silva, ricardo - ensino e aprendizagem de improvisação em curso superior de música
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Silva, Ricardo - Ensino e Aprendizagem de Improvisação Em Curso Superior de MúsicaTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE MSICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
RICARDO COSTA LAUDARES SILVA
ENSINO E APRENDIZAGEM DE IMPROVISAO
EM UM CURSO SUPERIOR DE MSICA
BELO HORIZONTE
2013
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RICARDO COSTA LAUDARES SILVA
ENSINO E APRENDIZAGEM DE IMPROVISAO
EM UM CURSO SUPERIOR DE MSICA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Msica da Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em
Msica (Linha de pesquisa: Educao Musical).
Orientadora: Prof. Dr. Heloisa Faria Braga Feichas.
BELO HORIZONTE
2013
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S586e Silva, Ricardo Costa Laudares
Ensino e aprendizagem de improvisao em um
curso superior de Msica / Ricardo Costa Laudares
da Silva. --2013.
193 fls., enc.; il.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Msica.
Orientador: Profa. Dra. Heloisa Faria Braga
Feichas
1. Improvisao (Msica). 2. Msica Instruo e ensino 3. Msica popular. 3. Jazz. I. Ttulo. II.
Feichas, Heloisa Faria Braga. III. Universidade
Federal de Minas Gerais. Escola de Msica.
CDD: 780.7
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AGRADECIMENTOS
So tantas pessoas que merecem meus agradecimentos por terem contribudo
das mais variadas formas no decorrer dessa empreitada, que eu fico com receio de
esquecer algum. Se o fiz, desde j peo desculpas e receba o meu muito obrigado!
Em primeiro lugar, agradeo os meus pais, Maria Joana Costa e Paulo Roberto
Silva, pois me apoiaram desde o comeo nas minhas escolhas profissionais e
acadmicas, e continuam me apoiando de forma extraordinria. Seu amor, carinho,
pacincia, disposio, incentivo, amizade e tantas outras qualidades me propiciam um
ambiente formidvel para desenvolver meus trabalhos com confiana e dedicao.
minha orientadora, Heloisa Faria Braga Feichas, por ter me auxiliado em
toda minha trajetria acadmica. Por demonstrar muita confiana no meu trabalho, por
incentivar a minha autonomia, pela eficincia da sua orientao, e principalmente pela
sensibilidade que trata a mim e seus alunos e o desejo de ajud-los a crescer.
Aos outros membros da banca examinadora Walnia Marlia Silva, Fabio
Adour da Camara pela disposio de avaliar esse trabalho. Assim como a minha
orientadora esses professores tm fundamental relevncia na minha formao.
professora Walnia Silva, que tambm avaliou meu trabalho de concluso de curso, e
que desde o meu primeiro semestre de graduao tem guiado a minha trajetria
acadmica. Ao professor Fbio Adour da Camara que muito contribuiu com a minha
formao instrumental e de teoria musical. Muito da minha atual viso sobre msica foi
germinada nas suas aulas.
professora Patrcia Furst Santiago, por ter participado do exame de
qualificao, cujo convite foi feito muito de ltima hora e prontamente aceito. E
tambm por suas aulas. Agradeo pelos valores passados de tratar a pesquisa cientfica
com o rigor que ela merece. E principalmente pelo conselho de buscar profundidade na
anlise dos dados da pesquisa, que foi algo que busquei com afinco nesses seis meses, e
que espero ter conseguido fazer.
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CAPES/REUNI pelo apoio financeiro durante esse percurso, e
principalmente pela oportunidade de trabalhar como bolsista na graduao, o que foi de
total relevncia para a minha formao como professor.
Aos professores e colegas que tive na Escola de Msica da UFMG desde a
graduao at o mestrado, por terem colaborado com meu desenvolvimento profissional
e pessoal.
A todos os sujeitos envolvidos nessa pesquisa, professores e alunos, que so
parte fundamental dessa investigao e com quem muito aprendi. Obrigado por me
fazerem sentir muito bem vindo s aulas que assisti, e gentilmente fornecer seu tempo,
respondendo questionrios e entrevistas.
A todos os funcionrios da Escola de Msica, que fazem essa instituio
funcionar.
Por ltimo, a minha famlia e amigos. tanta gente que eu prefiro no citar
nomes. Obrigado por ocuparem tanto espao na minha vida. graas a muitos de vocs
que eu estou entregando esse trabalho assim, to de ltima hora. Mas se no fosse por
vocs, esse trabalho tambm no teria o menor sentido. Um agradecimento especial
queles que colaboraram para a minha concentrao na reta final, me ligando de manh
para garantir que a falta de horrio marcado no estendesse minha soneca no conforto
da minha cama.
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RESUMO
Essa pesquisa buscou explorar e analisar os processos de ensino e de
aprendizagem de improvisao na Escola de Msica da UFMG. Improvisao nesse
contexto est relacionado predominantemente habilidade de compor um solo no
momento da performance, o qual construdo sobre uma estrutura harmnica pr-
definida. Nesse sentido, o treinamento dessa habilidade est baseado principalmente no
parmetro altura, ou seja, nas relaes entre a melodia do solo e os acordes que o
acompanham. Desenvolver habilidades de improvisao faz parte do currculo do
recente curso de Msica Popular da instituio estudada. No entanto, h alunos de
outros cursos que tambm esto envolvidos com o treinamento dessa habilidade. Essa
pesquisa buscou conhecer o perfil desses alunos e tambm dos professores responsveis
pelo ensino da improvisao. Sobre os mtodos utilizados na sua pedagogia possvel
afirmar que eles so muito semelhantes aos utilizados nos cursos de jazz. Talvez por
isso, o jazz seja um gnero central nas disciplinas que envolvam o ensino da
improvisao, junto com a msica instrumental brasileira, que possui paradigmas
semelhantes ao primeiro gnero. Essa pesquisa sugere que embora a introduo do
estudo da improvisao e da msica popular represente uma mudana importante na
instituio investigada, as concepes sobre msica e como ensinar msica na Escola de
Msica da UFMG pouco se modificaram com a entrada desse novo repertrio.
Palavras-chave: Improvisao. Msica Popular. Jazz. Ensino superior.
Educao Musical.
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ABSTRACT
This research aimed to explore and analyze the processes of teaching and
learning improvisation at the Music School of UFMG. Improvisation in this context is
related predominantly to the ability to compose a solo in the course of the performance,
which is built based on a pre-defined harmonic structure. Accordingly, the training of
this skill is mainly based on pitch structures, such as scales, chords and the relationships
between the two. Developing improvisation skills is part of the curriculum of the recent
course of Popular Music of the institution where this research was carried out. However
there are students from other courses that are also involved with training this skill. This
research sought to identify the characteristics of these students and also of the teachers
who are designated for teaching improvisation. About the methods used in its pedagogy
one can argue that they are very similar to those used in jazz courses. Perhaps this is
why jazz is a genre central to disciplines involving the teaching of improvisation, along
with Brazilian instrumental music, which has similar paradigms to the first musical
genre. This research suggests that although the inclusion of the study of improvisation
and popular music represents an important change in the institution investigated, the
concepts about music and how to teach music at the Music School of UFMG have
slightly changed with the entry of this new repertoire.
Keywords: Improvisation. Popular Music. Jazz. Higher Education. Musical
Education.
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SUMRIO
INTRODUO .......................................................................................................................... 11
1.1 Msica popular e algumas de suas definies ............................................................. 12
1.2 Improvisao no contexto da academia....................................................................... 21
1.3 Objetivos da pesquisa .................................................................................................. 23
1.4 Fundamentao Terica .............................................................................................. 25
1.5 Desenvolvimento metodolgico .................................................................................. 27
1.5.1 Observaes ........................................................................................................ 30
1.5.2 Questionrios ....................................................................................................... 33
1.5.3 Entrevistas ........................................................................................................... 35
1.5.4 tica e participao dos sujeitos .......................................................................... 39
2. CONHECENDO O CENRIO E OS SUJEITOS DA PESQUISA ....................................... 41
2.1 Contextualizando a entrada da msica popular na EMUFMG .................................... 41
2.2 Sujeitos envolvidos na pesquisa .................................................................................. 45
2.2.1 Os professores ..................................................................................................... 45
2.2.2 Os Alunos ............................................................................................................ 48
2.3 Caractersticas das disciplinas envolvidas no trabalho de campo da pesquisa ............ 57
2.3.1 Fundamentos de Harmonia e Improvisao ........................................................ 57
2.3.2 Performance de Instrumento ou Canto ................................................................ 63
2.3.3 Disciplinas de Prtica em Conjunto .................................................................... 65
2.3.4 A centralidade da improvisao nas disciplinas .................................................. 71
3. A PEDAGOGIA DA IMPROVISAO NA ESCOLA ........................................................ 73
3.1 Harmonia ou Improvisao? ....................................................................................... 73
3.2 Abordagem terica e a disciplina Improvisao ......................................................... 76
3.2.1 Modos ou escalas? ............................................................................................... 83
3.3 Aprendendo a linguagem a abordagem prtica ........................................................ 87
3.3.1 Melodias outra forma de abordagem prtica .................................................... 95
3.4 Dos exerccios para o solo aprendizado na performance ......................................... 98
3.4.1 Performance na disciplina Improvisao ............................................................ 98
3.4.2 Performance nas disciplinas de Prtica em Conjunto........................................ 101
3.5 O repertrio trabalhado ............................................................................................. 103
3.5.1 A organizao do repertrio na disciplina Improvisao .................................. 110
3.5.2 O repertrio na disciplina Performance em Instrumento uma abordagem mais
contextualizada .................................................................................................................. 113
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4. CARACTERSTICAS FORMAIS E INFORMAIS DOS PROCESSOS DE ENSINO E DE
APRENDIZAGEM DE IMPROVISAO NA ESCOLA ...................................................... 120
4.1 A situao .................................................................................................................. 123
4.1.1 A situao no contexto da pesquisa ................................................................... 124
4.2 Estilo de aprendizagem ............................................................................................. 126
4.2.1 Oralidade e escrita nas aulas investigadas ......................................................... 133
4.3 Propriedade .............................................................................................................. 147
4.3.1 A propriedade no mbito da pesquisa alunos, professores, e as tradies
acadmicas e culturais. ...................................................................................................... 149
4.4 Intencionalidade ........................................................................................................ 155
4.4.1 Intencionalidade no contexto da pesquisa ......................................................... 156
4.5 Aprendendo msica coletivamente ........................................................................... 158
5. CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................ 166
5.1 Sntese ....................................................................................................................... 166
5.2 Jazz ou Msica Popular? ........................................................................................... 170
5.3 Comunidade de prtica e identidade ......................................................................... 172
5.4 Tcnica X Criatividade .............................................................................................. 175
5.5 Ensino de Msica Popular na Escola rupturas e continuidades ............................. 177
5.6 Contribuies da pesquisa e apontamentos futuros ................................................... 179
6. REFERNCIAS .................................................................................................................... 181
7. ANEXOS ............................................................................................................................... 188
ANEXO A Questionrio distribudo aos alunos ................................................................ 188
ANEXO B - Roteiro de entrevista com os professores da Escola de Msica ....................... 191
ANEXO C - Termo de consentimento livre e esclarecido .................................................... 193
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INTRODUO
Desde o meu ingresso no curso de graduao em Licenciatura em Msica, o
foco dos meus estudos foram as reas de Harmonia e Improvisao. Na verdade, eu
creio que esses assuntos j rondavam os meus estudos antes mesmo da graduao, nas
minhas aulas particulares de guitarra. Recapitulando os motivos que me levaram a
prestar um vestibular de msica, o que fiz aos dezessete anos de idade, creio que o
principal foi um forte desejo de aprofundar os meus conhecimentos sobre msica, algo
que vinha estudando h trs ou quatro anos. Minha formao inicial foi tocando rock e
heavy metal. Aos poucos, foi surgindo um interesse pela MPB e pela msica
instrumental. De acordo com esse meu perfil de msico popular, conhecer msica
estava relacionado principalmente ao estudo da Harmonia e da Improvisao, ao menos
esses foram os assuntos que naturalmente surgiram como contedos mais importantes
da teoria musical aplicada ao meu perfil, antes e em especial durante a graduao.
O fato que esses assuntos nortearam a minha formao acadmica, de forma
que influenciaram profundamente as minhas concepes sobre msica, o repertrio que
eu pratico e as minhas vises sobre a academia musical. A minha percepo da
importncia desses contedos foi o que me motivou a investigar esse fenmeno dos
processos de ensino e de aprendizagem da improvisao, no sentido de melhor
compreender como ele acontece, porque ele acontece dessa forma, e, ainda, qual o seu
impacto na formao dos alunos que com ele esto envolvidos.
Como eu j sugeri, Harmonia e Improvisao so assuntos de fundamental
relevncia para aqueles msicos que se enquadram no perfil, ou nos perfis, de msicos
populares. Nesse sentido, essa pesquisa acontece num momento histrico interessante,
uma vez que recentemente foi criada a habilitao em Msica Popular na Escola de
Msica da UFMG. Na verdade, o repertrio popular, e o estudo deste, tm sido
incorporados aos poucos na Escola, e eu tive a oportunidade de vivenciar um momento
de transio desse processo. Eu ingressei no curso superior de msica no incio do ano
de 2006, e me graduei no final de 2010. A habilitao de Msica Popular foi inaugurada
no incio de 2009. O trabalho de campo dessa pesquisa, realizado no ano de 2012. Estes
fatos, somados minha experincia pessoal como aluno dessa instituio, contribuiu
para construir uma perspectiva ampla sobre o assunto. Se por um lado o meu
envolvimento prvio com a instituio pode trazer algum vis para o trabalho, por outro
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meu conhecimento sobre o funcionamento da Escola e a facilidade de acesso no
trabalho de campo so pontos que contriburam positivamente para o andamento da
pesquisa.
Neste breve histrico motivacional eu mencionei que essa pesquisa aborda os
processos de ensino e de aprendizagem da Improvisao (assim como da Harmonia,
mas deixemos a discusso da relao entre essas duas reas para adiante) no contexto do
ensino superior, relacionada principalmente com o campo da Msica Popular. Para
prosseguir explicao mais detalhada dos objetivos dessa pesquisa necessrio antes
definir esses dois termos: improvisao e msica popular.
1.1 Msica popular e algumas de suas definies
Definir o que msica popular no um trabalho simples. Segundo Shuker, a
msica popular no possui uma definio direta ou precisa. Curiosamente, muitos
autores utilizam esse termo baseados em um senso comum, se esquivando dessa questo
da definio (SHUKER, 2001, p.5). Por sua vez, esse senso comum varia de acordo
com o contexto e, inclusive, o idioma na qual o termo utilizado.
Geralmente no Brasil, ao menos no mbito da academia musical, msica
popular possui uma definio que Middleton (1990, p.4) chama de negativa. Ou seja, o
termo definido pelo que ele no . Portanto, msica popular aquela que no erudita
nem folclrica1. O problema desse tipo de definio, que cada um desses trs termos
(popular, erudito e folclrico) engloba uma grande variedade de produes musicais, em
diversos contextos sociais e geogrficos, e que, muitas vezes, no possuem delimitaes
to demarcadas. Em primeiro lugar, a prpria msica popular surgiu atravs da
incorporao de elementos dos outros dois tipos de msica (NAPOLITANO, 2005, p.
11), portanto trata-se de uma msica hibrida. Outro problema so as dicotomias
1 As definies dos termos msica erudita e msica folclrica levariam a outras extensas discusses, que
no esto no escopo desse trabalho. Existem outros termos para designar o que chamo de erudito e
folclrico, cuja preferncia varia de autor para autor. A msica erudita pode ser chamada de clssica, por
exemplo, mas isso pode causar confuso com o perodo estilstico chamado de Clssico (CAMARA,
2008, p. 18). O termo folclrico, por sua vez, pode ser referido como msica de tradio oral, ou tnica.
Alguns autores defendem a utilizao da primeira expresso, pois consideram que o termo folclore
relaciona-se a pressupostos e mtodos cientficos ultrapassados, dos folcloristas brasileiros, em especial
queles da primeira metade do sculo XX. Eu opto por utilizar o termo folclore, porque mesmo que
existam conotaes pejorativas ele indica com certa clareza a que tipo de tradio musical eu me refiro. A
expresso msica de tradio oral no me agrada, porque muitos autores consideram que a msica popular tambm constitui uma tradio oral (uma questo que eu vou questionar e aprofundar no Captulo
4).
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sugeridas pela comparao entre os termos. Middleton (1990, p.4) exemplifica essa
questo, dizendo que a msica erudita geralmente considerada complexa e difcil, o
que implica em tratar a msica popular como simples e fcil. Todavia, o autor aponta
alguns exemplos de msicas eruditas que tem qualidades de simplicidade (como o coral
Aleluia de Handel, vrias canes de Shubert e diversas rias de Verdi). Ainda, ele
afirma que a msica de Frank Zappa no pode ser considerada simples, nem a de Billie
Holiday fcil.
As comparaes entre erudito, popular e folclrico tambm acontecem em
relao s suas maneiras de transmisso e distribuio. Em termos gerais, a msica
popular aprendida atravs de fonogramas, a msica folclrica transmitida oralmente
e a erudita por notao musical. (SHUKER, 2002, p. 228). Mais uma vez, essas
generalizaes no do conta das especificidades da grande variedade de formas de
produo musical que recebem cada uma dessas definies. Por exemplo, h alguns
gneros de msica popular, como o jazz, que so baseados tanto na notao musical
quanto nos fonogramas. Essa questo dos meios de transmisso musical ser discutida
posteriormente.
O termo popular tambm pode estar relacionado popularidade. Nesse sentido
Shuker problematiza que a msica erudita possui muitos seguidores (e, portanto, so
populares) enquanto alguns gneros de msica popular possuem audincias bem
especficas, como, por exemplo, o trash metal. Ainda, outra caracterstica que
encontrada como definio de msica popular a sua orientao comercial. Nesse caso,
a porcentagem de vendas e audincia (em rdio, TV, meios informatizados, dentre
outros) de um determinado gnero ou estilo2 quantificada. Assim, alguns gneros (que
seriam considerados populares na definio referida como negativa) so excludos do
conjunto de msicas populares, dependendo do seu percentual de consumo (SHUKER,
2002, p. 227). Existe ainda, um aspecto geogrfico relacionado abordagem comercial.
A popularidade de um gnero pode ser mundial, nacional ou regional, portanto precisa
ser relativizada.
2 De acordo com Shuker (2002, p. 145) alguns autores usam os termos gneros e estilos como
sinnimos. J outros autores podem considerar um desses dois como mais apropriados para categorizar os
tipos de msica popular existentes. Nessa dissertao eu utilizei os dois termos para me referir a essas
categorias (por exemplo, jazz, rock, blues, samba, dentre outros, podem ser identificados tanto como
gnero como estilo). Todavia eu tambm utilizo a palavra estilo (e derivados desta, como a palavra estilstico) em outras situaes, por exemplo, para me referir a caractersticas comuns sobre a maneira de tocar ou de compor de determinados artistas.
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Outra maneira de tentar definir msica popular acontece atravs da
identificao dos gneros ou estilos que a constituem (SHUKER, 2001, p. 6). O
problema dessa abordagem que essa lista nunca vai estar completa. O autor cita o
exemplo da definio feita por uma enciclopdia de msica popular (CLARKE, 1990
apud SHUKER, 2001, p. 6) que inclui os seguintes: jazz, ragtime, blues, rhythm and
blues, country, rock (e rockn roll e rockabilly), pub rock, punk rock, acid rock, heavy
metal, bubblegum e reggae. Shuker problematiza a no meno do rap, que segundo ele
estava comeando a se destacar no mercado musical dominante no momento em que
Clarke escreveu o texto. Portanto, embora seja importante identificar quais so os
estilos ou gneros que se associam ao rtulo de msica popular, essa prtica implica na
excluso daqueles que podem ser mais recentes, ou at excludos da mdia. Ainda existe
o problema anlogo ao da abordagem comercial, uma vez que essa lista teria que ser
relativizada, mundialmente, nacionalmente e regionalmente.
Na pesquisa de Feichas (2006, p. 41), a autora levanta uma lista de gneros ou
estilos bem diferente da apresentada anteriormente na enciclopdia de msica popular,
uma vez que ela se refere aos estilos de msica popular mais comuns no Brasil. Essa
lista inclui os seguintes: Samba, choro, bossa nova, MPB e a cano brasileira, rock,
pop-rock, rap, hip-hop, funk (carioca), reggae, blocos de percusso, sertanejo, pagode e
msica gospel. A autora ainda sugere outros gneros que seriam originados a partir do
hibridismo daqueles mencionados, como samba-rock, samba-reggae, mangue-beat, afro-
beat, for-rock (uma mistura de forr e rock), sertaneja-country, samba-rap, e pop-nejo.
Obviamente, essa lista no contempla todos os gneros, estilos de msica popular que
so, ou foram, produzidos no Brasil. E esse nem era o propsito da autora, e sim traar
um panorama do cenrio brasileiro para o leitor internacional. No obstante, uma lista
completa seria impossvel, devido grande diversidade de estilos que existem, os
diferentes nveis de distribuio e acessibilidade destes e das mudanas que ocorrem no
cenrio da msica popular com o decorrer do tempo.
Middleton (1990, p. 6,7) aponta que o termo msica popular existe em vrias
outras lnguas, no entanto, seus significados e distines variam de acordo com o
contexto de cada localidade. Por exemplo, Carlos Sandroni (apud CAMARA, 2008,
p.19) afirma que na Frana a expresso musique populaire se refere msica folclrica.
Segundo o autor, nesse pas no existe um termo com conotao semelhante utilizada
no Brasil.
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J no contexto dos estudos sobre msica popular, cujas bibliografias so
predominantemente escritas em ingls, aplicam-se as vrias definies discutidas
anteriormente. Entretanto, comum em muitos textos que o termo msica popular
esteja se referindo mais especificamente ao rock e outros estilos baseados neste. Essa
questo exemplificada no trecho3 de Shuker (2001, p. 2):
A recente proeminncia dos estudos da msica popular retrata a centralidade
do rock e do pop como um fenmeno cultural global, associado a uma
indstria multibilionria e as muitas facetas da cultura infanto-juvenil que se
estendem a cada aspecto do estilo4.
Outro exemplo acontece no livro de Green (2001) no qual a autora descreve os
processos de aprendizado de msicos populares. No entanto, ela afirma que os
msicos que ela investigou tambm poderiam ser descritos como msicos de rock5. Nas
palavras da autora, o estilo que eles tocam pode ser mais bem descrito como msica
pop ou rock anglo-americana baseada na guitarra6 (GREEN, 2001, p. 9).
Portanto, em diversos casos encontrados nas bibliografias escritas em ingls,
msica popular quase que sinnimo de rock. O jazz, por sua vez, um gnero que
costuma ser referido como uma categoria a parte. Na resenha sobre o artigo de Simon
Frith, Is jazz popular music (O jazz msica popular?), KRNI (2008, p. 1115)
coloca que o autor responde a pergunta com um simples sim, mas que, no entanto, o
fato de no existir consenso entre tericos, msicos e espectadores sobre a questo
indica que a resposta no to simples assim.
Isso porque o desenvolvimento do jazz, ao longo do sculo XX, passou por
diversas fases. Nos seus primeiros anos, em especial nas dcadas de 1920 e 1930, as
bandas de jazz danantes eram muito populares. No entanto, a partir do
desenvolvimento do bebop, e tambm do surgimento do rock, que iria ganhar boa parte
3 Trecho escrito originalmente em ingls, e traduzido por mim. Ao longo do texto da dissertao diversos
trechos de referncias bibliogrficas estrangeiras sero apresentados em portugus, e, a no ser que exista
alguma indicao, isso quer dizer que elas tambm foram traduzidas por mim.
4 The new prominence of popular music studies reflects recognition of rock/pop music's centrality as a
global cultural phenomenon, associeated with a multi-billion dollar industry, and a many faceted pop-
youth culture reaching out into every aspect of the style.
5 Eu tenho a tese de que essa diferena entre os termos em portugus, no qual msica popular possui uma
definio ampla, e em ingls, na qual, muitas vezes ela est ligada, especificamente, ao rock, causa
confuso em muitos leitores brasileiros. No caso, faz com que esses leitores generalizem o que a autora
fala dos processos de aprendizagem de msica popular de um gnero especfico (e em uma localidade
especfica, no caso, o Reino Unido) para todos os gneros que consideramos popular no nosso pas.
6 Anglo-American guitar-based pop and rock music.
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do mercado que pertencia ao jazz, este comeou a ser reconhecido como uma msica de
vanguarda, uma msica artstica, sem conotaes comerciais.
Diversos outros exemplos da separao entre jazz e msica popular esto
presentes na literatura. Green (2001, p. 3), enumera quatro principais categorias
musicais no mundo: o jazz, a msica erudita, a popular e a tradicional. A autora assume
que ao empregar esses termos acontecem omisses e sobreposies, mas que mesmo
assim eles so teis. De todo modo, a sua definio semelhante utilizada na
academia brasileira. S que no caso do nosso pas, o jazz est enquadrado dentro da
categoria msica popular, enquanto no caso da autora ele possui uma categoria prpria.
Essa separao tambm acontece academicamente. KRNI (2008, p. 1115)
aponta que os estudos do jazz e os estudos da msica popular so campos do
conhecimento cientfico diferentes. Green (2001, p. 4) coloca que o jazz ingressou na
educao musical na dcada de 19607, primeiramente nos Estados Unidos, e que no
final deste sculo ele ocupava uma posio de destaque em diversos pases,
especialmente no ensino em nvel superior. J a msica popular, de acordo com Green
(2001, p. 5), ganhou apoio dos educadores no final da dcada de 1960, passou a fazer
parte do currculo de diversos pases na dcada de 1980 e em seguida adentrou a
educao superior. O jazz e a msica popular, portanto, possuem trajetrias acadmicas
diferentes.
A distino entre msica popular e jazz existe no campo acadmico
internacional, de forma que existem cursos superiores de jazz e de msica popular. No
Brasil, por outro lado, eu no tenho conhecimento de nenhum curso definido como de
jazz. Todavia, muitos cursos superiores de Msica Popular no nosso pas utilizam
abordagens pedaggicas e repertrios do jazz, incluindo o investigado nessa pesquisa.
possvel argumentar que a maneira como o jazz entrou para a academia
musical influenciou a sua separao do conceito de msica popular. Para que ele fosse
aceito, buscou-se comparar e colocar os seus valores estticos em p de igualdade com
os da msica erudita, assim como organizar a sua pedagogia atravs de mtodos e
conceitos parecidos (PROUTY, 2012, p. 72). De maneira semelhante, os cursos de
7 Segundo Prouty (2005), os primeiros cursos superiores de jazz surgiram na dcada de 1940 nos Estados
Unidos. Na dcada de 1950 surgiram outros, e na de 1960 houve um aumento expressivo na criao
desses cursos. Logo, os primrdios da educao institucional do jazz ocorreram antes do que Green
(2001, p.4) coloca, mas realmente comearam a ser mais expressivos a partir da dcada de 1960.
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Msica Popular no Brasil estruturaram seu currculo baseado em gneros musicais
considerados esteticamente sofisticados.
No caso da Escola de Msica da UFRJ, por exemplo, de acordo com Feichas
(2006, p. 40) o repertrio identificado como popular vem de gneros musicais
brasileiros como o samba, o choro, a MPB, a bossa nova (...) e diversas misturas entre
esses gneros e estilos8, os quais no so considerados comerciais ou ditados pela
indstria cultural9. A autora tambm aponta que a msica popular
predominantemente vocal, baseada em canes, mas existem alguns tipos de msica
instrumental baseados em uma mistura de ritmos brasileiros com uma forte influncia
jazzstica (FEICHAS, 2006, p. 40).
Os gneros ou estilos musicais apontados por Feichas constituem tradies
importantes da msica popular do nosso pas, sendo valorizados do ponto de vista
esttico. No contexto da cultura musical brasileira, conforme Feichas e outros autores
apontam, a msica vocal, na forma de cano, privilegiada. Nesse sentido, os gneros
samba, bossa nova e MPB, que so essencialmente vocais, compe o que Baia (2011, p.
39) chama de linhagem da msica popular no Brasil:
A partir da institucionalizao da MPB no final dos anos 1960,
constitui uma linha formativa que articula trs gneros samba, bossa nova e MPB que passaram genericamente a se incluir sob o guarda-chuva da sigla MPB, como a tradio da msica popular brasileira de qualidade. Este processo formativo est estudado no trabalho de diversos autores, entre os
quais Marcos Napolitano e Sean Struod. A ideia desta linguagem como
articuladora da tradio da msica popular brasileira foi dominante no
pensamento sobre esta msica at por volta dos anos 1980 e, mesmo que
perdendo fora, at hoje constitui um dos parmetros para o debate sobre a
produo e recepo da msica no Brasil.
Somado ao prestgio desse repertrio na cultura brasileira, est o valor da
msica instrumental no contexto acadmico. Isso justifica a proeminncia do choro, do
jazz e da msica instrumental brasileira, alm dos outros trs gneros mencionados por
Baia.
O choro e o jazz so essencialmente instrumentais, apesar de seu repertrio
tambm possuir msicas cantadas. O choro um dos mais antigos, se no o mais antigo,
8 The repertoire identified as popular music comes from Brazilian musical genres and styles such as
samba,choro, MPB, bossa nova () and a number of blendings between these genres and styles.
9 Popular music is neither commercial nor dictated by the cultural industry.
-
18
gnero de msica popular brasileira10
. Ele tambm est associado a uma tradio de
msica de qualidade, esteticamente sofisticada e que exige virtuosidade para toc-lo. O
valor do jazz est associado a caractersticas semelhantes a essas. Alm disso, ele um
gnero que influencia boa parte da msica instrumental brasileira, e que cujas
abordagens pedaggicas exercem forte influncia na estrutura dos cursos de Msica
Popular do nosso pas (MARTINS, 2012, p. 9).
Embora tenha afirmado que o choro seja essencialmente instrumental, e que
obviamente ele seja brasileiro, o que eu identifico como msica instrumental brasileira
no inclui esse gnero. Refiro-me ao que tambm pode ser chamado de msica popular
brasileira instrumental ou jazz brasileiro (PIEDADE, 2005, p. 197), que seriam
gneros com influncia das tradies de performance do jazz, como a exposio de um
tema seguida de improvisao. Bons exemplos seriam a bossa nova, o repertrio do
Clube da Esquina, as obras de alguns compositores como Hermeto Pascoal, Egberto
Gismonti, dentre outros. Em geral, so msicas que possuem elementos rtmicos
caracteristicamente brasileiros, mas que utilizam uma linguagem harmnica e meldica
semelhante do jazz. A bossa nova, o Clube da Esquina e vrios standards11
do jazz,
constituem um repertrio baseado em canes, mas que podem, e comumente so
interpretadas por uma formao instrumental. Ou seja, o fato da definio ser msica
instrumental no exclui que elas possam ser cantadas, mas refere-se a uma prtica
comum de grupos instrumentais.
O conhecimento de quais repertrios so trabalhados no curso de Msica
Popular na instituio investigada foi adquirido a partir da pesquisa de campo.. Adianto
que os gneros musicais praticados so muito semelhantes aos apontados na pesquisa de
Feichas (2006, p.40) na EMUFRJ. Ressalta-se que tal repertrio no claramente12
definido nas ementas das disciplinas nem no projeto pedaggico do curso.
Ao analisar o projeto pedaggico do curso de Msica Popular da UFMG, no
h indicaes de quais gneros musicais sero trabalhados. Em um trecho, o texto desse
projeto admite que o termo msica popular compreende uma srie de gneros e
10
De acordo com Napolitano (2005, p. 44), o choro surge por volta de 1870. O autor tambm aponta duas
formas musicais que representam a gnese da msica popular urbana no Brasil, a modinha e o lundu,
formas musicais que precederam o choro (NAPOLITANO, 2005, p. 40).
11 Os standards do jazz so composies extremamente conhecidas pelos msicos desse gnero musical,
as quais possuem diversas gravaes feitas por diversos msicos renomados.
12 H, no entanto, alguns indcios. O tipo de bibliografia recomendada em algumas disciplinas est
relacionada ao improviso no jazz. Alguns songbooks de bossa nova e samba so outros exemplos.
-
19
prticas musicais, ou uma diversidade de manifestaes, conforme est ilustrado a
seguir:
A habilitao em Msica Popular se dedica a uma importante expresso
artstico-cultural na sociedade, reunindo sob o mesmo signo uma imensa
diversidade de manifestaes que se por um lado tm muito em comum, so
tambm manifestaes de foras sociais muito diversas (EMUFMG, 2011,
n.p.).
Em princpio essa colocao indicaria que no h preconceitos estilsticos em
relao aos gneros musicais trabalhados na Escola, e que a proposta a incluso da
maior diversidade possvel desses gneros. No entanto, h outros trechos que indicam
que nem todos eles so valorizados no contexto do curso de Msica Popular:
As gravaes, o rdio, a TV, o cinema e, mais recentemente, os meios
informatizados, tm sua histria e seu desenvolvimento associados a esta
especialidade que a msica popular. Essa mdia responsvel pela difuso,
em quase todo o mundo, da msica nascida dessa diversidade. Assim se d a
apario de uma poderosa fora, a indstria fonogrfica, como um brao da
indstria de entretenimento, cuja ao de forma geral homogeneizante,
tendncia oposta a que fez nascer a msica popular. (EMUFMG, n.p., grifo
meu)
Alm disso, esperamos que [o aluno egresso] possa fazer diferena na
sociedade em sua atuao como msico, sendo capaz de responder aos
desafios colocados pelas sociedades miditicas urbanas que espetacularizam
as vrias dimenses da vida social e minimizam a experincia esttica.
(EMUFMG, 2011, n.p.)
O termo homogeneizante remete aos conceitos de Adorno sobre a msica
popular do comeo do sculo XX. Para o filsofo alemo a msica popular faz parte da
indstria cultural, que transforma a arte em bem de consumo, a partir da
estandardizao e do estmulo passividade do ouvinte, o qual, estimulado a ouvir
sempre os mesmos padres musicais, no reflete sobre o material musical
(NAPOLITANO, 2005, p, 33).
Ao longo da histria, as ideias de Adorno foram revisadas e relativizadas. Uma
das concepes ps-adornianas de que a msica popular possui potencial esttico e
poltico (NAPOLITANO, 2005, p. 33), mas que a indstria fonogrfica pode
corromper esse potencial. Nesse sentido possvel interpretar que o trecho que afirma
que as sociedades miditicas (...) minimizam a experincia esttica indica que a
msica popular ligada unicamente aos objetivos comerciais da indstria no possui
valor esttico, pois seria estandardizada conforme criticava Adorno. Portanto, embora o
projeto pedaggico no denomine quais gneros sero trabalhados ao longo do curso de
-
20
Msica Popular, os gneros de orientao fortemente comercial ou miditica, que no
seriam pautados por valores de inovao, no parecem ser objeto de estudo desse curso.
Outra questo que diz respeito seleo dos gneros estudados no curso de
Msica Popular est relacionada tradio da musicologia. Por exemplo, a nfase do
parmetro altura no estudo da improvisao13
algo que tambm acontece em muitas
teorias voltadas para analisar o repertrio erudito. Baia (2011, p. 228) argumenta que:
[Os musiclogos14
] tendem a privilegiar os aspectos da estruturao formal
das obras e tambm, acrescente-se um repertrio que favorea essa
abordagem, seja a msica artstica europeia ou, no caso da msica popular, o
jazz, o choro, a bossa nova, ou a msica instrumental.
De maneira semelhante, Green (2008, p. 12) afirma que o repertrio da msica
popular que faz parte do currculo das escolas da Inglaterra (o qual varia de antigas
bandas de blues at bandas como os Beatles e Queen) qualificado como autentico e
no comercial, e possui complexidade formal e harmnica suficiente para justificar o
seu estudo. Para a autora a incluso da msica popular clssica tende a reproduzir
conceitos de valores musicais tradicionais, e, por conseguinte, o que considerado
habilidade musical15.
Concluindo, possvel apontar que a definio de msica popular
predominante na academia brasileira seja baseada naquela dita negativa, que contrasta
os diversos gneros denominados populares com as tradies da msica erudita e
folclrica. No entanto, cursos de Msica Popular no abordam toda a variedade de
produo musical que se encaixa nesse rtulo, de forma que a definio desse termo no
contexto desses cursos mais restrita. No caso da UFMG, msica popular est
relacionada principalmente a gneros considerados esteticamente sofisticados, e
considerados constituintes de tradies musicais de qualidade. As citaes de Baia
(2011, p. 228) e Green (2008, p. 12) apontam que a seleo do repertrio de outros
cursos que trabalham o repertrio popular tambm se baseia em conceitos de valor
esttico e na possibilidade do seu estudo baseada na tradio da musicologia.
13
Eu argumento sobre essa nfase no Captulo 3.
14 Baia se refere a respeito do trabalho dos musiclogos ao escrever ou organizar a Histria da Msica.
No entanto, eu argumento que o privilgio da estruturao formal acontece em outras disciplinas e no
ensino de msica em geral na academia.
15 The inclusion of classic popular music has in this way tended to reproduce traditional, accepted
notions of musical value, and with those, of what counts as musical ability.
-
21
1.2 Improvisao no contexto da academia
Quando a gente fala em improvisao, voc fala assim: ah um solo em cima
duma harmonia. o bsico da improvisao. S ampliando isso ai,
improvisao tudo, n? Voc pode fazer improvisao nos acordes,
improvisao em qualquer coisa. improviso. Improviso improviso. Mas
basicamente um solo em cima de uma harmonia, o que a gente aprende.
Hugo, professor de guitarra, em entrevista.
De acordo com Cook (2007, p. 14), toda performance um ato de
improvisao. Ele argumenta que entre um solo de jazz e a execuo de uma obra
erudita para um grupo de cmara, existem mais semelhanas do que comum se
considerar. Segundo o autor, embora no primeiro caso os msicos possuam um maior
grau de liberdade, a maneira como os msicos do grupo ajustam o andamento, a
afinao, a dinmica, a articulao e a qualidade timbrca , em ambos os casos,
improvisada, uma vez que esse ajuste acontece atravs da interao proveniente do fato
de um estar escutando o outro, durante a performance.
O verbete improvisao do dicionrio The New Grove Dictionary of Music
and Musicians tambm aponta que toda performance envolve elementos de
improvisao, ressaltando que o grau em que ela ocorre varia de acordo com o
contexto. Segue o verbete:
Improvisao. A criao de uma obra musical, ou a verso final de uma obra musical, na medida em que ela tocada. Isso pode envolver a
composio imediata da obra pelos executantes, ou a elaborao ou
adaptao de uma estrutura j existente, ou qualquer coisa entre estas
condies. De certa maneira, toda performance envolve elementos de
improvisao, embora o grau de improvisao varie de acordo com o perodo
e o local. At certo ponto toda improvisao baseia-se tambm em uma srie
de convenes ou regras implcitas. O termo "extemporization16
" usado
mais ou menos como sinnimo de "improvisao". Devido sua prpria
natureza - em que a improvisao essencialmente evanescente ela um dos assuntos menos passveis de pesquisa histrica
17. (NETTL, 1980, p. 96)
Desse verbete possvel abstrair duas ideias principais. A primeira que a
prtica da improvisao faz parte das mais diversas culturas musicais, e como ela ocorre
varia muito de acordo com cada uma. A segunda que a pesquisa sobre esse assunto
16
O qual eu no encontrei uma traduo em portugus diferente de improvisao.
17 The creation of a musical work, or the final form of a musical work, as it is being performed. It may
involve the work's immediate composition by its performers, or the elaboration or adjustment of an
existing framework, or anything in between. To some extent every performance involves elements
of improvisation, although its degree varies according to period and place, and to some extent
every improvisation rests on a series of conventions or implicit rules. The term extemporization is used more or less interchangeably with improvisation. By its very nature in that improvisation is essentially evanescent it is one of the subjects least amenable to historical research.
-
22
incipiente no campo da Msica. De acordo com Nettl (1998, p. 1), a improvisao
uma arte negligenciada na academia.
Sobre esse segundo ponto possvel apontar, brevemente, que os motivos
pelos quais o estudo da improvisao incipiente esto relacionados com a
proeminncia dos estudos da tradio da msica erudita no contexto acadmico. At o
estabelecimento da Etnomusicologia havia poucos estudos e um pequeno
reconhecimento das culturas musicais no ocidentais. Ainda, os mtodos utilizados pela
musicologia, baseados principalmente no estudo da obra musical atravs da partitura,
negligenciam as questes no escritas dessa tradio, incluindo a improvisao. Nesse
contexto, a improvisao pode ser vista como subjacente ideia de obra ou
composio18
(COOK, 2007, p. 10), sendo considerada por alguns como uma tcnica, e
no uma arte19
(NETTL, 1998, p. 12).
De acordo com Prouty (2008, p. 3), a importncia da improvisao na msica
erudita diminuiu drasticamente ao longo dos ltimos dois sculos, medida que a
dependncia dos recursos escritos aumentava. O autor aponta que no comum
encontrar nos currculos dos cursos de msica erudita contedos relacionados com a
tcnica da improvisao. Berliner (1994, p. 774) tambm coloca que a improvisao
possui uma importncia histrica nessa tradio, exemplificando que os
contemporneos de Beethoven consideravam suas improvisaes em p de igualde, se
no superiores s suas composies. Alm disso, Berliner afirma que com exceo de
algumas praticas isoladas, da msica de vanguarda ou da igreja, a improvisao
desapareceu do treinamento e da performance dos msicos eruditos.
Nesse sentido, a centralidade da pedagogia da improvisao na academia est
relacionada com o jazz. A partir da criao dos cursos de jazz nos Estados Unidos,
foram desenvolvidas diversas metodologias para o estudo da improvisao, as quais
18
Composio sendo conceituada como um indivduo que compe uma obra na forma escrita (NETTL
1998, p. 4). Um dos aspectos mais relevantes nessa diferena de hierarquia entre composio e
improvisao que no contexto da msica erudita a primeira est relacionada com preparao e
disciplina, caractersticas que a segunda no possuiria.
19 Ingold (2001, p. 17) aponta que a distino entre arte e tcnica, ou seus produtos, obra de arte e
artefato, recente. Segundo o autor, essa oposio soaria estranha no final do sculo XVII, quando
artistas no eram considerados diferentes de artesos. Ingold ressalta que os termos em latim (ars e
tekhne) que deram origem s duas palavras possuam o mesmo significado na Grcia e Roma antiga,
associados s atividades de fabricao de objetos durveis feitos por pessoas que dependiam disso para
sua sobrevivncia. No entanto, esses termos foram modificando seus significados ao longo do tempo,
sendo associados a outras oposies, como entre o trabalho intelectual e manual, entre mente e corpo,
entre criatividade e repetio, por exemplo.
-
23
foram exportadas para diversas partes do mundo, em especial no ensino superior
(GREEN, 2001, p. 4). A pedagogia da improvisao investigada nessa pesquisa, assim
como o curso de msica popular como um todo, tem forte influncia dos modelos do
jazz. Por isso importante discorrer sobre a improvisao no contexto dessa tradio.
No jazz, a improvisao geralmente considerada o elemento mais importante
(KERNFELD, 1980, p. 128). Praticamente em todos os estilos de jazz h improvisao,
tambm em vrios graus, e atravs de diferentes prticas: variando entre solistas e
acompanhadores, em msicas com menores ou maiores sees destinadas a criao de
solos improvisados e at msicas que so completamente improvisadas, do comeo ao
fim. De acordo com Kernfeld, em geral, a ateno da improvisao est voltada para o
solista, que cria solos em uma base harmnica que se repete ciclicamente, denominada
chorus. interessante considerar que os termos solo, fazer um solo e solista,
podem ser substitudos pelos sinnimos improviso, improvisar e improvisador.
Isso no exclui que o acompanhamento desse solo seja improvisado, ou mesmo que a
performance em geral tenham elementos improvisados, como por exemplo a dinmica,
a articulao e o andamento, conforme apontado por Cook (2007, p. 14).
No entanto, associar improviso com solo improvisado algo essencial para
entender o conceito de improvisao utilizado na pedagogia do jazz e na da msica
popular a qual essa pesquisa est contextualizada. Isso porque, embora os professores
investigados admitam que improvisao seja algo bem amplo, que inclui as muitas
definies tratadas nessa seo da dissertao, ensinar ou estudar improvisao no
contexto dessa pesquisa est predominantemente ligado a aprender como criar um solo
improvisado.
1.3 Objetivos da pesquisa
Prouty (2004, p. 1), dentre outros autores, afirma que os sistemas de ensino
universitrios (e por extenso as faculdades de msica) so pouco estudados
cientificamente. A pedagogia da improvisao ligada ao campo dos estudos de jazz
possui um campo de pesquisa forte nos Estados Unidos, mas poucas investigaes so
feitas em outros pases (CHESSHER, 2009, p. 14). Ao realizar uma busca20
na
Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes do Instituto Brasileiro de Informao em
20
Busca realizada no ms Fevereiro de 2013.
-
24
Cincia e Tecnologia IBICT com o termo improvisao, retornando 162
ocorrncias. As publicaes eram predominantemente das reas de Teatro, Dana e
Msica. Nas que so da rea de Msica, os temas mais ocorrentes relacionam-se a
questes analticas ou composicionais do estilo improvisatrio de um ou mais artistas,
em especial de choro e de msica instrumental brasileira. Dentre essas ocorrncias,
poucas se relacionavam com a pedagogia, e as que o faziam, focavam na pedagogia de
um instrumento especfico, ou na improvisao no idiomtica utilizada na
musicalizao, por exemplo, foco diferente da improvisao tratada nessa dissertao.
De forma que no foi encontrada nenhuma monografia que abordasse o ensino e a
aprendizagem da improvisao, no contexto da universidade.
Bollos (2008) aponta que os recentes cursos superiores de Msica Popular do
nosso pas ainda no possuem mtodos ou repertrios que possam ser considerados
obrigatrios. A autora afirma que isso se deve a incipincia desses cursos. Segundo ela,
aqueles baseados na msica erudita, que h muito j esto estabelecidos, possuem uma
sequncia pr-definida de materiais didticos e repertrios a serem utilizados em cada
estgio de desenvolvimento dos alunos. Eu no estou certo se no h mtodos ou
repertrios que so comumente usados nos cursos de Msica Popular do nosso pas,
mas de fato h pouca informao cientfica sobre quais so eles. Nesse sentido, a
presente pesquisa pretende contribuir com o conhecimento na rea, mais
especificamente sobre o contexto da improvisao na instituio investigada.
O objetivo geral dessa pesquisa descrever e analisar os processos de ensino e
de aprendizagem de improvisao na Escola de Msica da UFMG. Para faz-lo foram
investigados alunos e professores envolvidos nesses processos, considerando suas
prticas e valores a respeito do tema. A pesquisa tem um mbito descritivo, ou
exploratrio, que visa contribuir com o conhecimento de um fenmeno pouco estudado
na academia brasileira. Mas ela tambm busca analisar esse fenmeno de maneira
crtica, construindo uma reflexo sobre porque ele acontece de tais maneiras. De acordo
com Prouty (2004, p. 1)
Os estudos sobre a educao do jazz tm observado as estruturas curriculares
e mtodos pedaggicos, a fim de catalogar e documentar esses processos,
bem como para sugerir melhorias. Mas tais estudos raramente questionam
por que certos mtodos pedaggicos e currculos so favorecidos em
detrimento de outros, ou so estruturados da maneira como eles so 21
.
21
Studies on jazz education have frequently looked at curricular structures and pedagogical methods in
order to catalogue and document these processes, as well as to suggest improvement. But such studies
-
25
Mais especificamente, busquei
Conhecer quais so as caractersticas dos alunos envolvidos com esse
aprendizado: quais habilitaes eles cursam na Escola, quais so os repertrios
tocados por eles, e qual o impacto do estudo da improvisao na sua formao.
Identificar e analisar quais so as metodologias utilizadas no ensino da
improvisao na Escola de Msica e em quais repertrios ela praticada;
Situar o processo de aprendizagem e improvisao na EMUFMG em relao aos
estudos semelhantes da literatura cientfica.
1.4 Fundamentao Terica
Nessa seo eu informo quais foram os principais autores que embasaram a
pesquisa. Trata-se de uma introduo e um panorama geral das principais fontes
bibliogrficas utilizadas. A reviso de literatura completa dessa investigao
apresentada nos prximos captulos, integrada apresentao e anlise dos dados.
Entre os principais temas compreendidos na bibliografia utilizada esto:
1. Educao Musical
2. Ensino Superior
3. Msica Popular
4. Jazz
A maioria dos trabalhos consultados dialoga com dois ou mais desses temas.
Em relao ao campo do conhecimento, possvel afirmar que predominam trabalhos
da Educao Musical, mais especificamente sobre a Sociologia da Educao Musical e
a Etnomusicologia, essa em especial no que se aplica s maneiras de transmisso do
conhecimento musical.
No incio, a Etnomusicologia tinha como objeto de pesquisa as culturas
musicais no ocidentais, ou no industrializadas. Nos ltimos anos, no entanto,
etnomusiclogos passaram a investigar contextos mais familiares a eles, utilizando os
mesmos princpios construdos para investigar as culturas das quais eles no faziam
rarely ask the question of why certain pedagogical methods and curricula are favored over others, or are
structured the way they are.
-
26
parte. Esse o caso dos trabalhos de Kingsbury (1988) e Nettl (1995), que escreveram
sobre as caractersticas do ensino de msica erudita nos conservatrios e departamentos
de msica de instituies dos Estados Unidos. Esses trabalhos foram importantes para
situar algumas tradies do ensino de msica na academia, o qual possui razes
conservatoriais.
Tambm foram realizadas consultas a teses e dissertaes sobre o ensino
superior de msica no Brasil. Feichas (2006) caracteriza os perfis dos alunos da Escola
de Msica da UFRJ, em relao s caractersticas formais e informais dos seus
processos de aprendizagem, os quais tm relao com o repertrio praticado por eles, na
msica popular e erudita. Os outros trabalhos dessa categoria foram realizados na
mesma instituio que a presente pesquisa, na Escola de Msica da UFMG. A
dissertao de Loureiro (2002) trata do ensino de Harmonia na Escola, e foi um
referencial importante na documentao da ltima mudana curricular que aconteceu na
instituio. Neto (2010) faz um trabalho semelhante ao de Feichas (2006), apresentando
as caractersticas formais e informais de aprendizado de alunos do curso de Msica
Popular da EMUFMG, especificamente na disciplina Percepo Musical. A tese de
Camara (2008) apresenta a sua sofisticada e peculiar viso sobre Harmonia baseado na
anlise de suas aulas de Improvisao na Escola. Nesse sentido, uma das principais
contribuies desse trabalho para a presente pesquisa a documentao de algumas
caractersticas dessa disciplina, ofertada em outro contexto, quando ainda no existia o
curso de Msica Popular e ela era uma disciplina optativa. Por ltimo est a dissertao
de Martins (2012), sobre a concepo de improviso no choro. Embora a maioria dos
participantes no fosse da EMUFMG, esse trabalho interessante porque ele compara
essa concepo com as da pedagogia da improvisao no jazz, a qual cabe ressaltar, ele
teve muito contato nessa instituio.
Especificamente sobre o jazz, h dois trabalhos consagrados que foram
relevantes na consulta bibliogrfica, os de Berliner (1994) e Monson (1996). So
trabalhos de cunho etnogrfico, que investigaram msicos profissionais nos Estados
Unidos. Para a presente pesquisa, destaca-se o primeiro. O enciclopdico livro de
Berliner (1994) aborda de maneira detalhada como os msicos desse gnero
desenvolvem suas habilidades para chegar a um nvel profissional. Esse livro
interessante porque ele aborda como ocorre o aprendizado de jazz em especial fora do
contexto acadmico.
-
27
J sobre a pedagogia da improvisao institucionalizada, o principal referencial
terico so os textos do musiclogo e etnomusiclogo Kenneth Prouty. Seus principais
trabalhos utilizados nessa pesquisa so sobre os repertrios e as abordagens do ensino
de improvisao (PROUTY, 2004), sobre a discusso da oralidade e da escrita no
aprendizado do jazz (PROUTY, 2006) e sobre a organizao social das faculdades de
msica a luz do ensino de improvisao (PROUTY, 2008). Esses temas tambm so
abordados em seu livro Knowing Jazz (PROUTY, 2012).
Outro autor importante para a construo desse texto Folkestad (2006), cujo
modelo eu utilizei para analisar as caractersticas formais e informais do ensino e da
aprendizagem de improvisao investigadas nessa pesquisa. Sobre esse assunto, os
trabalhos de Green (2001 e 2008) tambm foram importantes. Por ltimo, o conceito de
Comunidade de Prtica desenvolvido por Lave e Wenger (1991) tambm foi utilizado
para analisar algumas questes sobre a relao do aprendizado musical escolar e sua
intercesso com a esfera profissional fora desse ambiente.
1.5 Desenvolvimento metodolgico
A pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para
o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenrios
naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenmenos em termos dos significados
que as pessoas a eles conferem (DENZIN e LINCOLN, 2006, p. 17). Os autores
entendem como naturais, locais onde acontecem experincias do cotidiano, onde
pessoas se ajuntam e realizam atividades. Existe um contraste entre dois cenrios de
pesquisa, o experimental, ligado ao laboratrio; e o trabalho de campo, que corresponde
ao que os autores chamam de natural. Nesse sentido a metodologia qualitativa
adequada para a presente pesquisa, pois ela investiga o cenrio da Escola de Msica da
UFMG, buscando melhor entender o fenmeno do ensino e da aprendizagem da
improvisao em relao s pessoas que esto envolvidas e as tradies nas quais eles se
relacionam.
Strauss e Corbin (1998, p. 10,11) apontam que a pesquisa qualitativa indicada
para a investigao de fenmenos pouco estudados. Comumente ela utilizada em
pesquisas que envolvem pessoas e suas experincias, comportamentos, emoes alm
das maneiras como elas se organizam socialmente e culturalmente. Essa perspectiva
-
28
tambm justifica a utilizao dessa abordagem, uma vez que o fenmeno da educao
da improvisao no ensino superior brasileiro pouco estudado cientficamente.
Strauss e Corbin (1998) apresentam trs componentes principais da pesquisa
qualitativa. So eles: (1) os dados, que comumente vem de entrevistas e observaes,
mas tambm podem vir de documentos, gravaes, filmes, dentre outros; (2) os
procedimentos utilizados para interpretar e organizar os dados, (3) e informaes
escritas ou orais, provenientes de artigos cientficos, conferncias ou livros.
Ressalta-se que h diversas maneiras de se fazer uma pesquisa qualitativa.
Esta, aqui relatada, ser baseada, em grande parte, na teoria chamada Grounded Theory,
traduzida para o portugus como Teoria Fundamentada. As pesquisas baseadas nessa
metodologia so indutivas, no sentido de que as teorias so geradas atravs dos dados,
ao invs de testar hipteses pr-concebidas.
Pesquisas que utilizam a Teoria Fundamentada comeam a partir da
concentrao em uma rea de estudos, coletando dados de uma variedade de
fontes, incluindo entrevistas e observaes de campo. Uma vez recolhidos, os
dados so analisados utilizando processos de codificao e de amostragem
terica. A partir do momento em que isto feito, as teorias so geradas, com
a ajuda de procedimentos de interpretao, e, por fim, ela finalmente escrita
e apresentada. Esta ltima atividade reivindicada por Glaser e Strauss como
parte integral do processo de investigao22
. (Haig, 1996, p, 281)
Os procedimentos metodolgicos utilizados no trabalho de campo da presente
pesquisa foram observaes, questionrios e entrevistas. O primeiro e o ltimo
procedimento so comuns nas pesquisas que utilizam a Teoria Fundamentada como
metodologia. A utilizao de questionrios ambgua em relao aos tipos de pesquisa
que fazem uso deles. Eles so comuns em pesquisas quantitativas devido sua
caracterstica numrica e estatstica, no entanto, tambm so utilizados em pesquisas
qualitativas, especialmente quando eles so conjugados com outros procedimentos, o
que acontece na presente pesquisa.
Depender exclusivamente de apenas um mtodo pode gerar vieses ou
distorcer a imagem do pesquisador sobre um determinado recorte da realidade que ele
esteja investigando23 (COHEN, MANION e MORRISON, 2000, p. 112). Atravs de
22
Grounded theory research begins by focusing on an area of study and gathers data from a variety of
sources, including interviews and field observations. Once gathered, the data are analyzed using coding
and theoretical sampling procedures. When this is done, theories are generated, with the help of
interpretive procedures, before being finally written up and presented. This latter activity Glaser and
Strauss claim is an integral part of the research process.
23
Exclusive reliance on one method, therefore, may bias or distort the researchers picture of the particular slice of reality she is investigating.
-
29
uma abordagem multi-metodolgica possvel utilizar a triangulao, o que significa
olhar um contexto atravs de vrios ngulos. Segundo Cohen, Manion e Morrison
(2000, p. 112), quanto mais mtodos se contrastam, maior a convico do
pesquisador24.
Os procedimentos de interpretao e organizao dos dados so definidos
como o processo de codificao. Strauss e Corbin (1998) descrevem como isso feito.
Primeiramente, os dados de cada procedimento metodolgico so reduzidos e
conceituados; esses conceitos so agrupados em categorias e subcategorias, s quais so
atribudas relaes. Esse processo no linear, uma vez que a anlise dos dados feita
em diversos momentos da pesquisa. Questionamentos so levantados e anotados em
diversos momentos, quando os dados so obtidos, quando so analisados e na reviso da
literatura. A partir desse longo processo forma-se a teoria, fundamentada na
interpretao desses dados.
Devido a essa caracterstica circular do processo de interpretao, a reviso de
literatura no acontece plenamente antes do trabalho de campo, como acontece em
outros mtodos de pesquisa (STRAUSS e CORBIN, 1998, p. 49). Isso porque as
questes de pesquisa so geradas medida que os dados so analisados, portanto no h
como conhecer a literatura a priori.
O processo de amostragem dos estudantes investigados nessa pesquisa
definido como intencional ou terico (purposive or theoretical sampling). Mason
(2002, p. 138) aponta que nesse caso
o processo de amostragem, de gerao de dados, e de anlise dos mesmos
acontece de maneira dinmica e interativa. Isso significa que o pesquisador
qualitativo precisa no apenas trabalhar na escolha das amostras, mas
tambm em quando parar de coletar dados25
.
Laville e Dionne (1999, p. 170) citam a amostra tpica em que, a partir das
necessidades de seu estudo, o pesquisador seleciona casos julgados exemplares ou
tpicos da populao-alvo ou de uma parte desta. No caso dessa pesquisa isso significa
que as disciplinas, os estudantes e os professores que fizeram parte do trabalho de
campo foram selecionados de acordo com as premissas estabelecidas pelo pesquisador.
24
The more methods contrast with each other, the greater the researchers confidence.
25 The process of sampling, data generation and data analysis are viewed dynamically and interactively.
This means that a qualitative researcher must work out not only when to make sampling decisions, but
also when to stop sampling.
-
30
importante salientar que a metodologia aqui apresentada no hermtica.
Seus princpios foram adaptados de acordo com as necessidades do pesquisador. Strauss
e Corbin (1998, p. 13) afirmam que os procedimentos da Teoria Fundamentada no
foram projetados para serem seguidos dogmaticamente, mas para serem utilizados de
forma criativa e flexvel por pesquisadores, conforme apropriado26.
1.5.1 Observaes
Para o incio da pesquisa, o plano foi realizar observaes em disciplinas que
estivessem relacionadas temtica da improvisao (no campo da msica popular,
conforme j foi delimitado). Essas observaes foram realizadas no primeiro semestre
de 2012, e a seleo das disciplinas foi baseada na oferta do referido semestre. Foram
escolhidas as disciplinas:
Improvisao I (com duas turmas dessa disciplina, ofertadas por diferentes
professores)
Prtica de Conjunto de Msica Popular
Prtica de Conjunto de Msica Popular Brasileira
Harmonia Aperfeioamento e Performance27
Big Band
Performance em Instrumento ou Canto (no caso, foram observadas aulas do
instrumento piano)
O critrio de escolha foi a presena e a relevncia do tema improvisao em
cada uma delas. Obviamente a disciplina homnima baseada nesse tema. Na aula de
piano a improvisao trabalhada frequentemente, assim como a tcnica instrumental e
o aprendizado de repertrio. As outras disciplinas so baseadas em prtica de conjunto,
26
Were not designed to be followed dogmatically, but rather to be used creatively and flexibly by
researchers as they deam appropriate.
27 Essa disciplina foi lecionada por um professor convidado, e possivelmente no ser ofertada
novamente. A disciplina aconteceu de forma quinzenal, e alterou a estrutura planejada da disciplina
Pratica de Conjunto em Msica Popular Brasileira, que ocorria no mesmo horrio e tambm passou a ser
quinzenal, de forma que elas alternavam semana a semana.
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31
mas no repertrio tocado nelas costuma existir improvisao, em especial na forma do
chorus28
de improvisao.
O nmero de aulas observadas no foi definido a priori. Ele foi baseado no
ponto de saturao dos dados, ou seja, a partir do momento em que os dados fossem se
repertindo sem que novos significativos aparecessem. Em mdia, foram observadas sete
aulas de cada disciplina, no perodo compreendido entre os meses de Maro e Junho de
2012. A minha frequncia no foi simultnea em todas elas, de forma que algumas
foram observadas mais no comeo do semestre e outras mais ao final. As caractersticas
de cada disciplina esto descritas e analisadas no prximo captulo.
Nessa pesquisa as observaes foram realizadas de maneira semi-estruturada,
cuja metodologia se caracteriza por ter uma lista de tpicos, cujos dados so reunidos de
forma menos pr-determinada ou sistematizada29
(Cohen, Manion e Morrison, 2000, p.
315). Isso significa que eu me mantive aberto em focar questes que no foram
definidas a priori, mas que eu possua uma lista de tpicos que guiariam as primeiras
intenes do trabalho de campo. Segue a lista:
Observar a abordagem utilizada pelos professores no ensino e na prtica
da improvisao em cada disciplina.
Verificar em quais repertrios a improvisao estudada/praticada.
Observar as atitudes30 e habilidades dos alunos em relao s atividades
que envolvem improvisao
Ao observar as disciplinas, adotei posturas semelhantes, mas no exatamente
idnticas em cada uma delas. Na sala de aula, me identifiquei aos alunos como
pesquisador. Eu participava das discusses em sala de acordo com o que eu achava ser
apropriado, sem me intrometer demais, mas tomando a palavra quando julgava que meu
discurso seria de alguma forma til. Na maioria das atividades de performance, optei
por no participar, para que assim pudesse me concentrar na observao do que os
alunos estavam fazendo. Algumas excees ocorreram, como exerccios vocais, onde
no precisava ter um instrumento em mos. Na disciplina Harmonia, Aperfeioamento
28
A improvisao na msica popular costuma acontecer sobre uma estrutura harmnica definida. Muitas
vezes essa estrutura corresponde aos acordes de uma cano, e quando esses acordes so tocados, na
forma da cano tocou-se um chorus.
29 A semi-structured observation will have an agenda of issues but will gather data to illuminate these
issues in a far less pre-determined or systematic manner.
30 Refiro-me s atitudes no sentido de interpretar seus comportamentos; se eles se mostram confiantes ou
ansiosos, motivados, desconfortveis com alguma situao, etc...
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32
e Performance tambm expliquei aos alunos e ao professor o meu papel de pesquisador,
porm participei plenamente das atividades, assim como um aluno qualquer.
Cohen, Manion e Morrison (2000, p. 305) consideram que toda pesquisa
uma forma de observao participante, uma vez que no se pode estudar o mundo sem
fazer parte dele31. Gold (1958) apud Cohen, Manion e Morrison (2000, p. 305), por sua
vez, fornece a seguinte classificao dos possveis papis de observao do pesquisador:
Em um lado est o participante pleno, passando para o participante-como-
observador, em seguida o observador-como-participante, e, finalmente, o
observador pleno. O movimento da participao completa at o mximo
distanciamento32
(grifos do autor).
Nessa pesquisa o papel do pesquisador o de participante-como-observador, o
qual se identifica como pesquisador e faz parte da vida social dos indivduos
estudados, documentando e gravando os acontecimentos observados com o propsito da
investigao33 (COHEN, MANION e MORRISON, 2000, p. 310). Adiciona-se uma
ressalva, que na disciplina Harmonia, Aperfeioamento e Performance, a minha
participao foi mais prxima do papel esperado de um aluno, no qual eu tocava junto
com eles, era cobrado pelo professor da mesma maneira que eles, e assim por diante. Os
motivos pelos quais escolhi essa diferena de participao so alguns: O fato do
professor ser convidado, portanto eu tinha menos contato pessoal com ele, de forma que
ele me trataria de forma mais parecida com um aluno; me colocar no papel de aluno, na
prtica; e por motivos pessoais, devido a oportunidade de estudar com um professor
convidado, que um msico profissional renomado.
As maneiras de registro desse trabalho, assim como as formas de participao,
foram semelhantes, mas no idnticas. Em todas as ocasies eu matinha anotaes, ou
em um caderno ou em um laptop. Laville e Dionne (1999, p. 180) dividem as notas em
descritivas e analticas. As primeiras devem ser tanto quanto possvel neutros[as] e
factuais para melhor corresponder a situao observada enquanto as ltimas so
formadas pelas reflexes do pesquisador. Elas compreendem as ideias ou intuies
31
All research is some form of participant observation since we cannot study the world without being part
of it (ADLER e ADLER, 1994 apud Cohen COHEN, MANION e MORRISON, 2000, p. 305)
32 At one end is the complete participant, moving to the participant-as-observer, thence to the observer-
as-participant, and finally to the complete observer. The move is from complete participation to complete
detachment.
33 Is part of the social life of participants and documents and records what is happening for research
purposes.
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33
frequentemente surgidas no fogo da ao e logo registradas sob forma de breves
lembretes (LAVILLE e DIONNE, 1999, P. 180). Para efeito de registro, procurei
gravar em udio, atravs de um gravador digital de boa qualidade, as aulas observadas.
Alguns trechos de falas proferidos por alunos e professores nas aulas e exerccios
musicais tocados nas mesmas foram transcritos a partir desse material.
Os mtodos de observao so ferramentas poderosas para compreender
certas situaes34 (COHEN, MANION e MORRISON, 2000, p. 315). Esses autores
tambm chamam ateno para o risco das observaes serem seletivas, [mas] esse
problema pode ser atenuado pela triangulao35 (COHEN, MANION e MORRISON,
2000, p. 310).
1.5.2 Questionrios
O questionrio um procedimento metodolgico que consegue alcanar um
grande nmero de pessoas, de forma rpida e econmica (LAVILLE e DIONNE, 1999,
p. 184). O principal objetivo do questionrio dessa pesquisa foi traar o perfil dos
alunos envolvidos no que concerne as suas experincias com improvisao e a relao
dessas com os repertrios que eles tocam.
Comecei o questionrio com perguntas a respeito da identificao dos alunos
(ano de ingresso no curso, qual instrumento toca, e qual habilitao est cursando). Em
seguida os questionamentos foram sobre o repertrio dos estudantes e suas experincias
no estudo de improvisao (se j haviam estudado esse assunto antes do ingresso na
universidade, quais as suas experincias na Escola, quais suas facilidades e
dificuldades). Perguntei em quais repertrios eles a praticam e se o fazem em algum
grupo instrumental. Na ultima questo, apresentei uma srie de atividades comuns no
estudo e prtica da improvisao e pedi para que os alunos classificassem a
periodicidade destas no seu cotidiano de estudo36
.
Nas perguntas fechadas do questionrio foi disponibilizado o campo de
resposta Outro, de forma a evitar que um interrogado selecionasse uma opo que no
34
Observation methods are powerful tools for gaining insight into situations.
35 There is a risk that observations will be selective, and the effects of this can be attenuated by
triangulation.
36 O questionrio distribudo aos alunos nessa pesquisa encontra-se anexo ao final dessa dissertao (cf.
Anexo A)
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34
correspondesse sua verdadeira resposta (LAVILLE e DIONNE, 1999, p. 185). Para
responder a pergunta final (nmero 18), a respeito das atividades nas quais os
interrogados costumam praticar improvisao foram oferecidas opes em escala: Com
muita frequncia, Regularmente, Com pouca frequncia e Eu no tenho esse
hbito. Esse procedimento conhecido como escala de Likert (LAVILLE e
DIONNE, 1999, p. 183).
Cohen, Manion e Morrison (2000, p. 260) afirmam que importante conduzir
um piloto, pois ele aumenta a validade, a confiana e a praticabilidade do questionrio.
Por esse motivo, um questionrio piloto foi respondido por cinco alunos. A partir desse
teste, o questionrio mostrou-se eficaz. Algumas pequenas mudanas, no entanto, foram
realizadas, no sentido de ampliar as possibilidades de resposta. No entanto, nenhuma
questo proposta no piloto foi includa ou excluda do questionrio final. Eu aproveitei
as repostas desses questionrios pilotos, pedindo para que os voluntrios completassem
as repostas com as novas opes fornecidas no questionrio final.
Os questionrios foram distribudos no final do primeiro semestre de 2012, em
algumas das disciplinas em que realizei observaes: As duas turmas de Improvisao I,
Big Band, Prtica de Conjunto em Msica Popular e Performance de Instrumento ou
Canto (Piano). Optei por no distribuir os questionrios nas disciplinas Prtica de
Conjunto em Msica Popular Brasileira e Harmonia, Aperfeioamento e Performance
pois, pelo fato dessas se alternarem semanalmente, o tempo para o seu preenchimento
seria escasso. Adicionalmente, muitos dos alunos dessas disciplinas estavam
matriculados em algumas das disciplinas em que distribui os questionrios, logo no
havia necessidade de duplicar a entrega.
A estratgia de entrega e preenchimento de questionrios foi adaptada no
decorrer do processo, o que resultou em um maior percentual de respostas do total de
alunos de certas disciplinas do que de outras. Eu comecei a distribuio na disciplina
Big Band, da seguinte maneira: eu entreguei os questionrios aos presentes e lhes pedi
que entregassem estes preenchidos na outra semana, uma vez que para faz-lo eram
necessrios cerca de dez minutos, e eu quis evitar que os professores e alunos
perdessem tanto tempo de aula. O resultado foi que pouqussimos alunos (mesmo
pedindo por diversas semanas seguidas) me entregaram o questionrio. Em uma das
turmas de Improvisao I eu havia realizado o mesmo procedimento, e o resultado
tambm estava se repetindo. Para resolver o problema nessa turma eu encontrei alguns
alunos que chegaram antes do horrio da aula comear e pedi para que eles
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35
respondessem o questionrio imediatamente. O professor tambm me cedeu alguns
minutos no final da aula para que outros alunos respondessem e me entregassem o
questionrio na sada. Na outra turma de Improvisao I, modifiquei a estratgia e pedi
ao professor que os alunos pudessem preencher o questionrio em sala, dessa forma
quase todos os presentes naquele dia responderam. Nas outras disciplinas, parte
considervel dos alunos respondeu em casa e me trouxe o questionrio depois de uma,
ou em alguns casos, algumas, semanas. Do total de questionrios entregues nessas
disciplinas, que foram distribudos a cerca de 100 alunos, eu recebi 46 preenchidos,
incluindo os dos alunos que participaram do piloto.
Algumas das repostas analisadas nesse questionrio possuem ambiguidade, de
forma que no possvel ter certeza de que os respondentes compreenderam o teor de
determinadas questes. Por exemplo, na pergunta 17 era questionado: Voc possui
algum grupo/banda no qual ocorre improvisao?. Duas ou trs pessoas parecem ter se
referido a Big Band da Escola de Msica, porm a pergunta era no sentido de se o
respondente era vinculado a um grupo musical que se organiza extracurricularmente,
diferente de um grupo que funciona como uma disciplina da Escola. Alm da
possibilidade de se confundirem, h outros motivos para que o pesquisador no tome as
respostas como verdades absolutas. Segundo Laville e Dionne (1999, p. 185)
nem sempre possvel que esse pesquisador julgue conhecimentos do
interrogado e o valor das respostas fornecidas: um interrogado pode escolher
uma resposta sem realmente ter opinio, simplesmente porque ele se sente
compelido a faz-lo ou no quer confessar sua ignorncia. Ou ento, tendo
uma conscincia limitada de seus valores e preconceitos, forner respostas
bastante afastadas da realidade.
Por esse motivo importante que haja triangulao entre os resultados dos
questionrios com os outros dados coletados.
1.5.3 Entrevistas
As entrevistas dessa pesquisa foram realizadas aps a conduo das
observaes e questionrios. A conjuno de entrevistas com esses outros
procedimentos visou triangulao dos dados e o aprofundamento de algumas questes
a partir das concepes dos respondentes. Cohen, Manion e Morrison (2000, p. 268)
afirmam que atravs das entrevistas possvel conhecer uma pessoa a respeito do que
ela sabe (conhecimento ou informao), do que ela gosta (valores e preferncias) e do
que ela pensa (atitudes e crenas).
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36
Eu utilizei um procedimento que Laville e Dionne (1999, p. 188) chamam de
entrevista parcialmente estruturada, que consiste de
entrevistas cujos temas so particularizados e as questes (abertas)
preparadas antecipadamente. Mas com plena liberdade quanto retirada
eventual de algumas perguntas, a ordem em que essas perguntas esto
colocadas e ao acrscimo de perguntas improvisadas.
Foram realizadas entrevistas com professores da rea de Msica Popular. No
quadro de professores efetivos do Departamento de Instrumentos e Canto h quatro
professores dessa rea, dos quais trs foram entrevistados. O professor que no foi
entrevistado chegou recentemente de licena para concluir seu doutorado, portanto no
estava presente em boa parte do perodo em que realizei o trabalho de campo. Os trs
professores que participaram da entrevista tiveram aulas observadas por mim, o que
reforou minha escolha por eles, uma vez que poderia triangular os dados dessas
entrevistas com as observaes das suas aulas e questionrios dos seus alunos. um
nmero pequeno de entrevistados, mas bem representativo da rea de Msica Popular,
que a responsvel pelo ensino de improvisao a qual eu me refiro nessa pesquisa.
Organizei uma lista de tpicos37
baseado na anlise dos dados realizada at
ento e dos temas encontrados na literatura. Eu tentei formular as questes da forma
mais neutra possvel, evitando que as perguntas direcionassem as respostas dos
entrevistados. Em alguns casos isso gerava dvidas sobre o que eu queria dizer, fazendo
com que eu explicasse melhor, mas de toda forma, buscando ainda certa neutralidade.
Os tpicos compreendiam questes sobre em quais aulas esses professores
ensinavam improvisao e atravs de quais abordagens, mtodos e repertrios eles o
fazem. Procurei saber a opinio dos professores em relao s habilidades e
conhecimentos dos alunos, seu desempenho nas aulas e a importncia da improvisao
na formao deles. Dois desses professores se formaram academicamente fora do pas, e
para eles eu pedi que fizessem algum tipo de comparao entre as realidades da Escola
de Msica da UFMG e dos pases onde eles estudaram.
Ao examinar o roteiro da entrevista verifica-se que h uma lista de tpicos
organizados por temas: atividades didticas, pedagogia e importncia do estudo de
improvisao. Abaixo de alguns tpicos h outras questes, escritas em itlico,
demarcadas por linhas superiores e inferiores. Nessa organizao os tpicos eram
perguntas que seriam feitas a todos os professores, enquanto as questes em itlico
37
Essa lista encontra-se anexada ao final dessa dissertao (cf. Anexo B).
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37
tratavam de possveis desdobramentos do tpico anterior, que poderiam ser perguntadas
ou no, dependendo do contexto da conversa. Por exemplo: a pergunta o que voc
recomenda para os alunos praticarem improvisao era um tpico que deveria ser
perguntado a todos entrevistados. Em seguida havia uma questo opcional (em itlico)
que era os alunos costumam fazer muitas transcries de solo. Se a resposta ao
primeiro tpico j contivesse o assunto de transcrio como sugesto de prtica da
improvisao, no havia necessidade de repetir a pergunta.
A maioria dos tpicos foi respondida nas trs entrevistas, exceto em uma, na
qual no houve tempo hbil para concluir o roteiro por completo. Todavia essa
entrevista foi muito rica (e extensa), de forma que eu no considerei que a falta de um
ou dois tpicos tenha prejudicado a qualidade da informao obtida.
O fator tempo foi de certo modo problemtico. Agend