seminário internacional de economia alternativa - compartilhar e trocar

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O Seminário Internacional de Economia Alternativa surgiu através da parceria entre Goethe-Institut Porto Alegre e a Associação Cultural Vila Flores, firmada no ano de 2015. Ambas instituições tinham interesse em desenvolver atividades que discutissem questões atuais sobre relações de trocas. Com a vinda do teórico alemão Joseph Vogl para Porto Alegre, o Goethe-Institut estava interessado em colocar professores e estudiosos em debate sobre a as características e desafios da situação econômica atual. Já o Vila Flores, através do desenvolvimento de um projeto de moeda alternativa, tinha interesse em experiências de grupos/ pessoas/instituições que trabalham com economia alternativa e são hoje referências no campo. O projeto do seminário internacional Compartilhar e Trocar foi construído pelas duas instituições durante três meses, culminando em três dias de atividades realizadas nos dois espaços. O seminário contou com 105 inscritos. No dia 19 de novembro de 2015, no auditório do Goethe-Institut, os professores Joseph Vogl (Alemanha), Ricardo Orzi (Argentina), Luiz Inácio Gaiger (Brasil) e Gláucia Campregher (Brasil), debateram sobre perspectivas econômicas atuais, moeda social e economia solidária. No dia 20, no Vila Flores, Solange Mânica (Clube de Trocas de Novo Hamburgo), Ana Mercedes Icaza (Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa da UFRGS) e Maria do Carmo Bittencourt (OSCIP Guayí – Democracia, Participação e Solidariedade) realizaram relatos de suas respectivas experiências práticas com economia alternativa. No dia 21, no Vila Flores, um grupo de trabalho conversou sobre as questões discutidas nas atividades anteriores e utilizou, para a discussão sobre moedas alternativas, o jogo Currency Lab, da artista e pesquisadora Lenara Verle. COMPARTILHAR E TROCAR Seminário Internacional de Economia Alternativa Programação // PALESTRAS 19 de novembro de 2015 19h às 21h30 Auditório do Goethe-Institut Porto Alegre (24 de Outubro, 112. Porto Alegre/RS) Tradução simultânea 19h15 Joseph Vogl (Alemanha. Humboldt University/Princeton University) Relações de poder no regime econômico atual e distorções correlacionadas nos processos de tomada de decisão política com relação à economia 19h50 Ricardo Orzi (Argentina, Universidad Nacional de Luján) Ligações entre dispositivos de moeda social e a possível formação de um subsistema de Economia Social e Solidária (ESS) 20h15 Luiz Inácio Gaiger (Brasil. UNISINOS) A diversidade das Ciências Econômicas e a economia solidária no Brasil. 20h40 O debate será mediado por Gláucia Campregher, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 21h15 Confraternização // PAINÉIS DE EXPERIÊNCIAS 20 de novembro 18h30 às 22h Vila Flores (Rua São Carlos, 759. Porto Alegre/RS) 18h30 Introdução 19h20 Relato de experiência de Solange Carmen Mânica do Clube de Trocas de Novo Hamburgo. 20h Intervalo 20h30 Relato de experiência de Ana Mercedes Sarria Icaza do Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa da UFRGS. 21h20 Relato de experiência de Maria do Carmo Bittencourt da OSCIP Guayí – Democracia, Participação e Solidariedade. // GRUPO DE TRABALHO 21 de novembro 9h30 às 14h Vila Flores (Rua São Carlos, 759) O artista visual Marcelo Monteiro, integrante do Estúdio Hybrido, coletivo sediado no Vila Flores, desenvolveu um selo especialmente para a identidade visual do evento. O selo foi elaborado através da técnica de xilogravura. Programação Porto Alegre | Rio Grande do Sul | Brasil | 2015

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Page 1: Seminário Internacional de Economia Alternativa - Compartilhar e Trocar

O Seminário Internacional de Economia Alternativa surgiu através da parceria entre Goethe-Institut Porto Alegre e a Associação Cultural Vila Flores, firmada no ano de 2015. Ambas instituições tinham interesse em desenvolver atividades que discutissem questões atuais sobre relações de trocas. Com a vinda do teórico alemão Joseph Vogl para Porto Alegre, o Goethe-Institut estava interessado em colocar professores e estudiosos em debate sobre a as características e desafios da situação econômica atual. Já o Vila Flores, através do desenvolvimento de um projeto de moeda alternativa, tinha interesse em experiências de grupos/pessoas/instituições que trabalham com economia alternativa e são hoje referências no campo. O projeto do seminário internacional Compartilhar e Trocar foi construído pelas duas instituições durante três meses, culminando em três dias de atividades

realizadas nos dois espaços. O seminário contou com 105 inscritos.

No dia 19 de novembro de 2015, no auditório do Goethe-Institut, os professores Joseph Vogl (Alemanha), Ricardo Orzi (Argentina), Luiz Inácio Gaiger (Brasil) e Gláucia Campregher (Brasil), debateram sobre perspectivas econômicas atuais, moeda social e economia solidária. No dia 20, no Vila Flores, Solange Mânica (Clube de Trocas de Novo Hamburgo), Ana Mercedes Icaza (Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa da UFRGS) e Maria do Carmo Bittencourt (OSCIP Guayí – Democracia, Participação e Solidariedade) realizaram relatos de suas respectivas experiências práticas com economia alternativa. No dia 21, no Vila Flores, um grupo de trabalho conversou sobre as questões discutidas nas atividades anteriores e utilizou, para a discussão sobre moedas alternativas, o jogo Currency Lab, da artista e pesquisadora Lenara Verle.

COMPARTILHAR E TROCARSeminário Internacional de Economia Alternativa

Programação

// PALESTRAS19 de novembro de 2015 19h às 21h30Auditório do Goethe-Institut Porto Alegre (24 de Outubro, 112. Porto Alegre/RS)Tradução simultânea

19h15Joseph Vogl (Alemanha. Humboldt University/Princeton University)Relações de poder no regime econômico atual e distorções correlacionadas nos processos de tomada de decisão política com relação à economia

19h50Ricardo Orzi (Argentina, Universidad Nacional de Luján)Ligações entre dispositivos de moeda social e a possível formação de um subsistema de Economia Social e Solidária (ESS)

20h15Luiz Inácio Gaiger (Brasil. UNISINOS)A diversidade das Ciências Econômicas e a economia solidária no Brasil.

20h40O debate será mediado por Gláucia Campregher, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

21h15Confraternização

// PAINÉIS DE EXPERIÊNCIAS20 de novembro 18h30 às 22hVila Flores (Rua São Carlos, 759. Porto Alegre/RS)

18h30Introdução

19h20Relato de experiência de Solange Carmen Mânica do Clube de Trocas de Novo Hamburgo.

20hIntervalo

20h30Relato de experiência de Ana Mercedes Sarria Icaza do Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa da UFRGS.

21h20Relato de experiência de Maria do Carmo Bittencourt da OSCIP Guayí – Democracia, Participação e Solidariedade.

// GRUPO DE TRABALHO21 de novembro 9h30 às 14hVila Flores (Rua São Carlos, 759)

O artista visual Marcelo Monteiro, integrante do Estúdio Hybrido, coletivo sediado no Vila Flores, desenvolveu um selo especialmente para a identidade visual do evento. O selo foi elaborado através da técnica de xilogravura.

Programação

Porto Alegre | Rio Grande do Sul | Brasil | 2015

Page 2: Seminário Internacional de Economia Alternativa - Compartilhar e Trocar

Prof. Joseph Vogl (Alemanha – Universidade Humboldt, Universidade de Princeton)

Joseph Vogl é professor de Literatura Alemã, Estudos Culturais e Midiáticos na Universidade Humboldt, em Berlim. Vogl também é professor visitante permanente na Universidade de Princeton, Estados Unidos. Além da pesquisa nas áreas de teoria literária, história literária e meios de comunicação, com publicações sobre Kafka, Goethe, Stifter, Fontane, Brentano, é conhecido por seu intensivo trabalho sobre economia moderna e contemporânea, analisando teorias financeiras a partir da perspectiva da história cultural. Suas publicações mais recentes são: Calculation and Passion – A poetics of Economic Man (2002), On Hesitation (2007), Debit and Credit. Television Conversations, com Alexander Kluge (2009), The Specter of Capital (2010) e Der Souveränitätseffekt (2015).  The Specter of Capital recebeu amplo reconhecimento nas áreas de estudos culturais e economia.

Prof. Luiz Gaiger (Brasil – Universidade do Vale do Rio dos Sinos)

Luiz Inácio Gaiger é professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Brasil. É PhD em Sociologia pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica e, desde 2000, é pesquisador do CNPq. Na Unisinos, foi coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, bem como Diretor-Geral de Pesquisa e coordenador da Cátedra UNESCO em Trabalho e Sociedade Solidária, de 2005 a 2014. Foi membro do conselho do diretor da Sociedade Brasileira de Sociologia (2009-2011). Luiz Inácio Gaiger tem uma experiência acadêmica em participação cidadã, movimentos sociais, economia solidária e empreendedorismo social. Coordenou o primeiro projeto de pesquisa nacional sobre economia solidária, apoiada pela Rede Interuniversitária UNITRABALHO, onde também estava envolvido na coordenação do Programa de Economia Solidária, e como representante do Programa no Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Ele coordena, com o Prof. José Luis Coraggio (UNGS / Argentina), a Rede Latino-Americana de Pesquisadores em economia social e solidária (RILESS), e é co-diretor do Otra Economía Journal. Seu último livro é A Economia Solidária no Brasil: Uma Análise de Dados Nacionais (editado em colaboração com o Grupo de Pesquisa Ecosol, 2014, São Leopoldo).

Prof. Ricardo Orzi (Argentina – Universidad Nacional de Luján)

Ricardo Orzi é Professor Adjunto Ordinario da Universidade Nacional de Luján (UNLu) e leciona seminários de pós-graduação na Universidade de Buenos Aires (UBA), Quilmes (UNQ) e General Sarmiento (UNGS). É economista (UBA) e especializou-se em economias alternativas com o professor José Luis Coraggio (Master de Economia Social, UNGS). Atualmente está conluindo um PhD em Antropologia Econômica. Desde 2005, tem estudado sistemas monetários alternativos e mercados solidários Argentina e em outros países da América Latina e Europa. Neste contexto, ele publicou dois livros sobre o assunto e várias publicações e artigos. Faz parte do comitê acadêmico da Revista Prólogos (Programa de Estudos em História, Política e Direito, UNLu) e é pesquisador da Rede Latino-Americana de Pesquisadores em Economia Social e Solidária (RILESS). Seu interesse consiste em estudar as formas pelas quais os sistemas monetários complementares transformam as relações sociais de produção, distribuição e consumo dominante, promovendo valores semelhantes aos que motivam os empreendimentos da economia social e solidária (ESS).  Seu livro mais recente é Moneda Social y Mercados Solidarios II: La moneda social como lazo social (Editorial CICCUS, 2012).

Profª. Drª. Gláucia Angélica Campregher (Brasil – Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Gláucia Campregher é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Viçosa (MG), com mestrado e doutorado pela Unicamp, com os temas “Desdobramentos lógico-históricos da ontologia do trabalho em Marx” e “Para uma crítica da economia política do não-trabalho”. Trabalhou por 12 anos na Universidade Federal de Uberlandia (MG), de onde afastou-se para atuar no executivo estadual no RS. Tornou à academia para lecionar na área de macroeconomia e economia brasileira na graduação e pós-graduação da Unisinos, também no RS. Hoje leciona na UFRGS e pesquisa temas relacionados às novas formas de articulação do trabalho, seja ao nível mais empírico – em empreendimentos solidários, em arranjos produtivos locais ou na internet -, seja ao nível mais teórico – como estes poderiam implicar na construção de formas de sociabilidade pós-capitalista.

Palestrantes @ Auditório do Goethe-Institut Porto AlegreFoto: Carol de Góes

Page 3: Seminário Internacional de Economia Alternativa - Compartilhar e Trocar

Fotos: Carol de Góes

Page 4: Seminário Internacional de Economia Alternativa - Compartilhar e Trocar

Painéis de ExperiênciaNo segundo dia do seminário, representantes de iniciativas com vasto conhecimento sobre Economia Solidária e moedas alternativas compartilharam suas experiências:

Profª. Drª. Ana Mercedes Sarria Icaza (Brasil – Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Doutora em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade Católica de Lovaina, Bélgica, é professora do Departamento de Ciências Administrativas da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde leciona no curso de Administração de Organizações Públicas e Sociais. Possui experiência em pesquisa, processos de educação popular e elaboração e avaliação de projetos na Nicarágua, Bélgica e Brasil. Há mais de 15 anos no ensino superior, trabalha com as temáticas de movimentos sociais, economia solidária e políticas públicas. É professora atuante no Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa da UFRGS.

Profª. Solange Carmen Mânica (Brasil - Clube de Trocas de Novo Hamburgo)

Diretora e Coordenadora no Centro de Educação Ambiental Ernest Sarlet SMED Novo Hamburgo.

Maria do Carmo Bittencourt (Brasil - OSCIP Guayí |Democracia, Participação e Solidariedade)Assessoria e articulação nacional da Rede de Economia Solidária e Feminista - RESF, mantida pela OSCIP Guayí.

LINKSPARA MAIS INFORMAÇÕES

Blog do Seminário

compartilharetrocar.wordpress.com

Artigo de Camila Gonzatto no site do

Instituto Goethe

http://www.goethe.de/ins/br/lp/kul/

dub/med/pt14941748.htm

Vídeo produzido durante o Seminário

https://goo.gl/bcHhhf

Livros Moneda Social y mercados

solidarios I e II de Ricardo Orzi

https://unlu.academia.edu/

RicardoOrzi

Clube de Trocas de Novo Hamburgo

http://cirandas.net/pampavivo

Núcleo de Estudos em Gestão

Alternativa da UFRGS

https://www.ufrgs.br/

gestaoalternativa/

Guayí - Democracia, Participação e

Solidariedade

http://guayi.org.br

Foto: Aline Bueno

Page 5: Seminário Internacional de Economia Alternativa - Compartilhar e Trocar

The Currency Lab GamePor Lenara Verle

O Vila Flores é um centro cultural independente e espaço criativo que está desenvolvendo sua moeda própria no sul do Brasil, em Porto Alegre. A moeda se chama “Tigrão”, nome do simpático cachorro pit-bull da vizinhança. Em parceria com o Instituto Goethe, eles promoveram o evento “Compartilhar e Trocar”.

Após dois dias de painéis e discussões sobre economia e moedas comunitárias, o terceiro dia teve um formato mais interativo, através do jogo de tabuleiro CurrencyLab (Laboratório de Moedas). No jogo há cartas apresentando desafios, que devem ser vencidos através das cartas de estratégias sorteadas para cada grupo de jogadores. Ambos são baseados em situações reais enfrentadas por moedas alternativas atuais e históricas.

Através do jogo iniciamos uma discussão sobre os possíveis desafios que o time poderá enfrentar durante o desenvolvimento de sua moeda.

Em uma das rodadas do jogo, um dos grupos escolheu a estratégia de “enquadrar sua moeda como um projeto de arte para receber financiamento”. Durante a discussão, a estratégia foi questionada por uma integrante de outro grupo que tem experiência prática em solicitar financiamento para projetos artísticos através do Ministério da Cultura. Ela alertou que seria difícil enquadrar esse projeto nas regras dos editais de financiamento atuais. Como resultado, o grupo acabou optando por uma estratégia alternativa.

O jogo foi originalmente criado em inglês, e em outras ocasiões havíamos jogado em alemão, porém com as cartas em inglês e traduzindo à medida que jogávamos. Neste caso, como o grupo era grande e não havia tantas pessoas fluentes em inglês, achamos melhor imprimir uma versão em português das cartas. Apesar de ser uma tradução preliminar, a idéia é lançar em breve a versão oficial do jogo em português, e também em alemão.

Link para download do jogo:www.coinspiration.org/game

Foto: Aline Bueno

O jogo é desenvolvido por Lenara Verle, artista e pesquisadora em arte e tecnologia e professora licenciada da UNISINOS, no curso de Comunicação Digital. Cursa doutorado em História da Arte na Frankfurt Universität, Alemanha e é mestre em Media Studies pela New School University, New York.Contato: [email protected]

Fotos: Ilan Katin

Page 6: Seminário Internacional de Economia Alternativa - Compartilhar e Trocar

DEPOIMENTOS

“Como interessada no assunto, mas praticamente leiga, finalizo a experiência com a felicidade de poder ter aprendido tanto e através de pessoas que, unindo teoria e prática, nos mostraram que um modelo de consumo e de relações comerciais mais humano é perfeitamente possível.” Karin Yuki Lopes

“Achei Currency Lab um jogo muito interessante. Gostei dos propósitos, das estratégias e dos desafios. Sair da zona de conforto para buscar soluções nem sempre ‘on the box’ nos obriga a sermos criativos e inovadores. Parabéns.” Debora Chaves Herjean

“O conflito vem com o tempo. Vimos que no início estávamos todos concordando com as decisões, mas por falta de segurança. No final já discordávamos e conseguimos ver outras saídas. Entendemos que o consenso sem debate também não é sempre a melhor saída.”

“Encontré al seminario muy productivo tanto em términos academicos como desde la práctica. En este sentido se constata que la idea de crear una moneda es un proyecto que mobiliza mucho a los grupos. Y aquí en Vila Flores, donde los proyectos están funcionando, se creó un ambiente de trabajo muy interesante que será óptimo para seguir en el proceso de la creación de esta moneda ‘cultural’.” Ricardo Orzi

“A economia de trocas de saberes que se criou nestes três dias de seminário reflete muito a necessidade que temos de criar relações não baseadas apenas no valor monetário. Reflete nosso desejo humano constante de criar, interagir e fazer intercâmbios que fortaleçam os nossos laços de humanidade. Penso que é destes laços e experiências que precisamos nos alimentar para seguir vivendo a abundância e não a escassez.” Antonia Wallig

Foto: Aline Bueno

Page 7: Seminário Internacional de Economia Alternativa - Compartilhar e Trocar

Nas minhas ponderações anteriores – no meu livro The Spectre of Capital, do original em alemão Das Gespent des Kapitals – tentei demonstrar essencialmente duas coisas: primeiro, como a economia clássica, neoclássica, bem como a liberal poderia ser vista como a soma da ilusão teórica, da utopia social e da moralidade burguesa; como a economia se estabeleceu dessa forma, chegando à teoria dos mercados eficientes, o dogma de que os mercados e, em específico, os mercados financeiros se caracterizam pela igualdade de seus jogadores, que têm o mesmo acesso à informação – para garantir a melhor distribuição de oportunidade possível e a perfeita alocação da riqueza. O outro aspecto que foquei é o fato de que os modelos discutidos nessas teorias econômicas, essencialmente modelos de balanço e equilíbrio, não conseguem entender o que aconteceu, de fato, nesse tipo de mercado financeiro nos últimos 30 anos. Além disso, esses modelos provavelmente contribuíram significativamente para a produção da mesma instabilidade que eles têm tanto problema em explicar. As teorias populares que correspondem a esses modelos se mostraram ingênuas, ignorantes, cegas ou simplesmente insensíveis às dinâmicas e dramas dos mercados financeiros nas últimas décadas, em que crises financeiras não foram a exceção, mas sim a regra. Esta visão cética – tenho essa impressão – está agora lentamente se fazendo notar mesmo na própria economia.

Hoje (com relação ao recente livro The Sovereignty Effect), gostaria de tentar apresentar uma perspectiva diferente e modificada. Gostaria que vocês voltassem a atenção para outro assunto, focando em duas coisas, a saber, as particularidades do poder e as relações de poder no regime econômico atual e a distorção correlacionada nos processos de tomada de decisão política com relação à economia, uma distorção que foi substituindo a última dita crise e se tornou óbvia e dramática. Eu também gostaria de apresentar a minha tese ou hipótese: o atual regime econômico – que podemos ou, de fato, devemos chamar de capitalismo –, este atual regime econômico produz “efeitos de soberania” descontrolados e incontroláveis, que determinam diretamente o destino de nossas sociedades. Essa é a tese, mas é claro que tratarei aqui menos de respostas do que de perguntas e apresentarei significativamente mais perguntas que respostas.

Para começar, gostaria de relembrar como a atual crise se desenvolveu ao longo dos últimos cinco anos, quais são as fases dessa crise, qual o potencial para escalação, quais dinâmicas de escalação se tornaram evidentes. Vocês vão lembrar: tudo começou com a crise da dívida privada, isto é, com o colapso do mercado hipotecário norte- americano em 2007 e 2008. Após esse primeiro momento, ela se transformou rapidamente em uma crise global de liquidez, que se deveu em grande parte à estrutura dos mercados financeiros, isto é, à interdependência dos grandes jogadores e suas práticas comerciais correspondentes, especialmente o comércio de derivativos. Essa foi a segunda fase. Agora a terceira fase: a crise de liquidez rapidamente se transformou em uma crise do orçamento público ou uma crise da dívida de soberania, iniciada por programas de resgate financeiro, ou na terminologia europeia, “pacotes de ajuda”, através de várias formas e métodos de resgate bancário e através da criação de dinheiro barato ou até mesmo de graça. E o quarto e mais recente acontecimento: tudo isso levou ao que eu gostaria de chamar de esclerose crescente dos processos de tomada de decisão política, a uma crise de governança, se vocês preferirem, combinada com uma difícil ou desconfortável ou nebulosa distribuição de competências entre autoridades políticas, agentes

econômicos e, claro, procedimentos democráticos. Seria possível dizer que ela está se tornando uma crise de todo o sistema capitalista, incluindo suas instituições políticas e fundamentos legais. Isso fica especialmente evidente na Europa. Com as tensões entre os governos eleitos, as reivindicações nacionais por soberania, as autoridades da União Europeia, as comissões de especialistas e as redes transnacionais (Harold James discutiu isso profundamente em seu mais recente livro Making the European Monetary Union) – com essas tensões todas, a Europa é o palco ideal para esse drama. A Europa é o palco ideal para a esclerose dos processos de tomada de decisão política, para esta crise de governança.

Mas talvez já seja possível reconhecer uma quinta e última fase desta crise. No entanto, o ato final deste drama conclui – acredito que a crise (ou o que quer que seja) vai servir para ajudar a restabelecer o mesmo sistema que a gerou. Isso já está aparente. As pessoas estão trabalhando arduamente para restabelecer a ordem econômica de 2007, com garantias de estado, moeda barata, deficit brakes, com ainda mais conglomeração na indústria financeira e menos agentes financeiros. 2009 foi um dos melhores anos de todos os tempos para Wall Street; os funcionários da Goldman Sachs nunca ganharam tanto dinheiro como em 2009. E em 2010 havia mais milionários no mundo que em 2007 (mas também houve um aumento de 60 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza absoluta, segundo a agência de classificação Cap Gemini). De qualquer forma, desde 2008 somas gigantescas de dinheiro público vêm sendo privatizadas com sucesso.

Mas talvez seja possível dizer que entre o colapso de 2008 e o reinício – que já começou –, que neste intervalo, ficou evidente que todos os mecanismos, a disfunção e o tumulto foram os condutores da economia financeira global e vão continuar a conduzir sua instabilidade também. Acho que também é possível reconhecer, em um estilo quase de livro didático, as linhas e frentes problemáticas que irão motivar futuras batalhas políticas ou que devem, ao menos, motivá-las. E acredito que devemos analisar aqui, isto é, por esta perspectiva, todas as relações de poder no regime econômico. É o que gostaria de fazer agora, com três teses preliminares, talvez ainda incompletas e precisando de uma revisão.

Primeira tese. Sabemos hoje que as negociações caóticas para o resgate do Lehman Brothers, em que autoridades dos governos norte-americanos e britânicos, representantes do Banco Central, grandes investidores e bancos estiveram envolvidos – sabemos hoje que essas negociações, que ocorreram entre sexta-feira, 12 de setembro a domingo, 14 de setembro de 2008, formam o enredo de um conto digno de Heinrich von Kleist, isto é, essas negociações se caracterizaram por circunstâncias infelizes, intenções em parte boas, em parte ruins, por mudanças bruscas de fortuna, por súbita peripetaia, por acidentes, teimosia mesquinha, erros e mal-entendidos. E sabemos hoje – o jornalista James Stewart escreveu uma matéria detalhada no The New Yorker – que as conversas telefônicas e encontros informais entre Henry Paulsen (que saiu da Goldman Sachs para se tornar Secretário da Fazenda), Ben Bernanke, Timothy Geithner, Hector Sants (da Autoridade de Serviços Financeiros Britânicos), Kennet Lewis (Presidente do Bank of America), Bob Diamond (Presidente da Barclays), Warren Buffet, J. Cristopher Flowers e diversos representantes da JP Morgan, Citigroup, Credit Suisse, Merill Lynch, Morgan, Goldamn Sachs – que esses encontros e conversas

The Sovereignty EffectPor Joseph Vogl

Page 8: Seminário Internacional de Economia Alternativa - Compartilhar e Trocar

fracassaram no domingo, por muito pouco, e então colocaram em movimento a maior crise econômica mundial desde 1929. No fim, tiveram que admitir: “Não sabemos como isso aconteceu”.

Esse conto financeiro kleistiano parece ser um bom exemplo, uma boa ilustração de como as decisões de impacto global são tomadas no regime econômico: em reuniões improvisadas entre agentes políticos e econômicos, públicos e privados, com um prazo final ditado pelos mercados financeiros… tudo isso determinou em setembro de 2008 o destino de nossas economias e sociedades.

Poderíamos dizer que as negociações caóticas durante o resgate do Lehman Brothers – ou a crise política europeia atual – representam o que eu gostaria de chamar de uma informalização de significativas decisões políticas, isto é, uma informalização em termos tanto de procedimentos quanto de autoridades. Comissões de especialistas, conselhos governamentais, comitês ad hoc, os ditos Troikas (na Europa) e outros assumiram de fato o papel de governo e são legitimados somente pela situação extraordinária, por eventos extraordinários e estados de exceção. Seria possível chamar isso de um estilo particular de política, e em termos de percepção política ou uma taxonomia política, gostaria de caracterizar essas atividades, esta política de medidas emergenciais de forma mais precisa – na esperança de encontrar um conceito significativo para entender esta situação.

A primeira característica e o ponto inicial para a coisa toda é – como eu já disse – uma situação de emergência, uma situação excepcional, se preferir, um tipo de estresse político que força a ação política de uma forma ou outra. Não é possível não agir. Isso era verdade em 2008 e é verdade hoje, sob a bandeira de salvar o euro. A primeira característica é a compulsão de agir.

Segunda característica: essa situação incomum se reflete, acredito, em reações e medidas incomuns ou, pelo menos, nada cotidianas. Essas medidas – e todos sabem quais são – operam em um espaço sem regras; elas exploram regras que não estão legalmente definidas; frequentemente passam por cima de normas legais ou as suspendem temporariamente; normas como, por exemplo, leis orçamentárias. E, por fim, elas levam a consequências que são irreversíveis; elas, portanto, têm um certo senso de finalidade. Após essas decisões, o mundo está simplesmente diferente.

Terceira característica: essas medidas não somente estão relacionadas ao interesse público ou ao bem comum (o que quer que seja), como são legitimadas pelo interesse público e o bem comum. Mas para ser eficiente, elas devem ser decididas sem o controle público; pense nas consultas sobre o resgate da Lehman Brothers, negociações secretas, ou pense sobre as reuniões secretas do governo no início do resgate ao euro, que só vieram à luz devido a diversas indiscrições e vazamentos. Seu lugar, seu palco é obscuro.

Quarta característica, e esta é fundamental: essas medidas devem obedecer uma determinada economia de tempo. Elas são prescritas ou ditadas pelas dinâmicas de eventos financeiros, isto é, pela velocidade desses eventos e seu potencial para súbita escalação. Em todas essas medidas, sempre é uma questão do momento kairológico, o kairós, o momento propício: um imperativo temporal que necessariamente está em desacordo com a deliberalidade da tomada de decisão democrática, com sua longa duração e até mesmo atraso, com a aceitação da sociedade civil. Por um lado, os ditames de curto prazo dos eventos financeiros e, por outro, a longa duração dos procedimentos democráticos, civis e mesmo jurídicos para aceitação e tomada de decisão.

Isso necessariamente leva – e esta é uma quinta característica – a um dilema político, e o uso de medidas extraordinárias – como tentei delinear aqui – necessariamente colide com as normas

imanentes do próprio sistema político, com as normas dos procedimentos democráticos, com as normas dos procedimentos parlamentares, talvez até mesmo com as normas da lei e da justiça (isto é, as normas do Rechtsstaat: não é coincidência que as medidas para resgatar o euro foram questionadas na corte constitucional alemã). Existem, portanto, problemas inevitáveis de legitimação De fato, existem furos na legitimidade desse estilo de política.

Por fim, acho que é possível registrar outras duas características: primeira, estamos lidando com medidas ou decisões em que o bem-estar de um ou outro grupo social está sendo sacrificado – é uma necessidade –, pelo benefício do bem comum, pela nação, ou outro valor maior. Os debates europeus sobre a Grécia demonstram isso claramente. A Chanceler Angela Merkel colocou a situação de forma bem direta: “As regras não podem ser orientadas à fraqueza, mas à força. Esta é uma mensagem difícil. Mas é uma necessidade econômica. Isso deve ter consequências para a União Europeia” (James, 384). Nos Estados Unidos, os resgates financeiros de grandes instituições (como a AIG) foram feitos às custas de proprietários individuais. Há um sacrifício “necessário”. E, por outro lado, como já sugeri, o que está acontecendo aqui é uma prática de governança que se caracteriza por consórcios de agentes políticos e econômicos, públicos e privados. Seria quase possível falar enfática e informalmente em “comitês de bem-estar” ou “soviéticos financeiros”, que adquiriram, ao menos temporariamente, um poder de ação quase soberano.

Essas são as características que eu gostaria de usar para descobrir as políticas de tomada de medidas. Primeiro, uma situação incomum; e segundo, as medidas incomuns correlacionadas, que, terceiro, são tomadas sem o controle ou supervisão do público, e quarto, sob significativa pressão de tempo e com uma certa coação. Quinto, interesses privados são sacrificados. E sexto, tudo isso acontece em comitês mais ou menos informais. Se buscamos, então, uma compreensão conceitual desse perfil de ação, se presumimos que as análises políticas sempre envolvem trabalho conceitual, se queremos, então, utilizar uma abordagem conceitual ou sistemática aqui, precisamos certamente olhar para um campo mais antigo, para a tradição mais antiga da raison d’etat, ou “razão de estado”, para um tipo de ação política que busca reafirmar o status quo – as coisas como estão – por todos os meios possíveis, independentemente de qualquer forma de governo. Mas tem mais. Com um pouco de precisão filológica, que eu gostaria de considerar minha área de expertise, com essa precisão, todas as características e componentes que tentei delinear aqui apontam para um tipo de ação que foi descrita por um bibliotecário e secretário de cardeal francês no século 17 (ele foi, entre outras coisas, o bibliotecário do Cardeal Jules Mazarin). Esse bibliotecário, secretário de estado e jurista, que se chamava Gabriel Naudé, provavelmente não seja tão desconhecido assim. Em 1639 ele descreveu detalhadamente o tipo de ação que eu delineei aqui e chamou de coup d’état. Em seu livro Considérations Politiques sur les Coups-d’État (Considerações Políticas sobre Golpes de Estado, que foi publicado somente em uma edição de 20 cópias), Naudé propôs um tipo de mecânica política ou teoria de forças, uma teoria barroca de poder, um guia político para o segredo e a prudência, uma ciência política “agridoce”; e ao fazer isso, ele juntou a maioria dos elementos que eu descrevi: uma situação de estresse político, casus extremis necessitate, uma súbita, extraordinária e singular intervenção pelo regente, o deixar de lado das considerações legais, o sacrifício necessário dos interesses privados seguindo um critério e a favor do bem comum e, acima de tudo, correlacionado com o citado acima, a preservação, não o rompimento, da ordem política atual. A questão do golpe de estado está relacionada à busca por meios adequados em um caso concreto para alcançar um objetivo concreto. É uma questão de ações extraordinárias em situações

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extraordinárias, que não podem ser generalizadas e, portanto, permanecem sempre além de qualquer regra, por assim dizer.

E essa seria minha primeira, um tanto enfática, tese, para ter um panorama claro, talvez mais que nítido, da situação política atual. A emergência financeira dos últimos anos provocou uma forma de ação governamental que, em sua lógica, em seu efeito e em sua informalidade, circula na esfera de um constante coup d’état, um termo que entendo como técnico, um terminus technicus e não como polêmico. (A propósito, com o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), o fundo de resgate permanente, cuja constitucionalidade é frequentemente questionada na Alemanha, tais estruturas são intencionalmente perpetuadas. O poder de decisão pertence a um dito “conselho do governante”, que pode decidir a qualquer momento empregar os fundos, até 700 bilhões de euros; e os membros desse conselho do governante são supostamente completamente imunes a qualquer investigação ou perseguição; ninguém tem poder para mandar contra o que eles fazem; estão fora de qualquer forma de controle jurídico e parlamentar: uma organização quase soberana.) Em termos gerais, estamos lidando com autoridades e procedimentos de tomada de decisão informais, em que questões de procedimentos democráticos – por definição – não desempenham mais qualquer papel.

Segunda tese. Considerando tudo, parece-me inútil pensar, como sempre, no estado e nos mercados, na política e na economia como opositores ou antagonistas. Pelo contrário, acho que uma oposição desse tipo – estado e mercado – distorce nossa visão de prática governamental e tomada de medida econômica. Acredito que essa oposição não consegue fazer justiça à organização de poder no sistema econômico atual. E acho que essa oposição tampouco descreve ou entende suficientemente as dinâmicas e a história do capitalismo em capítulos como a crise atual. A propósito, vocês todos sabem que o sistema de mercados financeiros atual só pôde ser estabelecido na década de 1980, com a ajuda de frequentes intervenções políticas por Thatcher e Reagan. E gostaria de relembrar aqui, como exemplo, um 11 de setembro diferente do que o que vocês lembram. Foi o 11 de setembro de 1973, o dia do golpe militar no Chile, que possibilitou a combinação de duas facetas entre governo autoritário e liberalismo de mercado. No dia seguinte, 12 de setembro, o Chile tinha um programa econômico de quinhentas páginas, o chamado “tijolo”, ditado pela Escola de Chicago, sob a liderança de Milton Friedman. Este documento continha tudo que nos diz respeito hoje, e que também concerne o Chile hoje: privatização de empresas, privatização da educação, da saúde e do cuidado ao idoso, desregulamentação dos mercados, especialmente mercados financeiros, cortes orçamentários para programas sociais e, claro, a destruição dos sindicatos chilenos. O que quero sugerir é: esse e outros exemplos, bem como nosso sistema econômico como tal, aparecem para exigir uma perspectiva fundamentalmente estereoscópica, que pode acompanhar a coevolução dos estados e mercados, das estruturas políticas e das dinâmicas econômicas. O desenvolvimento do capitalismo como um todo – aqui eu sigo as instruções de autores como Braudel e Wallerstein – só pode ser explicável por uma sinergia de instituições políticas e forças econômicas; o desenvolvimento do capitalismo – como na Holanda nos séculos 16 e 17, que Marx chamou de “nação capitalista por excelência” – se deve a uma acumulação de riqueza, que só foi possível pelas redes financeiras, instituições de crédito público, estruturas monopolísticas e garantias de estado. Uma associação entre empresários holandeses, por exemplo, que foi uma das primeiras empresas com ações, a Companhia das Índias Orientais, recebeu imediatamente poderes de soberania (o direito de entrar em guerra e de assinar tratados) na Índia Oriental – e essa foi uma das primeiras grandes empresas a acumular incríveis riquezas.

E esta ligação, se posso acrescentar, já era parte da doutrina do assim chamado liberalismo, por sua história e seu formato atual. O

que é chamado liberalismo, o que é chamado de liberalismo econômico, historicamente nunca existiu como a regra que obedece a mecanismos puros de mercado. Muito pelo contrário. Desde o século 18, o foco do liberalismo é tentar regular o campo social totalmente através de princípios econômicos. Desde o surgimento dos estados territoriais europeus, boa governança significa governança econômica. E isso queria dizer uma transformação significativa das estruturas de comando e de controle. O liberalismo desde o século 18 é indissociável de um estilo de governo que, ao introduzir estruturas de mercado, espera uma otimização da prática de governança por si só. O mercado deve supostamente completar e aperfeiçoar as práticas governamentais. Isso se torna ainda mais evidente, eu acho, nos programas e práticas atuais do que se chama neoliberalismo. Desde a década de 1980, economistas – incluindo vencedores do Prêmio Nobel como Gary S. Becker, de quem vocês podem ter ouvido falar – falam de forma bastante afirmativa sobre um “imperialismo econômico”, que é a resposta à questão de como todas as áreas da vida social podem se submeter aos “princípios econômicos”: educação, saúde, família, procriação, sexualidade, amizade, relacionamentos, criminalidade, em resumo, tudo que pode ser chamado de “capital humano”. Preços sombra são, então, definidos para instituições educacionais; preços sombra para cuidados com crianças ou altruísmo, com o objetivo de criar “incentivos” nessas áreas. E desde a década de 1980, micromercados, concorrência e o barulho da concorrência foram implantados com sucesso no cerne da sociedade. Por último, mas não menos importante, a chamada “Nova Gestão Pública” está tentando trabalhar com as instituições públicas, com as estruturas administrativas, de forma que possam ser adaptadas e se tornar um ídolo para o mercado. Quando as pessoas falam em “governança”, elas querem dizer: a consequente fusão das estruturas burocráticas com as dinâmicas econômicas. Um aparato de governo sombrio parece – como Janine Wedel menciona em seu livro Shadow Elite – não estar diminuindo, mas aumentando.

Minha segunda e agora previsível tese, portanto, seria: a oposição de estado e mercado, de estruturas políticas e dinâmicas econômicas, é, no máximo, uma lenda liberalista, que provavelmente surgiu da batalha bastante legítima contra os remanescentes do feudalismo e do absolutismo. Esta lenda certamente teve a função de ser uma narrativa inspirada na batalha pela liberdade individual e emancipação civil. Mas essa oposição distorce nossa visão de relações de poder concretas no “capitalismo democrático”, e no que tange o capitalismo democrático, estou muito mais interessado nas funções de uma máquina governamental bipolar, em que política e economia consequentemente influenciam uma à outra. Essa prática governamental só pode ser entendida hoje como um complexo político-econômico. Gostaria de entender isso como um desafio (ainda não finalizado) a uma teoria política realista: a questão de como a organização de poder está entrelaçada com a produção de valor ou de valor sobressalente.

Minha terceira e última tese: considerando esses emaranhados, que apenas delineei aqui, é possível observar ou registrar uma mudança desde a década de 1970, penso, talvez até uma drástica reorganização das relações de poder. Isso se percebe, é claro, no crescimento do poder de organizações transnacionais, como a OMC, o FMI, o Banco Mundial, a OCDE, isto é, organizações em que as políticas de programas de austeridade, de “programas de ajuste estrutural” iniciaram: a implementação de reformas de política econômica, mas também, por exemplo, reformas de políticas educacionais internacionais. Mas acredito acima de tudo que a liberalização dos mercados financeiros – e isso é fundamental do meu ponto de vista – aumentou a codependência entre sistemas de mercados globais e estados nação. A dita desregulamentação dos mercados, especialmente mercados

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financeiros, não criou somente novas condições e oportunidades para o acúmulo de capital; também precisa ser entendido como uma nova ordem de governo, como a concretização de novas estruturas na coordenação da economia e do poder estatal. Chegamos a uma situação que se caracteriza por um financiamento de instituições e estruturas estatais.

Para onde devemos olhar para ter uma visão de tudo isso, para registrar essas mudanças na estrutura de poder? Acho que tudo isso se torna especialmente claro quando vemos o papel, a função e o status de bancos federais, nacionais e centrais, que representam um fator essencial nesse sistema. Não gostaria de me aprofundar mais na história dessas instituições, mas gostaria de ressaltar que bancos federais e centrais foram criados, em sua maioria, desde o século 17 como empresas privadas, que então receberam um monopólio estatal para a autorização de notas bancárias e dinheiro, um monopólio para a criação de moeda. Este foi o caso em 1694 com o Banco da Inglaterra, e este foi o caso muito tempo depois, em 1913 e após longos debates, com o Banco Central nos Estados Unidos. Mesmo em sua forma, em sua estrutura institucional, esses bancos centrais são híbridos público-privado, interfaces público-privado, ou se preferir, conversores entre interesses públicos e privados. Com esses bancos, uma ligação fundamental estado-finança se criou. O crédito público, isto é, a dívida estatal, foi causada não somente pelo estabelecimento de estados territoriais fortes, mas também por um sistema de impostos confiável, exércitos, e o poder da seguridade estatal. A função dos bancos nacionais e o crédito público era poder oferecer garantias estatais para empreendedores privados e, como vocês sabem, não é função deles servir como “credor dos últimos recursos”, isto é, eles regulam a circulação de dívida e crédito; eles são a pré-condição para o estabelecimento de estruturas de financiamento estáveis. E acredito que é possível reconhecer nesses bancos a instalação de um novo contrato social: a instalação de relações de obrigação econômicas e sociais que estão implícitas na circulação de crédito, na circulação de dívida. Os bancos centrais são, de qualquer forma, novos fatores na organização de poderes políticos e econômicos. Ao menos desde o século 19, uma mudança no poder de instituições políticas para bancos centrais vem acontecendo. É interessante que por volta de 1800, observadores alemães, românticos alemães, os representantes do romantismo político, como Adam Müller, já diziam, por exemplo, que o Banco da Inglaterra havia se tornado o verdadeiro “Centro” do Estado Inglês, que o Banco da Inglaterra era a “personalidade de todas as pessoas” e o “paladino do bem-estar estatal” e que o crédito público era, de fato, a alma do estado – os bancos centrais são, de qualquer forma, as agências centrais do capitalismo financeiro emergente.

E aqui, acredito, é possível ver uma mudança significativa desde a década de 1970, isto é, desde o fim do Acordo de Bretton Woods. Vocês conhecem as consequências do intervalo, o cancelamento desse acordo. Vou listar alguns elementos fundamentais: taxas cambiais flutuantes, o desregulamento dos mercados financeiros, a chamada revolução derivativa, a liberação dos mercados financeiros a partir da bolsa de valores, a fusão dos mercados de ação e financeiro (1986), a eliminação do Ato de Glass Steagall (1999), a multiplicação da razão de volume de troca nos mercados financeiros para os mercados de bens e serviços – só um exemplo: em 2007, o volume dos mercados financeiros era 73 vezes maior que o Produto Interno Bruto (PIB) mundial, mas isso é somente uma nota de rodapé. Nesses mercados, que vêm emergindo gradualmente desde a década de 1970, que se estabeleceram na década de 1990, uma dinâmica se estabeleceu e passou a interagir diretamente com a função política e pública dos bancos centrais.

Deixe-me concluir, sugerindo rapidamente o que isso envolve. Novos instrumentos financeiros, derivativos aparecem, e esses derivativos têm uma capacidade miraculosa e artística – isso é fundamental – de transformar qualquer forma possível de capital em dinheiro, isto é, de torná-lo líquido. Esses derivativos funcionam como substitutos para o dinheiro, como dinheiro em potencial. Isso significa que os próprios mercados financeiros agora têm a habilidade de criar dinheiro, de criar liquidez. E isso significa, por sua vez – e acho que isso não é um show secundário ou subtrama –, que houve uma transferência do monopólio de liquidez dos bancos centrais para os mercados financeiros. Seria possível dizer, portanto: o valor das moedas – e tudo que está atrelado a ele, todas as consequências que têm para as economias nacionais – o valor das moedas tem uma nova base; essa base é a comercialização privada com produtos financeiros privados. Isso tem, ao menos, três consequências – que posso somente indicar aqui e fazer generalizações bem amplas (estou me apoiando em alguns estudos para tal).

Primeiro. Com essa criação de liquidez, isto é, com a eliminação da fronteira entre dinheiro e capital financeiro privado, a quantia de dinheiro é liberada do limite atualmente existente. Qualquer orientação acerca de somas concretas de dinheiro se torna difícil ou ilusória. E as políticas monetárias de bancos centrais, que ainda possuem modelos de equilíbrio acionário, essas políticas monetárias praticamente atingem seu limite. Ou falando de um modo mais simples: estamos lidando com a incontrolabilidade das somas de dinheiro em circulação.

Segunda consequência. Bancos centrais começam a assumir um novo papel. Como ficou evidente na última crise, esses bancos, que uma vez foram “credores dos últimos recursos”, isso é, uma rede de segurança para os mercados de capital, tornaram- se investidores ou tomadores dos últimos recursos. Bancos centrais e estados monetizaram as obrigações dos mercados de capital, e tornaram-se jogadores nesses mercados, e isso significa: as dívidas dos bancos privados são financiadas através de empréstimos em bancos privados. Estamos, portanto, lidando com processos contrabalançados, mas conectados. A nacionalização das dívidas privadas corresponde à privatização das dívidas nacionais. Os mercados financeiros estão diretamente integrados à administração das dívidas públicas.

A terceira e última consequência – e acho que essa é a consequência mais dramática para nós – é que a interdependência entre dinâmicas de mercado e estruturas estatais intensifica. Ou mais precisamente, as reservas de soberania estão sendo transferidas. O financiamento das últimas décadas levou não somente ao grave acúmulo de capital em determinadas mãos privadas, como também – na análise de Jeffrey Winters – a uma poderosa oligarquia, que força uma política radical de “defesa da riqueza” através de meios democráticos formais. O mercado e seus agentes tornaram-se uma espécie de Deus Credor, cuja autoridade formal decide sobre moedas, economias nacionais, sistemas sociais, infraestruturas públicas, poupanças privadas e mais. Esta é a minha última tese: a flutuação ou transferência de componentes de soberania política e o poder de tomar decisões para as dinâmicas, para as operações e os agentes, para o poder de decisão do mercado financeiro.

Deixe-me resumir brevemente e então finalizar minha palestra. Com minhas três teses brevemente analisadas, quis trazer à tona um pouco das relações de poder em nosso regime econômico, observando o funcionamento de uma máquina bipolar, que se caracteriza pela interdependência – também se poderia dizer interpenetração – do estado e do mercado. Em jogo estavam –

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deixe-me relembrar as teses – primeiro, uma informalização dos consórcios políticos e procedimentos de tomada de decisão; segundo, os imperativos da governança econômica, isto é, a colaboração de agentes políticos e econômicos (especialmente na doutrina liberalista); e três, a flutuação ou transferência de reservas de soberania para as dinâmicas de mercado. Em diversos respeitos, então, é possível falar aqui – e por isso o título da minha palestra – dos efeitos da soberania, dos efeitos de um poder de quase soberania que se libertou de seu código político, formal, legal ou institucional e uniu a política à instabilidade ou aos riscos dos mercados financeiros. Vistos juntos, a informalização das decisões políticas, as máximas da governança econômica e a transferência de reservas de soberania – tudo representa tanto um desafio prático quanto teórico. Por outro lado, somente essas intervenções políticas, que reduzem a dependência das instituições estatais dos mercados e mercados financeiros em particular podem abrir uma perspectiva em que os procedimentos de tomada de decisão

retornam ao horizonte do processo democrático. Todos os planos ou projetos atuais (como os deficit brakes, o “pacto fiscal” na Europa), todos os “regimes de austeridade” têm um efeito colateral fatal: eles programam uma ligação direta de economias nacionais e sociedade ao poder de decisão, mas também à instabilidade dos mercados financeiros.

Por outro lado – e isso seria uma consequência teórica – a questão da soberania deve ser separada da aplicação para todos os propósitos de teorias políticas mais antigas e deve ser reformulada no terreno político-econômico. A soberania, neste aspecto, não perdeu somente seu lugar; provavelmente é melhor falar de uma reserva ambulante de soberania, de um arcano flutuante. E, com relação à soberania, não é mais o indivíduo que decide sobre o estado de exceção – como disse Carl Schmitt –, a soberania é quem faz isso – como nos anos recentes –, transformando seus próprios riscos diretamente em perigos para todo mundo.

COMUNES | BUENOS AIRES +

KULTURSYMPOSIUM | WEIMAR

Como desdobramentos do Seminário Internacional de

Economia Alternativa, membros da Associação Cultural Vila

Flores foram convidados para participar de dois eventos

promovidos pelo Instituto Goethe e seus parceiros na

Argentina e na Alemanha.

Em maio de 2016, acontecerá o Encontro Internacional

Comunes em Buenos Aires, na Argentina. Na ocasião,

também estará presente Ricardo Orzi. Durante quatro dias,

serão tratados os seguintes temas: economias colaborativas,

cultura livre, produção de pares, cultura cooperativa, novos

direitos, tecnologias colaborativas, abundância, comunidade,

cultura de redes e economias emergentes.

Site do evento: http://encuentrocomunes.com

Já o Kultursymposium, em Weimar, tratará do tema "The

Sharing Game: Exchange in Culture and Society," de 1 a 3 de

junho de 2016 e reunirá artistas, jovens acadêmicos e

estudantes com especialistas e líderes de todo o mundo. O

filósofo e estudioso Joseph Vogl também participará do

encontro. Além do clássico formato de palestras e painéis de

discussões, o evento contará com metodologias de diálogo

como os Worldcafes, performances e intervenções artísticas.

Site do evento: http://www.goethe.de/ges/prj/ksw_neu/

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Correalização:

COMPARTILHAR E TROCARSeminário Internacional de Economia Alternativa

Goethe-Institut Porto Alegre

Rua 24 de Outubro, 112. Bairro Independência. POA/RS.

http://www.goethe.de/ins/br/poa/ptindex.htm?wt_sc=portoalegre

Associação Cultural Vila Flores

Rua São Carlos, 759. Bairro Floresta. POA/RS.

www.vilaflores.net