sim 35 vida criativa ii a lição das águas

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OLIBERAL BELÉM, DOMINGO, 2 DE FEVEREIRO DE 2014 MAGAZINE n 11 sim Vida Criativa II: A lição das águas [email protected] VICENTE CECIM Se a tranquilidade da água permite refletir as coisas, o que não poderá a tranquilidade do espírito? CHUANG-TSÉ Terá voltado a ser a Água que nunca deixou de ser, e que, essencialmente, é - e sabe, em si, que é. Essa é a Lição das Águas para nos, homens. A Água nada teme porque sabe o que é, permanentemente, através das formas que posse assumir. - O que? H2O. Sabendo o que somos, achando o nosso Centro – a nossa autêntica Iden- tidade, no fundo de nós - poderemos fluir de metamorfose em metamor- fose, através dos nossos momentos, das nossas circunstâncias, das situa- ções da vida, das alegrias & tristezas, livremente. Sem apegos nem depen- dências seja a um bem seja a um mal que estejamos atravessando. Sabendo que, como diz o Anel das Metamor- foses: - Isto também passará. Seja o que for. - Sim. Como bem diz o Zen do Povo: - Não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe. Isso. Chegamos ao Centro. E O Centro – que em Andara eu mostro sob essa forma geométrica: oO – ou o eu pequeno que o homem é unido ao Eu grande que a Vida é – esse Centro é o Ser que somos, e que uma vez visto Face a Face nos revela que os entes que vamos sendo ora de um jeito ora de outro, são assim, efême- ros, justamente para podermos ser mutantes. - Ah, agora sim, ficou claro como água: Mutantes para sermos Livres. Livres para sermos sem Medo. E sem Medo para sermos Criativos. S e fosse Água, você seria água corrente ou água estagnada ? - Ah, você voltou, Vicente. Sim, para a nossa segunda página Sim sobre o assunto da sema- na passada: Vida Criativa. E você con- tinua aqui, diante do nosso Lago Sere- no, olhando as Águas. O que elas lhe mostraram? Nós combinamos falar hoje sobre a lição das águas, lembra? - Lembro, por isso fiquei aqui, me olhando nelas. E ficou mais claro aquilo que já falamos: sobre as pedras do caminho que precisamos atraves- sar e estão entre nós e o fundamental: sabermos Quem Somos. O que só conseguiremos atingindo o Centro do que somos. - Para isso, temos que ser rebeldes para sermos Livres. - Sermos Livres para sermos o que naturalmente somos: seres sem Medo. - Sermos sem Medo para sermos Criativos. Para fluir como águas hu- manas, não estagnadas. Sobre essa Travessia é bom dei- xarmos claro, desde já, que chegan- do ao Centro do que somos, já tendo atravessado, veremos que as próprias pedras – o peso da falta de liberdade & a obstrução do medo – continuarão existindo, também no Centro, mas não mais diante de nós porque tere- mos aprendido a nos desviar delas. Antes, fora do nosso centro éramos fixos – nele, nos tornamos móveis. Essa é a lição das águas. De dentro desta pagina, onde agora estamos juntos, certamente você já leu o que Chuang-Tsé diz lá no alto dela sobre a tranquilidade das águas & do espírito. - Sim. Através dele, Chuang-Tsé, pene- tramos no caminho do Tao – que se pode traduzir aproximadamen- te, do idioma chinês para o nosso, por O Caminho. Esse Tao/Caminho que é ao mesmo tempo Onipresente – porque atua em tudo e nada é sem ele – e ao mesmo tempo deixa tudo livre para ser o que é conforme sua natureza – sendo também Oniausen- te, uma palavra que achei ou inventei nos livros de Andara. Parece com o Caminho do Meio de Nagarjuna, de que falamos antes, não é? Livre dos conflitos da Dualidade. Condição es- sencial para uma vida livre, sem me- do, fluente. Então: Criativa. Porque, existindo em um Universo criado, e sendo seres criados, certamente não teria sentido viver não criativamente. Você concorda? - Sim. A lição das águas é essa. É a Via das Metamorfoses, da Vida Móvel. Não mais fixos poderemos ser criativos. Jo- garmos o jogo que nos joga – livres do Medo porque, sabendo O Que Somos poderemos nos permitir sermos o que for preciso que sejamos - nos tantos diálogos que precisamos manter com as nuances & circunstâncias da nossa existência como entes humanos em permanente transformação, objetiva & subjetivamente - já sem temer nos perdermos do Ser que – imóvel em si, como ensinou Parmênides – é o Cen- tro inalterável que verdadeiramente somos. Até aqui está claro? - Sim. Mas ainda nem tudo. Se so- mos coisas efêmeras, que nascem, duram um tempo e desnascem, di- gamos assim – como podemos ser, ao mesmo tempo, Isso que é inalterável e permanente ? Ah, sua dúvida é porque ainda não sabe a resposta para a pergunta do Koan Zen que nos indaga: - Como era o teu rosto antes de teres nascido? - E qual é a resposta? Fique com a pergunta, conviva com o Koan, incorpore ele a sua vida, o mantenha vivo em você todos os momentos até ter a resposta – por- que essa Resposta é um Saber que só poderá brotar de você, e não um conhecimento que eu ou qualquer outra pessoa possa lhe ensinar, como aprender a falar um idioma ou diri- gir carro, transmitindo informações. Um Saber só pode brotar do Ser que Somos – e o Saber é a própria Vida – e, para além & aquém do Ente que você é, no efêmero – você também é parte do Ser do Todo que tudo sabe e, sendo assim, você sabe o que Ele sabe. Mas está oculto em você, de você, pelo pró- prio ente que enquanto Ente - vivendo na Alucinação de ter um eu separado do Todo de Tudo - você é. Um outro mestre do Tao, Lié-Tsé, pode nos ajudar a entender isso. Você quer saber o que ele diz? Eis: O pu- ro e leve ascende e se torna o Céu. O inquieto e pesado desce e se torna a Terra. Os sopros intermediários, ao se misturarem humanamente, gerariam o Homem. É nessa região intermediária que nós, homens, habitamos. Achando que somos apenas Entes, por algum tempo, suspensos entre Céu & Terra - Mas também somos Seres fora do tempo, todo o não tempo que perdu- ra a Vida do Todo que tudo é. Dimen- são da qual você participa – ó gota de água que ignoras que és o Oceano. Mas vamos à Lição das Águas. Pe- netremos na Via das Metamorfoses. E com bom humor – porque não há Saber se não houver Sabor – digamos que, diante do nosso Lago Sereno, tu- do vai ficar para nós claro como água, como se diz. Veja, o Sol já está nascendo. Vai começar a evaporar a água do lago. E ela vai se metamorfosear em vapor de água. E aceita essa transformação - sem nenhum temor - usufrui des- se Dom que tem de se converter de água, em estado líquido, em vapor. Como o Dom das metamorfoses é ilimitado, depois vai se adensar e se transformará em nuvem. Então, virão os ventos e a levarão, já como nuvens, através dos céus, a sobrevoar talvez a Terra inteira – subiu do nosso lago, aqui da Amazônia, quem sabe atra- vesse o Atlântico e vá flutuar sobre os céus ardentes do Sahara, ou gela- dos de um dos Polos. Nada a temer: para a Água suas metamorfoses são aventuras & uma ventura – desfruta dessa liberdade, do fluir através de suas mutações. Como uma das carac- terísticas do Dom das Metamorfoses é, também, jamais se fixar em uma das formas que momentaneamente assume, a ex-água em estado líquido, que se tornou vapor, depois nuvem – vai agora se transformar em chu- va. E choverá, retornando dos Céus a Terra – lembre o que disse Lié-Tsé: O puro e leve ascende e se torna o Céu. O inquieto e pesado desce e se torna a Terra. E a água verá que as meta- morfoses por que passa são boas, são benignas, benéficas. E até curativas. Porque se ela chover sobre o Sahara, vai fecundar a Terra ressecada. E se chover sobre um dos Polos - como nos homens, na nossa ignorância enquanto entes, estamos perfuran- do a camada de ozônio e causando grandes degelos que já afetam suici- damente o clima da Terra – vai repor lá a água que tiramos, e eis a nossa água, em mais uma metamorfose, se transformará em gelo. Mas digamos que a água do nos- so Lago dê a volta por toda a Terra e volte a chover justamente aqui, sobre o Lago onde iniciou suas mutações. Max Ernst: “Quietude”

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Sobre a Liberdade e a Arte das Metamorfoses

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Page 1: Sim 35 vida criativa ii a lição das águas

o liberalBelém, domingo, 2 de fevereiro de 2014 magazine n11

sim

Vida Criativa II: A lição das águas

[email protected] cecim

Se a tranquilidade da água permite refletir as coisas,o que não poderáa tranquilidade do espírito?CHUANG-TSÉ

Terá voltado a ser a Água que nunca deixou de ser, e que, essencialmente, é - e sabe, em si, que é.

Essa é a Lição das Águas para nos, homens.

A Água nada teme porque sabe o que é, permanentemente, através das formas que posse assumir.

- O que?H2O.Sabendo o que somos, achando o

nosso Centro – a nossa autêntica Iden-tidade, no fundo de nós - poderemos fluir de metamorfose em metamor-fose, através dos nossos momentos, das nossas circunstâncias, das situa-ções da vida, das alegrias & tristezas, livremente. Sem apegos nem depen-dências seja a um bem seja a um mal que estejamos atravessando. Sabendo que, como diz o Anel das Metamor-foses: - Isto também passará. Seja o que for.

- Sim. Como bem diz o Zen do Povo: - Não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe.

Isso.Chegamos ao Centro.E O Centro – que em Andara eu

mostro sob essa forma geométrica: oO – ou o eu pequeno que o homem é unido ao Eu grande que a Vida é – esse Centro é o Ser que somos, e que uma vez visto Face a Face nos revela que os entes que vamos sendo ora de um jeito ora de outro, são assim, efême-ros, justamente para podermos ser mutantes.

- Ah, agora sim, ficou claro como água: Mutantes para sermos Livres. Livres para sermos sem Medo. E sem Medo para sermos Criativos.

Se fosse Água, você seria água corrente ou água estagnada?

- Ah, você voltou, Vicente.Sim, para a nossa segunda

página Sim sobre o assunto da sema-na passada: Vida Criativa. E você con-tinua aqui, diante do nosso Lago Sere-no, olhando as Águas. O que elas lhe mostraram? Nós combinamos falar hoje sobre a lição das águas, lembra?

- Lembro, por isso fiquei aqui, me olhando nelas. E ficou mais claro aquilo que já falamos: sobre as pedras do caminho que precisamos atraves-sar e estão entre nós e o fundamental: sabermos Quem Somos.

O que só conseguiremos atingindo o Centro do que somos.

- Para isso, temos que ser rebeldes para sermos Livres.

- Sermos Livres para sermos o que naturalmente somos: seres sem Medo.

- Sermos sem Medo para sermos Criativos. Para fluir como águas hu-manas, não estagnadas.

Sobre essa Travessia é bom dei-xarmos claro, desde já, que chegan-do ao Centro do que somos, já tendo atravessado, veremos que as próprias pedras – o peso da falta de liberdade & a obstrução do medo – continuarão existindo, também no Centro, mas não mais diante de nós porque tere-mos aprendido a nos desviar delas. Antes, fora do nosso centro éramos fixos – nele, nos tornamos móveis. Essa é a lição das águas.

De dentro desta pagina, onde agora estamos juntos, certamente você já leu o que Chuang-Tsé diz lá no alto dela sobre a tranquilidade das águas & do espírito.

- Sim. Através dele, Chuang-Tsé, pene-

tramos no caminho do Tao – que se pode traduzir aproximadamen-te, do idioma chinês para o nosso, por O Caminho. Esse Tao/Caminho que é ao mesmo tempo Onipresente – porque atua em tudo e nada é sem ele – e ao mesmo tempo deixa tudo livre para ser o que é conforme sua natureza – sendo também Oniausen-te, uma palavra que achei ou inventei nos livros de Andara. Parece com o Caminho do Meio de Nagarjuna, de que falamos antes, não é? Livre dos conflitos da Dualidade. Condição es-sencial para uma vida livre, sem me-do, fluente. Então: Criativa. Porque, existindo em um Universo criado, e sendo seres criados, certamente não teria sentido viver não criativamente. Você concorda?

- Sim. A lição das águas é essa. É a Via

das Metamorfoses, da Vida Móvel. Não mais fixos poderemos ser criativos. Jo-garmos o jogo que nos joga – livres do Medo porque, sabendo O Que Somos poderemos nos permitir sermos o que for preciso que sejamos - nos tantos diálogos que precisamos manter com as nuances & circunstâncias da nossa existência como entes humanos em permanente transformação, objetiva & subjetivamente - já sem temer nos perdermos do Ser que – imóvel em si, como ensinou Parmênides – é o Cen-tro inalterável que verdadeiramente somos. Até aqui está claro?

- Sim. Mas ainda nem tudo. Se so-mos coisas efêmeras, que nascem, duram um tempo e desnascem, di-gamos assim – como podemos ser, ao mesmo tempo, Isso que é inalterável e permanente?

Ah, sua dúvida é porque ainda não sabe a resposta para a pergunta do Koan Zen que nos indaga: - Como era o teu rosto antes de teres nascido?

- E qual é a resposta?Fique com a pergunta, conviva

com o Koan, incorpore ele a sua vida,

o mantenha vivo em você todos os momentos até ter a resposta – por-que essa Resposta é um Saber que só poderá brotar de você, e não um conhecimento que eu ou qualquer outra pessoa possa lhe ensinar, como aprender a falar um idioma ou diri-gir carro, transmitindo informações. Um Saber só pode brotar do Ser que

Somos – e o Saber é a própria Vida – e, para além & aquém do Ente que você é, no efêmero – você também é parte do Ser do Todo que tudo sabe e, sendo assim, você sabe o que Ele sabe. Mas está oculto em você, de você, pelo pró-prio ente que enquanto Ente - vivendo na Alucinação de ter um eu separado do Todo de Tudo - você é.

Um outro mestre do Tao, Lié-Tsé, pode nos ajudar a entender isso. Você quer saber o que ele diz? Eis: O pu-ro e leve ascende e se torna o Céu. O inquieto e pesado desce e se torna a Terra. Os sopros intermediários, ao se misturarem humanamente, gerariam o Homem.

É nessa região intermediária que nós, homens, habitamos. Achando que somos apenas Entes, por algum tempo, suspensos entre Céu & Terra - Mas também somos Seres fora do tempo, todo o não tempo que perdu-ra a Vida do Todo que tudo é. Dimen-são da qual você participa – ó gota de água que ignoras que és o Oceano.

Mas vamos à Lição das Águas. Pe-netremos na Via das Metamorfoses. E com bom humor – porque não há Saber se não houver Sabor – digamos que, diante do nosso Lago Sereno, tu-do vai ficar para nós claro como água, como se diz.

Veja, o Sol já está nascendo. Vai começar a evaporar a água do lago. E ela vai se metamorfosear em vapor de água. E aceita essa transformação - sem nenhum temor - usufrui des-se Dom que tem de se converter de água, em estado líquido, em vapor. Como o Dom das metamorfoses é ilimitado, depois vai se adensar e se transformará em nuvem. Então, virão os ventos e a levarão, já como nuvens, através dos céus, a sobrevoar talvez a Terra inteira – subiu do nosso lago, aqui da Amazônia, quem sabe atra-vesse o Atlântico e vá flutuar sobre os céus ardentes do Sahara, ou gela-dos de um dos Polos. Nada a temer: para a Água suas metamorfoses são aventuras & uma ventura – desfruta dessa liberdade, do fluir através de suas mutações. Como uma das carac-terísticas do Dom das Metamorfoses é, também, jamais se fixar em uma das formas que momentaneamente assume, a ex-água em estado líquido, que se tornou vapor, depois nuvem – vai agora se transformar em chu-va. E choverá, retornando dos Céus a Terra – lembre o que disse Lié-Tsé: O puro e leve ascende e se torna o Céu. O inquieto e pesado desce e se torna a Terra. E a água verá que as meta-morfoses por que passa são boas, são benignas, benéficas. E até curativas. Porque se ela chover sobre o Sahara, vai fecundar a Terra ressecada. E se chover sobre um dos Polos - como nos homens, na nossa ignorância enquanto entes, estamos perfuran-do a camada de ozônio e causando grandes degelos que já afetam suici-damente o clima da Terra – vai repor lá a água que tiramos, e eis a nossa água, em mais uma metamorfose, se transformará em gelo.

Mas digamos que a água do nos-so Lago dê a volta por toda a Terra e volte a chover justamente aqui, sobre o Lago onde iniciou suas mutações.

Max Ernst: “Quietude”