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Seminário Nacional de Ciência Política: Democracia em Debate Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS Porto Alegre, 3 a 5 de setembro de 2008 GT Cultura Política e Opinião Pública DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO Hemerson Luiz Pase 1 Everton Santos 2 Resumo O artigo analisa a possibilidade de entender a democracia para além da definição 'minimalista' através da análise dos conceitos de empoderamento, desenvolvimento e capital social. Para tanto, estudou-se duas regiões do Rio Grande do Sul: o COREDE Nordeste e o COREDE Vale dos Sinos. O objetivo é apresentar uma possibilidade de melhorar a democracia através da incidência na realidade na perspectiva de qualificar as relações sociais e culturais entre os cidadãos e, destes para com o Estado. A hipótese central afirma que o capital social impulsiona o desenvolvimento, cuja determinação ocorre proporcionalmente ao empoderamento (empowerment), enquanto capacidade de decidir e deliberar da sociedade. Palavras chave Empoderamento, capital social, cultura política, 1 INTRODUÇÃO Se observarmos os últimos vinte anos da agenda política brasileira veremos que a construção democrática e as possibilidades do desenvolvimento constituem-se num caminho tortuoso materializado em três grandes desafios. O primeiro, o desafio “político”, mostra que transitamos de um regime autoritário para um regime democrático no governo Sarney, o segundo o “econômico”, a 1 O autor é pesquisador da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária- FEPAGRO e Professor da Universidade de Caxias do Sul. Graduado em Filosofia, Mestre em Desenvolvimento Rural e Doutor em Ciência Política pela UFRGS. hemerson- [email protected]. 2 O autor é pesquisador e professor no Centro Universitário Feevale, onde coordena o Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional e o Mestrado Profissional em Inclusão Social e Acessibilidade. É também professor na Universidade Luterana do Brasil, no Programa de Pós-graduação em Odontologia. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Ciência Política pela UFRGS. [email protected].

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Seminário Nacional de Ciência Política: Democracia em DebateUniversidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

Porto Alegre, 3 a 5 de setembro de 2008

GT Cultura Política e Opinião Pública

DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO

Hemerson Luiz Pase1

Everton Santos2

Resumo

O artigo analisa a possibilidade de entender a democracia para além da definição 'minimalista'

através da análise dos conceitos de empoderamento, desenvolvimento e capital social. Para tanto,

estudou-se duas regiões do Rio Grande do Sul: o COREDE Nordeste e o COREDE Vale dos Sinos.

O objetivo é apresentar uma possibilidade de melhorar a democracia através da incidência na

realidade na perspectiva de qualificar as relações sociais e culturais entre os cidadãos e, destes para

com o Estado. A hipótese central afirma que o capital social impulsiona o desenvolvimento, cuja

determinação ocorre proporcionalmente ao empoderamento (empowerment), enquanto capacidade

de decidir e deliberar da sociedade.

Palavras chave

Empoderamento, capital social, cultura política,

1 INTRODUÇÃO

Se observarmos os últimos vinte anos da agenda política brasileira veremos que a construção

democrática e as possibilidades do desenvolvimento constituem-se num caminho tortuoso

materializado em três grandes desafios. O primeiro, o desafio “político”, mostra que transitamos de

um regime autoritário para um regime democrático no governo Sarney, o segundo o “econômico”, a

1 O autor é pesquisador da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária- FEPAGRO e Professor da Universidade de Caxias do Sul. Graduado em Filosofia, Mestre em Desenvolvimento Rural e Doutor em Ciência Política pela UFRGS. [email protected] O autor é pesquisador e professor no Centro Universitário Feevale, onde coordena o Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional e o Mestrado Profissional em Inclusão Social e Acessibilidade. É também professor na Universidade Luterana do Brasil, no Programa de Pós-graduação em Odontologia. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Ciência Política pela UFRGS. [email protected].

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estabilidade monetária com Fernando Henrique Cardoso. O terceiro desafio, o “social” com a

reorganização dos programas sociais e a diminuição das desigualdades sociais no governo Lula nos

últimos anos3. Olhando estes desafios dentro do mesmo processo histórico perceberemos que a

construção da democracia e do próprio desenvolvimento conseqüentemente constitui-se em tarefa

complexa e lenta. Todavia, hoje muito mais do que na década de oitenta a agenda social não

somente se impõe como encontra condições mais adequadas (políticas e econômicas) para ser

conduzida.

A bibliografia especializada que segue uma perspectiva endógena (Putnam, 2000) tem

enfatizado que às possibilidades do desenvolvimento estaria mais relacionado ao volume de capital

social existente em uma determinada sociedade, ou seja, com laços de solidariedade, confiança

interpessoal e sistemas de participação social, do que com fatores exógenos, como aludimos

anteriormente. Que estas características cívicas, contribuem para o processo de desenvolvimento, ou

seja, daquela ampliação das capacidades humanas de que nos fala Sen (2000), quer seja através da

comunicação, coordenação, troca ou ajuda mútua para a construção de bens e serviços que

beneficiem amplas parcelas da população.

Destarte, neste artigo, procuraremos analisar a relação existente entre capital social e

desenvolvimento a partir do estudo de duas regiões do Rio Grande do Sul. O COREDE Nordeste e o

COREDE Vale do Rio dos Sinos. Nossa hipótese central afirma que o capital social impulsiona o

desenvolvimento, cuja determinação ocorre proporcionalmente ao empoderamento (empowerment),

enquanto capacidade de decidir e deliberar da sociedade.

A metodologia utilizada recolhe os resultados de pesquisa do Grupo de Pesquisa em

Desenvolvimento Regional/CPP FEEVALE e do projeto de pesquisa “Capital social e

desenvolvimento regional: a importância do capital social no desenvolvimento territorial do

COREDE Nordeste”. Ambos foram Surveys aplicados nos respectivos coredes totalizando cerca de

1200 questionários. Trabalhamos com erro amostral 4% e confiança de 95%.

Além disso, serão observadas informações obtidas através de entrevistas realizadas com

associados da Cooperativa de Crédito Rural com Interação Solidária – CRESOL, com sede em

Sananduva no COREDE Nordeste. Importante destacar que o sistema de crédito CRESOL foi criado

por lideranças de Movimentos Sociais do Campo, principalmente do sindicalismo rural e da

agricultura familiar vinculados ao Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF),

3 Muito embora nas últimas décadas a desigualdade social na América Latina tenha sido uma constante observando-se longitudinalmente, nos últimos anos há uma leva inflexão de acordo com os últimos dados do IBGE na diminuição dos percentuais de pobreza no Brasil.

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financiado pelo governo Federal. Queremos confirmar como a interação entre o Estado e a

sociedade pode fomentar e impulsionar o aprimoramento do capital social.

A confiança, solidariedade e reciprocidade serão indicadores de existência de capital social,

que será considerado variável independente em relação ao desenvolvimento socioeconômico,

medido pelo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico – IDESE. O empoderamento é variável

interveniente pois, configura-se como o elo de ligação entre o capital social e o desenvolvimento.

Na primeira faremos um debate sobre a democracia, destacando o debate contemporâneo. Na

segunda parte abordaremos o capital social, definindo sua matriz histórica e teórica. Na terceira

parte discutiremos o desenvolvimento e o empoderamento enquanto conceitos inter-relacionados.

Na quarta parte analisaremos em que medida esta elaboração teórica possui aplicabilidade empírica

a partir da análise dos dados referentes aos dois COREDES.

2 O DEBATE A CERCA DA DEMOCRACIA

Um dos principais temas que tem pautado a ciência política, desde a sua constituição

enquanto campo científico é o da relação entre estado e sociedade, cujo foco principal é o debate a

respeito do bom governo, e do bem comum. Neste sentido, o conceito de democracia é identificado

como o ideal de regime político para um conjunto crescente de teóricos, legisladores e estadistas a

partir de meados do século XX.

A inovação fundamental do regime político democrático está baseado na regra pela qual os

cidadãos tomam ou têm o direito de tomar as decisões determinantes a respeito da política, tais

como, optar entre candidaturas, partidos e programas, cuja base é um sistema de regras,

materializadas normalmente na constituição. A idéia do direito da cidadania impõe a emergência da

questão de quantas decisões individuais aproximam-se ou representam o todo? Para respondê-la

uma das soluções mais aceitas é imputar à democracia o domínio da maioria, ou seja, na falta de

consenso reconhece-se a vontade da maioria como do todo. No entanto, na história contemporânea,

este critério tem se monstrado insuficiente para solucionar adequadamente o conjunto dos problemas

societários.

No século XX, as sociedades tornam-se infinitamente maiores, os conteúdos da cidadania, do

governo e do próprio estado e / ou nação sofrem transformações que complexificaram

crescentemente a operacionalização e, portanto, a conceituação da democracia. Não obstante,

emergem problemas que dizem respeito a relação entre democracia, igualdade e liberdade.

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As várias teorias contemporâneas podem ser divididas em dois pólos no campo conceitual da

democracia onde, de um lado predomina uma interpretação cujo cerne considera os procedimentos

políticos do regime; e, de outro, uma interpretação que prima pela análise da substância da

democracia.

Os teóricos4 situados no campo onde predomina a importância da análise dos procedimentos

de regimes políticos, trabalham na perspectiva de elaborar categorias definidoras a partir de

características e / ou propriedades essenciais, onde as instituições e os procedimentos possuem papel

central para a definição e diferenciação de regimes democráticos de outros não democráticos.

Instituições são organizações, normas ou regras que adquirem valor e estabilidade e são aceitas pelo

conjunto da população e / ou dos atores sociais (HUNTINGTON, 1968).

Para Mainwaring, et al (2001) os regimes políticos são definidos através de uma descrição

“minimalista procedural”, cujo conteúdo afirma que a democracia representativa moderna tem

quatro propriedades definidoras, das quais as duas primeiras abrangem as definições clássicas da

“poliarquia” de Robert Dahl (1971), são elas: (i) o chefe do executivo e o legislativo devem ser

escolhidos em eleições competitivas, livres e limpas; (ii) o direito de voto deve ser extensivo à

grande maioria da população adulta (ressalvando-se situações históricas e culturais); (iii) as

democracias devem dar proteção aos direitos políticos e liberdades civis; (iv) as autoridades eleitas

devem deter o poder de governar e as forças armadas devem estar sob seu controle.

Esta concepção teórica é explícita em afirmar que sua abordagem ignora as questões da

igualdade social e da responsabilidade pública ou accountability5 enquanto problema teórico.

Mainwaring et al (2001), assim como Przeworski et al (2000) e outros, afirmam que a relação entre

igualdade social e democracia deve ser resolvida na prática, e as falhas do Estado de direito, com

exceção daquelas que incidem sobre as liberdades civis e os direitos políticos, não são essenciais

para a sua definição.

Os teóricos situados no pólo que conceitua a substância da democracia consideram

necessária a inserção das dimensões sociais e econômicas, bem como da responsabilidade pública,

no interior da definição como forma de contribuir com a sua capacidade compreensiva. As teorias

4 Para aprofundar o conhecimento sobre esta concepção teórica ver: Dahl, 1971; Huntington, 1994; Mainwaring et al, 2001; Przeworski et al, 2000 ; Sartori 1976; Schumpeter, 1947, entre outros.5 Accountability é um daqueles termos difíceis de ser traduzido adequadamente para o português. Aproximadamente significa a qualidade do poder público, do Estado prestar contas aos cidadãos sobre a forma e o conteúdo como são realizados as políticas públicas, em geral, e sobres os recursos públicos, em particular. Para maior conhecimento ver: O’donnell, 2001, além de outros.

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que contemplam dessa perspectiva são: a democracia participativa6, a da democracia radical7, e a

teoria da democracia deliberativa8.

Este pólo teórico constitui uma interpretação diferenciada e sofisticada na definição da

democracia, na medida em que a conceitua através de características substantivas, cujo princípio é a

igualdade de condições sociais, intelectuais e culturais. Este princípio é falsificado através da

demonstração empírica da inexistência de empoderamento do cidadão, da ampliação das

desigualdades sociais, econômicas e culturais, bem como da impossibilidade prática de reuni-los e

possibilitar que cada um apresente e defenda seus argumentos e suas teses, como faziam os gregos.

Para Baquero (2003) a polarização intelectual relaciona-se ao aspecto estrutural das

condições sociais e econômicas básicas de sobrevivência dos cidadãos, cuja diferenciação é notável

entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Nos países desenvolvidos, que possuem a questão

material razoavelmente resolvida, o problema do aprimoramento democrático emerge na perspectiva

de construir mecanismos de ampliação da participação dos cidadãos nas esferas institucionais da

democracia. Já para os países subdesenvolvidos, com destaque para os latino-americanos, os

procedimentos institucionais de consolidação democrática têm pouca relevância para a solução de

um conjunto significativo de problemas sociais e econômicos, materiais, que comprometem

cotidianamente a sobrevivência dos cidadãos.

A polarização intelectual a cerca da democracia é especialmente frutífera se considerarmos a

efervescência teórica que tem impulsionado a produção de grandes teorias, cujas proposições macro

estruturais são constituídas no sentido de visualizar, planejar e elaborar sistemas políticos ideais na

perspectiva do bem comum e / ou de contribuir com o aprimoramento de sistemas políticos

específicos. Não obstante, estimula o debate a cerca das opções individuais e / ou coletivas, por

determinadas formas de vida, consensuais ou conflitivas, inseridas na temática da ação coletiva cuja

teoria é polarizada, de um lado, pela concepção que considera motivações de foro íntimo e / ou

culturais e, de outro, os constrangimentos externos.

Considera-se importante apontar uma possibilidade intermediária, cujo teor insista no rigor

conceitual da democracia através dos procedimentos institucionais, embora considere sua essência.

Segundo Krishna (2002), a existência de instituições democráticas não é suficiente para garantir a

estabilidade política, no sentido da impossibilidade de golpes de Estado e inssureições, tampouco é

suficiente para garantir justiça social. Por seu turno Touraine (1997) afirma que processos eleitorais 6 Ver Macpherson, 1978; Pateman, 1992, Avritzer & Navarro, 2003.7 Ver Mouffe, 2000.8 Ver Habermas, 1994.

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livres não significam a vitória e consolidação da democracia. Insistindo nesta tese Valdés afirma

que (...) é necessário superar o mito que reduz a democracia ao processo técnico, sem examinar seu verdadeiro conteúdo, que é resultado da soma de valores éticos e culturais historicamente determinados (VALDÉS, 2002, p. 36).

Baquero (2001) constata o crescente descontentamento dos cidadãos com os governos, os

políticos, os partidos políticos e a política, não obstante o apoio difuso9 à democracia. É notável e

cotidiana a busca de mecanismos informais para a solução dos problemas de um crescente segmento

de pessoas, situação cujas raízes encontram-se nos processos clientelistas e patrimonialistas forjados

no período de formação do Estado-nação e da sociedade brasileiros (Holanda, 1995).

Recente estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento –

PNUD (2004) demonstra que 54,7% dos cidadãos, de 18 países da América Latina, trocariam a

democracia por outro tipo de regime de governo, ditatorial inclusive, caso este resolvesse seus

problemas sociais e econômicos. Uma interpretação apressada afirmaria que estas informações

indicam o esgotamento da democracia e a necessidade de sua substituição. No entanto, o que o

trabalho demonstra é a sua limitada relevância, enquanto procedimento político, para a solução, ou a

diminuição, de problemas sociais e econômicos.

Segundo Camp (2001) o que mais distingue a versão latino-americana de democracia

daquela dos Estados Unidos é a ênfase na igualdade econômica e social e no progresso. A

democracia minimalista possui capacidade heurística relevante nos países desenvolvidos, cujas

questões materiais ou os problemas econômicos e sociais estão resolvidos, situação completamente

diferente dos países em desenvolvimento, onde é adequado destacar seus termos substanciais.

O'Donnell (1994) afirma que as democracias latino-americanas são "delegativas", e não

representativas, pois os governantes eleitos fazem prevalecer sua vontade particular em detrimento

de seus representados e da comunidade em sentido amplo. Nessa mesma linha de análise, Amartya

Sen afirma:(...) a relevância intrínseca dos direitos civis e políticos (e eu acrescentaria direitos humanos), garantidos pela democracia autoriza a defender sua vigência sem que seja necessário demonstrar se esta forma de democracia fomenta ou não o crescimento econômico. Este posicionamento, não deixa de ser uma novidade se se leva em conta que por muito tempo a teoria democrática liberal vigente recomendava sacrificar alguns direitos políticos e civis, por considerá-los como obstáculos para o desenvolvimento (SEN, 1998, P. 597, Apud BAQUERO, 2003, p. 83).

9David Easton(1965) diferencia dois tipos de apoio: o específico (às instituições e aos governos) é resultado da satisfação em razão do atendimento das demandas; o apoio difuso é a lealdade generalizada não contingenciada pelas recompensas de curto prazo.

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Na mesma linha, Hirst (2002) afirma que a crise da democracia formal pode ser identificada

através de quatro fatores: (i) a diminuição da participação dos cidadãos e de sua crença na política e

nos políticos; (ii) a incapacidade do Estado coordenar o processo de desenvolvimento em razão da

supervalorização da esfera do mercado impulsionado pelo processo de globalização, que retira-lhes

autonomia; (iii) o declínio das bases sociais e políticas da participação onde os cidadãos relacionam-

se com o mundo crescentemente pela mídia ou, principalmente em países de terceiro mundo, a

exclusão social e econômica impulsiona a exclusão política; (iv) a amplitude da democracia formal

que tende a afastar os cidadãos do acompanhamento, fiscalização e controle de instituições estatais e

privadas. O cidadão assume uma condição de incapacidade de influenciar algo tão amplo e

“distante”.

A incapacidade de produzir soluções teóricas é precedida da incapacidade da sociedade tratar

a manifestação social, econômica, cultural, política e ambiental de tais problemas, cujo resultado é a

emergência de uma crise paradigmática (KHUN, 1996) onde os referenciais teóricos e

epistemológicos não mais dão conta de explicar a realidade. Isto implica numa crise conceitual e

empírica da democracia formal que acumula contradições incapazes de serem resolvidas por meio

de ajustes institucionais (BAQUERO, 2003), cuja emergência está estreitamente ligada ao

capitalismo moderno (SANTOS, 1995 e s/d) que prometeu a solução dos problemas sociais e

econômicos através do embasamento do contrato social moderno no mercado.

A tentativa de explicar o fracasso das instituições foi empreendida por um conjunto de

autores, cujos estudos produziram: (i) a teoria da modernização que defende o aumento dos níveis

educacionais (principalmente técnico) e de desenvolvimento industrial; (ii) a teoria do

desenvolvimento10, que considera a necessidade de conter a instabilidade política proporcionada

pelo aumento da participação e da incapacidade do Estado atender as demandas crescentes; (iii) a

teoria da dependência11 que identifica que as relações econômicas internacionais produziam

desvantagens crescentes, através de trocas econômicas desiguais, para os países do terceiro mundo

principalmente na América Latina e, (iv) a teoria da cultura política que deposita no legado histórico

e cultural os limites do amadurecimento democrático (BAQUERO, 2003; SOARES, 1993 e

QUIJANO, 1993).

10 Um dos principais expoentes é Samuel Huntington (1994) que tem grande influência nos governos de toda a América pela sua grande capacidade imaginativa e propositiva. Foi bastante apreciado pelos governos militares da América Latina, pois afirmava que era preciso limitar a participação para garantir o Estado e a democracia.11 A CEPAL foi o ambiente onde essa teoria mais se desenvolveu, seus principais teóricos são Fernando Henrique Cardoso.

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3 CAPITAL SOCIAL

O capital social é um conceito que se insere dentro da concepção teórica da cultura política e

considera as características culturais, de existência de confiança, reciprocidade e solidariedade na

sociedade civil, vitais para o aperfeiçoamento da democracia, das comunidades, das pessoas e,

inclusive da sociedade política, o Estado (PUTNAM & GOSS, 2002).

Precursor a utilizar o conceito de capital social, o filósofo francês Pierre Bourdieu estendeu-o

para além dos limites tradicionalmente econômicos, aplicando-o a dimensões não materiais e

simbólicas, embora possibilitadoras de acesso a recursos econômicos. “O capital social é constituído

pelo conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de

relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento e reconhecimento.” (BOURDIEU,

1980, p. 2). James Coleman entende o capital social como a possibilidade de facilitar a ação de

diferentes tipos de atores sociais (COLEMAN, 1990, p. 302, 304 e 307, apud PUTNAM, 2000)

Robert Putnam (2000) insere o capital social como categoria heurística para explicar os

problemas da ação coletiva, cuja solução supera a proposição dos seguidores da teoria dos jogos e

do individualismo metodológico. Para eles a ação coletiva é resolvida através de um cálculo racional

onde os participantes tomam suas decisões, com base numa análise em termos de custo e benefício,

cujos resultados normalmente são sub-ótimos, ou seja, produzem resultados medianos para todos.

Isto ocorre em razão de que os participantes desconfiam uns dos outros, materializando este

sentimento em suas decisões. A desconfiança pode ser abrandada quando ocorrem várias rodadas de

jogos com regras claras respeitadas, no entanto nada garante sua superação pela confiança

(PUTNAM, 2000).

Para Putnam (2000) a teoria dos jogos explica em grande medida a ação coletiva, no entanto

vários processos sociais possuem a lógica da confiança, onde o ator decide crendo, confiando no

outro. Nestes casos a decisão do indivíduo não visa necessariamente, um benefício individual

imediato, e sim o benefício da comunidade, cuja fonte é a confiança que, mesmo no futuro, o outro /

outros indivíduos farão o mesmo. Esta lógica baseia-se numa rede social que possui regras e normas

claras com sanções proibitivas para os desertores. O processo social que produz como resultado o

bem comum ou o bem de uma coletividade, baseado na confiança, reciprocidade e solidariedade é

definido pelo autor como capital social.

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No caso italiano o capital social possibilitou o engajamento cívico e a participação social e

política o que, por sua vez, construiu instituições democráticas e um sistema de governo

democrático, bem como impulsionou o desenvolvimento econômico. Este engajamento cívico

desenvolve-se a partir da participação em associações horizontais, de grupos de iguais tais como

clubes de futebol, associações de moradores, confrarias, corais, etc. Nestes espaços os cidadãos

identificam-se e socializam um sentimento de cumplicidade e confiança neles próprios e nas regras

que criam. O capital social contribui para aumentar a eficiência da sociedade e facilitar ações

coordenadas.

Nos seus escritos sobre os Estados Unidos da América, Putnam (2000) desenvolve a tese de

que a mudança de hábitos, ocorridos nas últimas décadas, fez diminuir o estoque de capital social da

sociedade americana. A pujante vida associativa que será fundamental para o sucesso do capitalismo

norte-americano estaria em declínio na primeira metade do século XIX. Para o autor, a apatia dos

norte-americanos em relação à democracia, materializados pelos elevados índices de não

comparecimento às urnas, ocorre em razão do declínio das redes de engajamento cívico que

marcaram sua história.

Para Putnam (2000) a diferença da natureza associativa tem razões culturais. A superioridade

econômica dos Estados Unidos, em relação ao restante da América, comprova esta tese. A tradição

horizontal comunitária britânica foi herdada pelos norte-americanos, ao passo que a América Latina

recebeu como dote a verticalidade Ibérica. Max Weber já destacava o papel da ética protestante na

estruturação de redes horizontais de colaboração, diferente das culturas de tradição católica que são

verticalizadas. Soares (1993) também afirma que a influência da tradição religiosa é um dos

elementos importantes para explicar as diferenças de desenvolvimento social e econômico entre os

EUA e o restante da América.

As normas de reciprocidade generalizada alimentam um sentimento de confiança, categorias

centrais para o conceito de capital social, que influencia no desempenho político e econômico. Tais

normas implicam na crença, dos membros da comunidade, que o comportamento altruísta presente,

que contribui para o bem estar, será retribuído no futuro. Estas redes de engajamento cívico

robustecem as normas de reciprocidade, cuja influência produz sanções para aqueles que não

retribuem tornando-se eficazes na medida em que a informação sobre a confiabilidade é comunicada

através das redes.

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Putnam (2000), ao lado de Coleman, procura demonstrar as condições sob as quais as

instituições públicas conseguem mobilizar os recursos sociais para alcançar um grau elevado de bem

estar coletivo.“Ao longo da história (...) as normas e os sistemas de participação cívica promoveram o crescimento econômico, em vez de inibi-lo. Tal efeito continua até hoje. Nas duas décadas transcorridas desde a criação dos governos regionais, as regiões cívicas cresceram mais rápido do que as regiões onde há menos associações e mais hierarquia (...) A teoria formulada neste capítulo ajuda a explicar que o capital social, corporificado em sistemas horizontais de participação cívica, favorece o desempenho do governo e da economia, e não o oposto: sociedade forte, economia forte; sociedade forte, Estado forte.” (PUTNAM, 2000, p. 186)

A partir de suas pesquisas sobre os EUA, Putnam (2000) sofrerá muitas críticas oriundas

principalmente de teóricos ligados ao neo-institucionalismo. A principal delas afirma seu

determininismo histórico e cultural (EVANS, 1996) que no afã de comprovar esta afirmação, caem

noutra normatividade que é a da afirmação do determinismo institucionalista. O debate central

parece estar localizado na identificação do princípio último (como diriam os filósofos pré-

socráticos) criador, ou gerador: o que é mais importante capital social ou instituições? É possível

que nenhuma das formulações seja completamente verdadeira, é possível que as duas situações

possam conviver e, é provável que a determinação dependa do contexto social que se está

analisando (BAQUERO, 2003). Para Baquero, “A existência de confiança não só cria um ambiente de credibilidade e, conseqüentemente, de legitimidade, como fortalece o contrato social (...) A credibilidade de um sistema político e seu eficiente desempenho, portanto, depende do grau de confiança que as pessoas têm nas instituições (...) Sem confiança a democracia não sobrevive.” ( BAQUERO, 2003, p. 96, 97 e 100).

O entusiasmo de teóricos e estadistas a respeito do conceito de capital social relaciona-se a

sua potencialidade de estabelecer uma nova relação entre a sociedade civil e o Estado. Este conceito

possibilita à ciência analisar possibilidades inovadoras de relação entre as pessoas e o “poder”

enquanto tal.

4 DESENVOLVIMENTO E EMPODERAMENTO

O conceito de desenvolvimento surge no século XIX, inserido no ambiente social e

intelectual da modernidade, gestada historicamente pela revolução francesa e industrial e pela

constituição dos Estados nacionais, e situada intelectualmente nos princípios liberais, cujo conteúdo

sinaliza a possibilidade de progresso humano e material ilimitado (PASE, 2001). Ocupa espaço

relevante na literatura a partir do final da segunda guerra mundial, cujos reflexos modificam por

completo o cenário planetário. Até então o termo desenvolvimento é sinônimo de progresso,

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conceito que supõe determinismo histórico evolucionista no sentido do pior para o melhor, do

atrasado para o moderno, do tradicional ao desenvolvido, do rural para o urbano.

Nos anos 1970 o debate sobre desenvolvimento sustentável emerge no cenário internacional,

animado principalmente pela Conferência das Nações Unidas para o Ambiente Humano, realizada

em Estocolmo, em 1972, que define a necessidade de associar o crescimento econômico à

preservação do meio ambiente. Uma das premissas do desenvolvimento sustentável, naquele

momento, foi o reconhecimento da inadequação econômica, social e ambiental do desenvolvimento

em relação à manutenção do equilíbrio ambiental planetário nas sociedades contemporâneas. A

satisfação das necessidades humanas, a qualidade de vida e do meio ambiente apresentaram-se como

elementos interdependentes e, portanto, a pobreza surge como uma das principais causas da

degradação da natureza.

Seguramente o crescimento econômico é importante para o desenvolvimento, contudo a qualidade

de vida, sustentabilidade ambiental, equidade e respeito cultural da população passam por um

conjunto de elementos que, embora reais e urgentes, ainda carecem de formulação precisa por parte

da academia. Indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, formulado pela ONU,

que mensura além da pobreza, educação e esperança de vida, são importantes, porém ainda

insuficientes.

Um debate crescentemente importante é a relação entre o desenvolvimento e a política, ou seja a

relação entre o processo de realização humana e a forma dos governos, conduzirem este articulando-

se com a sociedade. Embora muitos trabalhos tenham demonstrado a fragilidade da democracia, para

resolver os problemas dos mais pobres, ainda é consensual que é o regime que mais garante os

direitos civis e políticos. Nessa perspectiva de análise, Amartya Sen afirma: (...) a relevância intrínseca dos direitos civis e políticos (nós acrescentaríamos direitos humanos), garantidos pela democracia autoriza a defender sua vigência sem que seja necessário demonstrar se esta forma de democracia fomenta ou não o crescimento econômico. Este posicionamento, não deixa de ser uma novidade se se leva em conta que por muito tempo a teoria democrática liberal vigente recomendava sacrificar alguns direitos políticos e civis, por considerá-los como obstáculos para o desenvolvimento (SEN, 1998, P. 597, Apud BAQUERO, 2003, p. 83).

Todavia, acreditamos que na democracia é possível empreender um processo de reconstrução

de um contrato social, em bases distintas daquela dos clássicos, onde se produzam ações e

possibilidades diferenciadas para grupos desiguais, com destaque para aqueles que mais necessitam.

Sen é muito enfático ao afirmar que “O desenvolvimento consiste na eliminação de privações

de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua

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condição de agente” (SEN, 2000. pág. 10). Contemporaneamente o conceito de desenvolvimento

considera o crescimento econômico, porém incorpora dimensões que dizem respeito à liberdade de

escolhas individuais e sociais e a participação efetiva na tomada de decisões a respeito da produção

e distribuição das riquezas, bem como dos seus custos, principalmente culturais e ambientais.

Outro conceito relacionado ao desenvolvimento é o de empowerment de raízes teóricas na

reforma protestante, que se opõe frontalmente ao paternalismo, cuja tradução menos imprecisa para

o português é “empoderamento”. No século XX passa a ser utilizado nos Estados Unidos da

América pelos “novos movimentos sociais” (direitos cívicos, negros, homossexuais, feministas,

portadores de deficiência), que lutam por cidadania, contra opressão e o pré-conceito (BAQUERO,

Rute. 2005).

Segundo Wallerstein e Bernstein (1994) o empoderamento pode ocorrer nos níveis

individual, organizacional e comunitário. O individual diz respeito ao aumento da capacidade dos

indivíduos influírem na sua vida. O organizacional significa contribuir com as decisões da

organização (empresarial) para melhorar seu desempenho. O empoderamento comunitário capacita

os “grupos sociais desfavorecidos para a articulação de seus interesses e participação comunitária,

visando conquista plena dos direitos de cidadania, defesa de direitos e influenciar ações do Estado.”

(BAQUERO, Rute. 2005. pág. 73).

Uma tentativa de avançar qualitativamente no conceito de empoderamento encontra-se em

Paulo Freire, cujo pensamento agrega a noção de conscientização enquanto um processo de

conhecimento que se dá na relação dialética homem-mundo, num ato de ação-reflexão (FREIRE,

1979). Segundo Baquero (2005) a contribuição de Paulo Freire nos conduz a entender o

empoderamento como“(...) processo e resultado, pode ser concebido como emergindo de um processo de ação social, no qual os indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação com outros indivíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a construção da capacidade pessoal e social e possibilitando a transformação de relações sociais de poder” (BAQUERO, Rute. 2005, pág. 76)

A inter-relação entre capital social e empoderamento pode contribuir para superar problemas

como a situação de pobreza de pessoas e comunidades, transformando as relações de poder em favor

daqueles que tinham pouca autoridade para que tenham controle sobre os recursos – físicos,

humanos, intelectuais, financeiros e de seu próprio ser – e sobre a ideologia – crenças, valores e

atitudes (BAQUERO, 2005).

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John Durston (2001) afirma que os grupos e comunidades que têm considerável reserva de

capital social em suas variadas manifestações podem cumprir melhor e mais rapidamente com as

condições de empoderamento. O acesso às redes que transcendem os círculos fechados da

comunidade pobre e o capital social comunitário manifestado em diferentes formas de

associativismo são elementos importantes para o empowerment das pessoas e das comunidades.

4 A CULTURA IMPORTA

Segundo a perspectiva que adotamos nesse capítulo, a cultura política de uma sociedade

influencia decisivamente o desenvolvimento social, econômico e político das regiões. A confiança,

reciprocidade e solidariedade, embasadas em normas claras e na livre e vigorosa circulação de

informações definem o capital social, cuja potencialidade de obter resultados e / ou bens tangíveis é

inegável embora, muitas vezes, insuficiente (PUTNAM, 2000).

Aplicando esta perspectiva teórica ao caso do Rio Grande do Sul, Bandeira (2003),

estabelece uma diferença regional no Estado muito semelhante ao que Putnam (2000) fez na Itália.

Como uma primeira aproximação haveria uma diferença entre o “Norte colonial”, cuja matriz é de

imigrantes europeus, com existência de pouca escravidão e predomínio do minifúndio e em

contraste, nós teríamos no “Sul”, uma matriz com o predomínio do latifúndio e o uso extensivo da

mão-de-obra escrava.

No que se refere à primeira região, Bandeira (2003) ressalta que estas zonas coloniais de

imigração estão dotadas de mais capital social do que as da região sul. Nas primeiras encontramos

uma infinidade de associações recreativas, clubes sociais, sociedades de canto, de atiradores e

artísticas, bem como uma intensa vida social colaborativa e cooperativa entre os primeiros colonos

que aqui chegaram no século XIX. Nas áreas de colonização italiana, por exemplo, também se

registra esta cooperação, um grupo fazia a colheita quando um colono estava doente, assim como a

conservação da estrada feita por todos, bem como os acordos para a construção do cemitério, a

construção da capela por iniciativa dos pequenos proprietários rurais (De Boni e Costa, 1979 apud

Bandeira, 2003).

Assim, o nível de confiança inerente numa sociedade é considerado essencial para o

fortalecimento do desenvolvimento das regiões. Coerentemente com esta assertiva teórica, são os

COREDES em análise mais ao Norte, COREDE Nordeste e COREDE Vale do Rio dos Sinos os

melhores posicionados do estado em termos de IDESE.

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A Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser (FEE) calcula o Índice

de Desenvolvimento Socioeconômico – IDESE para o Rio Grande do Sul, municípios e Coredes. O

Idese é um índice sintético, inspirado no IDH, que abrange um conjunto amplo de indicadores

sociais e econômicos classificados em quatro blocos temáticos: Educação; Renda; Saneamento e

Domicílios; e Saúde. O Idese varia de zero a um e, assim como o IDH, permite que se classifique o

Estado, os municípios ou os Coredes em três níveis de desenvolvimento: baixo (índices até 0,499),

médio (entre 0,500 e 0,799) ou alto (maiores ou iguais que 0,800).

Muito embora sejam considerados de índices médios, os COREDES em análise ficam nas

primeiras posições do Estado. O COREDE Vale do Rio dos Sinos está no 3º lugar com 0,769 no

ranking do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico – IDESE, para o ano de 2003 acima do

índice do próprio Rio Grande do Sul que é de 0,754. O COREDE Nordeste também ocupa as

primeiras classificações com o 5º lugar com um índice de 0,752, também próximo do índice do

estado. Se compararmos estes índices com a outra ponta, com os COREDES mais ao sul, nós

teremos o COREDE Campanha com 0,745, no 10º lugar e o COREDE Sul com 0,734, no 13º lugar.

Pesquisas efetuadas na Região Sul (açambaracando os COREDES Sul e Campanha) mostram

que os índices de capital social lá são baixos. A Tabela 1 indica que a região sul possui baixos

estoques de capital social na comparação com as demais12.

Tabela 1 Nível de Confiança Interpessoal COREDES e Região SulCOREDE Nordeste COREDE

Vale do SinosRegião

SulSe pode confiar(Pode-se confiar na maior parte das pessoas)

19,2% 30,8% 15,1%

Não se pode confiar(É preciso muito cuidado ao tratar com outras pessoas)

80,8% 69,2% 83,3%

TOTAL 100% 100% 100%Fonte: Projeto de Pesquisa “Capital Social e Desenvolvimento Regional: a importância do capital social no desenvolvimento territorial do COREDE Nordeste”, pesquisa “Capital Social, Democracia, Desempenho Institucional e Desenvolvimento Sustentável no Vale do Rio dos Sinos” do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional/CPP FEEVALE, e pesquisa “Desenvolvimento Regional, Cultura Política e Capital Social” do Laboratório de Observação Social – LABORS/UFRGS. Total: 2679

Numa perspectiva de comparação espacial, a Tabela 1 aponta 80,8% no COREDE Nordeste

e 69,2% no COREDE Vale do Rio dos Sinos e 83,3% na Região Sul respectivamente de pessoas que

disseram que “não se pode confiar nas pessoas”. Na resposta “se pode confiar nas pessoas”,

12 Muito embora a formulação da pergunta (para a Região Sul) não seja idêntica a nossa pesquisa, incorporamos este dado de Pesquisa do Laboratório de Observação Social – LABORS/UFRGS, por julgarmos que há uma semelhança que mais ajuda na compreensão do que prejudica, já que a teoria é indicativa de certos padrões que o dado corrobora.

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aparecem respectivamente 19,2% para o COREDE Nordeste e 30,8% no Vale do Rio dos Sinos e

em último lugar a Região Sul 15,1%. De uma forma geral podemos verificar que estas duas regiões

(Nordeste e Vale dos Sinos) estão mais dotadas de capital social e conseqüentemente de IDESEs

melhores para o ano de 2003 e 2004.

Contudo no ano de 2004 o COREDE Nordeste cai para a 17° posição no IDESE mesmo

tendo capital social mais alto do que no Sul. Como explicar este fato? Devemos observar que no ano

de 2004 o COREDE Nordeste passou por uma alteração significativa, perdendo o município de

Vacaria que possui um IDESE alto e incorporando outras com IDESE mais baixo do COREDE

Hortências. Essa é a razão da piora do IDESE do COREDE Nordeste que cai da 5° posição (2003)

para a 17° (2004). Já o COREDE Hortências melhorou de 17° (2003) para 7° (2004). Observamos

que houve uma inversão em favor do COREDE Hortências.

O COREDE Vale do Rio dos Sinos permaneceu inalterado tanto em termos geográficos,

quanto sócio econômicos na 3° posição no ranking do IDESE, bem como os COREDES Sul e

Campanha que ficaram relativamente nas mesmas posições. Em 2004 o Sul cresceu uma posição e a

Campanha caiu uma, no IDESE, pois não houve alteração como no Nordeste. Ou seja, muito

provavelmente, guardados os limites geográficos de 2003, o COREDE Nordeste teria aumentado

seu IDESE, corroborando a tese de que o capital social influencia nos índices de desenvolvimento.

Comparando o COREDE Vale do Rio dos Sinos e os COREDES Sul e Campanha para 2004,

nós observamos que houve um crescimento de 0,004 no IDESE do Vale do Rio dos Sinos contra

0,002 dos COREDES ao sul. O primeiro COREDE dotado de maior volume de capital social,

cresceu mais.

Todavia, quando verticalizamos a análise no que se refere aos níveis de confiança

interpessoal, perguntando a respeito da confiança nos vizinhos com a pergunta: “Se precisasse viajar

por um ou dois dias da semana, o/a sr/a poderia contar com vizinhos para cuidar da sua casa e/ou

filhos?”. O COREDE Nordeste passa à frente do COREDE do Vale do Rio dos Sinos.

Tabela 2 Nível de Confiança nos VizinhosCorede Nordeste Corede Vale dos SinosFQ V. P. FQ V. P.

Sim 458 76,0% 422 71,3%Provavelmente 76 12,6% 55 9,3%Não 69 11,4 % 115 19,4%Total 603 100% 592 100%Fonte: Projeto de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Regional: a importância do capital social no desenvolvimento territorial do COREDE Nordeste e Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional/CPP FEEVALE. Total:1195

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Na Tabela 2 observamos que no Nordeste 76,0% das pessoas confiam em seus vizinhos e no

Vale do Rio dos Sinos 71,3%. Entretanto, chama a atenção o fato de que 19,4% no COREDE Vale

do Rio dos Sinos responderam que “Não confiam em seus vizinhos”, contra 11,4% no COREDE

Nordeste que responderam negativamente, o que demonstra ter o COREDE Nordeste um percentual

de maior confiança em seus vizinhos do que no COREDE do Vale do Rio dos Sinos.

Nesta mesma direção, a Tabela 3 vem reforçar os percentuais maiores de confiança

interpessoal no COREDE Nordeste. Quando perguntamos: “Em uma situação de emergência, como

a doença de um familiar ou perda de emprego, o/a sr/a receberia ajuda de familiares, vizinhos ou

colegas de trabalho?”.

Tabela 3 Nível de confiança em Familiares, Vizinhos e Colegas de TrabalhoCorede Nordeste Corede Vale dos SinosFQ V. P. FQ V. P.

De familiares 387 79,9% 492 88,6%De vizinhos 91 18,8% 45 8,1%De colegas de trabalho 6 1,3% 18 3,3%Total 484 100% 555 100%Fonte: Projeto de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Regional: a importância do capital social no desenvolvimento territorial do COREDE Nordeste e Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional/CPP FEEVALE. Total:1039

Como podemos observar, na Tabela 3, o “familismo”, na perspectiva posta por Fukuyama

(1996) é mais forte no COREDE do Vale do Rio dos Sinos com 88,6% de pessoas que responderam

que receberiam ajuda de seus familiares, contra 79,9% do COREDE Nordeste. Coerentemente com

este dado, no Nordeste, onde temos menos “familismo”, 20,1% das pessoas receberiam ajuda de

seus vizinhos ou colegas de trabalho, contra 11,4% no Vale do Rio dos Sinos.

Tabela 4 Confiança nas Associações ComunitáriasCorede Nordeste Corede Vale dos SinosFQ V. P.

Confia muito 311 52,3% 217 41,6%Confia pouco 243 40,8% 209 40,0%Não confia 41 6,9% 96 18,4%Total 595 100% 595 100%Fonte: Projeto de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Regional: a importância do capital social no desenvolvimento territorial do COREDE Nordeste e Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional/CPP FEEVALE. Total: 1190

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Se o Nordeste é menos “familista” e confia mais em seus vizinhos, teoricamente

esperávamos que houvesse mais confiança nas associações comunitárias conseqüentemente. Pois a

Tabela 4 vai exatamente nesta direção demonstrando que 52,3% das pessoas que moram no

COREDE Nordeste confiam muito nas associações comunitárias e 6,9% não confiam. Das pessoas

que moram no COREDE Vale do Rio dos Sinos, apenas 41,6% disseram que confiam muito nas

associações comunitárias (uma diferença, para menos, de mais de 10%) e 18,4% disseram não

confiar. Ou seja, este último dado indica que o número de pessoas que não confiam nas associações

comunitárias no COREDE Vale do Rio dos Sinos é mais do que o dobro do Nordeste.

Nas quatro tabelas analisadas na comparação entre os COREDES, observamos que, a

exceção da primeira em que perguntamos no sentido genérico sobre a confiança interpessoal, o

COREDE Nordeste se sobressai positivamente na dotação de capital social em relação ao COREDE

do Vale do Rio dos Sinos em todas restantes. Evidencia-se maior solidariedade e colaboração entre

os cidadãos do COREDE Nordeste.

Na Tabela 5 observamos que mais da metade da população do COREDE Nordeste participa

de algum grupo ou organização (56,3%), contra apenas 18,4% da região do Vale do Rio dos Sinos.

Tabela 5 Participação em Grupos ou Organizações Corede Nordeste Corede Vale dos SinosFQ V. P. FQ V. P.

Sim 337 56,3% 110 18,4%Não 262 43,7% 489 81,6%Total 599 100% 599 100%Fonte: Projeto de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Regional: a importância do capital social no desenvolvimento territorial do COREDE Nordeste e Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional/CPP FEEVALE. Total: 1198

Quando procuramos medir os níveis de solidariedade entre as regiões, o COREDE Nordeste

nos surpreende positivamente, pois conforme a Tabela 6, 61,4% das pessoas responderam que nos

últimos anos tentaram resolver algum problema local associados à outras, enquanto praticamente a

metade, 32,5% dos entrevistados no COREDE Vale do Rio dos Sinos, tentaram resolver algum

problema com a ajuda da comunidade. Ou seja uma queda significativa.

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Tabela 6 Nos últimos anos, o/a sr/a tentou resolver algum problema local do bairro/comunidade junto com outras pessoas?

Corede Nordeste Corede Vale do SinosFQ V. P. FQ V. P.

Sim 366 61,4% 193 32,5%Não 230 38,6% 400 67,5%Total 596 100% 593 100%%Fonte: Projeto de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Regional: a importância do capital social no desenvolvimento territorial do COREDE Nordeste e Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional/CPP FEEVALE. Total: 1189

Observando a Tabela 7 vemos que os estoques de capital social são maiores no COREDE

Nordeste em comparação com o COREDE Vale do Rio dos Sinos. Neste último a média de capital

social é de 0,292 e no Nordeste é de 0,426. Aplicando-se o teste t no COREDE Nordeste temos

capital social médio significativamente maior do que no COREDE Vale do Rio dos

Sinos(t=18,591;p=0,000).

Tabela 7 Índice de Capital Social (ICS) COREDE Nordeste e Vale dos Sinos13

Corede Nordeste Corede Vale dos SinosAlto 35 5,8% 5 0,8%Médio 434 71,6% 203 33,8%Baixo 137 22,6% 392 65,3%Total 606 100% 600 100%Fonte: Projeto de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Regional: a importância do capital social no desenvolvimento territorial do COREDE Nordeste e Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional/CPP FEEVALE. Total: 1206

Com índices melhores de Capital Social no Nordeste, não é surpreendente que suas posições

no ranking do IDESE tenham saltado da 7º posição no ano de 2000 para a 5º posição em 2003, ao

passo que o COREDE Vale do Rio dos Sinos manteve-se na 3º posição durante estes três anos.

Assim, o capital social pode estar funcionando como um rio caudaloso, como uma variável

importante, aliada a outras, que incide sobre os índices de desenvolvimento da região. Neste sentido 13 Este Índice de Capital Social (ICS) foi construído de forma idêntica para os dois COREDES a partir da seleção de 9 questões relativas ao capital social, são elas: “Em termos gerais, o senhor diria que se pode confiar nas pessoas ou não se pode confiar nas pessoas?” Sim (peso 2), Não (peso 0); “Gostaria de saber se o senhor confia muito (peso 2), pouco (peso 1) ou não confia (peso 0) na: igreja, família, vizinhos, associações comunitárias, sindicatos”; “O senhor costuma participar de: partidos políticos, reuniões políticos, comícios, associações comunitárias, associações religiosas, associações sindicais, conselhos populares, ONG’s, orçamento participativo, abaixo assinados, manifestações ou protestos, greves, ocupação de terrenos ou prédios públicos, outros” Sim (peso 2), Não (peso 0); “Nos últimos anos, o senhor tentou resolver algum problema local do bairro/comunidade junto com outras pessoas? Sim (peso 2), Não (peso 0); “Dentre os grupos que eu vou mencionar, quais deles existem no seu bairro: grupo político, grupo ou associação cultural, grupo educacional, grupo esportivo, grupo de jovens, ONG ou grupo cívico, grupo baseado na comunidade étnica, grupos de mulheres, outro” Sim (peso 2), Não (peso 0); “Atualmente o senhor participa de algum grupo ou organização?” Sim (peso 2), Não (peso 0); “Se precisasse viajar por um ou dois dias, o senhor poderia contar com vizinhos para cuidar da sua casa e/ou filhos?” Sim (peso 2), Provavelmente (peso 1), Não (peso 0); “Em uma situação de emergência como a doença de um familiar ou perda de emprego, o senhor receberia ajuda:” familiares (peso 0), vizinhos (peso 2), colegas de trabalho (peso 2); “Se um projeto da comunidade não lhe beneficia diretamente, mas pode beneficiar outras pessoas do seu bairro, o senhor contribui pra este projeto?” Sim (peso 2), Não (peso 0).

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analisando mais detidamente o COREDE do Vale do Rio dos Sinos, a partir dos índices de capital

social, procuramos estabelecer uma relação entre capital social e desenvolvimento. Conforme nossa

hipótese central, cruzamos o ranking do IDESE dos municípios que compõe o COREDE com os

Índices de Capital Social (ICS) da região. Verificamos que os três primeiros colocados em termos de

IDESE como Canoas (0,820), Esteio (0,819) e Campo Bom (0,813) apresentam igualmente ICS,

47,1, 24,93% e 23,9% respectivamente. Já os três últimos colocados em termos de IDESE, pontuam

pouco ou nada em ICS, Portão 2,5, Nova Santa Rita (0,0), Nova Hartz (0,0) conforme Tabela 8

abaixo14.

Tabela 8 Correlação IDESE e Índice de Capital Social COREDE Vale dos SinosCidade IDESE

2004Índice de Capital Social Alto

1ª Canoas 0,820 47,1%2ª Esteio 0,819 24,9%3ª Campo Bom 0,813 23,9%12ª Portão 0,678 2,5%13ª Nova Hartz 0,632 0,0%14ª Nova Santa Rita 0,613 0,0%Fonte: Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional/CPP FEEVALE e Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul (FEE).

No COREDE Nordeste novamente encontramos esta relação. Verificamos que os três

primeiros colocados em termos de IDESE como Lagoa Vermelha (0,777), Tapejara (0,761) e

Sananduva (0,757) apresentam igualmente ICS mais altos, 28,4%, 10,4% e 26,1% respectivamente.

Já os três últimos colocados em termos de IDESE, pontuam pouco ou nada em ICS, Tupanci do Sul

1,4%, Pinhal da Serra 4,7% e Santa Cecília 1,8% conforme Tabela 9.

Tabela 9 Correlação IDESE e Índice de Capital Social COREDE NordesteCidade IDESE

2004Índice de Capital Social Alto

1ª Lagoa Vermelha 0,777 28,4%2ª Tapejara 0,761 10,4%3ª Sananduva 0,757 26,1%21ª Tupanci do Sul 0,645 1,4%22ª Pinhal da Serra 0,643 4,7%23ª Santa Cecília 0,599 1,8%Fonte: Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul (FEE) e Projeto de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Regional: a importância do capital social no desenvolvimento territorial do COREDE Nordeste.

14 É importante ressaltar que os dados da pesquisa aplicados em cada cidade do COREDE vem ao encontro do que nossa hipótese sugere. No entanto, para fins de generalização seriam necessárias futuras pesquisas que tenham amostras representativas das populações dessas cidades, pois nossa amostra não é estatisticamente representativa destas populações. Também é importante ressalvar que Nova Santa Rita e Nova Hartz entraram no sorteio da amostra, mas não foram escolhidas no sorteio aleatório da região para aplicação dos questionários. Todavia, a indicação do índice de Portão dá um indicador do comportamento destas cidades (Nova Santa Rita e Nova Hartz).

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Neste capítulo estamos procurando estabelecer as relações entre capital social e

desenvolvimento, demonstrando o quanto este primeiro é benéfico para este último, no entanto, as

sociedades que não tenham construído capital social devem ser condenadas ao desespero do

determinismo histórico do atraso? Há na bibliografia especializada um argumento de que o capital

social pode ser impulsionado ou construído a partir de ações institucionais, principalmente movidas

pelo Estado (COLEMAN, 1990).

Nesta perspectiva a Cooperativa de Crédito Rural com Interação Solidária (CRESOL) no

COREDE Nordeste (Sananduva), que é formada exclusivamente por agricultores familiares e atua

com microcrédito rural e /ou agropecuário vinculado ao Programa de Fortalecimento da Agricultura

Familiar (PRONAF), financiado pelo Governo Federal, constitui-se num bom exemplo de

instituição fomentadora de capital social e conseqüentemente empowerment, pois capacita este

grupo a articular seus interesses frente ao Estado.

Um dos mecanismos utilizado pela CRESOL para concessão do microcrédito é o “aval

solidário” que consiste na formação de grupos de tomadores, mínimo de 3, que assumem uma

responsabilidade mútua, recíproca, pelos financiamentos recebidos. Algumas vezes essa

reciprocidade avança para a combinação de investimentos em conjunto. Na Figura 1 apresenta-se os

níveis de confiança generalizada dos participantes da cooperativa.

Figura 1

27,7

65,7

6,4

21,3

75,7

2,9

17,6

4735,2

5,5

72,2

22,2

01020304050607080

Confia Não confia NS NR

N 584

Relação entre confiança generalizada e participação na cooperativa de crédito

ParticipaNãoNR

Fonte: Projeto de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Regional: a importância do capital social no desenvolvimento territorial do COREDE Nordeste

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Ela proporciona um espaço de aproximação e desenvolvimento da confiança mútua. A

Figura 1 mostra que entre aqueles que participam da cooperativa 27,7 % confiam nas pessoas e 21,3

% não confiam, já entre aqueles que não participam da cooperativa 65,7 % confia nas pessoas, mas

75,7% não confiam. Ou seja, a não participação aumenta em 10% a desconfiança entre as pessoas, o

que demonstra que os participantes da cooperativa possuem, ou estão sendo incentivados a

desenvolver capital social.

Esta informação revela que estes cidadãos não se associam apenas motivados pelo acesso ao

crédito, porém, por confiarem efetivamente nos pares. Segundo o relato dos agricultores familiares,

associados a CRESOL, o crédito repassado pela cooperativa, é utilizado tanto como mecanismo para

alavancar a produção agrícola, como também, para resolver problemas inadiáveis, como tratamento

de saúde, reforma da moradia ou aquisição de eletrodomésticos, ações que incidem diretamente na

melhoria da qualidade de vida. Há relatos que afirmam que o microcrédito é a única fonte de renda

das famílias em anos de frustração de safra.

A pesquisa mostra que a aposta da cooperativa de crédito no capital social é um negócio

seguro, pois, segundo os dirigentes o índice de inadimplência fica abaixo de 1 %.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evidencias mostram a relação existente entre o capital social e o desenvolvimento, cuja

determinação ocorre proporcionalmente ao empoderamento (empowerment), enquanto capacidade

de decidir e deliberar de uma sociedade. Os COREDES Nordeste e Vale do Rio dos Sinos

apresentam índices elevados de IDESE, bem como os maiores escores de capital social (ICS). Isto

fica mais nítido quando comparamos os IDESE destes COREDES com aqueles situados mais ao Sul

do Estado. Na comparação, entre os COREDEs do Vale do Rio dos Sinos, Sul e Campanha, o

COREDE Vale do Rio dos Sinos ainda coloca-se à frente em capital social e IDESE.

Quando particularizamos a análise, vemos que no caso do COREDE Vale do Rio dos Sinos

os municípios da região com maior dotação de ICS correspondem exatamente aqueles que também

possuem os maiores IDESE, ao passo que aquelas cidades que possuíam ICS mais baixos, também

ficaram com IDESE mais baixos. No COREDE Nordeste aplicando-se o mesmo procedimento

chegamos as mesmas conclusões, os três municípios com ICS mais alto tem, em média, escores

melhores de IDESE. Já os três últimos colocados nos ICS tem baixo IDESE.

Chama a atenção o aspecto do “familismo” do COREDE Vale do Rio dos Sinos, quando

88,6% dos entrevistados disseram que se precisassem de ajuda receberiam provavelmente de

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familiares em detrimento de vizinhos ou colegas de trabalho. Este dado vai ao encontro das

hipóteses de Fukuyama (1996) e Putnam (2000) que argumentam sobre os efeitos do processo de

urbanização, industrialização que enfraquecem os laços de solidariedade e tecido social, podendo a

médio prazo enfraquecerem ainda mais os estoques de capital social.

As informações mostram que os agricultores familiares articulados nos seus sindicatos, do

COREDE Nordeste, conseguiram criar uma instituição de crédito para, de forma segmentada,

“controlar” as parcas riquezas que produzem e, principalmente, controlar os recursos públicos

repassados pelos governos.

As ilustrações demonstram a significância da existência de capital social entre os associados

da CRESOL que, por sua vez, utiliza o mesmo capital social para emprestar e controlar o retorno

dos recursos financeiros. Isto contribui com a interpretação de que o capital social facilita o

empoderamento que contribui com o desenvolvimento enquanto um processo de produção e

distribuição de riquezas e eqüidade, qualidade de vida e sustentabilidade.

Por fim cabe ressaltar, que no Brasil a emergência da sociedade organizada e dos

movimentos sociais das últimas décadas está relacionada à existência e / ou desenvolvimento de

relações de confiança e reciprocidade. O capital social, materializado nos movimentos sociais e

organizações da sociedade, produz um inegável empoderamento, já que estes conseguem muito mais

que visibilidade, incluindo a obtenção de políticas públicas segmentadas e diferenciadas. Todavia,

isso não diminui a importância da incidência dos governos que através de políticas públicas,

reformas, ajustes administrativos e investimentos, que tem responsabilidade privilegiada para com o

desenvolvimento regional. A dotação de IDESE certamente não tem influência única do capital

social, mas relaciona-se às políticas públicas federais, estaduais e municipais que incidem nas

regiões, cujo aprofundamento teórico poderá ser realizado em pesquisas posteriores. Assim, um

sinergismo entre instituições e capital social, não somente é algo possível como desejável para o

desenvolvimento regional.

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