sertões maranhenses e as fronteiras étnicas
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SERTÕES MARANHENSES E AS FRONTEIRAS ÉTNICAS
Ilma Maria de Oliveira Silva1
RESUMO
O presente artigo discute sobre os sertões maranhenses e as fronteiras étnicas, com o objetivo
analisar a História do sertão nordestino e do sul do Maranhão e as consequências para os
povos indígenas, especialmente com o surgimento da povoação de Pastos Bons. Refletimos
sobre os conceitos de sertão ao longo da História de povoação do território brasileiro e de
como a fronteira como espaço de encontro de sociedades e culturas entre si diferentes, tem se
dado em relação aos povos indígenas na povoação dos sertões maranhenses. Como pesquisa
bibliográfica, partimos dos estudos de Arruda (2000); Cabral (1992); (Carvalho (1996);
Netto(1979). Concluímos que as representações sobre os sertões foram carregadas de
interesses e concepções que marcaram um contexto histórico no espaço-tempo e que as
frentes colonizadoras foram responsáveis pelos massacres e desaparecimentos de muitos
povos indígenas que habitavam as terras maranhenses. No entanto, a bravura dos povos
indígenas não permitiu suas extinções.
1 PALAVRAS INICIAIS
São diversas as formas pelas quais podemos abordar uma temática, dependendo do
objetivo, das circunstâncias, interesses, necessidades e, principalmente, do conhecimento que
se tem sobre o assunto e com quem se pretende dialogar. Como seres históricos nossos
conceitos e ações estão sempre em movimento, ressignificam-se de acordo o espaço e o tempo
que vivemos. Dessa forma, o presente não se limita em nossas ações, “[...] mas adquire
sentido pelo passado e pelo futuro desejado. O passado não está morto, porque nele se fundam
as raízes do presente” (ARANHA, 2006, p.19).
É nessa perspectiva que discutimos sobre os sertões maranhenses e as fronteiras
étnicas, trazendo o passado como eco do presente. Para tanto, iniciamos refletindo sobre os
conceitos de sertão ao longo da História de povoação do território brasileiro e de como a
fronteira, não somente como limite geográfico, mas, especialmente, como espaço de encontro
de sociedades e culturas entre si diferentes, tem se dado em relação aos povos indígenas na
povoação dos sertões maranhenses.
2 SERTÃO BRASILEIRO E FRONTEIRA: alguns conceitos
As representações sociais que povoaram o imaginário dos colonizadores, ao chegarem
a terras brasileiras, foram diversas. Na conquista do novo território, foram surgindo conceitos
1 Doutoranda em História pela UNISINOS. Professora da Universidade Estadual do Maranhão/ Centro de
Estudos Superiores de Imperatriz.
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para classificar os lugares. Assim, denominava-o como Jardim do Éden abandonado por Deus,
terras que escondiam perigos e surpresas, paraíso ou mesmo o avesso a este último como
tristes trópicos, entre tantos outros (LIPPI, 1998).
Ao mesmo tempo em que valorizavam o novo mundo como espaço geográfico e suas
paisagens de forma positiva, denotavam a natureza como beleza bruta, “[...] não transformada
pela mão do homem e necessitando da ação purificadora dos súditos de Cristo” (LIPPI, 1998,
p.3). Nesses termos, os colonizadores negavam a presença dos habitantes que já existiam e a
forma como se relacionavam com a natureza.
Para Lippi (1998) semelhante às representações sociais do território brasileiro como
um todo, pelos colonizadores, o lugar social ou geográfico identificado como sertão
acompanhou o mesmo caminho, ou seja, ora recebeu - e ainda recebe - uma avaliação
positiva, ora negativa. Para a mesma autora as referências sobre sertão variam de acordo com
o lugar do qual se está falando, o período histórico, ou quem fala. Contudo, as muitas
definições de sertão fazem referências “[...] a traços geográficos, demográficos e culturais:
região agreste, semiárida, longe do litoral, lugar que predomina tradições antigas, pouco
povoadas” (LIPPI, 1998, p.4). Assim, no processo de colonização da sociedade brasileira o
conceito de sertão, para quem vivia na cidade - e ainda se encontra este pensamento no século
XXI - aparece como lugar, cujos habitantes pertenciam a uma cultura inferior, incivilizados,
especialmente os povos indígenas. Já para os exploradores e bandeirantes, como afirma Lippi
(1998), sertão é um lugar de riqueza, lugar de perigo, embora considerassem, também, que
seus habitantes fossem pessoas incultas, portanto não mereciam o respeito devido. O perigo
do qual se referiam, esteva ligado à resistência dos povos indígenas.
Para Amado (1995, p.148) o conceito de sertão foi construído pelos portugueses para
denominar áreas distintas das diversas regiões, tudo dependia do lugar do qual se falava.
Assim,
[...] sertão designava não apenas os espaços interiores da Colônia, mas também,
aqueles espaços, desconhecidos inacessíveis, isolados, perigosos, dominados pela
natureza bruta e habitados por bárbaros, infiéis, hereges, onde não haviam chegado
às benesses da religião, da civilização e da cultura.
Embora, todos esses adjetivos tenham sido referência para caracterizar o sertão, como
categoria e espaço geográfico, ao longo da povoação do território brasileiro foi caracterizado
numa concepção dual: ora se apresentava como o inferno, remetendo para o imaginário social
um lugar de pessoas incultas, de uma educação atrasada, cultura desinteressante diante da
simplicidade; ora o paraíso, pelas riquezas da natureza com possibilidades de exploração pelo
homem civilizado. Entretanto, a palavra sertão é uma das categorias mais recorrentes no
pensamento social brasileiro, especialmente na historiografia, pois está presente desde o
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século XV em relatos de viajantes, cronistas que visitaram o país e os que aqui aportaram com
objetivo de explorar as riquezas.
No século XVII, segundo Amado (1995), aparece nas primeiras tentativas de
elaboração de uma História no Brasil. No século XVIII, ainda a mesma autora, a palavra
sertão aparece em muitos documentos oficiais pela Coroa portuguesa e pelas autoridades lusas
nas colônias. No período compreendido entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras
do século XX, sertão chegou a se constituir uma categoria fundamental em todas as
construções historiográficas que tinham como tema básico a nação brasileira.
A categoria de sertão, portanto, pode ser analisada por vários olhares, ou seja, pela sua
construção enquanto gênese da palavra usada pelos portugueses, pelas obras literárias cultas e
populares, como categoria espacial e sua importância ou não, incrustada socialmente no
pensamento brasileiro.
Outro aspecto a ser levado em conta quando estudamos o processo de ocupação do
território brasileiro é a questão de fronteira. Esta ocupação levou o “Brasil à definição dos
limites nacionais e a produção de numerosas e posteriores fronteiras internas, econômicas,
étnicas, linguísticas e culturais” (VANGELISTA, 2000 p. 60). Em virtude disso, muitas são as
contraposições desenvolvidas na formação desse território, como: cidade e interior, civilidade
e barbárie, cultura culta e cultura primitiva e entre outas tantas.
Para Martins (2009), fronteira é o espaço próprio do encontro de sociedades e culturas
diferentes entre si, como por exemplo, a sociedade indígena vista pelos colonizadores – e por
boa parte da população brasileira nos dias atuais - como bárbaros de cultura inferiorizada e a
sociedade europeia dita civilizada. Ainda, segundo o mesmo autor, fronteira também pode ser
lugar de liminariedade, da indefinição e do conflito, lugar, também, de busca desenfreada de
oportunidade.
A partir da definição de Martins (2005), consideramos que a fronteira, entre culturas
no Brasil, foi lugar de eliminação de muitos povos indígenas. Contudo, também, concordamos
com Vangelista (2000) quando afirma que fronteira é o lugar geográfico, político, social, de
resistência, de negociação, de diálogo, não apenas por relações conflituosas, mas de
intercâmbio. Fronteira, ainda, na visão da autora, é também, lugar em que pode- se construir
um outro “nós”.
Na concepção de Vangelista, talvez se assente o pensamento de Carneiro (2000, p. 23)
que, diante de reconhecer todas as atrocidades, morticínio, doenças e guerras contra os povos
indígenas, afirma que estes não foram apenas “[...] vítimas de uma política e de práticas que
lhes eram externas e que os destruíram, mas foram, também, atores políticos importantes de
sua própria história”. Nessa mesma direção, Barth (2011. p.188) ressalta que não podemos
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pensar fronteira apenas como algo que separa, mas como ponto que se faz presente e que “[...]
as distinções étnicas não dependem de uma ausência de interação social e aceitação, mas são,
muito ao contrário, frequentemente as próprias fundações sobre as quais são levantados os
sistemas sociais englobantes”. Para este autor as diferenças culturais podem permanecer
apesar do contato interétnico e da interdependência dos grupos.
Entendemos, nesse sentido, que as fronteiras étnicas desenvolvem processos sociais,
tanto de absorção quanto de eliminação através do contato e informações. Dessa forma, as
fronteiras sobrevivem, ainda que exista no seu curso pessoas que as atravessam.
Diante do exposto, confirma-se, portanto, que as fronteiras geográficas, sociais,
econômicas, linguísticas, culturais e étnicas definidas desde a ocupação do território
brasileiro, se estenderam em todos os momentos históricos nos diversos espaços deste
território. No Maranhão, por exemplo, os exploradores europeus marcaram suas presenças
desde o final do século XVI, no litoral, enquanto a parte do sul do Maranhão, conhecida como
sertões maranhenses, foi colonizada a partir do século XVIII. As pesquisas desenvolvidas por
Franklin (2005, p.11), afirmam que:
[,,,] até a segunda metade do século XIX, o povoamento do Maranhão se resumia a
faixa litorânea e algumas poucas vilas e povoados às margens dos rios Mearim,
Pindaré e Itapecuru, sendo Aldeias Altas (atual Caxias) a vila que se localizava mais
ao sul e também a mais distante da capital da Província.
Nesse sentido, foram mais de dois séculos, entre a fundação de São Luís, pelos
franceses, e a colonização dos sertões maranhenses. Diante dessa realidade acentua-se a
oposição entre litoral e sertão. Oposição não somente nas diferenças físicas, geográficas, mas
para classificar um espaço como superior em detrimento do outro. O litoral como espaço
civilizado, em desenvolvimento, urbanizado, de cristandade e de cultura. Embora habitado por
negros e índios, era totalmente dominado pelo branco. Já o sertão maranhense era considerado
lugar temido por ser habitado por muitos povos indígenas que, por sua vez, eram vistos como
pessoas selvagens e de culturas inferiores. Por muito tempo os habitantes dos sertões
maranhenses, foram considerados empecilho para a povoação, porém, necessários para mão
de obra escrava.
Os indígenas que resistiram a esses propósitos foram dizimados, outros forçados a
assimilação de uma cultura alheia e ao trabalho forçado. Esse contexto faz parte de uma
vergonhosa página da história da ocupação dos sertões maranhenses (CARVALHO, 2006)
3 A OCUPAÇÃO DOS SERTÕES MARANHENSES E AS CONSEQUÊNCIAS PARA
OS POVOS INDÍGENAS
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Estudos2 demonstram que até o início do século XIX, a povoação no Maranhão se
limitava ao litoral, algumas vilas e povoados a beira dos rios Mearim, Itapecuru e Pindaré, e
outras poucas nas proximidades de São Luís, estendendo-se até a vila de Caxias. Isso
confirma que os governantes não deram importância para a região sul do território
maranhense por muito tempo. As representações construídas desse sertão expressavam
sentido de deserto, despovoado, coberto de matas sombrias de onde surgiram rumores
misteriosos, porém, ao mesmo tempo, belo, rico em potencial, onde acreditava-se que
somente o homem civilizado seria capaz de torná-lo produtivo.
A história do sertão nordestino e do sul do Maranhão, para Franklin (2005), está
diretamente ligada a Casa da Torre de Garcia D’ Avila3. Foi neste monumento que
planejaram e organizaram as grandes descidas dos bandeirantes para explorar, desbravar e
dominar os sertões, atravessando o rio São Francisco com boiadas, alongando os poderes e
comandos dos Ávilas até ao Piauí e ao Maranhão. Para Ribeiro apud Franklin e Carvalho
(2005, p. 148)
Domingos Afonso Sertão e outros seus companheiros que do rio São Francisco, nos
sertões da Bahia, vieram atravessando e povoando todo Piauí, por eles
verdadeiramente descoberto, foram os primeiros que, passando aquém do Parnaíba,
estabeleceram as primeiras povoações de Pastos Bons, sacudindo para o sudoeste e
para o oeste o referido gentilismo. Seus progressos de populações foram bastante
rápidos: lançaram-se as primeiras fazendas de gado nas cabeceiras do rio Piauí, e
como em um momento apareceu a capitania deste nome, a sua capital, as suas vilas e
até os estabelecimentos.
Com a povoação de Pastos Bons, a frente pastoril passou a dar sentido a existência
social desse novo espaço, pois os pastos verdes, a abundância de água e vegetação, o clima e
todos os aspectos físicos e geográficos favoreciam a criação criação do gado e, assim, a
construção de uma identidade com o lugar pelo colonizador.
A corrente povoadora agropastoril, oriunda da Casa da Torre foi à responsável pela
ocupação desses sertões. Conduzida predominantemente por vaqueiros baianos, pouco a
pouco ocupou uma extensão que ia do extremo leste a oeste e sul do estado, chegando ao
início do século XIX, aos limites do atual estado do Goiás4. Pastos Bons foi a primeira cidade
criada, seguida de Carolina, Riachão, Grajaú, Imperatriz, Loreto e Barra do Corda que,
juntamente com os novos municípios criados e desmembrados dos antigos, formaram o
quadro geográfico do sul do Maranhão. A respeito dessa frente de ocupação, Cabral relata
que
2 Cabral (1992), Carvalho (2006), Ribeiro (1819),Franklin (2008 ) Nimuendajú (1944) entre outros.
3 Constitui em uma fortificação (Casa Feudal) construída por Garcia D’ Avila, um dos maiores donatários de
terra do século XVII, localizada em Salvador. Esta “casa” foi responsável pelo desbravamento do sertão
nordestino. 4 O limite territorial entre Maranhão e Goiás, atual estado do Tocantins, está delimitado pelo rio Tocantins.
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[...] abrindo caminhos, devassando campos, ocupando espaços, povoou o São
Francisco, chamado rio dos currais, espalhou-se pelos sertões piauienses e atingiu os
campos naturais do sul do Maranhão – os famosos Pastos Bons, forjando uma vida
em sociedade bastante característica(CABRAL, 1992, p. 64) .
Contudo, surge para os exploradores um empecilho: a convivência, ou a aceitação dos
que já viviam no mesmo espaço. Nesse contexto, uma nova fronteira se fazia presente. O que
poderia ser espaço de diálogo, de respeito pelas diferenças e possibilidades de interação se
tornou lugar de genocídio dos povos indígenas, ou seja, lugar de redução da população
Timbira5.
As guerras contra os índios no Maranhão se intensificaram a partir do surgimento da
povoação de Pastos Bons6 (1750), “[...] originada das entradas dos sesmeiros da Casa da
Torre no Território do Piauí, que afugentavam e aprisionavam os índios para alargar as áreas
de criação de gado, quando se deu início ao processo de povoamento do sul do Maranhão”
(FRANKLIN e CARVALHO, 2005, p. 12).
Franklin e Carvalho (2005) argumentam que as frentes colonizadoras – a frente
pastoril nordestina, a frente de expansão litorânea, a frente de ocupação goiana, a frente
colonizadora do Pará – foram responsáveis pelos massacres e desaparecimentos de muitos
povos indígenas que habitavam as terras maranhenses. O Roteiro da viagem que fez o major
Francisco de Paula Ribeiro- às fronteiras da Capitania do Maranhão e de Goiás- documenta a
crueldade com que eram tratados os índios capturados com a falsa promessa de paz.
[...] no dia 30 de junho de 1815, quinhentos ou seiscentos índios Purecramecrã
entram em São Pedro de Alcântara, hoje Carolina, em demonstração de paz
proposta por Moreira da Silva, que meses depois os reduziu à servidão. [...] em 27
de julho assistiu a entrada de mais 160 Purecramecrã, sendo que, destes, 130 foram
ferrados a fogo e vendidos à escravidão (FRANKLIN e CARVALHO, 2007, p.128).
Também com fundamento nos registros de Francisco Paula Ribeiro, Nimuendajú
(1944) afirma que a causa principal da guerra aos índios não era a necessidade da abrir novas
áreas à colonização nem a de assegurar as já ocupadas, mas a avidez dos colonos por obter
escravos índios.
Nas primeiras décadas do século XIX, ainda habitavam o Sul do Maranhão dezoito
povos, com predominância dos povos Timbira, tais como os Amajó, Angetgê, Apinagé,
Augutgê, Canaquetgê, Kapiecrã, Canela, Guajajara, Macamecrã, Norocoagê, Piocobgê
(Gavião), Poncatgê (Krikati), Ponecra, Purecamecrâ, Sacamecrã, Tacamedu, Xavante e
5 A nação Timbira nos dias atuais é composta pelos Krahô, Gavião-Pykobjê (Pyhcopcatiji), Krikati, Apinajé,
Apanjêkra e Canela - Ramkokamekra e ocupam tradicionalmente áreas do cerrado no norte do Tocantins e sul do Maranhão (LADEIRA, 2012). 6 Para Franklin (2005, p.13), Pastos Bons compreendia todo o território maranhense abaixo de Caxias, em toda
a sua extensão leste-oeste, do Parnaíba ao Turiaçu.
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Xerente. Essa realidade demonstra a violência com que se deu a povoação e colonização do
sul do Maranhão. A expulsão dos povos indígenas de suas terras, para dar lugar às fazendas
de gado, mostra que estes eram considerados obstrução ao desenvolvimento. Nesse sentido, a
estratégia encontrada pelos colonizadores foi eliminar todas as possibilidades de resistência à
expansão do povoamento dos sertões. Para tanto, atos desumanos, como a dizimação,
escravização, foram as soluções utilizadas para retirar os povos indígenas de cenário.
Francisco de Paula Ribeiro (1819) narra um fato como um dos mais degradantes no
processo de povoamento do sertão de Pastos Bons.
[...] na cidade de Caxias em 1815, quando tropas de paisanos prenderam
indistintamente homens e mulheres dos Capiecrã que estavam de paz, muitas dessas
mulheres eram mães de filhos pequenos em fase de aleitamento. A prova do
sofrimento dessas mães era mostrar os peitos cheios de leite em sinal de que tinham
filhos pequenos passando fome em suas casas. O gesto dessas mães em pedir
piedade dos brancos pelos inocentes que ficaram privados do alimento materno
(FRANKLIN e CARVALHO, 2007, p.190)
Mesmo diante de todas essas atrocidades, os povos indígenas reagiram. Em 1813 uma
bandeira veio de Pastos Bons subtrair o último pedaço de terra que pertencia aos índios. Na
ocasião preparam emboscada para matar os homens e mulheres, roubar as roças e escravizar
os pequenos filhos dos Timbira. Munidos com armas de fogo e munições a bandeira
encontrou os povos Timbira no alto da serra. O enfrentamento deixou vários índios mortos,
mas não foi o suficiente para aniquilar as forças, especialmente dos índios guerreiros, que
davam a vida em proteção a sua comunidade. Com o espirito de luta, entraram em meio aos
bandeirantes e se apoderaram das armas e munições deixando 86 bandeirantes mortos a golpe
a tacape (CARVALHO, 2006).
Diante do episódio este lugar ficou conhecido como serra da desordem e retardou a
conquista dessa porção de terra segundo a mesma autora Esse episódio reforça que as
fronteiras sociais entre colonizadores e indígenas, nos sertões maranhenses, foram lugar de
extermínio, de genocídio, de desumanidade, de redução de povos indígenas, mas não
suficiente para aniquilar todas as forças e resistências desses povos. Reagiram, e
ressignificaram seus valores, culturas, crenças, pertencimento, e hoje, o passado em suas
memórias coletivas e individuais, servem de conteúdo para fortalecer as novas gerações
indígenas.
4 PALAVRAS FINAIS
A partir das produções historiográficas, constata-se que as representações de oposição
entre cidades e sertões foram carregadas de interesses e concepções que marcaram um
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contexto histórico no espaço-tempo. Assim, todos os conceitos, tanto do primeiro quanto do
segundo, foram se forjando a partir de escolhas feitas por pessoas ou grupos, influenciadas
pelo contexto sócio-político, econômico e histórico. Muitos desses conceitos continuam
perpetuados no imaginário das pessoas, principalmente, pelo senso comum, como forma de
olhar para o “outro”, tendo a centralidade do “eu” como modelo ou superioridade.
Assim, sertão nos primeiros escritos, aparece como espaço de pessoas incultas que
precisam ser civilizadas por aquele que habita na cidade. O que definia civilização – e que
ainda é compartilhado por muitos - era a organização urbana. Dessa forma, todo espaço que
não se enquadrava nesta categoria, eram impostos aos seus habitantes, novas concepções de
espaço, tempo, economia, cultura com o propósito de eliminar as diferenças e homogeneizar
os espaços com os ideários estabelecidos por quem se considerava superior aos habitantes dos
sertões.
Contudo, todos esses estereótipos não foram suficientes para uniformizar a identidade
dos sertões maranhenses que, além do sertanejo, é marcada pela forte presença dos Timbiras
que ocuparam tradicionalmente esses territórios. (RIBEIRO apud FRANKLIN, CARVALHO,
2007).
As produções historiográficas que se referem ao sul do Maranhão7 foram publicadas
com o propósito de dar voz e cor a uma região isolada e excluída pela historiografia
maranhense, realçando ainda as qualidades. Conclui-se que os diversos grupos indígenas
foram vistos por aqueles considerados desbravadores dos sertões maranhenses, como um
empecilho, um problema a ser superado diante da conquista do gado, e esse mesmo olhar, é o
que irá determinar a forma como essas populações indígenas foram percebidas e isoladas da
memória regional ao longo dos anos.
No entanto, a bravura dos povos indígenas não permitiu suas extinções. Embora
poucos tenham conseguido resistir aos extermínios, eliminação cultural e escravização, estão
hoje se fortalecendo como povo, que respeita a cultura do não índio, que estão abertos para o
diálogo intercultural e, principalmente, aumentando a população ano após ano, lutando pela
garantia dos direitos já conquistados, reafirmando suas culturas e mostrando que não há
cultura estática, dando exemplos que é preciso resignificá-la a cada momento histórico sem
perder o mais importante: ser índio.
7 Francisco de Paula Ribeiro (Memória dos Sertões Maranhense, 2007), Eloy Coelho Neto (História
do Sul do Maranhão: terra, vida, homens e acontecimentos, 1979), Maria do Socorro Coelho Cabral (Caminhos do Gado: Conquista e ocupação do Sul do Maranhão, 1992), entre outros.
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