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    Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 51, p. 115-124, out./dez. 2010

    SEMIÓTICA JURÍDICA

    Fernando Rabello

    RESUMO

    Objetiva esclarecer o significado de Semiótica Jurídica, que tempor objeto os signos linguísticos empregados nos enunciados ediscursos jurídicos.Traça um paralelo entre Hermenêutica e Semiótica Jurídicas,destacando pontos comuns e específicos de cada qual,examinando os níveis da Semiótica e o modo como o estudodestes pode contribuir para uma melhor interpretação eaplicação do Direito.

    PALAVRAS-CHAVE

    Semiótica Jurídica; linguagem; interpretação; Hermenêutica;Direito; Linguística; signo; discurso jurídico.

    CONSIDERAÇÕES INICIAISSOBRE SEMIÓTICA JURÍDICA

    ABSTRACT

    The author aims at explaining the meaning of legal Semiotics,which focuses on linguistic signs used on legal statements and speeches. He draws a parallel between Hermeneutics and Semiotics, highlighting both common and specific points to each ofthem. Furthermore, he looks into the semiotic levels and intothe way the scrutiny thereof may contribute to a better interpretation and application of the Law.

    KEYWORDS

     Legal Semiotics; language; interpretation; Hermeneutics; Law; Linguistics; sign; legal speech.

     INITIAL CONSIDERATIONS ON LEGAL SEMIOTICS 

     José Ricardo Alvarez Vianna

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     A linguagem é um sistema de signos,

    que se articulam entre si e permite o

     intercâmbio de informações, pensamentos,

     sentimentos nas relações entre os homens e

    entre estes e o mundo naturalístico.

    1 INTRODUÇÃO

     Este artigo tem como motivação buscar novos métodos e/ou técnicas, dotadas de rigor científico; firmes e coerentes, paraa difícil tarefa de interpretar e aplicar o Direito. Isto porque aHermenêutica Jurídica, apesar de seu elevado grau de avanço,não elimina a possibilidade de silogismos imperfeitos; apelosemocionais; sobreposições ideológicas; redirecionamento ma-

    licioso de significados; oportunismo e conveniência por partedos mais hábeis em técnicas de argumentação. Foi motivado,ainda, na busca por afastar posturas de diletantismo, o qual porvezes pode-se manifestar com uma linguagem que, aos menosavisados, espelha erudição, mas que de erudita nada tem.

    Esses aspectos afastam o Direito de sua finalidade precí-pua: convívio harmônico entre os homens em sociedade, apaz. Sim porque o distancia de suas premissas elementares; deseus fundamentos essenciais, erigidos em séculos de civil ização.Além disso, abala a segurança jurídica, aspirada pelos Estadosdemocráticos de Direito, maioria expressiva das nações contem-porâneas.

    Nesse palmar, objetiva-se, de modo geral, num primeiromomento, cotejar Semiótica e Direito, a fim de apurar a cone- xão e afinidade entre ambos, para, ato contínuo, aventar umapossível Semiótica Jurídica.

    Objetiva-se especificamente esclarecer em que consiste aSemiótica Jurídica, a qual tem por objeto o estudo dos signos empregados nos enunciados e discursos jurídicos, e, com isso,fornecer mais um instrumento de interpretação e aplicação doDireito, de maneira aprimorada.

    Para tanto, de início, será feita uma análise dos conceitos delíngua, linguagem e Semiótica, demarcando o sentido de cadaqual. Na sequência, será analisada a relação entre Semiótica e

    considerações sobre o tema propriamente dito, tem-se por in-dispensável uma pré-compreensão do que se deve entenderpor língua e linguagem, haja vista que ambas mantêm estreitaafinidade com a Semiótica.

    Num primeiro aporte, pode-se dizer que linguagem é meiode comunicação entre os homens. A linguagem é inerente àvida em sociedade. Sem linguagem, não há sociedade. Aristóte-

    les (2010, p. 56-57), na obra Política, afirmou: o homem é umanimal político; a natureza lhe deu o dom da palavra; o quelhe permite distinguir o bem do mal, o justo do injusto . É issoque o separa dos outros animais. É a comunicação desses sen-timentos que engendra a família e a cidade. Não há, portanto,como existir convivência social sem comunicação ou interaçãoentre seus membros, por mais rudimentares que sejam estas.

    Não se deve, porém, confundir língua e linguagem1. Línguatem sentido mais restrito; é uma instituição social, compostade códigos que, uma vez articulados, permitem a veiculação demensagens entre emissor e receptor (CHAUÍ, 2010, p. 153).Em regra, designa determinado idioma, vigente em tempo e

    local específicos, caso do português, inglês, francês, alemão(línguas em uso) ou do latim, do aramaico (línguas mortas).As línguas (idiomas) se constituem e se alteram muito mais apartir de hábitos e costumes do que em decorrência de opçõesarbitrárias do ser humano. Isto fica claro, por exemplo, ao seperceberem as diferenças entre o português do Brasil e o dePortugal, em que algumas palavras chegam a apresentar, nosdias atuais, sentidos diversos, apesar do esforço humano emreunificá-las por atos normativos2.

    Linguagem, por sua vez, tem sentido mais amplo. Abrangenão somente o idioma de determinado país, povo ou civili-zação, mas também outras formas de comunicação, seja pormeio de palavras, escritas ou faladas; sinais, empregadas porsurdos-mudos;  braile ,  própria dos cegos; gestual, de que éespécie a mímica; dos símbolos; dos números, arábicos ouromanos; das fórmulas matemáticas, físicas e/ou químicas; dalinguagem corporal das pessoas, muitas vezes involuntária; dalinguagem cultural dos povos, representada por indumentá-rias, adereços, maquiagens; da linguagem musical; das lingua-gens científica ou comum.

    Estes aspectos destacam o elevado tom de plasticidadedas línguas (idiomas) e das diversas formas de linguagem,ambas suscetíveis de alterações, inovações, fusões, extinções,avanços, recuos, elucidações. Evidenciam, ainda, a não imu-nidade destas a ambiguidades, imprecisões e vagueza, numfluxo e refluxo contínuos. É, neste contexto, que emerge aSemiótica, a qual pode ser entendida como teoria geral dossignos ou, simplesmente, ciência dos signos. O vocábulo Se-miótica advém do grego  semeion, que quer dizer signo, etambém de semeiotiké, que pode ser entendido como a artedos sinais. Signo, no sentido aqui empregado, vem a ser algoque representa um objeto; que designa uma unidade concretaou abstrata, real ou imaginária (PEIRCE, 1974, p. 46). Observe-se que a linguagem se vale, sempre, de signos para conhecer,perceber, apreender e transmitir ideias, impressões, realida-

    des ou emoções. A linguagem é um sistema de signos, quese articulam entre si e permite o intercâmbio de informações,pensamentos, sentimentos nas relações entre os homens eentre estes e o mundo naturalístico.

    Direito, o que conduz à Semiótica Jurídica. Traçar-se-á, outros-sim, a correlação entre Hermenêutica e Semiótica Jurídica, ex-pondo seus traços em comum e de especificidade.

    Ao final, será empreendido exame dos níveis, planos oudimensões da Semiótica Jurídica: sintática, semântica e prag-mática , expondo o modo de incidência de cada e a forma comopodem contribuir na análise dos enunciados normativos, dosdiscursos jurídicos, bem como de que forma podem contribuirpara uma melhor interpretação e aplicação do Direito.

    2 LÍNGUA, LINGUAGEM E SEMIÓTICA

    A Semiótica tem sido tema recorrente em sociedade, nãoapenas nos círculos acadêmicos. Fala-se, hoje, em Semiótica dapublicidade, do cinema, da fotografia, do jornalismo, da arqui-

    tetura, da religião, da música, da moda; em Semiótica militar,das ciências, da psicanálise; em biossemiótica. Como se vê, ocampo é vasto, todavia muitos ainda não a conhecem ou, aomenos, têm dificuldade em compreendê-la. Antes de iniciar

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     A Semiótica [...] ocupa-se da análise, da decodificação, da

     interpretação, da compreensão e da transmissão do signo,

    tal como empregado pelas mais variadas formas

    de linguagem.

    Segundo Lúcia Santaella (2009, p.13), Semiótica vem a ser a ciência quetem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos deconstituição de todo e qualquer fenô- meno, como fenômeno de produção de

     significação e de sentido.Do vocábulo signo  advém outos

    dois: significante (algo, coisa ou objetoem si) e significado (representação des-se algo, desse objeto), ambos elemen-tares para uma boa comunicação. Umexemplo elucida o que se quer dizer. Apalavra água, enquanto realidade na-tural, vem a ser o significante, isto é, oalgo, o objeto representado pelo signo. Já palavra água, na qualidade de vocá-bulo designativo, indicativo desse algo,

    desse objeto, apenas representa, signifi-ca o anterior; é o significado. A distinçãofica mais clara quando se constata que apalavra água  (significado), não molha;já a água em si (significante), sim. Emsuma, o signo representa o significante e expressa o significado.

    A Semiótica, dessa maneira, ocupa-se da análise, da decodificação, da inter-pretação, da compreensão e da transmis-são do signo, tal como empregado pelasmais variadas formas de linguagem. Visaà interação e comunicação humanascom maior precisão e eficiência; menosdúbia ou lacunosa. Estuda os signos paraconhecê-los e estruturá-los e, num passoadiante, aperfeiçoar os meios e as vias detransmissão e captação do que eles re-presentam, o que não é tarefa fácil, umavez que os signos trazem no sujeito cog-noscente pré-compreensões, formadasa partir de sua biografia; moldadas porsuas experiências pessoais, o que dificul-ta o atingimento de consensos. Comoprova disso, basta indagar a um grupoheterogêneo de pessoas sobre o queelas entendem por expressões (signos)de cunho abstrato, como amor,  vitória,perda, compaixão, tristeza, dor, felici-dade. Seguramente, as respostas irãovariar e em grande intensidade.

    A Semiótica busca contribuir paraque existam consensos acerca do objetoque o signo está a representar, aprimo-rando a comunicação e as percepções

    de mundo que cada qual já traz consigo(pré-compreensões; pré-conceitos).Do que foi exposto já se pode cons-

    tatar que linguagem é mais do que mera

    comunicação entre seres humanos. Emessência, é forma de ver, de perceber,de captar, de sentir, de interpretar oude compreender o mundo por partede cada sujeito. Daí o célebre aforismade Ludwig Wittgenstein (1987, p. 114):os limites de minha linguagem são os

     limites de meu mundo.

    3 O CÍRCULO DE VIENA E A SEMIÓTICA

    Em Viena, a partir de 1920, um grupoheterogêneo de acadêmicos, dentre elesfilósofos, físicos, matemáticos, psicólogose até juristas passou a se reunir, sob aliderança de Moritz Schilick, para discutirassuntos ligados ao conhecimento cientí-fico. Entre seus membros estavam Otto

    posta: apreender e transmitir o conhe-cimento, nos exatos termos captados;com objetividade. A isso, Rudolf Carnapchamou de “ processo de elucidação”(CARVALHO, 2008, p. 22).

    O grupo contribuiu para, com crité-rios de logicidade, possibilitar a organi-

    zação do pensamento e a estruturaçãoda linguagem, de maneira a melhorexpressar os dados do mundo. Por issose diz que, com o Círculo de Viena,houve o que se denominou de “giro-linguístico”, daí por que seus membrosficaram conhecidos como fundadoresdo Neopositivismo Lógico, PositivismoLógico ou Empirismo Contemporâneo.(CARVALHO, 2008, p. 20).

    Neurath, Rudolf Carnap, Herbert Feigl,Friedrich Waissman, Philipp Frank, HansHahn. Ocasionalmente, participaram dasreuniões Hans Reichenbach, Kurt Gödel,Carl Hempel, Alfred Tarski, W. V. Quine,A. J. Ayer e Hans Kelsen (HONESKO,2006, p. 40).

    Esse grupo dedicou atenção espe-cial à linguagem, defendendo que, semuma linguagem dotada de rigor e capazde expressar, com precisão, os dadosda pesquisa; do objeto investigado, nãohaveria conhecimento científico; nãohaveria ciência. Foi assim que rejeitaramconcepções metafísicas, transcendentaise teológicas, apoiando-se no empirismo,sobretudo como formatado por JohnStuart Mill e David Hume (SIMON, 2006,p. 31). Neste particular, advertia Witt-genstein (1987, p. 142): acerca daquilode que não se pode falar, tem que se ficar em silêncio.

    Neste cariz, o grupo, ao se darconta das limitações da linguagem na-tural, entendida esta como aquela in-formalmente empregada no dia a diapelas pessoas, e, portanto, repleta deambiguidades e imprecisões, concluiuque não poderia haver ciência semum refinamento da linguagem. Propu-

    seram, então, a criação de linguagensartificiais, consistentes em vocábulosnovos e adequados ao tema em estudoe que pudesse atingir à finalidade pro-

    Com o Círculo de Viena avançou-seda Gnosiologia para a Epistemologia e,desta, para a Semiótica. Gnosiologia indi-ca Teoria Geral do Conhecimento ( gno- sis: conhecimento;  logos: teoria, estudo,pensamento); Epistemologia implicaTeoria do Conhecimento Científico (epis-teme = conhecimento científico). Nessecontexto, a busca de rigor na linguagemconduziu os Neopositivistas, naturalmen-te, ao estudo dos signos de que se ocupaa Semiótica (CARVALHO, 2008, p. 21).

    Apesar das reminescências gregas, aSemiótica, como hoje é estudada, surgiuquase simultaneamente, mas de modoindependente, a partir de estudos dosuíço Ferdinand Saussure (1857–1913) edo estadunidense Charles Sanders Peirce(1839–1914). Entretanto, o primeiro em-pregou o vocábulo  semiologia; ao pas-so que o segundo, Semiótica  (WARAT,1995, p. 11).

    A semiologia de Saussure focou-semais na linguística; na língua (fala oupalavra); elegendo o modelo analíticopara suas pesquisas (BITTAR, 2009, p.21). Já Semiótica de Peirce, de conteú-do lógico-filosófico, concentrou estudosem uma abordagem mais ampla. Con-siderou como experiência tudo aquilo

    que se manifesta para o ser humanocomo consciência e que deve ser cap-tado de forma ordenada e coerente.(SANTAELLA, 2009, p. 34-35)3.

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    Da mesma forma que não há sociedade sem linguagem, não há Direito sem linguagem. O Direito vale-se da

    linguagem para prescrever condutas que devem ser

    observadas pelos homens em sociedade, a fim

    de propiciar o convívio social.

    Durante anos os vocábulos Semi-ótica  e semiologia  foram empregadoscomo sinônimos para designar a TeoriaGeral dos Signos. Em 1974, porém, du-rante a abertura do primeiro Congressoda Associação Internacional de EstudosSemióticos, firmou-se o vocábulo Semi-

    ótica  como Ciência Geral dos Símbolos(CARVALHO, 2008, p. 36).

    Nesta conformidade, embora relati-vamente recentes, os estudos da Semi-ótica estão em franca evolução, expan-dindo sua zona influência para váriosramos do conhecimento, inclusive para oDireito, daí a possibilidade de se falar emuma Semiótica Jurídica.

    4 SEMIÓTICA E DIREITO

    De acordo com Franco Montoro

    (1997), o Direito tem uma linguagem. Mais do que isso, o Direito é, de certa forma, um sistema de linguagem e decomunicação.

    Da mesma forma que não há so-ciedade sem linguagem, não há Direitosem linguagem. O Direito vale-se da lin-guagem para prescrever condutas quedevem ser observadas pelos homensem sociedade, a fim de propiciar o con-vívio social.

    que se apresenta e  logos: estudo), fez adistinção entre Noema e Noesis. Noema consiste no ato de percepção, enquantomanifestação de consciência no indiví-duo. Noesis, por sua vez, vem a ser o ob-jeto percebido, tal como ele se encontrano mundo fenomênico.

    Estas constatações são confirmadas, mutatis mutandis, por Tércio SampaioFerraz Júnior (1994, p. 270-271), paraquem: a participação do arbítrio humanoé, pois, o que torna difícil a tradução e a interpretação. A realidade, o mundo real, não é um dado, mas uma articulação linguística mais ou menos uniforme numcontexto existencial.  E complementa: as palavras, enquanto unidades em que seexpressa a consciência, refletem um arbí-trio (na junção ou separação de ideias)

    que nada tem a ver com a realidade6.Eros Grau (2008, p. 17) segue a

    mesma trilha:  podemos descrever odireito de várias formas e desde várias perspectivas; na verdade, contudo, nãodescrevemos jamais a realidade, porém nosso modo de ver a realidade. E pros-segue: É que a realidade da qual toma- mos consciência (isto é: a consciênciado real) existe como existe (= está in-trínseca) em nosso pensamento (ainda

    A propósito, neste particular, escla-recedoras são as palavras de ArnaldoGodoy (2007, p. 49): o realismo jurídico norte-americano levou ao limite a pre- missa de que juízes primeiramente de-cidem e depois engendram modelos dededução lógica. […] A decisão final não

     seria resultado exclusivo da aplicação da norma (que geralmente permite maisde um resultado), mas de vários fatores psicossociais, que variam da ideologiado magistrado a seu papel institucional .

    Para amenizar esse cenário de tensãoe buscar uma postura conciliadora entreobjetividade e subjetividade, a Semiótica Jurídica surge como possível instrumen-to para se atingir um ponto de equilí-brio. Ela não nega a existência de certasubjetividade no ato de interpretar e de

    aplicar o Direito, embora não se descureem formatar e propor instrumentos quereflitam uma objetividade possível, queexpressem uma verdade consensual noambiente em que é aplicada.

    O signo, como visto, não é o objetoem si, mas representação deste. Logo,entre o signo-objeto, contido no texto le-gal, e a percepção-compreensão destesigno por parte do sujeito cognoscente,às voltas com uma série de limitações,desde físico-psíquicas, como de fatoresculturais, temporais e espaciais não hádúvida quanto à existência de um longocaminho a ser percorrido.

    Esse labor pode se tornar mais di-fícil se os textos normativos contiveremvocábulos ambíguos e/ou vagos, casodos conceitos jurídicos indeterminados,como  função social dos contratos, dig- nidade da pessoa humana, bons costu- mes, obrigações iníquas, uso moderadodos meios necessários, injusta agressão,abuso de personalidade jurídica.

    Tais conceitos jurídicos indetermi-nados, se não forem bem empregados,ou se empregados de maneira a induziruma conclusão falsa podem conduzira soluções jurídicas diametralmenteopostas, o que não contribui para a se-gurança jurídica.

    Em vista disso, a Semiótica Jurídicanão se apresenta – é bom que se frise– como a panaceia para todos os proble-mas inerentes à interpretação e aplicação

    do Direito. A rigor, a Semiótica Jurídicairá atuar como importante aliada parareduzir as complexidades, ao fornecercondições para o operador do Direito

    A linguagem do Direito, a exemplode outras formas de linguagem, manifes-ta-se por signos, os quais deverão ser in-terpretados, compreendidos e aplicadospara a estabilidade das relações jurídicas,bem como para a resolução dos conflitosde interesses entre partes que estejamdivergindo entre si. É aqui que emergeum dos pontos mais complexos do Direi-to, ou seja, a busca de uma objetividadepossível em contraposição a uma subjeti-vidade excessiva por parte de seus intér-pretes e aplicadores, o que pode colocarem risco a segurança jurídica4.

    Segundo a escritora francesa AnaïsNin:  não vemos o mundo como ele é,

     mas sim como somos5

    . Edmund Husserl(apud  CARVALHO, 2008, p. 10), filósofoe matemático alemão, fundador da fe-nomenologia (do grego  phainesthai : o

    que nosso pensamento – a consciência – seja por ela determinado).  

    Foi em razão disso que, na busca deuma objetividade jurídica possível, refu-tada por segmentos subjetivistas, emer-giram e desapareceram várias Escolas ecorrentes ao longo da História do pen-samento jurídico, cada qual defendendoseu ponto de vista. Dentre essas, podemser mencionadas a  jurisprudência dosconceitos, a jurisprudência dos interesses e a  jurisprudência dos valores; a  Escolada Exegese, a  Escola do Direito Livre  ea  Escola Histórica do Direito. (JUSTO,2005, p. 47-79).

    Pode ser lembrado, de igual modo,

    o Realismo Jurídico Estadunidense, comuma postura nitidamente subjetivista, se-gundo o qual o Direito é aquilo que osTribunais dizem.

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    O intérprete/aplicador do Direito deve, nesta empreitada,

    apreender a linguagem prescritiva (mensagem) contida no

    texto legislativo – suporte de significados – para construir,

     no caso em exame, a norma jurídica adequada.

    realizar sua atividade, pautado em ele-mentos firmes; convicto de estar percor-rendo um  iter   coeso e coerente, alémde disponibilizar aos destinatários dessaatuação instrumentos de verificabilidade,checagem e, se for o caso, de correçãode possíveis equívocos.

    Pode-se dizer, nesta quadra, que Se-miótica, em sua incidência jurídica, vempara agregar, para auxiliar a atuação dosoperadores do Direito, a partir de méto-dos próprios e específicos, o que seráobjeto de exame mais adiante.

    5 HERMENÊUTICA E SEMIÓTICA JURÍDICAS

    Hermenêutica provém do grego herm neuein e significa revelar, declarar,expressar, traduzir, esclarecer, compre-ender e interpretar. O vocábulo guarda

    conexão com Hermes, que, na MitologiaGrega, é filho de Zeus com Maia, e aquem incumbia a tarefa de levar as men-sagens dos Deuses aos homens, tornan-do-as inteligíveis. Hermenêutica sugerecompreensão, decodificação, aclaramen-to do conteúdo de uma mensagem, quepassa a ter sentido; significado (SILVA,2000, p. 45-49)7.

    A Hermenêutica Jurídica tem porobjeto o exame das normas prescritivas(regras e princípios) do Direito, estabele-cendo seu sentido e alcance (MAXIMILIA-NO, 1991, p. 1).

    Como se sabe, a lei contém umtexto, um enunciado, o qual veicula, demodo geral, a conduta prescritiva a serobservada. Esse enunciado, dotado deestrutura formal, pode ser representadoda seguinte maneira: D[F (S´ R S’’)], ouseja, ocorrido o fato F emerge a relaçãojurídica R intersubjetiva entre S’ e S’’.Trata-se de um juízo hipotético condicio-nal em que o consequente (proposiçãotese) somente se manifestará se ocorrero antecedente (proposição hipótese)(CARVALHO, 2008. p. 168).

    Esta abordagem evidencia a dife-rença entre texto e norma, seguida peladoutrina majoritária. Texto, assim, vem aser o enunciado linguístico, o comandonormativo dotado de signos que abrigao functor deôntico – ‘proibido’ (V ), ‘per-mitido’ ( P ) ou ‘obrigatório’ (O) –, o qualsomente produzirá efeitos se e quando

    ocorrer a hipótese fática prevista no texto;no enunciado normativo. Ocorrida esta,deverá emergir a norma jurídica que iráincidir na situação fática correspondente.

    O texto seria, nesta óptica, a norma jurídi-ca geral e abstrata; em potência. A norma jurídica, em sentido estrito, seria a normaindividual e concreta, que regula o fatoocorrente (DUARTE, 2004, p. 39).

    Sucede que o reconhecimento e adeclaração dessa hipótese fática, apta a

    converter texto em norma jurídica, e queirá regular determinada relação jurídicanão se opera de maneira automática oumecânica. Ao contrário, tem como pres-suposto um mediador, o qual, antes dedeclarar a ocorrência da hipótese-condi-ção e, ato contínuo, construir a norma ju-rídica específica no caso concreto, deveráinterpretar o enunciado normativo, demodo a conferir-lhe sentido; significado.

    via, caminho) para trilhar, com rigor,esse itinerário. A hermenêutica é o ca-nal, o elo que conecta; que permite oprocesso comunicacional entre o intér-prete e a lei. Dentre os métodos herme-nêuticos, com algumas variações de au-tor para autor, podem ser lembrados o

    literal, o lógico, o teleológico, o históricoe o sistemático8.

    Atividade hermenêutica, no entanto,não se realiza sem tensões. Sim porque,nem sempre o fato social se amoldaimediatamente ao figurino legal. Nemsempre os enunciados normativos ante-veem e preveem todas as situações fá-ticas vindouras, sobretudo na sociedadecontemporânea, marcada pela mudança

    O intérprete/aplicador do Direitodeve, nesta empreitada, apreender a lin-guagem prescritiva (mensagem) contidano texto legislativo – suporte de significa-dos – para construir, no caso em exame,a norma jurídica adequada.

    O intérprete/aplicador do Direito fi-

    gura, a um só tempo, como receptor eemissor do Direito. Recebe do texto nor-mativo as diretrizes prescritivas que de-verão orientar determinada circunstânciafática e, a partir destas, emite, formula,constrói nova unidade significativa (nor-ma jurídica) a reger a relação jurídicaintersubjetiva, em conformidade com amoldura  legal prévia, para se valer deexpressão de Kelsen (2000, p. 390).

    Eros Grau (2002, p. 70), ao distinguirtexto de norma, afirma que a atividadeinterpretativa é um processo intelectivo,pelo qual, partindo-se de fórmulas lin-guísticas contidas nos atos normativos(textos, enunciados, preceitos, disposi-ções), atinge-se a determinação de seuconteúdo normativo. A norma é cons-truída  pelo intérprete e operador doDireito, a partir dos enunciados. E mais:o intérprete desvencilha a norma do seu invólucro (o texto); neste sentido, o in-térprete produz a norma.

    Em regra, é a Hermenêutica Jurídicaque se ocupa dessa tarefa, municiandoo intérprete e aplicador do direito commétodos ( meta: ao longo de +  hodós:

    abrupta de costumes; dia a dia torneadapor novos hábitos; propostas; proble-mas; conflitos.

    Não bastasse isso, por vezes, a dinâ-mica da vida em sociedade altera não sóos costumes, vigentes em determinadotempo e local, mas também o significado

    linguístico de certas expressões, algumasdas quais contidas na lei. Como dizer, atítulo de exemplo, que a expressão “inex-periência de menor”, integrante do tipopenal do art. 173, do Código Penal9, eque expressa o elemento objetivo paracaracterização do crime de abuso de incapaz , receberá, em 2010, a mesmainterpretação que receberia por ocasiãoda promulgação desse diploma legal,ocorrida em 1940.

    Some-se a esse quadro que nãoexiste intérprete (sujeito cognoscente)neutro, quer pelas limitações sensoriais;quer por fatores culturais10. E não é só:não se interpretam somente enunciadosnormativos, mas fatos sob os quais irãoincidir tais enunciados (GRAU, 2002, p.80). Isto fica claro quando se examina sedeterminada conduta, no contexto emque foi realizada, caracteriza crime detentativa de homicídio ou de lesões cor-porais; ou ainda: se houve erro médicodurante uma intervenção cirúrgica; e, porfim, se houve impossibilidade do cumpri-mento de obrigação de fazer, em razãode possível caso fortuito ou força maior.

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    Isto, por si só, revela que a aplicação do direito não se resu-me a mero silogismo lógico-formal, em que a premissa maiorseria a lei; a premissa menor os fatos, ao passo que a decisãoresultaria da mera justaposição de uma à outra. A construçãoda norma jurídica individual, não raras vezes, exigirá de seuintérprete e aplicador uma série de processos mentais, comocomparações entre textos legais, com o fim de averiguar qual

    deles deve incidir na espécie; o exame da validade, da consti-tucionalidade ou até da vigência do respectivo texto legal (RE-ALE, 1988, p. 85). Exigirá minucioso exame do quadro fáticorespectivo como pressuposto indispensável para a subsunção, oque, por seu turno, implicará sucessivas idas e vindas entre textolegal e fato subjacente, formulando-se, neste ínterim, inúmerasnormas jurídicas até que, ao final, possa-se formular a soluçãojurídica ( rectius: construção da norma jurídica individual e con-creta), que se revele adequada, dotada de razoabilidade jurídicae que represente e traduza uma verdade consensual em que éempreendida, materializando, na medida do possível, a justiça.

    É neste processo de tensão, dúvidas, múltiplas alternativas

    que emerge a Semiótica Jurídica, buscando uma conciliação,um equilíbrio dessas contingências, notadamente entre razão e emoção; objetividade e subjetividade, fornecendo critériosque, observados pelo intérprete e aplicador do Direito, propi-ciam ao destinatário, direto ou indireto, do comando normativodecisório instrumentos de checagem, conferência e correção dasolução jurídica aplicada a determinado caso.

    É bom que se frise que a Semiótica Jurídica não renega,desconsidera ou menospreza os demais métodos hermenêuti-cos jurídicos, sejam eles clássicos ou heterodoxos. Em verdade,a Semiótica Jurídica emerge para contribuir com o processo dedecodificação, desvelamento e compreensão das mensagens

    Assim delimitada a matéria, poder-se-ia indagar qual, preci-samente, a diferença entre Semiótica e Hermenêutica Jurídicas?Pois bem, a Semiótica Jurídica tem por objeto o estudo dos sig-nos empregados nos enunciados e discursos jurídicos. Abrange,portanto, não só textos normativos, objeto da Hermenêutica,mas também petições, decisões, pareceres, trabalhos acadê-micos (artigos, monografias, dissertações, teses), exposição de

    motivos das leis, sustentações orais em plenário de júri, depoi-mentos pessoais ou testemunhais prestados oralmente em juí-zo. O rol é amplo e inclui toda manifestação sígnica no direito.

    A decodificação dos signos linguísticos veiculados em leis,objeto da Hermenêutica, é, portanto, uma das faces da Semi-ótica, porém não só. A Semiótica, como visto, é mais ampla eabrange qualquer forma de linguagem com reflexos jurídicos.Além disso, embora, de certa forma, apresente semelhançapara com a Hermenêutica, ambas não se confundem, pois sefundam em premissas distintas. A Hermenêutica, como já con-signado, apresenta métodos próprios (literal, lógico, sistemático,telelógico etc.), enquanto a Semiótica, ao examinar a linguagem

    e seus signos, o faz a partir de seus níveis (sintática, semântica epragmática), o que irá contribuir para se atingir uma coerência,interna e externa, na decisão jurídica a ser empreendida.

    6 NÍVEIS DA SEMIÓTICA JURÍDICA

    6.1 SINTÁTICA

    A dimensão sintática da Semiótica analisa a relação entreos signos (signo x signo); como eles se conectam, de modo aformar um enunciado apto a transmitir a mensagem de modoeficaz. Concentra-se na análise e na formulação de frases dota-das de sentido; em condições de transmitir ideias, conhecimen-tos, informações, ordens. Examina o modo de ordenar, agrupar,articular os signos entre si, para que estes possam formar umenunciado sintaticamente significativo (WARAT, 1995, p. 40).

    Uma palavra que não permite essa conexão com outrasnão atinge sua finalidade como instrumento de comunicação.As palavras e os enunciados afiguram-se como pressuposto in-dissolúvel para elaboração de signos que representam algo, oqual será objeto do conhecimento, de apreensão pelo receptor.

    A sintática é relevante para o Direito, quer para o direitopositivo, que se manifesta mediante enunciados linguísticoscontendo mensagens deonticamente modalizadas (proibido (V ), permitido ( P ) ou obrigatório (O)), quer na estruturação deargumentos persuasivos; quer, ainda, na construção das normasjurídicas individuais e concretas (decisões).

    Frases e enunciados mal formulados nada representam,transmitem, determinam ou autorizam. A coerência e a logici-dade que os signos mantêm entre si é fundamental para seinterpretar e aplicar o Direito; extrair da lei seu significado, suadiretriz, seu comando, sua prescrição. Por exemplo, o enun-ciado a lei fazer obrigado ninguém alguma coisa em virtude senão, não contém qualquer mensagem, comando ou faculda-de; nada significa, o que impede sua intelecção, decodificação eincidência. Diversamente, o enunciado constante do art. 5º, inc.II, da CF/88: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer

    alguma coisa senão em virtude de lei , permite aferir o contéu-do, a mensagem, a ideia contida na disposição normativa, e,por conseguinte, viabiliza sua aplicação, haja vista sua estruturacoerente e sintaticamente significativa.

    [...] a Semiótica Jurídica emerge para contribuir

    com o processo de decodificação,

    desvelamento e compreensão das mensagens

    contidas nos textos e enunciados jurídicos, ao

    disponibilizar balizas firmes a orientar a

    construção da norma jurídica individual.

    contidas nos textos e enunciados jurídicos, ao disponibilizar ba-lizas firmes a orientar a construção da norma jurídica individual.

    A Semiótica Jurídica, atenta à linguagem do Direito, irá exa-minar o fato e a lei em seus três planos, dimensões ou níveis(sintática, semântica  e pragmática), mediante propriedadesespecíficas de investigação, não menos rigorosas que os méto-dos hermenêuticos. Dessa forma, ao analisar o enunciado nor-mativo e o fato jurídico em questão, utilizar-se-á de expedientesaptos e hábeis a reduzir a margem de manipulações de lingua-gens. Com isso, conferir-se-á parâmetros firmes à interpretação.Afinal, não se pode olvidar que o Direito se utiliza da linguagem;que o Direito é linguagem; que a linguagem se vale de signos;que a Semiótica tem por objeto o estudo dos signos; que aSemiótica é a Teoria Geral dos Signos; logo, pelo que se concluia inegável afinidade entre Direito e Semiótica, razão pela qualse evidencia uma Semiótica Jurídica, pois, onde houver signos,haverá Semiótica.

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    6.2 SEMÂNTICA

    O signo representa algo; represen-ta um objeto, cuja essência e ideia visatransmitir. A análise semântica centra-se, pois, na relação entre os signos e osobjetos que estão sendo representados(signo  x objeto). Essa representação

    deve-se operar de maneira criteriosa,cautelosa, com a maior precisão possível,de modo a evitar equívocos, dúvidas, in-certezas, instabilidades. Deve-se buscarrigor, depuração, refinamento no em-prego das palavras, a fim de que estas,efetivamente, representem o objeto quese pretende expressar, seja um fato, umsentimento, uma ordem, uma proibição,um direito, uma restrição. É esta repre-sentação sígnica adequada que permitiráa transmissão da mensagem em confor-

    midade com seu conteúdo, afastandoou atenuando distorções, imprecisões,dubiedades, aporias.

    Por isso se diz que a semânticapreocupa-se com a transmissão da ver-dade. Almeja a exata correspondênciaentre objeto e representação sígnicadeste. É o filtro necessário para comba-ter falhas ou desvios comunicativos. Aanálise semântica consiste em se chegarao significado; ao sentido das palavras;à compreensão uniforme e, na medida

    do possível, unívoca.A precisão no emprego dos signos

    reduz o feixe de múltiplas compreen-sões, pré-compreensões, subjetivismosexacerbados, daí sua pertinência e rele-vância no âmbito jurídico.

    Não há como negar que o ser hu-mano é um ser histórico, ou seja, situa-do em tempo e espaço específicos. Esteaspecto exerce influência em seu modode ver o mundo. Pessoas ambientadasem diferentes épocas ou culturas podemter reações diversas diante de determina-das palavras (signos). A história pessoalde cada sujeito influencia sua leitura demundo; suas percepções; sua linguagem,a maneira de apreender a linguagem.

    Atenta a essas múltiplas visões demundo (subjetividade) é que a Semióti-ca Jurídica irá se concentrar no conteúdosemântico das palavras. Buscar-se-á umsentido linguístico jurídico uniforme nasnormas jurídicas, até porque o discursojurídico tem como pressuposto básicoa interpretação e compreensão destas;sejam elas gerais e abstratas; ou, indivi-duais e concretas.

    Nestes termos, dada a imprecisão dalinguagem natural, isto é, da linguagemempregada no dia a dia, o Direito, porvezes, a exemplo de outras áreas do co-nhecimento, vê-se compelido a recorrerà linguagem artificial; a emprestar signi-ficados técnico-jurídicos a determinadas

    palavras (signos), de modo a facilitar,senão viabilizar uma comunicação se-gura entre texto normativo e intérpretes/aplicadores do Direito.

    É o que ocorre em institutos do pro-cesso civil como conexão  e continên-cia11. Segundo o art. 103, do CPC:  Re- putam-se conexas duas ou mais ações,

    tem por finalidade representar um obje-to. Dessa forma, quando se emprega ovocábulo papel pretende-se, no sentidodenotativo, representar esse objeto emseu aspecto usual e imediato, como ele-mento material (coisa): folha de papel.

    Dessa forma, um termo será consi-

    derado vago quando não houver prontacorrespondência entre o signo linguísticoe o objeto que se pretende representar. Oexame dessas circunstâncias envolvendosigno e denotação se manifestam em trêszonas: a) zona de luminosidade positiva;b) zona de luminosidade negativa; e, c)zona de incerteza (WARAT, 1995, p. 76).

     A Semiótica Jurídica, atenta à linguagem do Direito, irá

    examinar o fato e a lei em seus três planos, dimensões ou

     níveis (sintática, semântica e pragmática), mediante propriedades específicas de investigação, não menos rigorosas

    que os métodos hermenêuticos.

    quando Ihes for comum o objeto ou acausa de pedir . Já o art. 104, do mesmoCódigo, ao dispor sobre continência,afirma: Dá-se a continência entre duasou mais ações sempre que há identida-de quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais am- plo, abrange o das outras.

    Desta forma, restringe-se o campode atuação do intérprete para impedireventuais construções desarrazoadas,baseadas em suposições abstratas, ouaté com o intuito de induzir o destina-tário do argumento em erro. Emergem,então, significados próprios a determina-dos institutos jurídicos, a partir de umalinguagem artificial que delimite e definao que se deve entender por estes, miti-gando entendimentos díspares, facilitan-do a atividade do operador e do própriodestinatário do direito.

     6.2.1 VAGUEZA E AMBIGUIDADE

    Apesar da busca por uma precisãolinguística, mesmo se valendo de lingua-gens artificiais, não raras vezes, o Direitoapresenta vocábulos vagos e ambíguos.

    A  vagueza  compromete o aspectodenotativo do signo linguístico. Denotar advém do latim denotare e indica revelar

     por meio de notas ou sinais; fazer notar; fazer ver; manifestar, indicar, mostrar  (FERREIRA, 1986, p. 535). Evidencia ouso literal e habitual de um vocábulo que

    Zona de luminosidade positiva é aquela em que não existem dúvidasacerca do componente signíco. Aquelaem que o sentido denotativo se inferede modo direto, claro. Zona de lumino-sidade negativa  é aquela em que, se-guramente, certos signos não se amol-dam ao objeto representado. Estão,portanto, excluídos desse campo de-notativo e não ensejam dúvidas. E, porfim, zonas de  incerteza que consistemnaquelas em que não há códigos fortesnos signos a representar com precisãoo objeto a que se refere. É nesta últimaque se encaixam os signos vagos . (WA-RAT, 1995, p. 76). A estes signos vagos Friedrich Waismann nominou comosignos de textura aberta da linguagem(STRUCHINER, 2002, p. 11).

    O Direito não está imune aos sig-nos vagos. Ao contrário, o emprego deconceitos jurídicos indeterminados con-duz a zonas de incerteza e vagueza nosenunciados normativos. É o que se inferedo art. 5º, inc. LXXVIII, da CF/88, que tema seguinte redação: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegura-dos a razoável duração do processo eos meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

    Sem adentrar ao mérito de quemsão todos; do que se deve entender porâmbito judicial e administrativo, doque vem a ser celeridade, pode-se cen-

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    trar forças, apenas, em se delimitar o campo semântico do quevem a ser razoável duração do processo.

    A grande dificuldade em significar esse enunciado norma-tivo advém do fato de não existir um medidor do tempo; daduração do prazo razoável de processos, o que se agrava pelofato de que cada processo tem suas peculiaridades; maior oumenor complexidade; duas ou várias partes nos polos, ativo e

    passivo; contêm um ou mais fatos passíveis de análise, com ousem necessidade de dilação probatória.

    Em casos tais, para Warat (1995, p. 77), é necessário recor-rer a decisões auxiliares que propiciem uma definição acla-ratória. A propósito, lembre-se que definir advém do vocábulolatino (fins), que significa estabelecer fins, marcos, limites, fron-teiras ou a extensão de algo (FERRAZ JÚNIOR., 1994, p. 261).

    Essas definições não deverão ser empreendidas somen-te no plano sintático e semântico, mas, inclusive, com umaincursão no plano pragmático, de modo a aclarar o sentidoda norma e permitir a subsunção do fato ao texto legal, emcondições de edificar a norma jurídica, individual e concreta,

    com sensatez. Já a ambiguidade, embora afete o significado preciso do

    signo linguístico, atua de maneira diversa. Diz-se que um vocá-bulo é ambíguo quando pode ter mais de um sentido. A ambi-guidade está ligada à anfibologia, derivada do grego amphibo- los, indica duplicidade de sentidos em uma construção sintática(FERREIRA, 1985, p. 120). Em linhas gerais, a ambiguidade ad-vém da homonímia e da polissemia (WARAT, 1995, p. 78)

    Homônimos são palavras de grafias iguais ou semelhantes(homografia ou homofonia), mas que podem ter significadosdiversos. Polissemia se manifesta em palavras que, no contextoem que são empregadas, podem assumir sentidos diversos. Não

    contida no signo, eventualmente abalada em determinada cir-cunstância em que foi veiculada. Por outras palavras: examina otexto no contexto em que foi empregado. É por isso que TércioSampaio Ferraz Jr. (1986, p. 14) afirma: o princípio básico dateoria pragmática é o princípio da interação.

    Castanheira Neves (2003, p. 225) complementa: a lingua- gem só logra significação num quadro contextual e socialmen-

    te situado, mediante o seu uso na dialéctica de uma participa-ção comunicacional .

    Nesse diapasão, enquanto a semântica busca extrair osentido dos signos linguísticos, com ênfase para seu aspectodenotativo, sentido literal, próprio do objeto que representa; apragmática examina o signo em seu sentido conotativo, isto é,no sentido figurado ou metafórico em que foi empregado. Éo caso de frases como: aquele homem é uma rocha; ou, elaé um doce. É claro que tais assertivas devem ser apreendidascum granu salis, e não ao pé da letra. É a pragmática que per-mite esta flexibilidade em nome de uma comunicação ótima,eficiente e eficaz.

    Em termos jurídicos, a pragmática se apresenta como im-portante elemento de diálogo entre a letra da lei e a realidadeda vida. Faz do intérprete e aplicador do direito não um sujeitoapático, passivo, inerte, como se realizasse uma operação au-tômata, mas um intérprete do texto e do contexto em que severifica o problema que reclama solução jurídica.

    Ao discorrer sobre a pragmática, Andrei Marmor (2008, p.10) ministra exemplo de um passageiro que aguarda, numaestação de trem, a chegada do veículo. Na estação, o passagei-ro se apercebe da existência de uma regra jurídica que pres-creve: é proibido dormir nesta estação. A despeito disso, apósalgum tempo de espera, o sujeito acaba por cochilar algunsminutos, enquanto aguardava. É evidente que não houve in-fração à regra proibitiva, haja vista o texto e contexto do fato.A norma em questão, em sua essência, proíbe que pessoaspassem a noite; durmam; façam daquela estação meio de aco-modação; que se valham de poltronas ou bancos como leitos,o que não foi o caso. Vê-se que não basta o exame literaldo texto jurídico; é preciso investigar, também, o contexto emque o fato se operou.

    Contudo, a pragmática é o plano em que as atenções de-vem ser redobradas. Ao permitir a busca de sentido do textojurídico (abstrato e geral) em seu contexto fático-social, para,mais adiante, formular a norma jurídica (individual e concreta),abre-se espaço para a retórica, aqui empregada em seu sentidopejorativo. Abre-se oportunidade para sofismas; redefinições desentidos; em síntese, para a construção de entimemas e falá-cias não formais12, cujo silogismo, por vezes de conotação esté-tica (do grego aisthésis: percepção, sensação , emoção), podeconfundir, persuadir, seduzir e, até, dominar o destinatário damensagem em descompasso com os reclames jurídico-sociaisespecíficos do caso.

    Pode oportunizar campo fértil para ideologias, desvios deraciocínio, superdimensionamento de aspectos secundários ouaté inexistentes, divorciando-se e subvertendo-se a essência da

    pragmática que é a de conferir sentido útil e coerente ao Direi-to13. Se desvios ocorrerem, a pragmática poderá se converterem instrumento de opressão, senão ditadura dos mais hábeiscom as palavras.

     A decodificação dos signos linguísticos

    veiculados em leis, objeto da Hermenêutica,

    é, portanto, uma das faces da Semiótica, porém

     não só. A Semiótica, como visto, é mais ampla

    e abrange qualquer forma de linguagem

    com reflexos jurídicos.

    se deve, por exemplo, usar a palavra remissão (perdão), quandose tenciona expressar remição (quitação, pagamento), sob penade prejudicar o sentido e a finalidade do enunciado.

    Assim, o emprego da sintática e da semântica podem serinsuficientes para uma delimitação; uma definição precisa dosigno linguístico contido na norma jurídica (geral e abstrata ouindividual e concreta), razão pela qual não se pode descurar donível da pragmática, objeto de análise na sequência.

    6.3 PRAGMÁTICA

    A pragmática examina a relação que vincula signos e usuá-rios (signos  x utentes) (WARAT, 1995, p. 45). Analisa a lingua-gem no contexto comunicacional em que ela se opera. Leva em

    conta possíveis alterações de significados que os signos podemapresentar diante de certas circunstâncias e contingências, emdecorrência de múltiplos fatores, desde espaço-temporais, cul-turais etc. Busca resgatar a coerência e a higidez da mensagem

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    Por esta razão, a primeira premissaà boa pragmática consiste no dever defundamentar, externar, expressar comclareza os argumentos empregados nacondução do raciocínio; indicar preci-samente os fatos e fundamentos jurí-dicos do tema em desate, para que a

    conclusão resulte como consequêncialógica destes.

    Nesse aspecto, tem-se que a fun-damentação fático-jurídica, empregadapara solucionar determinado conflitode interesses, será a pedra angular paraque se possa checar o percurso semió-tico, sobretudo pragmático, da exatidão,ou não, de um determinado raciocíniojurídico. É a fundamentação – aqui en-tendida como a exposição clara dosfatos e dos institutos jurídicos da lide

    – que, ao lado dos demais níveis daSemiótica, permitirá coibir e corrigir ex-cessos, desvios, sofismas, falhas ou fal-seamento de argumentos. Isto, como jádito, deve ser examinado em quaisquerdiscursos jurídicos, desde peças proces-suais, pareceres ou trabalhos acadêmi-cos, pois permitirá extrair deste umalógica condizente com a situação fática.

    Infere-se, pois, que a análise dosplanos da Semiótica Jurídica (sintática,semântica e, sobretudo, pragmática) estáintrisecamente ligada ao dever de fun-damentar, de expor o raciocínio jurídicoveiculado. Deve-se expor, com precisãoe clareza, os motivos que conduziram aodesfecho, à solução jurídica apresentada,atentando-se para o contexto fático-jurí-dico em que foi realizada.

    Como se percebe, a Semiótica Ju-rídica contribui, a um só tempo, paraorientar o intéprete e o aplicador do Di-reito acerca de como desvelar a soluçãojurídica da controvérsia, como tambémpropicia a quem examine essa soluçãoinstrumentos de conferência, checagemou identificação e correção de possíveisequívocos, os quais poderiam permane-cer encobertos.

    Resumindo, a Semiótica Jurídicaemerge como mais uma aliada na inter-pretação e aplicação do direito, munidaque está de critérios dotados de rigor ecientificidade; racionalidade e coerência.Elimina, ou ao menos dificulta a possibi-

    lidade de sofismas, redefinição de signifi-cados, manipulação de linguagem, sem-pre em nome de uma segurança jurídica;ansiada e possível.

    7 CONCLUSÕES

    Do desenvolvimento do tema, foramextraídas as seguintes conclusões:

    1. Língua, linguagem e Semióticanão se confundem. Língua tem sentidomais específico; é composta de códigos que, articulados, permitem a transmissão

    de certas mensagens  entre emissor  ereceptor .  Tem conotação idiomática. Jálinguagem é mais ampla; abrange nãosó expressões idiomáticas, como todasformas de comunicação, percepção eapreensão do objeto cognoscente. ASemiótica, por sua vez, estuda os signos contidos nas linguagens. Signo  é algoque representa um objeto (abstrato oumaterial) e permite a transição, trasmis-são, captação, compreensão e apreensãode seu conteúdo, da ideia, da essência

    que está a designar.2. O chamado “Círculo de Viena”,

    formado por grupo heterogêneo de in-telectuais, a partir de 1920, dedicou es-pecial atenção à linguagem em nome deum rigor científico. Esse período, conheci-do como giro-linguístico ( linguistic turn),permitiu a transição da gnosiologia para aepistemologia e, desta, para a Semiótica.

    3. A Semiótica lançou suas bases nofinal do século XIX e primeira metade doséculo XX, a partir dos estudos concomi-

    tantes, porém independentes, de Ferdi-nand Saussure e Charles Sanders Peirce.Atualmente, está em franco avanço, atu-ando em todas as esferas em que se ma-nifesta quaisquer formas de linguageme seus signos.

    4. A Semiótica Jurídica tem por ob-jeto o estudo dos signos contidos nosenunciados e discursos jurídicos. Estespodem ser entendidos não só comoaqueles empregados em normas jurí-dicas (gerais e abstratas), mas tambémdaqueles empregados em peças pro-cessuais (petições, decisões), pareceres,laudos ou trabalhos científicos (artigos,dissertações, teses), provas orais etc.

    5. A Hermenêutica apresenta traçosem comum para com a Semiótica Jurídi-ca. Ambas visam compreender, interpre-tar, esclarecer e conferir sentido e s ignifi-cado ao texto ou signo jurídicos. Porém,não se confundem, na medida em quecada qual apresenta método próprio eespecífico, além de que a Semiótica temconotação mais ampla, abrangendo todae qualquer manifestação sígnica no direi-to, e não só os enunciados normativos.

    6. A Semiótica Jurídica é estudadaa partir de três planos, níveis ou dimen-sões: a) sintático (signo x signo); b) se-mântico (signo x objeto); e, c) pragmá-tico (signo x usuário).

    7. A sintática analisa a articulaçãodos signos que integra a linguagem, de

    modo que estes possam gerar um enun-ciado sintaticamente significativo; umamensagem inteligível e eficaz.

    8. A semântica centra seu foco nosentido, no significado dos signos. Estessignos devem representar, com pre-cisão, os objetos respectivos; devempermitir e viabilizar uma comunicaçãoclara, uniforme, sem plurivocidade.Opõe-se à vagueza e ambiguidade; àhomonímia  e à polissemia. Busca re-duzir a margem a múltiplas ou distorci-

    das significações. Aperfeiçoa o aspectodenotativo do signo.

    9. A pragmática examina a lingua-gem sob a perspectiva da interação en-tre signos e usuários. Analisa o texto nocontexto em que os signos são empre-gados, com o escopo de aferir seu realsentido e alcance.

    10. O ponto forte da pragmática é,ao mesmo tempo, seu ponto fraco. Aofranquear análise entre texto e contexto,abre espaço para desvios de raciocínio;redirecionamento de significados; indu-ções e deduções atécnicas; apelos emo-cionais; ideologias; enfim, a entimemas e falácias não formais. Dessa forma,para coibir possíveis desvios, é neces-sário que o exame dos três planos daSemiótica Jurídica (sintática, semântica epragmática) se opere de modo sucessivoe interdependente, de maneira que es-tes se complementem; confirmando ouinfirmando o raciocínio ou a conclusãoempreendidos.

    NOTAS1 Na língua inglesa, não há esta distinção. A

    palavra language tanto pode designar língua,no sentido de idioma, quanto linguagem en-quanto meio de comunicação. Por outro lado,em português, a palavra língua pode significarnão só o idioma, mas também o músculo docorpo humano ligado ao paladar. Em inglês,esse músculo é conhecido como tongue. Istodemonstra a flexibilidade como as línguas semanifestam.

    2 Faz-se referência aqui à reforma ortográfica en-tre os países de língua portuguesa, ora em fasede transição, cujo prazo final para implantaçãoestá previsto para 31/12/2012.

    3 Uma das mais importantes classificações dePeirce consiste na concepção de primeiridade;

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    secundidade e terceiridade ( firstness, secondness and thirdness), cujo ob-jeto, demasiado específico, não guarda pertinência com o tema em análise (SANTAELLA, 2009, p. 35).

    4 Acerca da segurança jurídica, Canotilho (2000, p. 256) anota o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autóno- ma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideramos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança comoelementos constitutivos do Estado de Direito. Estes dois princípios – segu-

     rança jurídica e protecção da confiança – andam estre itamente associa-

    dos a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção daconfiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da

     segurança ju rídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica es táconexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia deestabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito

     – enquanto a p rotecção da confiiança se prende mais com as compo- nentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsib ilidade dos indivíduos em relação aos e feitos jurídicos dos actosdos poderes públicos.

    5 itação de memória do autor.6 O presente artigo trabalha tanto com a matriz saussureana, ao fazer re-

    ferência à realidade (não verbal), traduzida para uma forma verbal, me-diante uma articulação linguística, conforme citação da obra de TércioSampaio Ferraz Júnior, quanto com a matriz peirceana, ao identificar assimilaridades entre os aspectos não verbais da realidade com a estrutura

    simbólica e linguística dos enunciados legais, ao discorrer sobre a prag-mática (item 6.3), conforme se observará adiante.7 Sobre o tema, Josef Bleicher (1992, p. 23) complementa:  Hermes trans-

     mitia as mensagens dos Deuses aos mortais, quer isto dizer que, não sóas anunicava textualmente, mas agia também como ‘intérprete’, tornan-do as palavras inteligíveis – e significativas – o que pode obrigar a umaclassificação, num aspecto ou noutro; ou a um comentário adicional.Consequentemente, a hermenêutica tem duas tarefas: uma é determinaro conteúdo e o significado exato de uma palavra, frase, texto etc.; outra,descobrir as instruções contidas nas formas simbólicas.

    8 Há, ainda, os chamados métodos heterodoxos de Hermenêutica Ju-rídica, caso da tópica, de Theodore Viehweg; da teoria analógica  deCastanheira Neves; da nova retór ica, de Chaïm Perelman. Ainda, nesteparticular, podem ser lembrados métodos de interpretação do direitoquanto ao resultado, que pode ser declarativo, extensivo e restritivo(VAZ, 2008, p. 316-330).

    9 Abuso de Incapazes – Art. 173 – Abusar, em proveito próprio ou alheio,de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação oudebilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de atosuscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro:Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

    10 Para Mártires Coelho (2003, p. 25): toda compreensão depende da pré-compreensão do intérpre te...essa pré-compreensão, por sua vez, é prefigurada pe la tradição em que vive o intérprete e que modela seus preconceitos; que, nesse terreno, não se pode adotar o modelo de umconhecimento objetivista, porque todo objetivismo não passaria de ilu-

     são, pois imp licaria a poss ibilidade de uma compreensão a partir de um ponto de vis ta exter ior à história.

    11 O mesmo se diga de litispendência e coisa julgada, conforme art. 303, §§1º a 3º, do CPC. No Direito Civil pode ser lembrada a definição de perten-ças (CC/02, art. 93); no Direito do Consumidor as figuras de consumidor

    e fornecedor (CDC, arts. 2º e 3º); e, no Direito Tributário, a definição detributo (CTN, art. 3º).

    12 Segundo Warat (1995, p. 89 e 75) o entimema produz a persuasão e não a demonstração , ao passo que a  falácia não formal é emprega-da para referir-se aos raciocínios desprovidos de rigor lógico, ou seja,ao conjunto de afirmações obtidas a partir da transgressão ou da nãoconsideração devida às regras de derivação aplicáveis aos raciocínios

     baseados em critérios lógicos estritos .13 Sobre o tema, ilustrativa é a obra de Schopenhauer: Como vencer um

    debate sem precisar ter razão, que, em tom irônico, demonstra múltiplaspossibilidades de guiar o raciocínio de outrem, de maneira ordenada,para a obtenção de uma conclusão que seja da conveniência do emissor.(SCHOPENHAUER, 2003).

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    Artigo recebido em 25/10/2010.Artigo aprovado em 13/12/2010.

    José Ricardo Alvarez Vianna é professor da Escola da Magistra-tura e Juiz de Direito em Londrina-PR.