Pk

]6= 0. (187)

A condição (171) neste caso fica

−H = −QkP k + qkpk −K +∂F4

∂pkpk +

∂F4

∂PkPk +

∂F4

∂t, (188)

que implica

qk = −∂F4

∂pk, Qk =

∂F4

∂Pk, K = H+

∂F4

∂t. (189)

O caso particular F4 = pkPk corresponde a transformação

qk = −Pk, Qk = pk, (190)

que é a mesma obtida a partir do caso trivial de F1. O quadro 1 resumeestes quatro tipos de transformações canônicas. Notem que não se trata deuma classificação no sentido matemático. Estes quatro tipos não exauremtodas as transformações canônicas, nem correspondem a tipos efetivamentedistintos, como pudemos ver dos exemplos triviais das transformações 1 e 4.Esta classificação em 4 tipos é apenas interessante para algumas aplicações.Em particular, vermos que as transformações do tipo 2 são úteis para adefinição do conceito de integrabilidade de sistemas hamiltonianos.

Exercício 7: Seja n−1 o resto da divisão de seu RA por 4. Prove quea transformação dada pela função Fn da tabela 1 é de fato canônica,i.e., mostre que a matriz jacobiana associada satisfaz (164).

5.3. Invariantes integrais. Vimos que as transformações canônicas preser-vam os colchetes de Poisson, que por sua vez tem estrutura de um operadordiferencial. Há também invariantes integrais. Dois deles se destacam.

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 33

5.3.1. Volumes em T∗Q e o Teorema de Liouville. Seja V0 uma região fe-chada de T∗Q com volume

V0 =

∫V0

dvol (191)

finito, com dvol =

2n∏A=1

dξA. Seja Vt a região correspondente a evolução, pelo

fluxo Hamiltoniano, das soluções que em t = 0 tinham condições iniciais emV0, i.e.

Vt =(ξA(t)

)∈ T∗Q

∣∣ (ξA(0))∈ V0

. (192)

O que podemos afirmar sobre o volume Vt de Vt? O Teorema de Liouvilleresponde esta questão.

Teorema. (Liouville) O volume

Vt =

∫Vtdvol

é constante ao longo do fluxo Hamiltoniano.

5.3.2. Invariante de Poincaré e os colchetes de Lagrange. Vamos consideraragora subvariedades de dimensão 2 (superfícies) S em T∗Q, i.e.. Local-mente, teremos ξA : R2 → S ⊂ T∗Q. Vamos supor que estas superfícies sãoparametrizadas por u e v, i.e., ξA = ξA(u, v). Dá-se o nome de colchete deLagrange à quantidade

[u, v] = ωAB∂ξA

∂u

∂ξB

∂v, (193)

que é uma função S → R.x

D

[u, v] dudv (194)

x

D

[u, v] dudv = −x

D

[∂qk

∂v

∂pk∂u− ∂qk

∂u

∂pk∂v

]dudv

= −x

D

[∂

∂u

(pk∂qk

∂v

)− ∂

∂v

(pk∂qk

∂u

)]dudv

= −∮∂D

(pk∂qk

∂udu+ pk

∂qk

∂vdv

)= −

∮∂Dpkdq

k (195)

6. Integrabilidade

A noção mais importante que tratamos é a de integrabilidade no sentidode Liouville. Sua definição, como a apresentamos, envolve a chamada cons-trução de Mayer17:

17Ou de Lie-Mayer, a qual formularemos como um lema. Para um pouco mais de his-tória, vejam as duas masterpieces clássicas sobre o assunto: C. Caratheodory:Calculus ofvariations and partial differential equations of the first order e E. T. Whittaker, A treatiseon the analytical dynamics of particles & rigid bodies. Para uma abordagem moderna,

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34 PARTE 2

Lema. Seja um sistema Hamiltoniano de dimensão 2n com variáveisconjugadas (qk, pk). Se existirem n funções fk(qj , pj , t), k = 1 . . . n,constantes ao longo do fluxo Hamiltoniano tais que

fk, fj = 0 e det

[∂fk∂pj

]6= 0,

então existirão n funções gk(qj , pj , t) tais que a transformação(qk, pk) ↔ (Qk, Pk), com Pk = fk(q

j , pj , t) e Qk = gk(qj , pj , t), écanônica.

Vamos inicialmente provar este lema, e depois olharemos com mais detalheso que de fato suas hipóteses implicam. A condição do determinante garanteque a expressão

Pk = fk(qj , pj , t) (196)

pode ser invertida para todos pj e Pk, permitindo que escrevamos

pj = φj(qk, Pk, t). (197)

Como (196) é válida para todos qj e Pk, podemos derivar ambos os lados emrelação a qj e obtemos

∂fk∂qj

+∂fk∂pm

∂φm∂qj

= 0. (198)

Contraindo com ∂f`∂pj

, teremos

∂f`∂pj

∂fk∂qj

+∂f`∂pj

∂fk∂pm

∂φm∂qj

= 0. (199)

Subtraindo-se a mesma equação com a troca `↔ k, teremos

fk, f`+∂f`∂pj

∂fk∂pm

(∂φm∂qj

− ∂φj∂qm

)= 0. (200)

Porém, por hipótese, temos fk, f` = 0 (as funções são ditas em involução).Ao mesmo tempo, como a matriz

[∂fk∂pj

]é invertível, temos que (200) implica

∂φm∂qj

− ∂φj∂qm

= 0, (201)

cuja solução localmente sabemos ser

φj =∂S

∂qj. (202)

Notem que, por construção, S = S(qj , Pj , t) e, além disso, pk = φk. Issogarante que a função S(qj , Pj , t) é uma geradora de transformações canônicasdo tipo 2, com

Qk =∂S

∂Pk, (203)

idêntica a que usamos aqui, ver S. Ferraz-Mello, Canonical Perturbation Theories: De-generate Systems and Resonance ou D. Boccaletti e G. Pucacco, Theory of Orbits, vol1.

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 35

já que [∂2S

∂qj∂Pk

]=

[∂φj∂Pk

]=

[∂fk∂pj

]−1

, (204)

o que prova o resultado. Notem que há poucas esperanças de se obter ex-plicitamente a função S com essa construção, pois deveríamos ser capazesde inverter (196) e depois integrá-la várias vezes. Porém, sua existência estáassegurada.

Este resultado nos permite introduzir a seguinte definição.

Definição 2. Um sistema com Hamiltoniano de dimensão 2n é ditocompletamente integrável, no sentido de Liouville, se existirem n cons-tantes de movimento fk(qj , pj , t), k = 1 . . . n, tais que

fk, fj = 0 e det

[∂fk∂pj

]6= 0.

Cuja importância vem do seguinte teorema.

Teorema. Todo sistema completamente integrável no sentido de Li-ouville é solúvel por quadratura.

A prova é simples. Como as condições do Lema estão asseguradas, podemosfazer a transformação canônica (qk, pk)↔ (Qk, Pk) e o sistema ficará

Qk =∂K∂Pk

,

Pk = − ∂K∂Qk

.

(205)

Porém, como Pk são constantes, já sabemos que K = K(Pk, t). Assim, aúnica equação não trivial é

Qk = ωk =∂K∂Pk

. (206)

Notem que ωk = ωk(Pj , t), com todos os Pj constantes. As equações (206)são, portanto, equações do tipo

Qk(t) = ωk(t), (207)

cuja solução, como prometido, se resume a encontrar primitivas ςk =∫ωkdt.

A solução final do sistema será

Qk = ςk(t) +Qk0, Pk = constantes. (208)

Antes de continuarmos, notem que poderíamos dar um passo a mais. Atransformação Qk = Qk− ςk(t), Pk = Pk é canônica (a Jacobiana é a identi-dade). Nessas novas variáveis, teríamos as duas soluções Qk e Pk constantes!Isso exigiria K também constante, e poderíamos tomar, sem perda de gene-ralidade, K = 0. Voltaremos a este ponto mais adiante.

Exercício 8: A construção de Mayer pode ser usada para implemen-tarmos “reduções” dimensionais em sistema Hamiltonianos, i.e., setivermos, para um sistema Hamiltoniano de dimensão 2n, k ≤ n

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36 PARTE 2

grandezas conservadas independentes e em involução, então podere-mos “reduzir” o sistema a um sistema Hamiltoniano efetivo de di-mensão 2(n−k). Prove a seguinte versão do lema de Mayer (de fato,essa é a versão original):

Lema. Seja um sistema Hamiltoniano de dimensão 2n comvariáveis conjugadas (qk, pk). Se existirem m ≤ n funçõesfk(q

j , pj , t), k = 1 . . .m, constantes ao longo do fluxo Hamil-toniano em involução e tais que os vetores

V j(k) =

∂fk∂pj

,

k = 1 . . .m, são linearmente independentes, então existirão mfunções gk(qj , pj , t) para as quais existirá uma transformaçãocanônica (qk, pk) ↔ (Qk, Pk) com Pk = fk(q

j , pj , t) e Qk =

gk(qj , pj , t), k = 1 . . .m.

e demonstre que ela implica na possibilidade da redução dimensionalcitada.

6.1. Toros invariantes. Um olhar mais cuidadoso nas hipóteses de nossolema nos proporcionará uma caracterização geométrica do espaço de fasede um sistema integrável. Voltaremos a usar nesta seção a formulação sim-plética, com as variáveis ξA dadas por (139). Cada uma das constantes demovimento fk(ξA) define uma família de hipersuperfícies (dimensão 2n− 1)em T∗Q

Fk =

(qj , pj) ∈ T∗Q | fk(qj , pj , t) = Pk constante. (209)

Trata-se de uma família continua a dois parâmetros: t e Pk. O vetor normalde um elemento da família Fk, visto como uma hipersuperfície de T∗Q, será

E(k)A =

∂fk∂ξA

. (210)

A condição det

[∂fk∂pj

]6= 0 implica que nenhuma linha dessa matriz pode se

anular, o que por sua vez garante que∣∣∣E(k)A

∣∣∣ > 0, (211)

i.e., os elementos de Fk não possuem nenhum ponto crítico. Além disso,como fk(qj , pj , t) = Pk pode ser invertida para pj , diferentes valores de Pkimplicarão diferentes valores de pj . Portanto, essas famílias são constituídaspor hipersuperfícies disjuntas parametrizadas por Pk. (De fato, paralelas,pois o vetor normal independe do valor de Pk.) Assim, cada ponto de T∗Qpertence a uma única hipersuperfície dessa família. (Estamos suponto umt fixo arbitrário.) Quando isto ocorre, diz-se que o espaço é “folhado” poressas subvariedades. Também diretamente da condição do determinante nãonulo, temos que o conjunto de n vetores E(k)

A , k = 1 . . . n, é linearmenteindependente.

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 37

Em um sistema completamente integrável, o fluxo hamiltoniano está con-tido na intersecção de todas as hipersuperfícies correspondentes as constantesde movimento

(ξA(t)) ⊂⋂k

Fk ⊂ T∗Q. (212)

A condição dos vetores normais às hipersuperfícies serem linearmente inde-pendentes, garante que a subvariedade

T =⋂k

Fk, (213)

na qual o fluxo está contido, tem dimensão n. Esta variedade, que dependedas condições iniciais, é dita invariante porque toda solução que nela se inicia,permanece nela. Em termos do fluxo, temos sempre

ξA : R× T → T . (214)

A condição das constantes estarem em involução também tem uma implica-ção geométrica interessante. Introduzindo-se o vetor

FA(j) = ωAB∂fj∂ξB

(215)

teremos

fk, fj = 0 = E(k)A FA(j). (216)

A condição de involução, portanto, implica que cada um dos vetores FA(k),

k = 1 . . . n, é simultaneamente perpendicular a todos os E(k)A , implicando que

os vetores FA(k) são tangentes a T . Além disso, a condição do determinantetambém implica que todos os FA(k) são linearmente independentes e nunca seanulam.

Vamos reunir o que sabemos sobre a natureza da subvariedade invarianteT ⊂ T∗Q:

(1) tem dimensão n;(2) admite n campos vetoriais tangentes linearmente independentes FA(k);

(3) é orientável, pois admite n campos vetoriais normais E(k)A linearmente

independentes18.

Se adicionarmos a hipótese de T compacta, temos o celebrado teorema, quepor simplicidade enunciaremos em sua versão autônoma (H independente dotempo).

18A noção de orientabilidade de subvariedades é mais sutil que isso. Por ora, vamosficar com o fato que uma hipersuperfície é orientável se ela possuir um vetor normal nãonulo em todos os pontos, e que a intersecção de subvariedades orientáveis é orientável.Para uma introdução perfeitamente legível para físicos, vejam T. Frankel, The Geometryof Physics: An introduction.

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38 PARTE 2

Teorema. (Arnold-Liouville) Seja um sistema Hamiltoniano de di-mensão 2n, autônomo, com n constantes de movimento fk(q

j , pj),k = 1 . . . n, tais que

fk, fj = 0, det

[∂fk∂pj

]6= 0,

e com T dado por (213) compacta. Então, T é difeomorfa a um n-toro

Tn = S1 × · · · × S1︸ ︷︷ ︸n vezes

e existe uma transformação canônica (qk, pk) ↔ (Θk, Ik), sendoΘk (variáveis chamadas ângulos) as parametrizações usuais de Tn eIk = fk(q

j , pj) as variáveis chamadas ação. As variáveis ação-ângulosatisfazem as equações

Ik = 0, Θk = ωk(Ij) =∂K∂Ik

= constantes.

Obviamente, sendo o sistema autônomo, uma das funções fk(qj , pj) poderiaser a própria Hamiltoniana. A prova deste teorema é idêntico ao caso an-terior, com o resultado extra que uma variedade orientável de dimensão n,compacta e que admite n campos vetoriais tangentes linearmente indepen-dentes e que não se anulam em nenhum ponto é necessariamente difeomorfa aum toro Tn. Este é um corolário do chamado Teorema do Índice de Poincaré-Hopf, e sua discussão está fora do nosso escopo19 Em muitas das aplicaçõesem Mecânica, a restrição de que as órbitas sejam limitadas no espaço de con-figurações Q já é suficiente para garantirmos que T é compacta. É o caso,por exemplo, das Hamiltonianas T +V , com T quadrático e V “confinantes”,i.e., V com curvas de nível fechadas.

Exercício 9: Uma das peculiaridades dos sistemas Hamiltonianos éque sua solução completa exige um número menor de constantes demovimento que seriam exigidas para a solução completa de um sis-tema não Hamiltoniano. A estrutura Hamiltoniana facilita a inte-grabilidade de sistemas de EDOs. Para ilustrar este fato, provemo seguinte “teorema de integrabilidade” para um sistema de EDOsgenéricas.

19Para uma discussão acessível, veja T. Frankel, ibid. O caso bidimensional desteteorema tem como corolário a conhecida e folclórica afirmação de que não é possívelpentear a esfera.,

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 39

Teorema. Um sistema de EDOsa de dimensão n

ξk = Xk(ξj),

k = 1, . . . , n, será integrável por quadratura se existirem n− 1funções fk(ξj) constantes e independentes ao longo do fluxo,sendo que consideramos funções independentes aquelas cujosvetores normais

V(k)j =

∂fk∂ξj

são linearmente independentesb.aNotem que não há perda de generalidade em consideramos o caso autô-nomo aqui, pois qualquer sistema de EDOs pode ser transformado em umsistema autônomo simplesmente incluindo-se t como uma nova variáveldinâmica. (Mostre!)bDe fato, um sistema desse tipo admite no máximo n − 1 funções cons-tantes e independentes ao longo do fluxo. (Mostre!)

6.2. Equação de Hamilton-Jacobi. O material das seções anteriores nospermite caracterizar razoavelmente bem um sistema integrável. Porém, naprática, ainda não temos um critério objetivo para decidirmos se um dadosistema Hamiltoniano é ou não integrável. Em outras palavras, não temosainda nenhuma ferramenta ou abordagem que nos permita, de maneira ob-jetiva, determinarmos quantas e quais constantes de movimento um sistemaHamiltoniano possui. De fato, é importante frisar que a resposta a estasquestões para uma Hamiltoniana genérica ainda é problema em aberto20.

Uma estratégia que nos permitiria determinar a função S(qj , Pj , t) é a queenvolve a equação de Hamilton-Jacobi. As ideias envolvidas são simples. Vi-mos que a função S(qj , Pj , t) é a geradora de uma transformação canônica, eportanto sempre teremos K = H+ ∂S

∂t . Vimos também que, se um sistema écompletamente integrável, podemos sempre fazer uma transformação canô-nica que nos dê K = 0, i.e., H(qk, pk, t) + ∂S

∂t = 0. Porém, como pk = ∂S∂qk

,podemos escrever

]H(qk,

∂S

∂qk, t

)+∂S

∂t= 0, (217)

que é uma equação a derivadas parciais para S. Caso consigamos resolve-laadequadamente, teremos a função S e o problema estará solucionado. Osignificado de “resolvê-la adequadamente” ficará claro com alguns exemplosexplícitos. No contexto da equação de Hamilton-Jacobi (217), a função S échamada função principal de Hamilton.

Como exemplo, consideremos o caso autônomo H = T + V com n = 1,que é sempre integrável, como já sabemos. A equação de Hamilton Jacobinesse caso é

1

2m

(∂S

∂x

)2

+ V (x) +∂S

∂t= 0. (218)

20Há argumentos que sugerem que questões dessa natureza, em suas formas mais gerais,seriam indecidíveis, ver, por exemplo, este artigo.

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40 PARTE 2

Vamos procurar soluções do tipo S(x, t) = s(x,E)−Et, sendo E uma cons-tante de separação. Teremos

(s′)2 = 2m(E − V (x)), (219)

que é uma EDO que pode ser resolvida por quadraturas. A constante deseparação é a energia total, conservada. As variáveis ação-ângulo neste casoserão (Θ, E), com Θ = ∂S

∂E . Vamos especializar para o caso do osciladorharmônico, V = kx2

2 , para termos um exemplo explícito. Teremos

s(x,E) = mω

∫ x√

2E

mω2− s2 ds, (220)

com ω2 = km . Notem que

Θ =∂S

∂E=

1

ω

∫ x ds√2Emω2 − s2

− t =1

ωarcsin

√mω2

2Ex− t, (221)

de onde temos finalmente

x =

√2E

mω2sin(ωt+ ϕ0), (222)

com ϕ0 = ωΘ. O momento Px pode ser obtido calculando-se

Px =∂S

∂x=√

2mE cos(ωt+ ϕ0). (223)

Podemos agora interpretar geometricamente as variáveis E e φ0. Fixando-seE, definimos o 1-toro (S1) invariante TE ⊂ T∗Q sobre o qual a dinâmica dooscilador com energia total E ocorre

TE =

(x, Px) ∈ T∗Q |P 2x +m2ω2x2 = 2mE

. (224)

Por outro lado, ϕ0 corresponde a posição inicial (t = 0) sobre o toro TE .Obviamente, se a solução começa em TE , estará para todo t > 0 restrita aTE .

6.3. A função principal de Hamilton. A função S tem uma interpretaçãocuriosa no contexto da Mecânica Analítica. Calculemos como ela varia notempo para um sistema integrável

dS

dt=

∂S

∂qkqk +

∂S

∂t= pkq

k −H = L (225)

e, portanto, vemos que S corresponde, de fato, à ação

S =

∫L dt, (226)

calculada ao longo das soluções. Para o caso autônomo, sempre teremos

S =

∫pkq

kdt−Ht, (227)

lembrando que H é constante e usando-se t0 = 0 na integração. Para ooscilador harmônico, temos

s(x,E) =

∫pxxdt = 2E

∫cos2(ωt+ ϕ0)dt. (228)

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ESTRUTURA MATEMÁTICA DA MECÂNICA 41

Trocando-se a variável de integração para x(t) definida por (222), teremos

s(x,E) =

∫pxxdt =

√2mE

∫ √1− mω2x2

2Edx, (229)

que é idêntica a (220).Exercício 10: Resolva o problema de Kepler (órbitas fechadas) utili-

zando a equação de Hamilton-Jacobi. Descreva tudo que puder sobreos toros invariantes do problema.

6.4. As regras de quantização de Bohr-Sommerfeld. Considerem aquantidade

J =

∮pkdq

k, (230)

calculada ao longo de uma órbita periódica. (Portanto, a integral é Para sis-temas mecânicos usuais, J tem dimensão de momento angular. Se o sistemafor integrável, sabemos que pk = ∂S

∂qk, com S = S(qj , Pj , t). Notem que como

é uma integral definida em qk, teremos J = J(Pj , t). Temos

∂J

∂Pj=

∮∂2S

∂qk∂Pjdqk =

∮∂Qj

∂qkdqk =

∮dQj = 2π (231)

J = 2π

n∑k=1

Pk (232)