sílvio correia santos · o fazem da forma mais correta. por outro, a discussão acerca do sp é...

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Slvio correia SantoS

oS media de Servio pblico

livros labcomSrie: pesquisa em comunicaodireco: Jos ricardo carvalheirodesign de capa: cristina lopespaginao: cristina lopescovilh, Ubi, labcom, livros labcom

iSbn: 978-989-654-105-7ttulo: os media de Servio pblicoautor: Slvio correia Santosano: 2013

www.livroslabcom.ubi.pt

Siglas e abreviaturas

adSl: asymmetric digital Subscriber lineam: amplitude moduladaard: arbeitsgemeinschaft der ffentlich-rechtlichen rundfunkanstalten der bundesrepublik deutschlandbbc: british broadcasting corporationbcnZ: new Zealand broadcasting corporationca: conselho de administraoce: comisso europeiaco: conselho de opiniocope: create once publish everywherecpb: corporation for public broadcastingdGc: direo Geral da concorrnciaebc: empresa brasil de comunicaoebU/Uer: european broadcasting Union/Unio europeia de radiodifusoen: emissora nacional erc: entidade reguladora da comunicaoert: Hellenic broadcasting corporationeUa: estados Unidos da amricaFm: Frequncia moduladaGatt: General agreement on tariffs and trademr: magyar rdimSp: media de Servio pblico mtv: magyar televzincrtv: Greek national council for radio and televisionnoS: nederlandse omroep Stichtingnpm: new public managementnpr: national public radionrK: norwegian broadcasting corporationnZoa: nZ on air

orF: sterreichischer RundfunkpbS: public broadcasting ServicepSb: public Service broadcastingpSm: public Service mediapvt: public value testrai: radiotelevisione italianartl: radio tlvision luxembourgrdp: radiodifuso portuguesartp: radioteleviso portuguesartp rdio e televiso de portugal (aps 2004, e quando referido no texto) rtve: corporacin de radio y televisin espaola, S.a.SbS radio/tv: Special broadcasting ServiceSi: Sociedade da informaoSiG: Servios de interesse GeralSieG: Servios de interesse econmico GeralSp: Servio pblicoSprt: Servio pblico de rdio e televisotvnZ: television new Zealandtvp: telewizja polskaUe: Unio europeiaUHF: Ultra High FrequenciesHF: High FrequenciesUndp/pdnU: United nations development programme/programa de desenvolvimento das naes Unidas

vrt: vlaamse radio- en televisieomroeporganisatieYle: Yleisradio oyWrtvc: World radio and television councilZdF: Zweites deutsches Fernsehen

ndice

introduo .......................................................................................................... 1

captUlo 1 - o Servio pblico de rdio e televiSo de tradio eUropeia .................................................................................. 3

1. o conceito de servio pblico para alm dos media: da tradio francesa existncia num mercado nico .......................................................... 3

2. a rdio e os media de servio pblico na europa: do monoplio abertura dos mercados ................................................................................... 17

3. o mosaico europeu: diversidades no servio pblico ................................. 33

captUlo 2 - da leGitimao poltica S poSSibilidadeS de expanSo: oS limiteS do poSicionamento do Servio pblico na eUropa ................................................................................. 49

1. evoluo da poltica europeia para os media pblicos ................................ 49

.......................................................................................... 60

......................... 75

4. a avaliao do desempenho do servio pblico ......................................... 90

captUlo 3 - SUperao do modelo de Servio pblico de rdio e televiSo pelo modelo de media de Servio pblico: oportUnidadeS e deSaFioS ............................................. 97

1. Servio pblico de rdio e televiso: princpios e prticas para uma ........................................................................................ 98

do servio pblico .......................................................................................... 117

3. o nascimento dos media de servio pblico .............................................. 130

4. limitaes atividade do servio pblico no sculo xxi ........................ 137

captUlo 4 - conSideraeS FinaiS: a relevncia do Servio pblico no ScUlo xxi ..................................................... 143

............................................................................. 149

[Os Media de Servio Pblico, pp. - 2]1

introduoo Servio pblico de rdio e televiso (Sprt)1 tem constitudo um tema fraturante na sociedade portuguesa, particularmente, na ltima dzia de anos. Sobretudo, depois de 2002, o tema assumiu-se como uma das bandeiras do impretervel desgnio governamental de reduzir. de reajustar. observando a forma como o presente e o futuro do Sp foi mobilizando o poder poltico, a sociedade e o prprio sector audiovisual privado, deparei-me, frequentemente, com duas constataes que acabaram por se tornar no motor desta obra. por um lado, muita gente usa a expresso Servio pblico (Sp). mas nem todos o fazem da forma mais correta. por outro, a discusso acerca do Sp uma discusso desequilibrada. no se fala da rdio pblica, ou da internet, mas sim da televiso. a forma como em 2002 e 2003, a rdio foi completamente obliterada na discusso pblica foi marcante. este livro tem, por isso, dois objetivos que partem, muito concretamente, da realidade portuguesa: explicar o que o Sp nos media, e faz-lo, dando importncia rdio e internet. como vincado no texto, o ethos do servio pblico neutro em relao plataforma. porm importa colocar a rdio na histria. porque nela que tem origem a radiodifuso de servio pblico. rdio, pois, que este livro recorre mais frequentemente, permitindo uma abordagem alternativa habitual leitura dominada pela televiso.

o Sprt , atualmente, uma instituio em risco, por vrios motivos. em

que o Sp enfrenta resulta, sobretudo, da possibilidade de renovar os pilares da sua misso num contexto tecnologicamente diferente. So, efetivamente, duas discusses distintas. o outro objetivo deste livro , por isso, ir alm da discusso a que temos assistido em portugal e propor um olhar mais abrangente sobre o

1) Usaremos a expresso Servio pblico de rdio e de televiso (Sprt) como forma equivalente a public Service broadcasting (pSb).

2 autor

que e o que pode vir a ser o Sprt no sculo xxi, compreendendo-o no seu contexto europeu.

o que a histria da europa nos mostra que o Sp surge associado a um grau de maturidade das democracias. Se no houver maturidade democrtica no pode haver um verdadeiro servio pblico. e o modelo democrtico que construmos na europa no existe sem o Sprt. porque, ao contrrio do que por vezes salta desta discusso, o posicionamento do Sp deve ser de tal forma, que este faa falta ao mercado. ele deve ser um fator de equilbrio e tambm de elevao no sector. e importa que a sociedade reconhea essa relevncia. essa - alis, uma questo frequentemente realada neste texto: o futuro e a relevncia do Sprt dependem de uma nova proximidade com a sociedade. o Sp depende muito do reconhecimento, por parte dos cidados, de que a sua existncia cria valor nas suas vidas. cria valor social. e isso, no s ir fortalecer a distino da marca do Sp no futuro prximo, como tambm ir garantir-lhe a principal base de apoio que tantas vezes lhe escapa: as pessoas.

este texto resulta da adaptao de parte do enquadramento terico da tese de doutoramento, intitulada Servio pblico de radiodifuso em portugal: do

de letras da Universidade de coimbra, pela professora doutora isabel Ferin cunha e defendida no vero de 2012. a perspetiva sobre a qual se ergue o livro a da compreenso do lugar da noo de Sp de comunicao social. apesar de o bero do conceito ser a teoria jurdica, a sua relevncia enquanto instrumento poltico, social e cultural na construo da moderna conceo de cidadania leva-nos a outras reas. tal abertura , na verdade, natural s cincias da comunicao. partindo ento da sua origem, no mbito do direito administrativo francs, aborda-se a forma como o Sp evoluiu no sector dos media na europa. enquadra-se o seu reposicionamento conceptual e operativo, as crises que o

inteno maior deste livro: compreender o novo contexto dos media de servio pblico (mSp).

[Os Media de Servio Pblico, pp. - 48]3

captulo 1

o servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

embora partindo dos mesmos valores clssicos, o servio pblico de tradio europeia constituiu-se sob mltiplas formas. neste primeiro captulo observa-se como os mediacomo evoluram, situados nessa incmoda posio entre o mercado e os seus princpios de base, incorporando novas formas de gesto.

1. o conceito de servio pblico para alm dos media: da tradio francesa existncia num mercado nico

a noo de servio pblico est presente na sociedade moderna sob uma

media, importa enquadrar o aparecimento deste conceito. a teoria do servio pblico nasce das condies particulares proporcionadas essencialmente por dois tipos de mudanas: o

efetivamente, foi neste pas que mais se desenvolveu o conceito de servio

que teve na tradio continental europeia e, concretamente, em portugal.

4 Slvio Correia Santos

a referncia a um novo posicionamento do estado tem como pano de fundo a existncia de um modelo em que este se havia tornado menos interventivo na

nas estruturas sociais, econmicas e polticas dos sculos xviii e xix, nomeadamente no seguimento da revoluo industrial e da revoluo Francesa. a mudana a que nos referimos resultou da perceo de que o movimento do liberalismo econmico no podia satisfazer todas as necessidades do povo, o que acabou por levar a uma alterao quer do papel, quer das responsabilidades do estado. assim, pode falar-se no surgimento de uma nova funo da administrao

desenvolve um modelo de ao estatal mais interventiva, que inclua a prestao de servios que o mercado no proporcionava s pessoas. alguns servios de interesse geral comearam, pois, a ser realizados pelo estado. esta nova dinmica de interveno do estado de tal forma relevante, que est na base do desenvolvimento organizacional moderno da prpria sociedade. como refere chevallier,

le service public voque cette sphre des fonctions collectives, ncessaires lexistence mme du sociale. Faisant cho aux thmes du bien commun, de lintrt general, de lUtilit publique, avec

donc ds racines anciennes et apparat comme inhrente lorganisation ds socits modernes (2010: 3).

expoente mximo na segunda metade do sculo xx: um estado mais interventivo na dimenso quotidiana, mais prximo dos cidados, proporcionando servios que garantem a coeso social. com esta rotao, o estado procurava uma legitimidade que a puissance publique no lhe proporcionava, sobretudo

proporcionada, precisamente, pela doutrina do servio pblico, como explica chevallier:

5Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

lett se presente en effect, dsormais, moins sous la forme de manifestations dautorit que comme un prestataire de services, dont lobjectif est de satisfaire le mieux possible les besoins du public; la doctrine du service public va venir colmater ces brches, en reconstruisant la thorie de ltat sur des bases nouvelles (2010: 12).

esta mudana, que ocorria na sociedade francesa, consistia no facto de o

desgnio de poder do estado (Gugliemi e Koubi, 2007: 42). ou seja, o conceito de Sp foi tomando forma ligado noo do coletivo, no seio da doutrina francesa1.

embora a ideia seja bem mais antiga2 e possamos encontr-la j na distribuio de alimentos na roma antiga (Gugliemi e Koubi, 2007), o Sp tem a sua raiz doutrinal no incio do sculo xx, com o trabalho de leon duguit. duguit, considerado o pai da escola do Servio pblico (tambm conhecida

cest toute activit dont laccomplissement doit tre rgl, assur et contrl par les gouvernants, par ce que laccomplissement de cette activit est indispensable la ralisation et au dveloppement de linterdpendance sociale et quelle est de telle nature quelle ne peut tre assure compltement que par lintervention de la force gouvernante (1918: 73).

dever da prestao de servios e no pela autoridade que, naturalmente, este possua: tout act des gouvernants est sans valeur quand il poursuit un but autre

1) como marca do nascimento do servio pblico ao nvel da jurisprudncia, deve ser referida a

2) Sobre a emergncia da ideia de servio pblico cf. Gugliemi e Koubi (2007). lexpression de service public napparat gure dans les textes juridiques antrieurs la revolution franaise, cela nexclut pas que les ides de bien commun, dutilit publique, dintrt collectif ou de besoins sociaux auxquels ila a sembl ncessaire de rpondre un moment donn naient pas t souleves sous dautres formes, dans dautres termes (Gugliemi e Koubi, 2007: 19).

6 Slvio Correia Santos

quun but de service public. le service public est le fondement et la limite du pouvoir gouvernementale (duguit, 1918: 74).

o pensamento de duguit foi referencial para a escola do Servio pblico, no mbito da qual (nomeadamente com Gaston Jze) o conceito foi trabalhado e desenvolvido. a doutrina do servio pblico desenvolveu-se, posteriormente, a partir da evoluo das vrias dimenses do conceito, passando de fundamento do direito administrativo francs a elemento refundador da teoria do estado (chevallier, 2010: 16).

a importncia do conceito de Sp veio a extravasar o campo do direito administrativo francs. como foi referido, o Sp acabou por se tornar indissocivel do processo de construo da prpria identidade francesa (prosser, 2005: 97). aos poucos, a expresso servio pblico, tal como se estruturou a partir do direito francs, ganhou uma dimenso mtica que, de acordo com chevallier, s a torna mais difcil de compreender e situar, tendo em conta as suas vrias acepes:

renvoient les uns aux autres, et entre lesquelles le glissement est constant. le service public, cest dabord une entit sociale (), une notion juridique () et plus profondment, le service public est un oprateur ideologique (2010: 4).

deve notar-se que a doutrina francesa do Sp no foi a nica a desenvolver-se. na verdade, existe uma diferena entre as doutrinas de Sp continental e britnica. o direito britnico almejava um certo pragmatismo neste campo, o que o fez evoluir num sentido diferente da tradio continental. com grande tradio na europa, a doutrina do Sp italiano situa-se, de certa forma, entre os quadros francs e britnico.

7Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

1.1 as crises do servio pblico

ao contrrio do que por vezes referido, a crise do servio pblico no resulta da vaga que defende a insustentabilidade do Welfare State3. ela -lhe anterior. com efeito, o afrontamento e o reposicionamento da ideia de Sp resultam de uma evoluo de natureza jurdica que tem incio ainda nos anos 204.

desenvolvimentos industrial e organizacional, conduziram ao desmembramento dos elementos que tradicionalmente constituam a slida unidade do Sp (rainaud, 1999). Subitamente, passou a admitir-se que uma entidade pblica atuasse como uma entidade privada. e a segurana da delimitao normativa que existia foi claramente abalada com estas mudanas. Sobretudo aps a Segunda Guerra mundial, desenvolveram-se servios comerciais e industriais que, embora desprovidos de interesse coletivo, eram realizados por empresas pblicas, assim como servios pblicos com gesto privada (rainaud, 1999; chevallier, 2010). So as inconsistncias resultantes destas novas formas que abalam o conceito de servio pblico, como explica allison:

administratifs, and because a of a variety of other exceptions and exceptions to exceptions, a number of doctrinal writers questioned the usefulness of the general criterion of service public and despaired of establishing a satisfatory substitute (1996: 67).

3) Sobre o Welfare State cf. pierson e castles (2006) e Gidens (2007). 4) o caso eloka, de 1921, um marco jurisprudencial nesse processo. em causa esteve o

pela primeira vez que um sevio da administrao pblica podia ser julgado como uma empresa privada, uma vez que operava nessas condies (brown e bell, 1998), quebrando com uma distino at ento intransponvel.

8 Slvio Correia Santos

com efeito, e apesar de a ideia de Sp se ter mantido absolutamente pertinente ao longo do sculo xx, a sua primeira crise5

fronteiras entre privado e pblico. embora o marco inicial dessa instabilidade na delimitao seja o caso eloka, em 1921, esta tendncia sente-se com particular evidncia sobretudo depois da guerra.

a crise que tem caraterizado o Sp em anos mais recentes j outra e j no est circunscrita ao sistema francs. a chamada segunda crise do Sp,

uma crise institucional ou material, () pelo menos nos sectores das telecomunicaes, da energia e dos transportes. nesses sectores, o servio pblico foi ou est sendo pura e simplesmente banido e substitudo por conceitos mais ou menos prximos (servio universal, atividades privadas com obrigaes de servio pblico, atividades privadas de interesse pblico) que, todavia, representam realidades muito distintas daquelas que estavam

(Gonalves, 1999: 27).

a passagem de servios pblicos para a alada de prestadores privados, como forma de emagrecer o estado e evitar o seu colapso, tornou-se inevitvel na europa. ainda hoje, a reestruturao e a poltica de modernizao dos sectores pblicos se regem por esse ditame. cumpriu-se o que Gonalves chama de atenuao das responsabilidades pblicas (1999: 12). a prestao dos servios pelo estado foi substituda pelo exerccio de funes de garantia, controlo e orientao da atividade, agora exercida pelo prestador privado

reas, muitas das atividades anteriormente levadas a cabo pelo estado passaram a ser assumidas pelo mercado. a natureza (pblica ou privada) do prestador do Sp passou a ser cada vez menos importante. Foi nesse contexto, como explica Silva, que a comunidade europeia adotou uma designao mais neutra, menos conotada ideologicamente e menos dependente da dimenso subjetiva do servio

5) Sobre a crise do servio pblico cf. corail (1954), rainaud (1999), ou o nmero dedicado ao tema, da Sciences de la Socit (aa.vv., 1996).

9Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

pblico: o servio pblico francesa v-se substitudo pelos SieG [Servios de interesse econmico Geral] (2008:216)6.

outros, chevallier, 2010; Gugliemi e Koubi, 2007; prosser, 2005 [no mbito jurdico], e banerjee e Seneviratne, 2005; lange, 1999; Syvertsen, 1999; [no mbito dos media]).

escolha dos termos pela comisso europeia (ce) visa sublinhar algumas distines. a expresso "servio pblico" foi preterida, uma vez que era associada propriedade (pblica) do prestador. assim:- Servios de interesse Geral: this term covers market and non-market services which the public

- Servios de interesse econmico Geral: this is the term used in article 86 of the treaty and

virtue of a general interest criterion. this would tend to cover such things as transport networks, energy and communications.- Servio pblico: this is an ambiguous term since it may refer either to the actual body providing the service or to the general interest role assigned to the body concerned. it is with a view to

obligations may be imposed by the public authorities on the body rendering the service, for instance in the matter of inland, air or rail transport and energy. these obligations can be applied at national or regional level. there is often confusion between the term public service, which relates to the vocation to render a service to the public in terms of what service is to be provided, and the term public sector (including the civil service), which relates to the legal status of those providing the service in terms of who owns the services.

service obligations is a key accompaniment to market liberalisation of service sectors such as

ensures that the continuous accessibility and quality of established services is maintained for all users and consumers during the process of passing from monopoly provision to openly competitive markets. Universal service, within an environment of open and competitive telecommunications

Communication from the Commission - Services of general interest in europe, com (2000) 0580,

10 Slvio Correia Santos

numa primeira distino de natureza sumria7, pode-se perceber o Sp de duas formas: em sentido orgnico (relativo s organizaes que desempenham essas funes), ou em sentido material (relativo s atividades que so englobadas nessa esfera), como explica Gonalves (1999: 28, 29). nesta ltima vertente, ele pode ser entendido em sentido subjetivo ou objetivo. a primeira aceo compreende toda a atuao de direito pblico de um ente de direito pblico (Gonalves, 1999: 30), ou seja, qualquer ao levada a cabo pelo estado. o sentido objetivo refere-se a atividades que no so subjetivamente pblicas, mas que, por serem

consideradas atividades objetivamente administrativas (Gonalves, 1999: 30). porm, a compreenso da natureza do Sp para alm destas categorizaes,

esbarra com o obstculo da sua prpria essncia diversa e evolutiva. isso rev-se na constante reformulao normativa que, historicamente, o foi adaptando sociedade, bem como na diversidade positiva das suas aplicaes.

o conceito de Sp usado em vrias esferas. de todo o modo, o objetivo de um Sp , geralmente, incontestado, independentemente da realidade que se observa. a sua essncia reside na procura de resposta e de satisfao para uma necessidade comum. essa a razo da sua existncia e da garantia constitucional desses servios.

os princpios organizados nos anos 30 e 40 do sculo xx por louis rolland (conhecidos posteriormente como leis de rolland ou leis do Servio

igualdade e mutabilidade ou adaptabilidade (prosser, 2005). esses so os trs pilares que servem de base conceptualizao do servio pblico. entende-se a continuidade como a continuao no tempo de um servio que responde a uma necessidade coletiva permanente. a igualdade refere-se obrigao de tratar todos os indivduos da mesma forma. as leituras mais evidentes deste princpio traduzem-se na garantia de acesso universal, independentemente de critrios

utilizadores, independentemente das diferenas que tenham existido no custo

7) para uma abordagem pormenorizada das vrias aproximaes ao servio pblico cf. Gugliemi e Koubi (2007).

11Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

do fornecimento. Frequentemente, associa-se-lhe o princpio da neutralidade, muito embora este ltimo no seja, efetivamente, um dos princpios fundadores

por seu turno, refere-se capacidade de adaptao tecnolgica do servio, que dever estar disponvel aos utilizadores, fazendo uso da mais recente tecnologia

mas na entidade que presta o servio, como explica prosser (2005), na medida em que a entidade prestadora se adapta evoluo das necessidades sociais, independentemente da oposio moral ou legal que os direitos adquiridos possam

terminar (prosser, 2005: 104, 105).alm de no existir um consenso terico relativo composio, ou forma

como estes princpios so interligados, h tericos que lhes acrescentam a gratuitidade (Gugliemi e Koubi, 2007). com o tempo, as formulaes em torno

princpios - os chamados princpios naturais (malaret Garcia, 1998), foram resultando outros, cuja existncia , reconhecidamente, complementar. a forma distinta como as leis de rolland so interpretadas em diferentes contextos e do origem a outros princpios, resulta, no s da abrangncia do seu enunciado, mas

conceito de Sp, herdeiro da tradio francesa, foi-se modernizando. princpios como qualidade de servio, acessibilidade, simplicidade, transparncia, participao e responsabilidade so-lhe agora associados (prosser, 2005: 106), bem como a laicidade (Gugliemi e Koubi, 2007). a forma como estes princpios evoluram pode ser vista no livro verde Sobre Servios de interesse Geral8, no qual se encontram vrias obrigaes transversais a este tipo de servios: universalidade, continuidade, qualidade e acessibilidade de preos; bem como obrigaes sectoriais, que incluem a proteo dos consumidores e utilizadores, a segurana do aprovisionamento, o acesso rede e a interconetividade e, ainda, o pluralismo no sector dos media. os princpios de boa governana relativos

8) cf. Livro Verde sobre Servios de interesse Geral

12 Slvio Correia Santos

adiante), passaram, igualmente, a ser indissociveis destes servios. esta

welfare state que se desenvolveu na segunda metade do sculo xx, no ocidente.

1.3 do tempo dos monoplios nova gesto

aps a ii Guerra mundial, aconteceram na europa uma srie de nacionalizaes no sector dos servios industriais. de forma geral, as situaes de monoplio que da resultaram s comearam a desaparecer nos anos 70 e 80. nessa altura, o neoliberalismo, assumia-se como a soluo ideal para superar a crise e estimular o desenvolvimento econmico e social europeu. implementaram-se profundas reformas e mudanas nos mercados, nas administraes e nos servios pblicos nos vrios pases. esses ventos de liberalizao, que comearam a mudar grande parte das democracias ocidentais, resultaram no que Gonalves carateriza de novo modelo de estado mnimo, um estado que, sem querer suportar o nus de ser social, pretende no entanto manter algumas responsabilidades sociais (1999: 20).

efetivamente, a europa precisava de ser competitiva e a soluo passava pela abertura dos mercados. esse processo de liberalizao iria mudar

uma m gesto de recursos, com burocracia e com o no respeito pelas leis do mercado; depois, porque atividades criadas com objetivos sociais passavam agora a estar sujeitas ao direito da concorrncia (Gugliemi e Koubi, 2007: 73).

este o contexto que leva perceo de que as formas clssicas de aplicao dos servios pblicos no permitiam otimizar desempenhos ao nvel

a imagem do Sp no era associada a essas caratersticas, ao contrrio da do sector privado, h uma importao desse trptico, para a desejada renovao da administrao do Sp.

13Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

europa, mas tambm na amrica do norte. thatcher, reagan e mulroney9 tm, precisamente, essa ao em comum: a strong commitment to reducing both the scope of government in society and the size of the public service and to increasing

eco em vrios pases. esta criatura resistente mudana (Savoie, 1994: 5) comeava, pois, a ser

reformada. e a principal ferramenta desse processo designava-se new public management (npm) (Ferlie, linn e pollitt, 2005). este modelo de gesto, que se espalhou pela europa a partir dos anos 80, visava a renovao dos servios estatais, recentrando a sua ateno no mercado. traduzia-se em novas formas de gesto, associadas aos renovados objetivos dos servios pblicos: lintroduction des pratiques et des discours managriaux rompt avec la distinction entre deux logiques de gestion prive et publique jusqualors bien distinctes (nosbonne,

se as formas de gesto das empresas pblicas e privadas (mcdonough, 2006; nosbonne, 2008).

com efeito, aos poucos, a dimenso subjetiva do conceito de servio pblico foi perdendo o seu valor. durante esta transio, evoluiu-se para a generalizao de mecanismos de regulao, normalmente, sob a forma de entidades nacionais independentes, e tambm no sentido da constitucionalizao dos prprios deveres de servio pblico, o que foi conseguido atravs de medidas protetoras que acompanharam os processos de liberalizao (prosser, 2005:205).

1.4 os Servios de interesse Geral na europa

a europa pode ser representada como um mosaico, tantas so as diferenas na forma, no desenvolvimento normativo e na implementao dos servios

9) respetivamente: presidente dos eUa, primeira-ministra do reino Unido e primeiro-ministro do canad.

14 Slvio Correia Santos

pblicos. no entanto, apesar de todas as diferenas, encontram-se elementos comuns. como refere malaret Garcia,

exists in all the member States a common, albeit nebulous, set of elements that can be grouped under the heading of public services. the common denominator underlying these activities is the fact that they are regarded as being in the general public interest, and as such, they are performed by public law or private law organizations under state control or subject to

esse denominador comum o resultado de uma poltica europeia que, ao longo dos anos, tem mudado a sua atitude face ao Sp. o primeiro resultado

e a progressiva liberalizao dos mercados.a poltica europeia, que tinha como objetivo o desenvolvimento do mercado

nico, foi inicialmente adversa aos servios pblicos, que eram vistos como um obstculo a esse ideal europeu neoliberal. como explica Gonalves,

o ataque aos servios pblicos em grande medida comandado a partir de bruxelas; as razes da investida so bvias: o servio pblico estado, no mercado o princpio fundamental da integrao europeia a liberdade de empresa e o mercado; o servio pblico est associado ao monoplio e ao pblico (1999: 13).

com efeito, sobretudo aps o tratado de maastricht, em 1992, o lugar do servio pblico parecia ameaado pela poltica europeia. o estabelecimento do mercado concorrencial nico resultou, por isso, numa resposta enrgica dos defensores do servio pblico, principalmente, dos governos francs e belga (prosser, 2005: 154).

em meados da dcada de 90, porm, a presso para uma viragem poltica face ao sector pblico no mercado europeu d resultados. a ce tenta responder ao maniquesmo poltico inicial. Um primeiro passo efetivo dado, em 1996,

15Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

com um relatrio acerca dos Servios de interesse Geral (SiG) na europa10. o documento defendia a incluso no tratado da Unio europeia de uma referncia ao papel destes servios11. reconhecia que, na europa, os SiG eram considerados direitos dos cidados, e que a sua modernizao iria potenciar o desenvolvimento econmico e a coeso social. para isso, era necessrio articular as polticas de livre circulao e abertura de mercados com as misses dos SiG. ou seja, depois da averso inicial, a poltica europeia estava a reconhecer e a legitimar um lugar destes servios no seio do mercado competitivo.

claramente, a discusso estava a ser reorientada. o tratado de amesterdo12, que entra em vigor em 1999, refora o crescente reconhecimento dos valores subjacentes aos SiG como elementos-chave na construo de um modelo social europeu. no mesmo sentido, a carta dos direitos Fundamentais da Unio europeia13

dos anos 90 estava a ser marcado por um reconhecimento da importncia dos servios pblicos como forma de responder a interesses muito concretos dos cidados. como explica prosser:

there has been a fuller recognition of the independent value of public services as exemplifying a community commitment to citizenship, partly as a result of their partial constitutionalization in the new article 16 of the treaty. the objective is no longer only to limit their scope but to improve their delivery through applying principles of good governance, including (but not limited to) the use of competitive markets (2005: 121).

10) cf. Services of general interest in europe. Commission of the european Communities, com

11) cf. Communication from the Commission - Services of general interest in europe, com

12) cf. treaty of amsterdam amending the treaty on european Union, the treaties establishing the european communities and certain related acts, signed at amsterdam, 2 october 1997 c. protocols annexed to the treaty establishing the european community. european Communities, c 340/109, de 11 de outubro de 1997. 13) cf. charter of Fundamental rights of eurpean Union (2000/c 364/01), consultado em http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_en.pdf, em 12 de outubro de 2010.

16 Slvio Correia Santos

os servios pblicos tinham deixado de ser vistos pela ce como entraves ao estabelecimento e crescimento do mercado nico. passavam a ser valorizados,

da crescente importncia dos direitos dos cidados (prosser, 2005). na viragem do milnio, j no contexto da chamada Sociedade da informao

(Si)14, realiza-se a cimeira de lisboa, em 200015. o documento que da resulta atualiza a questo da aplicao pelos operadores das normas do tratado. no ano seguinte, um relatrio ao conselho da europa de laeken16 debruava-se sobre a viabilidade econmica dos operadores de servio pblico no mercado interno,

a necessidade de crescente transparncia desses prestadores.em 2003, o livro verde17 sobre SiG vinha abrir espao para o debate sobre

objetivo do livro verde era a recolha de contribuies de vrios intervenientes, para um debate que era cada vez mais visvel em torno destes servios: como poderia a comunidade intervir neste mbito? como repartiria responsabilidades com os estados-membros? desenvolveria essa ao sectorialmente ou de forma abrangente? Qual a importncia de distinguir os SiG dos SieG18? o debate centrava-se formalmente em problemticas que vinham ganhando relevncia

(eUropean commiSSion. 1997. Building the european information Society for us all. Final policy report of the high-level expert group [online]. [acedido em 23 de maio de 2010]. disponvel

15) cf. Communication from the Commission - Services of general interest in europe, com

16) cf. commiSSion oF tHe eUropean commUnitieS. 2001. Report to the Laeken european Council Services of general interest [online]. [acedido em 03 de junho de 2009]. disponvel em: http://eur-lex.europa.eu/lexUriServ/site/en/com/2001/com2001_0598en01.pdf.17) complementarmente, cf. ebU leGal and pUblic aFFairS department. 2003. eBU Reply to the Green Paper on Services of General interest [online]. [acedido em 06 de junho de 2009]. disponvel em: http://www.ebu.ch/cmSimages/en/leg_pp_sgi_090903_tcm6-4498.pdf.; Uni. 2003. europa response to the european Commissions green paper on services of general interest [online]. [acedido em 06 de junho de 2009]. disponvel em: http://ec.europa.eu/services_general_interest/docs/associations_enterprise/tesch.pdf. 18) cf. Livro Verde Sobre Servios de interesse Geral,

17Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

nos ltimos tempos. as contribuies recebidas para o livro verde estiveram na base do livro branco19, em 2004. os intervenientes sublinharam as disparidades nacionais no que dizia respeito ao conceito e relao entre SieG e mercado,

tentativa de encontrar sustentao para o desenvolvimento de uma regulao horizontal nos SieG. como explica michalis, os intervenientes convergiram numa questo: there was no added-value in horizontal regulatory framework and that the Ue should not be given additional powers in that area (2007:218).

os livros verde e branco so fulcrais neste processo e ilustram bem a viragem poltica, como resume prosser:

the Green paper was clearly of very great importance (...). no longer was the central stress on compatibility of services of general interest with the internal market; rather it was on the essential role of such services for citizenship and, in particular, how their performance could be improved. (...) the White paper was cautious in its proposals, wich consisted almost interly of soft law rather than a binding framework directive, but did promise

relation to health and social services (2005: 171).

2. a rdio e os media de servio pblico na europa: do monoplio abertura dos mercados

a evoluo do public Service broadcasting (pSb) tem sido substancialmente analisada (banerjee e Seneviratne, 2005; raboy, 1997; Smudits, 1997; tracey, 1998; van cuilenberg e mcQuail, 2003; van dijk, nahuis e Waagmeester, 2006). a designao anglo-saxnica public Service broadcasting refere-se aos media pblicos e encerra em si mesma a ideia da transmisso simultnea de um para muitos. engloba tanto a televiso como a rdio. na expresso pSb so includas,

19) cf. Livro Branco Sobre os Servios de interesse Geralem http://eur-lex.europa.eu/lexUriServ/lexUriServ.do?uri=com:2004:0374:Fin:pt:pdF em 2 de dezembro de 2010.

18 Slvio Correia Santos

igualmente, as dimenses normativa e funcional do operador. a grande maioria da produo acadmica debrua-se sobre o servio pblico de rdio e televiso na sua vertente televisiva, o que se compreende pela dimenso econmica e transnacional do meio. mas, na verdade - e como veremos, o cerne normativo do

uma particular interveno do estado com objetivos sociais e culturais concretos (Syvertsen, 2003).

antes de avanar, importa porm fazer uma primeira distino essencial. meios de comunicao de Sp no so a mesma coisa que media estatais. a confuso surgiu, sobretudo, depois de instalado o mercado misto, porque ambos se opunham aos operadores comerciais. esta falsa associao deveu-se a um tambm falso maniquesmo que radica na ideia de que o estado age sempre em funo do interesse pblico e que o mercado se lhe ope (Gidens, 2007). na verdade, nenhuma das duas constitui um axioma. no mbito dos media, o foco do Sp o interesse dos cidados e no o do estado enquanto entidade poltica. por isso, os media estatais no se guiam pelos princpios de independncia, ou imparcialidade. porque os seus objetivos no se centram na emancipao

media de Sp no devem ser confundidos com media comunitrios, pese embora a orientao destes ltimos para um servio sociedade (banerjee e Seneviratne, 2005).

acerca das diferentes ecologias mediticas na sua dimenso sistmica. essa sistematizao uma importante ferramenta para a compreenso dos contextos referidos neste livro. assim, encontramos trs grandes tipos de sistemas, centrados no estado, no mercado ou no pblico. nos sistemas assentes num ncleo de Sp, inserem-se o Sprt de tradio europeia em regime de monoplio, a sua posterior evoluo para um sistema misto, bem como sistemas nos quais o Sp ocupa um papel central. nos sistemas mistos devem ser distinguidos os meios maduros dos imaturos, que so assim caraterizados de acordo com a antiguidade do mercado competitivo instalado. os sistemas com ncleo empresarial privado caraterizam-se pela reduzida interveno estatal, frequentemente limitada ao licenciamento. So caratersticos dos continentes americano e asitico.

19Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

tendncias. o controlo estatal monopolista dos media considerado j residual. atualmente, existem, grosso modo, dois subgrupos: os sistemas emergentes, nos quais, apesar de se manter o controlo estatal, esto a ser desenvolvidos novos modelos adaptados s realidades, combinando os media estatais com meios comunitrios ou comerciais; e os modelos de transio, como os que caraterizam os pases do ex-bloco sovitico, nos quais existe um processo de adaptao a um modelo j dominante no mercado.

na europa, como se ver, o movimento foi na direo de um abandono de modelos estatais e monopolistas.

2.1 a primeira fase

a abordagem aos media de Sp na europa, num primeiro momento, confunde-se com a prpria anlise do desenvolvimento da rdio. o objetivo deste trabalho leva-nos, precisamente, a tomar essa relao como ponto de partida. esta primeira fase foi caracterizada pelo controlo estatal, pelo investimento em emisses internacionais e pela emisso em amplitude modulada (am) (Kleinsteuber, 2011). mas foi tambm na primeira metade do sculo xx que nasceu o modelo de rdio pblica que se viria a estabelecer como referncia em toda a europa.

a iniciativa privada que est na origem da rdio, tanto na europa como nos estados Unidos da amrica (eUa). no entanto, a rdio ir desenvolver-se de formas distintas nestes dois contextos. na europa, a rdio ir tornar-se estatal e o seu potencial poltico e ideolgico nunca ser esquecido, a means to keep the nation together, (...) radio became a source of national identity (Kleinsteuber, 2011: 64). nos eUa, existia o mercado em vez do estado. ou seja: a evoluo do meio na europa fez-se sempre sobre bases diferentes. e depois do forte controlo poltico inicial, acabou por se constituir em torno de uma orientao social, coletiva e cultural. por isso que, ao contrrio do que aconteceu nos eUa, o mercado audiovisual europeu teve sempre limitaes ao crescimento.

no resto da europa a ignio do processo no foi diferente do que sucedeu em portugal. os primeiros passos foram dados, grosso modo nos anos 20,

20 Slvio Correia Santos

sobretudo por entusiastas, ou um pouco antes, atravs dos meios militares. preciso ter em conta que, depois da primeira Guerra mundial, havia um novo mercado de peas de rdio para estimular (Jauert e lowe, 2005). e reconhecia-se um enorme potencial econmico a este meio. mais ainda: havia um enorme potencial ideolgico que, rapidamente, tornou a rdio num meio apetecvel para os governos. assim, foi ainda nos anos 20, que comearam as emisses ideologicamente carregadas da rdio moscovo. as rdios alem e inglesa avanaram, igualmente, com emisses alm-fronteiras em outros idiomas20. esta perceo instrumental da rdio veio a resultar no desenvolvimento de duas orientaes distintas na europa, como explica Kleinsteuber (2011): a do controlo absoluto da rdio enquanto veculo ideolgico, que pressupunha a limitao da prpria escuta de estaes internacionais; e a da garantia de uma estao independente, como a bbc, e da livre escuta de rdios internacionais.

por isso que, alm de ser considerada a pioneira, a bbc tida como a grande referncia21 das estaes pblicas na europa. a bbc22 nasce da reunio de vrios postos privados. designada em 1922 como british broadcasting company, era maioritariamente propriedade de empresas produtoras de material radioeltrico. passou depois para o estado, em regime de monoplio, para contrariar a rdio que nos eUa se havia desenvolvido custa da publicidade, e para desenvolver uma componente mais formativa. tm, assim, origem, em 1927, a british broadcasting corporation e o modelo ingls, que serviu de inspirao a vrios outros pases.

20) mais tarde, com a Guerra Fria, renova-se a ateno dada s emisses internacionais em lngua estrangeira (Kleinsteuber, 2011). 21) a bbc cedo se estabeleceu como paradigma de independncia face ao governo, mesmo que isso implicasse uma atitude de confronto (Jeanneney, 1996: 121-130). com efeito, a rdio pblica

at aos anos 70, uma escolha natural para os melhores alunos das universidades de topo (Kng-Shankleman, 2000). 22) Sobre a histria da bbc, cf. briggs (1985). Sobre o seu nascimento, assim como sobre o incio da rdio estatal na alemanha, na itlia e em Frana, cf. Jeanneney (1996).

21Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

efetivamente, na primeira metade do sculo xx, o monoplio estatal foi-se tornando, gradualmente, o modelo predominante na europa23, e muitos governos foram instrumentalizando a rdio. o meio revelou-se uma imensa tentao para o poder poltico:

altough there were some similarities with communication provided by post, telegraphic, and telephone services, broadcasting was not interpersonal communication, radio spectrum was limited and policymakers perceived

those fators led european nations to establish radio as state operations or, where greater democratization existed, as quasi governmental entities separeted from the government. When television broadcasting developed a half century later, governments tipically extended and adapted the general regulatory and operational schemes that had established for radio (picard, 2006: 184).

itlia, Sucia, irlanda, dinamarca e Finlndia estabelecem monoplios estatais ainda na dcada de 20. nos anos 30 e 40, alguns operadores privados, so convertidos em estatais, como na Holanda, noruega, Grcia e Frana (rolland e stbye, 1986). na alemanha, as poucas estaes que tiveram autorizao para emitir ainda no incio dos anos 20 foram agrupadas e, em breve, o estado torna-se responsvel pelas suas emisses. a Frana apresenta durante algum tempo um modelo misto, com emissoras privadas e pblicas (Jeanneney, 1996).

no incio, este monoplio estatal desenvolveu-se nas telecomunicaes nos media

escassez de espectro) e de economia de escala, mas obviamente tambm por razes polticas (burgelman, 2000; rolland e stbye, 1986)24. era considerado

23) os monoplios foram dominantes na europa e na frica, embora com modelos de aplicao distintos. o modelo comercial caraterstico apenas dos continentes americano e asitico (raboy, 1997).24) muito embora haja autores, como Garnham (1990), que defendem que os motivos eram simplesmente polticos e econmicos.

22 Slvio Correia Santos

1997). depois da Segunda Guerra mundial, veio a desenvolver-se uma perceo de

radiodifuso era essencial no processo de reerguer a europa (van dijk, nahuis e Waagmeester, 2006). essa ser a segunda idade da rdio.

2.2 a segunda fase

com efeito, a meio do sculo xx que tem incio a segunda fase da rdio. uma fase posterior ao aparecimento da Fm, caracterizada pela existncia de mais estaes em funcionamento e (excetuando o que acontecia nas ditaduras) pela insero num sector com (pelo menos algum grau de) pluralidade. este

de liberalizao e desregulao (Kleinsteuber, 2011).a nova vida da rdio na europa ser dominada pelos operadores pblicos,

apesar de coexistirem estaes comerciais e estatais. basta lembrarmo-nos da rtl (inicialmente designada compagnie luxembourgeoise de radiodiffusion) que, a partir do luxemburgo, transmite para vrios pases uma emisso de cariz comercial (Kleinsteuber, 2011). pases como portugal e espanha tm operadores privados, mas com uma orientao submissa s estruturas ditatoriais.

a existncia de rdios estatais ou de Sp estava dependente da evoluo social e poltica de cada pas. na Gr bretanha e na escandinvia, os media j haviam adotado princpios de Sp. o resto do continente juntou-se-lhes gradualmente. nos anos 60 e 70, seria a vez de pases como a itlia, ou a Frana transformarem

autoritrios. o caso da alemanha, depois da guerra, de portugal e da espanha, nos anos 70, ou dos pases de leste aps o colapso do comunismo, em 1989.

a diferentes velocidades, a importncia social da aplicao de princpios de Sp ia-se tornando evidente. e foi essa perceo que ditou o desenvolvimento do sector. Um dos primeiros pilares do Sprt a ser aplicado foi a universalidade. Se

23Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

o telefone no estava acessvel seno aos mais abastados, ento a interveno do estado torn-lo-ia acessvel a todos (burgelman, 2000). mas a universalidade nunca foi uma dimenso meramente ligada ao acesso. tratava-se, igualmente, do apelo. tentava-se chegar ao maior nmero possvel de pessoas: na rdio predominava o modelo de transmisso para a generalidade da sociedade, embora, ao mesmo tempo, fossem tidos em conta pblicos minoritrios (van den bulck, 2007).

a atitude dos operadores de Sp misturava uma dimenso nacionalista com uma atitude paternalista (Jauert e lowe, 2005). os operadores aspiravam ao enaltecimento cultural e educacional das populaes, com um esprito iluminista de misso (Jauert e lowe, 2005: 13). ao mesmo tempo, havia um clssico empenhamento em criar uma imagem de qualidade tcnica e

sua tradio europeia, bem como o que mcQuail (1983) chamou de modelo de responsabiliade social. com o passar dos anos, o Sprt tornou-se no prprio cerne da vida democrtica, medida que os media ganhavam espao no quotidiano e a independncia se tornava um valor obrigatoriamente distintivo (raboy, 1997).

porm, no demora muito at que esse contexto de tranquilo monoplio estatal comece a mudar. a presso do movimento de desregulao comea a

70, fruto do que papathanassopoulos (1990) considera ser uma aliana incrvel, entre a defesa dos mecanismos de mercado pela direita radical e o determinismo tecnolgico pela extrema-esquerda. a exclusividade do Sprt , tambm, minada por acontecimentos de natureza tecnolgica, como o embaratecimento dos materiais de transmisso, que permite o surgimento das rdios piratas; e o surgimento do cabo, do satlite, a proliferao do vdeo e a libertao de frequncias com a implantao da Fm (rolland e stbye, 1986; van dijk, nahuis e Waagmeester: 2006). a determinada altura, impossvel continuar a insistir no monoplio natural. as ltimas resistncias em relao ao abandono dessa posio esto relacionadas, simplesmente, com a tentao do controlo governamental sobre os media.

neste contexto, importa destacar a relevncia das rdios piratas, que j

24 Slvio Correia Santos

mercur, ao largo da dinamarca, ou, mais tarde, a radio caroline (que se tornaria na estao mais conhecida de todo o movimento), emitiam sem licena a partir do alto mar. atravs das suas emisses embaladas pela entusiasmante cultura popular do rocknroll e embrulhadas ao estilo top 40 americano, estas estaes tornaram-se grandes fenmenos culturais, sobretudo em inglaterra, na Holanda e na escandinvia (Sterling, 2004). elas iro explodir na europa porque se conjugam vrios fatores. alm da j referida evoluo tecnolgica, que torna acessveis os equipamentos, a partir dos anos 70, h duas fortes presses de outra natureza. por um lado, torna-se clara a tendncia para a segmentao, em detrimento das programaes para as massas. por outro lado, torna-se insuportvel uma crescente tenso social, poltica e cultural que, nos anos 70, propicia este movimento de contestao aos monoplios (crookes e vittet-philippe, 1986). de facto, ser a multiplicao das rdios piratas nos vrios pases, que constituir a derradeira presso para a abertura dos mercados aos privados. aos poucos, o debate contaminar os vrios cantos da europa.

as rdios instalaram-se de forma muito diversa. em alguns casos, planeou-se a chegada das rdios privadas. noutros pases isso no aconteceu e a regularizao foi feita, posteriormente, de formas to distintas como a moderao caraterstica das democracias liberais ou a extrema desregulao latina, caraterstica da itlia (crookes e vittet-philippe, 1986). no meio destes dois exemplos, reconhece-se o modelo francs, no qual se regulou o sector a posteriori de forma pragmtica, servindo de inspirao a vrios pases, incluindo portugal (crookes e vittet-philippe, 1986)25. existe ainda um quarto modelo de experimentao controlada, caraterstico da escandinvia, onde as rdios locais - tardiamente - surgiram de forma ordeira e desenvolvendo-se de forma particularmente original (crookes e vittet-philippe, 1986).

efetivamente, este um momento de conjugao ideal de condies. estado e mercado estavam de acordo, havia uma compatibilidade e at uma partilha de interesses. isso foi essencial para a liberalizao dos media. o objetivo era impulsionar o consumo como forma de alavancar a economia. para isso,

25) em Frana, tal como em portugal, a rdio pblica respondeu s rdios locais com a criao de mais estaes.

25Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

havia que criar um mercado. os polticos, por seu turno, tomaram uma posio compatvel com essa vontade expansionista dos mercados que se seguiu crise petrolfera dos anos 70 (burgelman, 2000).

nesta altura que os monoplios morrem de causas tecnolgicas, polticas, sociais e econmicas26

todo o modo, terminada est a confortvel situao que caraterizou o Sp at meio dos anos 80:

a history of reliance on a comfortable, government supported position with a national broadcasting monopoly as a base, legal guarantees of independence, (part of the) license fee as a not-to-be competed-for-source of income (usually to compensate for a ban or limitations on advertising) and a threefold responsibility of information, education and entertainment as legitimation (van den bulck, 2007: 29).

uma viragem paradoxal. Se, em meados do sculo xx, o monoplio estatal era considerado como a nica possibilidade de garantir um servio equilibrado e plural, nos anos 80, assume-se que a concorrncia essencial no processo (barnett, 2004; burgelman, 2000). o estado-providncia vai enfraquecendo nos anos 70, at dar lugar, na dcada seguinte, gradual supremacia do mercado

e da liberalizao, da desregulao e da gesto privada (barnett, 2004; Hujanen

processo de produo capitalista:

what we are in fact being offered is not a more socially responsive, pollitically accountable, diverse mode of cultural interchange in the

of commodity exchange, as the dominating mode of organisation in yet another area of cultural production and consumption(1990, 121).

26) para uma anlise pormenorizada destas condies cf. michalis (1999; 2007), barnett (2002).

26 Slvio Correia Santos

assim, de forma geral, os anos 90 vm terminada esta mudana na paisagem meditica. a dimenso monopolista e paternalista do estado havia-se extinguido e um movimento de liberalizao e desregulao havia mudado o sector. desenvolveu-se um sistema misto, no qual coexistem media pblicos e privados, e que defendido pela UneSco como sendo a ecologia meditica ideal (banerjee e Seneviratne, 2005).

2.3 o impacto inicial da liberalizao e a primeira crise do Sprt

Sumariamente, a realidade meditica europeia que emerge aps a liberalizao caraterizada por um aumento da oferta de canais, uma maior competio,

uma crescente tendncia concentracionista (Smudits, 1997). o contexto da

estabelecimento das multinacionais, a estandardizao dos bens e o endeusamento do consumo (Schiller, 1983). duas fortes mudanas abalam o lugar do Sp:

a rare good that has to be offered to as many people as possible, to post-modernism where, since quality is whatever the consumer decides, it is

what has been regarded as the crisis of western culture (burgelman, 2000: 59).

a avalanche de mudanas no sector e na sociedade (raboy, 1997; van den bulck, 2007) que daqui resulta, traduz-se em novos padres de consumo, na diluio das anteriores fronteiras dos media e no desenvolvimento de novos paradigmas culturais. as imensas alteraes polticas, nomeadamente os movimentos democratizantes e a queda do bloco comunista, bem como a ideia de uma construo europeia acabam por ser determinantes nesta poca.

a liberalizao do mercado constituiu um embate brutal para o Sprt. numa primeira fase, aps a quebra dos monoplios, muitos operadores pblicos no

27Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

alteraram a estrutura ou os seus objetivos, sobretudo porque mantinham o seu

duraria muito. que at ento, o Sprt tinha uma audincia garantida. a partir da, teve de lutar para a conseguir manter. aqui, situa-se a sua primeira crise. ou, aludindo etimologia da palavra crise, a uma ciso. Jakubowicz (2010), alis, chama estas duas fases de Sp 1.0 (antes da liberalizao) e Sp 2.0 (aps o aparecimento da concorrncia privada).

a primeira crise do Sprt resulta, em regra, numa imagem negativa dos operadores, devido comparao feita entre estes e os competidores privados. de forma geral, as pessoas deixavam-se levar pela perda de f no papel do estado (Garnham, 1990). com efeito, o mundo do Sp era virado do avesso e, a

resolver. os canais de Sp apresentavam uma imagem pouco favorvel, porque, inicialmente, eram vistos como pouco ativos num mercado competitivo. os seus

prprio facto de a compra e a importao de formatos televisivos ser mais barata do que o desenvolvimento de produtos prprios, afrontava a defesa de valores culturais, o que se sentia com particular acuidade em nichos mais desprotegidos. alm disso, mantinha-se a constante tentao de controlo pelo poder poltico (teer-tomaselli e boafo, 1997). os operadores de Sp estavam, pois, perante um

Uma das respostas do Sprt consistiu na j referida mudana das formas de gesto. tentou-se baixar os custos de explorao e reinventaram-se as grelhas de programao, aproveitando outros perodos horrios (achille e mige, 1994). mas o mercado audiovisual, sobretudo o televisivo, tinha ganho novas caratersticas, resultantes da abundncia. o pblico j no agia da mesma forma, uma vez que comeava a poder escolher, a publicidade aumentava e a aposta era num incremento quantitativo (Grandi, 1983). este quadro que, aos poucos, conduzir o mercado a uma saturao (achille e mige, 1994).

algumas das estaes pblicas responderam a este novo contexto, aproximando a sua oferta da dos operadores comerciais. porm, essa mimetizao

apontava para uma curta esperana de vida do Sprt. Se os canais pblicos eram

28 Slvio Correia Santos

iguais aos comerciais, ento que sentido havia em pag-los? na verdade, essa pergunta nunca deixou de ecoar, apesar das atenuaes sazonais. atualmente, se atentarmos a dados de 2003, constatamos que os operadores de servio pblico europeus (de televiso e rdio) chegavam a um volume de negcios prximo dos 27 mil milhes de euros, o que representava quase um tero do sector, e

27. ou

passaram (bardoel e dHaenens, 2008b; Sndergaard, 1996; tracey, 1998).essa crise de identidade, que se traduziu na convergncia de contedos entre

privado e pblico (bardoel e dHaenens, 2008b; dHaenens, Sousa e Hultn, 2011; enli, 2008), no foi apenas criticada. H quem a assuma como a estratgia que permitiu ao Sp sobreviver. desse prisma, o Sprt s se mostrou resiliente porque cedeu comercializao (padovani e tracey, 2003), sobretudo, num momento de luta por uma parte do bolo publicitrio (atkinson, 1997). assim, mais do que um deslize identitrio, ou uma seduo passageira, essa aproximao pode ser vista como uma resposta ao mercado que, naturalmente, aproxima o privado e o pblico (Sndergaard, 1996). no obstante, essa no foi a viso dominante do mercado. Foi sim a fonte da acusao que os privados adotaram at hoje: a atuao do Sp injusta (porque promove a distoro do mercado) e irrelevante (porque no diferenciada).

verdade que muita da programao televisiva traduz, naquela altura, uma transversalidade assente no denominador qualitativo comum mais baixo, levando a uma clara homogeneizao e a um aumento das horas de emisso (richeri, 1983). mas esse no era o nico caminho possvel. a experincia da imprensa de referncia mostra que possvel conciliar qualidade de contedos com audincias relevantes.

de todo o modo, importa sublinhar que a resposta dos operadores pblicos, ao nvel da programao foi diversa e no se limitou tendncia j descrita. de facto, perante os novos competidores privados, algumas estaes de Sp mantiveram a sua posio, outras opuseram-se, enfatizando dimenses menos

27) cf. O Futuro da Poltica europeia de Regulao audiovisual. Comunicao da Comisso ao Conselho, ao Parlamento europeu, ao Comit econmico e Social europeu e ao Comit das Regies

29Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

players e outras ainda avanaram para um confronto parcial, atravs da comercializao de um

grande parte dos operadores acabou por se situar entre a aceitao e a negao do mercado. o resultado foi a chamada estratgia de compensao, uma via de

com maior ou menor sucesso, os operadores pblicos foram encontrando o seu lugar no novo mercado, incorporando conceitos e estratgias que, anos antes, lhes estavam to longnquos, e adotando uma atitude pragmtica (Steemers, 2003).

da sua posio e da sua pertinncia (michalis, 2010). a vaga que estendeu a gesto privada a muitos servios de interesse pblico, como hospitais, ou telecomunicaes, consolidou-se como base da hostilidade ao Sprt e, no fundo, ao estado do bem-estar Keynesiano.

2.4 proximidade e distanciamento: o difcil lugar do servio pblico entre o mercado e a sua misso

Uma das particularidades do Sprt, qual voltaremos mais adiante, resulta de uma estranha posio que ele ocupa. um lugar incmodo do qual se exige proximidade e distanciamento em relao ao mercado. e essa uma dicotomia que deve ser compreendida.

Foram o determinismo tecnolgico e o liberalismo econmico que deram corpo vaga de questionamento acerca da interveno estatal e, concretamente, do Sprt (Garnham, 1990). os media pblicos eram considerados ultrapassados. o seu paradigma havia sido morto. era evidente uma mudana operacional na forma de pensar o sector dos media, perfeitamente enquadrada na tendncia neoliberal da poca e que se traduzia num estremecimento da solidez conceptual que existia. comeava a questionar-se qual deveria ser a abordagem prevalente

30 Slvio Correia Santos

- se a democrtica ou a industrial - em esferas sobre as quais, tradicionalmente no havia qualquer dvida.

efetivamente, com a chegada do modelo misto, uma poltica mais orientada para o mercado veio sobrepor-se a uma prevalncia da dimenso cultural (bustamante, 2004). logo depois da liberalizao que a luta entre a defesa da exceo para os bens culturais e a conceo industrial do audiovisual toma outras propores, sobretudo quando o G7 (o grupo dos sete pases mais industrializados) e o General agreement on tariffs and trade (Gatt) chocam com o posicionamento europeu:

el problema radica en que el Gatt, al subrayar la necesidad de aplicar al sector audiovisual las normas generales de la liberalizacin del comercio internacional de todos los bienes y servicios, plante la de eliminar los diferentes dispositivos que europa y cada uno de los pases europeos

(mattelard, 1995: 23).

assim, o constrangimento do Sprt entre o mercado e a dimenso cultural dos seus princpios tornou-se nesta altura, uma questo central na evoluo dos operadores. isso comeou a ser visvel, desde logo, na dvida acerca do seu posicionamento ao nvel dos contedos, que a dimenso mais visvel do lugar que os operadores ocupam. a dvida colocou-se com a abertura do mercado, tal como continua a colocar-se agora: mais importante ter audincias, mesmo que isso implique cedncias de qualidade, ou manter uma dimenso mais pura do Sp (meijer, 2005)? evidentemente, no h apenas estas duas possibilidades. tampouco h um consenso nesta questo (Steemers, 1999). alis, esta viso maniquesta do posicionamento do Sprt ser sempre redutora. como explica born,

with its mixed economy, hybrid institutions and ambiguous genres, was

opposition between cultural and economic capital into question; as such it anticipated the wider contemporary complexity (2003: 776).

31Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

a interpretao de ala-Fossi (2005) superadora desta dicotomia. para o autor, esses dois plos no tm de ser vistos como antagnicos. alis, Wolton

aparente inevitabilidade de escolher qual a dimenso prevalente no sector dos mediamanter, simultaneamente, as dimenses cultural e industrial do sector, como forma de garantir a diversidade cultural. mejer (2005), por seu turno, prope uma interessante soluo intermdia, partindo da distino entre cidado e consumidor, que so, habitualmente, os dois plos da discusso. a superao do dilema passa pela adoo de uma terceira categoria, a dos enjoyers, ou apreciadores. para isso, seria necessrio a aceitao, por parte dos operadores de Sp, de uma ideia de qualidade mais alargada que, ao invs de ser potencialmente hermtica, inclusse o conceito de impacto.

esta dvida fez parte do cerne da primeira crise do Sprt. nos anos 90, o que aconteceu em portugal e em muitos outros pases, com a aproximao da televiso pblica s estratgias dos privados, retirou muita da legitimao diferenciadora do produto oferecido. a nascia a questo da diferenciao, sobre a qual nos debruaremos adiante. Qual era, ou qual devia ser, o valor diferenciador do Sp (bardoel e dHaenens, 2008a; brants, 2003)?

de facto, e como j referimos, ao nvel dos contedos, a aproximao ao mercado foi mal vista. porm, ao nvel da gesto, a aproximao do Sp aos modelos comerciais foi amplamente incentivada (alm e lowe, 2003). isso aconteceu porque, como j foi igualmente referido, houve uma forte tendncia para aligeirar e racionalizar, quer os servios, quer a presena do estado na sociedade. assim, os operadores de Sprt foram, claramente, envolvidos numa mudana de fundo:

these organizations were historically often considered to be complex,

and bureaucracy, while they were also often associated with paternalism, normative and moral guardians. this public image might be seen as rather counterproductive in late modern society an image that was only

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reinforced by market competition and public discourses questioning the legitimacy of pSb (biltereyst, 2005:351).

ao Sprt passou a exigir-se esta dualidade antagnica: proximidade e

tracey, 2003).

not only is content converging but also the performance logic imposed on public broadcasters leads to them adopting market strategies, which

competitors. the survival of public broadcasting comes at a price: a more marketable programme philosophy, outsourcing, downsizing, reduction of the permanent workforce, streamlining working/production methods, rationalising costs and setting new productivity targets to achieve greater

ground upon which a distinct and valuable broadcasting system has been built (lanara, 2004: 110).

a racionalizao dos custos e da gesto tornou-se, assim, uma das faces da mudana que permitiu a adaptao do Sprt e a legitimao da sua existncia. entretanto, os operadores mudaram. a aplicao do npm evoluiu nestes operadores para uma sntese que no exclui princpios clssicos associados ao Sp. as empresas agilizaram-se e, estrategicamente, aproximaram-se dos competidores, assumindo esse novo posicionamento. a prpria luta de audincias, que por vezes originou a crise de identidade, foi tambm assumida, embora desta feita sem as cedncias de outrora. o resultado foi uma maior tranquilidade na procura - por vezes conseguida - de uma relevncia tanto para o cidado, como para o consumidor (Syvertsen, 2003: 159).

vejamos, pois, como se desenvolveram alguns dos operadores.

33Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

3. o mosaico europeu: diversidades no servio pblico

a implementao do Sp no sector dos media tem uma razovel diversidade, na europa. Uma das faces dessa diversidade resulta das diferentes estruturas

como

estruturas integradas (como no caso da rtp, em que todo o sector audiovisual pblico completamente controlado pela empresa);

federais regionais (como no caso particular da alemanha, no qual os diversos estados tm autonomia constitucional);

fragmentadas (como no caso da Frana, onde h operadores distintos para cada sector) (mooney, 2004).

a diversidade est presente igualmente nas formas de governao das empresas de Sp. H formas que privilegiam a representao social e outras que prescindem dessa participao. da mesma forma, a avaliao dos media de Sp , feita de formas distintas, quer recorrendo a critrios qualitativos, quer a limiares quantitativos - entre outras variveis.

no caberia numa obra desta natureza a descrio aprofundada de todas os media de Sp europeus. no entanto, a referncia a alguns exemplos particulares ajuda a contextualizar os movimentos que tm afetado a realidade portuguesa.

caratersticas que so relevantes nesse sentido. atravs da apresentao de boas e ms prticas existentes noutros pases, podemos ento colocar em perspetiva algumas das caratersticas do Sprt portugus.

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3.1 Finlndia

no qual os produtos do Sprt so encarados com um bem pblico essencial, tpico do Welfare State, e baseado no princpio da responsabilidade social (lowe e alm, 1997).

o aparecimento de canais de rdio e televiso privados data de meados da dcada de 80, o que retirou quota de mercado Yle e levou a uma reforma, inicialmente, da rdio pblica e, posteriormente, da televiso. aqui, tambm a

privada. e tal como em portugal, nos anos 90, a televiso pblica teve um decrscimo nas audincias. apesar da reorganizao, a Yle manteve as suas rdios para a minoria sueca do pas (moring e Salmi, 1998). o operador

recorrendo chamada npm e apontando o seu futuro para a digitalizao (lowe e alm, 1997).

3.2 itlia

em itlia, os anos 90 marcaram o processo de evoluo do operador pblico para um modelo multimdia. o pas vive nos ltimos anos uma realidade marcada

de primeiro ministro, berlusconi manteve-se como acionista maioritrio da Fininvest/mediaset, a empresa lder no sector meditico italiano, e uma das maiores do mundo. na prtica, existe um duoplio em itlia, uma vez que o Sp e a mediaset tm mais de 80% do share televisivo. nos anos 90, a rai foi alvo de uma dupla reestruturao: primeiro, para a salvar da falncia; segundo, para a colocar no trilho da digitalizao (Hibberd, 2001). na rai, existia uma prtica chamada lottizzazione, que consistia na distribuio de lugares de acordo com as

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tradio de uma forte rotatividade nos cargos dirigentes da empresa. a taxa que sustenta os media pblicos uma das mais baixas da europa (padovani, 2010).

3.3 inglaterra

em inglaterra, a bbc , desde sempre, o modelo para muitos operadores. o sector ingls singular, uma vez que mesmo os media comerciais tm obrigaes de Sp. alm disso, h mais operadores de Sp, para alm da bbc. o caso do channel 4. o objetivo deste princpio de pluralidade no Sp incentivar a qualidade de contedo. a existncia e misso da bbc assentam na royal charter e no em estatutos. a bbc pode recorrer s novas plataformas para cumprir a sua misso, desde que exista proximidade em relao ao core da sua atividade (prosser, 2007). cada novo servio que criado sujeito a um teste de valor pblico, que ser explicado mais frente. os servios comerciais tm de ser separados de forma transparente, mas tm, de alguma forma, de estar ligados promoo do Sp, e tm de ser sujeitos avaliao do seu impacto no mercado (prosser, 2007).

audincia televisiva do reino Unido, metade dos ouvintes de rdio e era lder dos operadores multimdia (tunstall, 2010). com a fuso de vrios organismos reguladores, em 2003, da qual resultou o aparecimento do oFcom, uma nova

(tunstall, 2010). tanto a bbc como o oFcom esto relativamente blindados

que a bbc continua a ser lder no desenvolvimento do Sp, ao ser o operador que mais perto est de reenquadrar a sua misso, no em torno da difuso, mas sim das novas plataformas (moe, 2008c). o resultado da implementao de uma nova estratgia em torno da construo de valor nos servios fornecidos (bbc, 2004).

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3.4 Frana

em Frana, existe alguma crise de legitimao em relao aos canais de televiso pblicos, que balanam entre a necessidade de se diferenciarem e as tendncias de comercializao (marcangelo-leos, 2007). tornou-se, pois, importante

relacionadas com os parmetros da sua misso (marcangelo-leos, 2007). no

o incio de uma profunda alterao estrutural, que inclua o desaparecimento da publicidade na televiso pblica, a nomeao do seu diretor-geral pelo presidente da repblica e a criao de uma entidade para gerir as atividades digitais (Kuhn, 2010; 161). o controlo governamental foi uma tradio enraizada na televiso pblica francesa, principalmente nos anos 60. no entanto, hoje, no pode falar-se de favorecimento poltico na informao da televiso pblica (Kuhn, 2010).

dos pases enfrenta. a sua situao resulta de um posicionamento particularmente desconfortvel: the combination of the hostility of an interventionist president

(Kuhn, 2010: 169).

3.5 alemanha

a lio nazi foi determinante na estruturao do Sp alemo no ps-guerra. o objetivo foi garantir a maior distncia possvel entre o estado e o operador pblico. embora a inspirao tenha sido a da bbc, a organizao federal da alemanha ditou a criao de vrios canais regionais (que cobrem um ou mais estados). esses canais foram agrupados, em conjunto com a rdio de Sp, a deutschlandradio, e com o operador internacional deutsche Welle, na ard.

37Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

entretanto, foi criado um canal nacional de televiso, a ZdF. as entidades que governam ambas as organizaes tm uma composio representativa da sociedade e no do poder poltico (Woldt, 2010). no entanto, o poder poltico est representado nestas entidades e tem um papel na escolha das direces. o

responsabilidade dos governos federais (palzer, 2007).o Sp alemo enfrenta, nos ltimos anos, uma enorme presso do sector privado

da ce em relao ao desenvolvimento da atividades online dos operadores (Woldt, 2010). o acordo conseguido entre a Ue e os estados alemes, inclui as atividades de telemedia como parte do Sp, mas limita o seu mbito, bem como a permanncia dos contedos a includos, deixando o caminho mais livre para a iniciativa privada (Woldt, 2010).

3.6 espanha

a paisagem audiovisual espanhola tem particularidades interessantes. em espanha h uma empresa nacional, a rtve, e vrias dezenas de operadores regionais e locais de televiso. o Sprt espanhol tem algumas semelhanas com a realidade portuguesa. Foi objeto da continuada manipulao partidria, mesmo depois da instaurao democrtica, em 1975, e a rotatividade diretiva impediu a

bustamante, 2005; len, 2010; prado, 1994). na primeira metade da dcada passada, a completa reforma do sector foi uma prioridade poltica, tendo em conta a degradao da sua imagem, resultante da comercializao da oferta televisiva

prejuzos da empresa haviam levado a que ela fosse colocada sob a alada de uma holding estatal em 2000 (Gmez, 2007). em meados da dcada passada, o relatrio de uma comisso de especialistas esteve na base da reestruturao da empresa e da prpria regulao. o objetivo era potenciar conceitos como independncia,

vrias medidas (bustamante, 2005; Gmez, 2007; len, 2010). a eleio do

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presidente da empresa, embora tendo origem nas instncias polticas, passou a s ser possvel com uma votao de dois teros, o que, na primeira vez em que foi posto em prtica, implicou um acordo partidrio (len, 2010). o modelo

para garantir a operacionalidade da empresa (len, 2010; Gmez, 2007). o novo enquadramento legislativo passou a incluir explicitamente a importncia de o Sp desenvolver novos servios e novas plataformas, o que considerado um avano importante (len, 2010), tendo em conta a estagnao que, durante anos, atrasou a rtve neste campo (llorens, 2008).

3.7 Grcia

na Grcia, o estado tem um papel de predominncia na sociedade. a sua

no output noticioso, quer na rotao diretiva (papathanassopoulos, 2010). o

o cenrio caraterizado por uma sobrelotao anrquica, sobretudo, de canais televisivos (que ainda no esto licenciados), o que prejudicou claramente a televiso pblica (papathanassopoulos, 2010). neste momento de transio para a digitalizao, o futuro do Sp e da prpria ecologia meditica nacional est dependente de uma posio poltica (papathanassopoulos, 2010) e das prprias condies econmicas do pas.

3.8 Hungria

na Hungria existem uma televiso pblica (mtv) com dois canais nacionais, um generalista terrestre e outro cultural por satlite; um operador pblico com dois canais (duna tv e autonmia) para a dispora; e a rdio pblica (mr). existem, porm, obrigaes de Sp nos operadores privados (lengyel, 2010). at

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de Sp, mas sim de media estatais (lengyel, 2007; 2010). a liberalizao, nos anos 90, levou a uma diferenciao complementar de orientaes, ao tornar o primeiro canal televisivo mais competitivo e o segundo menos preocupado com

se sente mais bem servido com a oferta privada, o que resulta numa fraca ligao do Sp com a sociedade (lengyel, 2010). essa legitimao um dos

misto e inclui subsdios estatais, ao invs de uma taxa, que foi abolida em 2002 (lengyel, 2010).

3.9 polnia

na polnia, a transio de media estatais para um Sprt ocorreu aps a queda do regime autoritrio, em 1989, num processo com analogias, quer com o leste da europa, quer com portugal. de facto, a polnia constitui um processo-tipo, nestes contextos de transio. o texto de Stepka podia, perfeitamente, descrever

the position of pSb is further weakened by the lack of a clear media

ensuring their political independence (2010:242).

a tvp tem trs canais de televiso nacionais, um internacional, um canal em

nacionais, a radio parliament e uma rdio internacional, assim como 17 estaes regionais (Stepka, 2010). existe, apesar dos mecanismos que, em princpio, garantem alguma independncia, uma ingerncia poltica na organizao do Sp,

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de receitas pblicas. o enquadramento legislativo permite televiso pblica a implementao de servios nas novas plataformas, das quais se destacam os servios de vdeo online. a televiso mvel avanou, entretanto, no pas (Stepka, 2010).

3.10 portugal

em portugal, at ao 25 de abril de 1974, encontramos uma emissora de rdio estatal, a emissora nacional (en) e uma televiso, a radioteleviso portuguesa (rtp), que ilustrava o que se poderia designar de modelo governamentalizado (carvalho, 2009). entre ambos, existiam diferenas (desde logo pela participao limitada do estado no capital da televiso), no entanto, na prtica, a rtp teve

2009).a televiso funcionou em regime de monoplio at ao incio efetivo das

emisses privadas em 1992. a en partilhou com algumas estaes o espectro radiofnico at 1975, altura em que a nacionalizao reduziu a paisagem radiofnica a um oligoplio partilhado entre estado e igreja.

terminando o milnio, a depender em exlusivo da taxa de radiodifuso para se

slido na imagem e na estrutura (Santos, 2012). a rtp, privada da sua taxa, entrou num irreversvel declnio econmico, acentuado por uma perda de legitimidade, trazida pela concorrncia aos canais privados. em regra, (e apesar de maiores

depois do 25 de abril, uma tradio de dependncia do poder poltico.aps uma lenta aproximao, a juno das empresas ocorreu em 2004.

Houve um forte redimensionamento de recursos tcnicos e humanos (carvalho, 2009; Santos, 2012). ainda assim, a rdio e televiso de portugal no encontrou estabilidade, continuando nos anos seguintes a ser usada como ilustrao de uma ideia de m gesto associada necessidade de o estado diminuir as suas

41Captulo 1 - O servio pblico de rdio e televiso de tradio europeia

surge a privatizao total ou parcial, muito embora no sejam pblicos nem o

nos contratos de concesso de Sp para as atividades online da nova empresa integrada.

3.11 pases sem tradio de servio pblico

como alguns dos exemplos anteriores ajudam a realar, existe uma relao entre o processo democrtico e a implementao dos mediaregimes comunistas da europa de leste, a desagregao da Unio Sovitica e a queda do muro de berlim resultaram numa nova situao geopoltica. nesses pases a mudana foi total. no s pela abertura poltica, mas tambm pela alterao dos hbitos resultantes da entrada na sociedade de consumo. em alguns casos, a adeso a comunidades internacionais deu um forte impulso. a poltica europeia incentivou o estabelecimento da liberdade de expresso e de media independentes na europa central e de leste e o parlamento europeu considerou as mudanas no sector audiovisual como essenciais nos processos de adeso a novos pases28.

a aplicao destas mudanas no foi feita de uma nica forma. na segunda metade da dcada de 90 a avaliao destes processos era feita regularmente pela

em alguns pases, como a bulgria ou o chipre. no entanto, outros pases tinham um ritmo mais lento na adoo dos padres europeus, como a Hungria, a letnia ou a estnia. tal como era reconhecido pelo conselho da europa, os ritmos de implementao sempre foram muito diversos (mooney, 2004).

na ex-UrSS, bem como nos seus pases satlite, a desregulao e a liberalizao do sector, a digitalizao, o cabo, a internet e o satlite vieram tornar anacrnica a ideia de controlo estatal absoluto pelo estado (rumphorst,

28) cf. eUropean parliament. 2000. countries and the community aquis [online]. [acedido em 20 de agosto de 2010]. disponvel em:

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2004). a reestruturao meditica que ocorreu acabou por se situar entre o apelo do ocidente e o apelo do passado. assim, de forma esquemtica, neste processo

media:

o modelo idealista, baseado em ideais de igualdade, de justia, de acesso e participao numa democracia;

o modelo mimtico, baseado na realidade ocidental dual e liberalizada;

o modelo atvico, que resultava da atitude das novas esferas de poder que, apesar de apregoarem o modelo mimtico, tentavam manter o sistema (e o Sprt) sob controlo (Jakubowicz, 2004).

assim, tal como sucedeu em portugal, a implementao de um Sprt fez parte do processo de transio democrtica. Faz todo o sentido conceber um alargamento da ideia de maturidade nos mercados (raboy, 1997) prpria esfera democrtica. isso muito evidente na forma como nas democracias recentes da europa central e de leste, a ideia de Sprt sucedeu de media estatais, integrando a transformao global da sociedade. neste contexto, fcil entendermos a circularidade das questes de price e raboy: is an ideal public service broadcaster only possible in a mature, democratic society or is a mature, democratic society only possible if there is a strong public service broadcaster? (2003: 148).

o exemplo dos pases do leste demonstra que esta pode ser uma falsa questo, uma vez que os elementos da equao precisam de uma relao

pases foi que a implementao de processos de democratizao, por vezes, se revelou contraditria em relao s suas heranas histricas e isso gerou um enorme atrito (Khiltchevski, 1997). da mesma forma, o conceito de Sp, que

implantado nesta regio. o objetivo primordial era a construo de um Sp prximo dos modelos ocidentais, idealmente independente dos governos (european audiovisual observatory, 2003). no entanto, e segundo a UneSco,

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o sucesso dessas intervenes estaria condicionado logo partida, pelo facto de se ignorarem a herana e as condies sociais, culturais e econmicas, bem como a prpria identidade nacional destes pases (banerjee e Seneviratne, 2005).

While in the economic and political sector the goals were easy to set, in the media sector a broadly accepted model or consensus did not exist. public

could not be reproduced half a century later in countries with completely diferent political, economic and media backgrounds. Formerly state-owned media were thus transformed into public service media practically overnight, but the change was merely formal (2002:83).

os prprios cidados consideraram estranho este conceito de Sp. na rssia, foram precisos dez anos para que o pblico pudesse perceber que havia outras

ideolgica (vartanova e Zassoursky, 2003).efetivamente, numa primeira fase, a ocidentalizao dos media na europa

central e de leste no avanou pelo caminho que muitos gostariam. os media nesta zona do mundo tornaram-se numa espcie de cambiante do modelo italiano, com forte dependncia governamental e partidarismo (Splichal, 2004). os exemplos so vrios e incluem, quer os processos de nomeao das direces, quer interferncias governamentais diretas (price e raboy, 2003). efetivamente, h em pases com tradio de media estatais, uma resistncia implementao de servios independentes. esse processo tem um enorme paralelismo com o que se passou na rdio pblica portuguesa, aps o 25 de abril de 1974. apesar das boas intenes tomarem letra de forma, os governos insistiam numa atitude de

cidados no sabiam bem o que esperar de uma rdio pblica (Santos, 2012).entretanto, quando o Sprt se estabeleceu, teve de competir com um mercado

j estabelecido, as empresas no foram redimensionadas nem reestruturadas e o quadro legislativo avanou demasiado devagar (Jakubovicz, 2004; Hrvatin, 2002). por outro lado, a programao avanou, nos ltimos anos, em direo

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aos gostos das massas e agora constata-se que no fcil interessar a sociedade em contedos culturais e educacionais. essa uma estratgia que muitos dos estados no conseguiram, desde logo, implementar (Khiltchevski, 1997).

J no sculo xxi, as estruturas de grande parte destes operadores, mesmo antes da adeso efetiva dos respetivos pases Ue, tinham-se conseguido

eram preferencialmente mistas, com taxa e publicidade (european audiovisual observatory, 2003). porm, h ainda muitas disparidades, nesta regio. existem fortes desigualdades no acesso aos media e no acesso tecnologia, que esto relacionadas com o grau de desigualdade econmica e social (vartanova, 2002). os novos media tornaram-se mais acessveis a alguns grupos sociais, medida que se desenrolavam as profundas mudanas estruturais no respectivo pas, mas isso apenas acentuou diferenas sociais. neste contexto, cabe ao estado um papel de regulao e incentivo neste momento de transio, uma vez que os quadros legislativos que podero sustentar a mudana ainda esto a ser formados (vartanova, 2002). tambm por isso que existe uma enorme expectativa em relao s capacidades de o Sprt poder conduzir a uma maior participao cvica (banerjee e Seneviratne, 2005). porm, a histria mostra que as expectativas podem ser demasiado altas:

public service broadcasting efforts in transition societies have, in many ways, a much tougher set of tasks to accomplish than do many of their counterparts. in a moment, virtually of creation, they are called upon to perform a set of miracles: pulling society together, helping establish community and democratic principles, assisting in ensuring peace. Yet, in these very transition societies, public service broadcasting organizations face a larger number of barriers: greater political interference, a non-working economy (which makes the funding debate more complicated), and historical and social traditions in which to root enterprises that often differ from those that have developed over time in Western europe (price e raboy, 2003: 117).

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conceito que no se ajusta s caratersticas e histria do pas. porm, existem outros modelos de Sprt para alm do clssico europeu, como veremos seguidamente.

3.12 outras perspetivas sobre o servio pblico

H trs exemplos particularmente interessantes de modelos de Sprt, que vale a pena descrever como contraponto ao modelo europeu. a referncia aos modelos

modelo de tradio europeia: a limitao do mbito do Sp e um modelo delegado, baseado no em canais, mas em programas. a referncia implementao no

caratersticas europeias e norte-americanas. o sector meditico norte-americano sempre se baseou na iniciativa privada,

ao contrrio do mercado europeu, no qual a iniciativa pblica veio a tornar-se indissocivel do desenvolvimento do sector. nos eUa, o Sprt visto as an additional service to existing commercial initiatives, that strictly should provide those programmes that are not provided in the market (van dijk, nahuis e Waagmeester, 2006:14). ou seja, ao servio pblico est destinado

operadores privados gostariam de ver implementado no velho continente, dada a sua vocao minoritria. l, como na europa, o servio pblico tambm foi afrontado, ameaado de privatizao, e teve de se reestruturar para responder ao novo contexto digital (Hoynes, 2003). mas, de forma algo semelhante ao

seus princpios de base. nos eUa, existe uma entidade, criada em 1967, que

de Sp a cerca de 1000 estaes de rdio e televiso (baer, 2010). o public broadcasting Service (pbS) composto por cerca de 350 estaes locais de televiso. a national public radio (npr) agrupa cerca de 700 estaes. embora ambas tenham uma boa imagem junto do pblico, a pbS tem shares cada vez

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mais baixos, ao contrrio da npr, que tem crescido bastante (baer, 2010).

atividades digitais, numa clara adaptao aos novos modelos participativos, e

os fundos para as suas atividades so oriundos da cpb, do estado e dos governos federais, de subscries, atividades empresariais e patrocnios de universidades ou fundaes (baer, 2010).

a experincia limite neo-zelandesa constituiu um laboratrio capaz de

o exemplo da televiso pblica neo-zelandesa nos ano 90 frequentemente citado por dois motivos: foi uma experincia limite no mbito do Sp e um dos sectores dos media mais desregulado do mundo (Kanzer, 2004; comrie e Fountaine, 2005; 2006).

taxa, cujo montante foi direcionado para uma organizao chamada nZoa (dunleavy, 2010). a poltica neoliberal desprezou a importncia cultural da programao local, que foi completamente marginalizada e acelerou a

alguns programas de Sp cujos projetos tivessem sido apresentados por produtores privados ou pela prpria bcnZ e que, posteriormente, podiam ser transmitidos. o resultado foi o acantonamento dos programas de servio pblico em horrios sem qualquer tipo de relevncia junto do pblico, o que levou o governo a repensar a necessidade de uma estao de Sp (nissen, 2006). os contedos destinados minoria maori foram os principais afetados neste processo. no auge desta fase, a privatizao pareceu inevitvel. porm, hoje, o Sprt ganhou novo apoio do governo, que reconheceu a sua importncia: as the facilitator of domestic television programming