sexta-feira, 06 de setembro de 1996 ii série-rc número 18
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Sexta-feira, 06 de Setembro de 1996 II Série-RC — Número 18
VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 05 de Setembro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10
horas e 25 minutos.
Procedeu-se à discussão das propostas relativas ao artigo
20.º constantes dos diversos projectos de revisão
constitucional. Usaram da palavra, a diverso título, além do
Sr. Presidente, que também interveio na qualidade de
Deputado do PS, os Srs. Deputados Cláudio Monteiro (PS),
Barbosa de Melo (PSD), Odete Santos (PCP), Alberto
Martins (PS), Luís Marques Guedes e Francisco José
Martins (PSD), Strecht Monteiro e José Magalhães (PS),
Luís Sá e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 12 horas e 55
minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 25 minutos.
Não sei se os Srs. Deputados ainda têm algo a acrescentar ao que já foi dito relativamente ao artigo 16.º ou
se podemos desde já passar à discussão do artigo 20.º. De qualquer modo, se o quiserem fazer, têm agora
essa possibilidade.
Pausa.
A discussão mostrou, para já, a falta de viabilidade da proposta do PSD, que pretendia alterar o n.º 1 do
artigo 16.º, e das propostas do PS e do PCP, que pretendiam fazer um aditamento ao mesmo número.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): — Sr. Presidente, como primeira aproximação, penso que a discussão está
feita.
O Sr. Presidente: — Então, nesse caso, passamos à discussão do artigo 20.º, cuja epígrafe é «Acesso ao
direito e aos Tribunais».
Em relação ao n.º 1, há propostas do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, do PCP e de Os Verdes.
A Sr.ª. Odete Santos (PCP): — E também do PS, não é?
O Sr. Presidente: — Não, do PS não! Em relação ao n.º 1, há as propostas que enunciei, por esta ordem,
ou seja, as propostas do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, do PCP e de Os Verdes.
Se considerar que tal é necessário, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro pode apresentar a sua proposta de
alteração.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de alteração ao n.º 1 é uma
mera correcção para amenizar a própria terminologia que a Constituição utiliza, designadamente no artigo
268.º. Mais relevante do que a proposta de alteração ao n.º 1 é a proposta de alteração à epígrafe, que não sei
se vai ser discutida autonomamente.
O Sr. Presidente: — Claro! Não tinha reparado que se propunha a alteração da epígrafe, mas, se o Sr.
Deputado assim o entender, pode desde justificá-la.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Presidente, a epígrafe actualmente vigente, que diz «Acesso ao direito
e aos Tribunais», parece-me insuficiente para salvaguardar aquilo que se pretende, que é a garantia de uma
verdadeira e efectiva tutela jurisdicional. Tal significa não limitar a garantia ao acesso aos tribunais, mas,
obviamente, estendê-la também à garantia de obtenção de uma decisão que possa satisfazer os interesses
das partes em litígio.
De alguma forma, isto significa reconhecer aquilo que implicitamente já estava contido no artigo 20.º,
porventura até em conjugação com outros artigos, designadamente no que toca à justiça administrativa com o
artigo 268.º, mas parece-me que trazer para a Constituição o conceito de tutela jurisdicional efectiva era uma
mais-valia importante, até porque este é um conceito que, de certa forma, já está algo sedimentado na
doutrina não apenas portuguesa, mas, sobretudo, espanhola e alemã, de onde a expressão foi trazida para
Portugal.
Portanto, no fundo, a alteração da epígrafe corresponde a algumas alterações do próprio conteúdo do
artigo, em concreto dos restantes números do artigo, e era nesse sentido que eu entendia ser útil este avanço,
dado que me parece algo limitado falar apenas em «acesso aos tribunais». De facto, não basta garantir que os
cidadãos tenham acesso aos tribunais, é preciso garantir que os cidadãos possam ali obter a justiça que
pretendem.
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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, há uma distonia entre o
seu escrito e a sua oralidade. O Sr. Deputado falou em «tutela jurisdicional efectiva» e escreveu «tutela judicial
efectiva». Acho que a sua fala é mais expressiva e mais de arrematar do que a escrita e, como tal, penso que
seria bom mudar o texto.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Não tenho nenhuma objecção a isso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): — É que a expressão «jurisdicional» é mais aberta!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Como digo, não tenho qualquer objecção, sobretudo no sentido em que
isso amplia, dado que abrange alguns órgãos que…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): — Os tribunais em geral, qualquer tipo de tribunal!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Exactamente! E até, eventualmente, órgãos que, sob a forma
jurisdicional…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): — O cidadão pode ter o direito e ter o amparo recorrendo a um tribunal
arbitral, por exemplo.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Deputado, creio que a sua sugestão é pertinente, sobretudo porque
vai para além daquilo que o próprio texto da proposta continha.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, como as propostas do PCP e de Os Verdes são diferentes desta,
talvez fosse conveniente isolá-las e discuti-las uma a uma.
Está à discussão esta proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro apresentada nos termos em que
ouvimos e alterada e nos termos acabados de ser adoptados pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, nós não temos nada a objectar à proposta, porque não
seguimos uma ideia ontem aqui amplamente explanada que defendia que o que já estava na Constituição não
se devia alterar em nada.
Entendemos, no entanto, que o direito de acesso ao Direito já implica aquilo que o Sr. Deputado quer
clarificar na epígrafe. Cremos que o que está disposto no artigo 20.º não é apenas o direito de obter
formalmente uma decisão, mas também o de obter essa tutela efectiva. Como digo, não temos nada a
objectar, mas gostaríamos que ficasse clarificado que isso já está no actual artigo 20.º.
O Sr. Presidente: — O PSD quer pronunciar-se sobre o fundo da proposta?
Pausa.
O Partido Socialista quer pronunciar-se sobre esta proposta?
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, nós encaramos esta como uma possibilidade a ponderar,
sendo certo que a questão que se nos levanta é a de saber se o acesso ao Direito não engloba já uma ideia
de tutela, uma ideia de informação, e se alguma tutela que está aqui admitida neste artigo tem carácter
jurisdicional. Portanto, é esta a nossa dúvida, mas estamos receptivos a ponderar esta possibilidade.
O Sr. Presidente: — Saliento que não está em discussão apenas a questão da rubrica, mas também a
substituição da expressão «interesses legítimos» pela expressão «interesses legalmente protegidos».
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O Sr. Alberto Martins (PS): — Quanto a isso, estamos de acordo, Sr. Presidente.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Eu não me pronunciei em relação a isso.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª. Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, penso que isso estabelece alguma conformidade com o
artigo 250.º, n.º 2, da Constituição, porque é efectivamente essa a expressão que nele é utilizada. Não me
parece, à primeira vista, que haja objecções de fundo a esta expressão.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Penso que a Sr.ª Deputada se queria referir ao artigo 205.º.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Tem razão, é o 205.º!
O Sr. Presidente: — Em todo o caso, são equivalentes!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Troquei os algarismos!
Para além disso, Sr. Presidente, entendo, como é obvio e me parece que se deve entender, que na
expressão «interesses legalmente protegidos» este «legalmente» engloba também todas aquelas situações
em que, não havendo um artigo expresso e uma disposição legal, o juiz deverá procurar, dentro do
ordenamento jurídico que existe, uma disposição para contemplar o direito da pessoa.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Barbosa de Melo, gostaria de o ouvir quanto a este ponto.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): — Eu devo confessar tristemente que estava a pensar noutra coisa neste
exacto momento!
Risos.
O Sr. Presidente: — Está relevado o facto de estar noutra «nuvem»!
Risos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à questão da epígrafe, o
Professor Barbosa de Melo já formulou a nossa opinião. Em princípio, vemos com simpatia esta proposta de
alteração, eventualmente deixando a reflexão que o Professor Barbosa de Melo deixou de se optar pela
expressão «tutela jurisdicional» em vez de «tutela judicial». De qualquer modo, a posição do PSD é de
receptividade a este tipo de alteração.
Quanto ao conteúdo n.º 1, uma vez que penso que o Sr. Presidente pediu para analisar as duas coisas em
conjunto, compreendemos também o que é proposto. No entanto, pensamos que devíamos reflectir um pouco
mais, porque se é certo que no artigo 205.º, como a Dr.ª Odete Santos referia, é utilizada a expressão
«interesses legalmente protegidos», é-o a respeito dos tribunais propriamente ditos e da função jurisdicional
que lhes cabe. Sucede, porém, que o objectivo do artigo 20.º, conforme o próprio Dr. Cláudio Monteiro acabou
de referir e como decorre da alteração por si proposta para a epígrafe, é o de ter uma perspectiva o mais
ampla possível. Ora, uma vez que o conceito de «interesses legítimos» talvez seja mais vasto — e este
«talvez» é a reflexão que penso que devíamos fazer — do que o conceito de «interesses legalmente
protegidos» e se, como tal, o objectivo deste artigo 20.º é um objectivo mais aberto do que o do 205.º, que é
fixado na função jurisdicional dos órgãos de soberania que são os tribunais, valia a pena pensamos se vale a
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pena guiarmo-nos apenas pela preocupação de adequar a terminologia de um lado e de outro. Digo isto
porque, de facto, o objectivo do artigo 205.º é eventualmente mais dirigido e o do artigo 20.º é mais aberto.
De qualquer maneira, compreendemos perfeitamente a proposta e temos toda a receptividade para a
encarar. Penso apenas que talvez valesse a pena fazermos esta reflexão, quiçá em conjunto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Presidente, talvez eu tenha sido um pouco parco na explicação da
alteração proposta ao n.º 1, porque é evidente que o objectivo principal é o de harmonizar a terminologia, mas
a harmonização da terminologia também tem um outro objectivo de clarificação que resulta da circunstância da
expressão «interesse legítimo» corresponder normalmente à ideia de uma posição processual e não à ideia de
uma posição substantiva. E no contexto deste artigo, em que se fala em direitos subjectivos, pareceu-me que
a expressão «interesses legalmente protegidos» correspondia melhor à ideia de uma posição substantiva, dos
particulares e dos cidadãos em geral, e não tanto a uma posição processual.
É verdade que essa dúvida, que por vezes se pode suscitar do ponto de vista terminológico, é mais sentida
no Direito Administrativo do que é, por exemplo, no Direito Civil. Digo isto porque no Direito Administrativo é
comum referir-se, a propósito da legitimidade das partes no contencioso administrativo, o interesse directo,
pessoal e legítimo e, por vezes, há a tendência para confundir o interesse legítimo enquanto posição
processual com o interesse legítimo ou interesse legalmente protegido enquanto posição substantiva do
particular perante a Administração.
Portanto, foi um pouco também nesta perspectiva que me pareceu útil fazer a clarificação, sendo certo que
ela não inova, precisamente porque não faz mais do que adequar a terminologia que é utilizada em outros
artigos da Constituição, não apenas naqueles que referiram como também, salvo erro, no artigo 268.º, em que
se usa a expressão «interesse legalmente protegido» a propósito da tutela jurisdicional contra os actos da
Administração. Também aqui a expressão «interesse legalmente protegido» é a utilizada.
Quanto à epígrafe, e respondendo ou clarificando a dúvida suscitada pela Deputada Odete Santos, de
facto, não há nenhuma intenção de inovar, visto que também eu entendo que o artigo 20.º já consagrava o
princípio da tutela jurisdicional efectiva ou da tutela judicial efectiva com aquela particularidade salientada pelo
Sr. Deputado Barbosa de Melo. Se há aqui alguma inovação, não é tanto na epígrafe, mas será sobretudo no
confronto da epígrafe com a alteração ao n.º 3 que também proponho. Essa, julgo eu, vai um pouco mais além
daquilo que estava estipulado no texto actualmente em vigor, não apenas na clarificação daquilo que pode ser
o conteúdo da tutela jurisdicional efectiva, como, porventura, e sem prejuízo da discussão que se fizer a
propósito do n.º 3, alargando um pouco o seu âmbito, fazendo caber nele a garantia da existência de meios de
tutela cautelar, que me parece que é uma das grandes falhas do artigo 20.º do texto actualmente em vigor.
A alteração que proponho está relacionada com a garantia da decisão útil e em prazo razoável e, portanto,
com a garantia de uma tutela provisória para as posições subjectivas enquanto a tutela definitiva não surgir.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, sinceramente, não creio que estas propostas de alteração justifiquem
longos debates, mas a verdade é que estão inscritos o Sr. Deputado Barbosa de Melo e a Sr.ª Deputada
Odete Santos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): — Sr. Presidente, só queria chamar a atenção para um ponto. A expressão
«interesses legítimos», que está no texto vigente, tem uma visível carga «administrativística» da doutrina
italiana. Trata-se de um interesse que não é um direito subjectivo, pois não é accionável directamente, mas é
um interesse que é protegido porque o poder da Administração que se lhe contrapõe é um poder vinculado.
Não é por causa do interesse do particular que a Administração é vinculada, é por causa do interesse público,
mas o particular tem uma posição coincidente com a da Administração e, por isso, o poder é vinculado e o
interesse é legítimo. É neste sentido que aqui aparece.
Pessoalmente, penso que a fórmula que está no 205.º é mais ampla, porque o interesse legítimo exclui o
interesse que se contrapõe a um poder discricionário, aquilo a que os alemães chamam de «destinação», ou
seja, uma posição subjectiva que tem apenas uma protecção procedimental. O interesse, no recto uso do
poder discricionário, é diferente de um interesse legítimo, mas o interesse, no recto uso do poder
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discricionário, também é um interesse legalmente protegido. Assim sendo, esta fórmula «abre» mais e
harmoniza o texto constitucional, pelo que me parece que aqui não há prejuízo, mas, pelo contrário, há
avanço, porque, se calhar, este «interesse legítimo» é mais restritivo do que aquilo que está no 205.º.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, parece-me que a intervenção do Sr. Deputado Barbosa de
Melo deixa pistas de reflexão. Em princípio, e conforme eu disse, não nos pareceu que a proposta, de acordo
com o entendimento que lhe demos, viesse restringir nada. De qualquer forma, penso que temos aqui um
artigo para reflectir em termos de tomarmos uma decisão futura.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, creio que é lícito concluir que há abertura para esta alteração
proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro tanto para a rubrica como para o n.º 1, sem prejuízo de nova
reflexão.
Segue-se, ainda em relação ao n.º 1, a proposta do PCP, que pretende acrescentar a expressão «(…) não
podendo a justiça ser denegada pela sua onerosidade ou por insuficiência de meios económicos.»
Têm a palavra os proponentes.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, farei uma intervenção muito rápida.
Esta proposta também se destina a clarificar aquilo que nós entendemos que já está na redacção original,
embora me pareça que a prática governativa que se verificou durante alguns anos não teve esse
entendimento, tendo-se procedido a uma alteração brutal das custas judiciais, o que, em nossa opinião,
violava o artigo 20.º, precisamente porque entendemos que as custas não podem ser de tal maneira elevadas
que afastem as pessoas dos tribunais. Temos este entendimento porque pensamos que isso equivale a negar
o direito de acesso ao Direito e aos tribunais.
Por isso, para clarificar esse artigo 20.º e o seu n.º 1, propomos a inclusão da expressão «onerosidade» da
justiça. Pensamos que é uma clarificação que será útil para o futuro.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, esta proposta do PCP está sujeita à discussão nos termos
apresentados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, compreendemos o sentido desta proposta, mas temos a
ideia de que a expressão «insuficiência de meios» na realização da justiça já poderia compreender a ideia da
causa cara. Portanto, nesse sentido, é uma questão sobre a qual iremos reflectir, mas pensamos que a justiça
nunca pode ser denegada por ser cara e só é cara se aquele que beneficia dela não tem meios para a
suportar. Nesse sentido, apesar de essa insuficiência poder compreender esses dois objectivos, não temos
reservas de fundo a apontar e iremos reflectir. Penso, de facto, que não é uma questão substantiva com
suficiente densidade, embora reconheçamos a sua pertinência.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, por acaso, tenho uma posição um pouco diferente
daquela que foi expressa agora pelo Deputado Alberto Martins, porque não me parece que se possa fazer
uma análise tão simplista da proposta aqui em causa.
Aliás, esta minha intervenção até era mais um pedido de esclarecimento ao Partido Comunista, por causa
do exacto entendimento a dar à proposta que está aqui em causa. Digo isto porque das palavras da Deputada
Odete Santos poder-se-ia entender que a proposta visava apenas impedir uma excessiva onerosidade da
justiça, nomeadamente das custas, como referiu. Mas não é isso que aqui está! A única coisa que aqui se diz
é que a justiça não pode ser denegada pela sua onerosidade, ou, dito de outra maneira, pelo seu carácter
oneroso.
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Na realidade, a questão da insuficiência de meios tem que ver com o cidadão e, portanto, é uma questão
subjectiva, no sentido em que tem que ver com um dos sujeitos, uma das partes. No entanto, a questão da
onerosidade que o Partido Comunista coloca é um dado objectivo que diz respeito ao facto de a justiça ser ou
não onerosa.
E é esta a dúvida que eu tenho, ou seja, a de saber se a proposta do Partido Comunista, a contrario, leva
quase à imposição de uma gratuitidade da justiça, por contraposição à onerosidade, ou se aquilo que o Partido
Comunista pretende é tão-só impedir que a justiça seja excessivamente onerosa. Isto é, quero saber se o
Partido Comunista apenas pretende evitar que a fasquia suba demasiado, sendo esta, portanto, uma questão
quantitativa e não uma questão qualitativa.
Faço esta pergunta porque, embora a Dr.ª Odete Santos tivesse dado a entender, acima de tudo, o aspecto
quantitativo, não me parece que seja isso que resulta do texto propriamente dito. De qualquer modo, essa
pode ser apenas uma insuficiência de entendimento ou de interpretação do texto, tal como é apresentado.
De qualquer maneira, independentemente de agradecer o esclarecimento, adianto já que o Partido Social
Democrata vê com dificuldade o facto de — embora reconheçamos que não é só isso que está em causa —
se falar apenas em insuficiência de meios económicos, porque essa expressão tem uma natureza subjectiva e
diz apenas respeito à posição do cidadão perante a justiça. Para além disso, a proposta do Partido Comunista
cria um dado objectivo do lado da própria administração da justiça, que ficará automaticamente,
independentemente dos meios dos cidadãos, obrigada a uma determinada fasquia. E, relativamente a isso, o
Partido Social Democrata tem as maiores dúvidas, porque, de facto, não há coisas gratuitas — there are no
free breakfasts — e é evidente que as coisas têm custos. O que há que fazer é garantir o acesso dos cidadãos
à justiça, como a economia de todo o número diz, ao afirmar que «a todos é assegurado o acesso ao direito e
aos tribunais».
Por outro lado, como dizia o Deputado Alberto Martins, também já está acautelada a impossibilidade de
esse acesso ser denegado por insuficiência de meios económicos. Este dado novo de tentar colocar-se uma
fasquia objectiva parece-nos um caminho errado, porque pode condicionar negativamente a boa gestão da
administração da justiça, e peço a vossa atenção para a necessidade de criarmos mecanismos de acesso
justos e em situação de dignidade para os cidadãos, assegurando-nos, depois, de que eles funcionam. Se
criarmos obstáculos a que a máquina administrativa — neste caso, a máquina da justiça — funcione em
termos de gestão eficaz, por esse meio também estaremos a inviabilizar o acesso à justiça. É por isto que
temos reservas e, portanto, agradecia que o Partido Comunista explicitasse melhor a sua proposta.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Odete Santos, tem a palavra.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, penso que o Deputado Alberto Martins não tem razão na
interpretação que faz da questão da insuficiência de meios económicos, nem me parece que por aí se possa
defender que — como, aliás, o Sr. Presidente da Comissão defende na sua Constituição anotada — o actual
artigo 20.º já proíbe a gravosidade da justiça. Parece-me que a expressão «insuficiência de meios
económicos» não tem nada a ver com o que estamos a discutir, porque a verdade é que determinadas
pessoas e empresas podem não ter insuficiência de meios económicos, mas, perante taxas de justiça brutais,
acabam por ser afastadas — e têm sido muitas vezes — de recorrer aos tribunais para exercer os seus
direitos, pura e simplesmente porque não vale a pena. E isto até tem dado resultados perversos noutro
sentido, já que deu origem à proliferação de empresas de cobranças difíceis, etc. Portanto, de facto, não é da
expressão «insuficiência de meios económicos» que se pode retirar a conclusão de que aí já está limitada a
onerosidade.
Nós não tivemos a intenção, e estamos abertos a uma outra redacção, de aqui apontar para a gratuitidade
da justiça. De modo algum! A nossa única intenção será a de colocar aqui claramente uma baliza para não se
repetir aquilo que aconteceu no passado, quando se aumentaram algumas taxas de justiça em 1000%.
Queremos, portanto, impedir que possa voltar a haver aumentos desses.
Compreendo as razões do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas o facto de a justiça ser onerosa
também não é fundamental para que ela funcione. Se assim fosse, quando se fez esse último aumento das
custas judiciais, os tribunais tinham passado todos a funcionar perfeitamente, porque os aumentos foram, de
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facto, enormes e brutais, apesar das correcções introduzidas. No entanto, não foi por isso que a máquina da
justiça ficou a funcionar perfeitamente; bem pelo contrário, depois ainda houve mais atrasos!
Parece-nos, portanto, que deveria ser explicitado aquilo que já pertence ao conteúdo de acesso ao direito e
aos tribunais, dizendo-se que não pode haver excessiva onerosidade da justiça. Dissipo as vossas dúvidas e
afirmo que não é a gratuitidade que está aqui em causa, mas apenas uma baliza ao legislador ordinário, para
não poder fazer arbitrariamente, de uma forma perfeitamente aleatória, aumentos das custas judiciais.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Dr. Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, sem prejuízo da clareza da
exposição que agora trouxe de novo ao debate, nós, do PS, estamos de acordo com o sentido da proposta.
Pensamos, no entanto, que são coisas distintas a justiça cara — que é o que se pretende evitar na proposta —
e a insuficiência de meios, se bem que saibamos que elas estão relacionadas. A justiça só é cara quando não
há meios para a suportar e, nesse sentido… Aliás, a proposta que admitimos quando falámos no processo
equitativo vem ao encontro dessa necessidade de garantir o acesso à justiça e de garantir que ele não possa
ser prejudicado por esta ser cara. Todavia, fazemos uma leitura de acordo com a qual a insuficiência
económica é não só aquilo que a Sr.ª Deputada Odete Santos disse sobre a insuficiência económica tout-
court, mas também é a insuficiência económica para a realização da justiça. O valor que aqui se pretende
alcançar e proteger já constava da nossa proposta, pelo que esta não nos parece ser uma questão essencial.
Com o espírito estamos de acordo, mas temos dúvidas se a fórmula será a mais precisa para corresponder ao
espírito daquilo que afirmou.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins
O Sr. Francisco José Martins (PSD): — Sr. Presidente, é só para trazer uma achega, em termos de
reflexão.
Tenho por bem que o conteúdo actual deste preceito já consubstancia o espírito do acesso ao direito e a
salvaguarda desse mesmo acesso (que é o que está em causa), mesmo para aqueles que efectivamente não
têm meios económicos.
Este preceito constitucional está regulamentado por um diploma onde estão estabelecidas as presunções e
também a possibilidade de todas as pessoas, singulares ou colectivas, fundamentarem a respectiva
insuficiência.
Quero sublinhar que percebo a fundamentação e o porquê da intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos
no que concerne à onerosidade, mas também devo dizer que ser oneroso ou não é um pouco abstracto, sendo
preciso criar balizas entre o que é ou não oneroso, visto que o que é oneroso para um pode não o ser para
outro. Por isso é que a lei ordinária prevê que seja o juiz a apurar onde é que há ou não possibilidade de
concessão desse apoio judiciário.
Por conseguinte, embora possa ficar uma porta aberta, creio que a redacção actual pode efectivamente,
com a regulamentação ordinária que existe no diploma, salvaguardar aquele que penso ser o espírito da
proposta do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, creio que continua a haver por parte de alguns dos Srs.
Deputados a confusão entre insuficiência de meios económicos e justiça onerosa ou, se quiserem, numa
formulação que aceitamos para o n.º 1, «excessivamente onerosa».
É que, de facto, conforme já há pouco referi, uma questão é a de saber se o cidadão individualmente
considerado, A, B ou C, quando vai ao tribunal, mesmo relativamente a uma tabela de custas moderada, não
tem meios económicos (esta insuficiência de meios económicos não é entendida em relação à generalidade
dos cidadãos, ao povo português mas, sim, a quem acede ao tribunal individualmente) e outra coisa será a de
saber se se fixou uma tabela de custas que, à partida, afasta dos tribunais o cidadão médio português, mesmo
sem insuficiência de meios económicos. Parece-me, pois, que são duas coisas distintas.
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Sr. Deputado Strecht Monteiro, autorizo que me interrompa, se quiser!
O Sr. Strecht Monteiro (PS): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada. Como sabe tão bem como eu, no apoio, ou
no patrocínio, como é chamado agora, pode abrir-se uma gradação. Isto é, não é obrigatório que haja um total
patrocínio, pode haver situações nuancées de patrocínios…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Ó Sr. Deputado, desculpe, mas acho que continua a confundir as coisas!
A justiça não pode ser de tal maneira cara que afaste os cidadãos dos tribunais, porque isso implica que se
negue o acesso ao direito! Em segundo lugar, vem a insuficiência de meios económicos, mas, à partida, o
acesso ao direito tem de garantir aos cidadãos uma justiça que não os afaste pela excessiva onerosidade. Há
pessoas de um razoável nível económico que dizem assim: «Eu, ir a tribunal para me cobrarem não sei
quanto?! Não vale a pena, isso é tão caro!». São, pois, duas coisas distintas. A não ser que queira que 70% ou
80% do povo português peça apoio judiciário — mas, se calhar, isso é mais prejudicial para os tribunais!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Monteiro.
O Sr. Strecht Monteiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, a questão que coloco, salvo o devido
respeito, é do domínio, na minha óptica, da lei ordinária. O dispositivo que aqui está não refere qual o
parâmetro da insuficiência, que consiste em, face a um dado tipo de custas, ter insuficiência de meios,
podendo não a ter face a outros, se a lei dispuser quantias menos elevadas.
Não me parece, sinceramente, que seja por via desta disposição constitucional que se possa chegar ao
desiderato que pretende. Estou de acordo consigo, mas o que lhe digo é que não conheço jurisprudência
nenhuma que denegue apoio, isto é, face à capacidade e aos encargos, que não meça se sim ou não deve
conceder apoio e de que tipo.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Desculpe que o interrompa, Sr. Deputado, mas disse que não há
jurisprudência que denegue apoio e eu pergunto: será que não conhece denegação de justiça porque as
pessoas se afastaram dos tribunais por considerarem excessivamente oneroso?
O Sr. Strecht Monteiro (PS): — Não conheço. Conheço…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Ah, não?! Sem se chegar mesmo aos tribunais? Pois olhe que há muitos
casos!…
O Sr. Strecht Monteiro (PS): — Sr.ª Deputada, a mim parece-me que o que afasta as pessoas dos
tribunais é a morosidade, a sensação de que a justiça não é célere e não responde de forma pronta. É que, se
quando sou obrigado a pleitear contra e não tenho capacidade para responder ou porque não tenho dinheiro
ou porque as custas são elevadas, vamos admitir qualquer dos parâmetros — em princípio, sei que posso
pedir apoio, pelo que não é isso que me afasta, o que me afasta são aspectos da lei ordinária —, por que é
que tenho de pagar os encargos do meu advogado? Esses encargos deveriam ser peticionados, como, aliás,
acontece noutros países europeus, e serem pagos pela parte que perde a acção. Isto resulta da lei ordinária e
não tem nada a ver com a Constituição.
Pessoalmente, é isso que defendo. O advogado pleiteia e fixa os seus honorários na própria acção…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, penso que…
O Sr. Strecht Monteiro (PS): — Sr. Presidente, quero só dizer que não me parece, sinceramente, que a
questão que está aqui em causa constitua um problema de alteração do n.º 1 do artigo 20.º. Do meu ponto de
vista, estes são problemas da lei ordinária que devem poder compaginar-se com esta discussão constitucional.
II SÉRIE-RC — NÚMERO 18
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A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, com a sua licença, queria só referir que, ao contrário do Sr.
Deputado Strecht Monteiro, entendo que a proibição da excessiva onerosidade de justiça já consta do texto
constitucional e isso não pode ser deixado para a lei ordinária. O que propomos é uma clarificação, mais nada!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, preocupa-me um pouco que, perante propostas cujo sentido me
parece evidente, se criem depois quiproquós sobre as mesmas.
O que me parece evidente nesta proposta é que ela visa estabelecer uma limitação constitucional ao custo
da justiça, e isso não está cá. Como tal, a questão de se saber se deve ou não estar é uma questão de opção
político-constitucional.
Parece-me óbvio o que se quer dizer com a proposta e, portanto, trata-se de saber se os Srs. Deputados
concordam ou não que a Constituição estabeleça um limite à taxa da justiça. Tal como existe um princípio da
gratuitidade da saúde ou do ensino, o que a Sr.ª Deputada Odete Santos quer é que se estabeleça um
parâmetro constitucional de limitação dos custos da justiça.
Assim, se os Srs. Deputados entendem que isto não deve ser incluído na Constituição, votam contra ou
pronunciam-se contra, se entendem que deve ser incluído, aderem à posição da Sr.ª Deputada Odete Santos.
Agora, parece-me que não devemos estar a «patinar» numa discussão em que, a meu ver, falha aquilo que
está realmente em causa.
Creio que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tem razão, no sentido de que o que está em causa é saber
se a Constituição deve ou não prever uma limitação do custo da justiça. Pessoalmente, entendo que não deve
prever e, portanto, não apoiaria a proposta da Sr.ª Deputada Odete Santos, mas quem entende que esta é
uma razão para não votar favoravelmente a proposta deve assumi-lo claramente.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, julgávamos que a proposta tinha o alcance que a Sr.ª
Deputada Odete Santos lhe tinha dado no início, e mesmo no remate, ou seja, uma mera explicitação do texto
actual, o qual diz respeito à insuficiência de meios económicos, mas visto este sentido ser também possível,
dado que a proposta é completamente equívoca, gostaria de fazer algumas considerações.
Em primeiro lugar, como foi evidenciado durante o debate (com apreciável confusão, aliás), nos termos em
que está redigida, a proposta permite três dimensões de apreciação. A primeira é a ideia de que se quereria
dar uma directriz no sentido do controlo dos custos e, nesse sentido, a proibição de onerosidade ou de
denegação por onerosidade significaria que nada seja mais caro do que deva ser objectivamente, numa óptica
de economia de meios, porque a justiça custa dinheiro, como disse o Deputado Luís Marques Guedes, e «não
há almoços de graça», o povo paga a justiça e pagará sempre a justiça, há meios públicos para esse efeito.
Assim, numa óptica de governo reinventado e de economia de meios, a onerosidade deve ser controlada
— esta é primeira directriz possível, a primeira acepção possível.
Manifestamente, não é isso que os Srs. Deputados proponentes quiseram e duvido que tivesse pertinência
introduzir uma norma neste sentido. Ela existe, no fundo, quando a própria Constituição aponta para que a
Administração Pública seja, em todas as dimensões, racional, estruturada, etc.
A segunda dimensão possível é a da discussão da onerosidade como nunca podendo representar um
impedimento para a justiça. Ou seja, por mais caro que seja, faça-se, se é necessário para não denegar
justiça. Esta é a segunda interpretação, tão equívoca é a proposta. É preciso exame de DNA? Faça-se! É
preciso transportar os juízes por helicóptero? Faça-se! Que nada, em termos de custo, seja limite? Também
não é isso, manifestamente, que os Srs. Deputados propõem!
A terceira dimensão é a de que as limitações não sejam pessoalmente relevantes, e essa é a dimensão
clássica. Mas essa, Srs. Deputados, está recoberta, como este debate provou claramente, inequivocamente.
O Sr. Presidente aventa ainda uma hipótese de salvação, que é a introdução de um parâmetro
constitucional limitativo de custos. Mas como é que esse parâmetro constitucional está delimitado? Qual é a
espessura, a densidade que desse parâmetro constitucional, como estalão para o legislador ordinário? É
vaguíssimo, impreciso e, nesse sentido, ou não tem nenhum valor constrangente ou é uma intenção piedosa.
Como tal, Sr. Presidente, não vemos, com toda a sinceridade, que o debate prove a bondade da proposta,
embora em si mesmo tenha sido útil clarificar o sentido do artigo 20.º.
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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, devo dizer que penso que hoje esse elemento já é sindicável no limite,
na margem.
O Sr. José Magalhães (PS): — Exacto!
O Sr. Presidente: — É sindicável em termos constitucionais; agora, isso é na margem, em termos
concretos. Entendo é que não deve haver uma fórmula geral, que seria necessariamente geradora da maior
conflitualidade sempre que houvesse qualquer elevação da taxa de justiça. Penso que se deve deixar à justiça
constitucional avaliar, na margem e no limite, se o custo da justiça é ou não impedimento efectivo ao exercício
do direito à justiça. É este o sentido da minha expressão: o facto de eu entender que não seria vantajoso
estabelecer um princípio objectivo explícito de limitação dos custos da justiça.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, quero só referir um elemento que talvez possa ser clarificador.
Em termos doutrinários, creio que a boa doutrina aponta exactamente para a ideia de que a justiça não
pode ser excessivamente onerosa, e isto não tem a ver com o problema da insuficiência de meios mas, sim,
com o facto de ser excessivamente onerosa para o cidadão comum. Tem a ver com o exemplo da pequena e
média empresa que pondera, por exemplo, se é mais barato recorrer à justiça ou fazer um investimento
qualquer, ou com o cidadão que pondera se é mais conveniente comprar o electrodoméstico ou recorrer à
justiça.
Cito, de resto, o Professor Joaquim Gomes Canotilho e o Dr. Vital Moreira, que afirmam exactamente que
incumbe à lei assegurar a actuação desta norma constitucional, não podendo, por exemplo, o regime de
custas judiciais ser de tal modo gravoso que torne insuportável o acesso aos tribunais,…
O Sr. José Magalhães (PS): — No caso concreto!
O Sr. Presidente: — Digo isso face ao actual texto da Constituição!
O Sr. Luís Sá (PCP): — … separando claramente dois problemas que aqui foram por vezes confundidos: o
da denegação da justiça por insuficiência de meios e o da onerosidade da justiça.
Agora, por que é que apresentamos esta norma? É porque, apesar da boa doutrina, entendemos que o
Código das Custas Judiciais não cumpriu este desígnio e surgiram dúvidas. Para que é que serve uma revisão
constitucional? Para responder aos problemas a que a jurisprudência e a doutrina não responderam
correctamente apesar de cá estar. É este o nosso entendimento, que, aliás, ficou muito claro nas palavras da
Deputada Odete Santos.
A prática colocou esta questão…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, permita-me que o interrompa para dizer que, se a norma que os
senhores propuseram estivesse já na Constituição, o problema face ao aumento do Código das Custas
Judiciais, que era o de saber se era excessivamente oneroso ou não, mantinha-se. O que digo na anotação
referida é já face ao actual texto da Constituição, pelo que está perfeitamente de acordo com aquilo que eu
disse há pouco, isto é, que isso já é sindicável hoje, no limite, na margem, e o facto de se fazer ou não o
acrescento na norma não resolveria a questão.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, com o devido respeito, acreditamos que a discussão aqui travada,
a discussão na segunda leitura, a discussão no Plenário e a introdução de uma alteração nesta norma com a
redacção clarificadora que propusemos poderiam ser um sinal no sentido de ser efectivamente ponderada a
excessiva onerosidade da justiça, em termos que, na prática, se revelaram insuficientes. Foi esta a intenção
que esteve por detrás desta norma.
O Sr. Presidente: — Mas a intenção não está em causa!
Srs. Deputados, creio que podemos passar a outras propostas de alteração.
II SÉRIE-RC — NÚMERO 18
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O Sr. João Amaral (PCP): — Sr. Presidente, posso fazer-lhe uma pergunta?
O Sr. Presidente: — Claro, eu intervim como Deputado, posso ser questionado!
O Sr. João Amaral (PCP): — Sr. Presidente, o que lhe quero perguntar é se sustentaria um parecer
segundo o qual o actual Código das Custas Judiciais é inconstitucional por excessiva onerosidade.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, o que digo é que daria um parecer relativo ao Código das Custas
Judiciais face ao actual texto da Constituição rigorosamente nos mesmos termos em que o daria se a norma
que os senhores propõem cá estivesse.
A norma constitucional em causa está anotada exactamente no sentido de que entendo que, nos actuais
termos da Constituição, as custas judiciais têm um limite na margem. Aliás, não foi impunemente nem
gratuitamente que se impugnou a constitucionalidade do Código das Custas Judiciais sem a vossa norma,
com base no princípio que já lá está.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, se me permite uma observação telegráfica, direi se V. Ex.ª ainda
fosse juiz do Tribunal Constitucional, teria, com a nossa alteração, mais probabilidades de não ficar vencido!
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Sá, se escrevi isso sem estar explícito na Constituição, certamente
tomará pelo devido valor nominal que o êxito das minhas tomadas de posição no Tribunal Constitucional não
dependia propriamente de um princípio, que considero implícito, estar ou não explícito na Constituição.
De resto, como sabe, fui muitas vezes vencido mesmo quando invoquei normas «explicitérrimas» da
Constituição! Como tal, não garanto que a vossa norma me augurasse mais êxito do que aquele que teria sem
a norma explícita.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — O que isso quer dizer é que o PS se prepara para aumentar as custas, não
é?
Risos
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a boa disposição é bem-vinda!
Deixando de lado os aditamentos, vamos passar à proposta de alteração do n.º 2 do artigo 20.º, do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um ponto de ordem.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, penso que, antes de passarmos ao conteúdo do n.º
2 do artigo 20.º, há a considerar uma proposta de Os Verdes, que, se interpreto bem, é de inversão do n.º 2
pelo n.º 1.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, penso que as questões de sistematização deverão ser deixadas para a
altura própria.
Srs. Deputados, passamos então à proposta do PSD, de aditamento ao n.º 2 do artigo 20.º da seguinte
expressão: «(…) à protecção do segredo de justiça, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar de
advogado perante qualquer autoridade».
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, permita-me só uma correcção: o «patrocínio
judiciário» não é um acrescento, pois já consta da norma; o acrescento é o seguinte: «(…) à protecção do
segredo de justiça (…) e a fazer-se acompanhar por advogado».
05 DE SETEMBRO DE 1996
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O Sr. Presidente: — Tem toda a razão.
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo apenas por fazer uma
pequena explicitação. A parte final da proposta do PSD, «(…) fazer-se acompanhar de advogado perante
qualquer autoridade», refere-se a autoridade pública, como é evidente.
Esta proposta não carece de uma explicitação demasiado longa, pelo que diria apenas que se pretende dar
resposta àquilo que tem vindo progressivamente a constatar-se ser um grave embaraço, em algumas
circunstâncias, ao verdadeiro direito à justiça por parte dos cidadãos.
Não vale a pena dar exemplos demasiado longos, mas todos sabemos o quanto a não protecção do
segredo de justiça é violadora, de uma forma brutal e muitas vezes dramática, no sentido de não ter regresso
possível, do direito à justiça dos cidadãos. Da mesma forma, em algumas circunstâncias, a não aceitação
plena do princípio do direito de qualquer cidadão se poder fazer acompanhar, se assim o entender, por
advogado perante qualquer autoridade é também, muitas vezes, fonte de denegação do acesso à justiça.
É, pois, nesse sentido que o PSD pretende deixar claro no texto constitucional que tem de haver, quer da
parte das autoridades quer da parte das outras instâncias e dos outros agentes que se movimentam em torno
do fenómeno da justiça, uma preocupação acrescida pela protecção do segredo de justiça, que constitui, como
a realidade tem demonstrado, uma parte fundamental e integrante do direito à justiça. Em termos mais
processuais, digamos assim, pretendemos também que fique claro que todos os cidadãos têm direito, se
assim o entenderem, a fazer-se acompanhar de um advogado que melhor saiba defender os seus interesses e
os seus direitos quando tem de comparecer perante uma qualquer autoridade pública.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passo a ler o n.º 2 do artigo 20.º na redacção proposta pelo PSD. É o
seguinte: «Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, à protecção de segredo de
justiça, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar de advogado perante qualquer autoridade».
Propõe-se, pois, o aditamento das expressões «(…) à protecção de segredo de justiça (…)» e «(…) a
fazer-se acompanhar de advogado perante qualquer autoridade».
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, gostaria de fazer um comentário brevíssimo.
O artigo 20.º, n.º 2, tem tido a função, aliás meritória, de enunciar, de forma consensual e segundo uma
técnica que depois transpusemos para a lei ordinária, também por consenso, que o acesso ao direito implica,
por um lado, o direito a uma informação cabal e adequada, por outro lado, o direito à consulta jurídica e, por
outro lado ainda, o direito ao patrocínio. E isto abrange todos os ramos do Direito e todas as formas de
organização judiciária.
A questão do segredo de justiça, nos termos em que o Sr. Deputado a introduziu aqui, manifestamente de
olhos fixos no processo criminal, é uma das vertentes, é uma dimensão que o PSD interpola no meio do
enunciado constitucional. Enquanto o enunciado constitucional diz que o cidadão tem direito a informação, por
um lado, a consulta, por outro lado e a patrocínio, ou seja, a recurso efectivo aos tribunais e a instâncias
administrativas para fazer valer o seu direito e conseguir uma tutela, o Sr. Deputado interpola o direito ao
segredo de justiça entre o momento da consulta e o momento do patrocínio. Ora, devo dizer que o momento é
errado, sob o ponto de vista da narrativa sequencial, lógica e normal.
O segundo aspecto para o qual gostaria de chamar a atenção é a sede. A consagração do segredo de
justiça merece-nos todo o respeito, com nenhuma identidade entre isso e a justiça secreta, o secretismo
judiciário e tudo o mais que está arredio (basta olhar para o título respectivo da Constituição em matéria de
tribunais) do nosso sistema constitucional, mas questionamo-nos se esta é a sede própria para isso.
Em relação à natureza do comando dado ao legislador ordinário, obviamente tudo se faz nos termos da lei
e, portanto, o grau de alteração da ordem jurídica que daí decorreria seria diminuto ou limitado. Isto é, haveria
um acrescento, mas a ordem jurídica total vigente hoje em dia garante a protecção do segredo de justiça.
Esta é uma das modalidades possíveis de garantia do segredo de justiça e o quadro legal actual não se
tornaria inconstitucional pela aprovação de uma norma deste tipo. Não haveria nenhum comando positivo que
obrigasse à sua alteração num sentido ou noutro, ou seja, no terreno da lei ordinária ficaremos exactamente
II SÉRIE-RC — NÚMERO 18
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com os problemas e as dificuldades que temos hoje, com um sinal positivo de apreço pelo segredo de justiça,
na dimensão que ele protege: a eficácia da justiça e os direitos das pessoas.
Em relação ao direito a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade, ele está hoje
consagrado na lei, em determinados termos e condições, e a proposta do PSD não altera isso, uma vez que
esta consagração se faz também nos termos da lei. Como tal, a proposta do PSD não implicaria uma alteração
do status quo desse ponto de vista, em que a intervenção do advogado se pode realizar, embora com
limitações, o que o legislador ordinário fica, apesar de tudo, livre de fazer com esta redacção.
Assim, com estes limites, a proposta será por nós considerada o mais atentamente que se possa imaginar,
embora insista que a inserção sistemática do inciso respeitante ao segredo de justiça seja muito imprópria no
sítio proposto pelo PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, quero só fazer um pedido de esclarecimento ao Dr.
José Magalhães.
Percebi o que o Sr. Deputado disse e devo confessar que, da parte do PSD, o objectivo é um pouco aquele
que acabou por deixar claro na sua intervenção, ou seja, não se trata propriamente de o PSD entender que
existe uma falha grave sobre estas matérias no actual contexto mas, sim, que a revisão constitucional pode e
deve ser o momento para o legislador constituinte dar uma resposta e um enfoque a determinados aspectos
que a prática tem demonstrado serem graves empecilhos ao direito à justiça por parte dos cidadãos. Nesse
sentido, consideramos que o legislador constitucional pode dar um sinal claro de que a ordem jurídica
portuguesa e o direito à justiça comporta estes aspectos.
Quanto a esta dificuldade, estamos de acordo com a sua visão. No entanto, com toda a clareza, devo dizer
que incluímos aqui este inciso porque consideramos que, no fundo, com este n.º 2 pretende-se como que
explicitar aspectos parcelares que densificam o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.
Ora, se se pretende que o n.º 2 seja como que uma explicitação de alguns dos aspectos parcelares que
densificam o que consta do n.º 1, daquilo que é a economia deste artigo (a saber: o acesso ao direito e à tutela
jurisdicional efectiva), então vale a pena incluir, a par da informação, da consulta e do patrocínio, outros
aspectos, que são os tais que, de uma forma brutal (e nisso também concordamos consigo), que é ilegal mas
factual, têm vindo a pôr em causa, sistematicamente e de uma forma acrescida (acrescida no sentido de que
tem vindo a acontecer cada vez mais vezes), o conteúdo do direito constante do n.º 1.
Por isso é que nos pareceu que a inserção sistemática poderia ser neste n.º 2; se deverá ser antes ou
depois do patrocínio, é uma questão a ver depois.
Sr. Deputado José Magalhães, pergunto-lhe se não entende também que o n.º 2 tem o efeito útil de
explicitar alguns dos aspectos parcelares que podem densificar o direito decorrente do n.º 1. É que, se assim
for, isto é, se esta inserção for feita aqui, a questão de saber se é antes ou depois do patrocínio ou antes ou
depois da consulta é de somenos!
Como tal, pergunto se o PS concorda ou não que a função do n.º 2 é a de explicitar alguns aspectos que
densificam o acesso ao direito.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, provavelmente, a
sede mais adequada para esta matéria seria o artigo 29.º ou o artigo 32.º, que regulam a aplicação da lei
criminal e as garantias do processo criminal. Se alteramos a função capitular, de topo ou de zimbório do artigo
20.º, que é uma função de enunciado de direitos sem densificações e especificações, que depois constam de
títulos e de capítulos seguintes da Constituição (porque, verdadeiramente, o direito do acesso ao direito está
espalhado por múltiplas partes da Constituição), cometeremos seguramente o pecado de injustiça ou o pecado
de deformidade, porque a acrescentarmos o segredo de justiça teremos de acrescentar também outros
grandes valores relacionados com a transparência, com a eficácia, com a fundamentação das decisões, com a
celeridade (designadamente e com grande ênfase) e por aí adiante, tudo o que está regulado adiante.
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Portanto, parece-me que é prudente manter o carácter contido do enunciado do artigo 20.º e depois
densificar e enriquecer as especificações que estão adiante, designadamente a propósito do processo
criminal, que é o que preocupa particularmente o PSD e por razões inteiramente compreensíveis.
Enfim, Sr. Deputado, com largueza de vistas, mas creio que o debate, desse ponto de vista, merece
reforçar a convicção do partido.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.
O Sr. Francisco José Martins (PSD): — Sr. Presidente, apesar do meu colega Deputado Luís Marques
Guedes já o ter feito de uma forma elucidativa, queria chamar a atenção para a parte final da proposta do
PSD, no que concerne ao «fazer-se acompanhar de advogado perante qualquer autoridade».
Estamos a discutir um princípio constitucional extremamente importante, que é o acesso ao direito e aos
tribunais. Esta é a matriz que, na minha óptica, depois encontra expressão quanto aos direitos dos cidadãos.
Penso que é muito importante, nesta revisão constitucional, sublinhar a importância deste princípio.
O Sr. Deputado José Magalhães, há pouco, falou no artigo 32.º. Estou completamente de acordo. Aí é
intolerável manter-se aquilo que sucede actualmente, que é a permissão da Constituição — e, naturalmente, é
o teor do Código de Processo Penal —, em haver cidadãos que são defendidos em tribunal por funcionários
do tribunal, por inexistência de advogado. Isto é uma realidade! Isto é ultra-sensível! E por que não, em sede
do artigo 20.º, onde se fala de «acesso ao direito e aos tribunais», desde logo, sublinhar e chamar a atenção
para esse princípio de que não pode, quer seja em sede de processo criminal quer seja noutra óptica, um
qualquer cidadão ser presente a uma autoridade e estar num tribunal a ser defendido por alguém que não tem,
naturalmente, condições para o defender correctamente?
Por conseguinte, era tão somente para secundar o meu colega Luís Marques Guedes e dizer que penso
que esta parte final da proposta é extremamente importante e merece uma certa reflexão.
O Sr. Presidente: — Gostaria de fazer uma observação: vários outros projectos, entre os quais o do PS,
em sede própria, propõem que a actual expressão da Constituição «ser defendido por defensor» seja
substituída por «ser defendido por advogado». Portanto, essa hipótese de defesa por advogado em tribunal
está expressamente consagrada no sítio próprio por vários projectos.
O que me parece é que o vosso projecto é excessivo em não contemplar só isso. Dizem: «fazer-se
acompanhar de advogado perante qualquer autoridade». Quer dizer, por qualquer razão, vou falar com o
presidente da câmara e tenho direito a fazer-me acompanhar de advogado?! Mesmo que não esteja em causa
a contestação de nenhum direito meu nem nada?! Resultado: com alguma ironia, diria que a inflação dos
milhares de advogados por ano leva a aumentar as saídas de profissionais. Não lhe parece excessiva esta
ideia de se estabelecer constitucionalmente o direito a levar advogado em qualquer conversa ou pretensão
perante a autoridade pública, mesmo que não esteja em causa nenhum litígio, nem a contestação de nenhum
direito, nem a questionação de nenhum interesse público? Não lhe parece que esta forma é altamente
excessiva?
O Sr. Francisco José Martins (PSD): — Sr. Presidente, fico muito satisfeito, porque fiquei a saber que o
Partido Socialista corrobora, desde logo, com um princípio que é muito importante: está sensível a que há que
mexer naquilo que são as garantias de defesa dos cidadãos.
Naturalmente que é muito importante pensar nos licenciados e no exagero. Neste momento, em Portugal,
há 14 000 advogados e, se nada for invertido, no final do século, certamente, teremos 20 000, o que é um
problema grave e complicado em termos de massificação. Por isso, vemos que há licenciados em Direito que
concorrem, se calhar, a outras actividades.
No entanto, permita-se-me dizê-lo, está aqui uma proposta e é óptimo que haja abertura para a discutir. A
redacção é uma questão que obviamente será adequada, em termos de convergência de ideias, mas fico
muito satisfeito porque o essencial já foi aceite e há condições para o atingir.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, gostaria apenas de clarificar que poder-se-ia
entender do comentário do Sr. Presidente que desta proposta do PSD decorreria a obrigação do Estado ou de
alguém prover a que qualquer cidadão se possa fazer acompanhar de um advogado. Não é nada disso que
está em causa.
A única coisa que o PSD pretende — e penso que isso tem de ser compreendido por todos — é que
quando um qualquer cidadão se dirige a uma autoridade pública, seja ela qual for, mesmo o exemplo que o Sr.
Presidente deu de um presidente de câmara, se não é uma visita particular mas para tratar de um assunto
corrente, num Estado de direito democrático como queremos ser, possa, se assim quiser ou entender, fazer-se
acompanhar nessa audiência de um advogado. É apenas isto e só isto e não que o Estado seja obrigado a
dar-lhe um advogado para que ele vá à audiência.
O Sr. Presidente: — Mas não foi essa a interpretação que fiz. Esta é a interpretação correcta da vossa
parte.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — A nossa proposta é essa e não nos parece excessiva. Penso que
as autoridades públicas não se devem sentir constrangidas pelo facto de os cidadãos estarem acompanhados
de pessoas especialmente habilitadas, quando com elas conversam.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, penso que esta última formulação é excessiva, pois julgava
que tinha a ver com certas formas arbitrárias e ilegais que se verificam quando as autoridades policiais
chamam o cidadão para prestar declarações e o transformam em arguido lá e, depois, não há ali advogado…
Portanto, julgava que teria mais a ver com isso, porque quanto à outra questão, penso que a pessoa já se
pode fazer acompanhar de advogado. Creio que há um mau hábito na Administração que, quando vê um
cidadão acompanhado de advogado, fica logo «arrepiada» e repele o advogado.
De qualquer forma, penso que não é nesta área, em sede da Constituição, que essas questões
relacionadas, lamentavelmente, com práticas policiais frequentes se poderão resolver.
No entanto, quero pronunciar-me mais em relação à questão do segredo de justiça. Devo dizer, Sr.
Deputado, que tenho as mais sérias reservas quanto à inserção desta questão neste artigo e quanto a
quaisquer reforços constitucionais do segredo de justiça.
É claro que tem de haver segredo de justiça, mas hoje o seu âmbito está muito em discussão e há quem
defenda, no Ministério Público por exemplo, que é o magistrado que deve definir processualmente, face às
finalidades do segredo de justiça — que é não só a defesa do arguido, mas também questões de investigação
—, o que é que está em segredo de justiça ou não.
Ao contrário do que acontece noutros países, esta discussão ainda está um bocado incipiente, mas creio
que incluir o segredo de justiça neste artigo seria absolutizá-lo, talvez demasiadamente, e pôr em causa outros
direitos, que muitas vezes entram em conflito com o segredo de justiça, tais como o direito à informação, o
direito dos jornalistas.
Portanto, creio que não é, de facto, em sede constitucional que se deve absolutizar o segredo de justiça e
que esta é uma reflexão para, em sede de lei ordinária, debater e definir os seus parâmetros exactos.
O Sr. Presidente — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, em jeito de resposta, chamo à atenção à Sr.ª
Deputada Odete Santos que é exactamente isso que o PSD propõe. O texto do PSD diz que «todos têm
direito, nos termos da lei». Portanto, é evidente para nós que é nos termos da lei ordinária que a protecção ao
segredo de justiça terá de ser densificada. Isso, para nós, é claro. Rejeitamos totalmente, tal como a Sr.ª
Deputada fez, qualquer lógica de absolutizar a protecção do segredo de justiça. Claramente, está na nossa
proposta que é um dos aspectos que compete ao legislador ordinário.
Repito, Sr.ª Deputada, que o PSD entende que a prática, a realidade das coisas tem demonstrado, de uma
forma crescentemente gravosa, que a fraca protecção ou a violação da protecção do segredo de justiça tem
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vindo a ser uma forma terrível e dramática de violação do direito à tutela jurisdicional efectiva por parte dos
cidadãos.
Por isso é que, sem pretender absolutizar rigorosamente nada, porque não é nada disso que cá está — o
que cá está é exactamente aquilo que a Sr.ª Deputada disse —, pretendíamos apenas que o legislador
constituinte desse um sinal claro de que este é um problema cuja não densificação e aplicação correcta tem
vindo a ser um dos focos de denegação da justiça aos cidadãos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, creio que a inserção do segredo de justiça neste artigo
condicionava o legislador ordinário na forma como encararia o que é que constitucionalmente quis com o
sublinhado ao segredo de justiça. É por isso que penso que decorreria daqui uma interpretação de uma
absolutização do segredo de justiça.
Penso que as práticas que se têm verificado em relação ao segredo de justiça são perversas, mas que
decorrem de um facto: é tão excessivo actualmente o segredo de justiça em muitos casos que as pessoas não
se sentem muito vinculadas a esse excesso do segredo de justiça. Depois acontece isso que o Sr. Deputado
referiu e que é muito lamentável. Mas não é desta forma que se vai pôr cobro a essas práticas.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados a discussão fica por aqui. A proposta está feita. Existe alguma
abertura quanto ao conteúdo e reservas quanto à inserção sistemática. Haveremos de voltar, porventura
noutros lugares, a depararmo-nos com estas propostas.
Srs. Deputados, temos aqui um conjunto de propostas de aditamento de novas ideias em projectos do PS,
do PCP, do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e de Os Verdes. Algumas ideias coincidem, outras não. Em vez de
pôr à discussão propostas globais, preferia pôr à discussão separadamente cada uma das ideias.
Assim, vários projectos propõem o aditamento de um requisito de prazo razoável ou de tempo útil das
decisões judiciais como elemento de direito à protecção da justiça. Isso acontece com o projecto do PS, do
PCP, do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e de Os Verdes, em formulações diversas, mas com um objectivo
convergente.
Proporia, embora com violação do princípio formal da autonomia de cada proposta, pôr à discussão as
propostas materiais: a do PS, na parte em que propõe que «todos têm direito a que uma causa em que
tenham interesse directo e legítimo seja objecto de decisão dentro de prazo razoável»; a do PCP, na parte em
que propõe que «todos têm direito a que os tribunais decidam os processos em tempo útil»; a do Sr. Deputado
Cláudio Monteiro, na parte em que propõe que «seja objecto de uma decisão útil, tomada em prazo razoável»;
e a de Os Verdes, na parte em que propõe que «a justiça não pode ser denegada (…) por indevida dilação da
decisão». Com as diferenças que ficaram patentes, há, no entanto, uma convergência quanto à ideia. É isto
que está à discussão.
Para apresentar a proposta do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa proposta exprime, neste n.º 3 —
«dentro de prazo razoável e mediante processo equitativo» —, uma disposição que já hoje vigora na ordem
jurídica portuguesa. Tem um valor de supralei ordinária, infraconstitucional, uma vez que se aplica na
decorrência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a fórmula é, aliás, em grande medida, retirada
dela.
O que se pretende é uma garantia fundamental de processo, não havendo uma consagração substantiva
de uns direitos humanos. A ideia de processo equitativo que está na nossa proposta reconduz-se a uma ideia
que está também no texto constitucional, que é a consagração, em síntese, do princípio do contraditório e da
igualdade de armas.
O que se pretende com o «prazo razoável» é que a decisão dos tribunais seja sem atrasos, com eficácia e
credibilidade. Quando se aponta para a questão do «tempo útil», que é uma fórmula que tem também algumas
virtualidades e que é incorporada na ideia do prazo razoável, pretende-se uma decisão sem dilações indevidas
e nalguns casos — como temos na proposta seguinte, que será oportunamente defendida —, eventualmente,
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18
até com processos céleres, expeditos e eficazes como meio e condição de uma protecção jurídica adequada,
o que já existe, aliás, nalgumas das disposições constitucionais.
Portanto, esta ideia de «prazo razoável» pretende combater a morosidade da justiça e garantir a sua
celeridade. Hoje, já assim acontece em termos legais. É um dos raros casos em que o Estado português tem
sido condenado pelas organizações internacionais, sobretudo a propósito da aplicação da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem.
Neste sentido, não há aqui uma inovação legal mas apenas o conferir de uma dignidade constitucional a
uma norma que tem já hoje um valor supralegal.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, os motivos que levaram o Partido Socialista a apresentar
essa proposta correspondem, mais ou menos, aos que nos levaram a apresentar a proposta do «tempo útil».
Queria, no entanto, fazer uma reflexão em torno destas duas palavras, porque não me parece que
correspondam exactamente à mesma coisa. E, neste momento, no início deste debate, continuo a preferir a
expressão de «tempo útil» que o Partido Comunista utiliza, porque num tribunal onde, por exemplo, para uma
secção com quatro funcionários existem dois, com um juiz assoberbadíssimo de processos, o prazo razoável
pode não ser o tempo útil para o cidadão e pode corresponder a uma denegação de justiça.
Por isso, parece-me que a expressão «tempo útil» atingirá melhor os seus objectivos do que a questão do
«prazo razoável», sendo até pelo prazo razoável que o Estado poderia fugir à responsabilização por
indemnizações de prejuízos causados.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, seguindo a sua metodologia, que nos parece
correcta, deixo apenas em abstracto a ideia de que o PSD considera bastante interessante esta sugestão, mas
não exactamente na forma como ela vem formulada quer por parte do Partido Socialista quer por parte do
Partido Comunista. De facto, há uma diferença grande, como dizia a Sr.ª Deputada Odete Santos, entre o
conceito de «prazo razoável» e de «tempo útil».
O Partido Socialista faz uma separação que nos parece correcta, porque o conceito de «tempo útil», a
utilidade da decisão, é algo que é muito subjectivo e tem que ver, em concreto, com aquilo que está em causa
no processo. Portanto, genericamente, tem de ser um conceito guardado para aspectos mais importantes —
como o Partido Socialista o faz, e bem — tais como os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Mas o conceito em abstracto também existe. Ou seja, para o PSD é uma das formas graves de denegação
de justiça o facto de haver dilações perfeitamente incompreensíveis e que denegam, na prática, a existência
dessa mesma justiça.
Portanto, deixo apenas aqui a ideia de que o PSD considera muito interessante e aceitável a alteração do
texto constitucional, no sentido de introduzir neste artigo algo que tenha que ver com este conceito de que é
uma forma de denegação a justiça não poder decidir dentro de prazos razoáveis.
Diferentemente poderia ser tratado, ou não, — essa é uma questão que o Sr. Presidente colocará a seguir,
ou não, para a discutirmos — o conceito de «tempo útil». Mas aí pensamos que, a ficar consagrado, só o
poderá ser claramente para uma determinada categoria de questões. Pôr-se o «tempo útil» para toda e
qualquer causa, todo e qualquer acesso ao direito é muito complicado, porque a utilidade desse tempo varia
conforme cada um dos pleitos que estão sobre a mesa. Portanto, aí a questão é mais complicada.
Preferiríamos que houvesse uma tentativa conjunta de encontrar uma redacção adequada dentro do
conceito que temos no n.º 1 de que a justiça não pode ser denegada por uma série de razões, visto que uma
delas é, seguramente, o facto de ela não se poder efectivar dentro de um prazo que dê satisfação aos
interesses que estão em presença.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se bem percebi a sua argumentação, a sua
proposta, quanto à reinserção sistemática, estaria próximo da fórmula de Os Verdes, no sentido de que «a
justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos ou por indevida dilação da decisão».
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O Sr. Luís Marques Guedes: — Exactamente. É mais um princípio genérico.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Presidente, de facto, há uma diferença entre o conceito de utilidade da
decisão e o conceito de razoabilidade do prazo. A razoabilidade do prazo é, porventura, uma das condições
para a utilidade da decisão, mas não é seguramente a única das condições para essa utilidade.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — É condição necessária, mas não suficiente!
O Sr. Presidente: — Pode também não ser necessária. Há decisões que não são produzidas em prazos
razoáveis mas que continuam a ser úteis.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — É por essa razão, aliás, que a única divergência entre a minha proposta e
a do Partido Socialista é, precisamente, a de introduzir a expressão «decisão útil», como uma questão
autónoma em relação à questão de razoabilidade do prazo. Tem que ver com o conteúdo que se pretende dar
à efectividade da tutela jurisdicional, porque a utilidade da decisão abrange outros aspectos do processo
judicial que não apenas o da razoabilidade do prazo, designadamente algumas garantias processuais que a lei
estabelece, ou não, para que seja assegurada a utilidade da decisão.
É só por essa razão que a expressão do PCP pode ser redutora, no sentido de que pretende, de alguma
maneira, aglutinar ou assimilar dois aspectos diferenciados numa única expressão. É também a razão pela
qual a expressão «razoabilidade do prazo» deveria ser autonomizada, em relação ao problema da utilidade da
decisão, dado que há outros aspectos que contribuem para a utilidade da decisão e que não dependem
exclusivamente da questão da razoabilidade do prazo ou da questão da indevida dilação, sendo certo que há,
de facto, uma diferença em aferir essa razoabilidade em termos objectivos ou subjectivos.
Julgo que foi essa, no fundo, a distinção que pretendeu introduzir. Compreendo e admito que ela pudesse
merecer alguma ponderação, dado que o problema da razoabilidade do prazo em termos subjectivos pode
conduzir, porventura, a uma solução injusta, se as circunstâncias determinarem que é razoável, perante os
meios disponíveis, que o processo tenha aquela duração.
No entanto, independentemente dessa preocupação, julgo que há alguma vantagem em tratar
separadamente o problema da utilidade da decisão do problema da razoabilidade do prazo da mesma decisão.
O Sr. Presidente: — Mais nenhum Sr. Deputado se inscreve?
Tenho de concluir que há alguma abertura, mas que os termos têm de ser apurados. Neste momento,
parece não haver contribuições úteis para resolver essa formulação e inserção.
Posto isto, passaria a novos elementos materiais, saltando fora das construções formais. No projecto do PS
há um aditamento relativamente à exigência de «processo equitativo», que corresponde também à proposta
do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, gostaria de começar por referir que esta ideia já está em
vigor o nosso ordenamento jurídico, pelo que é dar-lhe dignidade constitucional. É, uma vez mais, uma
transposição explicita do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A ideia de «processo equitativo» tem algumas consequências práticas significativas. É uma ideia de que
cada uma das partes tem possibilidades razoáveis de defender os seus interesses numa posição não inferior à
parte contrária, salvaguardando-se, desde logo, os dois princípios básicos do contraditório e da igualdade de
armas.
Naturalmente que a doutrina tem elaborado muito sobre isto, sobretudo os comentadores da Convenção, e
tem as mais distintas implicações, desde logo implicações directas na ordem jurídica portuguesa e que,
segundo alguns comentadores e algumas apreciações, não têm sido cumpridas, como por exemplo o caso da
gratuitidade de intérprete quando ele é necessário nos julgamentos, uma vez que há algumas decisões dos
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nossos tribunais no sentido de obrigar os estrangeiros a pagarem as custas se perderem a acção. Portanto,
isto tem alguma tradução concreta.
A ideia do «processo equitativo» tem as mais distintas implicações, desde logo uma, que pode ter algumas
dificuldades e que temos de precisar com cuidado, que é a impossibilidade do julgamento de ausente sem
possibilidades de recurso. É, talvez, a questão mais complexa e que obriga a um afinamento dos tais
julgamentos à revelia, que têm de ser vistos de forma muito minuciosa mais por disposição convencional e,
porventura, menos por disposição constitucional.
De qualquer forma, parece-nos que os elementos constituintes do «processo equitativo», doutrinariamente
reconhecidos, estão em grande medida já integrados no nosso texto constitucional: a informação da acusação,
os meios de preparação da defesa, a assistência de defensor, a interrogação de todas as testemunhas no
processo acusatório. Digamos que é uma garantia plena de defesa e de igualdade de armas. A consagração
no texto constitucional decorre apenas de uma ideia de dignidade constitucional que deve ser garantida a
todos os processos, e daí pensarmos que é uma adequação ajustada.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em discussão esta ideia de aditamento da garantia de um
processo equitativo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, gostaria de fazer mais um pedido de
esclarecimento ao Dr. Alberto Martins.
Quando lemos esta proposta do Partido Socialista, e, de certa maneira, também a do Dr. Cláudio Monteiro,
que nos parece similar, ficámos com a ideia de que esta inserção aqui constitui como que uma forma de
ponderar a parte inicial do preceito. Ou seja, uma vez que se apontava para a necessidade de uma maior
celeridade para haver razoabilidade do prazo, parece que se pretende chamar a atenção para o facto de que,
em qualquer circunstância, isso não deveria implicar atropelos à equidade do sistema.
Tal como o Deputado Alberto Martins, entendemos que esta lógica do processo equitativo já está
consagrada constitucionalmente e também entendemos que, a haver, nesta revisão constitucional, um
acrescento no sentido de chamar a atenção para o facto de que os prazos não podem ser de tal maneira
longos que, na prática, por essa via, se denegue justiça, o esforço que há a fazer nesta matéria não pode
resultar em atropelos à equidade de todo o processo. Por isso, se assim for, consideramos que, de facto, não
é necessário.
Em alternativa, se o Partido Socialista entende que é mais do que isso e falta qualquer coisa no texto
constitucional, então preferiríamos que esta questão não ficasse intimamente ligada à outra ideia, pois, caso
contrário, corre-se o risco de parecer que se fala aqui em processo equitativo apenas para chamar à atenção
para o facto de que, se se pretende aumentar a celeridade, não convém que com isso se ganhem atropelos.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, a fórmula da Convenção é praticamente a
mesma que o Partido Socialista adopta. De facto, no artigo 6.º da Convenção diz-se que qualquer pessoa tem
direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente num prazo razoável.
Todo o trabalho do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem neste plano faz uma distinção clara entre o
prazo razoável e o processo equitativo. O processo equitativo reduz, como já disse, o contraditório à igualdade
de armas (o que depois se desdobra, como já tivemos oportunidade de ver) e o prazo razoável significa um
prazo sem delongas, indo ao encontro da sua ideia de que não é uma justiça apressada.
Por isso mesmo propomos, na parte seguinte, uma justiça célere, porque, como o Sr. Deputado há pouco
citou, e bem, também entendemos que a ideia do prazo razoável pode não significar tempo útil. Consideramos
que o prazo razoável é aferido em cada caso concreto, o que, no geral, significa sem atrasos mas também
sem pressa. Isto é, os processos devem ser céleres e expeditos para garantir a sua eficácia e essa tal
utilidade, e consagramos quais são esses processos: são aqueles que têm a ver com a defesa dos direitos,
liberdades e garantias.
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Portugal tem sido questionado em vários recursos (que são relativamente poucos, por falta de informação)
para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem na base do prazo razoável e não do processo equitativo.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vou ter de me ausentar durante cerca de um quarto de hora, pelo
que vou pedir ao Sr. Deputado João Amaral que presida aos trabalhos.
Entretanto, há uma questão administrativa que gostaria de pôr à consideração e, para tal ser feito em
tempo útil, tem de ser agora.
Decidimos, no outro dia, a realização da audiência com os proponentes dos projectos da revisão
constitucional e ocorreu-me que talvez fosse boa ideia experimentar, nessa ocasião, o recurso à transmissão
por TV Cabo, possibilidade que foi aventada numa fase inicial da Comissão (eu ainda cá não estava, mas
pude ver as actas).
Assim, proponho à Comissão que considere essa hipótese, pois, obviamente não me cabe a mim decidir e
terá de ser a Comissão a decidir se é ou não uma boa oportunidade para o fazer. No caso de isso acontecer, a
decisão teria de ser tomada agora para se obter, junto do Presidente da Assembleia da República, o
necessário endosso e a implementação das condições logísticas para o efeito.
Tenho a informação de que os testes técnicos estão feitos e que é possível, sem qualquer dificuldade, a
ligação da rede de televisão interna da Assembleia da República à rede da TV Cabo, pelo que a execução de
uma emissão-ensaio é perfeitamente possível, sem qualquer ónus e sem qualquer dimensão comercial.
Pela minha parte, se a sensibilidade da Comissão se mantiver positiva quanto a este ponto, entendo que
esta seria uma boa oportunidade para «injectar» simbolicamente a emissão-ensaio nesta audiência pública
com os autores de petições em matéria de revisão constitucional. É, pois, isto que deixo à vossa consideração.
Distribuirei aos Deputados de cada um dos partidos, nomeadamente aos que têm feito parte do grupo
coordenador, um projecto de ofício ao Presidente da Assembleia da República, para o caso de a Comissão
endossar a proposta que faço.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, não tenho nada a opor, antes pelo contrário, e
penso que a formulação constante do projecto de ofício é suficientemente subtil para deixar de lado aquela
dúvida que existe, como o Sr. Presidente deve saber, sobre a possibilidade legal, face à lei da radiodifusão e
até à constitucionalidade actual, de se introduzir um canal com a transmissão da RTP, visto tal poder ser
considerado como um novo canal e há actualmente uma limitação do número de canais.
O Sr. Presidente: — Creio que defendi bem…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Defendeu muito bem, não toca no assunto e, portanto, da nossa
parte, nada temos a opor!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, há um texto do Instituto de Comunicações de Portugal que
equaciona a questão e que conclui o que o ofício transcreve, nos termos que os Srs. Deputados conhecem, e
que, suponho, corresponde a uma interpretação perfeitamente correcta e razoável do quadro legal e
constitucional aplicável, uma vez que não se trata de fazer transmissões de carácter público alargado e menos
ainda de fazer outra coisa que não seja aquilo que é, de facto, um teste prático preliminar, dentro de limites
completamente balizados e para um fim de interesse público acima de qualquer dúvida. Talvez seja essa a
maior vantagem de o teste se fazer nessas condições e não noutras e dentro deste quadro.
Também me apraz sublinhar que a TV Cabo Portugal e os serviços da Assembleia da República
descobriram que a Assembleia, em tempo útil, mas sem ter conhecimento disso, tinha feito os investimentos
necessários para que a interconexão entre a rede de vídeo interna e as redes exteriores se possa fazer sem
custos significativos para a Assembleia, o que é uma boa notícia em termos de projecção da imagem pública
do Parlamento.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Existe já há vários anos!
O Sr. José Magalhães (PS): — Exacto. Existe há vários anos, o que significa que, às vezes, o tempo útil
demora a ser útil!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Há coisas que são feitas com visão!
Risos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): — Sr. Presidente, do nosso ponto de vista, nos termos em que está, com
estudos e testes preliminares, é evidente que nada há a obstar à expressão aqui usada.
O Sr. Presidente: — Nesse caso, se possível ainda hoje de manhã, porque, de outro modo, o tempo pode
ser curto, vou enviar esta nossa decisão ao Sr. Presidente da Assembleia da República. No caso de ele
concordar, e tudo indica que o fará, uma vez que já endossou esta ideia noutra ocasião, devemos prepararmo-
nos para termos a honra de a audiência (que, aliás, também é simbólica) com os proponentes de projectos de
iniciativas de revisão constitucional que vamos realizar na Sala do Senado, na próxima quinta-feira, ser
também um ensaio de trabalhos desse tipo para um auditório bastante mais largo do que aquele que pode
estar naquela Sala.
Peço agora ao Deputado João Amaral que presida à continuação dos trabalhos.
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, ainda relativamente ao ponto que estávamos a discutir, está inscrito
o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, a quem dou desde já a palavra.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Presidente, o Deputado Alberto Martins, respondendo ao Deputado
Luís Marques Guedes, acabou por esclarecer um pouco o sentido da proposta, que é, de facto, idêntico.
No fundo, quero só salientar que não se trata tanto de garantir a equidade do processo na perspectiva da
imparcialidade do juiz perante as partes mas, sim, de garantir a igualdade de armas entre as partes, que é
matéria distinta do problema da razoabilidade do prazo e, de certa forma, até distinta do problema da utilidade
da decisão.
No nosso ordenamento jurídico, há vários exemplos de situações em que essa igualdade não ocorre. Estou
a pensar no processo criminal, em que há casos em que o Ministério Público tem o direito de recurso, o que
não é garantido aos particulares, e no processo administrativo, em que há também vários casos de
desigualdade de armas entre a Administração e os particulares. Como tal, parece-me que esta ideia é
inovadora, no sentido de que acrescenta alguma coisa, visto pretender garantir uma maior equidade entre as
partes no processo, independentemente dos outros aspectos que são necessários para garantir a utilidade da
decisão.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Sr. Deputado Luís Sá, tem a palavra.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, como foi referido, creio que, neste momento, este princípio do
processo equitativo se encontra já disperso pelo ordenamento jurídico português, independentemente da sua
consagração na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que também é Direito interno, o que poderá
inclusive levar a questionar situações de processo não equitativo como as que acabam de ser referidas pelo
Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
No entanto, costuma-se dizer que, nesta matéria, todas as cautelas são poucas, toda a densificação é
bem-vinda e, nesse sentido, creio que a consagração do princípio do processo equitativo pode ser uma
contribuição para que, no plano da legislação ordinária, venha a ser reforçado o princípio da igualdade das
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armas, dos direitos de defesa, da justiça no processo em termos gerais. Nesse sentido, em coerência, aliás,
com outras cautelas que temos procurado adoptar, com menos receptividade, noutros pontos, apoiaremos a
inserção deste princípio.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, feitos os esclarecimentos nos termos em que o
foram por parte do Partido Socialista, quero apenas acrescentar à minha intervenção inicial a ideia de que o
Partido Social Democrata, à semelhança do que já tinha dito quanto ao princípio genérico da temporalidade
como forma de evitar a denegação de justiça, e compreendendo agora melhor o alcance da proposta do
Partido Socialista, também deixa aqui alguma receptividade à introdução de um descritivo deste tipo no texto
constitucional. Obviamente, vamos reflectir sobre o assunto, mas, com as explicações dadas, parece-nos que
talvez comporte um ganho acrescido para a Constituição.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Agora, de facto, não há mais intervenções, pelo que posso concluir que
a ideia que fica é a de que há abertura para a inclusão desta proposta apresentada pelo Partido Socialista e
também pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Agora, na sequência do trabalho que o Sr. Presidente Vital Moreira organizou, caberia analisar a segunda
parte do n.º 2 da proposta do PCP, isto é, a ideia do direito ao duplo grau de jurisdição. Como tal, darei a
palavra aos proponentes, neste caso à Sr.ª Deputada Odete Santos, para justificar a proposta.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que esta questão do duplo grau de
jurisdição já está consagrada no âmbito penal desde que o Tribunal Constitucional entendeu, num acórdão,
que, em processo penal, o duplo grau de jurisdição decorre da Constituição.
Nós colocamos a proposta porque entendemos que na justiça cível, e porque que se trata de sindicar actos
de magistrados que pela sua função garantem os direitos dos cidadãos, deve ser também admitido e sem
margem para dúvidas o duplo grau de jurisdição. Fazemos esta proposta até porque a forma como o legislador
ordinário veda este duplo grau de jurisdição na justiça cível, através das alçadas, me parece uma fórmula
discriminatória e, portanto, parece-me que é de afastar essa forma de vedar o direito ao recurso aos cidadãos
através de uma manipulação das taxas de justiça, dos montantes das alçadas, etc.
A questão que aqui se pode colocar — e penso que no último debate que fizemos sobre isto ela foi
colocada pelo então Deputado Almeida Santos, actual Presidente da Assembleia da República — é a que
considera que seria excessivo o duplo grau de jurisdição em determinados processos de montantes baixos.
Isto seria, portanto, um excesso, mas o Sr. Deputado Almeida Santos admitia-o desde que inseríssemos um
aditamento dizendo «salvas as excepções consignadas na lei», o que, na altura, eu até admiti.
Contudo, pensando melhor sobre este assunto, devo dizer que me parece que isto deve ser contemplado
sem excepções. O que sucede é que há causas que para uns são de valor diminuto e para outros têm muito
valor e não deve ser colocada nas mãos de um só juiz a possibilidade de decidir sobre aquela causa. Posso
citar, por exemplo, um caso de diferenças salariais decorrentes de uma discussão sobre categoria profissional
que não atinge o montante da alçada, não admite recurso (e a discussão sobre categorias é sempre
complicada) e tem, depois, repercussões extremamente graves sobre a carreira profissional de um
trabalhador. No entanto, por ter um valor que não atinge os 500 001 escudos, o processo tem de se submeter
à decisão daquele juiz, não havendo sequer a possibilidade de essa decisão ser analisada por outro tribunal.
Por isso, neste momento, entendo que deve ser consagrado sem excepções o duplo grau de jurisdição
mesmo para a justiça cível. Para além disto, penso que será em sede de organização judiciária que se devem
buscar as maneiras de resolver estes casos, podendo prever-se, por exemplo, um recurso para um juiz do
próprio círculo judicial, como acontece noutras legislações estrangeiras para certos casos, não sendo
necessário que esse recurso seja sempre para o Tribunal da Relação. Todavia, estas definições ficarão para a
lei ordinária. O que, de facto, me parece é que devemos reforçar as garantias do cidadão na justiça cível,
tornando possível sempre um duplo grau de jurisdição.
II SÉRIE-RC — NÚMERO 18
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O Sr. Presidente (João Amaral): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado
Alberto Martins.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, se me permitisse, queria apenas fazer um pequeno acrescento.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, apenas pedi a palavra para salientar que há um outro aspecto em
que esta norma tem igualmente incidência. Aliás, há uma tendência no plano da legislação ordinária para
contemplar esta questão, no plano do Direito Administrativo, e aí, como calculam, teria também importância,
do ponto de vista dos direitos dos particulares face à Administração, assegurar o duplo grau de jurisdição.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr.
Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos de acordo com o princípio aqui
expresso e com a bondade do sentido desta proposta, sendo certo que gostaríamos que nos fossem feitos
mais alguns acrescentos. De qualquer forma, temos a ideia de que a adequação em termos constitucionais do
que aqui é proposto deve ser sempre filtrada na sua aplicação concreta por uma intervenção prudente do
legislador.
Como tal, a pergunta que coloco aos autores da proposta é a seguinte: como os Srs. Deputados sabem,
esta questão do segundo grau de jurisdição é uma das razões que leva a que ainda não tenha sido depositado
o instrumento de ratificação de um dos protocolos do Conselho da Europa por parte de Portugal. É verdade
que já aderimos e que já ratificámos este protocolo, pelo que até já há uma resolução da Assembleia e um
decreto do Presidente da República, mas o nosso instrumento de ratificação ainda não foi depositado
relativamente a esta questão do segundo grau de jurisdição e não o foi precisamente porque havia
dificuldades de aplicação.
E as dificuldades radicam em dois pontos, sendo um aquele que o Sr. Deputado Luís Sá agora enunciou e
que me leva a fazer uma pergunta. Quando se coloca o problema do recurso de decisão administrativa que
aplica coimas de pequeno valor, por exemplo, deve haver lugar a um segundo grau de jurisdição?
O outro ponto é relativo ao processo penal. A própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que é
muito precisa e preocupada na defesa de um segundo grau de jurisdição, admite excepções quando diz, num
dos seus artigos, que a ideia de segundo grau de jurisdição admite excepções em relação às infracções
menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em 1.ª instância pela mais
alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de um recurso contra a sua absolvição.
Portanto, a dúvida que eu coloco aos Srs. Deputados é a que decorre do n.º 2 do Protocolo VII do
Conselho da Europa, que é a extensão sem limites e que nalguns casos pode até não ser a solução mais
adequada para a defesa dos interesses das pessoas. Qual é o limite do segundo grau de jurisdição? Não tem
limites? Trata de forma igual a matéria administrativa, penal e cível? O que fazemos a estas restrições do
Conselho da Europa e às dificuldades até de haver segundo grau de jurisdição no caso do recurso judicial de
coimas de pequeno montante, ou seja, inferiores a 50 contos?
O Sr. Presidente (João Amaral): — Para uma intervenção, darei a palavra ao Sr. Deputado Luís Marques
Guedes, a quem se seguirão os Srs. Deputados do Partido Comunista para responderem.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, no fundo, como dizia a Deputada Odete Santos,
esta questão já foi debatida longamente e a posição do PSD, também já expressa publicamente, pode ser
sintetizada da seguinte forma: no fundo, concordamos com as preocupações do Partido Comunista no sentido
de que poderá, de facto, haver determinado tipo de situações em que a não existência de um duplo grau de
jurisdição seja fonte de injustiça. Mas também temos a consciência de que, de acordo com alguns dos
exemplos dados aqui pelo Dr. Alberto Martins, há outro tipo de situações onde, a criar-se a obrigatoriedade
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absoluta de ser assegurado um duplo grau de jurisdição, isso pode ser contraproducente, tornando-se até
pouco útil à administração da justiça.
Face a este impasse, temos dúvidas de que a consagração de um princípio de obrigatoriedade absoluta
seja adequada. Parece-nos que actualmente a situação é resolvida pelo legislador ordinário e, do nosso ponto
de vista, deve continuar a ser, se bem que, obviamente, com o âmbito das preocupações que foram expressas
pela Deputada Odete Santos, pelo que o legislador ordinário deve procurar, no âmbito da nossa ordem
jurídica, encontrar caso a caso as soluções em que a não existência deste duplo grau é foco e causa de
injustiças graves, eliminando-as.
O que nos parece é que a forma como está arrumada a nossa ordem jurídica talvez não permita ainda a
consagração de um princípio absoluto deste tipo, sob pena de obtermos, em alguns casos, resultados que se
revelariam contraproducentes com aquilo que pretenderíamos atingir.
Em suma, não deixando de manifestar aqui a nossa receptividade às preocupações que estão subjacentes
a esta proposta, temos algumas dúvidas — ou, pelo menos, deixamos a questão em aberto para uma melhor
reflexão da nossa parte — de que se possa dar este passo no sentido de criar uma obrigatoriedade, ainda por
cima com este carácter perfeitamente absoluto, quanto à exigência de existência de um duplo grau de
jurisdição. A posição do PSD, neste momento, é mais de reserva, embora concordando com o fundo da
questão.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Dou agora a palavra ao Sr. Deputado Strecht Ribeiro, também para
intervir.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que não será errado
constitucionalizar esta figura, embora seja sensível a uma fórmula que a limite. Digo que não acho errado
porque mesmo onde o duplo grau de jurisdição já está consagrado não tem havido, em matéria de processo
criminal, jurisprudência compatível com o próprio inciso constitucional que agora se propõe.
Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional rejeitaram sistematicamente a
inconstitucionalidade das normas do Código de Processo Penal no tocante ao recurso para o Supremo
Tribunal nos processos comuns colectivos, normas que, na minha óptica, são manifestamente
inconstitucionais, porque, na verdade, não asseguram minimamente o segundo grau de jurisdição em matéria
de facto.
Mas o mais estranho é que o Supremo Tribunal faz uma leitura restritiva daquela norma que, mesmo
isoladamente considerada, exigiria um grande esforço para ser considerada constitucional. No fundo, fá-lo
talvez por se achar um simples tribunal de recurso em matéria de direito, pelo que a forma mais simples passa
por dizer «Esta norma nem esse conteúdo tem! Tem menos do que isso!» Ou seja, se a norma não fosse
inconstitucional — e, do meu ponto de vista, é —, seria inconstitucional a interpretação que o Supremo
Tribunal lhe dá. No entanto, essa inconstitucionalidade não tem sido assegurada no Tribunal Constitucional,
porque este não tem revogado as decisões do Supremo Tribunal de Justiça.
Portanto, entendo que, mesmo como valor simbólico — e a Constituição também tem esse valor —, não
seria incorrecto que ficasse consagrado constitucionalmente e de uma forma genérica o duplo grau de
jurisdição. Apesar disso, reconheço que haverá situações em que este duplo grau de jurisdição não realiza o
efeito pretendido e acaba por ser contrário ao interesse que visa proteger.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Importa-se de concretizar?
O Sr. Strecht Monteiro (PS): — Reporto-me à intervenção do meu camarada Alberto Martins,
nomeadamente à explicitação que ele faz daquilo que já veio adiantado pelo próprio Conselho da Europa.
No sentido das preocupações que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes avançou, suponho que era
possível arranjar uma fórmula que evitasse os riscos que refere e, ao mesmo tempo, evitasse os outros que
sabemos que, neste momento, se verificam na ordem jurídica portuguesa.
Portanto, defenderia a introdução do duplo grau de jurisdição mas com a tal limitação, que teríamos que
redigir de forma…
II SÉRIE-RC — NÚMERO 18
26
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Acha que é possível?
O Sr. Strecht Monteiro (PS): — Penso que é possível. É uma questão de o estudarmos e fazermos com o
cuidado devido.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Sr. Deputado Alberto Martins, vou-lhe pedir que aprofunde um pouco a
sua formulação de há pouco para ficarmos todos a percebê-la melhor.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, há pouco dei notícia de que Portugal, como se sabe,
assinou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tem assinado a generalidades dos protocolos — até
hoje temos 11 protocolos, mas julgo que o n.º 11 não está assinado — e não assinou o Protocolo n.º 7 da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem precisamente porque ele impõe o segundo grau de jurisdição em
processo penal.
No entanto, esse mesmo Protocolo, quando fixa o segundo grau de jurisdição em processo penal, admite
excepções. Há pouco, fiz uma citação ipsis verbis e, como o Sr. Presidente considera útil, vou repeti-la. O n.º 2
do artigo 2.º desse Protocolo n.º 7, sobre o direito ao segundo grau de jurisdição, diz que «este direito pode
ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o
interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e
condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição». Ou seja, não há segundo grau de jurisdição
quando ele é julgado pela mais alta jurisdição e é absolvido (para sua protecção) ou em casos considerados
como infracções menores.
Depois, no caso do nosso ordenamento concreto, sobretudo em matéria de coima, aludi a que, quanto às
decisões de autoridade administrativa, há na generalidade recurso judicial, salvo quando a coima tem um valor
bastante limitado. Penso que na versão inicial — não sei se é hoje a actual — era de 50 000$.
Portanto, o segundo grau de jurisdição tem um efeito útil, cuja bondade é reconhecida na proposta, mas
nalguns casos pode não ter grande sentido por estas razões que aqui apurei.
Por isso, a nossa fórmula vai no sentido de aderir ao princípio que o Partido Comunista refere, que é
adequado e que consideramos que deve ter tratamento também em termos de ratificação do Protocolo e da
Convenção por parte do Estado português. No entanto, acrescia-lhe uma qualquer fórmula do tipo «nos termos
da lei», no sentido de fazer intervir uma mediação prudente do legislador na adequação deste objectivo, sem
lhe retirar, naturalmente, a sua carga essencial. Porquê? Porque não podemos ter na Constituição um elenco
de excepções que possamos considerar úteis, como é feito, por exemplo, no caso da solução do Protocolo.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Creio que, agora, a questão está completamente clara e já apurámos
algumas coisas: há convergência na preocupação, há convergência na ideia de que é importante explicitar
esta necessidade, mas há uma chamada de atenção para algumas dificuldades.
Perante este quadro relativamente clarificado, pedia aos Srs. Deputados do Partido Comunista que
esclarecessem a vossa proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, creio que a síntese que fez é perfeitamente adequada e
corresponde ao ponto de vista do Partido Comunista. A própria citação do Protocolo n.º 7 da Convenção dos
Direitos do Homem, que aqui foi feita, sublinha bem a importância e a oportunidade da proposta apresentada
pelo Grupo Parlamentar do PCP. O facto do Partido Socialista defender o ponto de vista da ratificação do
Protocolo n.º 7, contendo exactamente esta questão, corresponde, no fim de contas, a uma adesão implícita à
nossa preocupação fundamental.
Creio ainda que a intervenção inicial da Sr.ª Deputada Odete Santos, designadamente quando referiu o
problema de abrir excepções e a cautela em relação às alçadas — a cautela que há que ter na abertura de
excepções —, mostra também, por um lado, que a abertura que manifestámos em 1994 terá razões para se
manter e, por outro lado, que tem de ser uma abertura com as devidas cautelas, para que não seja tal que o
legislador ordinário possa vir a anular aquilo que vier a ser consagrado na Constituição. Portanto, temos toda a
abertura no sentido de procurar nesta matéria uma solução razoável.
05 DE SETEMBRO DE 1996
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Em relação à questão das coimas de pequeno montante, partimos do princípio que, independentemente
das excepções que sejam consagradas — para as quais estamos, naturalmente, abertos —, há aqui dois
aspectos também a considerar: por um lado, as coimas de pequeno montante às vezes podem ser instrumento
de perseguição judicial; por outro lado, importa também reflectir que, independentemente daquilo que o
cidadão paga, às vezes há um conflito, uma humilhação inclusive, que está subjacente a esse pagamento. Isto
é, ninguém gosta, por exemplo, de ser perseguido por pagar uma multa indevida, independentemente de,
eventualmente, o montante da coima poder não ser particularmente gravoso.
No entanto, também partimos de um aspecto: é que, em geral, o cidadão não vai recorrer a um duplo grau
de jurisdição perante coimas de pequeno e pequeníssimo montante. Independentemente de ser inverosímil
que isso venha a afogar os tribunais, do ponto de vista prático, estaremos inteiramente abertos a encontrar as
formulações adequadas nesta matéria, sublinhando que o que se passa em matéria de Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, designadamente no Protocolo n.º 7, só vem reforçar a preocupação que temos com a
protecção dos direitos fundamentais do cidadão neste plano.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, só queria acrescentar mais uma coisa. Iremos ponderar a
redacção exacta deste artigo, embora me pareça que acrescentar «nos termos da lei» não chega, porque
pode tornar constitucional — tem sido considerado constitucional, mas em minha opinião é inconstitucional —
a questão do tal recurso per saltum, que não corresponde a um recurso da matéria de facto. Para mim, o
Código de Processo Penal é inconstitucional nesse aspecto.
Assim, dizer «nos termos da lei», seria abrir essa possibilidade e a possibilidade de, através do aumento
das alçadas, se impedir o recurso. Aliás, em matéria cível, parece-me que na disposição que há em relação à
sucumbência também há uma limitação ao direito de recurso, ou seja, só há direito a recurso se a
sucumbência exceder o montante da alçada.
Portanto, parece-me que essa fórmula «nos termos da lei» tem de ser precisada. Penso que o Sr.
Deputado Alberto Martins expôs bem a questão de que admitir o duplo grau de jurisdição sem a excepção da
pessoa que é absolvida pela mais alta jurisdição seria ir contra os direitos do cidadão, mas iremos ponderar,
porque me parece que a redacção proposta — «nos termos da lei» — não será suficiente para corresponder
ao nosso objectivo.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Creio que não há mais intervenções sobre esta matéria.
Portanto, vai ser tentada uma redacção pelos proponentes, embora tenha de ficar em acta que, mesmo que
fosse aditada ao direito ao duplo grau de jurisdição a expressão «nos termos da lei», algum progresso isso
representaria, porque senão teríamos uma situação que seria um bocado absurda…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Já era algum progresso!
O Sr. Presidente (João Amaral): — Algum progresso isso teria de representar, forçosamente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, não querendo prolongar a discussão, quero apenas
dizer que não considero que seria algum progresso, mas que seria um progresso demasiado, com toda a
franqueza, porque, ao ficar «devendo estar assegurado o direito ao duplo grau de jurisdição, nos termos da
lei», estamos apenas a remeter para o legislador ordinário a obrigatoriedade de consagrar o princípio absoluto.
É só por isso que considero que não chega. Não chega, porque é demais; não chega, porque não permite
excepções! Não é por ser curto, mas por a «manta» ser comprida demais!
O Sr. Presidente (João Amaral): — Sr. Deputado Luís Marques Guedes, agradeço vivamente a sua
intervenção.
II SÉRIE-RC — NÚMERO 18
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Srs. Deputados, antes de entrarmos no ponto n.º 4 das propostas do PS e do PCP, há uma questão na
proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que aparentemente é autónoma, que diz respeito à definição e ao
direito a uma «decisão útil» e não ao prazo útil.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Presidente, a expressão «decisão útil» contribui, por um lado, para
clarificar a ideia de que o «prazo razoável» não pode ser aferido apenas por critérios objectivos, mas tem de
ser aferido em concreto na perspectiva da utilidade para as partes num processo, e, por outro, para introduzir
a ideia de que tem de haver mecanismos ou meios processuais que garantam a utilidade da decisão, quando
isso se torne necessário.
Estou a pensar, por exemplo, na cobertura constitucional da tutela provisória cautelar, quando ela é
indispensável para garantir a utilidade da decisão. A decisão pode ser muito rápida, mas se o prejuízo se
verificar imediatamente não há rapidez na decisão que possa salvaguardar a sua utilidade, e já tem havido
decisões do Tribunal Constitucional a declarar inconstitucionais normas que afastam a tutela provisória
cautelar em algumas circunstâncias. Designadamente no contencioso administrativo, a propósito da Reforma
Agrária, já houve decisões do Tribunal Constitucional nesse sentido.
Mas não apenas em matéria de justiça cautelar ou provisória, também no que se refere a outros meios
processuais, como, por exemplo, mecanismos de suspensão do pagamento, designadamente em processos
tributários, em que, por vezes, é expressamente proibida ou vedada a possibilidade de se suspender a
execução e/ou o pagamento da dívida fiscal enquanto decorre o processo.
Portanto, julgo que esta expressão, sem criar uma obrigatoriedade ou uma vinculação de que haja sempre
mecanismos processuais desta natureza, permite, apesar de tudo, perante cada norma em concreto, ponderar
quando é que um mecanismo ou um meio processual é indispensável para assegurar a utilidade da decisão,
independentemente do problema do prazo em que essa decisão é tomada.
Daí que julgue que este aditamento e esta distinção entre a utilidade e o prazo permite, de facto, assegurar
uma maior efectividade da tutela jurisdicional, ainda que deixe alguma abertura ao legislador ordinário para,
perante cada caso concreto, poder aferir quando é que determinado mecanismo ou lei processual é, de facto,
indispensável à garantia da utilidade da decisão.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vital Moreira.
O Sr. Presidente: — Está à discussão este ponto da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro sobre o
requisito da decisão útil dos processos judiciais.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, repetirei apenas o que, aprioristicamente, tinha dito
inicialmente quando discutimos o n.º 3 proposto pelo Partido Socialista.
Posto como aqui está e com esta explicação acrescida do Deputado Cláudio Monteiro, parece-nos que é
um dispositivo que pode conduzir a situações complicadas e não desejáveis. Ou seja, como tinha dito na altura
— e essa ponderação faremos a seguir, quando tratarmos do n.º 4 das propostas do Partido Comunista e do
Partido Socialista —, para nós, poderá fazer algum sentido este conceito da utilidade quando restringido ou
direccionado especificamente para determinado tipo de situações. Porém, colocado como um princípio
genérico ao lado da razoabilidade do prazo, como acaba por ser o que surge aqui…
Obviamente, concordo perfeitamente, como eu próprio já tinha dito anteriormente, que são coisas
claramente distintas e, por isso, não podem ser confundidas, isto é, ou se quer apenas uma, ou se quer outra,
ou se quer as duas em conjunto e, como dizia, as duas em conjunto, numa norma genérica, é que nos parece
complicado. Por isso, se faz algum sentido a norma genérica sobre um conceito, um princípio de
temporalidade, de razoabilidade temporal na actuação da justiça, para nós, já faz menos sentido o princípio da
utilidade, um princípio geral de utilidade nessa mesma administração da justiça.
É que esse princípio geral da utilidade poderá ou não ser ponderado numa perspectiva de ser restrito a
determinado tipo de situações que merecem um tratamento e uma relevância especial, mas colocado como
um princípio genérico parece-nos complicado e aparentemente desaconselhável.
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, continua à discussão este ponto.
Sr.ª Deputada Odete Santos, faça favor.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): —Não pedi a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Mas eu dou-lha!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Neste momento, estou muito cansada…
Risos.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, creio que, devido ao cansaço da Deputada Odete Santos, eu
próprio direi que tínhamos colocado a questão da decisão em tempo útil e estamos abertos a uma proposta
que tem em conta, simultaneamente, preocupações com o prazo razoável e com a utilidade da decisão.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Alberto Martins, tem a palavra.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, nós incorporamos a ideia do tempo útil num novo número
que propusemos para o artigo 20.º um pouco no seguinte sentido: enquanto o prazo razoável tem um carácter
objectivo, que já aqui foi afirmado e é, digamos, o tempo de funcionamento da justiça, o tempo útil tem uma
natureza subjectiva, casuística, de caso concreto, em função do sujeito que é apreciado. Neste sentido,
aderindo à ideia do tempo útil, limitamo-la a certas dimensões prestacionais do Estado e a uma adequação
temporal relativamente a casos muito concretos.
Portanto, entendemos que o tempo útil, ou melhor, a protecção desses valores e desse direito subjectivo
em termos absolutos, deve ser garantido no caso dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no sentido
de um processo célere e prioritário — e aqui consideramos que a justiça deve ser feita na tal adequação
temporal, sem dilações indevidas e, então, até mesmo num processo célere, expedito, eficaz, que consista
numa protecção jurídica adequada do direito dos cidadãos.
Aliás, isto até já está contido, em alguma medida, no próprio texto constitucional. Na verdade, há regras do
nosso texto constitucional que consagram esta ideia do tempo útil — os prazos do habeas corpus, o prazo da
apreciação da prisão preventiva são consagração da ideia do tempo útil. No entanto, nós não a queríamos
estender demasiado, dado que é um valor que vai obrigar a uma justiça célere e expedita, eficaz, mantendo
naturalmente a sua credibilidade e, por isso, deve ser reduzida a casos concretos.
O nosso tempo útil é útil e é muito célere e prioritário e, por isso, não deve ser um tempo útil genérico que
põe em causa o prazo razoável, adequado e sem pressas da própria justiça em geral.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tem a palavra.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Presidente, apenas quero salientar mais uma vez que a componente
temporal é relevante mas não é, seguramente, a mais importante.
De facto, a proposta do Partido Socialista de aditamento de um novo n.º 4, embora possa contemplar
parcialmente esta ideia da utilidade da decisão em certas situações concretas e, nomeadamente, naquelas em
que esteja em causa a defesa de direitos, liberdades e garantias, de certa forma, da maneira como está
redigida, parece mais apontar para a criação de novos meios processuais de tutela definitiva mas céleres do
que propriamente, por exemplo, para abarcar também a garantia da existência de meio de tutela provisória ou
cautelar, mesmo nestas situações em que estejam em causa direitos, liberdades e garantias.
E a utilidade da decisão não depende exclusivamente da existência de uma tutela provisória e da
congelação do tempo, por assim dizer, para garantir que o tempo é útil, depende também de outros factores,
designadamente no que se refere aos mecanismos de execução das sentenças, que, de certa forma, também
estão abrangidos pela ideia da utilidade da decisão. Isto é, a garantia de que existam ou de que não existam
decisões que não se limitem a uma mera declaração abstracta dos direitos do cidadão, mas que possam
II SÉRIE-RC — NÚMERO 18
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satisfazer a sua protecção processual e que, entre outras coisas, possam ser executadas, coisa que
frequentemente não sucede, umas vezes por causa da excessiva dilação do processo mas outras vezes por
razões que não têm que ver necessariamente com o problema da dilação do processo.
Foi só por essa razão que entendi que era benéfico distinguir o problema da utilidade da decisão do
problema da razoabilidade do prazo, ainda que, obviamente, sejam questões conexas em vários pontos.
Quanto ao mais, o cabimento da discussão é nos termos da proposta do n.º 4 do Partido Socialista que, em
princípio, ainda não está em discussão.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Alberto Martins, tem a palavra.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, é só para deixar uma nota.
Na nossa proposta cabem não só os meios de defesa judicial e no processo penal mas também,
designadamente, a defesa dos cidadãos e a mesma abarca, naturalmente, a suspensão e a eficácia de actos
administrativos e procedimentos cautelares.
Portanto, manifestamente, a proposta tem um alcance mais amplo do que aquele que teria se
atendêssemos à leitura que foi feita pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Penso que, em alguma medida, a
nossa proposta até vai ao encontro de algumas das suas preocupações quanto à suspensão dos actos
administrativos. Aliás, vem também ao encontro de algumas das disposições do n.º 4 da proposta do Partido
Comunista que, julgo que também tem esse alcance de providência cautelar e com o objectivo de suspensão
da eficácia de actos administrativos quando violam direitos fundamentais.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Odete Santos, faça favor.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, devo dizer que ouvi com muita atenção o Sr. Deputado
Cláudio Monteiro.
A formulação que apresenta parece-me com algum interesse para uma reflexão futura, pelas
consequências que a sua aplicação teria, nomeadamente em relação à proibição que os tribunais têm
entendido haver de arrestos pelos créditos dos trabalhadores. Portanto, penso que iremos reflectir sobre essa
questão, embora torne a repetir, quanto à questão do prazo razoável, que este pode ser um prazo razoável
excessivo perante o estado da máquina da justiça. Será razoável pronunciar uma decisão em quatro anos por
causa da chamada faute, mas, nesse caso, não será uma decisão útil.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — (Por não ter falado ao microfone, não é possível transcrever as palavras
do Orador.)
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — É por isso que me parece que, de facto, a sua formulação tem algum
interesse e poderá ser objecto de uma reflexão.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, deixarei apenas mais uma nota.
Até na maneira como vem formulada, «todos têm direito a que um processo judicial em que intervenham
(…)», a proposta prestar-se-ia a bastantes confusões. É que se esta lógica de utilidade não for cingida à
defesa de direitos, liberdades e garantias, como acontece nas propostas que vamos ver a seguir — e,
claramente, o que está aqui em causa é uma das partes do processo —, então, a utilidade da decisão, se é
para todos, provavelmente, na maior parte das circunstâncias, os vários intervenientes no processo até têm
perspectivas contraditórias dessa utilidade. Portanto, a subjectividade de que falava o Deputado Alberto
Martins, que está subjacente a este princípio de utilidade, a este conceito de utilidade, do meu ponto de vista,
desde logo,…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço desculpa pela interrupção, mas
é uma garantia de meios, não é uma garantia de resultado.
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Obviamente, a tutela constitucional não vai ao ponto de garantir que a decisão é sempre útil para o
cidadão, garante que ela pode ser útil se lhe for favorável e, portanto, é uma garantia de meio.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Com certeza, com certeza. Mas se é para ambas as partes, a
lógica da utilidade pode ser contraditória, independentemente de ser um resultado definitivo ou não.
Portanto, penso que este é mais um dos argumentos a acrescer, digamos, à complicação que, do ponto de
vista do PSD, poderia resultar da instituição deste conceito da utilidade como princípio genérico, como norma
genérica. Poderemos vê-lo, sim, numa perspectiva quiçá dirigida e cingida apenas a determinado tipo de
situações e para determinado tipo de sujeitos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, este ponto é, portanto, objecto de reservas de princípio por parte do
PSD, que, todavia, encara a possibilidade de reavaliar uma formulação diferente da que aí está. Em todo o
caso, à partida, não podemos dar este ponto por inviabilizado.
Srs. Deputados, por lapso meu, não foi considerada, em sede de alterações ao n.º 2, uma proposta de Os
Verdes relativa ao n.º 1 deste artigo 20.º, a qual, parecendo uma alteração de pequena monta, mesmo que o
fosse, tinha de ser tomada em consideração.
O actual n.º 2 diz que «todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas», e Os Verdes
propõem que se diga «todos têm direito à informação jurídica e, nos termos da lei, ao patrocínio judiciário».
Significa isto que a expressão «nos termos da lei» deixa de qualificar o direito à informação jurídica. Isto é, Os
Verdes retiraram a palavra «consulta».
Não estando presentes os autores a proposta, a verdade é que a mesma existe e devemos considerá-la.
Portanto, Os Verdes mudaram a inserção da expressão «nos termos da lei», que deixou de qualificar o
direito à informação jurídica, e onde consta «direito à informação e consulta jurídicas» propõem que fique
apenas «direito à informação jurídica».
Srs. Deputados, está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, vou usar da palavra mais em jeito de interpelação
do que propriamente para discussão deste ponto.
De facto, tenho algumas dúvidas, pelo que é pena Os Verdes não estarem presentes. Se o Sr. Presidente
reparar no texto que também temos vindo a seguir relativo aos contributos de cidadãos, verificará que este
artigo do projecto de Os Verdes é rigorosamente idêntico ao contributo do Professor Jorge Miranda.
Sinceramente, questionei-me se haveria algum lapso da parte dos serviços da Assembleia, porque me
parece um pouco estranho que o texto proposto pelo Professor Jorge Miranda e o do projecto de lei de Os
Verdes sejam rigorosamente idênticos. Interrogo-me, pois, se não haverá aqui algum lapso.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, lamentavelmente, não tenho aqui os textos…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Não sei dar resposta concreta ao problema. Pode haver alguma
diferença, uma vez que o projecto do Professor Jorge Miranda foi conhecido antes do termo do prazo para
apresentação dos projectos…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Mas é que é rigorosamente igual! Ponto por ponto, não é só este
número, é todo o artigo; a própria ordenação do artigo é toda igual.
Confesso que tenho dúvidas se haverá aqui algum lapso.
Apartes inaudíveis na gravação.
O Sr. Presidente: — De facto, é uma cópia…
O Sr. José Magalhães (PS): — Ou é cópia, ou é lapso!
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O Sr. Presidente: — Parece que Os Verdes reproduziram o texto da proposta do Professor Jorge Miranda.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — É o reconhecimento da autoridade!
Risos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em discussão a proposta de Os Verdes que enunciei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, na ausência dos proponentes para poderem
justificar esta sua proposta, queria deixar aqui apenas a nota de que o PSD não percebe o alcance desta
alteração e como tal, não lhe dá o seu apoio. De facto, a única sensação que temos é a de que daqui
resultaria um empobrecimento e não vemos nenhuma justificação para isso.
O Sr. Presidente: — A proposta de Os Verdes não só retira a menção ao direito à consulta jurídica, como
também desloca a expressão «nos termos da lei». No texto actual diz-se que «Todos têm direito, nos termos
da lei, à informação jurídica (…)» e a redacção proposta é a de que «Todos têm direito à informação jurídica e,
nos termos da lei, ao patrocínio judiciário».
A verdade é que, se bem entendo (até porque falei com ele sobre isto, uma vez, en passant), o Professor
Jorge Miranda faz uma distinção entre direito à informação e direito à consulta. A consulta está ligada ao
conceito de consultadoria e não há um direito à consultadoria, pelo que não há um direito à consulta. Agora, o
direito à informação como direito perante o Estado como colectividade, perante as autoridades públicas é, de
facto, um direito dos cidadãos, é um direito a que todos devemos ter acesso, isto é, todos os serviços públicos
devem dar as informações jurídicas pertinentes e eu, como cidadão, tenho direito a que o Estado ponha à
minha disposição (isto é, à disposição dos cidadãos em geral), a informação jurídica necessária quanto aos
meus direitos e aos meios de os executar.
Aparentemente, o Professor Jorge Miranda estabelece uma distinção entre a informação jurídica e a
consulta. A consulta é um direito que eu tenho de obter meios de consultadoria, de…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Presidente, essa distinção tem sido entendida inclusive pela
Administração, designadamente no âmbito do protocolo celebrado entre a Ordem dos Advogados e o Estado
português. Essa distinção é feita, designadamente, assumindo a Ordem a responsabilidade, pelo Estado e
para efeitos de efectivação da garantia estabelecida no artigo 20.º, da criação de gabinetes de consulta
jurídica como algo distinto da difusão da informação jurídica, por assim dizer, que é da responsabilidade do
Estado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, neste caso, a experiência de reflexão em torno das
alterações que fizemos ao artigo, em revisão constitucional e depois, sobretudo, a aprovação por
unanimidade, e sob inspiração, aliás benfazeja, do Deputado Mário Raposo, da primeira lei que arrumou
definitivamente os antigos conceitos em matéria do chamado «apoio judiciário», permitiu sedimentar muito
bem as distinções.
Contudo, seria completamente arredio à ideia de que o Estado não tenha de ter responsabilidades sérias e
relevantes em matéria de facultação aos cidadãos de consulta jurídica também, como uma das componentes
desse apoio judiciário. Fazê-lo através de advogados avençados, fazê-lo através de advogados com um
estatuto mais ligado à própria Administração Pública — como existe noutros países, de experiências diversas,
inclusivamente nos Estados Unidos da América, no Canadá, em França, na Grã-Bretanha, em Espanha — ou
fazê-lo através da modalidade que nós escolhemos, de um protocolo com a Ordem dos Advogados, são, pura
e simplesmente, soluções que cabem, todas elas, debaixo do tecto constitucional.
Creio não haver nenhuma razão para alterar esse tecto, com a largueza, o sentido de responsabilidade
pública no comando e a flexibilidade na forma de execução que ele tem. Aliás, como sabem, aprovámos,
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também por unanimidade, há dias, no fim do período normal da sessão legislativa, uma lei que revê alguns
aspectos do quadro legal atinente ao acesso ao direito, mas deixámos por fazer outras reformas de fundo que,
atempadamente, esperamos, virão a ser feitas, no sentido de reforçar e melhorar o sistema actualmente em
vigor.
Embora compreendendo nós que a advocacia, tal como é exercida entre nós e continuará a ser, ou seja,
livremente, tem um papel insubstituível neste domínio, que não se pretende substituir nem subalternizar, há
um módico de contribuição para a consulta daqueles que não o poderão obter de outra forma que deve ser
exercida, sendo esta norma constitucional uma bela guarida para tal.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não há mais inscrições para este ponto e, aparentemente, não há
grande disposição para lhe dar acolhimento.
Para não entrarmos em «material» mais pesado, que são os n.os
4 do artigo 20.º dos projectos do PS e do
PCP, utilizaremos os minutos que faltam para o encerramento da reunião para considerar a proposta de Os
Verdes no sentido de transferir para esta sede o direito de acção popular — é o que consta do n.º 3 do artigo
20.º do projecto de Os Verdes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Presidente, penso que não vale a pena confundir o regime geral com
os regimes especiais. Tal como no caso da tutela jurisdicional contra actos da Administração há um regime
especial no capítulo próprio da Constituição, também nesta matéria me parece que o artigo 20.º deve ser a
sede do regime geral e quaisquer regimes especiais devem ser sistematicamente remetidos para outras
sedes.
O Sr. Presidente: — O Professor Jorge Miranda fez uma distinção das suas propostas entre necessárias e
convenientes. Penso que poderia ter acrescentado uma terceira categoria, que é a das «preciosísticas», onde
esta caberia!
Penso também que não há, de facto, vantagem em operar esta transformação sistemática proposta por Os
Verdes.
Srs. Deputados, chamo à vossa atenção para a lentidão com que estamos a avançar, pois, em matéria do
artigo 20.º, resta ainda considerar duas questões essenciais: a que já enunciei — a previsão de procedimentos
céleres e especiais para a protecção de certos direitos fundamentais — e toda a problemática do recurso de
amparo e da acção constitucional de defesa. Estas matérias ficarão para a próxima terça-feira de manhã, uma
vez que na última reunião do grupo coordenador me lembraram a inviabilidade de nos reunirmos hoje à tarde
por causa da Comissão Permanente.
Sr. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 12 horas e 55 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.