silva, ricardo - ensino e aprendizagem de improvisação em curso superior de música

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA RICARDO COSTA LAUDARES SILVA ENSINO E APRENDIZAGEM DE IMPROVISAÇÃO EM UM CURSO SUPERIOR DE MÚSICA BELO HORIZONTE 2013

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Silva, Ricardo - Ensino e Aprendizagem de Improvisação Em Curso Superior de Música

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

    ESCOLA DE MSICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA

    RICARDO COSTA LAUDARES SILVA

    ENSINO E APRENDIZAGEM DE IMPROVISAO

    EM UM CURSO SUPERIOR DE MSICA

    BELO HORIZONTE

    2013

  • RICARDO COSTA LAUDARES SILVA

    ENSINO E APRENDIZAGEM DE IMPROVISAO

    EM UM CURSO SUPERIOR DE MSICA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Msica da Universidade Federal de Minas Gerais, como

    requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em

    Msica (Linha de pesquisa: Educao Musical).

    Orientadora: Prof. Dr. Heloisa Faria Braga Feichas.

    BELO HORIZONTE

    2013

  • S586e Silva, Ricardo Costa Laudares

    Ensino e aprendizagem de improvisao em um

    curso superior de Msica / Ricardo Costa Laudares

    da Silva. --2013.

    193 fls., enc.; il.

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Msica.

    Orientador: Profa. Dra. Heloisa Faria Braga

    Feichas

    1. Improvisao (Msica). 2. Msica Instruo e ensino 3. Msica popular. 3. Jazz. I. Ttulo. II.

    Feichas, Heloisa Faria Braga. III. Universidade

    Federal de Minas Gerais. Escola de Msica.

    CDD: 780.7

  • AGRADECIMENTOS

    So tantas pessoas que merecem meus agradecimentos por terem contribudo

    das mais variadas formas no decorrer dessa empreitada, que eu fico com receio de

    esquecer algum. Se o fiz, desde j peo desculpas e receba o meu muito obrigado!

    Em primeiro lugar, agradeo os meus pais, Maria Joana Costa e Paulo Roberto

    Silva, pois me apoiaram desde o comeo nas minhas escolhas profissionais e

    acadmicas, e continuam me apoiando de forma extraordinria. Seu amor, carinho,

    pacincia, disposio, incentivo, amizade e tantas outras qualidades me propiciam um

    ambiente formidvel para desenvolver meus trabalhos com confiana e dedicao.

    minha orientadora, Heloisa Faria Braga Feichas, por ter me auxiliado em

    toda minha trajetria acadmica. Por demonstrar muita confiana no meu trabalho, por

    incentivar a minha autonomia, pela eficincia da sua orientao, e principalmente pela

    sensibilidade que trata a mim e seus alunos e o desejo de ajud-los a crescer.

    Aos outros membros da banca examinadora Walnia Marlia Silva, Fabio

    Adour da Camara pela disposio de avaliar esse trabalho. Assim como a minha

    orientadora esses professores tm fundamental relevncia na minha formao.

    professora Walnia Silva, que tambm avaliou meu trabalho de concluso de curso, e

    que desde o meu primeiro semestre de graduao tem guiado a minha trajetria

    acadmica. Ao professor Fbio Adour da Camara que muito contribuiu com a minha

    formao instrumental e de teoria musical. Muito da minha atual viso sobre msica foi

    germinada nas suas aulas.

    professora Patrcia Furst Santiago, por ter participado do exame de

    qualificao, cujo convite foi feito muito de ltima hora e prontamente aceito. E

    tambm por suas aulas. Agradeo pelos valores passados de tratar a pesquisa cientfica

    com o rigor que ela merece. E principalmente pelo conselho de buscar profundidade na

    anlise dos dados da pesquisa, que foi algo que busquei com afinco nesses seis meses, e

    que espero ter conseguido fazer.

  • CAPES/REUNI pelo apoio financeiro durante esse percurso, e

    principalmente pela oportunidade de trabalhar como bolsista na graduao, o que foi de

    total relevncia para a minha formao como professor.

    Aos professores e colegas que tive na Escola de Msica da UFMG desde a

    graduao at o mestrado, por terem colaborado com meu desenvolvimento profissional

    e pessoal.

    A todos os sujeitos envolvidos nessa pesquisa, professores e alunos, que so

    parte fundamental dessa investigao e com quem muito aprendi. Obrigado por me

    fazerem sentir muito bem vindo s aulas que assisti, e gentilmente fornecer seu tempo,

    respondendo questionrios e entrevistas.

    A todos os funcionrios da Escola de Msica, que fazem essa instituio

    funcionar.

    Por ltimo, a minha famlia e amigos. tanta gente que eu prefiro no citar

    nomes. Obrigado por ocuparem tanto espao na minha vida. graas a muitos de vocs

    que eu estou entregando esse trabalho assim, to de ltima hora. Mas se no fosse por

    vocs, esse trabalho tambm no teria o menor sentido. Um agradecimento especial

    queles que colaboraram para a minha concentrao na reta final, me ligando de manh

    para garantir que a falta de horrio marcado no estendesse minha soneca no conforto

    da minha cama.

  • RESUMO

    Essa pesquisa buscou explorar e analisar os processos de ensino e de

    aprendizagem de improvisao na Escola de Msica da UFMG. Improvisao nesse

    contexto est relacionado predominantemente habilidade de compor um solo no

    momento da performance, o qual construdo sobre uma estrutura harmnica pr-

    definida. Nesse sentido, o treinamento dessa habilidade est baseado principalmente no

    parmetro altura, ou seja, nas relaes entre a melodia do solo e os acordes que o

    acompanham. Desenvolver habilidades de improvisao faz parte do currculo do

    recente curso de Msica Popular da instituio estudada. No entanto, h alunos de

    outros cursos que tambm esto envolvidos com o treinamento dessa habilidade. Essa

    pesquisa buscou conhecer o perfil desses alunos e tambm dos professores responsveis

    pelo ensino da improvisao. Sobre os mtodos utilizados na sua pedagogia possvel

    afirmar que eles so muito semelhantes aos utilizados nos cursos de jazz. Talvez por

    isso, o jazz seja um gnero central nas disciplinas que envolvam o ensino da

    improvisao, junto com a msica instrumental brasileira, que possui paradigmas

    semelhantes ao primeiro gnero. Essa pesquisa sugere que embora a introduo do

    estudo da improvisao e da msica popular represente uma mudana importante na

    instituio investigada, as concepes sobre msica e como ensinar msica na Escola de

    Msica da UFMG pouco se modificaram com a entrada desse novo repertrio.

    Palavras-chave: Improvisao. Msica Popular. Jazz. Ensino superior.

    Educao Musical.

  • ABSTRACT

    This research aimed to explore and analyze the processes of teaching and

    learning improvisation at the Music School of UFMG. Improvisation in this context is

    related predominantly to the ability to compose a solo in the course of the performance,

    which is built based on a pre-defined harmonic structure. Accordingly, the training of

    this skill is mainly based on pitch structures, such as scales, chords and the relationships

    between the two. Developing improvisation skills is part of the curriculum of the recent

    course of Popular Music of the institution where this research was carried out. However

    there are students from other courses that are also involved with training this skill. This

    research sought to identify the characteristics of these students and also of the teachers

    who are designated for teaching improvisation. About the methods used in its pedagogy

    one can argue that they are very similar to those used in jazz courses. Perhaps this is

    why jazz is a genre central to disciplines involving the teaching of improvisation, along

    with Brazilian instrumental music, which has similar paradigms to the first musical

    genre. This research suggests that although the inclusion of the study of improvisation

    and popular music represents an important change in the institution investigated, the

    concepts about music and how to teach music at the Music School of UFMG have

    slightly changed with the entry of this new repertoire.

    Keywords: Improvisation. Popular Music. Jazz. Higher Education. Musical

    Education.

  • SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................................... 11

    1.1 Msica popular e algumas de suas definies ............................................................. 12

    1.2 Improvisao no contexto da academia....................................................................... 21

    1.3 Objetivos da pesquisa .................................................................................................. 23

    1.4 Fundamentao Terica .............................................................................................. 25

    1.5 Desenvolvimento metodolgico .................................................................................. 27

    1.5.1 Observaes ........................................................................................................ 30

    1.5.2 Questionrios ....................................................................................................... 33

    1.5.3 Entrevistas ........................................................................................................... 35

    1.5.4 tica e participao dos sujeitos .......................................................................... 39

    2. CONHECENDO O CENRIO E OS SUJEITOS DA PESQUISA ....................................... 41

    2.1 Contextualizando a entrada da msica popular na EMUFMG .................................... 41

    2.2 Sujeitos envolvidos na pesquisa .................................................................................. 45

    2.2.1 Os professores ..................................................................................................... 45

    2.2.2 Os Alunos ............................................................................................................ 48

    2.3 Caractersticas das disciplinas envolvidas no trabalho de campo da pesquisa ............ 57

    2.3.1 Fundamentos de Harmonia e Improvisao ........................................................ 57

    2.3.2 Performance de Instrumento ou Canto ................................................................ 63

    2.3.3 Disciplinas de Prtica em Conjunto .................................................................... 65

    2.3.4 A centralidade da improvisao nas disciplinas .................................................. 71

    3. A PEDAGOGIA DA IMPROVISAO NA ESCOLA ........................................................ 73

    3.1 Harmonia ou Improvisao? ....................................................................................... 73

    3.2 Abordagem terica e a disciplina Improvisao ......................................................... 76

    3.2.1 Modos ou escalas? ............................................................................................... 83

    3.3 Aprendendo a linguagem a abordagem prtica ........................................................ 87

    3.3.1 Melodias outra forma de abordagem prtica .................................................... 95

    3.4 Dos exerccios para o solo aprendizado na performance ......................................... 98

    3.4.1 Performance na disciplina Improvisao ............................................................ 98

    3.4.2 Performance nas disciplinas de Prtica em Conjunto........................................ 101

    3.5 O repertrio trabalhado ............................................................................................. 103

    3.5.1 A organizao do repertrio na disciplina Improvisao .................................. 110

    3.5.2 O repertrio na disciplina Performance em Instrumento uma abordagem mais

    contextualizada .................................................................................................................. 113

  • 4. CARACTERSTICAS FORMAIS E INFORMAIS DOS PROCESSOS DE ENSINO E DE

    APRENDIZAGEM DE IMPROVISAO NA ESCOLA ...................................................... 120

    4.1 A situao .................................................................................................................. 123

    4.1.1 A situao no contexto da pesquisa ................................................................... 124

    4.2 Estilo de aprendizagem ............................................................................................. 126

    4.2.1 Oralidade e escrita nas aulas investigadas ......................................................... 133

    4.3 Propriedade .............................................................................................................. 147

    4.3.1 A propriedade no mbito da pesquisa alunos, professores, e as tradies

    acadmicas e culturais. ...................................................................................................... 149

    4.4 Intencionalidade ........................................................................................................ 155

    4.4.1 Intencionalidade no contexto da pesquisa ......................................................... 156

    4.5 Aprendendo msica coletivamente ........................................................................... 158

    5. CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................ 166

    5.1 Sntese ....................................................................................................................... 166

    5.2 Jazz ou Msica Popular? ........................................................................................... 170

    5.3 Comunidade de prtica e identidade ......................................................................... 172

    5.4 Tcnica X Criatividade .............................................................................................. 175

    5.5 Ensino de Msica Popular na Escola rupturas e continuidades ............................. 177

    5.6 Contribuies da pesquisa e apontamentos futuros ................................................... 179

    6. REFERNCIAS .................................................................................................................... 181

    7. ANEXOS ............................................................................................................................... 188

    ANEXO A Questionrio distribudo aos alunos ................................................................ 188

    ANEXO B - Roteiro de entrevista com os professores da Escola de Msica ....................... 191

    ANEXO C - Termo de consentimento livre e esclarecido .................................................... 193

  • 11

    INTRODUO

    Desde o meu ingresso no curso de graduao em Licenciatura em Msica, o

    foco dos meus estudos foram as reas de Harmonia e Improvisao. Na verdade, eu

    creio que esses assuntos j rondavam os meus estudos antes mesmo da graduao, nas

    minhas aulas particulares de guitarra. Recapitulando os motivos que me levaram a

    prestar um vestibular de msica, o que fiz aos dezessete anos de idade, creio que o

    principal foi um forte desejo de aprofundar os meus conhecimentos sobre msica, algo

    que vinha estudando h trs ou quatro anos. Minha formao inicial foi tocando rock e

    heavy metal. Aos poucos, foi surgindo um interesse pela MPB e pela msica

    instrumental. De acordo com esse meu perfil de msico popular, conhecer msica

    estava relacionado principalmente ao estudo da Harmonia e da Improvisao, ao menos

    esses foram os assuntos que naturalmente surgiram como contedos mais importantes

    da teoria musical aplicada ao meu perfil, antes e em especial durante a graduao.

    O fato que esses assuntos nortearam a minha formao acadmica, de forma

    que influenciaram profundamente as minhas concepes sobre msica, o repertrio que

    eu pratico e as minhas vises sobre a academia musical. A minha percepo da

    importncia desses contedos foi o que me motivou a investigar esse fenmeno dos

    processos de ensino e de aprendizagem da improvisao, no sentido de melhor

    compreender como ele acontece, porque ele acontece dessa forma, e, ainda, qual o seu

    impacto na formao dos alunos que com ele esto envolvidos.

    Como eu j sugeri, Harmonia e Improvisao so assuntos de fundamental

    relevncia para aqueles msicos que se enquadram no perfil, ou nos perfis, de msicos

    populares. Nesse sentido, essa pesquisa acontece num momento histrico interessante,

    uma vez que recentemente foi criada a habilitao em Msica Popular na Escola de

    Msica da UFMG. Na verdade, o repertrio popular, e o estudo deste, tm sido

    incorporados aos poucos na Escola, e eu tive a oportunidade de vivenciar um momento

    de transio desse processo. Eu ingressei no curso superior de msica no incio do ano

    de 2006, e me graduei no final de 2010. A habilitao de Msica Popular foi inaugurada

    no incio de 2009. O trabalho de campo dessa pesquisa, realizado no ano de 2012. Estes

    fatos, somados minha experincia pessoal como aluno dessa instituio, contribuiu

    para construir uma perspectiva ampla sobre o assunto. Se por um lado o meu

    envolvimento prvio com a instituio pode trazer algum vis para o trabalho, por outro

  • 12

    meu conhecimento sobre o funcionamento da Escola e a facilidade de acesso no

    trabalho de campo so pontos que contriburam positivamente para o andamento da

    pesquisa.

    Neste breve histrico motivacional eu mencionei que essa pesquisa aborda os

    processos de ensino e de aprendizagem da Improvisao (assim como da Harmonia,

    mas deixemos a discusso da relao entre essas duas reas para adiante) no contexto do

    ensino superior, relacionada principalmente com o campo da Msica Popular. Para

    prosseguir explicao mais detalhada dos objetivos dessa pesquisa necessrio antes

    definir esses dois termos: improvisao e msica popular.

    1.1 Msica popular e algumas de suas definies

    Definir o que msica popular no um trabalho simples. Segundo Shuker, a

    msica popular no possui uma definio direta ou precisa. Curiosamente, muitos

    autores utilizam esse termo baseados em um senso comum, se esquivando dessa questo

    da definio (SHUKER, 2001, p.5). Por sua vez, esse senso comum varia de acordo

    com o contexto e, inclusive, o idioma na qual o termo utilizado.

    Geralmente no Brasil, ao menos no mbito da academia musical, msica

    popular possui uma definio que Middleton (1990, p.4) chama de negativa. Ou seja, o

    termo definido pelo que ele no . Portanto, msica popular aquela que no erudita

    nem folclrica1. O problema desse tipo de definio, que cada um desses trs termos

    (popular, erudito e folclrico) engloba uma grande variedade de produes musicais, em

    diversos contextos sociais e geogrficos, e que, muitas vezes, no possuem delimitaes

    to demarcadas. Em primeiro lugar, a prpria msica popular surgiu atravs da

    incorporao de elementos dos outros dois tipos de msica (NAPOLITANO, 2005, p.

    11), portanto trata-se de uma msica hibrida. Outro problema so as dicotomias

    1 As definies dos termos msica erudita e msica folclrica levariam a outras extensas discusses, que

    no esto no escopo desse trabalho. Existem outros termos para designar o que chamo de erudito e

    folclrico, cuja preferncia varia de autor para autor. A msica erudita pode ser chamada de clssica, por

    exemplo, mas isso pode causar confuso com o perodo estilstico chamado de Clssico (CAMARA,

    2008, p. 18). O termo folclrico, por sua vez, pode ser referido como msica de tradio oral, ou tnica.

    Alguns autores defendem a utilizao da primeira expresso, pois consideram que o termo folclore

    relaciona-se a pressupostos e mtodos cientficos ultrapassados, dos folcloristas brasileiros, em especial

    queles da primeira metade do sculo XX. Eu opto por utilizar o termo folclore, porque mesmo que

    existam conotaes pejorativas ele indica com certa clareza a que tipo de tradio musical eu me refiro. A

    expresso msica de tradio oral no me agrada, porque muitos autores consideram que a msica popular tambm constitui uma tradio oral (uma questo que eu vou questionar e aprofundar no Captulo

    4).

  • 13

    sugeridas pela comparao entre os termos. Middleton (1990, p.4) exemplifica essa

    questo, dizendo que a msica erudita geralmente considerada complexa e difcil, o

    que implica em tratar a msica popular como simples e fcil. Todavia, o autor aponta

    alguns exemplos de msicas eruditas que tem qualidades de simplicidade (como o coral

    Aleluia de Handel, vrias canes de Shubert e diversas rias de Verdi). Ainda, ele

    afirma que a msica de Frank Zappa no pode ser considerada simples, nem a de Billie

    Holiday fcil.

    As comparaes entre erudito, popular e folclrico tambm acontecem em

    relao s suas maneiras de transmisso e distribuio. Em termos gerais, a msica

    popular aprendida atravs de fonogramas, a msica folclrica transmitida oralmente

    e a erudita por notao musical. (SHUKER, 2002, p. 228). Mais uma vez, essas

    generalizaes no do conta das especificidades da grande variedade de formas de

    produo musical que recebem cada uma dessas definies. Por exemplo, h alguns

    gneros de msica popular, como o jazz, que so baseados tanto na notao musical

    quanto nos fonogramas. Essa questo dos meios de transmisso musical ser discutida

    posteriormente.

    O termo popular tambm pode estar relacionado popularidade. Nesse sentido

    Shuker problematiza que a msica erudita possui muitos seguidores (e, portanto, so

    populares) enquanto alguns gneros de msica popular possuem audincias bem

    especficas, como, por exemplo, o trash metal. Ainda, outra caracterstica que

    encontrada como definio de msica popular a sua orientao comercial. Nesse caso,

    a porcentagem de vendas e audincia (em rdio, TV, meios informatizados, dentre

    outros) de um determinado gnero ou estilo2 quantificada. Assim, alguns gneros (que

    seriam considerados populares na definio referida como negativa) so excludos do

    conjunto de msicas populares, dependendo do seu percentual de consumo (SHUKER,

    2002, p. 227). Existe ainda, um aspecto geogrfico relacionado abordagem comercial.

    A popularidade de um gnero pode ser mundial, nacional ou regional, portanto precisa

    ser relativizada.

    2 De acordo com Shuker (2002, p. 145) alguns autores usam os termos gneros e estilos como

    sinnimos. J outros autores podem considerar um desses dois como mais apropriados para categorizar os

    tipos de msica popular existentes. Nessa dissertao eu utilizei os dois termos para me referir a essas

    categorias (por exemplo, jazz, rock, blues, samba, dentre outros, podem ser identificados tanto como

    gnero como estilo). Todavia eu tambm utilizo a palavra estilo (e derivados desta, como a palavra estilstico) em outras situaes, por exemplo, para me referir a caractersticas comuns sobre a maneira de tocar ou de compor de determinados artistas.

  • 14

    Outra maneira de tentar definir msica popular acontece atravs da

    identificao dos gneros ou estilos que a constituem (SHUKER, 2001, p. 6). O

    problema dessa abordagem que essa lista nunca vai estar completa. O autor cita o

    exemplo da definio feita por uma enciclopdia de msica popular (CLARKE, 1990

    apud SHUKER, 2001, p. 6) que inclui os seguintes: jazz, ragtime, blues, rhythm and

    blues, country, rock (e rockn roll e rockabilly), pub rock, punk rock, acid rock, heavy

    metal, bubblegum e reggae. Shuker problematiza a no meno do rap, que segundo ele

    estava comeando a se destacar no mercado musical dominante no momento em que

    Clarke escreveu o texto. Portanto, embora seja importante identificar quais so os

    estilos ou gneros que se associam ao rtulo de msica popular, essa prtica implica na

    excluso daqueles que podem ser mais recentes, ou at excludos da mdia. Ainda existe

    o problema anlogo ao da abordagem comercial, uma vez que essa lista teria que ser

    relativizada, mundialmente, nacionalmente e regionalmente.

    Na pesquisa de Feichas (2006, p. 41), a autora levanta uma lista de gneros ou

    estilos bem diferente da apresentada anteriormente na enciclopdia de msica popular,

    uma vez que ela se refere aos estilos de msica popular mais comuns no Brasil. Essa

    lista inclui os seguintes: Samba, choro, bossa nova, MPB e a cano brasileira, rock,

    pop-rock, rap, hip-hop, funk (carioca), reggae, blocos de percusso, sertanejo, pagode e

    msica gospel. A autora ainda sugere outros gneros que seriam originados a partir do

    hibridismo daqueles mencionados, como samba-rock, samba-reggae, mangue-beat, afro-

    beat, for-rock (uma mistura de forr e rock), sertaneja-country, samba-rap, e pop-nejo.

    Obviamente, essa lista no contempla todos os gneros, estilos de msica popular que

    so, ou foram, produzidos no Brasil. E esse nem era o propsito da autora, e sim traar

    um panorama do cenrio brasileiro para o leitor internacional. No obstante, uma lista

    completa seria impossvel, devido grande diversidade de estilos que existem, os

    diferentes nveis de distribuio e acessibilidade destes e das mudanas que ocorrem no

    cenrio da msica popular com o decorrer do tempo.

    Middleton (1990, p. 6,7) aponta que o termo msica popular existe em vrias

    outras lnguas, no entanto, seus significados e distines variam de acordo com o

    contexto de cada localidade. Por exemplo, Carlos Sandroni (apud CAMARA, 2008,

    p.19) afirma que na Frana a expresso musique populaire se refere msica folclrica.

    Segundo o autor, nesse pas no existe um termo com conotao semelhante utilizada

    no Brasil.

  • 15

    J no contexto dos estudos sobre msica popular, cujas bibliografias so

    predominantemente escritas em ingls, aplicam-se as vrias definies discutidas

    anteriormente. Entretanto, comum em muitos textos que o termo msica popular

    esteja se referindo mais especificamente ao rock e outros estilos baseados neste. Essa

    questo exemplificada no trecho3 de Shuker (2001, p. 2):

    A recente proeminncia dos estudos da msica popular retrata a centralidade

    do rock e do pop como um fenmeno cultural global, associado a uma

    indstria multibilionria e as muitas facetas da cultura infanto-juvenil que se

    estendem a cada aspecto do estilo4.

    Outro exemplo acontece no livro de Green (2001) no qual a autora descreve os

    processos de aprendizado de msicos populares. No entanto, ela afirma que os

    msicos que ela investigou tambm poderiam ser descritos como msicos de rock5. Nas

    palavras da autora, o estilo que eles tocam pode ser mais bem descrito como msica

    pop ou rock anglo-americana baseada na guitarra6 (GREEN, 2001, p. 9).

    Portanto, em diversos casos encontrados nas bibliografias escritas em ingls,

    msica popular quase que sinnimo de rock. O jazz, por sua vez, um gnero que

    costuma ser referido como uma categoria a parte. Na resenha sobre o artigo de Simon

    Frith, Is jazz popular music (O jazz msica popular?), KRNI (2008, p. 1115)

    coloca que o autor responde a pergunta com um simples sim, mas que, no entanto, o

    fato de no existir consenso entre tericos, msicos e espectadores sobre a questo

    indica que a resposta no to simples assim.

    Isso porque o desenvolvimento do jazz, ao longo do sculo XX, passou por

    diversas fases. Nos seus primeiros anos, em especial nas dcadas de 1920 e 1930, as

    bandas de jazz danantes eram muito populares. No entanto, a partir do

    desenvolvimento do bebop, e tambm do surgimento do rock, que iria ganhar boa parte

    3 Trecho escrito originalmente em ingls, e traduzido por mim. Ao longo do texto da dissertao diversos

    trechos de referncias bibliogrficas estrangeiras sero apresentados em portugus, e, a no ser que exista

    alguma indicao, isso quer dizer que elas tambm foram traduzidas por mim.

    4 The new prominence of popular music studies reflects recognition of rock/pop music's centrality as a

    global cultural phenomenon, associeated with a multi-billion dollar industry, and a many faceted pop-

    youth culture reaching out into every aspect of the style.

    5 Eu tenho a tese de que essa diferena entre os termos em portugus, no qual msica popular possui uma

    definio ampla, e em ingls, na qual, muitas vezes ela est ligada, especificamente, ao rock, causa

    confuso em muitos leitores brasileiros. No caso, faz com que esses leitores generalizem o que a autora

    fala dos processos de aprendizagem de msica popular de um gnero especfico (e em uma localidade

    especfica, no caso, o Reino Unido) para todos os gneros que consideramos popular no nosso pas.

    6 Anglo-American guitar-based pop and rock music.

  • 16

    do mercado que pertencia ao jazz, este comeou a ser reconhecido como uma msica de

    vanguarda, uma msica artstica, sem conotaes comerciais.

    Diversos outros exemplos da separao entre jazz e msica popular esto

    presentes na literatura. Green (2001, p. 3), enumera quatro principais categorias

    musicais no mundo: o jazz, a msica erudita, a popular e a tradicional. A autora assume

    que ao empregar esses termos acontecem omisses e sobreposies, mas que mesmo

    assim eles so teis. De todo modo, a sua definio semelhante utilizada na

    academia brasileira. S que no caso do nosso pas, o jazz est enquadrado dentro da

    categoria msica popular, enquanto no caso da autora ele possui uma categoria prpria.

    Essa separao tambm acontece academicamente. KRNI (2008, p. 1115)

    aponta que os estudos do jazz e os estudos da msica popular so campos do

    conhecimento cientfico diferentes. Green (2001, p. 4) coloca que o jazz ingressou na

    educao musical na dcada de 19607, primeiramente nos Estados Unidos, e que no

    final deste sculo ele ocupava uma posio de destaque em diversos pases,

    especialmente no ensino em nvel superior. J a msica popular, de acordo com Green

    (2001, p. 5), ganhou apoio dos educadores no final da dcada de 1960, passou a fazer

    parte do currculo de diversos pases na dcada de 1980 e em seguida adentrou a

    educao superior. O jazz e a msica popular, portanto, possuem trajetrias acadmicas

    diferentes.

    A distino entre msica popular e jazz existe no campo acadmico

    internacional, de forma que existem cursos superiores de jazz e de msica popular. No

    Brasil, por outro lado, eu no tenho conhecimento de nenhum curso definido como de

    jazz. Todavia, muitos cursos superiores de Msica Popular no nosso pas utilizam

    abordagens pedaggicas e repertrios do jazz, incluindo o investigado nessa pesquisa.

    possvel argumentar que a maneira como o jazz entrou para a academia

    musical influenciou a sua separao do conceito de msica popular. Para que ele fosse

    aceito, buscou-se comparar e colocar os seus valores estticos em p de igualdade com

    os da msica erudita, assim como organizar a sua pedagogia atravs de mtodos e

    conceitos parecidos (PROUTY, 2012, p. 72). De maneira semelhante, os cursos de

    7 Segundo Prouty (2005), os primeiros cursos superiores de jazz surgiram na dcada de 1940 nos Estados

    Unidos. Na dcada de 1950 surgiram outros, e na de 1960 houve um aumento expressivo na criao

    desses cursos. Logo, os primrdios da educao institucional do jazz ocorreram antes do que Green

    (2001, p.4) coloca, mas realmente comearam a ser mais expressivos a partir da dcada de 1960.

  • 17

    Msica Popular no Brasil estruturaram seu currculo baseado em gneros musicais

    considerados esteticamente sofisticados.

    No caso da Escola de Msica da UFRJ, por exemplo, de acordo com Feichas

    (2006, p. 40) o repertrio identificado como popular vem de gneros musicais

    brasileiros como o samba, o choro, a MPB, a bossa nova (...) e diversas misturas entre

    esses gneros e estilos8, os quais no so considerados comerciais ou ditados pela

    indstria cultural9. A autora tambm aponta que a msica popular

    predominantemente vocal, baseada em canes, mas existem alguns tipos de msica

    instrumental baseados em uma mistura de ritmos brasileiros com uma forte influncia

    jazzstica (FEICHAS, 2006, p. 40).

    Os gneros ou estilos musicais apontados por Feichas constituem tradies

    importantes da msica popular do nosso pas, sendo valorizados do ponto de vista

    esttico. No contexto da cultura musical brasileira, conforme Feichas e outros autores

    apontam, a msica vocal, na forma de cano, privilegiada. Nesse sentido, os gneros

    samba, bossa nova e MPB, que so essencialmente vocais, compe o que Baia (2011, p.

    39) chama de linhagem da msica popular no Brasil:

    A partir da institucionalizao da MPB no final dos anos 1960,

    constitui uma linha formativa que articula trs gneros samba, bossa nova e MPB que passaram genericamente a se incluir sob o guarda-chuva da sigla MPB, como a tradio da msica popular brasileira de qualidade. Este processo formativo est estudado no trabalho de diversos autores, entre os

    quais Marcos Napolitano e Sean Struod. A ideia desta linguagem como

    articuladora da tradio da msica popular brasileira foi dominante no

    pensamento sobre esta msica at por volta dos anos 1980 e, mesmo que

    perdendo fora, at hoje constitui um dos parmetros para o debate sobre a

    produo e recepo da msica no Brasil.

    Somado ao prestgio desse repertrio na cultura brasileira, est o valor da

    msica instrumental no contexto acadmico. Isso justifica a proeminncia do choro, do

    jazz e da msica instrumental brasileira, alm dos outros trs gneros mencionados por

    Baia.

    O choro e o jazz so essencialmente instrumentais, apesar de seu repertrio

    tambm possuir msicas cantadas. O choro um dos mais antigos, se no o mais antigo,

    8 The repertoire identified as popular music comes from Brazilian musical genres and styles such as

    samba,choro, MPB, bossa nova () and a number of blendings between these genres and styles.

    9 Popular music is neither commercial nor dictated by the cultural industry.

  • 18

    gnero de msica popular brasileira10

    . Ele tambm est associado a uma tradio de

    msica de qualidade, esteticamente sofisticada e que exige virtuosidade para toc-lo. O

    valor do jazz est associado a caractersticas semelhantes a essas. Alm disso, ele um

    gnero que influencia boa parte da msica instrumental brasileira, e que cujas

    abordagens pedaggicas exercem forte influncia na estrutura dos cursos de Msica

    Popular do nosso pas (MARTINS, 2012, p. 9).

    Embora tenha afirmado que o choro seja essencialmente instrumental, e que

    obviamente ele seja brasileiro, o que eu identifico como msica instrumental brasileira

    no inclui esse gnero. Refiro-me ao que tambm pode ser chamado de msica popular

    brasileira instrumental ou jazz brasileiro (PIEDADE, 2005, p. 197), que seriam

    gneros com influncia das tradies de performance do jazz, como a exposio de um

    tema seguida de improvisao. Bons exemplos seriam a bossa nova, o repertrio do

    Clube da Esquina, as obras de alguns compositores como Hermeto Pascoal, Egberto

    Gismonti, dentre outros. Em geral, so msicas que possuem elementos rtmicos

    caracteristicamente brasileiros, mas que utilizam uma linguagem harmnica e meldica

    semelhante do jazz. A bossa nova, o Clube da Esquina e vrios standards11

    do jazz,

    constituem um repertrio baseado em canes, mas que podem, e comumente so

    interpretadas por uma formao instrumental. Ou seja, o fato da definio ser msica

    instrumental no exclui que elas possam ser cantadas, mas refere-se a uma prtica

    comum de grupos instrumentais.

    O conhecimento de quais repertrios so trabalhados no curso de Msica

    Popular na instituio investigada foi adquirido a partir da pesquisa de campo.. Adianto

    que os gneros musicais praticados so muito semelhantes aos apontados na pesquisa de

    Feichas (2006, p.40) na EMUFRJ. Ressalta-se que tal repertrio no claramente12

    definido nas ementas das disciplinas nem no projeto pedaggico do curso.

    Ao analisar o projeto pedaggico do curso de Msica Popular da UFMG, no

    h indicaes de quais gneros musicais sero trabalhados. Em um trecho, o texto desse

    projeto admite que o termo msica popular compreende uma srie de gneros e

    10

    De acordo com Napolitano (2005, p. 44), o choro surge por volta de 1870. O autor tambm aponta duas

    formas musicais que representam a gnese da msica popular urbana no Brasil, a modinha e o lundu,

    formas musicais que precederam o choro (NAPOLITANO, 2005, p. 40).

    11 Os standards do jazz so composies extremamente conhecidas pelos msicos desse gnero musical,

    as quais possuem diversas gravaes feitas por diversos msicos renomados.

    12 H, no entanto, alguns indcios. O tipo de bibliografia recomendada em algumas disciplinas est

    relacionada ao improviso no jazz. Alguns songbooks de bossa nova e samba so outros exemplos.

  • 19

    prticas musicais, ou uma diversidade de manifestaes, conforme est ilustrado a

    seguir:

    A habilitao em Msica Popular se dedica a uma importante expresso

    artstico-cultural na sociedade, reunindo sob o mesmo signo uma imensa

    diversidade de manifestaes que se por um lado tm muito em comum, so

    tambm manifestaes de foras sociais muito diversas (EMUFMG, 2011,

    n.p.).

    Em princpio essa colocao indicaria que no h preconceitos estilsticos em

    relao aos gneros musicais trabalhados na Escola, e que a proposta a incluso da

    maior diversidade possvel desses gneros. No entanto, h outros trechos que indicam

    que nem todos eles so valorizados no contexto do curso de Msica Popular:

    As gravaes, o rdio, a TV, o cinema e, mais recentemente, os meios

    informatizados, tm sua histria e seu desenvolvimento associados a esta

    especialidade que a msica popular. Essa mdia responsvel pela difuso,

    em quase todo o mundo, da msica nascida dessa diversidade. Assim se d a

    apario de uma poderosa fora, a indstria fonogrfica, como um brao da

    indstria de entretenimento, cuja ao de forma geral homogeneizante,

    tendncia oposta a que fez nascer a msica popular. (EMUFMG, n.p., grifo

    meu)

    Alm disso, esperamos que [o aluno egresso] possa fazer diferena na

    sociedade em sua atuao como msico, sendo capaz de responder aos

    desafios colocados pelas sociedades miditicas urbanas que espetacularizam

    as vrias dimenses da vida social e minimizam a experincia esttica.

    (EMUFMG, 2011, n.p.)

    O termo homogeneizante remete aos conceitos de Adorno sobre a msica

    popular do comeo do sculo XX. Para o filsofo alemo a msica popular faz parte da

    indstria cultural, que transforma a arte em bem de consumo, a partir da

    estandardizao e do estmulo passividade do ouvinte, o qual, estimulado a ouvir

    sempre os mesmos padres musicais, no reflete sobre o material musical

    (NAPOLITANO, 2005, p, 33).

    Ao longo da histria, as ideias de Adorno foram revisadas e relativizadas. Uma

    das concepes ps-adornianas de que a msica popular possui potencial esttico e

    poltico (NAPOLITANO, 2005, p. 33), mas que a indstria fonogrfica pode

    corromper esse potencial. Nesse sentido possvel interpretar que o trecho que afirma

    que as sociedades miditicas (...) minimizam a experincia esttica indica que a

    msica popular ligada unicamente aos objetivos comerciais da indstria no possui

    valor esttico, pois seria estandardizada conforme criticava Adorno. Portanto, embora o

    projeto pedaggico no denomine quais gneros sero trabalhados ao longo do curso de

  • 20

    Msica Popular, os gneros de orientao fortemente comercial ou miditica, que no

    seriam pautados por valores de inovao, no parecem ser objeto de estudo desse curso.

    Outra questo que diz respeito seleo dos gneros estudados no curso de

    Msica Popular est relacionada tradio da musicologia. Por exemplo, a nfase do

    parmetro altura no estudo da improvisao13

    algo que tambm acontece em muitas

    teorias voltadas para analisar o repertrio erudito. Baia (2011, p. 228) argumenta que:

    [Os musiclogos14

    ] tendem a privilegiar os aspectos da estruturao formal

    das obras e tambm, acrescente-se um repertrio que favorea essa

    abordagem, seja a msica artstica europeia ou, no caso da msica popular, o

    jazz, o choro, a bossa nova, ou a msica instrumental.

    De maneira semelhante, Green (2008, p. 12) afirma que o repertrio da msica

    popular que faz parte do currculo das escolas da Inglaterra (o qual varia de antigas

    bandas de blues at bandas como os Beatles e Queen) qualificado como autentico e

    no comercial, e possui complexidade formal e harmnica suficiente para justificar o

    seu estudo. Para a autora a incluso da msica popular clssica tende a reproduzir

    conceitos de valores musicais tradicionais, e, por conseguinte, o que considerado

    habilidade musical15.

    Concluindo, possvel apontar que a definio de msica popular

    predominante na academia brasileira seja baseada naquela dita negativa, que contrasta

    os diversos gneros denominados populares com as tradies da msica erudita e

    folclrica. No entanto, cursos de Msica Popular no abordam toda a variedade de

    produo musical que se encaixa nesse rtulo, de forma que a definio desse termo no

    contexto desses cursos mais restrita. No caso da UFMG, msica popular est

    relacionada principalmente a gneros considerados esteticamente sofisticados, e

    considerados constituintes de tradies musicais de qualidade. As citaes de Baia

    (2011, p. 228) e Green (2008, p. 12) apontam que a seleo do repertrio de outros

    cursos que trabalham o repertrio popular tambm se baseia em conceitos de valor

    esttico e na possibilidade do seu estudo baseada na tradio da musicologia.

    13

    Eu argumento sobre essa nfase no Captulo 3.

    14 Baia se refere a respeito do trabalho dos musiclogos ao escrever ou organizar a Histria da Msica.

    No entanto, eu argumento que o privilgio da estruturao formal acontece em outras disciplinas e no

    ensino de msica em geral na academia.

    15 The inclusion of classic popular music has in this way tended to reproduce traditional, accepted

    notions of musical value, and with those, of what counts as musical ability.

  • 21

    1.2 Improvisao no contexto da academia

    Quando a gente fala em improvisao, voc fala assim: ah um solo em cima

    duma harmonia. o bsico da improvisao. S ampliando isso ai,

    improvisao tudo, n? Voc pode fazer improvisao nos acordes,

    improvisao em qualquer coisa. improviso. Improviso improviso. Mas

    basicamente um solo em cima de uma harmonia, o que a gente aprende.

    Hugo, professor de guitarra, em entrevista.

    De acordo com Cook (2007, p. 14), toda performance um ato de

    improvisao. Ele argumenta que entre um solo de jazz e a execuo de uma obra

    erudita para um grupo de cmara, existem mais semelhanas do que comum se

    considerar. Segundo o autor, embora no primeiro caso os msicos possuam um maior

    grau de liberdade, a maneira como os msicos do grupo ajustam o andamento, a

    afinao, a dinmica, a articulao e a qualidade timbrca , em ambos os casos,

    improvisada, uma vez que esse ajuste acontece atravs da interao proveniente do fato

    de um estar escutando o outro, durante a performance.

    O verbete improvisao do dicionrio The New Grove Dictionary of Music

    and Musicians tambm aponta que toda performance envolve elementos de

    improvisao, ressaltando que o grau em que ela ocorre varia de acordo com o

    contexto. Segue o verbete:

    Improvisao. A criao de uma obra musical, ou a verso final de uma obra musical, na medida em que ela tocada. Isso pode envolver a

    composio imediata da obra pelos executantes, ou a elaborao ou

    adaptao de uma estrutura j existente, ou qualquer coisa entre estas

    condies. De certa maneira, toda performance envolve elementos de

    improvisao, embora o grau de improvisao varie de acordo com o perodo

    e o local. At certo ponto toda improvisao baseia-se tambm em uma srie

    de convenes ou regras implcitas. O termo "extemporization16

    " usado

    mais ou menos como sinnimo de "improvisao". Devido sua prpria

    natureza - em que a improvisao essencialmente evanescente ela um dos assuntos menos passveis de pesquisa histrica

    17. (NETTL, 1980, p. 96)

    Desse verbete possvel abstrair duas ideias principais. A primeira que a

    prtica da improvisao faz parte das mais diversas culturas musicais, e como ela ocorre

    varia muito de acordo com cada uma. A segunda que a pesquisa sobre esse assunto

    16

    O qual eu no encontrei uma traduo em portugus diferente de improvisao.

    17 The creation of a musical work, or the final form of a musical work, as it is being performed. It may

    involve the work's immediate composition by its performers, or the elaboration or adjustment of an

    existing framework, or anything in between. To some extent every performance involves elements

    of improvisation, although its degree varies according to period and place, and to some extent

    every improvisation rests on a series of conventions or implicit rules. The term extemporization is used more or less interchangeably with improvisation. By its very nature in that improvisation is essentially evanescent it is one of the subjects least amenable to historical research.

  • 22

    incipiente no campo da Msica. De acordo com Nettl (1998, p. 1), a improvisao

    uma arte negligenciada na academia.

    Sobre esse segundo ponto possvel apontar, brevemente, que os motivos

    pelos quais o estudo da improvisao incipiente esto relacionados com a

    proeminncia dos estudos da tradio da msica erudita no contexto acadmico. At o

    estabelecimento da Etnomusicologia havia poucos estudos e um pequeno

    reconhecimento das culturas musicais no ocidentais. Ainda, os mtodos utilizados pela

    musicologia, baseados principalmente no estudo da obra musical atravs da partitura,

    negligenciam as questes no escritas dessa tradio, incluindo a improvisao. Nesse

    contexto, a improvisao pode ser vista como subjacente ideia de obra ou

    composio18

    (COOK, 2007, p. 10), sendo considerada por alguns como uma tcnica, e

    no uma arte19

    (NETTL, 1998, p. 12).

    De acordo com Prouty (2008, p. 3), a importncia da improvisao na msica

    erudita diminuiu drasticamente ao longo dos ltimos dois sculos, medida que a

    dependncia dos recursos escritos aumentava. O autor aponta que no comum

    encontrar nos currculos dos cursos de msica erudita contedos relacionados com a

    tcnica da improvisao. Berliner (1994, p. 774) tambm coloca que a improvisao

    possui uma importncia histrica nessa tradio, exemplificando que os

    contemporneos de Beethoven consideravam suas improvisaes em p de igualde, se

    no superiores s suas composies. Alm disso, Berliner afirma que com exceo de

    algumas praticas isoladas, da msica de vanguarda ou da igreja, a improvisao

    desapareceu do treinamento e da performance dos msicos eruditos.

    Nesse sentido, a centralidade da pedagogia da improvisao na academia est

    relacionada com o jazz. A partir da criao dos cursos de jazz nos Estados Unidos,

    foram desenvolvidas diversas metodologias para o estudo da improvisao, as quais

    18

    Composio sendo conceituada como um indivduo que compe uma obra na forma escrita (NETTL

    1998, p. 4). Um dos aspectos mais relevantes nessa diferena de hierarquia entre composio e

    improvisao que no contexto da msica erudita a primeira est relacionada com preparao e

    disciplina, caractersticas que a segunda no possuiria.

    19 Ingold (2001, p. 17) aponta que a distino entre arte e tcnica, ou seus produtos, obra de arte e

    artefato, recente. Segundo o autor, essa oposio soaria estranha no final do sculo XVII, quando

    artistas no eram considerados diferentes de artesos. Ingold ressalta que os termos em latim (ars e

    tekhne) que deram origem s duas palavras possuam o mesmo significado na Grcia e Roma antiga,

    associados s atividades de fabricao de objetos durveis feitos por pessoas que dependiam disso para

    sua sobrevivncia. No entanto, esses termos foram modificando seus significados ao longo do tempo,

    sendo associados a outras oposies, como entre o trabalho intelectual e manual, entre mente e corpo,

    entre criatividade e repetio, por exemplo.

  • 23

    foram exportadas para diversas partes do mundo, em especial no ensino superior

    (GREEN, 2001, p. 4). A pedagogia da improvisao investigada nessa pesquisa, assim

    como o curso de msica popular como um todo, tem forte influncia dos modelos do

    jazz. Por isso importante discorrer sobre a improvisao no contexto dessa tradio.

    No jazz, a improvisao geralmente considerada o elemento mais importante

    (KERNFELD, 1980, p. 128). Praticamente em todos os estilos de jazz h improvisao,

    tambm em vrios graus, e atravs de diferentes prticas: variando entre solistas e

    acompanhadores, em msicas com menores ou maiores sees destinadas a criao de

    solos improvisados e at msicas que so completamente improvisadas, do comeo ao

    fim. De acordo com Kernfeld, em geral, a ateno da improvisao est voltada para o

    solista, que cria solos em uma base harmnica que se repete ciclicamente, denominada

    chorus. interessante considerar que os termos solo, fazer um solo e solista,

    podem ser substitudos pelos sinnimos improviso, improvisar e improvisador.

    Isso no exclui que o acompanhamento desse solo seja improvisado, ou mesmo que a

    performance em geral tenham elementos improvisados, como por exemplo a dinmica,

    a articulao e o andamento, conforme apontado por Cook (2007, p. 14).

    No entanto, associar improviso com solo improvisado algo essencial para

    entender o conceito de improvisao utilizado na pedagogia do jazz e na da msica

    popular a qual essa pesquisa est contextualizada. Isso porque, embora os professores

    investigados admitam que improvisao seja algo bem amplo, que inclui as muitas

    definies tratadas nessa seo da dissertao, ensinar ou estudar improvisao no

    contexto dessa pesquisa est predominantemente ligado a aprender como criar um solo

    improvisado.

    1.3 Objetivos da pesquisa

    Prouty (2004, p. 1), dentre outros autores, afirma que os sistemas de ensino

    universitrios (e por extenso as faculdades de msica) so pouco estudados

    cientificamente. A pedagogia da improvisao ligada ao campo dos estudos de jazz

    possui um campo de pesquisa forte nos Estados Unidos, mas poucas investigaes so

    feitas em outros pases (CHESSHER, 2009, p. 14). Ao realizar uma busca20

    na

    Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes do Instituto Brasileiro de Informao em

    20

    Busca realizada no ms Fevereiro de 2013.

  • 24

    Cincia e Tecnologia IBICT com o termo improvisao, retornando 162

    ocorrncias. As publicaes eram predominantemente das reas de Teatro, Dana e

    Msica. Nas que so da rea de Msica, os temas mais ocorrentes relacionam-se a

    questes analticas ou composicionais do estilo improvisatrio de um ou mais artistas,

    em especial de choro e de msica instrumental brasileira. Dentre essas ocorrncias,

    poucas se relacionavam com a pedagogia, e as que o faziam, focavam na pedagogia de

    um instrumento especfico, ou na improvisao no idiomtica utilizada na

    musicalizao, por exemplo, foco diferente da improvisao tratada nessa dissertao.

    De forma que no foi encontrada nenhuma monografia que abordasse o ensino e a

    aprendizagem da improvisao, no contexto da universidade.

    Bollos (2008) aponta que os recentes cursos superiores de Msica Popular do

    nosso pas ainda no possuem mtodos ou repertrios que possam ser considerados

    obrigatrios. A autora afirma que isso se deve a incipincia desses cursos. Segundo ela,

    aqueles baseados na msica erudita, que h muito j esto estabelecidos, possuem uma

    sequncia pr-definida de materiais didticos e repertrios a serem utilizados em cada

    estgio de desenvolvimento dos alunos. Eu no estou certo se no h mtodos ou

    repertrios que so comumente usados nos cursos de Msica Popular do nosso pas,

    mas de fato h pouca informao cientfica sobre quais so eles. Nesse sentido, a

    presente pesquisa pretende contribuir com o conhecimento na rea, mais

    especificamente sobre o contexto da improvisao na instituio investigada.

    O objetivo geral dessa pesquisa descrever e analisar os processos de ensino e

    de aprendizagem de improvisao na Escola de Msica da UFMG. Para faz-lo foram

    investigados alunos e professores envolvidos nesses processos, considerando suas

    prticas e valores a respeito do tema. A pesquisa tem um mbito descritivo, ou

    exploratrio, que visa contribuir com o conhecimento de um fenmeno pouco estudado

    na academia brasileira. Mas ela tambm busca analisar esse fenmeno de maneira

    crtica, construindo uma reflexo sobre porque ele acontece de tais maneiras. De acordo

    com Prouty (2004, p. 1)

    Os estudos sobre a educao do jazz tm observado as estruturas curriculares

    e mtodos pedaggicos, a fim de catalogar e documentar esses processos,

    bem como para sugerir melhorias. Mas tais estudos raramente questionam

    por que certos mtodos pedaggicos e currculos so favorecidos em

    detrimento de outros, ou so estruturados da maneira como eles so 21

    .

    21

    Studies on jazz education have frequently looked at curricular structures and pedagogical methods in

    order to catalogue and document these processes, as well as to suggest improvement. But such studies

  • 25

    Mais especificamente, busquei

    Conhecer quais so as caractersticas dos alunos envolvidos com esse

    aprendizado: quais habilitaes eles cursam na Escola, quais so os repertrios

    tocados por eles, e qual o impacto do estudo da improvisao na sua formao.

    Identificar e analisar quais so as metodologias utilizadas no ensino da

    improvisao na Escola de Msica e em quais repertrios ela praticada;

    Situar o processo de aprendizagem e improvisao na EMUFMG em relao aos

    estudos semelhantes da literatura cientfica.

    1.4 Fundamentao Terica

    Nessa seo eu informo quais foram os principais autores que embasaram a

    pesquisa. Trata-se de uma introduo e um panorama geral das principais fontes

    bibliogrficas utilizadas. A reviso de literatura completa dessa investigao

    apresentada nos prximos captulos, integrada apresentao e anlise dos dados.

    Entre os principais temas compreendidos na bibliografia utilizada esto:

    1. Educao Musical

    2. Ensino Superior

    3. Msica Popular

    4. Jazz

    A maioria dos trabalhos consultados dialoga com dois ou mais desses temas.

    Em relao ao campo do conhecimento, possvel afirmar que predominam trabalhos

    da Educao Musical, mais especificamente sobre a Sociologia da Educao Musical e

    a Etnomusicologia, essa em especial no que se aplica s maneiras de transmisso do

    conhecimento musical.

    No incio, a Etnomusicologia tinha como objeto de pesquisa as culturas

    musicais no ocidentais, ou no industrializadas. Nos ltimos anos, no entanto,

    etnomusiclogos passaram a investigar contextos mais familiares a eles, utilizando os

    mesmos princpios construdos para investigar as culturas das quais eles no faziam

    rarely ask the question of why certain pedagogical methods and curricula are favored over others, or are

    structured the way they are.

  • 26

    parte. Esse o caso dos trabalhos de Kingsbury (1988) e Nettl (1995), que escreveram

    sobre as caractersticas do ensino de msica erudita nos conservatrios e departamentos

    de msica de instituies dos Estados Unidos. Esses trabalhos foram importantes para

    situar algumas tradies do ensino de msica na academia, o qual possui razes

    conservatoriais.

    Tambm foram realizadas consultas a teses e dissertaes sobre o ensino

    superior de msica no Brasil. Feichas (2006) caracteriza os perfis dos alunos da Escola

    de Msica da UFRJ, em relao s caractersticas formais e informais dos seus

    processos de aprendizagem, os quais tm relao com o repertrio praticado por eles, na

    msica popular e erudita. Os outros trabalhos dessa categoria foram realizados na

    mesma instituio que a presente pesquisa, na Escola de Msica da UFMG. A

    dissertao de Loureiro (2002) trata do ensino de Harmonia na Escola, e foi um

    referencial importante na documentao da ltima mudana curricular que aconteceu na

    instituio. Neto (2010) faz um trabalho semelhante ao de Feichas (2006), apresentando

    as caractersticas formais e informais de aprendizado de alunos do curso de Msica

    Popular da EMUFMG, especificamente na disciplina Percepo Musical. A tese de

    Camara (2008) apresenta a sua sofisticada e peculiar viso sobre Harmonia baseado na

    anlise de suas aulas de Improvisao na Escola. Nesse sentido, uma das principais

    contribuies desse trabalho para a presente pesquisa a documentao de algumas

    caractersticas dessa disciplina, ofertada em outro contexto, quando ainda no existia o

    curso de Msica Popular e ela era uma disciplina optativa. Por ltimo est a dissertao

    de Martins (2012), sobre a concepo de improviso no choro. Embora a maioria dos

    participantes no fosse da EMUFMG, esse trabalho interessante porque ele compara

    essa concepo com as da pedagogia da improvisao no jazz, a qual cabe ressaltar, ele

    teve muito contato nessa instituio.

    Especificamente sobre o jazz, h dois trabalhos consagrados que foram

    relevantes na consulta bibliogrfica, os de Berliner (1994) e Monson (1996). So

    trabalhos de cunho etnogrfico, que investigaram msicos profissionais nos Estados

    Unidos. Para a presente pesquisa, destaca-se o primeiro. O enciclopdico livro de

    Berliner (1994) aborda de maneira detalhada como os msicos desse gnero

    desenvolvem suas habilidades para chegar a um nvel profissional. Esse livro

    interessante porque ele aborda como ocorre o aprendizado de jazz em especial fora do

    contexto acadmico.

  • 27

    J sobre a pedagogia da improvisao institucionalizada, o principal referencial

    terico so os textos do musiclogo e etnomusiclogo Kenneth Prouty. Seus principais

    trabalhos utilizados nessa pesquisa so sobre os repertrios e as abordagens do ensino

    de improvisao (PROUTY, 2004), sobre a discusso da oralidade e da escrita no

    aprendizado do jazz (PROUTY, 2006) e sobre a organizao social das faculdades de

    msica a luz do ensino de improvisao (PROUTY, 2008). Esses temas tambm so

    abordados em seu livro Knowing Jazz (PROUTY, 2012).

    Outro autor importante para a construo desse texto Folkestad (2006), cujo

    modelo eu utilizei para analisar as caractersticas formais e informais do ensino e da

    aprendizagem de improvisao investigadas nessa pesquisa. Sobre esse assunto, os

    trabalhos de Green (2001 e 2008) tambm foram importantes. Por ltimo, o conceito de

    Comunidade de Prtica desenvolvido por Lave e Wenger (1991) tambm foi utilizado

    para analisar algumas questes sobre a relao do aprendizado musical escolar e sua

    intercesso com a esfera profissional fora desse ambiente.

    1.5 Desenvolvimento metodolgico

    A pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para

    o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenrios

    naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenmenos em termos dos significados

    que as pessoas a eles conferem (DENZIN e LINCOLN, 2006, p. 17). Os autores

    entendem como naturais, locais onde acontecem experincias do cotidiano, onde

    pessoas se ajuntam e realizam atividades. Existe um contraste entre dois cenrios de

    pesquisa, o experimental, ligado ao laboratrio; e o trabalho de campo, que corresponde

    ao que os autores chamam de natural. Nesse sentido a metodologia qualitativa

    adequada para a presente pesquisa, pois ela investiga o cenrio da Escola de Msica da

    UFMG, buscando melhor entender o fenmeno do ensino e da aprendizagem da

    improvisao em relao s pessoas que esto envolvidas e as tradies nas quais eles se

    relacionam.

    Strauss e Corbin (1998, p. 10,11) apontam que a pesquisa qualitativa indicada

    para a investigao de fenmenos pouco estudados. Comumente ela utilizada em

    pesquisas que envolvem pessoas e suas experincias, comportamentos, emoes alm

    das maneiras como elas se organizam socialmente e culturalmente. Essa perspectiva

  • 28

    tambm justifica a utilizao dessa abordagem, uma vez que o fenmeno da educao

    da improvisao no ensino superior brasileiro pouco estudado cientficamente.

    Strauss e Corbin (1998) apresentam trs componentes principais da pesquisa

    qualitativa. So eles: (1) os dados, que comumente vem de entrevistas e observaes,

    mas tambm podem vir de documentos, gravaes, filmes, dentre outros; (2) os

    procedimentos utilizados para interpretar e organizar os dados, (3) e informaes

    escritas ou orais, provenientes de artigos cientficos, conferncias ou livros.

    Ressalta-se que h diversas maneiras de se fazer uma pesquisa qualitativa.

    Esta, aqui relatada, ser baseada, em grande parte, na teoria chamada Grounded Theory,

    traduzida para o portugus como Teoria Fundamentada. As pesquisas baseadas nessa

    metodologia so indutivas, no sentido de que as teorias so geradas atravs dos dados,

    ao invs de testar hipteses pr-concebidas.

    Pesquisas que utilizam a Teoria Fundamentada comeam a partir da

    concentrao em uma rea de estudos, coletando dados de uma variedade de

    fontes, incluindo entrevistas e observaes de campo. Uma vez recolhidos, os

    dados so analisados utilizando processos de codificao e de amostragem

    terica. A partir do momento em que isto feito, as teorias so geradas, com

    a ajuda de procedimentos de interpretao, e, por fim, ela finalmente escrita

    e apresentada. Esta ltima atividade reivindicada por Glaser e Strauss como

    parte integral do processo de investigao22

    . (Haig, 1996, p, 281)

    Os procedimentos metodolgicos utilizados no trabalho de campo da presente

    pesquisa foram observaes, questionrios e entrevistas. O primeiro e o ltimo

    procedimento so comuns nas pesquisas que utilizam a Teoria Fundamentada como

    metodologia. A utilizao de questionrios ambgua em relao aos tipos de pesquisa

    que fazem uso deles. Eles so comuns em pesquisas quantitativas devido sua

    caracterstica numrica e estatstica, no entanto, tambm so utilizados em pesquisas

    qualitativas, especialmente quando eles so conjugados com outros procedimentos, o

    que acontece na presente pesquisa.

    Depender exclusivamente de apenas um mtodo pode gerar vieses ou

    distorcer a imagem do pesquisador sobre um determinado recorte da realidade que ele

    esteja investigando23 (COHEN, MANION e MORRISON, 2000, p. 112). Atravs de

    22

    Grounded theory research begins by focusing on an area of study and gathers data from a variety of

    sources, including interviews and field observations. Once gathered, the data are analyzed using coding

    and theoretical sampling procedures. When this is done, theories are generated, with the help of

    interpretive procedures, before being finally written up and presented. This latter activity Glaser and

    Strauss claim is an integral part of the research process.

    23

    Exclusive reliance on one method, therefore, may bias or distort the researchers picture of the particular slice of reality she is investigating.

  • 29

    uma abordagem multi-metodolgica possvel utilizar a triangulao, o que significa

    olhar um contexto atravs de vrios ngulos. Segundo Cohen, Manion e Morrison

    (2000, p. 112), quanto mais mtodos se contrastam, maior a convico do

    pesquisador24.

    Os procedimentos de interpretao e organizao dos dados so definidos

    como o processo de codificao. Strauss e Corbin (1998) descrevem como isso feito.

    Primeiramente, os dados de cada procedimento metodolgico so reduzidos e

    conceituados; esses conceitos so agrupados em categorias e subcategorias, s quais so

    atribudas relaes. Esse processo no linear, uma vez que a anlise dos dados feita

    em diversos momentos da pesquisa. Questionamentos so levantados e anotados em

    diversos momentos, quando os dados so obtidos, quando so analisados e na reviso da

    literatura. A partir desse longo processo forma-se a teoria, fundamentada na

    interpretao desses dados.

    Devido a essa caracterstica circular do processo de interpretao, a reviso de

    literatura no acontece plenamente antes do trabalho de campo, como acontece em

    outros mtodos de pesquisa (STRAUSS e CORBIN, 1998, p. 49). Isso porque as

    questes de pesquisa so geradas medida que os dados so analisados, portanto no h

    como conhecer a literatura a priori.

    O processo de amostragem dos estudantes investigados nessa pesquisa

    definido como intencional ou terico (purposive or theoretical sampling). Mason

    (2002, p. 138) aponta que nesse caso

    o processo de amostragem, de gerao de dados, e de anlise dos mesmos

    acontece de maneira dinmica e interativa. Isso significa que o pesquisador

    qualitativo precisa no apenas trabalhar na escolha das amostras, mas

    tambm em quando parar de coletar dados25

    .

    Laville e Dionne (1999, p. 170) citam a amostra tpica em que, a partir das

    necessidades de seu estudo, o pesquisador seleciona casos julgados exemplares ou

    tpicos da populao-alvo ou de uma parte desta. No caso dessa pesquisa isso significa

    que as disciplinas, os estudantes e os professores que fizeram parte do trabalho de

    campo foram selecionados de acordo com as premissas estabelecidas pelo pesquisador.

    24

    The more methods contrast with each other, the greater the researchers confidence.

    25 The process of sampling, data generation and data analysis are viewed dynamically and interactively.

    This means that a qualitative researcher must work out not only when to make sampling decisions, but

    also when to stop sampling.

  • 30

    importante salientar que a metodologia aqui apresentada no hermtica.

    Seus princpios foram adaptados de acordo com as necessidades do pesquisador. Strauss

    e Corbin (1998, p. 13) afirmam que os procedimentos da Teoria Fundamentada no

    foram projetados para serem seguidos dogmaticamente, mas para serem utilizados de

    forma criativa e flexvel por pesquisadores, conforme apropriado26.

    1.5.1 Observaes

    Para o incio da pesquisa, o plano foi realizar observaes em disciplinas que

    estivessem relacionadas temtica da improvisao (no campo da msica popular,

    conforme j foi delimitado). Essas observaes foram realizadas no primeiro semestre

    de 2012, e a seleo das disciplinas foi baseada na oferta do referido semestre. Foram

    escolhidas as disciplinas:

    Improvisao I (com duas turmas dessa disciplina, ofertadas por diferentes

    professores)

    Prtica de Conjunto de Msica Popular

    Prtica de Conjunto de Msica Popular Brasileira

    Harmonia Aperfeioamento e Performance27

    Big Band

    Performance em Instrumento ou Canto (no caso, foram observadas aulas do

    instrumento piano)

    O critrio de escolha foi a presena e a relevncia do tema improvisao em

    cada uma delas. Obviamente a disciplina homnima baseada nesse tema. Na aula de

    piano a improvisao trabalhada frequentemente, assim como a tcnica instrumental e

    o aprendizado de repertrio. As outras disciplinas so baseadas em prtica de conjunto,

    26

    Were not designed to be followed dogmatically, but rather to be used creatively and flexibly by

    researchers as they deam appropriate.

    27 Essa disciplina foi lecionada por um professor convidado, e possivelmente no ser ofertada

    novamente. A disciplina aconteceu de forma quinzenal, e alterou a estrutura planejada da disciplina

    Pratica de Conjunto em Msica Popular Brasileira, que ocorria no mesmo horrio e tambm passou a ser

    quinzenal, de forma que elas alternavam semana a semana.

  • 31

    mas no repertrio tocado nelas costuma existir improvisao, em especial na forma do

    chorus28

    de improvisao.

    O nmero de aulas observadas no foi definido a priori. Ele foi baseado no

    ponto de saturao dos dados, ou seja, a partir do momento em que os dados fossem se

    repertindo sem que novos significativos aparecessem. Em mdia, foram observadas sete

    aulas de cada disciplina, no perodo compreendido entre os meses de Maro e Junho de

    2012. A minha frequncia no foi simultnea em todas elas, de forma que algumas

    foram observadas mais no comeo do semestre e outras mais ao final. As caractersticas

    de cada disciplina esto descritas e analisadas no prximo captulo.

    Nessa pesquisa as observaes foram realizadas de maneira semi-estruturada,

    cuja metodologia se caracteriza por ter uma lista de tpicos, cujos dados so reunidos de

    forma menos pr-determinada ou sistematizada29

    (Cohen, Manion e Morrison, 2000, p.

    315). Isso significa que eu me mantive aberto em focar questes que no foram

    definidas a priori, mas que eu possua uma lista de tpicos que guiariam as primeiras

    intenes do trabalho de campo. Segue a lista:

    Observar a abordagem utilizada pelos professores no ensino e na prtica

    da improvisao em cada disciplina.

    Verificar em quais repertrios a improvisao estudada/praticada.

    Observar as atitudes30 e habilidades dos alunos em relao s atividades

    que envolvem improvisao

    Ao observar as disciplinas, adotei posturas semelhantes, mas no exatamente

    idnticas em cada uma delas. Na sala de aula, me identifiquei aos alunos como

    pesquisador. Eu participava das discusses em sala de acordo com o que eu achava ser

    apropriado, sem me intrometer demais, mas tomando a palavra quando julgava que meu

    discurso seria de alguma forma til. Na maioria das atividades de performance, optei

    por no participar, para que assim pudesse me concentrar na observao do que os

    alunos estavam fazendo. Algumas excees ocorreram, como exerccios vocais, onde

    no precisava ter um instrumento em mos. Na disciplina Harmonia, Aperfeioamento

    28

    A improvisao na msica popular costuma acontecer sobre uma estrutura harmnica definida. Muitas

    vezes essa estrutura corresponde aos acordes de uma cano, e quando esses acordes so tocados, na

    forma da cano tocou-se um chorus.

    29 A semi-structured observation will have an agenda of issues but will gather data to illuminate these

    issues in a far less pre-determined or systematic manner.

    30 Refiro-me s atitudes no sentido de interpretar seus comportamentos; se eles se mostram confiantes ou

    ansiosos, motivados, desconfortveis com alguma situao, etc...

  • 32

    e Performance tambm expliquei aos alunos e ao professor o meu papel de pesquisador,

    porm participei plenamente das atividades, assim como um aluno qualquer.

    Cohen, Manion e Morrison (2000, p. 305) consideram que toda pesquisa

    uma forma de observao participante, uma vez que no se pode estudar o mundo sem

    fazer parte dele31. Gold (1958) apud Cohen, Manion e Morrison (2000, p. 305), por sua

    vez, fornece a seguinte classificao dos possveis papis de observao do pesquisador:

    Em um lado est o participante pleno, passando para o participante-como-

    observador, em seguida o observador-como-participante, e, finalmente, o

    observador pleno. O movimento da participao completa at o mximo

    distanciamento32

    (grifos do autor).

    Nessa pesquisa o papel do pesquisador o de participante-como-observador, o

    qual se identifica como pesquisador e faz parte da vida social dos indivduos

    estudados, documentando e gravando os acontecimentos observados com o propsito da

    investigao33 (COHEN, MANION e MORRISON, 2000, p. 310). Adiciona-se uma

    ressalva, que na disciplina Harmonia, Aperfeioamento e Performance, a minha

    participao foi mais prxima do papel esperado de um aluno, no qual eu tocava junto

    com eles, era cobrado pelo professor da mesma maneira que eles, e assim por diante. Os

    motivos pelos quais escolhi essa diferena de participao so alguns: O fato do

    professor ser convidado, portanto eu tinha menos contato pessoal com ele, de forma que

    ele me trataria de forma mais parecida com um aluno; me colocar no papel de aluno, na

    prtica; e por motivos pessoais, devido a oportunidade de estudar com um professor

    convidado, que um msico profissional renomado.

    As maneiras de registro desse trabalho, assim como as formas de participao,

    foram semelhantes, mas no idnticas. Em todas as ocasies eu matinha anotaes, ou

    em um caderno ou em um laptop. Laville e Dionne (1999, p. 180) dividem as notas em

    descritivas e analticas. As primeiras devem ser tanto quanto possvel neutros[as] e

    factuais para melhor corresponder a situao observada enquanto as ltimas so

    formadas pelas reflexes do pesquisador. Elas compreendem as ideias ou intuies

    31

    All research is some form of participant observation since we cannot study the world without being part

    of it (ADLER e ADLER, 1994 apud Cohen COHEN, MANION e MORRISON, 2000, p. 305)

    32 At one end is the complete participant, moving to the participant-as-observer, thence to the observer-

    as-participant, and finally to the complete observer. The move is from complete participation to complete

    detachment.

    33 Is part of the social life of participants and documents and records what is happening for research

    purposes.

  • 33

    frequentemente surgidas no fogo da ao e logo registradas sob forma de breves

    lembretes (LAVILLE e DIONNE, 1999, P. 180). Para efeito de registro, procurei

    gravar em udio, atravs de um gravador digital de boa qualidade, as aulas observadas.

    Alguns trechos de falas proferidos por alunos e professores nas aulas e exerccios

    musicais tocados nas mesmas foram transcritos a partir desse material.

    Os mtodos de observao so ferramentas poderosas para compreender

    certas situaes34 (COHEN, MANION e MORRISON, 2000, p. 315). Esses autores

    tambm chamam ateno para o risco das observaes serem seletivas, [mas] esse

    problema pode ser atenuado pela triangulao35 (COHEN, MANION e MORRISON,

    2000, p. 310).

    1.5.2 Questionrios

    O questionrio um procedimento metodolgico que consegue alcanar um

    grande nmero de pessoas, de forma rpida e econmica (LAVILLE e DIONNE, 1999,

    p. 184). O principal objetivo do questionrio dessa pesquisa foi traar o perfil dos

    alunos envolvidos no que concerne as suas experincias com improvisao e a relao

    dessas com os repertrios que eles tocam.

    Comecei o questionrio com perguntas a respeito da identificao dos alunos

    (ano de ingresso no curso, qual instrumento toca, e qual habilitao est cursando). Em

    seguida os questionamentos foram sobre o repertrio dos estudantes e suas experincias

    no estudo de improvisao (se j haviam estudado esse assunto antes do ingresso na

    universidade, quais as suas experincias na Escola, quais suas facilidades e

    dificuldades). Perguntei em quais repertrios eles a praticam e se o fazem em algum

    grupo instrumental. Na ultima questo, apresentei uma srie de atividades comuns no

    estudo e prtica da improvisao e pedi para que os alunos classificassem a

    periodicidade destas no seu cotidiano de estudo36

    .

    Nas perguntas fechadas do questionrio foi disponibilizado o campo de

    resposta Outro, de forma a evitar que um interrogado selecionasse uma opo que no

    34

    Observation methods are powerful tools for gaining insight into situations.

    35 There is a risk that observations will be selective, and the effects of this can be attenuated by

    triangulation.

    36 O questionrio distribudo aos alunos nessa pesquisa encontra-se anexo ao final dessa dissertao (cf.

    Anexo A)

  • 34

    correspondesse sua verdadeira resposta (LAVILLE e DIONNE, 1999, p. 185). Para

    responder a pergunta final (nmero 18), a respeito das atividades nas quais os

    interrogados costumam praticar improvisao foram oferecidas opes em escala: Com

    muita frequncia, Regularmente, Com pouca frequncia e Eu no tenho esse

    hbito. Esse procedimento conhecido como escala de Likert (LAVILLE e

    DIONNE, 1999, p. 183).

    Cohen, Manion e Morrison (2000, p. 260) afirmam que importante conduzir

    um piloto, pois ele aumenta a validade, a confiana e a praticabilidade do questionrio.

    Por esse motivo, um questionrio piloto foi respondido por cinco alunos. A partir desse

    teste, o questionrio mostrou-se eficaz. Algumas pequenas mudanas, no entanto, foram

    realizadas, no sentido de ampliar as possibilidades de resposta. No entanto, nenhuma

    questo proposta no piloto foi includa ou excluda do questionrio final. Eu aproveitei

    as repostas desses questionrios pilotos, pedindo para que os voluntrios completassem

    as repostas com as novas opes fornecidas no questionrio final.

    Os questionrios foram distribudos no final do primeiro semestre de 2012, em

    algumas das disciplinas em que realizei observaes: As duas turmas de Improvisao I,

    Big Band, Prtica de Conjunto em Msica Popular e Performance de Instrumento ou

    Canto (Piano). Optei por no distribuir os questionrios nas disciplinas Prtica de

    Conjunto em Msica Popular Brasileira e Harmonia, Aperfeioamento e Performance

    pois, pelo fato dessas se alternarem semanalmente, o tempo para o seu preenchimento

    seria escasso. Adicionalmente, muitos dos alunos dessas disciplinas estavam

    matriculados em algumas das disciplinas em que distribui os questionrios, logo no

    havia necessidade de duplicar a entrega.

    A estratgia de entrega e preenchimento de questionrios foi adaptada no

    decorrer do processo, o que resultou em um maior percentual de respostas do total de

    alunos de certas disciplinas do que de outras. Eu comecei a distribuio na disciplina

    Big Band, da seguinte maneira: eu entreguei os questionrios aos presentes e lhes pedi

    que entregassem estes preenchidos na outra semana, uma vez que para faz-lo eram

    necessrios cerca de dez minutos, e eu quis evitar que os professores e alunos

    perdessem tanto tempo de aula. O resultado foi que pouqussimos alunos (mesmo

    pedindo por diversas semanas seguidas) me entregaram o questionrio. Em uma das

    turmas de Improvisao I eu havia realizado o mesmo procedimento, e o resultado

    tambm estava se repetindo. Para resolver o problema nessa turma eu encontrei alguns

    alunos que chegaram antes do horrio da aula comear e pedi para que eles

  • 35

    respondessem o questionrio imediatamente. O professor tambm me cedeu alguns

    minutos no final da aula para que outros alunos respondessem e me entregassem o

    questionrio na sada. Na outra turma de Improvisao I, modifiquei a estratgia e pedi

    ao professor que os alunos pudessem preencher o questionrio em sala, dessa forma

    quase todos os presentes naquele dia responderam. Nas outras disciplinas, parte

    considervel dos alunos respondeu em casa e me trouxe o questionrio depois de uma,

    ou em alguns casos, algumas, semanas. Do total de questionrios entregues nessas

    disciplinas, que foram distribudos a cerca de 100 alunos, eu recebi 46 preenchidos,

    incluindo os dos alunos que participaram do piloto.

    Algumas das repostas analisadas nesse questionrio possuem ambiguidade, de

    forma que no possvel ter certeza de que os respondentes compreenderam o teor de

    determinadas questes. Por exemplo, na pergunta 17 era questionado: Voc possui

    algum grupo/banda no qual ocorre improvisao?. Duas ou trs pessoas parecem ter se

    referido a Big Band da Escola de Msica, porm a pergunta era no sentido de se o

    respondente era vinculado a um grupo musical que se organiza extracurricularmente,

    diferente de um grupo que funciona como uma disciplina da Escola. Alm da

    possibilidade de se confundirem, h outros motivos para que o pesquisador no tome as

    respostas como verdades absolutas. Segundo Laville e Dionne (1999, p. 185)

    nem sempre possvel que esse pesquisador julgue conhecimentos do

    interrogado e o valor das respostas fornecidas: um interrogado pode escolher

    uma resposta sem realmente ter opinio, simplesmente porque ele se sente

    compelido a faz-lo ou no quer confessar sua ignorncia. Ou ento, tendo

    uma conscincia limitada de seus valores e preconceitos, forner respostas

    bastante afastadas da realidade.

    Por esse motivo importante que haja triangulao entre os resultados dos

    questionrios com os outros dados coletados.

    1.5.3 Entrevistas

    As entrevistas dessa pesquisa foram realizadas aps a conduo das

    observaes e questionrios. A conjuno de entrevistas com esses outros

    procedimentos visou triangulao dos dados e o aprofundamento de algumas questes

    a partir das concepes dos respondentes. Cohen, Manion e Morrison (2000, p. 268)

    afirmam que atravs das entrevistas possvel conhecer uma pessoa a respeito do que

    ela sabe (conhecimento ou informao), do que ela gosta (valores e preferncias) e do

    que ela pensa (atitudes e crenas).

  • 36

    Eu utilizei um procedimento que Laville e Dionne (1999, p. 188) chamam de

    entrevista parcialmente estruturada, que consiste de

    entrevistas cujos temas so particularizados e as questes (abertas)

    preparadas antecipadamente. Mas com plena liberdade quanto retirada

    eventual de algumas perguntas, a ordem em que essas perguntas esto

    colocadas e ao acrscimo de perguntas improvisadas.

    Foram realizadas entrevistas com professores da rea de Msica Popular. No

    quadro de professores efetivos do Departamento de Instrumentos e Canto h quatro

    professores dessa rea, dos quais trs foram entrevistados. O professor que no foi

    entrevistado chegou recentemente de licena para concluir seu doutorado, portanto no

    estava presente em boa parte do perodo em que realizei o trabalho de campo. Os trs

    professores que participaram da entrevista tiveram aulas observadas por mim, o que

    reforou minha escolha por eles, uma vez que poderia triangular os dados dessas

    entrevistas com as observaes das suas aulas e questionrios dos seus alunos. um

    nmero pequeno de entrevistados, mas bem representativo da rea de Msica Popular,

    que a responsvel pelo ensino de improvisao a qual eu me refiro nessa pesquisa.

    Organizei uma lista de tpicos37

    baseado na anlise dos dados realizada at

    ento e dos temas encontrados na literatura. Eu tentei formular as questes da forma

    mais neutra possvel, evitando que as perguntas direcionassem as respostas dos

    entrevistados. Em alguns casos isso gerava dvidas sobre o que eu queria dizer, fazendo

    com que eu explicasse melhor, mas de toda forma, buscando ainda certa neutralidade.

    Os tpicos compreendiam questes sobre em quais aulas esses professores

    ensinavam improvisao e atravs de quais abordagens, mtodos e repertrios eles o

    fazem. Procurei saber a opinio dos professores em relao s habilidades e

    conhecimentos dos alunos, seu desempenho nas aulas e a importncia da improvisao

    na formao deles. Dois desses professores se formaram academicamente fora do pas, e

    para eles eu pedi que fizessem algum tipo de comparao entre as realidades da Escola

    de Msica da UFMG e dos pases onde eles estudaram.

    Ao examinar o roteiro da entrevista verifica-se que h uma lista de tpicos

    organizados por temas: atividades didticas, pedagogia e importncia do estudo de

    improvisao. Abaixo de alguns tpicos h outras questes, escritas em itlico,

    demarcadas por linhas superiores e inferiores. Nessa organizao os tpicos eram

    perguntas que seriam feitas a todos os professores, enquanto as questes em itlico

    37

    Essa lista encontra-se anexada ao final dessa dissertao (cf. Anexo B).

  • 37

    tratavam de possveis desdobramentos do tpico anterior, que poderiam ser perguntadas

    ou no, dependendo do contexto da conversa. Por exemplo: a pergunta o que voc

    recomenda para os alunos praticarem improvisao era um tpico que deveria ser

    perguntado a todos entrevistados. Em seguida havia uma questo opcional (em itlico)

    que era os alunos costumam fazer muitas transcries de solo. Se a resposta ao

    primeiro tpico j contivesse o assunto de transcrio como sugesto de prtica da

    improvisao, no havia necessidade de repetir a pergunta.

    A maioria dos tpicos foi respondida nas trs entrevistas, exceto em uma, na

    qual no houve tempo hbil para concluir o roteiro por completo. Todavia essa

    entrevista foi muito rica (e extensa), de forma que eu no considerei que a falta de um

    ou dois tpicos tenha prejudicado a qualidade da informao obtida.

    O fator tempo foi de certo modo problemtico. Agend