lucÍola (josÉ de alencar): o modelo histÓrico … · 2018-08-03 · as estórias são marcadas...
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Universidade Estadual de Maringá, 11 a 14 de junho de 2018.
Anais ISSN online:2326-9435
XXIII SEMANA DE PEDAGOGIA-UEM XI Encontro de Pesquisa em Educação
II Seminário de Integração Graduação e Pós-Graduação
LUCÍOLA (JOSÉ DE ALENCAR): O MODELO HISTÓRICO-SOCIAL DE MULHER
EM TEMPOS DE MODERNIZAÇÃO
SOUZA. Rayani Antoneli,
PERIOTTO. Marcília Rosa (orientadora)
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ-UEM
FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO
Introdução
A pesquisa buscou compreender a educação feminina no Brasil em meados do século
XIX por meio do romance Lucíola, obra de José de Alencar (1829-1877), publicada em 1862.
A escolha do autor e da obra é justificada em razão da sua aceitação por parte do público e da
crítica e por ser considerado um dos mais importantes autores da época, além de anunciar na
trama que envolveu a personagem principal o modelo feminino perfeito às mulheres da elite.
Dentre os temas abordados por José de Alencar, as mulheres mereceram um estudo de perfil
aprofundado nos seus romances, apontando uma restruturação da presença e atuação feminina
como uma exigência dos novos tempos que chegavam ao Brasil e da necessidade de conformar
padrões de comportamento adequados ao conservadorismo político e religioso da camada social
dominante.
A descrição e análise da educação recebida pelas mulheres no interior da sociedade
patriarcal era vista uma questão de importância no processo de construção da nação, cujo
modelo expressava os interesses das elites política e econômica. O entendimento dessa questão
do passado contribui para que a educação dos dias de hoje, ou seja, o modelo atual, se esclareça
naquilo que ainda a mantém vinculado a um período histórico não mais existente em termos
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cronológicos. A realização do estudo centrou atenção na forma como a sociedade da época
delimitada para o estudo definia o papel da mulher no século XIX e a maneira que sua educação
deveria se realizar, pois, a partir dali o modelo feminino a ser consolidado não encontraria
obstáculos na sua consecução.
Para tanto, José de Alencar, um romancista lido pela classe letrada, autor de perfis de
heroínas as quais sintetizavam os caracteres desejados às mulheres da elite, traçou nas suas
obras a mulher idealizada da sociedade burguesa, contrapondo-a sempre aos modelos femininos
rejeitados e também aquela considerada como um modelo que não deveria ser seguido. Há uma
evidente dualidade de performances da mulher em seus romances- a mulher necessária ao
projeto elitista de nação, caracterizada pela sobriedade e pleno conhecimento do papel social
exigido e a mulher profana, que erra, que macula a si e ao meio social com comportamentos
inidôneos e, ao final, deve ser castigada e excluída do convívio da sociedade. O romance
Lucíola, permite adentrar ao debate sobre o modelo de mulher discutido naquela ocasião e
representado pela movimentação dos personagens no decorrer das estórias contadas e
construídas pelo conservadorismo de seu autor.
O estudo da educação da mulher frente ao panorama geral da sociedade brasileira na
segunda metade do século XIX permitiu a construção social da personagem Lucíola quanto ao
comportamento e características pessoais e sociais que apresentava, além de contextualizar a
educação da mulher na sociedade brasileira no século XIX e identificar o ideal civilizatório
implícito na educação feminina no Brasil.
O estudo, realizado a partir dessas definições, pode esclarecer parte da dinâmica social
brasileira na metade do século XIX e os encaminhamentos históricos resultantes das relações
que se construíram em nome de um dado modelo de nação e fortalecimento da elite econômico-
político, cujos propósitos incluíam a determinação plena da sociedade de modo a fazer com que
ela expressasse uma visão de mundo unicamente vinculada ao modo de ser dominante.
Para obter-se uma visão sobre o modelo histórico da educação feminina do século XIX,
utilizamos como fonte Ivan Manoel (2008) que, no livro Igreja e Educação Feminina (1859-
1919) retrata o modelo de educação imposto desde o período imperial até a república, sobretudo
como foi designado a educação para as mulheres sobre o domínio da Igreja Católica e da
oligarquia.
Jinzenji (2010), no livro Cultura Impressa e Educação da mulher no século XIX,
analisa a função educativa por meio d’O Mentor das Brasileiras, jornal impresso entre 1829 e
1832, que transmitia às leitoras informações e procedimentos que alertavam as mulheres de
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como se portar na sociedade, circulando como um meio de comunicação a ensinar os princípios
morais e cristãos que a mulher deveria aprender e seguir obedientemente. Os dois estudos
citados também expõem as condições político-sociais presentes no século XIX, dividido entre
as mudanças que chegavam e o conservadorismo ainda muito presente no cotidiano da
sociedade brasileira.
Pellogio (2009), Oliveira (2008), Martins (2010), Rodrigues (2010), Borges (2013),
estudiosos da educação feminina do século XIX vinculada à obra de alencariana foram
consultados no sentido de contribuir com suas reflexões sobre o universo feminino enfocado
por José de Alencar. Esses autores trouxeram com seus escritos um panorama geral das
condições sociais que geraram, em nome de um modelo de nação político e economicamente
engedrado, um perfil feminino que agradasse aos segmentos dominantes e buscasse estabelecer
uma ordem social, progressista, porém, de caráter conservador.
A análise foi realizada nos termos da pesquisa histórica que busca apontar as conexões
entre as condições materiais e sociais da época histórica nominada e o tipo de indivíduo que daí
emerge, proporcionando uma leitura dos processos educativos vinculados à necessidade de a
elite traçar uma sociedade afinada aos seus interesses e de compreensão da vida.
Desenvolvimento
A literatura romântica brasileira teve destaque no Brasil entre os anos de 1836 a 1881,
neste estilo literário a idealização da mulher e do amor entre um homem e uma mulher ficam
explícitos. As estórias são marcadas pela personificação dessas figuras e situações no contexto
social da época, onde os conflitos e as ordens impostas pela sociedade vão sendo narrados juntos
à estória de amor ora impossível, ora permeada por estratagemas dos amantes e antagonistas.
Os livros conhecidos como “Perfis de mulheres” caracterizam as principais obras do
autor na literatura romântica brasileira. Nestes livros os personagens protagonistas são as
mulheres, compondo romances urbanos, que relatam o perfil da sociedade burguesa e traz o
amor como tema central. Os livros são Senhora, que narra a história de Aurélia, uma jovem
pobre que recebe uma herança deixada pelo avô, e assim é apresentada à sociedade fluminense,
se apaixona por Seixas, que na verdade está interessado em seu dinheiro, e não a reconhece
como a moça pobre que outrora rejeitou. A trama se envolve em um amor por interesse,
vingança e ascensão social, mas tem um final feliz para a protagonista em seu casamento,
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diferente de Lucíola, que mostra a relação da mulher corrompida pela sociedade e seu destino
trágico diante do amor.
O Romantismo se inicia na Europa, no final do século XIX, e vai se espalhando ao redor
do mundo como expressão literária. O berço do romantismo é a Itália, Alemanha e Inglaterra,
mas foi na França que esta literatura ganha maior evidencia e se reproduz na América e por
toda a Europa.
O período romântico retrata a religiosidade, o amor, nacionalismo e as emoções num
quadro de consolidação da sociedade burguesa e aumento significativo da pobreza. No Brasil,
o romantismo chegou logo após a independência política em 1822, abordando traços da nossa
história, exaltando o nacionalismo, O marco inicial do movimento ocorreu com a publicação
da obra Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães, em 1836.
José de Alencar retrata o romantismo em suas obras, enaltecendo a natureza, o
regionalismo, a Corte e a sociedade carioca dos oitocentos.
A PRESENÇA FEMININA NA SOCIEDADE BRASILEIRA NOS OITOCENTOS
O entendimento da figura da mulher narrada pelo romantismo de José de Alencar exige
debruçar-se sobre o espaço e as condições ocupadas pelas mulheres na sociedade em questão e
a educação recebida.
A mulher no século XIX é marcada por total obediência à ordem patriarcal e sua
subordinação e devoção ao casamento e aos filhos. Era vista como uma propriedade do pai e
após casada uma propriedade do marido, de forma que era colocada em uma posição de um ser
dependente e frágil, sendo também religiosa, seguindo a moralidade pregada pela igreja.
Seu mundo se definia em ser filha obediente, esposa e mãe devota, não tinha outro
espaço que podia ocupar na sociedade a não ser seu próprio lar, o que a restringia de frequentar
até mesmo a escola. Toda instrução recebida em casa se constituía para fins domésticos,
afastando-as assim de outros assuntos da sociedade. Segundo Áries “Além da aprendizagem
doméstica, as meninas não recebiam por assim dizer nenhuma outra educação” (1981, p.185),
na maioria dos casos.
Outra forte característica da figura feminina do século é a beleza como virtude, um
modelo ideal imposto e copiado das mulheres europeias que viviam na Corte. Podemos
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encontrar tais atributos descritos em uma matéria publicada no jornal O Mentor das Brasileiras
(1830), que dizia:
Para que uma senhora fosse perfeita em beleza, deveria possuir as qualidades a saber:
Três coisas brancas: a pele, os dentes e as mãos.
Três pretas: os olhos, as pestanas e as sobrancelhas.
Três vermelhas: os beiços, as faces e as unhas.
Três longas: o corpo, as mãos e os cabelos.
Três curtas: os dentes, as orelhas e os pés.
Três largas: o peito, a testa, e as pálpebras dos olhos.
Três estreitas: a boca, a cintura e a planta do pé.
Três grossas: os braços, as nadegas e a barriga da perna.
Três finas: os dedos, os cabelos e os beiços.
Três pequenas: os seios, o nariz e a cabeça (apud JINZENJI, 2008, p.174).
Embora essa lista trouxesse o modelo ideal da beleza feminina, a própria excluía boa
parte da população feminina brasileira, formada por mulheres negras, mestiças, mulatas, dentre
outras, o que fazia muitas mulheres desejarem copiar os modelos europeus na moda e
comportamento.
Ao longo do século XIX, o Rio de Janeiro foi se transformando na capital cultural
inspirada nas nações europeias, com grande destaque para a França, de onde se importava
principalmente leitura e moda (JINZENJI, 2008, p. 177).
A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XIX E A EDUCAÇÃO DA MULHER NO BRASIL
Em um período marcado pelas oligarquias, a educação feminina torna-se necessária
diante da constante modernização pela qual passava o Brasil junto ao modelo capitalista que se
expande em toda a Europa, o que entra em contradição é como concentrar-se em uma educação
modernizadora e ao mesmo tempo conservadora.
A educação do século XIX, protegida pela Igreja Católica, pregava um ensino
conservador, tanto que os relatos históricos apontam uma educação feminina na qual as
mulheres eram ensinadas a se portar como esposa e mãe e, não sendo alfabetizadas, mantinham
a ignorância acerca de outros assuntos do mundo, atendendo essencialmente a função do
casamento.
Os objetivos da educação católica se direcionavam a duas esferas: a instrução e a
educação. Segundo Manoel:
À instrução caberia municiar a inteligência com as conquistas e descobertas
do saber e da ciência em assuntos meramente humanos. Assim os objetivos
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instrucionais se limitariam a introduzir a educanda no universo das Ciências
Naturais, da Matemática e da Geometria. Á educação caberia a tarefa de
modelar o caráter da educanda conforme os valores morais católicos. Os
objetivos educacionais propunham levar a aluna a absorver esses preceitos
morais e religiosos por meio da pratica da virtude, do conhecimento das
práticas religiosas e da assimilação dos bons exemplos preservados pela
história (MANOEL, 2008. p. 92).
Decorrente da crescente urbanização e dos novos sistemas de produção instaurados na
Europa, chegavam ao Brasil lentamente novas concepções de sociedade, trazendo uma
burguesia que exigia uma restauração social e com isso uma outra relação na cultura e na
educação feminina.
No Brasil, até 1814, as mulheres recebiam sua educação dentro de casa, não
frequentavam escolas, mas a vinda da Corte portuguesa traz consigo a mudança de uma
sociedade que necessita de uma mulher culta para nela se apresentar. A baixa proporção de
meninas matriculadas nas poucas escolas a partir de 1815 resultava da resistência das famílias
de matricularem suas filhas em uma instituição escolar, muitas por razões morais e por
deixarem de ser uma força de trabalho em casa.
Um novo modelo de educação era imprescindível, a educação voltada para o lar não era
mais suficiente, mas sim um ensino em que as mulheres pudessem ler, contar e conversar e
saber um pouco além do que estava ao seu redor. Assim era necessário educar os jovens, mas
não significava uma educação profissional, mas uma educação sociocultural das mulheres na
sociedade.
Com a chegada da Corte e de estrangeiros no país, a figura feminina ganha nova
significação, outras instancias passam também a discutir a mulher, como os jornais que
circulam voltados com matérias para o público feminino. Os artigos endereçados a mulher
relatavam a moda na Corte, a educação feminina, e discutiam doutrinas e moralidades que as
mulheres deveriam seguir. As lições implícitas nos jornais que circulavam na sociedade
visavam assim passar a imagem adequada da mulher ideal: virtuosa e patriota.
Para tal educação a igreja se fazia presente, como as construções de escolas dirigidas
por freiras que educavam e moldavam as mulheres para atenderem ao sistema social vigente no
período em questão. Como exemplo um Projeto de Ensino para a sociedade paulista feitos pelas
Irmãs de São José, em 1859, que se evidencia como:
“Formar as meninas na pratica da virtude que convém ao seu sexo, fazer
com que cedo contraiam hábitos de ordem, modéstia, trabalho; inspirar-lhes
com amor e religião, um grande afeto as obrigações que ele lhe impõe; ornar
o seu espirito com uma instrução apropriada a sua idade e seus deveres que
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um dia terão de cumprir em sociedade...” (PROSPECTO, apud, MANOEL,
2008).
A educação era dada pela Igreja Católica, que formava mulheres para uma sociedade na
qual seu papel estava desde seu nascimento definido, “Assim, a mulher deveria cumprir o seu
papel na sociedade de bom grado para não prejudicar todo o sistema social na qual estava
inserida” (RODRIGUES, 2010, p.2).
O ROMANCE LUCÍOLA
Lucíola foi a primeira obra da trilogia dos perfis de mulheres alencarianas. A narrativa
foi publicada em 1862 por José de Alencar (1829-1877), situado como uma literatura romântica
que contextualiza em um romance urbano e evidencia o momento de mudanças na sociedade e
em seus costumes. Mostrando como eram os valores morais, impostos pela sociedade burguesa
daquela época, na obra o autor mostra o personagem de Lucíola como um exemplo do que não
deveria ser a figura da mulher naquele período. Lucíola é retratada como independente,
excêntrica, com suas próprias vontades, ao contrário de uma mulher submissa, com valores
cristãos, com bondade e romântica. Já os homens eram vistos como corteses, que detinham o
poder para si e se aproximavam de mulheres como Lucíola somente para as suas satisfações da
carne.
O romance é narrado pelo personagem Paulo, que escreve contando em uma carta o
desenrolar da história para uma senhora o romance por ele vivido seis anos atrás com a
protagonista Lucíola.
QUEM ERA LUCÍOLA?
O personagem Lucíola é uma jovem cortesã de dezenove anos, que vive no luxo na
cidade do Rio de Janeiro em 1855, tem em sua vida vários amantes da alta sociedade. Possuía
uma rara beleza, de cabelos longos e escuros, causava cobiça nos homens à sua volta, mesmo
sendo prostituta possuía a imagem de inocência e delicadeza, levava um comportamento
ambíguo, embora se mostrasse interesseira ao dinheiro fácil e devassa em suas ações, o que lhe
trazia um sentimento de culpa por tais ações libertinas, em outros momentos se mostrava uma
figura generosa ao ajudar outras pessoas e seu sacrifício para ajudar a família.“...A expressão
cândida no rosto e a graciosa modéstia do gesto, ainda mesmo quando os lábios dessa mulher
revelavam a cortesã franca e imprudente, o contraste inexplicável da palavra e da fisionomia...”
(Lucíola, p. 14.)
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Assim o personagem de Lucíola se mostra em uma vertente onde oscila entre o desejo
de ser a prostituta e o desejo de ser outrora a inocente Maria da Gloria, ambas as mesmas
pessoas. Embora participasse da vida social burguesa, não era vista como um modelo a ser
aceito ou imitado pelas outras mulheres. A sua fortuna, obtida na prostituição abria-lhe portas,
mas não era o suficiente para ser, de fato, considerada uma pessoa a ser incluída nos núcleos
familiares.
A FAMÍLIA DE LUCÍOLA
A família de Lucíola veio de São Domingos para morar na corte, o pai trabalhava nas
obras públicas do Rio de Janeiro e durante dois anos a família viveu feliz:
“A noite toda a família se reunia na sala, eu dava a minha lição de francês a meu mano
mais velho, ou a lição de piano com minha tia. Depois passava o serão ouvindo meu pai ler ou
contar algumas histórias” (Lucíola, p.210.), dizia a heroína, até que em 1850 o surto de febre
amarela atacou a todos: o pai, a mãe, os irmãos e a tia e os levando todos a uma extrema falta
de recursos que impedia a sobrevivência familiar. A partir daí a vida de Lucíola iria mudar
radicalmente.
A TRANSFORMAÇÃO EM LUCÍOLA
Maria da Glória, verdadeiro nome de Lucíola, aos catorze anos vê sua família em um
estado precário; o pai, a mãe, a tia e a irmã doentes com o surto de febre amarela acontecido na
época. Ao ver todos os seus em extrema miséria, não encontra meios dignos para ajudar sua
família e em seu desespero se vê obrigada a receber ajuda de Couto, um rico homem, sem
caráter, que em troca de seus favores usa o corpo de Maria da Gloria. Ao descobrir a prostituição
da filha seu pai a expulsa de casa.
Sozinha, na rua, encontra Jesuína, que a acolhe e a leva consigo, mas a coloca na
prostituição, servindo-a para homens rico. O dinheiro que recebia pela venda de seu corpo era
destinado a um dote para sua irmã menor Ana e socorrer seu pai. Para que a honra de sua família
não fosse manchada, Maria da Gloria, ao perder sua amiga Lucia, troca seu registro com a
falecida simulando sua própria morte e assume o nome de sua melhor amiga que morreu: Lucia.
A DESGRAÇA DA FAMÍLIA E A PROSTITUIÇÃO: A OBEDIÊNCIA FILIAL
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Diante da desgraça que recai sobre sua família com a febre, Lucíola mostra a lealdade
com a família, buscando encontrar uma forma de salvar os seus e acaba vendendo seu corpo a
prostituição para receber em troca condições para restaurar sua família e, após trocar seu corpo
para tal fim, é acusada por seu pai de causar vergonha a família e a expulsa de casa para que
não traga humilhação. Maria da Gloria dá-se como morta, não tem mais contato com sua família
e mostra obediência ao pai por não desejar vê-lo em desonra diante da sociedade por ter uma
filha corrompida pelo pecado. O personagem retrata a obediência a um comportamento onde
faz exatamente aquilo que se espera dela; o afastar-se do contato familiar para não desonrar os
seus parentes e ao pai.
Ela explica a difícil decisão de dar-se como morta e, ao mesmo tempo, ser um alívio aos
familiares o fato: “Morri, pois, para o mundo e para minha família...meus pais choravam sua
filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha restituída” (Lucíola, p.216).
Assim, Lucíola vem ao mundo para ser errante. Levada pela necessidade, maculada pela
sociedade masculina, teve que abandonar o curso natural da vida feminina: casar, ter filhos e
viver honradamente.
O ABANDONAR DE MARIA DA GLÓRIA E A TRANSFORMAÇÃO EM LUCÍOLA
Maria da Gloria é traçada como um personagem frágil, que expõe a ingenuidade, a
pureza, a obediência e a lealdade a família, retratando o perfil esperado pela jovem virgem na
sociedade. Ao ser corrompida, prostituindo-se, Maria da Gloria não se enxerga mais com a
imagem da Virgem Maria, com sua pureza e sua personificação angelical, e assim abandona
sua vida, dando-se como morta e assumindo a identidade de sua amiga falecida, Lucia, vivendo
como uma cortesã de luxo, com vários amantes. A partir dessa nova condição passa a se julgar
indigna de redenção e de encontrar um verdadeiro amor, assim vive em constantes festas, exibe
seu corpo sem pudor a outros homens, travando uma batalha interior para adaptar-se à sua
realidade e aceitar a discriminação da sociedade.
Lucíola, na sua luta interior com a depravação e sua inocência corrompida, sofria com
o preconceito e indiferença da sociedade, ficando a mercê dos acontecimentos da vida. Por ser
religiosa, adepta dos preceitos da fé, Lucia não consegue enxergar para si uma redenção, o que
a impede de encontrar um amor, pois para a sociedade e a igreja não seria aceito um casamento
entre a cortesã e um homem, esse seria condenado por Deus. A única saída para Lucíola seria
a morte, uma forma de redimi-la e ao mesmo tempo servir de exemplo àquelas jovens que se
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deixavam arrebatar pelos chamados de uma vida aventureira, mas indigna aos bons costumes e
moral da sociedade.
Paulo, personagem que narra toda a história, moço pobre, com vinte e cinco anos veio
de Recife para o Rio tentar carreira e se hospeda na casa de seu amigo Dr. Sá, um dos antigos
amantes de Lucíola. Paulo é apresentado a jovem cortesã na festa da Gloria, uma das festas
mais populares da corte naquela época. A primeira impressão que teve de Lucia levou-o a
exclamar “Que linda menina! Exclamei para meu companheiro, que também a admirava. Como
deve ser pura a alma que mora naquele rosto mimoso” (Lucíola, p.16).
Mesmo sendo informado de que Lucíola não correspondia à imagem ingênua que
passava, Paulo se apaixona pela cortesã, e busca estreitar laços com a moça, passando então a
frequentar sua casa, oferecendo sua amizade e desfrutando daquilo que Lucíola lhe oferecia;
acompanhava-a em teatros, festas e jantares, embora Lucíola não aceitasse para si o amor de
Paulo, pois acreditava ser indigna de ser amada devido a sua escolha de viver na prostituição.
A ambiguidade do comportamento de Lucíola denota- se na presença de Paulo e com os
demais. Com Paulo, a jovem expõe sua verdadeira identidade; uma docilidade, paixão da vida
que levava antes como Maria da Gloria. Ao se apresentar diante da sociedade, no teatro ou nos
jantares, Lucíola expõe seu lado devasso, provocador, mostrando seu corpo, e afirmando aquilo
que a sociedade vê de sua pessoa: uma prostituta. O seguinte trecho do livro expressa essa
conduta, onde em um jantar na casa do Dr de Sá, alcoolizada fica nua sobre a mesa diante dos
demais convidados:
Lucia saltava sobre a mesa. Arrancando uma palma de um dos jarros de flores,
trançou-a nos cabelos, coroando-se de verbena, como as virgens gregas.
Depois agitando as longas tranças negras, que se enroscavam quais serpes
vivas, retraiu os rins num requebro sensual, arqueou os braços e começou a
imitar uma a uma as lascivas pinturas (Lucíola, p. 71).
Lucíola se apaixona por Paulo, mas afasta-se dele por saber que é um amor impossível.
Ao descobrir sua gravidez, a rejeita por ser indigna de conceber devido aos seus pecados
cometidos. Ao ficar enferma Lucia decide vender sua casa com toda a mobília e passa viver em
Santa Tereza, em uma pequena casa. Paulo sai a sua procura e encontra:
Pela primeira vez a mulher submissa, que temia ofender-me, mostrando
ofendida de minhas injustiças, conservava contra mim uma queixa, e assumia
o direito de perdoar, admirando, aceitando, contudo, essa nova situação, como
tinha aceito todas as gradações por que passara a sua existência depois que
nos conhecíamos (Lucíola, p. 210).
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O filho esperado por Lúcia morre em seu ventre e, acreditando ser esse o seu castigo,
Lucia morre devido a uma infecção por se negar a retirar o feto de seu corpo. Antes de sua
morte, Lucíola conta a Paulo sua vida, a lealdade para com os seus, a honra e o respeito pelo
nome de sua família que a levou ao abandono de ser Maria da Gloria e se transformar em
cortesã. Lucíola pede a Paulo que cuide de sua irmã menor, Ana, mantendo a promessa de que
guardaria a irmã para que tivesse um futuro diferente do seu.
Considerações finais
O romance de José de Alencar traz, na leitura das relações sociais da época, o
registro do comportamento feminino, a forma como a sociedade a via e os atributos que deveria
encerrar em si para ser aceita social e moralmente. Primeiramente, deveria ser sustentada pelo
pai, mas, com o casamento, esta responsabilidade passava para o marido, o único lugar que a
mulher se enquadrava era dentro de casa.
Em Lucíola, José de Alencar evidencia a ambiguidade da personagem em travar uma
luta consigo e com o papel feminino estabelecido pela sociedade.
A narrativa feita por Alencar traz o perfil da mulher que sofre o preconceito da sociedade
por não estar num padrão imposto pela igreja: da mulher pura, digna de um amor, e apta ao
casamento. A discriminação e a indiferença da sociedade pela Lucíola prostituta, leva a um
único fim para o personagem: sua morte. Só por meio dela, é que Lucíola se vê livre da
condenação e do castigo de ser uma prostituta.
Ao analisarmos a obra de José de Alencar evidenciamos a educação que as mulheres
recebiam, que se baseava em forma-las para serem apenas donas de casa, esposa, mãe,
sobretudo submissa ao homem, desde seu pai e quando casava ao marido.
O lugar da mulher no espaço social brasileiro no século XIX, como já aludimos
anteriormente, era determinado pelo patriarcalismo, deixando sua margem de decisão com
pouca acessibilidade (Oliveira, 2008).
A mulher traçada por Alencar é a contradição daquela época, ela mostra autonomia em
suas escolhas, cumprindo com o dever de lealdade a família, ao mesmo tempo que não toma
medidas em sacrificar-se pelas ações consideradas improprias por uma mulher de respeito.
Mesmo sendo condenada pela sociedade, e sofrer o preconceito por ser uma prostituta, Luciola
traz uma nova visão de mulher que o autor restitui para aquela época, ainda que fosse por ele
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rejeitada e traz à tona os valores morais e religiosos obedecidos frente à autonomia da mulher
em desafiar o modelo de comportamento definido como a única forma de ser às mulheres.
Referências
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ALENCAR, José de. Luciola. São Paulo: Edições Pavana, 2012. (Coleção Grandes Heroínas
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OLIVEIRA, Lilian Sarat de,. Educação e religião das mulheres no Brasil do século XIX:
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PELOGGIO, Marcelo. José de Alencar e a crítica realista. In: Terra Roxa e outras terras,
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TEIXEIRA, Maria C. Lucíola: uma análise discursiva. Porto Alegre, 2013.