seu evando e uma nova relação com a terra

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Seu Evando e Uma nova relação com a Terra Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº 1159 Setembro/2013 Limeira - CE Afagar a terra Conhecer os desejos da terra Cio da terra, a propícia estação E fecundar o chão. (Milton Nascimento e Chico Buarque) Seu Evando e Dona Marília são primos. Um dia, Marília que é da terra da galinha choca – Quixadá – resolveu fazer uma visitinha aos familiares e dessa visita o amor surgiu e nasceu João Pedro, um ano e três meses de pura sapequice. O casal está junto há três anos e vive em Limeira, comunidade localizada a 42 km do município de Quixeramobim, Sertão Central do Ceará. Seu Evando começou a “afagar a terra” há oito anos e hoje vende na Feira Agroecológica e Solidária de Quixeramobim e de Boa Viagem. Em agosto, Evando completará dois anos de feirante, mas o que o agricultor deve mesmo comemorar é a sua transição de feirante que utilizava agrotóxico para feirante que utiliza meios naturais de se livrar dos bichinhos indesejados. Dos tempos de uso do agrotóxico, sobrou a voz rouca: “Tinha dia que eu chegava com um negócio tão ruim na garganta” e as inúmeras reflexões: “Todo produto químico é ofensivo”, “É isso aí que vem matando o pessoal e a gente também, né?” A plantação de tomate foi deixada de lado por uns tempos, pois Evando utilizava veneno para combater os insetos e isso estava prejudicando a sua saúde, a voz estava ficando “meio Leonardo”, (cantor sertanejo) como diz o próprio agricultor. A solução encontrada foi plantar banana, coco, goiaba, cebola, mamão, pimenta, que não atrai tanto inseto e é fácil de controlar. “É minha lei, é minha questão, virar esse mundo, cravar esse chão” Seu Evando é um cabra esperto e com a dificuldade de água na comunidade resolveu furar um cacimbão na margem do rio e com um motor retirava a água para aguar o pimentão, pimenta de cheiro, acerola, maracujá, mamão, batata, cheiro-verde, limão, feijão e manga. Evando e Marília juntamente com mais sete famílias na comunidade de Limeira serão beneficiadas com a cisterna- calçadão que tem capacidade para armazenar 52 mil litros de água. Dona Zilmar e Evando relembram que a família já chegou a beber água ruim, dos poços e com esforço juntaram um dinheiro e fizeram uma cisterna. Os planos para depois da tecnologia implementada são criar uma grama para as galinhas, fazer um quintal reservado para zelar a cisterna de sujeira e cuidar da horta para que ela possa cada vez mais contribuir com a soberania alimentar da família e com a renda.

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Seu Evando e Uma nova relação com a Terra

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº 1159

Setembro/2013

Limeira - CE

Afagar a terraConhecer os desejos da terra

Cio da terra, a propícia estaçãoE fecundar o chão.

(Milton Nascimento e Chico Buarque)

Seu Evando e Dona Marília são primos. Um dia, Marília que é da terra da galinha choca – Quixadá – resolveu fazer uma visitinha aos familiares e dessa visita o amor surgiu e nasceu João Pedro, um ano e três meses de pura sapequice.O casal está junto há três anos e vive em Limeira, comunidade localizada a 42 km do município de Quixeramobim, Sertão Central do Ceará. Seu Evando começou a “afagar a terra” há oito anos e hoje vende na Feira Agroecológica e Solidária de Quixeramobim e de Boa Viagem. Em agosto, Evando completará dois anos de feirante, mas o

que o agricultor deve mesmo comemorar é a sua transição de feirante que utilizava agrotóxico para feirante que utiliza meios naturais de se livrar dos bichinhos indesejados. Dos tempos de uso do agrotóxico, sobrou a voz rouca: “Tinha dia que eu chegava com um negócio tão ruim na garganta” e as inúmeras reflexões: “Todo produto químico é ofensivo”, “É isso aí que vem matando o pessoal e a gente também, né?”A plantação de tomate foi deixada de lado por uns tempos, pois Evando utilizava veneno para combater os insetos e isso estava prejudicando a sua saúde, a voz estava ficando “meio Leonardo”, (cantor sertanejo) como diz o próprio agricultor. A solução encontrada foi plantar banana, coco, goiaba, cebola, mamão, pimenta, que não atrai tanto inseto e é fácil de controlar.

“É minha lei, é minha questão, virar esse mundo, cravar esse chão”

Seu Evando é um cabra esperto e com a dificuldade de água na comunidade resolveu furar um cacimbão na margem do rio e com um motor retirava a água para aguar o pimentão, pimenta de cheiro, acerola, maracujá, mamão, batata, cheiro-verde, limão, feijão e manga. Evando e Marília juntamente com mais sete famílias na comunidade de Limeira serão beneficiadas com a cisterna-calçadão que tem capacidade para armazenar 52 mil litros de água. Dona Zilmar e Evando relembram que a família já chegou a beber água ruim, dos poços e com esforço juntaram um dinheiro e fizeram uma cisterna. Os planos para depois da tecnologia implementada são criar uma grama para as galinhas, fazer um quintal reservado para zelar a cisterna de sujeira e cuidar da horta para que ela possa cada vez mais contribuir com a soberania alimentar da família e com a renda.

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

Realização

Provavelmente a argúcia apurada de Seu Evando veio de sua mãe, Dona Zilmar, que reviveu junto com o filho os momentos de suas vidas, enchendo a prosa de sabedoria através dos relatos de boa convivência com o Semiárido. Os sobrinhos também participaram da conversa lembrando ao tio a diversidade de sua horta. Além da horta, a família produz colorau, chapéu de palha e vassoura, como também cria galinha, pato e peru. Quase todos os filhos de Dona Zilmar, três homens e duas mulheres trabalham com a terra. Apenas um filho que mora na Bahia não enveredou pelo campo. A agricultora estava com uma blusa de um evento chamado “Marcha das Margaridas”, na blusa dizia: “Desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade”. A agricultora estava esperando ansiosamente pelo próximo encontro, demonstrando que não é só o filho que fica ansioso pelos intercâmbios. Falando em intercâmbios, as trocas de experiências foram muito importantes na formação agroecológica de Evando, pois a partir delas o agricultor passou a fazer compostagem e a utilizar a urina de vaca para proteger a horta.

Há 12 anos que Dona Zilmar é sócia do Sindicato dos Agricultores e Agricultoras Rurais de Quixeramobim e luta por tudo que está estampado em sua blusa, contagiando a família com a sua garra e a sua força de trabalho, chegando a ser chamada de “menino homem” quando mocinha: “Se desmanchava um pedacinho de cerca era eu que consertava”. Como o trabalho no campo é coisa intrínseca da família, Evando já levou o seu bebê para ver a horta: “João Pedro já foi duas vezes comigo na horta, mas fez foi se assombrar, acho que foi o verde”, brinca o agricultor. Marília, sua esposa, antes de ter o primeiro filho do casal, ia toda semana para a feira, mas como o menino não para quieto um minuto tem que ficar em casa de olho na cria, daí dá uma força pro amado antes de ele ir para a feira, embalando as mercadorias.

Seu Evando chega cedinho na feira e logo vende seu pimentão, cheiro verde, tomate e feijão. Seu trabalho é fruto de uma consciência que aflorou por meio da própria lida diária, como também da troca de experiências com outros agricultores. A cada dia que passa, a vontade é de crescer, ver a terra fértil e forte, através da própria natureza. O trabalho de Evando reafirma o que sua mãe disse no decorrer da prosa: “Eu gosto de amar as pessoas, ter bem querer por elas”. Ter “bem querer” pelo próximo, no caso de Seu Evando é vender um produto que não vai afetar a saúde das pessoas e, sim, alimentá-las do que de melhor existe.

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