sergina araujo de alencar - compreensão de situações problema enem

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  • 7/22/2019 Sergina Araujo de Alencar - Compreenso de situaes problema Enem

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARCENTRO DE HUMANIDADESDEPARTAMENTO DE LETRAS VERNCULAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA

    SRGINA ARAJO DE ALENCAR

    COMPREENSO DA SITUAO-PROBLEMA, DOENUNCIADO E DAS OPES DE RESPOSTA NASQUESTES DO ENEM

    FORTALEZA2009

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    SRGINA ARAJO DE ALENCAR

    COMPREENSO DA SITUAO-PROBLEMA, DO

    ENUNCIADO E DAS OPES DE RESPOSTA NASQUESTES DO ENEM

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica da UniversidadeFederal do Cear como requisito final paraobteno do ttulo de Mestra em Lingustica.

    Orientadora: Prof. Dr. Vldia Maria CabralBorges

    FORTALEZA2009

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    SRGINA ARAJO DE ALENCAR

    COMPREENSO DA SITUAO-PROBLEMA, DOENUNCIADO E DAS OPES DE RESPOSTA NAS

    QUESTES DO ENEM

    Esta dissertao foi submetida ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica, como partedos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre, outorgado pela UniversidadeFederal do Cear.

    Dissertao defendida e aprovada em: 03 / 09 / 2009

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________________________Prof. Dr. Vldia Maria Cabral BorgesUFC

    (Orientadora)

    __________________________________________________________Prof. Dr. Antonio Luciano PontesIES/UECE

    (1 Examinador)

    __________________________________________________________Prof. Dr. Ana Cristina Pelosi de MacedoUFC

    (2 Examinadora)

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    Aos meus filhos.

    Aos meus pais.

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    AGRADECIMENTOS

    A Deus, que em sua infinita bondade me fez superar as dificuldades que se apresentaram ao

    longo dessa trajetria.

    Aos meus pais, que muitas vezes na expresso de seu amor acalmaram o meu corao,acreditando sempre em minha capacidade.

    Aos meus filhos: Van e Bia, que de alguma maneira foram sbios, compreendendo a atenoque fora necessria para a confeco dessa pesquisa, e em suas saudades e carncias ainda

    perceberam o meu grande amor por eles.

    Ao grupo de professores que compe o curso de Ps-Graduao em Lingustica da UFC.

    Prof. Dr. Vldia Maria Cabral Borges pela pacincia e dedicao com que me acolheu.

    Aos alunos da E.E.M. Liceu Vila Velha pela participao voluntria na pesquisa.

    Aos meus amigos de trabalho: Antunes, Benedita, Cludia Sales, Cludia Santos, Jaqueline,Marco Antnio, Michella Rita, Veridiana e Zulene que me ajudaram compreendendo minhasausncias, acolhendo-me sempre que necessrio na conquista desse sonho.

    Aos muitos annimos que moram em meu corao.

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    [...] costumvamos desafiar os alfabetizandos com um conjunto desituaes codificadas de cuja decodificao ou leitura resultava apercepo crtica do que cultura, pela compreenso da prtica oudo trabalho humano, transformador do mundo.

    (Paulo Freire)

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    RESUMO

    Esta pesquisa objetivou avaliar a compreenso leitora das situaes-problema do Exame

    Nacional do Ensino Mdio (ENEM), que contm em sua estrutura questes contextualizadas,creditando ao aspecto leitor o cerne de sua resoluo. Nossa base terica fundamentou-se nosestudos de Alliende e Condemarin (2005), Brown (1980), Haberlandt (1988), Kintsch (1994),Van Dijk e Kintsch (1978), Rumelhart (1985), Silva (2005), Singer (1988), Smith (1989,1999), Sol (1998), Spiro (1980), Van Dijk (1996), Kato (2004), Koch (2006a, 2006b) eMarcuschi (2008). A pesquisa foi realizada em duas etapas assim definidas: simulado e provasubjetiva. Para o simulado foram escolhidas dez questes das provas do ENEM entre 1998,ano de implantao do exame, e 2007, que abordavam o contedo de Lngua Portuguesa eapresentavam como situaes-problema textos de gneros variados. A finalidade do simuladofoi selecionar questes de nveis de dificuldade variados. Os resultados obtidos no simulado

    possibilitaram a elaborao da prova subjetiva composta por quatro questes, assimdiscriminadas: 1 (uma) questo com o maior percentual de acertos no simulado, 1 (uma)questo com o menor percentual de acerto no Simulado e 2 (duas) questes com percentual deacerto mdio. Na prova subjetiva elaboramos perguntas com a finalidade de identificarmos acorrelao entre a compreenso leitora das situaes problemas e a resoluo das questes deLngua Portuguesa no ENEM, a partir da produo de inferncias e da identificao do

    propsito dos enunciados das questes de Lngua Portuguesa do ENEM. A anlise dosresultados obtidos na prova subjetiva evidenciou que nem sempre a compreenso da situao-

    problemao textoque se apresenta na questo assegurou a identificao do que est sendoinquirido no enunciado, apesar de os alunos terem produzido inferncias necessrias compreenso leitora. Tambm foi constatado que, por vezes, os alunos no conseguiram

    estabelecer uma relao lgica de sentido entre o texto (situao-problema), o enunciado e asopes. A este fato, destacamos a maneira como a questo apresentada e o enfoque que sefaz do texto (situao-problema) para a relao de coerncia com o enunciado, o tipo deabordagem e as opes de resposta, ou seja, a prpria estrutura da questo.

    Palavras-chave: Compreenso Leitora; Inferncias; Situao-Problema; ENEM.

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    ABSTRACT

    The main purpose of this study was to evaluate the comprehension of texts which

    contextualize questions on the National High School Exam (Exame Nacional do EnsinoMdioENEM). The answers to the questions in this exam are, therefore, highly dependenton students reading skills. The study is theoretically grounded on the works of: de Alliende eCondemarin (2005), Brown (1980), Haberlandt (1988), Kintsch (1994), Van Dijk e Kintsch(1978), Rumelhart (1985), Silva (2005), Singer (1988), Smith (1989, 1999), Sol (1998),Spiro (1980), Van Dijk (1996), Kato (2004), Koch (2006a, 2006b) e Marcuschi (2008). Theresearch was conducted in two parts: Practice Test and Open-Ended Questions. Ten multiple-choice questions from previous tests of the National Exam (from 1998 to 2005) were chosenfor the Practice Test. The choice of the questions was based on two criteria: questions whichdealt with Portuguese content and which used texts of different genres for contextualization.The goal of the Practice Test was to select questions of different difficulty levels to use for theOpen-ended Questions. Based on the results of the Practice Test four questions were chosenfor the Open-ended Questions: 01 (one) question with the highest scores in the Practice Test,01 (one) question with the lowest scores, and 02 (two) questions with medium percentage ofscores. The Open-ended questions were elaborated so as to allow for the identification of thecorrelation between the comprehension of the contextualized texts and the answering of thePortuguese questions on the National Exam based on the inferences made and on theidentification of the purpose of the questions. The analysis of the results obtained for theOpen-ended Questions demonstrated that the comprehension of the contextualizing texts isnot always enough to guarantee the understanding of what is being asked in the question orthe answering of the question, even when students make appropriate inferences and are able to

    establish logical relationships between the texts and the questions. Other factors such as theform and structure of questions and the degree of coherence among the text, the instructionsto the question and the question itself also affect question responses.

    Palavras-chave: Reading comprehension; Inferences; Contextualized questions; NationalHigh School Exam (ENEM).

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1Clculo da mediana de acerto.............................................................................. 74.

    Quadro 2Questes selecionadas para segunda etapa da pesquisa ...................................... 74.

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1Distribuio de questes acertadas por aluno ........................................................ 74

    Tabela 2Distribuio do nmero de acertos por questo ..................................................... 74

    Tabela 3Nmero e Percentual de Alunos que Compreenderam a Macroestrutura dos Textosdas questes 6, 8, 1 e 4 .......................................................................................... 79.

    Tabela 4Nmero e percentual de alunos que estabeleceram relao entre o texto e oenunciado das questes 6, 8, 1 e 4 ......................................................................... 81.

    Tabela 5Compreenso das Questes 6, 8, 1 e 4 .................................................................. 83.

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    SUMRIO

    INTRODUO ..................................................................................................................... 12.

    1 A (RE)CONSTRUO DE SIGNIFICADOS TEXTUAIS........................................... 20.

    1.1 Concepes de leitura ............................................................................................... 20.

    1.2 Compreenso leitora ................................................................................................. 26.

    1.3 Processamento textual .............................................................................................. 34.

    1.4 Os processos de inferncia na construo do sentido textual...................................... 44.

    2 O PROCESSAMENTO TEXTUAL NO EXAME DO ENEM...................................... 49.

    2.1 Conceito de leitura no ENEM ..................................................................................... 50.

    2.2 O papel da compreenso leitora na resoluo de situaes-problema......................... 52.

    2.3 As situaes-problema propostas nas questes do ENEM........................................... 53.

    2.4 Os textos apresentados na situao-problema ........................................................... 55.

    3 PROCEDIMENTO METODOLGICO ......................................................................... 61.

    3.1 Primeira etapa da pesquisa: teste simulado ................................................................ 61.

    3.1.1 Sujeitos .................................................................................................................. 61.

    3.1.2 Instrumento ........................................................................................................... 62.

    3.1.3 Procedimentos de coleta de dados ......................................................................... 63.

    3.2 Segunda etapa da pesquisa: prova subjetiva ............................................................... 63.

    3.2.1 Sujeitos .................................................................................................................. 63.

    3.2.2 Instrumento ........................................................................................................... 63.

    3.2.3 Procedimento de coleta de dados .......................................................................... 65.

    4 ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS DA PESQUISA................................ 67.

    4.1 Anlise das questes ................................................................................................. 67.

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    4.2 Anlise dos dados da Primeira Etapa: Simulado ......................................................... 73.

    4.3 Anlise dos dados da Segunda Etapa: Prova Subjetiva ............................................... 75.

    4.3.1 Primeira parte da prova subjetiva: compreenso da macroestrutura do texto (situao-

    problema) ....................................................................................................................... 77.

    4.3.2 Segunda parte da prova subjetiva: percepo da relao entre o texto (situao-

    problema) e o enunciado ................................................................................................ 80.

    4.3.3 Terceira parte da prova subjetiva: compreenso da questo.................................... 83.

    4.4 Discusso dos resultados ........................................................................................... 86.

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................ 88.

    REFERNCIAS .................................................................................................................... 93.

    APNDICES ......................................................................................................................... 98.

    ANEXOS .............................................................................................................................. 110.

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    INTRODUO

    A principal perspectiva de abordagem do ENEM tem como foco central oprocesso de compreenso leitora em toda sua avaliao, a partir da prpria estruturao da

    prova. O ENEM busca em sua fundamentao didtico-metodolgica garantir um destaque

    para a leitura e a interpretao de textos verbais ou visuais atravs de um entorno

    contextualizado antes de cada enunciado. As questes so chamadas, assim, de situaes-

    problema em que se tem a perspectiva, a partir de uma anlise global, de um construto

    significativo demonstrado na sua proposta de avaliao (BRASIL, 2005).

    Embora nosso trabalho no seja, especificamente, voltado para o ensino de leitura,

    ele no ignora a importncia dos pressupostos pedaggicos de tal ensino, pois estes

    pressupostos tm influncia no desenvolvimento da compreenso leitora dos alunos do ensino

    mdio, a qual tem uma importncia fundamental em nossa pesquisa.

    Assim, em nossa concepo, compreenso leitora, ensino de leitura, teorias

    didtico-metodolgicas e exames avaliativos precisam estar em permanente consonncia para

    que se obtenha xito na perspectiva da educao em relao ao ensino de lngua materna que

    seria compreender o mundo e a cultura a partir de um estudo sistemtico e objetivo, tendo

    como atividade bsica e essencial o ato de ler em seu sentido mais amplo e, ao mesmo tempo,

    preciso e nico no que concerne incluso no universo da sociedade letrada.

    Alguns trabalhos sinalizam para a necessidade de se articular o ensino na

    educao bsica com as novas propostas terico-metodolgicas contidas nos Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCNs) do ensino mdio no tocante ao tratamento da leitura, bem

    como a divulgao de reas de investigao lingustica como, por exemplo, a Lingustica

    Textual no sentido de direcionar os princpios para a abordagem do texto e para os

    pressupostos desse estudo em sua correlao com o ensino de lngua materna (KOCH, 2002).

    E nesse pensamento se observa ainda a insistncia na preparao dos professores para o

    ensino de leitura, a partir do conhecimento do processo leitor em si, das estratgias de leitura

    utilizadas na construo de sentido de um texto e de estratgias de interveno eficientes para

    a formao de leitores proficientes (FREGONEZI, 2002).

    Dentre alguns trabalhos que tm como tema o ENEM, alguns fazem uma reflexo

    mais especfica desse exame avaliativo, voltada para as prticas educacionais vigentes

    pautadas nas diretrizes curriculares da educao bsica (OLIVEIRA, 2002), ou em relao

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    perspectiva poltica e social da aplicabilidade do exame em termos de propaganda

    governamental (NASCIMENTO, 2006), ou ainda, a uma determinada disciplina com seus

    contedos especficos e a sua correlao com a nova proposta avaliativa do ENEM

    (ANDRADE, 2007); outros trabalhos fazem um estudo sobre a proposta de produo textual a

    partir do estudo do enunciado proposto, as perspectivas para a elaborao do texto e a anlise

    minuciosa do que realmente se pretende como comando de uma produo ideal, tendo como

    requisitos as devidas caractersticas textuais do que se chamaria de um bom texto. Essa

    proposta fundamenta-se em um ensino baseado em gneros textuais, fazendo uma referncia

    necessidade de reformulao curricular no ensino mdio que contemple os indivduos como

    sujeitos sociais dentro de um contexto sociocultural (ZIRONDI, 2006).

    Nessa mesma linha de pesquisa, destacamos o artigo de Reinaldo (2002), que

    enfatiza as concepes tericas sobre gneros textuais e sua respectiva abordagem no ensino

    mdio, fazendo um link produo textual do ENEM. A autora busca dar relevo s teorias

    sobre gneros textuais e suas implicaes pedaggicas a fim de que as propostas de produes

    textuais do ENEM possam ser frutos de prticas sociais situadas.

    Diante de tal importncia da atividade leitora no processo avaliativo do ENEM,

    chama nossa ateno a pesquisa cujo ttulo : O ENEM um mecanismo de reformulao ou

    uma avaliao do ensino da Lngua Portuguesa? (OLIVEIRA, 2002). Isso parece bastante

    sugestivo para o fenmeno chamado leitura, atribuindo todo o status que a prpria

    fundamentao terico-metodolgica desse exame enfatiza no aspecto leitor. Essa pesquisa

    analisa os postulados que esto presentes nesse exame, enfatizando no s o processo de

    leitura como tambm a escrita e a anlise lingustica com o intuito de aperfeioar o ensino de

    Lngua Portuguesa na educao bsica, notadamente no ensino mdio, a partir das novas

    diretrizes que norteiam o ensino de uma maneira geral desde as leis educacionais vigentes at

    as orientaes curriculares e tericas para a elaborao de exames avaliativos governamentais.

    Nessa perspectiva, esse trabalho destaca-se pela reflexo acerca do prprio ensino

    de Lngua Portuguesa no ensino mdio e pela anlise das questes a partir do eixo que

    fundamenta a elaborao de itens do ENEM na apresentao de situaes-problema como a

    interdisciplinaridade e a contextualizao. Esse trabalho j sinaliza para a investigao das

    questes, tendo como referncia o processo de compreenso e interpretao de textos,

    observando dentro de uma viso global da apresentao do texto, a questo-comando e a

    correlao com as opes de escolha da questo. Oliveira (2002) elenca questes que tenham

    textos prviosindependente do contedo a ser requerido e faz uma abordagem minuciosa

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    sobre as possveis estratgias utilizadas pelo alunado, tendo como base o nmero de assertivas

    das questes analisadas.

    Essa investigao a que mais se aproxima de nosso estudo, no tocante ao objeto

    investigado (texto/questo), mas o vis que norteia nossa pesquisa o destaque dado s

    questes contextualizadas na estruturao da prova e, para tanto, buscamos analisar a

    pertinncia dos textos prvios, tratados e chamados aqui de situao-problema. Assim,

    buscamos avaliar a compreenso da situao-problema, como esta se constitui de sentido a

    partir do propsito do enunciado apresentado.

    Portanto, sobre o ENEM, temos estudos abordando desde a perspectiva

    governamental da aplicao do exame, passeando por temas relacionados proposta didtico-

    metodolgica subjacente ao exame; necessidade de reforma curricular no ensino mdio,

    novas metodologias e abordagens; proposta de produo textual juntamente com a

    aplicabilidade do conceito de gnero textual; anlise pontual do exame em relao ao

    contedo especfico de uma disciplina e sua correlao com a nova proposta do ENEM. No

    entanto, esses estudos no fazem aluso ao que propusemos nesta pesquisa, isto , o problema

    da contextualizao das questes de Lngua Portuguesa atravs da apresentao da situao-

    problema enquanto elemento facilitador da compreenso e percepo do propsito do

    enunciado das questes.

    Observamos ainda um nmero significativo de pesquisas que tm como tema a

    leitura. Elas sinalizam para pontos essenciais como, por exemplo: descrever o processo que se

    faz no mbito da leitura, elencar estratgias, assegurar o domnio de uma base terica

    subjacente ao trabalho escolar que possa atender a demanda de dificuldade desse pblico

    leitortanto professores como alunos , entre outros tpicos que sustentam de uma maneira

    geral a necessidade de se conhecer esse processo para melhor vivenci-lo em termos de

    prticas reais.

    Dentre essas pesquisas, podemos citar as realizadas por Rosa (2005), Ferreira e

    Dias (2005), Falco (1996), Palcio (2002), Sousa (2003), Godinho (2004). Rosa (2005)

    busca descrever o processo de gerao de inferncias realizado pelos leitores, tendo como

    base o texto escrito. Esse autor faz uma anlise minuciosa de cada aspecto textual que surge

    como referente e o correlaciona a aspectos extratextuais e extralingusticos para a construo

    de sentido do texto. A nossa pesquisa aproxima-se da dele em alguns aspectos no que dizrespeito busca do processamento textual como referente na construo de sentido. No

    entanto, nesse trabalho o autor no sugere um comando uma questo aps a leitura do

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    texto e, assim, no relaciona o que pretendemos investigar, a propositura de uma questo que

    tenha como fonte motivadora a apresentao de um texto prvio e sua devida compreenso

    para a resoluo do item.

    Ferreira e Dias (2005) apontam para um conceito de leitura engajado com o social

    e com uma ativa participao do leitor. As autoras sustentam as bases tericas que tratam da

    leitura a partir da interao entre autor-texto e leitor num contnuo processo de construo e

    reconstruo do sentido de um texto. As ideias defendidas pelas autoras fomentam nossa base

    terica e , por assim dizer, a concepo bsica sobre leitura que permeia nossa pesquisa.

    Falco (1996) faz uma investigao sobre a proficincia lingustica necessria

    para a compreenso de textos em Lngua Inglesa. A autora enfoca o processo de compreenso

    leitora a partir de um conhecimento lingustico mnimo presente na gramtica da lngua, bem

    como observa as dificuldades do processamento textual e discursivo a partir de elementos de

    ordem essencialmente sinttica. Esse trabalho nos relevante na medida em que aborda a

    compreenso leitora em sua perspectiva psicolingustica, corroborando com a fundamentao

    terica que ampara nosso objeto de estudo no aspecto cognitivo do processamento textual

    destacando o processo de produo de inferncias que esto no cerne de nossa pesquisa.

    Palcio (2002) faz uma pesquisa que investiga a produo e a interpretao dettulos como indicadores de proficincia em leitura; a autora trabalha na perspectiva de uma

    construo ativa de significado por parte do leitor que vai alm dos dados lingusticos

    apresentados, porm a partir deles construdo em um contexto especfico. Esse estudo se torna

    relevante na medida em que explora a compreenso leitora para alm do texto apresentado

    para a possvel inferncia de um construto significativo dentro de um propsito anunciado.

    Sousa (2003) trabalha com a compreenso de textos argumentativos fazendo

    colocaes sobre a proficincia em leitura e uma melhor identificao de aspectos textuaisque fundamentam a ideia de um texto. Esse estudo enfoca o nvel de compreenso leitora,

    sem, contudo, fazer uma anlise entre o texto e a proposta que tenha no nterim a participao

    ativa do leitor no reconhecimento desse texto e na identificao de possveis propsitos.

    Godinho (2004) pesquisa a compreenso leitora nos livros didticos destinados ao

    ensino mdio. Ela aponta as principais diretrizes subjacentes sobre o ensino de leitura nas

    novas diretrizes curriculares e faz uma anlise dos exerccios de leitura e compreenso

    propostos nos livros didticos, concluindo que esses exerccios, em sua maioria, ainda tratama lngua como um cdigo e o processo de leitura interpretativa como a mera decodificao do

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    texto apresentado. Essa pesquisa aponta para uma anlise sobre os comandos (questes), mas

    ainda no o faz tendo como tema central de investigao que seria a identificao do

    propsito de um enunciado, o qual tenha como base o processamento do texto apresentado em

    seu contexto.

    Nesse sentido, nossa pesquisa vislumbra resultados em uma ao interativa maior,

    pelo menos em termos de avaliao que tenha como cerne o processo leitor. Para tanto,

    fazemos um percurso terico acerca dos temas abordados de forma emergente da

    fundamentao terico-metodolgica do ENEM, a saber: leitura, compreenso e textos que

    fomentam toda a estruturao da prova.

    Ressaltamos o entrelao necessrio entre a proposta didtico-pedaggica do

    ENEM que fundamenta a sua estrutura, os possveis leitores participantes desse exame e o

    prprio processo de compreenso leitora em volta de um entorno contextualizado, tendo como

    base a maneira como se apresentam as questes situao-problema, enunciado e opes ,

    uma vez que a mxima de sua elaborao mostra que a leitura est presente em todas as

    competncias descritas no exame, eleita, por assim dizer, como uma arquicompetncia do

    processo avaliativo como um todo (BRASIL, 2005).

    Assim, por ser a leitura uma fundamentao bsica da ideologia desse exameavaliativo governamental, a consideramos como o cerne de nossa pesquisa a partir das

    questes apresentadas e da ativa participao do aluno-leitor nesse evento.

    Nesse sentido, entendemos que a compreenso leitora de situaes-problema e a

    elaborao de inferncias so elementos essenciais na resoluo de questes.

    Nosso objetivo geral avaliar a compreenso leitora das situaes-problema e a

    resoluo das questes, a partir da produo de inferncias e da identificao do propsito dos

    enunciados dessas questes.

    Especificamente, ressaltamos a compreenso dos alunos do terceiro ano do nvel

    mdio de uma escola pblica de Fortaleza na leitura das situaes-problema propostas nas

    questes que verso sobre o contedo de Lngua Portuguesa do ENEM; as inferncias feitas

    por esses alunos no ato da leitura das situaes-problema; a relevncia na produo de

    inferncias para o acerto da questo; e, por fim, a possvel relao entre a compreenso das

    situaes-problema e a identificao do propsitoo que se pede do enunciado da questo.

    O ENEM surge como uma proposta de abordagem de exame educacional a partir

    da apresentao de situaes-problema. O aluno recm-egresso do ensino mdio passa a ser

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    avaliado no que diz respeito ao desenvolvimento de competncias e habilidades necessrias

    para o exerccio da cidadania no seio da sociedade letrada. Esse destaque vem de parmetros

    internacionais que acentuam a importncia de uma formao geral para quem est na

    educao bsica e sua preparao para a atuao social, quer em termos acadmicos, quer no

    mercado de trabalho. Para tanto, o ENEM busca ressaltar a necessidade de uma maior

    qualidade de ensino na educao bsica, valorizando situaes que apresentem uma

    contextualizao adequada para a interpretao dos cdigos e da linguagem, servindo-se de

    conhecimentos adquiridos para a atuao social precisa e oportuna no meio vigente.

    A proposta de uma abordagem de exame educacional a partir da apresentao de

    situaes-problema, tendo como composio a insero de textos prvios que funcionem

    como motivadores para a compreenso da questo e que despertem a elaborao de

    inferncias para o acerto da questo, refora a necessidade de que os alunos, ao final do

    ensino mdio, sejam leitores proficientes, uma vez que a leitura denominada, na

    fundamentao terico-metodolgica do ENEM, como uma arquicompetncia.

    Nesse contexto, surge nosso questionamento: embora o ENEM tenha um

    embasamento terico que ressalta a elaborao de questes na forma de situaes-problema, o

    baixo desempenho dos alunos nessas provas aponta para a necessidade de se analisar essas

    situaes-problema, sua compreenso e se (e de que maneira) essas situaes so eficazes em

    suscitar a elaborao de inferncias relevantes para um possvel acerto da questo. Mais

    especificamente indagamos:

    i) Os alunos do terceiro ano do nvel mdio de uma escola pblica de Fortaleza

    compreendem as situaes-problemas do ENEM?

    ii) Que inferncias so utilizadas por esses alunos como estratgias para a

    compreenso das situaes-problema?

    iii) At que ponto a produo de inferncias conduzem os alunos ao acerto da

    questo?

    iv) Qual a relao de dependncia entre a compreenso da situao-problema e a

    identificao do propsito dos enunciados das questes?

    A hiptese bsica levantada aqui foi a de que uma vez que dados estatsticos

    mostram um baixo desempenho dos alunos do ensino mdio nas provas do ENEM,

    pressupomos que a compreenso das situaes-problema no seja suficiente para o acerto da

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    questo. Como hipteses secundrias, consideramos que: 1) a maioria dos alunos do 3 ano do

    ensino mdio de uma escola pblica de Fortaleza compreendem as situaes-problema

    propostas nas questes do ENEM; 2) na compreenso das situaes-problema, esses alunos

    so capazes de elaborar estratgias de inferncias - de base textuais, de base contextuais, sem

    base textual e contextual; 3) no entanto, a elaborao de inferncias no necessariamente

    conduz os alunos ao acerto da questo; 4) os alunos do 3 ano do nvel mdio so capazes de

    compreender as situaes-problema sem necessariamente identificar o propsito da questo,

    ou seja, no estabelecem uma relao entre o texto que fora apresentado, o enunciado, e as

    opes.

    Esse trabalho foi dividido estruturalmente em duas partes. A primeira captulos

    1 e 2 faz aluso s consideraes tericas sobre o processo de leitura, abordando as

    concepes leitoras, e enfocando aspectos da teoria psicolingustica como a compreenso

    leitora, o processamento textual e a produo de inferncias. Logo em seguida, discorremos

    sobre a perspectiva leitora que abordada no ENEM, destacando a relevncia desse processo

    leitor na resoluo das situaes-problema; explicitamos assim, a caracterizao da situao-

    problema, a maneira como ela se apresenta na forma dos diversos textos de gneros

    diferenciados.

    A segunda parte desse trabalho captulos 3 e 4 diz respeito ao procedimento

    metodolgico e a anlise adotados nas duas etapas dessa pesquisa emprica. No captulo 3,

    elencamos os sujeitos, os instrumentos, o procedimento de coleta de dados. A nfase desta

    segunda parte do trabalho recai sobre a anlise e discusso de dados da pesquisacaptulo 4

    em que apresentamos os resultados tendo como vis de anlise os objetivos previamente

    definidos. Contudo, as etapas se autocompletam para fins de dados acerca de nosso

    questionamento central.

    Por fim, tecemos consideraes sobre a pesquisa de uma maneira geral em que

    retomamos a temtica do processo leitor e suas implicaesdesde o enfoque do ensino at a

    estrutura das questesem exames em larga escala como o ENEM - com base nos resultados

    evidenciados na pesquisa experimental.

    A singularidade de nossa investigao acerca do tema: leitura x ENEM x

    Questes Contextualizadas pode sinalizar uma reflexo sobre os vrios segmentos do

    processo leitor. Dentre esses segmentos podemos citar o prprio ensino de leitura na educaobsica em relao abordagem do processo leitor de acordo com as orientaes curriculares

    para cada nvel de ensino, propiciando ao professor uma reviso de sua prtica metodolgica,

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    ajudando-o assim, a preparar o alunado especialmente do ensino mdio s demandas de uma

    sociedade letrada, em que a leitura tem cada vez mais importncia para a capacitao ao

    mercado de trabalho e ao espao acadmico. Ainda destacamos como segmento os

    responsveis pela elaborao do ENEM, esperamos que uma investigao pautada na anlise

    do tipo de contextualizao apresentada para as questes venha a contribuir para a melhoria

    desse processo avaliativo. E aos pesquisadores, acreditamos fomentar um aparato maior

    acerca sobre o processo de leitura e os processos inferenciais a partir da compreenso de

    textos apresentados como situao-problema. Por fim, esperamos enriquecer um pouco mais

    sobre o que j se sabe a respeito do ato de leitura em diversas perspectivas.

    O mais importante, no entanto, que para ns, este estudo permitiu refletir

    tambm sobre uma tendncia substancial em contextualizar questes nos exames avaliativos

    de uma maneira geral e, assim, repensar a estruturao dessas questes, observando at que

    ponto elas so elaboradas na perspectiva de uma leitura funcional do texto que se apresenta

    previamente aqui chamado de situao-problema , e de como a leitura desse texto

    utilizada para a proposta enunciativa. Assim, acreditamos ter contribudo para a prpria

    reviso da estruturao do ENEMe para a consolidao de sua estrutura em consonncia com

    sua fundamentao terica no que diz respeito abordagem ampla e especfica da leitura.

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    1 A (RE)CONSTRUO DE SIGNIFICADOS TEXTUAIS

    Neste captulo, situaremos algumas concepes de leitura, uma viso panormica

    da pesquisa em leitura e as ideias subjacentes acerca da lngua, da linguagem e do homem,

    bem como as teorias lingusticas referentes a cada concepo leitora. Em decorrncia das

    concepes apresentadas, abordaremos o processo de compreenso leitora. Inicialmente

    definiremos o termo compreenso a partir da descrio de modelos de compreenso leitora

    e suas acepes e implicaes terico-prticas. Em seguida, descreveremos alguns modelos

    psicolingusticos de processamento textual, destacando o modelo usado como suporte terico

    de nosso estudo. Por fim, enfocaremos o processo de inferenciao como condio essencialpara a devida construo de sentido de um texto.

    1.1 Concepes de leitura

    Entre os anos 1930 e 1960, as pesquisas sobre leitura abordavam seu aspecto

    fsico, isto , o movimento dos olhos, ou ainda, o produto da leitura pautado em testes de

    compreenso. A partir de ento, observamos uma tendncia para a pesquisa acerca dos

    processos mentais envolvidos na leitura atravs de experimentos controlados

    (CAVALCANTE, 1989).

    As pesquisas acerca do processamento textual tm mostrado classicamente trs

    tipos de processos mentais envolvidos na leitura: ascendente, descendente e interativo.

    Esses processos evidenciam as diversas operaes cognitivas que se apresentam no ato de ler,isto , de que forma a informao escrita experimentada e atribuda de sentido no universo

    leitor.

    O foco de ateno dado a cada um desses processos, por sua vez, resultou em trs

    perspectivas de anlise do processamento textual: o modelo de decodificao, o modelo

    psicolingustico e o modelo interacional. Em nossa opinio, o processamento textual envolve

    a superposio desses trs paradigmas, ou seja, de acordo com a finalidade leitora, do tipo de

    texto e do universo leitor, um ou outro ou mesmo os trs tipos de processos so realizados.

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    Assim, mesmo abordando os modelos em separado, compreendemos que a leitura seja sempre

    um processo interativo e recorrente em relao aos aspectos lingusticos, cognitivos e sociais.

    Neste tpico, descrevemos resumidamente cada um dos modelos de

    processamento textual mencionados anteriormente. Apresentaremos ento, um quarto modelo

    de processamento textual, chamado de sociointeracional denominado de fluxo da

    informao na teoria de esquemas, que permeia a concepo de modelo leitor adotado nessa

    pesquisa, por considerar um contexto que vai alm do lingustico, cognitivo e pragmtico,

    abordando o contexto social do processo leitor. Este modelo apresentado com o objetivo de

    enriquecer a abordagem, mas devido o enfoque social e pragmtico que o mesmo apresenta

    acaba por no ser ponto de nossa anlise, uma vez que nosso enfoque mais de base textual e

    contextual.

    O modelo ascendente (bottom-up) considera a linguagem escrita como a

    codificao da linguagem oral. Esse modelo rotulado, de acordo com Braggio (1992), de

    modelo mecanicista de leitura, no qual a linguagem considerada um sistema fechado,

    autnomo, constitudo de componentes no relacionados entre si e nele a sintaxe, a

    morfologia, a fonologia e a semntica so tomadas parte umas das outras; nessa perspectiva,

    tem-se a predominncia lingustica do estruturalismo americano (BLOOMFIELD, 1933, 1942

    apud BRAGGIO, 1992). Ainda de acordo com essa perspectiva, a linguagem adquirida

    atravs da associao entre estmulos e respostas (viso behaviorista ou comportamentalista) e

    a concepo de homem e sociedade idealstica e abstratamente concebida.

    Desse modo, no modelo ascendente (ou mecanicista) a forma precede o

    significado e uma leitura compreensiva deixada para um estgio posterior, em que as

    crianas j tenham aprendido a relao grafema e fonema (relao grafo-fnica). O enfoque

    dessa concepo se d no texto enquanto fenmeno eminentemente lingustico, sendo este anica fonte de informao mesmo que de forma fragmentadaletra/slaba/palavra/frase.

    As implicaes pedaggicas e metodolgicas advindas dessa forma de

    experimentar a leitura dizem respeito ao modo mecnico e repetitivo em que acontece o

    processo, relegando a um segundo plano a leitura com significado e funcionalidade

    (BRAGGIO, 1992). possvel percebermos esse modelo como a descrio do primeiro

    contato com o universo escrito notadamente no incio da escolarizao. Seria o alfabetizar,

    que no cabe aqui definir e explanar. No entanto, destacamos que, pela nossa experinciadocente, essa maneira de utilizar a lngua materna escrita recorrente nos primeiros anos de

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    vida escolar, embora hoje haja uma preocupao eminente em alfabetizar na perspectiva do

    letramento.

    O modelo ascendente considera o mtodo sinttico em que se fundamenta a

    relao hierrquica antes apresentada na ordem: alfabeto, fontica e silabao. Esse modelo

    apresenta limitaes por centrar-se exclusivamente no cdigo lingustico e traz srias

    implicaes na construo de uma leitura proficiente.

    O modelo descendente de leitura (top-down) considera os processos mentais

    superiores envolvidos no ato de ler e situa-se, assim, em uma perspectiva psicolingustica,

    sendo tambm denominado de modelo psicolingustico. O modelo psicolingustico de leitura

    pautado nos estudos de Goodman (1967, 1971) que considera a leitura como um jogo deadvinhao em que o aparato cognitivo determinante no processo de apreenso leitora.

    Goodman (1971) considera a leitura um processo psicolingustico atravs do

    qual o leitor, tendo como inputo cdigo da lngua, reconstri o melhor que pode a mensagem

    codificada por um escritor, levando em considerao uma determinada disposio grfica.

    Nesse sentido, as estratgias leitoras como a elaborao de hipteses, a testagem

    (possibilidades a partir da previso/elaborao de hipteses) e a confirmao dessas hipteses

    so processos intrnsecos da construo significativa de um texto. Assim, o leitor seria aqueleque reconstri o texto a partir do inputgrfico e o redefine em relao aos sentidos possveis.

    O modelo psicolingustico de leitura considera as estruturas cognitivas

    preexistentes do indivduo. A perspectiva lingustica subjacente a essa considerao o

    Gerativismo (gramtica gerativo-transformacional de Chomsky), com a proposta dos

    universais lingusticos e com a ideia central do inatismo, apesar de manter a dicotomia

    saussuriana ao propor a contraposio entre competncia e desempenho. A noo de lngua

    continua sendo a de um sistema abstrato e os aspectos scio-histricos da linguagem aindano so considerados nessa abordagem (BRAGGIO, 1992). A linguagem tomada como um

    modelo ideal/universal e como norma imutvelum fenmeno especfico da espcie humana.

    Assim, a leitura vista como um jogo de predio psicolingustica em que o

    significado est na mente do escritor e na mente do leitor, isto , a leitura considerada um

    processo resultante da reconstruo do leitor, na medida em que este decodifica a mensagem

    codificada pelo escritor. No modelo psicolingustico, Goodman considera (1970 apud

    BRAGGIO, 1992, p. 23 : i) a natureza do inputgrfico; ii) como a lngua funciona e como alngua usada pelo leitor; iii) em que medida o significado depende da aprendizagem anterior

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    e a experincia do leitor na construo de significado; e iv) o sistema perceptual envolvido na

    leitura.Como observamos, esse modelo se volta completamente para os processos mentais

    de quem l, limitando-se a essa considerao unilateral do sujeito para o objeto isolando

    todo um contexto de produo acerca do fenmeno da leitura.

    As limitaes acerca desse modelo se fazem evidentes devido supremacia de

    considerar o aspecto cognitivo do leitor como o nico aspecto determinante da leitura

    proficiente. Entendemos, ento, a necessidade de interao desses modelos.

    a partir do modelo interativo que passamos a considerar a leitura como um

    processo interativo de dois fluxos, um ascendente e outro descendente, configurando-se como

    um processo perceptivo e cognitivo, isto , um processo que possibilita ao leitor acionar asinformaes do texto e as informaes que tem em mente.

    Braggio (1992) apresenta o modelo interativo: modelo interacionista I e modelo

    interacionista II. De maneira geral, nesses modelos o leitor visto como um homem real que

    interage com o objeto (o texto) e, nesse aspecto, o contexto social dentro de sua

    heterogeneidade e diversidade passa a ser enfocado; surgem novas abordagens lingusticas

    como a sociolingustica (falantes reais x falantes ideais); a abordagem etnogrfica da fala

    (HALLIDAY, 1969); a lingustica de texto; e a psicolingustica. A linguagem consideradano s como instrumento de comunicao, mas tambm com funcional em um determinado

    contexto (princpios funcionalista).

    Nesse cenrio, comeamos a vislumbrar o processo de leitura de uma maneira

    mais pragmtica, alm dos limites do texto impresso.

    A implicao direta desse modelo foi o conceito de leitura ter perdido o aspecto

    da passividade para se insurgir nesse novo contexto um leitor ativo que busca significado e se

    fundamenta pela necessidade de comunicao a ser orientada pela funcionalidade no meio

    social.

    No processo de leitura, o texto aparece como base da lngua numa viso holstica

    acerca de seu significado. No ato de ler acontece um mapeamento das experincias leitoras,

    uma predio acerca do modelo de texto, assunto e objetivos, uma confirmao e/ou correo

    das hipteses levantadas atravs das estratgias leitoras, com foco no resultado da dinmica

    interativa entre texto e leitor.

    Entendemos que o modelo interativo sinaliza a flexibilidade e a amplitude que

    envolve o ato de ler na considerao simultnea que a funcionalidade do texto assume diante

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    de sua construo de sentido, necessitando desde o conhecimento e a percepo de elementos

    lingusticos at sua acepo significava de todo um contexto sociocognitivo.

    Alliende e Condemarin (2005) fazem uma explanao sobre o modelo de leitura

    em polos, a saber: autor, texto e leitor, que em princpio correspondem, de alguma maneira

    com os modelos citados acima. Portanto, compreende-se que essa polarizao pode ser citada

    apenas em termos figurativos, para dar nfase a um ou outro aspecto, no entanto no se

    concebe a leitura como um ponto especfico e nico, mas antes como algo complexo,

    correlato e substancialmente interativo.

    Koch e Elias (2006, p. 9) falam de [...] umaconcepo de leituradecorrente da

    concepo de sujeito, de lngua, de texto e de sentidoque se adote. (Grifos das autoras).Vale ressaltar que essa observao direciona para o evento interativo entre autor, texto e leitor

    na acepo de um conceito de leitura que considera o entrelao o sujeito, a lngua e o texto

    como norteadores na construo do sentido.

    Para situar a leitura, Koch e Elias (2006) nos mostram trs tipos abordagens

    leitoras. Uma primeira, em que a leitura se centraliza nas ideias do autor do texto e ali se

    atribui lngua todo um trabalho individual representado pelo pensamento, da o texto

    apresenta-se como um produto lgico e nico a leitura, nesse enfoque, se traduz no repassedas ideias. Em uma segunda abordagem, a leitura se faz em um processo linear, mera

    decodificao dos termos escritos a lngua aqui entendida como cdigo e os sujeitos no

    interferem em sua construo. Por fim, o enfoque de abordagem leitora, exposto na terceira

    apresentao da autora que situa a interao entre autor-texto-leitor como a formatao ideal

    para a viso dialgica da lngua em que os sujeitos so co-partcipes na construo de sentido

    do texto. E assim, destacamos o conceito de leitura em Koch e Elias (2006, p. 11):

    A leitura , pois, uma atividade interativa altamente complexa deproduo de sentidos, que se realiza evidentemente com base noselementos lingusticos presentes na superfcie textual e na sua formade organizao, mas requer a mobilizao de um vasto conjunto desaberes no interior do evento comunicativo.

    Os modelos apresentados so, em princpio, um aporte terico-metodolgico para

    o ensino de leitura e de escrita que tem como pano de fundo as diversas concepes de

    linguagem, texto, lngua, homem e sociedade.

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    No entanto, o que parece ser mais abrangente no tocante ao uso e estruturao

    da linguagem escrita considerando a perspectiva sociocultural e ideolgica, ainda suscita uma

    lacuna referente a uma atuao reflexiva e ativa do ser em sociedade a partir da apropriao

    crtica da linguagem escrita atravs do ato de ler.

    Essa perspectiva de anlise importante na medida em que se trabalha a

    linguagem escrita e, por conseguinte, a leitura, levando em considerao aspectos no s

    eminentemente lingusticos como tambm todo um envolto significativo presente no uso da

    lngua e sua representao na sociedade.

    O modelo sociointeracional se apresenta com uma amplitude maior diante do

    processo leitor, uma vez que no considera somente os aspectos lingusticos (modeloascendente), aspectos cognitivos (modelo descendente), ou aspectos interativos entre o

    material lingustico e o universo cognitivo do leitor (modelo interativo), mas vai alm destes

    aspectos ao propor a leitura como um ato comunicativo permeado por um contexto scio-

    histrico. Nesse sentido, um modelo leitor sociointeracionista seria o encontro de vrios

    pontos relevantes e fundamentais advindos de dados lingusticos e no-lingusticos, moldados

    por circunstncias socialmente situadas em um determinado propsito leitor num contexto

    definido.

    Para reforar a concepo desse ltimo modelo, Kleiman (2004) nos apresenta o

    modelo sociointerativo de leitura na perspectiva de ampliar a viso acerca do processo leitor.

    A autora de apoia nas ideias de Vygotsky, tendo como centro a concepo de leitura como

    uma prtica social situada entre textos e interlocutores, isto , a leitura concebida na

    superposio de vrios contextos numa ininterrupta interao em que vrias dimenses e

    operaes se insurgem interligadas e interdependentes, seja do ponto de vista estritamente

    lingustico, cognitivo ou social.A concepo sociointeracionista da linguagem atrelada concepo de leitura faz

    desta um ato alm da decodificao do material escrito (conhecimento lingustico),

    enfatizando no s o aparato cognitivo utilizado pelo leitor no uso de suas estratgias e

    inferncias como tambm considera o aspecto sociocultural e histrico do leitor. A construo

    de sentido do texto se faz com a interposio de vrios aspectos: lingustico, cognitivo, social,

    cultural, entre outros que permite o entrelao de textos e leituras (KLEIMAN, 2004).

    A amplitude do tratamento terico atribudo leitura reforada pela prprianatureza do processo leitor, uma vez que inegavelmente observamos as vrias dimenses que

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    se apresentam nesse processo, permitindo uma abordagem interativa com a considerao dos

    diversos aspectos como a natureza lingustica (textual), cognitiva, discursiva e social,

    podendo asseverar sua dimenso sociointeracional.

    Diante dos modelos descritos, compreendemos a amplitude de anlise permitida

    pelo modelo sociointeracional, no entanto ressaltando que o foco do processo leitor perpassa

    pela finalidade leitora, isto , a superposio desses modelos so uma constante na resoluo

    das questes do ENEM bem como no ato primrio da compreenso do texto que se apresenta

    como contextualizador de cada item1.

    luz da teoria psicolingustica podemos perceber que a interao lingustica entre

    o leitor, o escritor e o texto fundamental para que o leitor alcance seus objetivos com xito,pois a construo de significados passa a depender, em parte, da habilidade do leitor de

    refletir e controlar o processo de aprendizagem e/ou interpretao.

    Nessa perspectiva de leitura norteamos o estudo sobre a compreenso textual,

    procurando demonstrar que o leitor um sujeito ativo no processamento das informaes

    lingusticas e que estas vo alm do suporte visual e decodificador para uma dimenso

    significativa de construo do texto.

    1.2 Compreenso leitora

    De acordo com os modelos que abordam o processo de compreenso em leitura, a

    compreenso de um texto construda a partir da ativao de vrias fontes de conhecimento

    at que se (re)produza um todo coerente (SPIRO 1980; KINTSCH, 1994; VAN DIJK, 1996;

    SMITH, 1989, 1999; ALLIENDE; CONDEMARIN, 2005; SOL, 1998; KATO, 2004;

    KOCH; ELIAS, 2006; KOCH, 2006; SILVA, 2005; MARCUSCHI, 2008).

    Para falarmos de compreenso do texto escrito, se faz necessria uma abordagem

    sobre o termo compreenso: o que vem a ser e como se estabelece na construo de sentido de

    um texto.

    Para Smith (1989, p. 72), [...] a compreenso a possibilidade de se relacionar o

    que quer que estejamos observando no mundo a nossa volta, ao conhecimento, intenes e

    1Este assunto ser detalhado na metodologia aplicada nessa pesquisa.

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    expectativas que j possumos em nossas cabeas, ou seja, ela considerada um estado, o

    oposto confuso, em que somos capazes de atribuir um sentido nico em toda sua

    subjetividade a partir de uma rede de relaes estabelecidas com o intuito de reduzir o

    nmero de incertezas a cada exposio de um fato texto novo. De acordo com Smith

    (1989, p. 72), [...] a compreenso no possui dimenso ou peso, no incremental, o que

    significa, em outras palavras, que o processo de compreenso no quantificvel, mas

    observvel, uma vez que a ausncia de compreenso torna-se imediatamente percebida a

    partir da observao dos envolvidos no processo.

    Conforme Van Dijk (1996) a compreenso se estabelece a partir da possibilidade

    de uma construo de uma representao mental, ele ressalta que as representaes (bases:

    visual e lingustica) so geradas simultaneamente na construo do significado de uma

    determinada informao. Essa compreenso levar em conta experincias prvias entendidas

    aqui como informaes cognitivas. Para tanto, o autor afirma que: [...] compreender envolve

    no somente o processamento e interpretao de informaes exteriores, mas tambm a

    ativao e uso de informaes internas e cognitivas. (p. 15).

    O processo de compreenso no acontece in vcuo, e sim como uma relao

    estreita entre a situao e o contexto em um movimento complexo, levando em considerao

    informaes, acontecimentos e situaes (VAN DIJK, 1996, p. 15).

    Elencando informaes fundamentais no processo de compreenso, Van Dijk

    (1996, p. 16) afirma ainda: Isso significa que o compreendedor ter agora trs tipos de

    informaes, que so informaes sobre os prprios acontecimentos, informaes da situao

    ou contexto e informaes das pressuposies cognitivas.

    Smith (1989, p. 22), fazendo aluso Teoria de Mundo, especifica que:

    [...] o sistema de conhecimento, em nossas cabeas, organizado emum modelo de trabalho intricado e internamente consistente domundo, construdo atravs de nossas interaes com o mundo eintegrado em um todo coerente. Sabemos bem mais do que jamais nosensinaram [...].

    Diante do exposto, conclumos que a partir de uma contnua interao, entre a

    estrutura cognitiva e o mundo, reestruturamos nossa compreenso de mundo, isto , a Teoria

    de Mundo em nossas cabeas responsvel pela a extrao de sentido em termos do que jsabemos. Nesse cenrio, destacamos o processo de compreenso como algo alm do

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    entendimento sobre as circunstncias, sendo assim, o prprio modo pelo qual nos apropriamos

    do conhecimento atravs da aprendizagem.

    Smith (1989, p. 39) ainda assevera que: [...] a Teoria do Mundo fonte da

    compreenso, medida que o crebro gera, examina, continuamente, possibilidades sobre

    situaes no mundo real e imaginrio. Para o autor, a base da compreenso a previso,

    entendida aqui como uma espcie de habilidade para selecionar algumas possibilidades em

    detrimento de outras que seriam automaticamente eliminadas pela improbabilidade.

    Essa atividade de pensamento ou metacognio se apresenta de forma

    constante do crebro, tendo em vista consideraes como condies de conhecimento

    anterior, disposio e autoridades individuais.Em termos de linguagem falada ou escrita preciso ser considerado o

    contexto de situao que, juntamente com capacidade de previso do sujeito, subsidiar a

    compreenso que acontecer na base da natureza convencional da linguagem. Em outras

    palavras, Smith (1989, p. 62) afirma: [...] a significao requer uma associaontima entre o

    modo como um texto construdo e a organizao da mente do leitor.

    Nessa perspectiva, a compreenso se depreende da possibilidade de relacionar

    respostas com questes que nos so apresentadas ao longo do texto. Assim, associamos o

    texto impresso com o que j conhecemos nossa Teoria do Mundo e o que advm como

    resultado dessa interao.

    Em sua exposio, Smith (1989) afirma que a compreenso na leitura acontece

    quando relacionamos respostas potenciais a questes reais que estamos fazendo ao texto. No

    mais, essa inferncia s se torna possvel a partir da definio dos objetivos do leitor diante do

    texto.

    Ressaltamos a individualidade do estado de compreenso. O que pode ser

    compreensvel para uns pode no ser para outros, uma vez que a qualidade das informaes

    recebidas ter relao direta com o conhecimento anterior da pessoa que as recebe.

    Para Alliende e Condemarin (2005, p. 111): A compreenso ou habilidade para

    entender a linguagem escrita constitui a principal meta da leitura. Para os autores, a

    compreenso seria um processo de pensamento multidimensional a partir da interao entre o

    leitor, o texto e o contexto. Esse pensamento acessado levando em considerao a

    correlao entre os conhecimentos prvios de cada leitor e a capacidade de se estabelecer

    relaes de comparaes e formular perguntas no ato de leitura de um texto.

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    Ainda sobre o processo de compreenso citamos a abordagem que atribui a

    compreenso de um texto construo de significado por parte do leitor ativo, assim

    explicado por Sol (1998, p. 40):

    A verdade que voc pode compreender por que est realizando umimportante esforo cognitivo durante a leitura e conste que isso noacontece apenas com esse texto, mas com qualquer outro que cair emsuas mos; no quer dizer que este seja mais difcil! Esse esforo que permite que se fale da interveno de um leitor ativo, que

    processa e atribui significado quilo que est escrito em uma pgina.

    Assim, entende-se que o processo de compreenso vem a ser uma construo de

    sentido por efetiva participao do leitor. Para tanto, Sol (1998) observa que o controle sobrea compreenso um requisito para ler eficazmente, pois o estado de alerta que requerido do

    leitor fator fundamental para a compreenso da mensagem.

    Alliende e Condemarin (2005) apresentam fatores que determinam a compreenso

    da leitura e o fazem em diferentes perspectivas de abordagem: i) fatores da compreenso

    derivados do emissor (autor, escritor) em que situa o conhecimento do cdigo manejado

    pelo autor, o patrimnio cultural e as circunstncias em que o texto foi produzido; ii) fatores

    da compreenso derivados do texto, destacando o aspecto da legibilidade de um texto; iii)fatores da compreenso da leitura derivados dos contedos dos textos atribuindo ao

    componente referencial de um texto a compreenso de acordo com leitores especficos, sendo

    a compreenso facilitada quando no h vazios entre o tema do texto e os conhecimentos do

    leitor; e por fim, iv) fatores da compreenso da leitura provenientes do leitorneste ponto os

    autores creditam uma supremacia do processo de compreenso e, todos os outros fatores

    mencionados acima, acabam por ir ao encontro do leitor, sendo este, fator fundamental no

    evento da compreenso com a devida utilizao de seus esquemas cognitivos, fazendo uso detodo um conhecimento lingustico, enciclopdico e de mundo que mediante o processo e as

    circunstncias da leitura ir construir um todo significativo como fruto do evento da

    compreenso.

    Enfatizando o aspecto cognitivo no processamento de um texto, ressaltamos que a

    compreenso se d a partir de representaes de informaes estruturadas na memria. Essas

    representaes so verbalizveis e envolvem o nosso conhecimento categorial de mundo e de

    um saber sobre o mundo armazenado em um continuum de aquisio e construo deconhecimento (KOCH, 2006b).

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    Da, para a compreenso de textos, se fazem importantes algumas observaes

    sobre como se processam as informaes e dos vrios aspectos e condies acerca do autor,

    do leitor e do texto. Como afirma Kato (2004, p. 60):

    O tipo de processamento utilizado depende, a meu ver, de vriascondies: a) do grau de maturidade do sujeito como leitor; b) donvel de complexidade do texto; c) do objetivo da leitura; d) do graude conhecimento prvio do assunto tratado; e) do estilo individual doleitor entre outros.

    A considerao dos aspectos supracitados se faz oportuna em todo e qualquer tipo

    de compreenso, uma vez que, para que haja a produo de sentido, uma srie de fatores

    encontram-se relacionados, cada um deles influenciando diretamente o outro, numa interao

    ininterrupta norteada pelos objetivos de cada tipo de leitura e, por conseguinte, pela ativao

    precisa de estratgias que resultam na obteno de habilidades necessrias ao processo de

    compreenso.

    A nfase no processo de compreenso recai consideravelmente sobre o aparato

    cognitivo, uma vez que este rene os conhecimentos arquivados na memria que, no processo

    de interao, vm tona. De acordo com Koch e Elias (2006, p. 63-64), esse intercmbio

    verbal acontece na ativao e uso dos conhecimentos:

    O conhecimento lingustico propriamente dito;O conhecimento enciclopdico, quer declarativo (conhecimento querecebemos pronto, que introjetado em nossa memria por ouvirfalar), quer episdico (frames, scripts) (conhecimentoadquirido atravs da convivncia social e armazenado em bloco),sobre as diversas situaes e eventos da vida cotidiana;O conhecimento superestrutural ou tipolgico (gneros e tipostextuais);O conhecimento estilstico (registros, variedades de lngua e suaadequao s situaes comunicativas);O conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura(intertextualidade).

    Destacamos a nfase que Smith (1989) atribui ao conhecimento prvio do leitor

    quando ele nos diz que o processo de compreenso do texto no resultado apenas do que os

    olhos veem, mas da interao precisa entre essa apreenso visual e toda uma gama de

    conhecimentos prvios, chamada por ele de teoria de mundo, que acomoda a previso dasinformaes e a devida produo de sentido.

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    Assim, as ideias de Smith (1989) e Koch e Elias (2006) corroboram as de Kato

    (2004, p. 49), que expe da seguinte forma esse processo de integrao entre a forma visual

    apresentada e seu atributo de significao:

    A integrao, porm, exige uma abstrao da forma, medida que onmero de informaes aumenta. Quando ouvimos um enunciado oulemos um texto, o que retemos no sua forma literal , a sua forailocucionria e o CONTEDO PROPOSICIONAL. Proposio,aqui, no deve ser entendida como sinnimo de sentena, mas comounidade lgica de significado.

    nessa perspectiva que decorre nosso trabalho. O texto entendido apenas

    como primeiro referente por excelncia para promover a compreenso, contudo sem se fecharem si mesmo, pois a nfase maior se d no processo bilateral de informaes, ou seja, na

    informao visual de dados lingusticos juntamente com a informao no-visual, o

    conhecimento prvio, que construmos o sentido de um texto (SMITH, 1989), ou a sua

    compreenso.

    Continuando nesse pensamento, Koch e Elias (2006, p. 19) expem a seguinte

    ideia:

    [...] se por um lado, nesse processo, necessrio se faz considerar amaterialidade lingustica do texto, elemento sobre o qual e a partir doqual se constitui a interao, por outro lado, preciso tambm levarem conta os conhecimentos do leitor, condio fundamental para oestabelecimento da interao, com maior ou menor intensidade,durabilidade e qualidade.

    Essas propostas similares acerca da compreenso leitora se apresentam de maneira

    lgica e coerente, uma vez que a concepo de leitura adquire sentido medida que se leva

    em considerao no s os elementos lingusticos apresentados na literariedade do texto,

    como tambm a interferncia dos sujeitos envolvidos na interao que se processa no ato de

    ler. Ambos com intenes afins situam uma gama de saberes para evidenciar a leitura como

    um veculo de comunicao capaz de criar e recriar um novo perfil social a partir da

    interveno simultnea desses saberes.

    Diante da complexidade que envolve a processo de compreenso leitora a partir

    dos aspectos enfocados no leitor o conhecimento que este tem de mundo representadolinguisticamente, ressaltamos a necessidade de considerar alguns conceitos como de lngua,

    linguagem e texto para melhor situarmos nosso trabalho.

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    Lngua aqui entendido como o lugar de interao, com o devido equilbrio entre

    o sujeito, o sistema lingustico e a produo social em todo seu carter ativo e dinmico na

    produo de conhecimento e, por conseguinte, do sentido (KOCH, 2006b). E dentro de uma

    concepo dialgica da lngua, o sentido de um texto perpassa, inevitavelmente pela

    interao, em que os sujeitos autor e leitorso co-enunciadores na formatao do texto e

    na situao discursiva de acordo com as condies de produo.

    O textoem si passa a ser enfocado a partir de um contexto. Esse, por sua vez,

    seria o responsvel pela construo de sentido, acabando por determinar uma situao

    comunicativa de forma determinante, pois ele engloba no s o co-textoo entorno verbal da

    proposio como tambm a situao de interao imediata, a situao mediata (entorno

    sociopoltico-cultural) e o contexto cognitivo dos interlocutores (KOCH; ELIAS, 2006, p.

    63).

    Assim, estruturas complexas do conhecimento se fazem presentes no

    processamento textual, evidenciando o uso de estratgias especficas responsveis pela

    produo e compreenso dos textos atravs da interao eminente do ato comunicativo.

    O processo de compreenso se apresenta de maneira bastante complexa, uma vez

    que as posies tericas no possuem uma hegemonia, embora de alguma maneira sesuperponham a partir da definio do foco de atuao do processo leitor que carrega em si a

    utilizao de todo um aparato cognitivo, mas no especfico ou individualizado no sentido de

    ser nico.

    Esse pensamento acerca do processo de compreenso corrobora com as ideias

    apresentadas no caderno do ENEM que tem como ttulo Eixos cognitivos do ENEM

    (BRASIL, 2007). Neste feita aluso s operaes mentais vivenciadas pelos alunos na

    resoluo das situaes-problema apresentadas no exame. Tem como suporte terico a TeoriaPiagetiana em que postula que [...] a interao caracterizada como um processo de

    adaptao ou troca constante com o meio. (BRASIL, 2007, p. 14). Em outras palavras, a

    considerao do contexto pragmtico um fator que deve ser levado em conta no fenmeno

    da compreenso.

    Todavia, importante ressaltar que mesmo em face desse contexto que vai alm

    do aparato cognitivo do leitor e considera o aspecto scio-histrico como um todo, no

    podemos ter a garantia de xito da compreenso, assim descreve Marcuschi (2008, p. 230):

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    Existem, pois, m e boa compreenso, ou melhor, ms e boas compreenses de um mesmo

    texto, sendo estas ltimas atividades cognitivas trabalhosas e delicadas.

    Reforando essa assertiva nos reportamos ao prprio exame do ENEM, no qual

    observamos baixos ndices nos resultados gerais avaliativos. Nos questionamos como uma

    mesma prova pode ter resultados to diferenciados, quando a priori seria um mesmo

    pblico, na mesma expectativa e objetivo.

    Outrossim, a diferena entre bons e maus leitores parece no se resumir apenas

    quantia disponvel de conhecimento, mas tambm forma como tais conhecimentos so

    utilizados para facilitar a compreenso de um texto.

    Sobre o processo de compreenso, Silva (2005, p. 70) destaca o aspectoidiossincrtico do ato da interpretao leitora em que [...] coloca o leitor diante de uma tarefa

    hermenutica: aquela da decifrao e desdobramentos dos smbolos impressos que tem diante

    de si. Nesse sentido, enfatiza a descontextualizao e recontextualizao, como processos

    vivenciados, como forma de complementao na construo de sentido. Silva (2005, p. 70)

    afirma: O trabalho interpretativo, portanto, revela-se como desvelamento, elaborao e

    explicitao das possibilidades de significao do documento, projetadas pela compreenso.

    Para o autor, um documento escrito tem a possibilidade de suscitar uma multiplicidade designificados quando confrontado por diferentes leitores ou por diferentes leituras.

    por isso que, para Marcuschi (2008), o estudo da compreenso se faz relevante

    como fator essencial ao prprio convvio. O autor afirma: [...] sempre que produzimos algum

    enunciado, desejamos que ele seja compreendido, mas nunca exercemos total controle sobre o

    entendimento que esse enunciado possa vir a ter. (p. 231). O autor destaca ainda que a

    prpria natureza da linguagem por vezes ambgua e assegura uma interpretao unilateral.

    Assim sendo, o processo de compreenso sempre fruto de uma elaborao cognitiva naperspectiva de colaborao entre autor-texto-leitor numa ininterrupta interao decorrente do

    meio sociocultural.

    Nesse sentido, nessa pesquisa ressaltamos a compreenso e o processamento

    textual, levando em considerao esses elementos textuaisaqui entendidos como referentes

    em um sentido bem amploque tm aporte semntico na perspectiva cognitiva de construo

    de significao de um texto e, ainda a considerao de um contexto scio-histrico.

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    1.3 Processamento textual

    Considerando o modelo sociointeracional de leitura (KLEIMAN, 2004)

    abordaremos alguns aspectos vivenciados no percurso que o leitor faz em busca da construo

    do sentido textual, fazendo uso dos elementos lingusticos e no-lingusticos que se

    apresentam no ato da compreenso leitora.

    O processo de leitura proficiente marcado pelo poder individual de anlise e

    construo significativa por parte do leitor, este possibilita um entendimento maior da

    realidade circundante bem como um aprendizado contnuo. Assim, podemos afirmar que

    medida que vamos vivenciando a leitura vamos desenvolvendo nossa capacidade de

    compreenso com a devida atribuio de significado. Acredita-se que a compreenso textual

    entendida no como uma propriedade do texto, mas como uma atividade de construo de

    sentidos e, sendo assim, comumente formulada a hiptese de que quanto mais conhecimento

    o leitor tiver, mais rica ser a sua experincia de leitura.

    O enfoque ao aspecto cognitivo tem sido uma constante nos modelos apresentados

    sobre leitura e, consequentemente, sobre compreenso (SMITH, 1999; SOL, 1998;

    BROWN, 1980; HABERLANDT, 1988; VAN DIJK; KINTSCH, 1978; RUMELHART,

    1985; MARCUSCHI, 2008). Nesse contexto destacamos o papel da memria e da prpria

    aprendizagem como elementos constitutivos do processo de compreenso advindo do ato de

    ler.

    Smith (1999), na defesa da ideia que a leitura significativa depende o mnimo

    possvel do aspecto fsico visual, destaca a importncia da memria nesse processo leitor. O

    autor elenca dois tipos de memria: memria de curto prazo ememria de longo prazo.

    A memria de curto prazo seria a memria funcional que dentro de alguns limites

    de tempo retm brevemente aquilo que prestamos ateno. Um dos limites dessa memria de

    curto prazo seria o nmero de itens possveis de seis a sete itens (chunks)2 de serem

    guardados ou retidos em um determinado espao de tempo. A implicao direta dessa

    limitao para o processo de compreenso e construo do sentido textual assim descrita

    pelo autor: A compreenso se perde no congestionamento da memria de curto prazo no

    2Smith (1999) nos expe que podemos organizar as informaes em unidades maiores chamadas de chunking(pedaos de escuta), podemos dizer que seria uma organizao significativa, algo que voc j sabe, conhecido,

    portanto possvel de ser atribudo sentido independente de seu tamanho.

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    momento em que nos preocupamos em entender palavras individuais corretamente ou temos

    medo de perder algum detalhe significativo. (SMITH, 1999, p. 41).

    A nfase dessa observao recai sobre o entendimento de que a leitura no se faz

    com a mera identificao de letras ou palavras individuais, assim, superamos as limitaes da

    memria de curto prazo quando atribumos sentido ao que encontramos na leitura.

    Destacamos que o sentido encontrado na leitura perpassa pela a organizao de informaes

    j conhecidas pelo leitor indo alm do visual para a informao no-visual. Assevera Smith

    (1999, p. 43): A nica maneira de ler no nvel do significado e a nica maneira de aprender

    a ler no mesmo nvel. Em outras palavras, preciso resgatar o significado diante do que se

    apresenta na leitura, esse aspecto fundamental para o desenvolvimento das habilidades

    leitoras.

    A memria de longo prazo reflete basicamente a informao no-visual

    acumulada ao longo de nossa experincia. De acordo com Smith (1999, p. 44): O

    conhecimento e as crenas que fazem parte da nossa compreenso mais ou menos permanente

    do mundo esto contidas dentro de um aspecto diferente da memria chamado de longo

    prazo. Nessa perspectiva, atribui-se memria de longo prazo uma capacidade inesgotvel

    de acmulo de informaes, isto , enquanto o sujeito vivenciar experincias, ele ter a

    capacidade de acomod-las em um espao da memria. Uma caracterstica importante na

    definio da memria de longo prazo que o tempo de recuperao das informaes, exige

    certo esforo em buscar e selecionar dados, ou seja, o tempo que levamos para acessar certos

    contedos3.

    Uma diferena pontual entre a memria de curto prazo e a memria de longo

    prazo seria a maneira de organizao das informaes, uma vez que na memria de curto

    prazo os itens no seriam relacionados entre si at porque se houvesse essa organizao jseria uma construo significativa, portanto abriria espao para um novo item , mas a

    memria de longo prazo se apresenta de forma organizada como uma rede que permite a

    estrutura do conhecimento, tendo portanto, atravs dessa organizao, a condio necessria

    para que as informaes possam ser recuperadas medida que necessitamos.

    As implicaes para a leitura na considerao da memria assim explicitada em

    Smith (1999, p. 46):

    3O exemplo dado pelo autor para fundamentar a questo do tempo do acesso informao que se encontra namemria de longo prazo da experincia que temos ao tentar lembrar do nome de uma determinada pessoa, doqual sabemos a primeira letra ou algumas letras de referncia mas precisamos associar e nos esforar pararecuperar esse nome.

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    Obviamente a leitura ser interrompida se tentarmos, constantemente,alimentar a memria de longo prazo com pequenas informaes norelacionadas, como letras ou palavras individuais. Mas os significados(o significado de uma frase ou o significado de um pargrafo) tambm

    podem passar para a memria de longo prazo e no leva mais tempocolocar um chunkde significado rico e relevante dentro da memriade longo prazo do que levaria para colocar uma simples e intil letraou palavra.

    Diante do exposto, compreendemos o movimento bilateral desempenhado pelas

    memrias de curto e longo prazo bem como a necessidade de evocao de sentido ao material

    de leitura. Tambm destacamos que o aspecto de reteno de informao na memria no

    garante o processo de compreenso, mas para compreendermos fazemos uso das informaes

    obtidas levando em conta a maneira como essas informaes esto organizadas.

    Alguns aspectos tambm tm destaque na construo do sentido de um texto

    como: o objetivo da leitura, o texto sua forma e contedo , e enfaticamente o leitor com

    suas expectativas e conhecimentos prvios. Assim explicita Sol (1998, p. 22): [...] o

    significado que um escrito tem para o leitor no uma traduo ou rplica do significado que

    o autor quis lhe dar, mas uma construo que envolve o texto, os conhecimentos prvios do

    leitor que o aborda e seus objetivos.A partir da considerao dos modelos de leitura j mencionados no tpico anterior

    modelos ascendente, descendente e interativo, a autora ressalta a necessidade de domnio

    de certas estratgias e habilidades a fim de que possa se estabelecer o processo de

    compreenso. Reforando essa idia, Sole (1998, p. 24) defende que [...] o leitor seja um

    processador ativo do texto, e que a leitura seja um processo constante de emisso e

    verificao de hipteses que levam construo da compreenso do texto e do controle dessa

    compreenso.

    Sol (1998) elenca assim, trs processos que se apresentam diante da leitura:

    previso, verificaoe construo da interpretao. A previso um processo que acontece

    em qualquer tipo de texto, em outras palavras seria as diversas hipteses que elaboramos ao

    nos depararmos com o material escrito, tendo como suporte o tipo de texto, o suporte, o

    gnero, o objetivo da leitura, o autor, entre outros componentes que servem de informao

    bsica inicial para o acesso as informaes que temos para viabilizar o processo leitor. Assim

    diz Sol (1998, p. 27):

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    Assumir o controle da prpria leitura, regul-la, implica ter um objetivo para ela,assim como poder gerar hipteses sobre o contedo que se l. Mediante suas

    previses, aventuramos o que pode suceder no texto; graas sua verificao,atravs dos diversos indicadores existentes no texto, podemos construir umainterpretao, o compreendemos.

    Em outras palavras, medida que vamos construindo nossas hipteses avanamos

    no texto no sentido da compreenso, regulando esse processo de maneira tal que se, por acaso,

    a compreenso no se estabelece retomamos esse ciclo e reelaboramos nossas hipteses a fim

    de que possamos verificar a sustentabilidade de nossas previses na construo de sentido do

    texto.

    Brown (1980) faz aluso ao conhecimento, distinguindo os aspectos cognitivos e

    metacognitivos do desempenho. O destaque recai sobre a metacognio assim definida: [...]

    um conhecimento sobre os prprios processos cognitivos e de produtos ou qualquer coisa com

    elas relacionados, por exemplo, a aprendizagem, as propriedades relevantes de informaes

    ou dados.4 (FLAVELL, 1976 apud BROWN, 1980, p. 453). Em outras palavras, a

    metacognio refere-se ao controle deliberado e consciente das prprias aes cognitivas.

    Essa vigilncia ativa permite a regulao dos processos cognitivos em relao aos dados sobre

    os quais temos uma determinada meta ou objetivo concreto.

    Trazendo para a leitura, as habilidades de metacognio, que tambm envolve a

    memria, so medidas recorrentes e eficazes no cerne do processo leitor. Nesse sentido, com

    o objetivo de compreender o texto, o leitor faz uso dessas habilidades metacognitivas como

    estratgias, assim esclarece Brown (1980, p. 454):

    [...] verificar os resultados de uma operao utilizando certos critrios de eficcia,economia uma habilidade metacognitiva aplicvel se a tarefa em questo estresolvendo um problema de matemtica, buscar sentido numa leitura, memorizar umtexto [...]. Auto-interrogatrio relativo ao estado atual do prprio conhecimento

    durante a leitura ou qualquer soluo de problemas uma tarefa essencial dessahabilidade metacognitiva [...].5

    Para Brown (1980), o processo de compreenso, ou seja, o processamento textual

    no um fenmeno de tudo ou nada, mas antes um processo que se estabelece a partir da

    4Do texto original: [] ones knowledge concerning ones own cognitive processes and products or anythingrelated to them, e.g., the learning-relevant properties of information or data.(Traduo nossa).5 Do texto original: Checking the results of an operation against certain criteria of effectiveness, economy,

    commonsense reality is a metacognitive skill applicable whether the task under consideration is solving a mathproblem, reading for meaning, memorizing a prose passage []. Self-interrogation concerning the current stateof ones own knowledge during reading or any problem-solving task is an essential skill in a wide variety ofsituations.(Traduo nossa).

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    definio de determinados critrios decorrentes do objetivo da atividade, assim, determinamos

    as estratgias necessrias para a execuo da tarefa de leitura e sua autorregulao no sentido

    de compreender o escrito. O objetivo do leitor determina como ele se apresenta acerca do

    processo leitor, a maneira pela qual o leitor acompanha de perto os efeitos da leitura, isto , a

    compreenso do texto.6(p. 455).

    Haberlandt (1988) destaca que as pessoas lem textos com diferentes finalidades,

    quais sejam: informar, estudar, divertir, lembrar, se orientar instrucionalmente, e outras, num

    desenrolar de relaes interativas. Para tanto, na tentativa de esclarecer que na leitura

    poderemos ter a independncia ou interdependncia na interao que se apresenta no processo

    leitor a depender do foco de abordagem desse processo, prope processos componenciais

    unidades menores em um modelo de processamento textual que envolveria os seguintes

    nveis: a palavra, a orao, os conceitos e o texto. Ratificando a ideia de que os vrios nveis

    se insurgem de forma colaborativa a depender do objetivo do leitor7.

    Ainda na perspectiva de que para compreender um texto fazemos uma relao

    entre o material escrito e a viso de mundo do leitor, enfatizamos essa viso de mundo com a

    abordagem da teoria de esquemas que se baseia na ideia central de que para compreendermos

    fazemos uso de uma representao desse mundo em uma interao entre o que se apresenta

    como novo e o que j se traz no universo cognitivo do leitor.

    De acordo com Leffa (1996), Bartlett foi o precursor da Teoria de Esquemas,

    atravs de seu livro Remembering(1932) em que apresenta as experincias que realizou de

    percepo, atribuio de significado e evocao, fazendo tambm aluso ao funcionamento da

    memria. Entre os experimentos de Bartlett que se destacaram foram elencadas trs

    categorias: i) experimento com o uso de gravuras; ii) experimento com borres de tinta; iii)

    experimento com textos. Os resultados dessas experincias sinalizavam para a construo desentido advinda da percepo individual e singular de cada sujeito. Assim, no experimento

    com gravura em que continham gravuras ambguas os sujeitos no se atentavam apenas

    objetividade da figura, mas antes construam um significado conforme sua percepo, embora

    essas inferncias partissem da realidade objetiva. No experimento com borres de tinta a

    percepo individual acentuou-se mais ainda, tendo como resultado a representao

    6Do texto original: [] the readers purpose determines how he or she sets about reading and how closely he

    or she monitors the purpose of reading, that is, understanding of the text.(Traduo nossa).7Do texto original: Because of these problems with the interactive approach, it is perhaps best to adopt a moremodest framework of reading comprehension. According to this framework cognitive processes at several levelscollaborate in achieving the readers goal in reading.(Traduo nossa).

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    diferenciada por cada sujeito, confirmando a variabilidade das experincias subjetivas. O

    experimento com textos veio ratificar essa hiptese bsica da considerao subjetiva no

    cognitivo a partir do resultado de reproduo das histrias lidas em que os sujeitos incluam

    no enredo situaes no apresentadas no texto original.

    Conforme Bartlett (1932 apud LEFFA, 1996), [...] o mundo percebido

    percebido atravs de estruturas cognitivas e a essas estruturas cognitivas deu o nome de

    esquemas. Em Rumelhart (1985) os esquemas (estruturas abstratas) seriam os elementos

    sobre os quais as informaes passariam por transformaes. Essa percepo seria a partir de

    dados sensoriais lingusticos e no-lingusticos que servem de suporte para a construo e

    representao do mundo. Assim, uma teoria de esquema assemelha-se a uma teoria sobre o

    conhecimento, sobre a forma como esse conhecimento representado e de que maneira essa

    representao facilita o uso desse conhecimento.

    Para ilustrar a exposio sobre a teoria de esquemas, Rumelhart (1985) faz uma

    analogia com a situao de um jogo, destacando caractersticas decorrentes e possveis em

    determinadas situaes em detrimento de outras; ressalta as diversas possibilidades de atuao

    em um jogo sem alterar a natureza essencial desse jogo, enfoca o elemento constitutivo do

    esquema que seriam as variveis, isto , quando compreendemos uma determinada situao

    porque associamos pessoas, objetos, eventos, entre outros aspectos com as diversas variveis

    do nosso esquema. interessante observar que para estabelecer essa compreenso fazemos

    uso no s dos aspectos j reconhecidos e observveis em nossos esquemas como tambm de

    aspectos inobservveis. Em suma, a caracterizao de um esquema resultante de um

    determinado nmero de variveis possveis, observveis e no-observveis.

    Um esquema uma estrutura de dados (variveis) para representar conceitos

    genricos armazenados na memria. Um esquema encarna um prottipo da teoria dosignificado, ou seja, na medida em que um esquema subjacente a um conceito armazenado

    na memria, corresponde ao significado desse conceito, assim os significados so codificados

    levando em conta a tipicidade da situao e/ou evento que exemplifica esse conceito

    (RUMELHART, 1985)8.

    8 Rumelhart (1985) exemplifica ilustrando uma situao que gera o conceito de compra em que algunselementos so pertinentes nessa situao de negociao do ato de comprar como o vendedor, o comprador

    ambos podem variar de sexo, posio social, idade, nacionalidade, etc. , a mercadoria (que pode variar devalor), o dinheiro (pode variar na quantidade), e assim, embora tenhamos as possveis variaes em uma situaode compra, esta ser tipificada em um determinado esquema.

  • 7/22/2019 Sergina Araujo de Alencar - Compreenso de situaes problema Enem

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    Na medida em que vamos experienciando novas situaes evolumos na

    quantidade e na qualidade de nossos esquemas, em decorrncia desse fato tambm ampliamos

    as variveis que se apresentam como dados na construo de cada esquema que se insere na

    rede da estrutura cognitiva.

    Especificando o entrelao entre o uso de esquema e o texto escrito, ratificamos

    nossa ideia de modelo sociointeracionista de leitura, partindo da premissa de que para se

    estabelecer a compreenso de um texto h, inevitavelmente, o envolvimento das dimenses

    culturais, sociais e subjetivas.

    Rumelhart (1985) sinaliza para um processamento textual interativo. Considera-

    se, assim, que o processamento textual envolve a interao simultnea dos vrios processoscognitivos que o compe, a saber: os processos de baixo nvel e os processos de alto nvel.

    Os processos de baixo nvel, denominados microestrutura (nvel de palavras, de

    oraes informao impressa no texto (RUMELHART, 1985), so tambm chamados de