semi apostila de portugues para concurso 2013

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Perfil: Língua Portuguesa Ensinar português é respeitar, antes de tudo, a língua que o aluno traz. É saber não emudecê-lo em sua enunciação. É interagir com seus enunciados, fazendo aí ampliar a palavra que garante a expressão genuína da relação eu-outro. Esse professor e esse aluno devem construir juntos saberes e fazeres que os levem a compartilhar conhecimentos da língua e da literatura, vivenciar experiências tanto na grandeza da dimensão social, quanto no mergulho das singularidades do eu. Só assim se constroem sentidos e significados. Só assim se tece a ética da convivência, firmada no compromisso da liberdade. Saber lidar com o movimento pendular entre teoria e prática, tendo como norte o ato didático, é buscar intencionalidades para que os conteúdos sejam problematizados e as formas ajustadas em processos de criação. Competências do professor de Língua Portuguesa 1. Conhecer, compreender e problematizar o fenômeno linguístico e o literário nas dimensões discursiva, semântica, gramatical e pragmática. 2. Construir um olhar dialético, no espaço didático, entre o que é intrinsecamente linguístico e as instâncias subjetivas e sociais. 3. Reconhecer as múltiplas possibilidades de construção de sentidos, em situações de produção e recepção textuais. 4. Construir intertextualidades, analisando tema, estrutura composicional e estilo de objetos culturais em diferentes linguagens, tais como literatura, pintura, escultura, fotografia e textos do universo digital. 5. Reconhecer os pressupostos teóricos que embasam os conceitos fundantes da disciplina na práxis didática dos processos de ensino e de aprendizagem.

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Page 1: Semi Apostila de Portugues Para Concurso 2013

Perfil: Língua Portuguesa

Ensinar português é respeitar, antes de tudo, a língua que o aluno traz. É saber não emudecê-lo em sua enunciação. É interagir com seus enunciados, fazendo aí ampliar a palavra que garante a expressão genuína da relação eu-outro.Esse professor e esse aluno devem construir juntos saberes e fazeres que os levem a compartilhar conhecimentos da língua e da literatura, vivenciar experiências tanto na grandeza da dimensão social, quanto no mergulho das singularidades do eu.Só assim se constroem sentidos e significados.Só assim se tece a ética da convivência, firmada no compromisso da liberdade.Saber lidar com o movimento pendular entre teoria e prática, tendo como norte o ato didático, é buscar intencionalidades para que os conteúdos sejam problematizados e as formas ajustadas em processos de criação.Competências do professor de Língua Portuguesa

1. Conhecer, compreender e problematizar o fenômeno linguístico e o literário nas dimensões discursiva, semântica, gramatical e pragmática.

2. Construir um olhar dialético, no espaço didático, entre o que é intrinsecamente linguístico e as instâncias subjetivas e sociais.

3. Reconhecer as múltiplas possibilidades de construção de sentidos, em situações de produção e recepção textuais.

4. Construir intertextualidades, analisando tema, estrutura composicional e estilo de objetos culturais em diferentes linguagens, tais como literatura, pintura, escultura, fotografia e textos do universo digital.

5. Reconhecer os pressupostos teóricos que embasam os conceitos fundantes da disciplina na práxis didática dos processos de ensino e de aprendizagem.

6.Ampliar sua história de leitor, desenvolvendo maior autonomia e fruição estética.

7.Refletir sobre a prática docente, articulando dialogicamente os sujeitos envolvidos, os materiais pedagógicos, as metodologias adequadas e os procedimentos de avaliação.

8. Reconhecer o ato didático como processo dinâmico de investigação, intencionalidade e criação.

9.Saber criar situações didáticas que favoreçam a autonomia, a liberdade e a sensibilidade do aluno.

10. Desenvolver uma atuação profissional pautada pela ética e pela responsabilidade das interações sociais.

Habilidades do professor de Língua Portuguesa

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Estabelecer relações entre diferentes teorias sobre a linguagem, reconhecendo a pluralidade da natureza, da gênese e da função de formas de expressão verbais e não verbais.

2. Reconhecer a língua como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais e de experiências humanas manifestas nas formas de sentir, pensar e agir na vida social, com base na análise de sua constituição e representação simbólica.

3. Identificar e justificar marcas de variação linguística, relativas aos fatores geográficos, históricos, sociológicos e técnicos; às diferenças entre a linguagem oral e a escrita; à seleção de registro em situação interlocutiva (formal, informal); aos diversos componentes do sistema linguístico em que a variação se manifesta: na fonética, no léxico, na morfologia e na sintaxe.

4. Justificar a presença de variedades linguísticas em registros de fala e de escrita, nos seguintes domínios: sistema pronominal; sistema verbal e emprego dos tempos verbais; casos de concordância e regência nominal e verbal para recuperação de referência e manutenção da coesão do texto.

5. Analisar as implicações discursivas decorrentes de possíveis relações estabelecidas entre forma e sentido, por meio de recursos expressivos: utilização de recursos sintáticos e morfológicos que permitam alterar o sentido da sentença para expressar diferentes pontos de vista.

6. Identificar e justificar o uso de recursos linguísticosexpressivos em textos, relacionando-os às intenções do enunciador, articulando conhecimentos prévios e informações textuais, inclusive as que dependem de pressuposições e inferências (semânticas e pragmáticas) autorizadas pelo texto, para explicar ambiguidades, ironias e expressões figuradas, opiniões e valores implícitos, bem como as intenções do enunciador / autor.

7. Analisar, comparar e justificar os diferentes discursos, em língua falada e em língua escrita, observando sua estrutura, sua organização e seu significado relacionado às condições de produção e recepção.

8. Articular informações linguísticas, literárias e culturais, estabelecendo relações entre linguagem e cultura, comparando situações de uso da língua em diferentes contextos históricos, sociais e espaciais e reconhecendo as variedades linguísticas existentes e os vários níveis e registros de linguagem.

9. Relacionar o texto literário com os problemas e concepções dominantes na cultura do período em que foi escrito e com os problemas e concepções do momento presente.

10. Analisar criticamente as obras literárias, não somente por meio de uma interpretação derivada do contato direto com elas, mas também pela aplicação das categorias de diferentes obras de crítica e de teoria literárias.

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11. Analisar criticamente textos literários e identificar a intertextualidade (gêneros, temas e representações) nas obras da literatura em língua portuguesa.

12. Estabelecer e discutir as relações dos textos literários com outros tipos de discurso e com os contextos em que se inserem.

13. Reconhecer e valorizar a expressão literária popular, estabelecendo diálogos intertextuais com a produção literária erudita, identificando e justificando pela análise de texto, formas e modos de representação linguística do imaginário coletivo e da cultura.

14. Identificar as características de textos em linguagens verbais e não verbais, analisando e comparando suas especificidades na transposição de uma para outra.

15. Analisar criticamente propostas curriculares de Língua e Literatura para a Educação Básica, identificando os pressupostos teóricos nos processos de ensino e de aprendizagem de Língua Portuguesa, com base na metodologia indicada no Currículo do Estado de São Paulo para Língua Portuguesa.

16. Identificar a aplicação adequada de diferentes experiências didáticas para solucionar problemas de ensino e de aprendizagem de produção de texto escrito na escola, justificando os elementos relevantes e as estratégias utilizadas.

17. Identificar e justificar o uso adequado de diferentes teorias e métodos de leitura, em análise de casos, para resolver problemas relacionados ao ensino e à aprendizagem de leitura na escola.

18. Identificar e justificar o uso de materiais didáticos em diferentes experiências de ensino e de aprendizagem de língua e literatura, reconhecendo os elementos relevantes e as estratégias adequadas.

19. Identificar e justificar estratégias de ensino, em análise de casos, que favoreçam o processo criativo e a autonomia do aluno.

20. Justificar estratégias de ensino, em análises de casos, que possibilitem a fruição estética de objetos culturais.

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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional

17. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

SABERES DOCENTES E FORMAÇÃOPROFISSIONALEm Saberes Docentes e Formação Profissional, o autor pode-se conhecer as pesquisas feitas nessa área nos países mencionados e conhecer as discussões referente à formação profissional dos professores.O autor apresenta um panorama das pesquisas educacionais a partir de 90; destaca a avaliação das reformas implantadas até a virada do século com ênfase à formação profissional dos professores e à visão dos saberes; traz ao palco das discussões as experiências existentes na prática pedagógica no mundo anglo saxão e, mais recentemente, nos países europeus.Até a década de 80, as pesquisas não levavam em conta a experiência da sala de aula e existia uma cisão entre os conhecimentos oriundos da universidade e a realidade do cotidiano escolar. Na época, os pesquisadores revelavam suas pesquisas nas descobertas de teorias encontradas nas bibliotecas de universidades.Tardif em suas pesquisas não desconsidera, em hipótese alguma, a relação dos conhecimentos oriundos das universidades com os saberes extraídos e produzidos na prática docente. Como pesquisador, seus estudos defendem essa prática interativa entre saber profissional e os saberes das ciências da educação. De acordo com o autor, o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e, com os outros atores escolares na escola. Eis a razão do título do livro, Saberes docentes e formação profissional.O livro divide-se em duas partes inter complementares: o saber dos professores em seu trabalho e o saber dos professores em sua formação. Na introdução Tardif nos interpela com vários questionamentos e nos deixa inquietos e curiosos para conhecer as respostas. Quais os saberes que servem de base ao ofício de professor? Quais são os conhecimentos, o saber-fazer, as competências e as habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas escolas, a fim de realizar concretamente as suas diversas tarefas? Qual é a natureza desses saberes? Como esses saberes são adquiridos? Esses são alguns exemplos dentre tantos questionamentos apresentados. Na primeira parte encontram-se capítulos que esclarecem vários aspectos referentes aos saberes dos professores e a segunda parte constituída de três capítulos realiza uma análise dos resultados das pesquisas sobre os investimentos financeiros e das diretrizes para a formação do professor.No primeiro capítulo “Os professores diante do saber: esboço de uma problemática do saber docente”, o autor realiza a interlocução entre saberes sociais e educação, é dado ênfase que o professor é aquele que sabe alguma coisa e o ensina a alguém. É com muita propriedade, que Tardif apresenta os quatro saberes que constroem a profissão docente: os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica), os saberes disciplinares,os saberes curriculares e os saberes experienciais. É dada toda a ênfase aos saberes experienciais como aquele que surge na e pela prática, validados pelo professor e acoplados na constituição de seu profissionalismo. Nesse capítulo, também é feita toda uma revisão histórica, definindo os vários papéis exercidos pelo professor até a “conquista” da autonomia que começa a exigir do

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professor novas definições políticas e sociais na profissão.“Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério” é o segundo capítulo do livro e trata das questões de ordem da transformação que ocorre com a identidade profissional do professor ao longo dos anos. Os anos de profissão mudam a identidade profissional, assim como, a maneira de trabalhar. Nesse sentido, Tardif compactua com Schön, quando aponta que as aprendizagens profissionais são temporais e, que à medida que o tempo passa novas ações surgem a partir das experiências interiorizadas e reavaliadas. Tem-se o social como ferramenta de construção do profissionalismo docente. Para comprovar esse fato as pesquisas dos autores Raymond, Butt e Yamagishi (1993), de Lessard e Tardif (1996), de Tardif e Lessard (2000) são apresentadas para exemplificar a construção do profissionalismo através do coletivo e, várias falas de professores (sujeitos da pesquisa) ilustram as fases iniciais da carreira e as transformações oriundas da experiência que se acumula com o passar dos anos. Ou seja, o professor aprende a trabalhar trabalhando. Vários aspectos significativos dos saberes experienciais são apresentados e discutidos ao término do capítulo.O terceiro capítulo do livro, “O trabalho docente, a pedagogia e o ensino:interações humanas, tecnologias e dilemas”, apresenta uma discussão muito interessante do papel da pedagogia como instrumento de trabalho do professor.Discute as várias interações que se estabelecem no cotidiano pedagógico e as ferramentas utilizadas para essa interação. A coerção, a autoridade e a persuasão fazem parte das tecnologias da interação e são utilizadas pelo professor no processo pedagógico. O autor enfatiza que não tem sentido pensar conceitos como Pedagogia, Didática, Aprendizagem, dentre outros, sem integrá-los às situações concretas do trabalho docente. Outra observação realizada com precisão pelo autor, é a diferenciação entre o trabalho do professor e o trabalho industrial.Entre o trabalho pedagógico e o trabalho industrial a diferença reside na possibilidade de materialização, ou seja, no processo produtivo industrial a visualização dos resultados é desvelada com mais rapidez que no trabalho pedagógico.“Elementos para uma prática educativa” e “O professor enquanto ‘ator racional’” são o quarto e quinto capítulos. No quarto capítulo, o saber do professor é relacionado a alguns estereótipos designados à profissão docente. O ofício de professor é historiado desde a Grécia antiga. Na linha histórica do tempo, são apresentados autores como Platão, Aristóteles e Rousseau. Tardif retrocede na história e apresente a educação como arte, a educação enquanto técnica guiada de valores e a educação enquanto interação. No entanto, esses três aspectos da revisão histórica realizada por ele não esgotam a discussão e mais oito modelos recentes que integram a prática pedagógica são apresentados.

No último capítulo da primeira parte, Tardif apresenta porque se distancia da teoria de Schön, visão cognitivista, pois centraliza seus estudos na racionalidade docente, partindo das vivências/experiências que constroem seus saberes profissionais.A segunda parte do livro “O saber dos professores e sua formação“ é construída a partir do capítulo seis “Os professores enquanto sujeitos do conhecimento”, do capítulo sete “Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários” e do capítulo oito “Ambigüidade do Saber docente”.Nesses três últimos capítulos o autor discute os trabalhos de pesquisa (dos professores universitários), juntamente com o trabalho do professor (professor de ofício). Tardif é enfático ao apontar que não se pode mais cindir o trabalho do professor da pessoa do professor. Neste sentido, as

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universidades, que representam os grandes centros de pesquisa, precisam considerar o professor como o principal agente do sistema escolar. É nos ombros do professor que se encontra a estrutura responsável pela missão educativa. Portanto, é imprescindível que as pesquisas científicas de educação considerem o saber-fazer dos professores.

Tanto na América do Norte quanto na maioria dos outros países de cultura anglo-saxônica (Austrália, Inglaterra, dentre outros) e de forma mais recente em parte da Europa (Bélgica, França, Suíça) a preocupação com o resgate ao valor profissional dos agentes educativos, mas especificamente do professor, tem sido alvo de discussões para fundamentar novas epistemologias ao ofício.Diante desse fato, Tardif discute a questão da inclusão dos saberes do professor de ofício (aquele que atua na sala de aula) nas pesquisas realizadas pelos professores universitários (pesquisadores). O saber-fazer existente na prática do cotidiano escolar e, representado naquilo que o autor denomina de subjetividade do trabalho docente, deve ser incorporado à pesquisa universitária e aproveitado para a formação de futuros professores. Desta forma, o autor apresenta alguns modelos implantados em outros países na formação de futuros professores, como no caso do modelo inglês, que desde 1992 dois terços da formação inicial foi transferida para o meio escolar. Talvez utopia para a realidade brasileira, mas vale a pena observar os resultados dessa iniciativa.Nas considerações finais, Tardif apresenta a discussão das reformas implantadas no sistema educacional norte-americano e canadense e a diferença entre o real e o ideal para a consolidação de uma formação docente almejada. Mesmo nos países desenvolvidos os investimentos financeiros não são suficientes para atender ao desejo da reforma, assim como, proporcionar aos professores das universidades as devidas horas para que pudessem acompanhar os alunos da formação inicial nos projetos e pesquisas no interior dos muros escolares.

CONCLUSÃO

Fica o desafio para superar ou amenizar aquilo que o próprio autor apresenta em um dos capítulos: existe a forte disputa e divisão na profissão docente e que fere a si mesma. Na profissão docente os professores se criticam entre si; os professores do ensino médio criticam as competências dos professores do ensino fundamental, estes reclamam dos professores da educação infantil e dos professores da universidade alegando que estes últimos vivem em redomas de vidro (mas precisamente em redomas de livros e teorias). Para enaltecer e resgatar o valor da docência faz-se necessário à coesão entre as diferentes categorias de ensino, para juntas discutir e melhorar o ofício que se tem em comum.É um livro que os interessados nos debates Saberes Docentes e Formação Profissional não podem deixar de conhecer. Essa leitura nos aproxima dos dilemas educacionais da profissão docente apresentando várias reflexões e alternativas para a realidade pedagógica e para as pesquisas universitárias.

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Philippe PerrenoudDez Novas Competências para EnsinarPorto Alegre (Brasil), Artmed Editora, 2000.

Obra originalmente publicada sob o títuloDix nouvelles compétences pour enseigner. Invitation au voyageParis, ESF, 1999.

O oficio de professor está se transformando: trabalho em equipe e por projetos, autonomia e responsabilidades crescentes, pedagogias diferenciadas, centralização sobre os dispositivos e as situações de aprendizagem…

Este livro privilegia as práticas inovadoras e, portanto, as competências emergentes, aquelas que deveriam orientar as formações iniciais e continuas, aquelas que contribuem para a luta contra o fracasso escolar e desenvolvem a cidadania, aquelas que recorrem à pesquisa e enfatizam a prática reflexiva.

Dez grandes famílias de competências foram escolhidas e desenvolvidas:

Organizar e dirigir situações de aprendizagem;

Administrar a progressão das aprendizagens;

Conceber e fazer com que os dispositivos de diferenciação evoluam;

Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; Trabalhar em equipe;

Participar da administração da escola;

Informar e envolver os pais;

Utilizar novas tecnologias;

Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão;

Administrar a própria formação continua.

Pode-se utilizar este livro como um referencial coerente orientado para o futuro, um guia destinado àqueles que procuram compreender para onde se encaminha o ofício de professor.

ISBN 85-7307-637-2

Sumário

Introdução: Novas competências profissionais para ensinar

1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem

Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem

Trabalhar a partir das representações dos alunosTrabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagemConstruir e planejar dispositivos e sequencias didáticasEnvolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento

2. Administrar a progressão das aprendizagens

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Conceber e administrar situações-problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos

Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensinoEstabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagemObservar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, de acordo com uma abordagem formativaFazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressãoRumo a ciclos de aprendizagem

3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação

Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turmaAbrir, ampliar a gestão de classe para um espaço mais vastoFornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldadesDesenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuoUma dupla construção

4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho

Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido do trabalho escolar e desenvolver na criança a capacidade de auto-avaliação

Instituir um conselho de alunos e negociar com eles diversos tipos de regras e de contratosOferecer atividades opcionais de formaçãoFavorecer a definição de um projeto pessoal do aluno

5. Trabalhar em equipe

Elaborar um projeto em equipe, representações comunsDirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniõesFormar e renovar uma equipe pedagógicaEnfrentar e analisar em conjunto situações complexas, práticas e problemas profissionaisAdministrar crises ou conflitos interpessoais

6. Participar da administração da escola

Elaborar, negociar um projeto da instituiçãoAdministrar os recursos da escolaCoordenar, dirigir uma escola com todos os seus parceirosOrganizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunosCompetências para trabalhar em ciclos de aprendizagem

7. Informar e envolver os pais

Dirigir reuniões de informação e de debateFazer entrevistasEnvolver os pais na construção dos saberes"Enrolar"

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8. Utilizar novas tecnologias

A informática na escola: uma disciplina como qualquer outra, um savoir-faire ou um simples meio de ensino?

Utilizar editores de textoExplorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do ensinoComunicar-se à distância por meio da telemáticaUtilizar as ferramentas multimídia no ensinoCompetências fundamentadas em uma cultura tecnológica

9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão

Prevenir a violência na escola e fora delaLutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociaisParticipar da criação de regras de vida comum referentes à disciplina na escola, às sanções e à apreciação da condutaAnalisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em aulaDesenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiçaDilemas e competências

10. Administrar sua própria formação continua

Saber explicitar as próprias práticasEstabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação continuaNegociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe, escola, rede)Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou do sistema educativoAcolher a formação dos colegas e participar delaSer agente do sistema de formação continua

Conclusão: A caminho de uma nova profissão?

Um exercício estranhoDuas profissões em uma?Profissionalizar-se sozinho?

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Gramática Pedagógica do Português Brasileiro

Com o objetivo de contribuir na formação dos docentes, Marcos Bagno traz, pela Parábola Editorial, o livro Gramática Pedagógica do Português Brasileiro. A obra já pode ser encontrada nas livrarias.

Ela tem como objetivo permitir que os professores de português e de outras disciplinas conheçam mais profundamente e com melhores bases teóricas o seu objeto de trabalho, o português brasileiro. As propostas contemporâneas de educação em língua materna rejeitam veementemente o tradicional “ensino de gramática”, no qual a maior parte do tempo dedicado às aulas de língua era gasto com fixação de nomenclatura e análises de frases soltas e descontextualizadas.

QUAL O PROJETO DESTA GRAMÁTICA?Marcos Bagno: Trata-se de uma obra que pretende descrever o português brasileiro contemporâneo, com atenção especial para as variedades urbanas cultas, isto é, os modos de falar e de escrever das camadas socioeconômicas urbanas mais letradas. Mas não é apenas mais uma descrição. Esta é a primeira obra publicada no Brasil que propõe a plena aceitação das características próprias da nossa língua. Assim, ela vai na contramão das manifestações puristas dos meios de comunicação, que ainda insistem em classificar como “erro” usos documentados há mais de um século na língua falada e também na língua escrita dos brasileiros mais letrados, incluindo nossos melhores escritores.

POR QUE ESSA INSISTÊNCIA EM CLASSIFICAR ESSES USOS COMO “ERRADOS”?Marcos Bagno: Porque nossa tradição gramatical e pedagógica ainda sofre de um arraigado espírito colonizado. Muitos desses supostos “erros” só recebem essa classificação porque não fazem parte dos usos dos portugueses, do outro lado do Atlântico. Pode parecer inacreditável, mas muitas das prescrições da pedagogia tradicional de língua até hoje se baseiam nos usos que os escritores portugueses do século XIX faziam da língua. Se tantas pessoas condenam, por exemplo, o uso do verbo “ter” no lugar de “haver”, como em “hoje tem feijoada”, é simplesmente porque os portugueses, em dado momento da história de sua língua, deixaram de fazer esse uso existencial do verbo “ter”. No entanto, temos registros escritos da época medieval em que aparecem centenas desses usos. Se nós, brasileiros, assim como os falantes africanos de português, usamos até hoje o verbo “ter” como existencial é porque recebemos esses usos dos nossos ex-colonizadores. Não faz sentido imaginar que brasileiros, angolanos e moçambicanos decidiram se juntar para “errar” na mesma coisa. E assim acontece com muitas outras coisas: regências verbais, colocação pronominal, concordâncias nominais e verbais etc. Temos uma língua própria, mas ainda somos obrigados a seguir uma gramática normativa de outra língua diferente. Às vésperas de comemorarmos nosso bicentenário de independência, não faz sentido continuar rejeitando o que é nosso para só aceitar o que vem de fora. Não faz sentido rejeitar a língua de 190 milhões de brasileiros para só considerar certo o que é usado por menos de dez milhões de portugueses. Só na cidade de São Paulo temos mais falantes de português do que em toda a Europa!

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Lingüistas no paiol dos gramáticos revista nova língua.

Obra de Marcos Bagno reforça a importância de pesquisadores da linguagem entrarem numa seara antes exclusiva dos gramáticos normativos

Sírio Possenti

Na abertura do mais recente congresso da Associação Brasileira de Linguística (Abralin), realizado há um ano em Curitiba, falaram linguistas gramáticos da Espanha, de Portugal e do Brasil. Comemorava-se, de certa forma, a chegada dos linguistas a um campo que em geral não frequentam. 

As gramáticas que então foram apresentadas (faltou a de Mário Alberto Perini) são obras que não têm "intenção" pedagógica. Elas consolidam pesquisas que cobrem, de certa forma, toda a língua, o que é raro no trabalho de um linguista (na verdade, de qualquer cientista: são poucos os que escrevem "manuais"). Cientistas são especialistas em terrenos circunscritos.

Marcos Bagno acaba de publicar sua Gramática Pedagógica do Português Brasileiro (Parábola Editorial, 1.056 páginas, R$ 120). O título é significativo das pretensões da obra. É umagramática: apresenta regras, no sentido de regularidades; é pedagógica: implica que deseja ser lida nas escolas, com o objetivo de, ao mesmo tempo, descrever / explicar fatos do português (as diversas variedades) e de selecionar o que deve ser aprendido pelos alunos; e trata do português brasileiro: uma variedade (também internamente variada) particular do português que, a seu ver, deve ser a ensinada nas escolas.

Sem aceitar tudoEsta questão, se relevante (tanto para a questão nacional quanto para a política de ensino), é a menos explicitamente revolucionária em uma gramática, por uma razão muito simples: as diferenças que repercutem no ensino da língua não são numerosas. Referem-se a poucas questiúnculas, dentre as quais a colocação dos pronomes átonos. O português brasileiro é francamente proclítico ("Me dá um dinheiro"). Bagno, como numerosos outros estudiosos, não vê nenhum problema em aceitar oficialmente esta regra (que Cunha e Cintra, aliás, também "aceitam" em sua gramática, mas ninguém percebe).

Decorrente desta mesma posição, a gramática de Bagno propõe que a escola e a "sociedade" aceitem que o português brasileiro culto é diferente do português culto que imaginariamente se fala ou escreve. Bagno "prova" o que diz, citando numerosos dados. E não propõe, como pensam os que só o conhecem pelas polêmicas, que a escola "aceite tudo". Apenas propõe, com clareza, que sejam aceitas como corretas, sejam avalizadas, não mais consideradas como erros, e não se reprove alunos mais por causa delas, construções extremamente frequentes, embora não exclusivas, nos textos dos

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profissionais das escrita, especialmente da escrita da mídia. Para ser mais preciso, da mídia linguisticamente conservadora. 

Para todas as questões gramaticais relativamente candentes analisadas, a gramática de Bagno mostra exaustivamente que muitas formas condenadas nos manuais de redação, por exemplo, são fartamente empregadas pelos melhores funcionários dos jornais ou das revistas, incluídos os articulistas, em geral intelectuais da academia. 

Em suma: com base nos fatos, numerosos fatos (não só atuais), e em teoria consistente, a obra propõe a adoção, como projeto educacional, do ensino do português culto falado e escrito de fato no Brasil. Trata-se da fala e da escrita cultas, não das populares: ou seja: o autor nem é "radical"...

Para exemplificar: sugere que não se considerem erros construções como "Vende-se cachorros" ou "A casa que o jardim (dela) é bonito" ou "Mandei ele sair". 

Por várias razões: 

a) são empregadas por falantes cultos; 

b) seguem uma deriva histórica da língua, ou seja, têm uma boa explicação histórica, não são frutos do desleixo; 

c) não há prejuízo para sua "compreensão". 

Ofendem ouvidos? Pode ser. Mas muito poucos, porque, como os dados mostram, as formas defendidas como as únicas corretas não são empregadas nem por seus defensores (professores, escritores e intelectuais variados). 

Tradicional inovadorAnoto, por extremamente relevante, que o autor repete insistentemente que o ensino das formas "tradicionais" tem lugar na escola (e sugere como ensiná-las). Ou seja: longe de combatê-las, considera que a escola tem a obrigação de ensiná-las, e de uma forma que sejam aprendidas, para que sejam empregadas nos textos que se espera ou se exige que sejam mais monitorados (eis uma forma de ensinar adequadamente os tais gêneros). 

Mas a obra não é só uma proposta de ensino mais realista, que se aplique a ensinar o português culto do Brasil nas escolas brasileiras. É também uma gramática no sentido mais estrito: contém descrições e explicações para numerosos fatos. Muitos dos eventuais críticos terão trabalho para lê-la. Suarão com as teorias invocadas, porque pensam que só existem as que leram

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nas gramáticas mais tradicionais, das quais em geral apenas conhecem o traço normativo. 

A obra tem pouco mais de 1.050 páginas. É óbvio que aqui não posso comentá-la em detalhe. Anoto só algumas características marcantes. Um capítulo introdutório comenta concepções filosóficas clássicas das línguas (sem repetir o blá-blá-blá comunicativo) e as questões políticas nas quais estão sempre envolvidas, entre as quais a questão colonial, que, no caso, ainda implica que se pense que o único português é o de Portugal, e seria o de Camões. 

Outro tópico inovador é uma apresentação da história do português brasileiro. O que mais chama a atenção nos capítulos dedicados a esta questão é que regras que mudaram o português, desde seus tempos de latim até hoje, continuam funcionando: a variação interna do português atual replica muitos fenômenos que fizeram com que a língua seja como é, diferentemente do italiano, do espanhol ou do latim vulgar. As primeiras 400 páginas jogam o leitor nesse mundo das línguas e da acumulação de conhecimento sobre elas - e sobre a nossa, que já é grande. 

HistóriaAnoto, por ser raro em obras dessa natureza, a menção a muitos fatos análogos, semelhantes ou diferentes, que ocorrem em muitas línguas. Além do valor intrínseco dessas informações, elas têm o papel de mostrar que as línguas são fenômenos cheios de diferentes soluções para o mesmo "problema" (como dizer X), mas também que a mesma estrutura ocorre em línguas nas quais menos se espera encontrá-la. É um prato cheio para os curiosos por informações que fazem pensar. 

Depois a obra entra diretamente em questões de análise do português brasileiro. Na segunda "metade", está mais próxima das gramáticas que conhecemos, dadas as questões de que trata. Há discussão sobre as categorias (o que é um verbo, um nome um advérbio... etc.) e há tomada de posição em relação a elas. O autor defende, geralmente, que as categorias são um pouco fluidas e, em seu interior, continuam ocorrendo processos de gramaticalização, um dos fatores que impedem uma classificação mais rígida. A perspectiva geral adotada é funcionalista (inclusive com algumas estocadas nos formalistas), compatível com certa concepção da história e da variação interna das línguas. 

Convincente

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As análises, e principalmente as reanálises, sempre fundadas em numerosos fatos, são bastante convincentes, mesmo as "novas", como a proposição de verbos apresentacionais ou do caso absolutivo, que obrigam a rever velhas categorias com as quais as gramáticas escolares nos acostumaram. Algumas podem ser discutidas, ou são mais discutíveis do que outras (p. ex., se verbos podem ser ora transitivos ora intransitivos, a análise de estruturas como "Mandei ele / o sair" etc.). 

Outra vantagem de uma obra como esta é que ela defende uma teoria, e explicita sua origem e sua dimensão política. Mas é obra de pesquisa, mesmo se propondo pedagógica, posição que é óbvia em qualquer ciência (não se ensina que crianças são trazidas por cegonhas nas aulas de biologia). Não se apresenta como sendo a palavra da tradição, que sempre esconde suas origens e desígnios. Trata de fatos. Neste sentido, avança no caminho aberto pelas obras anteriores do autor. 

A gramática de Bagno deveria ser lida, estudada, debatida, e não só por professores de português. Que não seja descartada só porque não repete o que pensamos ou pensamos que sabemos. Deixaríamos de perder muito tempo. E muita discussão besta desapareceria.

autor sugere que não se considerem erros construções como "Vende-se cachorros" ou "Mandei ele sair", pois são usadas por falantes cultos e com justificação histórica, não sendo mero desleixo

A nova era dos gramáticos

As obras do século 21 que abrem espaço a uma nova geração de gramáticos, vinda da linguística Por Luiz Costa Pereira Junior

Gramática de Usos do PortuguêsDe Maria Helena de Moura Neves (Editora Unesp, 2000, 1.073 páginas)

A obra parte da observação dos usos que podem ser confirmáveis no Brasil por meio de pesquisa. Refletindo sobre esses usos, oferece uma organização que os sistematiza. A professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e do Mackenzie encara a gramática da língua como a responsável pela produção de sentidos na linguagem, pelo entrelaçamento discursivo-textual das relações estabelecidas na comunicação cotidiana. Indicada a professores, a obra se notabilizou como fonte de consulta para planos de aula. Mesmo assim, busca situar o leitor

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leigo adotando a divisão tradicional em classes de palavras, a que ele está familiarizado na escola, como base de seus capítulos. 

Gramática do Português Culto Falado no Brasil (Editora Unicamp, 2007, 5 volumes)

Feita a partir de um corpus composto por gravações com a linguagem falada pela elite escolarizada, reúne o esforço de 32 pesquisadores de 12 universidades, desde 1988. O projeto retoma outra pesquisa, Norma Urbana Culta (NURC), que entre 1970 e 1978 gravou 1.500 horas de falas em cinco capitais (cada hora gravada produz 40 páginas de transcrição). Mas a descrição das gravações só encontrou a devida análise nesta gramática. Até então, os pesquisadores dividiram-se em grupos para entender a oralidade, a morfologia e o uso das palavras, a estrutura das sentenças, a construção dos sons e do sentido. O resultado é uma monumental contribuição à pesquisa. 

Gramática da Língua PortuguesaDe Maria Helena Mira Mateus, Ana Maria Brito, Inês Duarte, Isabel Hub Faria (Editora Caminho, 2010, 5ª edição, 312 páginas, 50 euros)

Publicada pela primeira vez em 1983, esta gramática portuguesa está em sua 5ª edição. O significativo trabalho de revisão deu à obra portuguesa maior poder descritivo, estilo menos tecnicista que nas outras edições e cobertura linguística mais ampla. Embora esta gramática não seja normativa, a variedade da língua estudada é a norma-padrão do português europeu: apresenta descrições e análises de aspectos da língua portuguesa. A obra tem o valor adicional para os brasileiros, pois é uma oportunidade de comparar trabalhos de linguistas de países lusófonos.

Gramática do português brasileiroDe Mário Alberto Perini (Parábola Editorial, 2010, 368 páginas, R$ 50)

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Perini criou uma gramática da variante brasileira do português. Ela não é, por isso, normativa (não se propõe instrumento que regule o bom uso da língua). A obra considera a gramática uma disciplina científica, tal como a astronomia e a história. Portanto, não é um conjunto de dogmas, sem espaço para debate, e não faz sentido só aprender uma lista de resultados. O estudo de gramática não leva alguém a ler ou escrever melhor. Por isso, o livro destinado a alunos e professores de letras busca mostrar, em cada caso estudado, por que se adota uma análise e não outra. 

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Nova Gramática do Português BrasileiroDe Ataliba Teixeira de Castilho (Editora Contexto, 2009, 768 páginas, R$ 70)

Professor da Universidade de São Paulo (USP), Castilho busca um retrato da língua tal como ela é falada no Brasil, com suas variedades. Mapeia as teorias e os diferentes modos como a língua é usada no país, dando a mesma importância de análise científica a fatos linguísticos considerados marginais pelas gramáticas tradicionais, mas em uso na comunidade de falantes do português brasileiro, como "Ni mim", "Tafalano no telefone?" e "Quem que chegou?". Sugere que estudemos não tanto ocorrências arcaicas, mas que se acrescente o estudo de formas de fato usadas diariamente em todo o país.

Sobre a Gramática (anti) pedagógica de Marcos Bagno

            Chegou recentemente às livrarias a Gramática pedagógica do português brasileiro, do Prof. Marcos Bagno (Parábola, 2011). Como se trata de um volume bastante alentado, com mais de mil páginas, torna-se difícil fazer, por ora, uma crítica minuciosa do trabalho. Além disso, a postura do autor é, de uma maneira geral, muito inovadora, o que torna mais difícil ainda uma avaliação justa, científica e despreconceituosa de toda a obra.

            Há, porém, dois aspectos da gramática que já podem ser analisados, por se tratar de posturas teóricas, relacionadas com todo o livro, e que, por um lado, sustentam positiva- mente a obra, mas, por outro, a inviabilizam, pelos motivos que exponho a seguir.

            Em primeiro lugar, o autor se declara contrário ao ensino da gramática na escola básica (fundamental e média). De fato, não faz sentido que um aluno de 12-13 anos estude a diferença entre um complemento nominal e um adjunto adnominal, entre um sujeito indeterminado e um sujeito inexistente ou entre uma oração subordinada substantiva predicativa e uma... Bem, não preciso ir adiante nessas considerações, que têm como objetivo a extirpação de todo esse entulho gramatical das salas de aula e dos compêndios didáticos. São vários os argumentos que conduzem a essa conclusão e que procurei demonstrar no meu livro Gramática: nunca mais – o ensino da língua padrão sem o estudo da gramática (WMFMartins Fontes, 2007). A principal razão, porém, resume-se no seguinte: o conhecimento teórico da gramática não leva o aluno a ser proficiente em português. Pelo contrário, o estudo da gramática afasta o aluno dos bancos escolares e lhe tira o prazer de estudar o idioma nacional.

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            Quanto a esse aspecto, Marcos Bagno pergunta, ao mesmo tempo em que afirma:    “Ou será que alguém acredita que é possível levar uma pessoa a dominar plenamente as habilidades de leitura e escrita obrigando ela (sic) a decorar a suposta diferença entre adjunto adnominal e complemento nominal?” (p. 22) Mais adiante, o professor continua: “Não se deve ensinar gramática na escola, mas quem ensina na escola deve conhecer muitíssimo bem a gramática!” (p. 29)

            Até aqui, tudo bem, concordo plenamente com a postura do autor. O grande problema dessa obra reside, porém, no tipo de linguagem que é apresentado como modelo da língua escrita padrão.           

A gramática tradicional apresenta duas faces, que muitas pessoas – mesmo os professores de português calejados – não conseguem discernir. De um lado, existe nos compêndios normativos uma teoria gramatical arcaica, ultrapassada, incoerente e autoritária. Via de regra, essa teoria não justifica seus pontos de vista. São dez as classes de palavras, pronto e acabou! Em vou ao cinema, o verbo é intransitivo e não se discute, apesar de todos os argumentos ao contrário. Leia-se, a propósito o livro do Prof. Perini Por uma nova gramática do português. Repetindo, para ficar bem claro: essa pseudo-teoria linguistica, como já expus longamente em meus livros e como defende também o Prof. Marcos Bagno, é perfeitamente dispensável do ensino do português.

            Outra coisa diferente é o modelo de linguagem apresentado pelas gramáticas tradicionais. Não estou discutindo as suas fontes, as suas abonações, enfim, o corpus ou os corpora em que se baseiam. Isso é outro problema. O certo é que o modelo de linguagem preconizado pelas gramáticas tradicionais é seguido, quase que integralmente, pelos suportes ou veículos que se dispõem a usar a língua padrão escrita. Não estou me referindo aqui à língua literária, à língua da publicidade ou às letras de música, por exemplo, já que se trata de gêneros textuais que não utilizam obrigatoriamente a língua padrão. Refiro-me ao português padrão escrito, aquele que é encontrado nas reportagens dos jornais e revistas de grande circulação, nos livros e artigos técnico-científicos, nas publicações dos tribunais, das assembleias e dos órgãos públicos, por exemplo. De fato, esse português padrão é bem uniforme no país inteiro. Dificilmente podemos distinguir um livro, um artigo científico ou mesmo um jornal publicado em Porto Alegre, Rio de Janeiro ou Recife. Há, inclusive, pesquisas sobre o assunto. Cito aqui as teses de doutorado da Prof.ª Rosângela Borges Lima (Estudo da norma escrita brasileira presente em textos jornalísticos e técnico-científicos – 2003) e da Prof.ª Rosilene Alessandra Marques (O padrão culto escrito em uso no Brasil em gêneros textuais do domínio jornalístico – 2010), ambas defendidas na Faculdade de Letras da UFMG.

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            Pois bem. É esse o tipo de linguagem que é ensinado nas escolas e que serve de modelo para que os alunos adquiram o português padrão, aquele mesmo que vai ser utilizado pelos futuros advogados, jornalistas, engenheiros, arquitetos, historiadores, etc., em seus trabalhos e em sua comunicação escrita formal.

            Não é essa, porém, a postura de Marcos Bagno. Em seu livro, o professor defende a posição de que o modelo de língua proposto no ensino de português seja o da língua falada urbana culta. Para ele, não mais o modelo de linguagem que é ensinado pelas gramáticas tradicionais; não mais o tipo de linguagem que é usado nos jornais e revistas de grande circulação, nos livros técnicos e científicos, nas publicações dos tribunais, dos órgãos públicos, etc. Numa atitude totalmente inovadora e solitária nos meios acadêmicos brasileiros, o autor defende a posição de que a línguafalada – pasmem, senhoras e  senhores, língua falada! –, usada pelas pessoas escolarizadas no dia a dia, nos seus momentos de desconcentração, deve ser o modelo do português padrão. É preciso considerar, porém, como todos nós sabemos, que existem diferenças marcantes entre a língua escrita e a falada, ou, mais especificamente, entre a língua usada em um livro de direito, por exemplo, e a língua falada espontânea de um advogado, de um jornalista ou de um professor de geografia. Mesmo a norma falada pelas pessoas escolarizadas difere substancialmente da norma escrita padrão. Isso é uma unanimidade entre os autores brasileiros e do mundo inteiro.

            Diz o autor, na p. 33 de seu livro: “ A norma-padrão tradicional acaba perdendo espaço para a norma real, habitual, normal, pelos usos feitos pelos falantes (grifo meu) em suas atividades linguísticas cotidianas. É dessa norma real, habitual, normal, que vamos tratar nesse (sic) livro”. Mais adiante, na p. 77, o professor volta a afirmar: “Por isso, se é para ensinar alguma norma, que seja, pelo menos, a norma real, o conjunto de variedades realmente empregadas pelos falantes (grifo meu) urbanos mais letrados”.

Cito a seguir algumas passagens do texto do próprio autor, extraídas daGramática pedagógica, em que foi seguido o modelo da norma culta falada:

    

“...levar uma pessoa a dominar plenamente as habilidades de leitura e escritaobrigando ela a decorar...” (p. 22)

“Boa parte disso tudo a gente aprende em casa... na nossa comunidade, nos grupos que fazemos parte, nas redes sociais que nos movimentamos...” (p. 28)

            “Me refiro aos dois títulos abaixo...” (p. 25)

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            “...já passou da hora de se considerar igualmente válido e igualmente correto dizer ‘vou ao cinema’, ‘vou no cinema’ ou ‘vou para o cinema’.” (p. 620)

            “Não existe vida social sem que se estabeleça normas para a conduta...” (p. 32)

            “No corpus do NURC-Brasil, existe 28 usos de tinha como apresentacional...” (p. 626)

             Seguem-se exemplos de citações extraídas do projeto NURC (uma ampla pesquisa, de cunho científico, que estuda a Norma Urbana Culta falada do português do Brasil). Segundo o autor da Gramática pedagógica, trata-se de modelos de linguagem que devem ser seguidos pelos alunos e pelas pessoas de um modo geral, quando forem usar a língua escrita formal em seus trabalhos escolares, relatórios, monografias, artigos técnicos e científicos, procurações, reportagens, ofícios, petições, sentenças judiciais, etc.:

            “...prefiro ir a teatro do que a cinema...quando o filme não é bom né?...” (p. 533)

            “...meu marido estava em São Paulo semana passada e obriguei ele a ir ao shopping...” (p. 597)

            “A capital cresceu e com o desenvolvimento veio também os problemas da cidade grande...” (p. 634)    

            “...ela também está não sei a impressão que eu tenho pelo menos...ela também está meia...desiludida...” (p. 675)

            “Tudo aquilo foi me deixando mais excitado ainda...Mas, ao mesmo tempo,uma dó danada daquela menina perdida lá na Europa...” (p. 692)

            “Aí pode ser pouquinha, pouquíssima coisa, mas que dê pra mim mastigar, porque se eu...” (p. 731)

            “...televisão e tudo quando aparece eu tenho a impressão que o trigo deve ser muito bonito.” (p. 896)

            “...tem essa amiga também que agora o...o marido foi de muda para Passo Fundo.” (p. 903)

            “...uma moça bem vestida me perguntou aonde ficava a rua.” (p. 929)

            A propósito: não faz sentido, em um trabalho acadêmico, a apresentação de alguns exemplos pinçados de fontes escritas, como faz o autor. Uma pesquisa desse tipo, que se proponha verdadeiramente científica, tem que ser exaustiva, como fizeram as professoras citadas no início deste texto.

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            A pesquisa desenvolvida pela Prof. Rosângela Borges Lima, por exemplo, que serviu como corpus para a sua tese de doutorado, demonstrou, à exaustão, que nos jornais e revistas de grande circulação, nos livros e artigos técnico-científicos, nos documentos oficiais, nas leis, enfim, nos suportes ou publicações onde se espera seja usado o português padrão escrito, de fato, o modelo de língua usado é aquele preconizado pela gramática normativa. É o que diz a professora na conclusão de seu trabalho: “O que observamos é, mais uma vez, nos textos escritos em linguagem formal, um alto grau de coincidência entre as escolhas feitas e as normas prescritas” (entenda-se: pela gramática tradicional). (p. 304)

            Para que se tenha uma ideia da “obediência” do português escrito padrão contemporâneo às normas da gramática tradicional, cito apenas alguns números da pesquisa (realizada com cerca de 11.000 exemplos). Os resultados refletem essa posição, de maneira inequívoca (cf. c. os anexos da tese):

Concordância verbal: sujeito posposto: 99,6% (de acordo com a gramática tradicional)

Colocação de pronomes átonos em início de oração e de período: 95,7% (idem)

            Concordância verbal – voz passiva sintética com 1 núcleo verbal: 91,6% (idem)

            Emprego de cujo: 100% (idem)

            Emprego de pronomes demonstrativos: 100% (idem)

            Emprego de pronomes pessoais: 96,5% (idem)

            Emprego de pronomes relativos preposicionados: 99,4% (idem)

              O Prof. Marcos Bagno renega, equivocadamente (como foi demonstrado), o modelo de linguagem proposto pela gramática tradicional – que ele rotula de norma-padrão clássica – por ser, segundo ele, “ideal, prescritiva e totalmente desvinculada dos usos autênticos do PB (português brasileiro).” (p. 21) Há aqui um tríplice engano: 1º) O português padrão proposto pelas gramaticas tradicionais não é “ideal”, pois está presente na maioria esmagadora dos textos escritos em que se espera que ele seja usado; 2º) O português padrão é “prescritivo”, sim, com muita honra, pois serve de modelo para aqueles que fazem uso da escrita formal. Esse é o papel das gramáticasnormativas ou prescritivas, como os próprios nomes indicam e como espera a sociedade em que vivemos; 3º) O português padrão, descrito pelas

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gramáticas, é, de fato, desvinculado dos “usos autênticos do PB”, porque não é seu objetivo descrever a língua falada, mesmo das pessoas cultas.

            Por fim, é preciso lembrar ao Prof. Marcos Magno que não cabe a ele propor uma “nova norma linguística para o ensino.” (p. 27) Não cabe a ele nem a ninguém – nem aos linguistas, nem aos gramáticos, nem aos professores de português, nem aos jornalistas, nem aos escritores, etc. Compete aos estudiosos simplesmente observar e descrever os usos reais da língua, como ensina qualquer manual elementar de linguistica descritiva. E a língua formal escrita do português contemporâneo é aquela que é apresentada pelas gramáticas tradicionais, com poucas modificações, como demonstraram as teses das professoras Rosângela Borges Lima e Rosilene Alessandra Marques.

            O meu temor é que essa Gramática (anti) pedagógica se alastre pelo país.

Senhores jornalistas, comunicadores, professores de português e de linguística e pessoas sensatas de um modo geral! Não permitam que o germe do obscurantismo e da insensatez penetre em nossas já tão combalidas escolas de ensino básico!  

Marcos Bagno, em entrevista, comenta sobre sua “Gramática pedagógica do português brasileiro”

Um dos pontos centrais da sua gramática é a proposta de que o ensino

do idioma nas escolas seja feito a partir da “norma urbana culta real” e

não da “norma padrão clássica”. O que constitui a “norma urbana culta”

brasileira?

A norma padrão clássica se baseia exclusivamente no uso literário, e mesmo

assim num uso literário muito restrito, numa literatura consagrada e tradicional

que os gramáticos consideram válida para entrar em seu trabalho. As

gramáticas de uso tentam primeiro estabelecer um corpus, um material

exemplar da língua viva falada e escrita. Quando falamos da norma urbana

culta brasileira contemporânea, temos um acervo com mais de cinco mil horas

de gravação de língua falada, que serve de base para trabalhos feitos nos

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últimos 30 ou 40 anos. Em vez de especular como falava Eça de Queirós,

verificamos como são as construções das frases do português brasileiro

contemporâneo. Podemos fazer o mesmo com a língua escrita. Nessa

gramática me vali também de textos de jornal, revistas, artigos acadêmicos,

produção escrita literária e não literária. O material mostra que existe um

português brasileiro escrito culto, bastante homogêneo no país todo, mas bem

diferente da norma padrão que continua sendo veiculada nas escolas pelas

gramáticas normativas.

Você classifica o “português brasileiro contemporâneo” não como uma

variação do português europeu, mas sim uma “língua plena e autônoma”

dentro do grande grupo idiomático “portugalego”. Quais são as

especificidades do português brasileiro que justificam essa autonomia?

É preciso definir a concepção de língua com que estamos trabalhando. Se

incluirmos na língua todas as questões culturais, os valores sociais e políticos,

é evidente que cada país tem sua língua própria. Mas mesmo se não

ampliarmos tanto o conceito, e pensarmos nele apenas em termo de estrutura

linguística, o português brasileiro já difere muito do europeu, tanto na fonética

quando na gramática e na sintática. Embora sejam línguas muito próximas,

elas já têm distinções suficientes para que as chamemos de línguas diferentes.

Diante dessas especificidades do português brasileiro, como você avalia

o acordo ortográfico, que passa a valer em definitivo no ano que vem?

Sou a favor do acordo, por questões mais políticas do que linguísticas. A dupla

grafia, brasileira e portuguesa, impedia muita coisa, como a difusão

internacional da língua. E o acordo representa um passo adiante no

reconhecimento de que o Brasil é hoje o carro-chefe da língua portuguesa. Os

portugueses reclamam que ele promove um abrasileiramento da língua, mas

isso reflete a posição mais destacada que o Brasil ocupa hoje no cenário

internacional. Além disso, somos 200 milhões, quase 90% dos falantes de

português no mundo. É importante esclarecer que o acordo não promove uma

unificação da língua. Ele unifica a ortografia, para facilitar a comunicação e a

divulgação da língua. Mas não existe uma ortografia capaz de dar conta de

todas as variantes faladas da língua, sequer no Brasil. Se fôssemos escrever

“titia” à moda carioca, usaríamos “ch”.

Você define sua gramática como “propositiva”, porque ela sugere a

adoção de regras que, embora não previstas nas gramáticas normativas,

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já estão em uso no Brasil. Quais são essas regras e por que devem ser

adotadas?

Um caso clássico é o das regências verbais. As gramáticas normativas

insistem que o verbo “assistir”, por exemplo, tem que ser acompanhado pela

preposição “a”, mas sabemos que no Brasil, na prática, isso não se aplica.

Então, propomos que as duas regras possam conviver. Outro exemplo é o uso

dos pronomes oblíquos. O pronome “lhe”, que as gramáticas dizem que é

sempre objeto indireto, nós usamos há muito tempo no Brasil como objeto

direto. Há inúmeros exemplos como esses, de usos da língua que já estão

registrados até mesmo na literatura, pelo menos desde o modernismo, que já

tem 90 anos. Mesmo assim, eles continuam sendo criticados, não tanto por

gramáticos normativos, mas por pessoas que aparecem na mídia tentando

vender uma ideia muito obsoleta do que é o português correto.

Seu livro é dirigido não aos estudantes, mas aos professores, que, você

afirma, precisam conhecer “muito bem” a gramática tradicional. Quais

são as maiores lacunas na formação dos professores brasileiros hoje?

A organização dos currículos das faculdades de Letras é muito obsoleta. Não

se prepara o professor para analisar livros didáticos, para saber quais são os

critérios adotados pelo MEC, nem para ler os documentos oficiais que

embasam diretrizes governamentais e parâmetros curriculares. Também se

gasta muito tempo com determinadas disciplinas teóricas que, por mais que

sejam interessantes, não contribuem diretamente para a formação dos

professores. Os cursos de Letras parecem ter a ilusão de que vão formar

grandes escritores, quando sua vocação natural é a formação de professores.

Falta o conhecimento da história da língua, porque só ela permite ver que o

que já foi considerado erro, foi incorporado ao vocabulário e hoje é plenamente

aceito pela sociedade.

E quais são as lacunas no ensino da língua em sala de aula, na sua

opinião?

O ensino tradicional trata a língua como algo exterior, como se ela não

pertencesse ao falante. As diretrizes educacionais no Brasil até que são bem

avançadas, priorizando, antes de mais nada, a leitura e a escrita. Mas muitas

escolas ainda insistem em botar os alunos para analisar frases e decorar

nomenclaturas que não têm relação com a língua na qual eles leem e

escrevem. Em vez de alfabetizar mal uma criança e depois partir para o ensino

de regras complicadas, precisamos fazer a criança ler e escrever da maneira

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mais intensa possível. Para redigir e compreender um texto, ninguém precisa

saber o que é uma oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de

infinitivo. Esse foco em leitura e escrita, o que chamamos de “letramento”, é um

conceito muito importante na educação atual. Outro conceito importante é o de

“gênero textual”. A língua não se manifesta apenas como literatura, como

querem os tradicionalistas, mas como uma multiplicidade de usos na vida

social. A pessoa tem que saber reconhecer as convenções de um editorial de

jornal, de um artigo, de um mapa, e, claro, também de um texto literário. A ideia

é trazer para a sala de aula o máximo possível de usos da língua para que o

aluno aprenda que existem regras mais adequadas para alguns gêneros e

regras mais adequadas para outros.

Você argumenta que um ensino da língua com ênfase na “norma urbana

culta” pode ajudar a reduzir o índice de analfabetismo funcional no Brasil,

que hoje chega a 75% das pessoas 14 a 65 anos. Como lidar com esse

problema?

Isso também passa pela formação dos professores. Infelizmente, temos um

professorado, sobretudo no ensino fundamental, muito deficiente. Fiz um

levantamento de textos escritos por professores de português, e as conclusões

são catastróficas, com incoerências, erros de ortografia e sintaxe, tudo isso. O

grande nó da nossa educação é a formação dos professores. Mas para

desfazer esse nó é preciso tornar a profissão interessante para pessoas

inteligentes, cultas e que gostam de estudar. O exemplo clássico é a Finlândia,

onde uma pessoa que começa a se destacar na universidade é imediatamente

recrutada para trabalhar em escolas, com bom salário e todos os incentivos. A

educação brasileira tem grandes nós há 500 anos. Eles vêm sendo desfeitos

aos poucos, mas ainda falta muita coisa.

CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2006. pp. 13-49.Crítica e Sociologia

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O autor Antônio Cândido preza por uma análise sistemática acerca da contribuição das ciências sociais para com o estudo literário, não esquecendo de atribuir importância à crítica literária pura e simples. O que se deve buscar, segundo ele, é “(...) que se efetue a operação difícil de chegar a um ponto de vista objetivo, sem desfigurá-la de um lado nem de outro” (CANDIDO, página 13). Defende uma complementaridade entre as divergentes áreas, analisando o vínculo entre a obra e o ambiente, não deixando de lado a análise estética do relato literário. “O externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se assim, interno” (CANDIDO, página 14).

O que importa é uma abordagem que encare a obra literária como um conjunto de fatores sociais que atuem sobre a formação da mesma (além da influência que a mesma exerce no meio social a que pertence, depois de concluída e divulgada). O fator social não disponibiliza apenas as matérias, mas também atua na constituição do que há de essencial na obra enquanto obra de arte. Deve-se perceber a literatura como um todo indissolúvel, fruto de um tecido formado por características sociais distintas, porém complementares.

Apontar as dimensões sociais de um livro (referências a lugares, datas, manifestações de determinados grupos sociais presentes na estória, etc) é tarefa de rotina, não bastando assim para definir um caráter sociológico de estudo. Deve-se partir de uma análise das relações sociais, para aí sim compreendê-las e estudá-las em um nível sociológico mais profundo, levando-se em conta a estrutura formada no livro. Diz o autor: “Quando fazemos uma análise desse tipo, podemos dizer que levamos em conta o elemento social, não exteriormente, como referência que permite identificar, na matéria do livro, a expressão de uma certa época ou de uma sociedade determinada; nem como enquadramento, que permite situá-lo historicamente; mas como fator da própria construção artística, estudado no nível explicativo e não ilustrativo” (CANDIDO, páginas 16 e 17). Não é a literatura por ela mesma, mas pelo social. Assim, pode-se sair de uma análise sociológica periférica e sem fundamentos, não se limitando a uma referência à história sociologicamente orientada. Tudo faz parte de um “fermento orgânico” (CANDIDO, página 17), onde a diversidade se torna coesa e possibilita um estudo mais aprofundado e estruturado em bases históricas, sociológicas e críticas. Segundo esta ótica, o ângulo sociológico adquire uma real validade científica (inserida em um contexto social real). “Uma crítica que se queira integral deixará de ser unilateralmente sociológica, psicológica ou lingüística, para utilizar livremente os elementos capazes de conduzirem a uma interpretação coerente. Mas nada impede que cada crítico ressalte o elemento da sua preferência, desde que o utilize como componente da estruturação da obra” (CANDIDO, página 17). Tende-se assim a uma pesquisa mais concreta.

Antônio Cândido atenta também para um perigo comum, que seria o fato de muitos estudiosos atribuírem integridade e autonomia às obras que estudam além dos limites cabíveis, resultando assim em uma maior interiorização da obra (a obra por ela mesmo e nada mais), fazendo com que, por exemplo, fatores históricos entrassem e detrimento na pesquisa. Em suma, o autor

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carioca diz que “(...) convém evitar novos dogmatismos” (CANDIDO, página 18), e que não podemos “dispensar nem menosprezar disciplinas interdependentes como a sociologia da literatura e a história literária sociologicamente orientada, bem como toda a gama de estudos aplicados à investigação de aspectos sociais das obras” (CANDIDO, página 18).

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O autor enumera seis modalidades de estudos do tipo sociológico no campo literário, oscilando entre a sociologia , a história e a crítica de conteúdo:1) Relacionamento do conjunto de uma literatura (um período, um gênero) com as condições sociais. Esta abordagem metodológica tradicional seria oriunda do século XVIII. Teria, como virtude, mapear uma ordem geral, um arranjo. Como defeito, traria dificuldades em mostrar a ligação entre as condições sociais e as obras. “(...) Como resultado decepcionante, uma composição paralela, em que o estudioso enumera os fatores (...), e em seguida fala das obras segundo as suas intuições ou os seus preconceitos herdados, incapaz de vincular as duas ordens de realidade” (CANDIDO, página 19).2) Verificar a medida em que as obras espelham ou representam a sociedade, descrevendo seus vários aspectos. Seria a modalidade mais comum, consistindo em estabelecer correlações entre os aspectos reais e os que aparecem nos livros.3) Análise de cunho estritamente sociológico, consistindo no estudo da relação entre a obra e o público (isto é, o seu destino, a sua aceitação, a ação recíproca de ambos). Exploraria a função da literatura junto aos leitores, mediante a aceitação, ou não, da mesma.4) Estudo da posição e função social do escritor, procurando relações entre sua posição e a natureza de sua produção literária, e ambas com a organização da sociedade. Nada mais é que a análise da situação e do papel destes intelectuais na formação da sociedade.5) Investigação da função política das obras e dos autores (em geral, atenderia a intuitos ideológicos previamente determinados).6) Investigação hipotética das origens, buscando uma essência particular (seja da literatura em geral, ou de determinados gêneros).Cada tipo de abordagem decai sobre um ângulo específico. Segundo Antônio Cândido, acerca das escolhas metodológicas sociais a se trabalhar a literatura, “em todas nota-se o deslocamento da obra para os elementos sociais que formam a sua matéria, para as circunstâncias do meio que influíram na sua elaboração, ou para a sua função na sociedade” (CANDIDO, página 21). Não se nega o entrelaçamento de diversos fatores sociais nas obras literárias, mas, determinar se estes interferem diretamente nas características essenciais de determinada obra pode levar alguns estudiosos a um abismo difícil de se transpor.

O autor converge em opinião com o argumento de Adriana Facina ao dizer: “O primeiro passo (que apesar de óbvio dever ser assinalado) é ter consciência da relação arbitrária e deformante que o trabalho artístico estabelece com a realidade, mesmo quando pretende observá-la e transpô-la rigorosamente” (CANDIDO, página 22). O autor defende e justifica esse caráter distorcido da literatura ao afirmar que “esta liberdade, mesmo dentro da orientação

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documentária, é o quinhão da fantasia, que às vezes precisa modificar a ordem para torná-la mais expressiva de tal maneira que o sentimento da verdade se constitui no leitor graças a esta traição metódica. Tal paradoxo está no cerne do trabalho literário e garante a sua eficácia como representação do mundo. Achar, pois, que basta aferir a obra com a realidade exterior para entendê-la é correr o risco de uma perigosa simplificação causal” (CANDIDO, página 22). 

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O social passa por um processo de interiorização em que o autor o reconstrói, elaborando-o de uma maneira estética diferenciada (não deixando de ser subjetiva e arbitrária). Determinadas visões específicas são o que delineiam a construção estética de um livro. Ainda, a “a criação, não obstante singular e autônoma, decorre de uma certa visão do mundo, que é fenômeno coletivo na medida em que foi elaborada por uma classe social, segundo o seu ângulo ideológico próprio” (CANDIDO, página 23). Desta forma, a hipótese primordial do autor é que há a invocação do fator social como um meio de explicação e estruturação da obra e de seu teor de idéias, fornecendo-lhe elementos para determinar a sua validade e o seu efeito sobre as massas leitoras que os absorvem. Porém, isto não se simplifica à mera dicotomia entre fatores internos e externos. “(...) Os elementos de ordem social serão filtrados através de uma concepção estética e trazidos ao nível da fatura, para entender a singularidade e a autonomia da obra” (CANDIDO, página 24). A obra pura e simples não significa um todo que se explica a si mesma, como um universo fechado (a obra é orgânica sim, mas não totalmente isolada do mundo).

A literatura e a vida social

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Nesta parte de seu ensaio, o autor relativiza a contribuição das ciências socias ao estudo literário. “Do século passado aos nossos dias, este gênero de estudos tem permanecido insatisfatório, ou ao menos incompleto, devido à falta de um sistema coerente de referência, isto é, um conjunto de formulações e conceitos que permitam limitar objetivamente o campo de análise e escapar, tanto quanto possível, ao arbítrio dos pontos de vista. Não espanta, pois, que a aplicação das ciências sociais ao estudo da arte tenha tido conseqüências freqüentemente duvidosas, propiciando relações difíceis no terreno do método. Com efeito, sociólogos, psicólogos e outros manifestam às vezes intuitos imperialistas, tendo havido momentos em que julgaram poder explicar apenas com os recursos das suas disciplinas a totalidade do fenômeno artístico. Assim, problemas que desafiavam gerações de filósofos e críticos pareceram de repente facilmente solúveis, graças a um simplismo que não raro levou ao descrédito as orientações sociológicas e psicológicas, como instrumentos de interpretação do fato literário” (CANDIDO, página 27).

O poeta e escritor transformam tudo que passa por eles, combinado a realidade que absorvem com a própria percepção, devolvendo assim ao mundo uma interpretação própria e subjetiva, longe de ser um mero espelho refletor. Assim, deve-se pensar a influência exercida pelo meio social sobre a obra de

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arte, assim como a influência que a própria obra exerce sobre o meio. A arte pode então, ser uma expressão da sociedade, não deixando de se considerar o teor de seu aspecto social, ou seja, o quanto ela está interessada nos problemas sociais. A partir do século XVIII, a literatura passa a ser também um produto social, já que expressa condições de cada civilização em que se forma. Chegou-se até a pensar até que medida a arte expressa a realidade, já que descreve modos de vida e interesses de determinadas classes, não satisfazendo assim uma interpretação plena da sociedade.

A análise do conteúdo social de uma obra segue mais como uma afirmação de princípios do que uma hipótese de investigação, já que um desenrolar negativo desta perspectiva de pesquisa sugere a uma condenação destas obras que não corresponderiam aos valores de suas respectivas ideologias.

No geral, a arte é social nos dois sentidos: tanto receptiva quanto expressiva (isto não ocorrendo de maneira tão ativa, muito menos ainda passiva). Como diz o autor: “(...) depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais” (CANDIDO, página 30). Um método de pesquisa mais apropriado investir-se-ia na análise das influências reais exercidas pelos fatores socioculturais. Vários aspectos podem ser considerados neste processo, como por exemplo: a posição social do artista, a configuração dos grupos receptores, a forma e conteúdo da obra, a fatura da mesma e sua transmissão, entre outros. Antônio Candido aponta para “quatro momentos da produção, pois: a) o artista, sob o impulso de uma necessidade interior, orienta-se segundo os padrões da sua época, b)escolhe certos temas, c) usa certas formas e d) a síntese resultante age sobre o meio” (CANDIDO, página 31).A arte pressupõe algo mais amplo que as vivências do artista, apesar dele se equipar com um arsenal oriundo da própria civilização para tematizar e formar sua obra, moldando-a sempre a um público alvo. O autor faz uma distinção categórica entre arte de agregação e arte de segregação. “A primeira se inspira principalmente na experiência coletiva e visa os meios comunicativos acessíveis. Procura, neste sentido, incorporar-se a um sistema simbólico vigente, utilizando o que já está estabelecido como forma de expressão de determinada sociedade. A segunda se preocupa em renovar o sistema simbólico, criar novos recursos expressivos e, para isto, dirige-se a um número ao menos inicialmente reduzido de receptores, que se destacam, enquanto tais, da sociedade” (CANDIDO, página 33).

2

Tomando o autor, a obra e o público como os três principais elementos que fundamentam e possibilitam a comunicação artística, Antônio Cândido analisa como a sociedade define a posição e o papel do artista, como a obra depende de recursos técnicos para expor os valores propostos e, de que maneira se configuram os públicos. O link entre sociedade e arte não ocorre de maneira tão simples, trata-se sim de um viés de mão dupla. “A atividade do artista estimula a diferenciação de grupos; a criação de obras modifica os recursos de

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comunicação expressiva; as obras delimitam e organizam o público. Vendo os problemas sob esta dupla perspectiva, percebe-se o movimento dialético que engloba a arte e a sociedade num vasto sistema solidário de influências recíprocas” (CANDIDO, página 34).

1) A posição do artista

Averigua-se de que modo a posição social atribui um papel específico ao criador de arte. Isto envolve não apenas o artista individualmente, mas a formação de grupos de artistas. Há tempos que o caráter da criação rumava para uma imagem coletiva, concebendo ao povo, no conjunto, o verdadeiro criador da arte. “Hoje, está superada esta noção de cunho acentuadamente romântico, e sabemos que a obra exige necessariamente a presença do artista criador. O que chamamos arte coletiva é a arte criada pelo indivíduo a tal ponto identificado às aspirações e valores do seu tempo, que parece dissolver-se nele” (CANDIDO, página 34-35). Forças sociais condicionam a produção do artista, isto é fato, e “os elementos individuais adquirem significado social na medida em que as pessoas correspondem a necessidades coletivas. As relações entre o artista e o grupo resumem-se a um esquema simples: “em primeiro lugar, há necessidade de um agente individual que tome a si a tarefa de criar ou apresentar a obra; em segundo lugar, ele é ou não reconhecido como criador ou intérprete pela sociedade, e o destino da obra está ligada a esta circunstância; em terceiro lugar, ele utiliza a obra, assim marcada pela sociedade, como veículo de suas aspirações individuais mais profundas” (CANDIDO, página 35). A obra nasce da confluência da iniciativa individual com as condições sociais, o que levanta a questão de quais são os limites da autonomia criadora do artista, repensando assim sua função em meio a sociedade. 

A arte pressupõe um indivíduo que assuma a iniciativa da obra. “Em todo caso, a existência de artista realmente profissional, que vive da sua arte, dedicando-se apenas a ela, não é freqüente entre os primitivos e constitui, via da regra, desenvolvimento mais recente. (...) Nas sociedades modernas a autonomia da arte permite atribuir a qualidade de artista mesmo a quem a pratique ao lado de outras atividades” (CANDIDO, página 38). Uma vez reconhecidos como tais, os artistas podem vincular-se, formando grupos determinados pela técnica. “Esta é, em grau maior ou menor, pressuposto de toda arte, envolvendo uma série e fórmulas e modos de fazer que, uma vez estabelecidos, devem ser conservados e transmitidos” (CANDIDO, página 39). Tais grupos tendem a diferenciar-se funcionalmente conforme o tipo de hierarquia social predominante em sua sociedade.

2) A configuração da obra

Uma obra só é realizada quando é configurada pelo artista e pelas condições sociais que determinam a sua posição. Valores sociais, ideologias e sistemas de comunicação transmudam-se na obra através do impulso de seu criador. “Os valores e ideologias contribuem principalmente para o conteúdo, enquanto as modalidades de comunicação influem mais na forma” (CANDIDO, página 40). Algo se transforma em elemento usufruído pela arte quando representa

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para um determinado grupo social algo singularmente prezado, o que garantiria assim certo impacto emocional. Um exemplo vem da fase bolchevista que, quando em ascendência, criou um tipo de romance coletivista, onde os protagonistas são substituídos pelo esforço anônimo das massas. Além dos valores, as técnicas de comunicação de que a sociedade dispõe influem na obra, em sua forma, e nas suas possibilidades de atuação no meio. A partir do momento em que a escrita triunfa como meio de comunicação, o panorama artístico se modifica drasticamente. “A poesia pura do nosso tempo esqueceu o auditor e visa principalmente a um leitor atento e reflexivo, capaz de viver no silêncio e na meditação o sentido do seu canto mudo” (CANDIDO, página 43).Além disso, deve-se destacar a influência decisiva do jornal sobre a literatura, criando gêneros novos (crônicas) ou modificando outros já existentes (como o romance, por exemplo).

3) O público

Considerado pelo autor Antônio Candido como o alvo receptor da arte. Em sociedades primitivas era menos nítida a separação entre o artista e seu público. “O pequeno número de componentes da comunidade e o entrosamento íntimo das manifestações artísticas com os demais aspectos da vida social dão lugar seja a uma participação de todos na execução de um canto ou dança, seja à intervenção dum número maior de artistas, seja a uma tal conformidade do artista aos padrões e expectativas, que mal chega a se distinguir” (CANDIDO, página 44). Com o desenvolvimento das sociedades, artistas se distanciam de seu público, formando assim categorias diferentes, mas não menos conectadas quanto antes (só então pode-se falar em um público diferenciado, no sentido moderno). O artista direciona sua produção a um público, ao qual ele não conhece, mas que imagina, a uma “massa abstrata, ou virtual” (CANDIDO, página 45). Tal grupo exerce uma influência enorme sobre a produção que se vai originar por via do artista. Um exemplo são os autores que se ajustam às normas do romance comercial, tamanhos são seus desejos por fama e bens materiais (influência da indústria literária).

A técnica da escrita, também, fez com que um novo tipo de público se formasse, possuindo características próprias. Abre-se uma era onde predominam os públicos indiretos, de contatos secundários. “Mesmo quando pensamos ser nós mesmos, somos público, pertencemos a uma massa cujas reações obedecem a condicionantes do momento e do meio” (CANDIDO, página 46). A necessidade, insuspeitada por muitos, de aderir ao que nos parece distintivo de um grupo, seja ele majoritário ou minoritário, só acaba por reforçar esta nossa reação que se fixa no reconhecimento de um coletivo.

O texto e a construção dos sentidos, Ingedore Villaça KOCH (resenha)

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 9ª Ed. São Paulo: Contexto, 2007.

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A autora

Ingedore Grunfeld Villaça Koch nasceu na Alemanha e veio para o Brasil ainda criança, naturalizando-se brasileira. Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo e possui licenciatura plena em Letras. É mestre e doutora em Ciências Humanas: Língua Portuguesa pela PUC/SP, onde foi professora do departamento de Português. Atualmente é professora titular do Departamento de Lingüística do IEL/UNICAMP.

Resumo da obra

“O Texto e a construção dos sentidos” (Contexto, 2007; 168 páginas) de Ingedore Villaça Koch, baseando-se em teorias sócio-interacionais da linguagem, tem como objetivo discutir as atividades discursivas existentes no processo de produção textual, considerando-o uma atividade interacional entre sujeitos com objetivos pré-determinados dentro de um determinado contexto social.O livro é dividido em duas partes, sendo a primeira destinada à questões gerais de produção de sentido tanto em textos orais quanto escritos, enquanto a segunda destina-se unicamente ao texto falado.A autora retoma teóricos como Leont’ev, Van Dijk, Vigotsky, Marcuschi e Tannen, entre outros (inclusive pesquisas anteriores próprias), para desenvolver seu trabalho.

No capítulo inicial Koch, de modo geral, coloca a linguagem como sendo uma forma de atividade humana que nasce a partir de uma motivação inicial, desenvolve-se através de um conjunto de operações lingüísticas e cognitivas, a fim de se obter um resultado final esperado de caráter basicamente lingüístico, onde uma entidade psico-físico-social – sujeito pressuposto em toda produção textual - relaciona-se com outro sujeito, planeja e constrói seu objeto-texto de acordo com suas necessidades e objetivos, concretizando assim o processo de comunicação.O segundo capítulo inicia-se com algumas definições de texto dentro da Lingüística Textual, as quais podem variar de acordo com a perspectiva teórica adotada.A produção textual deve ser vista como uma atividade verbal interacional, resultante de operações e estratégias da mente humana e a serviço de fins sociais. A Lingüística Textual estuda tais operações, lingüísticas e cognitivas, que controlam sua produção, além de seus aspectos coerentes e coesivos.Do ponto de vista semântico, a construção do sentido do texto relaciona-se também como o dado e o novo, dos quais as proporções apresentadas interferem na construção do sentido. A informação dada encontra-se já na consciência dos interlocutores e servirá de ponto de apoio para a introdução de uma informação nova.Para que a relação entre o dado e o novo funcione de forma adequada e possa atingir os objetivos do produtor, há necessidade da existência de cadeias coesivas, onde a remissão e a inferência constituirão estratégias para (re)ativar conteúdos da consciência de interlocutores e relacioná-las com o material presente na superfície textual.Enquanto as cadeias coesivas proporcionarão a progressão textual através da

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introdução de informações, a coerência textual será a responsável pela identificação de um texto como texto, ou seja, a atividade comunicativa, diante de uma manifestação lingüística e de um conjunto de fatores situacionais, cognitivos, socioculturais, será capaz de atribuir determinado sentido ao texto, que poderá então ser processado e considerado coerente pelos envolvidos, formando uma situação concreta de atividade verbal.O terceiro capítulo destina-se a discussão das atividades e estratégias do processamento textual e os sistemas de conhecimento necessários durante a construção de textos. Estes últimos, divididos em lingüístico, enciclopédico e sócio-interacional, deixam claro a complexidade do ato de construção textual, que conta com atividades de ordem sociocognitiva para que seja realizada a produção eficaz dos sentidos.No capítulo A construção dos sentidos no texto: coesão e coerência, a autora diz concordar com outros teóricos e comenta que, embora coesão e coerência sejam processos distintos na construção de produções textuais, em alguns momentos pode-se tornar impossível realizar uma distinção efetiva entre eles.Os limites entre coesão e coerência confundem-se a partir do momento em que há a necessidade de realização de determinados cálculos para que as relações coesivas que o texto apresenta sejam interpretadas da maneira esperada durante o processamento textual, ou seja, os elementos lingüísticos da superfície textual devem ser usados de forma a evitar que a mensagem que se deseja passar seja captada de maneira equivocada pelo interlocutor.

No quinto capítulo discute-se a intertextualidade, a polifonia e se tais fenômenos podem ser vistos como um só. As formas de apresentação possíveis de cada um desses mecanismos no discurso são tratadas cada uma de maneira isolada, e por fim conclui-se todo texto é constituído por diversas vozes para que se possa concretizar a linguagem humana, sendo todos, portanto polifônicos, embora os conceitos de intertextualidade e polifonia não possam ser vistos de maneira similar.Na segunda parte do livro Koch direciona seu trabalho para o estudo da produção do sentido no texto falado.O sexto capítulo trata a respeito da natureza da fala e suas características próprias enquanto modalidade de uso da língua, deixando clara a não existência de uma relação dicotômica entre fala e escrita, mas sendo as diferenças existentes entre elas resultantes de um contínuo tipológico das práticas sociais.As diferenças existentes em cada processo de construção textual estão relacionadas às condições de produção, planejamento prévio por parte do sujeito, fluxo de informações, interação, entre outros, não devendo o texto falado ser visto de maneira preconceituosa e o texto escrito visto como parâmetro ideal de produção. O texto falado possui uma estruturação própria, de acordo com as situações sócio-cognitivas presentes durante sua produção.No sétimo capítulo a autora comenta a busca por regularidades que comprovem a existência de um sistema de desempenho lingüístico diante da concepção de linguagem como atividade exercida por interlocutores na produção textual. Tais regularidades apresentam-se como marcas formais presentes nos textos, definidas pelo caráter sistemático determinado pelos processos de construção.Diante da complexidade da construção, em particular, do texto falado, e por

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este não exigir domínio apenas de recursos lingüísticos, algumas atividades de produção de um texto falado podem ser classificadas como estratégias cognitivas e interacionais de construção devido as funções exercidas por elas. Como exemplos das principais estratégias de processamento do texto falado estão a inserção e a reformulação (retórica ou saneadora).Durante a inserção, cuja macrofunção é cognitiva, o locutor faz uma pausa temporária do texto que está produzindo para inserir algum material novo com o intuito de explicar-se ou justificar-se, retomar algum conhecimento prévio, citar exemplos ou comentários, manter o interesse do parceiro, introduzir atenuações ou ressalvas, com o objetivo de facilitar a interação e a compreensão entre os envolvidos.A reformulação retórica, caracterizada essencialmente pelo seu aspecto interacional, tem como função principal o reforço da argumentação, seja por repetições, seja por parafraseamentos.  Considerando sua função cognitiva, esta pode ser usada também para facilitar o entendimento do interlocutor através de um processo de desaceleração do ritmo da fala. A reformulação saneadora, como o próprio nome indica, pode apresentar-se sob a forma de correções, reparos ou paráfrases saneadoras diante da necessidade do locutor de reaver alguma dificuldade detectada durante a produção.O oitavo capítulo aborda a tematização e a rematização e as possibilidades de articulação tema-rema, estratégias de segmentação que interferem na produção do sentido, tendo papel importante na construção do texto e sua coerência.As construções segmentadas apresentam importante papel na construção do texto devido à possibilidade de destacar um dado elemento do enunciado de acordo com a posição adotada por ele durante a construção, permitindo uma hierarquização lingüística das unidades. Assim, o enunciador pode moldar seu enunciado e constituir marcas próprias no discurso.No capítulo nove discute-se a repetição como estratégia do texto falado. Inicialmente comentam-se as críticas que as repetições ocorridas durante a produção textual costumam receber, sendo vistas como redundantes e resultantes de má-estruturação textual.A autora, porém, acompanha os pensamentos de Tannen e considera a repetição como uma estratégia básica de construção do discurso presente na conversação quotidiana, sendo fundamental no processo de interação entre os sujeitos. Tal recurso é visto também como facilitador da aprendizagem e processamento de informações diversas e ferramenta importante para a retórica, persuasão, coerência e coesão textual.Além dos aspectos lingüísticos gerais da repetição no contexto interacional, Koch comenta também algumas características peculiares do português brasileiro no que diz respeito ao tópico proposto, dividindo seus comentários em dois grupos: as peculiaridades de ordem semântica e as de ordem discursiva.Por fim, o último capítulo aborda os papéis da digressão e da coerência na dinamicidade dos tópicos no texto.A digressão, caracterizada pela ruptura provisória da produção textual e a retomada ao tópico interrompido, ao contrário do que se costuma comentar, não torna o texto incoerente, mas sim acabam por desempenhar importante papel na construção da coerência durante a produção do texto falado.

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Conclusão

“O texto e a construção dos sentidos”, obra pertencente a sub-área da Lingüística Textual,  é destinada a estudantes e docentes da área de Letras.Considerando a referência e importância da autora na área, pode-se imaginar a qualidade e o grau de especificidade do título que, apesar de não ser muito extenso, apresenta uma visão geral dos principais tópicos relacionados às atividades discursivas, suas marcas na materialidade lingüística e produção do sentido, tanto em textos falados quanto escritos.Embora possa haver certa dificuldade para o entendimento dos primeiros capítulos, resultado da linguagem técnica adotada e da necessidade de um mínimo conhecimento prévio do assunto, no decorrer da obra a leitura torna-se mais agradável e de fácil entendimento, até mesmo pelas informações que vão sendo adquiridas gradativamente.Os exemplos utilizados, em maior quantidade na segunda parte do livro, ajudam a ilustrar a parte teórica apresentada, auxiliando na fixação do conhecimento e dando sentido ao que foi exposto anteriormente.Além das idéias defendidas pela autora, é possível também ampliar o conhecimento a respeito de outros teóricos, já que Koch fundamenta suas pesquisas utilizando um vasto número de nomes de importantes pesquisadores do assunto.Em resumo, não só o presente livro, mas também todo material publicado pela autora são indispensáveis para profissionais da área, principalmente aos que se identificam com os estudos lingüísticos e cognitivos da mente humana durante o ato de produção dos sentidos através dos textos

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 Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura, Kleiman, A. B., Editora Pontes, SãoPaulo, SP, 2002.

Angela B. Kleiman, Ph. D. pela Universidade de Illios, EUA, e professora Titular doDepartamento de Lingüística Aplicada na UNICAMP.

Desenvolve sua pesquisa nas áreas de leitura e letramento, com foco no letramento do professor. É autora de numerosos trabalhos sobre leitura e alfabetização de adultos. A obra Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura refere-se ao processo de cognição para a compreensão de texto. O texto é um objeto complexo que não se sabe por onde iniciar a sua apreensão.

Segundo Angela Kleiman, “trata-se da dimensão interacional entre autor e leitor,a partir de uma base textual sobre a qual o leitor se apóia, que se constitui na materialização de significados e intenções de um dos inter agentes à distância,via o texto escrito”. Sob esta perspectiva nossos conhecimentos prévios (conhecimentos adquiridos ao longo da vida que ficam armazenados na memória) se englobam aos chamados: conhecimentos lingüísticos (conhecimentos relacionados à gramática, à língua, ao vocabulário da língua nativa que cada indivíduo tem); conhecimento textual (conhecimentos relacionados à classificação do texto, se ele é narrativo, descritivo,argumentativo, entre outras) esses dois aspectos são importantes porque segundo Angela Kleiman, “quanto mais conhecimento textual o leitor tiver,quanto maior for sua exposição a todo tipo de texto, mais fácil será sua compreensão”; e o conhecimento de mundo (conhecimentos relacionados à elaboração do pensamento e à imagem de mundo).

Angela Kleiman observa que “a leitura implica numa atividade de procura do leitor, no seu passado de lembranças e conhecimentos e sugere caminhos, mas que certamente não explícita tudo o que seria possível”.A atividade de leitura segundo Angela Kleiman, possui dois princípios fundamentais: a coerência e a formulação de hipóteses. O princípio da coerência está ligado ao engajamento do leitor a partir de seus objetivos e propósitos.Estabelecer objetivos na leitura é uma estratégia meta cognitiva, ou seja, uma estratégia de controle do próprio conhecimento. Angela Kleiman, enfatiza que o leitor no ato da leitura faz uso do processamento visual, para a apreensão rápida da informação, para que assim alcance o objetivo pretendido e perceba, adivinhe palavras para a formulação de hipóteses.Em estratégias de processamento do texto, segundo Angela Kleiman, um conjunto de elementos formam ligações com marcas lingüísticas (gramaticais ou lexicais) importantes para a interação pragmática é a coesão, ou seja, a articulação de idéias num todo coerente, e a coerência com base em conhecimento lingüístico e cognitivo, ou seja, o leitor estabelece relações com o texto através da micro e macro estrutura textual.Por fim, é importante que o leitor após o caminho percorrido no texto, perceba que o autor se fez presente durante o processo, para poder tirar uma

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conclusão.Segundo Angela Kleiman, “a reconstrução de uma intenção argumentativa é considerada como um pré-requisito para o posicionamento crítico do leitor frente ao texto”.

A autora Angela Kleiman, investigou, explorou e publicou os diversos caminhos para o auxílio de quem precisa entender os aspectos cognitivos da leitura, porém, quanto mais propostas de leitura forem trabalhadas, mais se conseguirá descobrir sobre a natureza exata dessas estratégias cognitivas do leitor, e ao mesmo tempo desenvolver mais formas de auxílio para a compreensão de texto.

MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à estilística: a expressividade na

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Língua Portuguesa. 4. ed. rev., São Paulo: EDUSP, 2008.

A CONCEITUAÇÃO DE ESTILÍSTICA

O que é Estilística? Eis uma pergunta a que não se responde fácil e prontamente. Pode-se dizer, como princípio de explicação, que Estilística é uma das disciplinas voltadas para os fenômenos da linguagem, tendo por objeto o estilo, o que remete a outra embaraçosa e infalível pergunta: e o que é estilo?

Neste capítulo, que tem o caráter de introdução à Estilística com vista à língua portuguesa, serão mencionadas algumas das tentativas de definir estilo e, a seguir, os principais estudos que, no decorrer de nosso século, se têm realizado sob a denominação de Estilística. Indicaremos, então, sob que aspecto será estudada a Estilística neste trabalho.

1.1 A VARIEDADE DE CONCEITOS DE ESTILO

A palavra estilo, que hoje se aplica a tudo que possa apresentar características particulares, das coisas mais banais e concretas às mais altas criações artísticas, tem uma origem modesta. Designava em latim — stilus — um instrumento pontiagudo usado pelos antigos para escrever sobre tabuinhas enceradas e daí passou a designar a própria escrita e o modo de escrever.

No domínio da linguagem têm sido tão numerosas as definições de estilo que vários linguistas têm procurado classificá-las de acordo com os critérios em que elas se fundamentam. Assim, Geor-ges Mounin (Introdução à Linguística) reúne as definições de estilo em três grupos: 1) as que consideram estilo como desvio da norma; 2) as que o julgam como elaboração; 3) as que o entendem como conotação. Nils Erik Enkvist (Linguística e estilo) as distribui em seis grupos: 1) estilo como adição, envoltório do pensamento; 2) estilo como escolha entre alternativas de expressão; 3) estilo como conjunto de características individuais; 4) estilo como desvio da norma; 5) estilo como conjunto de características coletivas (estilos de época); 6) estilo como resultado de relações entre entidades linguísticas formuláveis em termos de textos mais extensos que o período.

Pode-se observar que os critérios dos diversos grupos não são excludentes. Assim, por exemplo, as características individuais podem incluir escolha, desvio da norma, elaboração, conotação, o que mostra a dificuldade de tais classificações.

Acrescente-se que, dos teóricos da Estilística, alguns só consideram o estilo na língua literária, outros o consideram nos diversos usos da língua; alguns relacionam o estilo ao autor, outros à obra, outros ainda ao leitor, que reage ao texto literário; alguns se concentram na forma da obra ou do enunciado, outros na totalidade forma-pensamento.

Dentre as inúmeras definições e explicações do fenômeno do estilo, arrolamos algumas que se encontram na bibliografia indicada no final do capítulo, especialmente nas obras já referidas de Mounin e Enkvist e nos livros de Guiraud. Fica ao leitor a tentativa de encaixá-las nos grupos mencionados, bem como a seleção das que lhe parecerem mais satisfatórias.

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"O estilo é o homem." (Buffon) "O estilo é o pensamento." (Rémy de Gourmont) "O estilo é a obra." (R.A. de Sayce) "Estilo é a expressão inevitável e orgânica de um modo individual de experiência." (Middleton Murray)

"Estilo é o que é peculiar e diferencial numa fala." (Dâ-maso Alonso)

"Estilo é a qualidade do enunciado, resultante de uma escolha que faz, entre os elementos constitutivos de uma dada língua, aquele que a emprega em uma circunstância determinada." (Marouzeau)

"O estilo é compreendido como uma ênfase (expressiva, afetiva, ou estética) acrescentada à informação veiculada pela estrutura linguística sem alteração de sentido. O que quer dizer que a língua exprime e o estilo realça." (Riffaterre)

"O estilo de um texto é o conjunto de probabilidades contextuais dos seus itens linguísticos." (Archibald Hill) "Estilo é surpresa." (Kibédi Varga) "Estilo é expectativa frustrada." (Jakobson) "Estilo é o que está presente nas mensagens em que há elaboração da mensagem por si mesma." (Idem)

"Estilo é o aspecto do enunciado que resulta de uma escolha dos meios de expressão, determinada pela natureza e pelas intenções do indivíduo que fala ou escreve." (Guiraud)

"Estilo é o conjunto objetivo de características formais oferecidas por um texto como resultado da adaptação do instrumento linguístico às finalidades do ato especifico em que foi produzido." (Herculano de Carvalho) "Estilo é a linguagem que transcende do plano intelectivo para carrear a emoção e a vontade." (Mattoso Câmara) Como um fecho a esta série de definições, cada qual com sua relativa validez, e muitas delas com pontos comuns, sejam lembradas estas pertinentes ponderações de Georges Mounin:

"[O estilo] É um fenômeno humano de grande complexidade. É a resultante linguística de uma conjunção de fatores múltiplos (...). Se algum dia se chegar a atribuir ao estilo uma fórmula, há-de ser uma fórmula extremamente complexa. To-das as reduções lapidares da definição do estilo só podem ser e permanecer como empobrecimentos unilaterais. Não damos ainda por findas as nossas tentativas para compreender o porquê do efeito que certas obras têm sobre nós. Nesta encruzilhada onde talvez compreendamos por que é que certo poema nos envolve e nos possui e nos toca de determinada maneira, tem que haver uma convergência de causas linguísticas formais, mas também de causas psicológicas, psicanalíticas, históricas, sociológicas, literárias, etc. E será indubitavelmente o conjunto que poderá dar conta dessa coisa ainda muito misteriosa que é a função poética: por que é que certas mensagens produzem em nós efeitos incomensuráveis com os de todas as outras espécies de mensagens que quotidianamente recebemos." (Introdução à Linguística, p. 158-9)

1.2 O APARECIMENTO DA ESTILÍSTICA Embora a palavra estilística já fosse usada no século XIX, é no século XX que ela passa a designar uma nova disciplina ligada à Linguística. Tomando o lugar deixado pela Retórica (de que se dirá alguma coisa no final do capítulo), a Estilística surge nas primeiras décadas do século XX, graças sobretudo a dois mestres que lideram duas correntes de grande importância:

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Charles Bally (1865-1947), doutrinador da Estilística da língua, e Leo Spitzer (1887-1960), figura exponencial da Estilística literária.

1.2.1 A ESTILÍSTICA DA LÍNGUA

Ampliando o campo de estudo do seu mestre Ferdinand de Saussure, iniciador da Linguística moderna, Charles Bally volta-se para os aspectos afetivos da língua falada, da língua a serviço da vida humana, língua viva, espontânea, mas gramaticalizada, lexicali-zada, e possuidora de um sistema expressivo cuja descrição deve ser a tarefa da Estilística. Bally condena o ensino da língua baseado apenas na gramática normativa e nos textos literários, o qual dá uma visão parcial da língua, de um tipo de língua que não corresponde ao que as pessoas usam nas múltiplas atividades de sua vida social e psíquica. As suas ideias são desenvolvidas numa série de ensaios reunidos no livro Le langage et la vie e também no Traité de siylistique française, no qual expõe o seu método e o aplica ao francês. Bally distingue duas .faces da linguagem — a intelectiva ou lógica e a afetiva; estuda os efeitos da afetividade no uso da língua; examina os meios pelos quais o sistema impessoal da língua (estudado por Saussure) é convertido na matéria viva da fala humana. Ele foi o primeiro a distinguir com precisão o conteúdo linguístico do conteúdo estilístico, a informação neutra do suplemento subjeti-vo a ela acrescentado, mostrando que um mesmo conteúdo pode ser expresso de diferentes modos. Os efeitos expressivos, pelos quais o ser humano manifesta seus sentimentos e atua sobre o seu semelhante, são classificados em naturais (manifestações de prazer e desprazer, de admiração e desaprovação, processos de intensificação das ideias) e evocativos (que sugerem certo meio social ou certa época e aparecem, por exemplo, na língua familiar, na gíria, na língua profissional, na literária, etc.). Note-se que Bally não se volta para o discurso ("parole"), o uso individual da língua, mas para o sistema expressivo da língua coletiva ("langue"). Para ele "a Estilística estuda os fatos da expressão da linguagem, organizada do ponto de vista do seu conteúdo afetivo, isto é, a expressão dos fatos da sensibilidade pela linguagem e a ação dos fatos da linguagem sobre a sensibilidade". (Traité, p. 16)

Bally inicia, assim, A Estilística da língua ou da expressão linguística, que se ocupa da descrição do equipamento expressivo da língua como um todo, opondo a sua Estilística ao estudo dos estilos individuais e afastando-se, portanto, da literatura.

Alguns dos seus continuadores, como J. Marouzeau e M. Cressot, discordam em alguns pontos da sua posição. Marouzeau dá à Estilística um enfoque mais individual, deslocando-a do sistema para o discurso. A língua é, segundo ele, um repertório de possibilidades, um fundo comum posto à disposição dos usuários que o utilizam conforme suas necessidades de expressão, praticando sua escolha, isto é, o estilo, na medida que lhe permitem as leis da língua. Tanto Marouzeau como Cressot voltam-se para a língua literária, considerando-a o domínio por excelência da Estilística, porque nas obras dos escritores se acumulam os recursos expressivos, ricos e variados. Marouzeau, no Précis de stylistiquefrancaise, e Cressot, em Le style et ses techniques, analisam os procedimentos expressivos literários, mas não fazem estudos de obras ou de autores. Oferecem um método de descrição da linguagem literária, permanecendo mais presos à Linguística do que à Literatura.

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No domínio da língua portuguesa, várias obras se ligam a essa corrente. Manuel Rodrigues Lapa, em sua Estilística da língua portuguesa (1945) segue bem de perto a linha de Bally, estudando valores expressivos do vocabulário português, das várias classes de palavras, e de algumas construções sintáticas, com mais relevo da concordância irregular. Com certa frequência, dirige-se, em tom de conselho, aos leitores que se iniciam na arte de escrever, imprimindo ao seu tralho um cunho didático e normativo, que não se enquadra bem na Estilística descritiva. Sua obra tem, principalmente, um fim prático, de modo que ele não se detém em aspectos teóricos como a conceituaçãp de estilo ou Estilística.

Mattoso Câmara Jr. ocupa-se de Estilística em várias partes de suas obras, mas é sobretudo na Contribuição à Estilística Portuguesa (1952) que trata das possibilidades expressivas de nossa língua. A sua concepção de Estilística apóia-se nas três funções da linguagem, de Karl Búhler: representação, expressão e apelo. (A representação corresponde à linguagem intelectiva, e a expressão ou manifestação psíquica e o apelo ou atuação sobre o outro correspondem à linguagem afetiva de Bally.) Mattoso Câmara considera a Estilística uma disciplina complementar da Gramática, pois enquanto esta estuda a língua como meio de representação, a Estilística estuda a língua como meio de exprimir estados psíquicos (expressão) ou de atuar sobre o interlocutor (apelo). A Linguística em seu sentido amplo abrange a Gramática e a Estilística, e em seu sentido restrito apenas a Gramática. A função essencial da língua é a representação mental da realidade, mas o seu sistema é alterado pelos falantes com o fim de exprimir emoções e de influir sobre as pessoas. É, pois, esse uso da língua que ultrapassa o plano intelecti-vo que ele considera estilo, conforme a sua definição já apresentada. Mattoso Câmara trata de uma parte das possibilidades expressivas do português, dando uma amostragem do que podem ser os estudos estilísticos, sendo o seu estudo bem mais restrito que os de Cressot e Marouzeau, sem deixar de ser de nível elevado e de consulta obrigatória pelos que estudam Português em nível universitá-rio.

Merece ainda ser mencionado o Ensaio de Estilística da Língua Portuguesa, de Gladstone Chaves de Melo, em que o Autor, antes de examinar os aspectos estilísticos da língua, tece considerações sobre diversas teorias, fazendo a defesa da linha de Bally, que "as modernas correntes deixam intocada", (p. 40)

1.2.2 A ESTILÍSTICA COMO SOCIOL1NGUÍSTICA

Entre os linguistas ingleses voltados para a Estilística, é oportuno mencionar aqui David Crystal e Derek Davy, que, embora não se prendam à corrente iniciada por Bally, apresentam alguns pontos comuns. Segundo estes autores (Investigating English Style, 1969), a Linguística é a disciplina acadêmica que estuda cientifica-mente a linguagem, e a Estilística é uma parte dessa disciplina que estuda certos aspectos da variação linguística. A língua não é um todo homogéneo, pois nas diferentes situações que se nos apresentam em nossa vida social, usamos diferentes variedades de linguagem. Quando falamos a uma criança, por exemplo, usamos uma linguagem diferente da que usamos com um adulto; quando con-versamos com uma pessoa da família não nos expressamos da mesma forma que ao conversarmos com alguém de pouca intimidade. A linguagem de uma carta é diferente da de um ensaio científico, a de.um sermão da de um discurso político, e assim por diante. Cabe à Estilística estudar as variedades, quer da língua falada,

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quer da língua escrita, adequadas às diferentes situações e próprias de diferentes classes sociais. Para estes autores Estilística é Sociolinguísti-ca, e pode ser útil a muita gente: ao sociólogo, ao psicólogo, ao filósofo, ao crítico.literário, às pessoas comuns, enfim, a todos os interessados no uso da linguagem na sociedade.

Os autores reconhecem que o primeiro passo na análise estilística — apreensão dos traços estilísticos — é forçosamente intuitivo, mas o estilólogo deve falar objetivamente sobre eles. Procuram fornecer um método de análise que possa ser utilizado pelos interessados na investigação do comportamento linguístico, considerando ser necessário cuidar do treinamento de analistas. Entre os textos que eles analisam não incluem nenhum texto literário, explicando que, pela sua complexidade, a linguagem literária só deve ser analisada em etapa posterior; dado o seu caráter mimético, especialmente na prosa de ficção, a linguagem literária pode incluir características de todos os outros tipos de linguagem e, por isso, só deve ser analisada quando os tipos mais simples e específicos já tenham sido adequadamente descritos e os analistas devidamente treinados.

1.2.3 A ESTILÍSTICA LITERÁRIA

A outra grande corrente da Estilística é a literária, iniciada por Leo Spitzer, também chamada idealista (por se prender à filosofia idealista de B. Croce e K. Vossler), psicológica (por lhe interessar a psicologia do escritor) e genética (por pretender chegar à gênese, ou origem, da obra literária). Spitzer declara ter recebido na universidade uma sólida formação humanística, que contudo não correspondeu a suas expectativas: o divórcio dos estudos linguísticos e literários, ambos norteados por uma visão historicista, deixou-o decepcionado e daí nasceu-lhe a ambição de estabelecer uma ponte entre a Filosofia e a Literatura; que seria a Estilística.

A Estilística de Spitzer parte da reflexão, de cunho psicologis-ta, sobre os desvios da linguagem em relação ao uso comum; uma emoção, uma alteração do estado psíquico normal provoca um afastamento do uso linguístico normal; um desvio da linguagem usual é, pois, indício de um estado de espírito não-habitual. O estilo do escritor — a sua maneira individual de expressar-se — reflete o seu mundo interior, a sua vivência. Spitzer concebeu um método de estudo de estilo que chamou "círculo filológico". Consistia, bem resumidamente, no seguinte: inicialmente lia e relia, paciente e confiantemente uma obra, de grande artista, pois a escolha do au-tor já pressupõe uma valoração; graças à intuição, encontrava um traço estilístico significativo que servia como ponto de partida para a penetração no centro da obra, isto é, o espírito do autor, o princípio de coesão; a associação desse pormenor a outros permitia a apreensão do princípio criador, da forma interna, enfim levava à visão totalizadora da obra. E esse princípio criador devia ser confirmado pelos múltiplos aspectos da obra. Uma marca dos trabalhos de Spitzer foi o pensamento de que a intenção do autor é algo específico, definido e, em princípio, encontrável. Dotado de excepcional acuidade de observação, de intuição rara e de vastíssima cultura, Spitzer empreendeu trabalhos de valor, principalmente sobre autores franceses (Rabelais, Racine, La Fontaine, Diderot, Proust, etc.). Seus estudos são independentes uns dos outros, adaptações do seu método à natureza específica de cada obra estudada, e não se apresentam em uma linha coesiva. A obra mais acessível para um contacto com a Estilística de Spitzer é a coleção de ensaios intitulada Linguística e história literária.

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Já Erich Auerbach (1892-1957), dono também de incomensurável cultura, empreendeu uma obra gigantesca, considerada "o mais vasto, o mais abrangente, o mais profundo e erudito estudo de estilo que já se produziu" (cf. Graham Hough), combinando a abordagem sincrônica com a diacrônica. A sua obra Mimesis — a representação da realidade na literatura ocidental (1946) contém vinte ensaios separados sobre textos que cobrem um espaço de 3.000 anos, do Velho Testamento e da Odisseia até os irmãos Gon-court e Virgínia Woolf. O objetivo da obra é nada menos que apreender os vários modos por que a experiência dos homens, histórica, social, moral e religiosa, tem sido representada em forma literária nas várias fases da cultura ocidental. Cada ensaio tem a densidade e particularidade de um erudito artigo individual, mas o conjunto é dirigido por um só propósito e dele emerge um padrão coerente e não forçado. A conexão entre as observações linguísticas sobre vocabulário ou sintaxe e as demais considerações a que elas conduzem é sempre clara. Auerbach é um historiador da cultura e chega a conclusões de grande alcance e generalidade, mas estas considerações são sempre apoiadas com segurança em uma base linguística (cf. Graham Hough). No dizer de Victor Manuel Aguiar e Silva, "em vez do nexo entre estilo e sentimento que encontramos na teoria spitzeriana, aparece em Auerbach a vinculação entre estilo e ideologia, entre estilo e concepção da realidade". (Teoria da literatura, p. 595)

Na corrente da Estilística literária deve ser mencionada também a doutrina de Dâmaso Alonso, poeta, filólogo e linguista espanhol. A sua obra Poesia espanhola inclui capítulos teóricos, em que o Autor expõe suas ideias estilísticas, e estudos de vários poetas do Século de Ouro (Garcilaso de Ia Vega, Gôngora, Fray Luís, Lope de Vega, San Juan de Ia Cruz). Dâmaso Alonso faz a apologia da Estilística literária, que deve ser considerada "irmã mais velha e guia de toda estilística da fala usual e não sua borralheira", sendo a diferença entre fala usual e fala literária questão de matiz e grau. O objeto da Estilística é bem amplo, global, abrangendo "o imaginativo, o afetivo e o conceitual". A obra literária caracteriza-se pela unicidade, por ser "um cosmo, um universo fechado em si". Toda obra literária encerra um mistério e sua compreensão depende basicamente da intuição, podendo-se, entretanto, estudar cientificamente os elementos significativos presentes na linguagem. Só merecem estudo as grandes obras literárias, "aquelas produções que nascem de uma intuição, quer poderosa, quer delicada, mas sempre intensa, e que são capazes de suscitar no leitor outra intuição semelhante à que lhes deu origem". A obra move-se, pois, entre duas in-tuições: a intuição criadora do autor e a intuição atualizadora do leitor, (p. 38)

Há (ainda para D. Alonso) três modos de compreender a obra literária, marcados por um crescente grau de precisão. O primeiro é o do leitor comum, que não procura analisar nem exteriorizar suas impressões. É uma intuição totalizadora, que se forma no processo da leitura e que reproduz a intuição totalizadora que deu origem á obra, isto é, a intuição do autor. Esta leitura, cujo objetivo primário é o prazer, é o fundamento das outras espécies de conhecimento.

O segundo grau de compreensão é o do crítico, cujas qualidades de leitor são excepcionalmente desenvolvidas, tendo ele uma capacidade receptiva mais intensa e mais extensa que a comum; o crítico exerce uma atividade expressiva, comunicando as imagens intuitivas recebidas. Ele transmite suas reações de modo criativo e poético, sem explicar o como e o porquê da produção da obra. A crítica é

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uma arte. Dâmaso Alonso aceita a crítica impressionista, mas rejeita a história literária convencional.

O terceiro grau de compreensão da obra literária é o da tentativa de desvendar os mistérios da criação de uma obra e dos efeitos dessa obra sobre os leitores. Surge aqui a intenção de explicar cientificamente os fatos artísticos, sendo essa abordagem científica a Estilística.

O poema se nos apresenta como uma sucessão temporal de sons (os significantes) vinculada a um conteúdo espiritual (o significado). Dâmaso Alonso atribui a significante e significado conceitos diferentes dos de Saussure. Para ele o significante não é apenas "a imagem acústica", mas o som físico também; e o significado não é um mero conceito, mas uma complexa carga psíquica que pode in-cluir emoção, afetividade, volição, intencionalidade, imaginação.

O significante total A é ligado ao significado total B por numerosos nexos parciais. Além dos nexos verticais, há os horizontais.

A – a1 . . . . a2 . . . . a3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . an

B – b1 . . . . b2 . . . . b3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . bn

Como significantes totais temos: a obra, o poema, a estrofe, o verso, o vocábulo, e como significantes parciais o ritmo, a entoação, a sílaba, o acento. O significado total é a representação da realidade e os significados parciais os múltiplos elementos sensoriais, afetivos e conceptuais que essa representação comporta.

As séries de nexos verticais (a1 — b1) e horizontais (a1 .... a2); (b1 .... b2) é que constituem o poema como um organismo — extremamente complexo e delicado. A primeira função da Estilística é investigar as relações entre os elementos parciais e, sendo estes muito numerosos, selecionar os mais relevantes e reveladores. É neces-sário acrescentar que Dâmaso Alonso se mostra pessimista quanto ao alcance da Estilística na apreensão da essência do poema, que lhe parece um mistério indevassável.

Como a de Spitzer, a Estilística de Dâmaso Alonso é psicolo-gista, atribuindo papel proeminente à intuição. Enquanto Spitzer se mostrava mais preocupado com a manifestação do autor na obra, Dâmaso Alonso se sente mais espicaçado pelo mistério da criação poética, pela pergunta: O que é o poema? O que é a obra li-terária?

Outro estilólogo espanhol, Amado Alonso, mais otimista quanto às possibilidades da Estilística, apresenta as duas correntes que vimos examinando como complementares e não distintas. A primeira Estilística, a da língua, cuida dos recursos expressivos de natureza linguística: dos indícios que se sobrepõem aos signos, do lado afetivo, ativo, imaginativo e valorativo das formas da língua. Tais valores expressivos tanto se encontram na língua falada como na literária. Essa primeira Estilística é a base de uma outra de maior amplitude, a Estilística literária ou da obra (ou da 'fala', por ser de cunho individual). A tarefa da Estilística literária é examinar como é constituída a obra literária e considerar o prazer estético que ela provoca no leitor; quer dizer, o que interessa à Estilística literária é

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a natureza poética do texto. Traços linguísticos, dados históricos, ideológicos, sociológicos, psicológicos, geográficos, folclóricos, etc., a visão de mundo do autor, tudo se engloba no valor estético da obra, que está impregnado do próprio prazer do autor ao criá-la e que vai suscitar no leitor um prazer correspondente. Cabe à Estilística, "nova disciplina filológica", procurar, aquilatar e re-tificar os métodos convenientes para fazer estudos rigorosos do poético.

O conceito de estilo comporta para Amado Alonso a mesma duplicidade. Em sentido mais restrito, estilo é o uso especial do idioma pelo autor, uma mestria ou virtuosismo idiomático como parte da construção. Em sentido amplo, estilo é toda a revelação do artista, é o homem, conforme a expressão de Buffon: "le style c'est 1'homme même".

Alicia Yllera, traçando a história crítica das ideias estilísticas (Estilística, Poética e Semiótica Literária), depois de expor a posição de Amado Alonso, salienta a sua importância, mostrando que ele não só sintetiza as principais tendências de autores que o precederam como também prenuncia certos aspectos da Estilística estrutural moderna ou da Semiótica literária. A Bally se prende a sua concepção dos elementos afetivos, ativos, imaginativos e valorati-vos da linguagem. A Spitzer a sua compreensão do estilo como revelação do homem. Ao estruturalismo, a preocupação com o modo de construção da obra. À Semiótica, a distinção entre signo (referência lógica, intencional ao objeto) e indício (expressão, sugerên-cia da realidade psíquica).

A esses ilustres representantes da Estilística literária deve-se acrescentar ainda Helmut Hatzfeld, estilólogo a quem se deve, além de importantes ensaios, o levantamento e a crítica de vastíssima bibliografia da Estilística aplicada às literaturas românicas. Na sua doutrina, bem como nas de Damaso e Amado Alonso, se baseia a obra de José Luís Martin, Crítica estilística, que propõe um método de análise estilística da obra literária.

1.3 A ESTILÍSTICA FUNCIONAL E ESTRUTURAL

Em meados do século, a Estilística (ainda que com outra denominação) se desenvolve, em grande parte, baseada nos estudos de Roman Jakobson. A Estilística se diz funcional, quando relacionada às funções da linguagem, conforme a apresentação que delas fez o autor checo; diz-se estrutural quando se baseia nas relações dos elementos do texto.

Realizando-se em 1958, na Universidade de Indiana, Estados Unidos, uma conferência interdisciplinar sobre o Estilo (cujos trabalhos foram reunidos no volume organizado por Thomas A. Se-beok — Style in language), Jakobson apresentou o trabalho "Linguística e Poética", que, traduzido para numerosas línguas, se tornou de referência praticamente obrigatória nos estudos da lingua-gem, não lhe faltando, contudo, críticas e restrições.

Rejeitando os termos Estilística e estilo, demasiado imprecisos e prejudicados pelo uso indiscriminado, Jakobson os substitui por Poética e Função Poética, respectivamente. O objeto da Poética é esclarecer o que é que faz da mensagem verbal uma obra de arte; a distinção do que é artístico do que não é artístico. A Poética é uma parte da Linguística, pois se ocupa de estruturas linguísticas. Mas

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em que se distinguem o objeto da Poética e o objeto da Linguística? Como distinguir a linguagem poética da linguagem comum?

Jakobson parte do processo de comunicação em que concorrem seis fatores, dispostos no conhecido esquema:

ContextoMensagem

Emissor Contacto Destinatário

Código

A cada um desses fatores corresponde uma função linguística. As funções se realizam simultaneamente, podendo-se notar a relevância de uma em relação a outras, em diferentes enunciados, fato que permite distinguir vários tipos de linguagem (comum, científica, convencional, lírica, épica, publicitária, etc.).

O pendor para o contexto (a realidade, a informação) constitui a função referencial. (Esta função recebe de outros autores nomes diversos: representativa, denotativa, cognitiva, nocional, intelecti-va, ideacional.)

A função resultante do pendor para o emissor é a emotiva (ou expressiva), cuja realização mais pura é a interjeição. É função centrada no locutor, sendo, portanto, evidenciada pelos pronomes e formas verbais da l f pessoa.

A função que incide sobre o destinatário (2f pessoa) é a conati-va (a apelativa, de Bühler), realizada principalmente pelo vocativo e pelo imperativo.

A função ligada ao canal é a fática, que diz respeito ao contacto entre emissor e receptor. É uma função básica, que fica subjacente a outras, pois se não houver contacto, não há comunicação. Ela aparece quase isolada quando não se transmite conteúdo de qualquer relevância: quando se visa a verificar se o canal está funcionando (Você está me ouvindo?), quando se estabelece um contacto (Bom dia, Oi) ou quando se encerra o mesmo (Até logo, Tchau). As crianças que ainda não aprenderam a falar já manifestam o desejo de contacto através de sons que não constituem linguagem propriamente dita, ou seja, linguagem articulada.

Voltando-se a comunicação para a própria linguagem, sendo o código o objeto da comunicação, ou o referente particular do enunciado, tem-se a função metalinguística. Esta função pode ser considerada implícita nas mensagens em que se nota que o emissor, ao fazer sua escolha entre os meios de expressão, fez alguma reflexão de ordem linguística. Em todo texto literário, que pressupõe uma acurada seleção dos meios expressivos, a função metalinguística está subjacente, incorporada à função poética.

A função poética, que vem a ser o pendor para a própria mensagem, correspondendo à sua elaboração como um fim em si mesma, pode sobrepor-se às demais funções, ou ainda estar presente no texto sem ser a de maior proeminência. Jakobson refere-se não só à concomitância das funções como à sua hierarquia. Considera obra poética aquela em que a função poética tem a primazia, e Poética a

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parte da Linguística que trata da função poética nas suas relações com as outras funções da linguagem.

Aproximando a teoria de Jakobson da de Bally, podemos dizer que, enquanto para este a Estilística se concentra na função emotiva da linguagem em relação com a função intelectiva (referencial), para Jakobson a Estilística, ou Poética, se concentra na relação da função poética com as demais funções. Podemos também aproximar Jakobson de Amado Alonso, interessado, como vimos, sobretudo no valor poético do texto literário. À teoria das funções da linguagem prendem-se também os estudos da Linguística da enunciação, a que nos referimos no capítulo 5.

Para explicar a realização da função poética, Jakobson entra na estruturação da frase e do texto (Estilística estrutural), lembrando os dois modos fundamentais do comportamento verbal: a sele-ção (eixo paradigmático) e a combinação (eixo sintagmático). Para exemplificar ele toma uma frase tão simples como "O menino dorme". Sendo o tema da mensagem "uma criança", foi escolhido o substantivo menino entre sinónimos vários (bebê, nenê, infante, guri, etc.) e para comentar o tema um dos verbos aparentados (dorme, cochila, repousa, etc.). As duas palavras escolhidas se combinam na cadeia falada. A seleção se dá na base da equivalência, da similaridade, podendo ser também na base da dissimilaridade (sinonímia/antonímia), enquanto a combinação, a construção da sequência repousa sobre a contiguidade. Ele formula então o princípio da função poética: "A função poética projeta o princípio da equivalência do eixo da seleção sobre o eixo da combinação." Quer dizer que a equivalência, que é própria dos paradigmas da língua, é transposta para o sintagma, que é elemento da fala, do discurso, o qual é comumente constituído de elementos de natureza diferente; por exemplo, o sintagma nominal constituído de artigo — adjetivo — substantivo, com número de sílabas e acentuação geralmente diversos. Jakobson dá como exemplo de equivalência na sequência a célebre frase de César: Veni, vidi, vici. E explica: "É a simetria dos três verbos dissilábicos, com a consoante inicial e a vogal final idênticas, que dá esplendor à mensagem lacónica da vitória de César." A repetição de fonemas em palavras diversas (rima, aliteração, etc.) de um mesmo padrão vocabular (palavras com número de sílabas e posição de acento equivalentes), a série sinonímica, os antôni-mos, a repetição de um mesmo segmento melódico (pé métrico, verso), a simetria, o paralelismo, são, pois, exemplos de equivalên-cias transpostas para a sequência do discurso, constituindo recursos poéticos. Pode-se observar, entretanto, que esse princípio, muito preso à natureza formal do texto, não chega a abranger todos os caracteres da linguagem poética.

A especificidade estilística depende, pois, de uma relação das formas no interior da mensagem (cf. Dâmaso Alonso) e é esta estrutura do texto (que não se deve confundir com a estrutura do código) que o pesquisador deve determinar. A Estilística estrutural salienta que o valor estilístico de um signo depende de sua posição no seio de um sistema. Todo signo pertence a duas estruturas, a do código, que define seu lugar numa categoria (estrutura paradigmática), e a da mensagem, na qual ocupa uma posição determinada (estrutura sintagmática). Daí as duas possibilidades: estudar a forma do signo em relação ao texto ou em relação ao sistema linguístico a que pertence; estudar os efeitos expressivos realizados no texto ou estudar os recursos expressivos em potencial na língua.

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Jakobson mostra que o efeito poético repousa sobre uma combinação das duas estruturas: a análise da mensagem não deve dispensar a análise do sistema, do código. O efeito de um vocábulo depende não só da frase, do contexto em que se encontra, como da tonalidade significativa que se sente em confronto com outros vocábulos equivalentes. Aplicando essas considerações ao verso de Bi-lac: "O ângelus plange ao longe em doloroso dobre", pode-se dizer que o valor expressivo de plange, por exemplo, está no vocábulo em confronto com chora, toca, ou outro que poderia ocupar a mesma posição, mas esse valor é intensificado pelo seu relacionamento com ângelus e longe, que contêm fonemas comuns, sendo especial-mente expressivos os fonemas nasais, que sugerem som prolongado, distante, lamentoso.

Esquematizando a doutrina, tem-se:

As estruturas do signo são

a) paradigmáticas – categoria do sistema linguístico

b) sintagmáticas – posição no texto

A estilística pode tratar

a) dos meios expressivos em potencial na língua

b) dos efeitos alcançados pelo seu uso no texto.

É oportuno salientar que Jakobson valoriza o papel da gramática no texto poético, negando a ideia vigente no seu tempo de estudante de que as ideias e o conteúdo emocional constituíam a essência e o valor do texto. Para ele as questões do verso, de sua matéria sonora e a problemática gramatical são indissolúveis e de igual im-portância. As categorias gramaticais repetidas ou contrastantes têm função de composição, daí o seu cuidado de descobrir o perfil gramatical de um texto e valorizar o seu efeito artístico (cf. Diálogos, p. 110).

Entre outros autores que seguem a Estilística estrutural temos Michael Riffaterre (Estilística estrutural) e Samuel Levin (Estruturas linguísticas na poesia).

Riffaterre considera a Estilística estudo exclusivo da mensagem, negando a pertinência estilística do sistema (o que se pode considerar uma posição radical contestável). O estilo é fato resultante da forma da mensagem e repousa sobre uma dupla série de procedimentos: uns decorrentes de uma convergência (paralelismo, colocação de elementos linguísticos equivalentes — fônicos e se-mânticos — em posições equivalentes), e outros decorrentes dum contraste dos signos. Os signos não têm valor absoluto, mas um valor resultante de uma oposição e contacto com outros signos. Somente no contexto é que se atualiza o valor expressivo. Ponto importante da teoria de Riffaterre é a ênfase dada ao leitor: o estudo do estilo só pode ser definido em função do leitor, sendo destituída de pertinência estilística toda referência ao autor. Os estudos estilísticos devem ter por

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base, portanto, depoimentos de leitores diversos, críticos, pessoas de alguma cultura literária.

Samuel Levin, aplicando o princípio da função poética de Ja-kobson, procura descrever as estruturas linguísticas que distinguem a linguagem da poesia da linguagem comum. Toda a sua tentativa de descrição tem por núcleo a estrutura que ele chama acoplamento ("coupling") e que consiste no seguinte: duas formas equivalentes — seja pelo som, seja pelo sentido — dispostas na cadeia falada em posições equivalentes. O acoplamento é, pois, a convergência (v. Riffaterre) de duas equivalências, uma de posição e outra de natureza (fonética ou semântica), e constitui um modo de integração e de amplificação do poema. A rima é o exemplo mais claro de acoplamento, visto que palavras com coincidência de sons são apresentadas em posição equivalente (conforme os esquemas rimàticos das composições de forma fixa). O emprego de sinónimos, antônimos, de palavras com alguma correlação de sentido em posições equivalentes está no mesmo caso. E também o metro (sequência fônica com determinado número de sílabas e acentos, que se reproduz no texto com certa regularidade). Enfim, são acoplamentos as construções que apresentam algum tipo de paralelismo.

Embora considerando que o acoplamento é uma das estruturas importantes em poesia, reconhece Levin que por si só ele não explica a unificação do poema. E, em relação ao grau desejável do seu emprego em poesia, adverte que seria um erro concluir que quanto mais acoplamentos se encontrem num poema tanto melhor será ele. Pelo contrário, poderá ser um poema banal. O efeito do processo depende da ação e interação simultânea de todos os outros fatores que atuam sobre o poema. Depois de expor o seu método, Levin aplica-o na análise de um soneto de Shakespeare, mas esclarece não pretender uma interpretação global do texto, e sim uma demonstração do papel desempenhado pelo acoplamento. Na conclusão da análise diz ser a sua função principal unificar o texto e facilitar a sua memorização.

Para deixar mais claras estas ideias formuladas pela Estilística estrutural, tomemos o exíguo texto de um haicai de Guilherme de Almeida, "Pensamento":

O ar. A folha. A fuga.

No lago, um círculo vago.

No rosto, uma ruga.

(Toda a poesia, VI, p. 131)

O texto, de 17 sílabas poéticas, é formado por 5 frases nominais, havendo, portanto, equivalência estrutural: as três primeiras com a sobriedade de artigo definido mais substantivo, e as duas últimas, um pouquinho mais desenvolvidas, iniciadas por um sintag-ma nominal preposicionado com a ideia de lugar, destacado por pausa. Estes sintagmas preposicionais apresentam uma equivalência de sentido, visto que designam uma superfície e os sintagmas que a eles se seguem indicam a linha, o traço que se forma nas superfícies. Temos, portanto, equivalência de posição e equivalência de significado, o que vem a ser um acoplamento. Note-se também a equivalência dos artigos: definidos nas três

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frases do primeiro versos e nos sintagmas adverbiais, e indefinidos nos sintagmas subor-dinantes dos 2º e 3º versos. Quebrando levemente a simetria entre o segundo e o terceiro versos, o substantivo círculo, que ocupa o centro do "círculo" formado pelo poema, é o único acompanhado de adjetivo. Representando por X o sintagma nominal formado por artigo definido e substantivo e por Y o sintagma com artigo indefinido, por p a preposição e por A o adjetivo, tem-se este esquema que evidencia a equivalência estrutural:

x.x.x.

pX, Y A pX, Y.

Outros acoplamentos de posição/natureza, observamos em: folha e fuga, que além de estarem em posição equivalente, se relacionam pela aliteração do /f/ e pela vogal final comum (que se pode chamar rima atônica); associam-se ainda pelo sentido já que é sugerida a fuga da folha pelo ar, como símbolo do pensamento. Fuga acopla-se ainda a ruga pela rima e pela posição final no verso. No segundo verso temos uma rima entre palavras colocadas no início e no final (equivalência por oposição): no lago /vago. O terceiro verso apresenta ainda o acoplamento rosto/ruga, que têm a aliteração do /r/, o mesmo número de sílabas, a mesma posição do acento, e ainda se encontram em relação metonímica (ruga = traço do rosto).

A analise das equivalências e convergências da sintética composição revela como elas enriquecem o poder sugestivo das palavras.

1.4 ESTILÍSTICA E RETÓRICA

Como foi visto, a Estilística despontou nas primeiras décadas deste século como uma disciplina de intenção mais ou menos científica, sem o objetivo prático de ministrar conselhos ou normas a quem fala ou escreve. Contudo, ela não pode ser completamente desligada de estudos sobre a expressão linguística feitos em séculos anteriores, a saber, a Retórica, que se ocupou da linguagem para fins persuasivos e artísticos.

O desenvolvimento da literatura pressupõe uma atividade reflexiva em torno dos recursos expressivos da língua e não se pode conceber a culminância dos poemas homéricos sem imaginar por trás deles uma longa tradição do cultivo da linguagem, ainda que não se tenham conservado documentos teóricos comprobatórios. A acentuada valorização da palavra, do discurso, que impregna as falas dos heróis homéricos (ressalte-se, por exemplo, ser a facúndia um dos altos predicados de Ulisses) nos faz crer numa retórica as-sistemática, bem anterior à de Corax e Tísias, apontados como os primeiros mestres da arte do discurso (século V a.C.). Diz Cícero, em sua obra Brutus, que foram esses dois homens os primeiros a reunir alguns preceitos teóricos do discurso argumentativo no empenho de ajudar os proprietários de terras da Sicília a defenderem seus direitos violados por tiranos. Anteriormente, ainda que muitos se houvessem esforçado em falar ordenada e cuidadosamente, ninguém, ao que se sabe, tinha seguido um método definido de arte. Atribui-se a um discípulo de Tísias — Górgias (séculos V-IV a.C.) a

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introdução da Retórica em Atenas, onde floresceu com os sofistas. Valorizando a destreza verbal, a apresentação convincente dos argumentos, Górgias não manitestava preocupação quanto à veracidade dos fatos, razão por que a sua Retórica se tornou objeto de críticas. Essa irresponsabilidade moral passa a ser condenada, reivindicando-se para a Retórica um papel mais nobre que o da sim-ples persuasão. Visto o discurso como o fundamento da sociedade humana, o meio pelo qual o homem expressa sua sabedoria, a educação para o bom uso da palavra é defendida como a mais benéfica e desejável. Esse ideal seria mais tarde defendido magnificamente por Cícero, bem como por Quintiliano, e continuado pela Idade Média e pelo Classicismo, desempenhando importante função educativa. Alguns dos diálogos de Platão censuram a Retórica pela possibilidade do uso de técnicas persuasivas para fins desonestos e apresentam uma redefinição da Retórica, defendendo o primado da sabedoria e da verdade sobre a habilidade verbal. A sabedoria é o princípio e o fim da eloquência.

É, porém, Aristóteles quem escreve um verdadeiro tratado — A Retórica (possivelmente em 339-338 a.C.), obra extensa, fértil em ensinamentos, discutindo, analisando, ordenando todos os aspectos da arte do discurso, de maneira prática e percuciente. Segundo José Luís Martin, que traça um bom histórico dos estudos retóricos e estilísticos, das suas remotas origens até o século XX, Aris-tóteles não só conclui toda uma era da critica, como também começa outra: a crítica literária ocidental. Os dois livros de Aristóteles, A Retórica e A Poética, formam os dois pilares em que se fundou a crítica tradicional do Ocidente, até chegar a Charles Bally (Crítica estilística, p. 90).

Aristóteles dá particular relevo às provas da causa em questão e procura mostrar que a Retórica, não menos que a Lógica, tem sua própria espécie de rigor intelectual. A Retórica é primariamente uma técnica de argumentação, mais do que de ornamentação. Ao tratar do estilo, afirma ser a clareza, que se alcança pelo emprego dos termos próprios, a sua principal virtude: "Se o discurso não tornar manifesto o seu objeto, não cumpre a sua missão." O ora-dor deve adequar o estilo às diferentes situações, evitando tanto o estilo rasteiro como o empolado. A elegância de linguagem pode ser obtida principalmente pela metáfora, que "é o meio que mais contribui para dar ao pensamento clareza, agrado e um certo ar estrangeiro" (cf. p. 209). Salienta também a importância do epíteto e do diminutivo, aconselhando, contudo, a moderação no uso de um e outro. Muito pertinentes são também as considerações sobre o ritmo, o qual concorre para que o discurso ganhe majestade e realize a sua função de comover. O discurso deve ter ritmo, mas não metro, pois neste caso se tornaria poema. São comentados os valores ritmicos de vários tipos de frases, as construções antitéticas, simétricas, sempre com fartos exemplos. Os últimos capítulos da Retórica tratam das partes do discurso, suas finalidades e características.

Na Poética, que é pouco posterior à Retórica e que nos chegou incompleta, Aristóteles trata da conceituação de poesia como imitação da realidade (mimese), dos géneros poéticos (tragédia e epopeia, sobretudo) e da elocução poética, mencionando aspectos comuns à oratória, como a clareza; refere-se aos desvios da linguagem comum que tornam a linguagem da poesia mais elevada, e enfatiza especialmente o valor da metáfora: "É importante saber empregar a propósito

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cada uma das expressões por nós assinaladas, nomes e glosas; maior todavia é a importância do estilo metafórico. Isto só, e que não é possível tomar de outrem, constitui a característica dum rico engenho, pois descobrir metáforas apropriadas equivale a ser capaz de perceber as relações." (Cap. XXII).

Com o seu gênio classificatório, Aristóteles ordena, divide, subdivide os múltiplos elementos da arte oratória e da poética, mas não se detém numa classificação pormenorizada das figuras de linguagem. Seriam os retóricos posteriores que iriam multiplicar as observações sobre os fenómenos da expressão, elevando incessante-mente o número das denominações e complicando a sua classificação. O estudo da elocução chegará a sobrepor-se ao das demais partes da Retórica (invenção, disposição, ação e memória), ficando ela confinada às figuras do discurso (cf. Fontanier: Les figures du discours), quando não aos tropos (cf. Dumarsais: Traité des tropes).

Nos grandes retóricos do Classicismo, a Retórica já se confundira com a Poética, oferecendo orientação para a elaboração literária em geral e estabelecendo critérios para o julgamento das obras.

Com a profunda mudança de ideias que se dá a partir do século XVIII (Romantismo), com a valorização do individual e repúdio de normas estabelecidas e da imitação como princípio artístico, a Retórica cai em desprestígio, passa até a ser ridicularizada. Muito contribuiu para isso a obsessão da nomenclatura, da classificação pela classificação, que fazia do texto literário um pretexto para a identificação e denominação das figuras, com prejuízo da emoção e do prazer que ele deveria proporcionar. Charles Bally, por exemplo, rejeita a complicação retórica para classificar aquilo que ele

chama simplesmente "categorias expressivas" com termos técnicos rebarbativos e pedantes e que não designam tipos definidos. "Se uma terminologia é necessária, é preciso refazê-la; para nós, que só procuramos a razão de ser e as formas naturais e expressivas das imagens, nossa classificação será muito mais simples." (Traité, p. 187.) Não obstante os repetidos ataques à nomenclatura retórica, termos como metáfora, metonímia, onomatopéia, prosopopéia, alegoria, hipérbole, anacoluto, zeugma, etc. continuaram a ser usados, não tendo sido nem substituídos nem dispensados.

Por volta dos anos sessenta, pode-se presenciar um movimento de revalorização da Retórica, uma nova avaliação da sua contribuição ao estudo dos fatos da linguagem. Pierre Guiraud, depois de apresentar as linhas principais que nortearam a Retórica nos seus vinte e tantos séculos de desenvolvimento, dá um balanço do seu legado: "A Retórica é a Estilística dos antigos; é uma ciência do esti-lo, tal como então se podia conceber uma ciência. A análise que nos legou do conteúdo da expressão corresponde ao esquema da linguística moderna: língua, pensamento, locutor. As figuras de dicção, de construção e de palavras definem a forma linguística em seu tríplice aspecto fonético, sintático e léxico; as figuras de pensamento, forma do pensamento; os géneros, a situação e as intenções do sujeito falante. Alguns dos seus aspectos podem parecer-nos ingénuos T- muito menos do que se poderia julgar à primeira vista — mas de todas as disciplinas antigas, é a que melhor merece o nome de ciência, pois a amplidão das observações, a sutileza da análise, a precisão das definições, o rigor das

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classificações constituem um estudo sistemático dos recursos da linguagem, cujo equivalente não se encontra em qualquer dos outros conhecimentos daquela época." (A Estilística, p. 36; La stylistique, p. 20.) É possível que esse julgamento seja excessivamente favorável, mas é inegável a importância da contribuição da Retórica para o conhecimento dos fatos da linguagem em geral (visto que as figuras não são exclusivas da linguagem literária) e da linguagem artisticamente elaborada em particular.

Obras modernas que tratam da Retórica com profundeza e amplitude consideráveis são Elementos de Retórica Literária, de Heinrich Lausberg (Elementer der Literarischen Rhetorik, Mun-chen, 1963; l? ed. 1949; tradução portuguesa, 1965), modestamente considerada pelo autor um manual introdútório, e o Dictionnaire de Poétique et de Rhétorique, de Henri Morier(lª ed. 1961; 2ª ed., consideravelmente aumentada, 1975).

Vários autores, como Roland Barthes, Gerard Genette, J. Co-hen, Chaim Perelman e L. Olbrecht-Tyteca, entre outros, têm renovado os estudos retóricos em obras de real importância. Grande repercussão tem tido a retomada da Retórica em nova base científica por um grupo de professores da Universidade de Liege, Bélgica, na obra Rhétorique générale. Os autores (J. Dubois, F. Edeline, J.M. Klinkenberg, P. Minguei, F. Pire e H. Trinon) propõem-se a estudar a função retórica (denominação que preferem à função poética de Jakobson), considerando que essa função implica alterações múltiplas da linguagem, e denominam metábole "todo tipo de mudança de um aspecto qualquer da linguagem". Essas mudanças se enquadram em quatro tipos: as alterações da expressão (signifi-cantes) são os metaplasmos (alterações de palavras) e metataxes (alterações de frases); as alterações de conteúdo (significado) são os metassememas (palavras) e metalogismos (frases). Essas alterações podem dar-se por supressão, por adjunção ou acréscimo, ou por supressão-adjunção de elementos linguísticos (alterações substanciais) ou podem ocorrer na ordem dos elementos (alterações relacionais). Os metalogismos — que correspondem às figuras de pensamento — não alteram os elementos linguísticos mas afetam a lógica do enunciado. A descrição das figuras retóricas ou metáboles se baseia em conceitos operatórios não muito precisos, de difícil definição, a saber: grau zero, desvio, marca, redundância, autocorre-ção e invariante. O resumo do item 2 (conceitos operatórios) do capítulo I dá uma ligeira ideia da orientação da obra e do seu objeto:

"Em resumo, a retórica é um conjunto de desvios suscetíveis de autocorreção, isto é, que modificam o nível normal de redundância da língua, transgredindo regras, ou inventando outras novas. O desvio criado por um autor é percebido pelo leitor graças a uma marca, e em seguida reduzido graças à presença de um invariante. O conjunto dessas operações, tanto as que se desenvolvem no produtor como as que têm lugar no consumidor, produz um efeito estético específico, que pode ser chamado ethos e que é o verdadeiro objeto da comunicação artística. A descrição completa de uma figura de retórica deve então obrigatoriamente comportar a de seu desvio (operações constitutivas do desvio), a de sua marca, a de seu invariante e a de seu ethos." (p. 66-67) (Entretanto o estudo mais desenvolvido do ethos não chegou a entrar neste volume.)

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A Retórica Geral toma exemplos, não muito numerosos, quer da linguagem literária, quer da jornalística. É uma obra sobrecarregada de teoria, que exige do leitor certo tirocínio nos estudos linguísticos ou. retóricos.

1.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo muito numerosos os autores que se ocuparam ou que se vêm ocupando de Estilística e Retórica, apresentando novas ideias e teorias, e não .sendo a intenção deste trabalho fazer um histórico minucioso do seu desenvolvimento, muitos estudiosos de vulto, como Roland Barthes, Carlos Bousono, Gérard Genette e outros, não foram mencionados. Acreditamos, entretanto, que a síntese apre-sentada seja suficiente para dar ideia das teorias principais, bem como da complexidade e da importância da matéria.

Pela incursão feita através das obras mais significativas da Estilística e da Retórica, pode-se ver que noções fundamentais da pri-.meira já se encontravam na segunda, como a de desvio e escolha, das variedades de linguagem conforme a situação ou estado emotivo do falante, da expressividade, e do efeito suscitado no leitor ou ouvinte.

A Estilística tem um campo de estudo mais amplo que o da Retórica: não se limitando ao uso da linguagem com fins exclusivamente literários, interessa-se pelos usos linguísticos correspondentes às diversas funções da linguagem, seja na investigação da poeti-cidade, seja na apreensão da estrutura textual, seja na determinação das peculiaridades da linguagem devidas a fatores psicológicos e sociais.

As várias teorias estilísticas, cada qual com a sua contribuição, podem ser compreendidas em dois grupos: as que consideram o fenômeno estilístico como objeto de pesquisa em si mesmo, e as que o consideram como o meio privilegiado de acesso à interioridade do escritor. A primeira é a Estilística de expressão ou linguística, a segunda a do indivíduo, a literária. Em ambos os casos se reconhece na linguagem uma função representativa (intelectiva, referencial, denotativa), que diz respeito a um conteúdo objetivo, nocional, e um função expressiva, apoiada na primeira, que diz respeito a um conteúdo subjetivo, o qual constitui o fato estilístico, atingindo sua intensidade máxima na língua literária (cf. P. Barucco, Éléments de stylistique).

O caráter científico da Estilística — ou a sua pretensão de atingir o estatuto de ciência — advém do seu objetivo de explicar os usos da linguagem que ultrapassam a função puramente denotativa, com maior exatidão e sem o propósito normativo que caracterizou a Retórica. Contudo, não se logrou ainda um método rigoroso que assegure sua condição de ciência e o seu objeto não está satisfa-toriamente delimitado.

O estudo que ora apresentamos trata da expressividade da língua portuguesa, isto é, os meios que ela oferece aos que falam ou escrevem para manifestarem estados

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emotivos e julgamentos de valor, de modo a despertarem em quem ouve ou lê uma reação também de ordem afetiva.

Seguimos, pois, a linha descritiva, iniciada por Bally, com aproveitamento das lições de mestres diversos, especialmente Ja-kobson, que tão bem relacionou a arte literária com os elementos linguísticos. Evidentemente, só será apresentada uma parte do universo expressivo de nossa língua, sendo impossível, mesmo em obra de maior proporção e ambição, apresentar a totalidade (ou quase) dos recursos que constituem o seu potencial, mesmo porque esse potencial está em constante renovação.

Embora com alguma frequência se examinem fatos de linguagem comum, é principalmente dos textos literários que são tomados exemplos que permitem deduzir as possibilidades estilísticas do português nos três níveis: fonético, léxico, sintático. Esses exemplos são forçosamente destacados do seu contexto, o que impede que se perceba a plena extensão do seu valor expressivo, relacionado a outros elementos da rede estilística. Entretanto, pela indicação das obras de que foram extraídos, poderá o leitor ir ao texto original nos casos que lhe despertem maior interesse.

Os procedimentos expressivos, de natureza vária, que aparecem combinados na sequência do discurso, são examinados separadamente nos diferentes capítulos por motivo didático. Mas muitos exemplos tomados para ilustrar um determinado fato, podem ser aproveitados para observação de outras particularidades que neles convergem. Nos três capítulos dedicados à Estilística fônica, léxica e sintática, são estudados respectivamente os valores ligados à sonoridade, à significação e à formação das palavras, à constituição das frases; no capítulo final, são focalizados alguns aspectos do discurso, particularmente os processos de citação e de apresentação da fala nas narrativas de ficção. Enquanto neste predomina a Estilística da enunciação, nos outros tem mais destaque a Estilística do enunciado.

Não tem este trabalho a pretensão de ensinar os leitores a escrever ou orientá-los na formação de uma estilo; tampouco visa a análises literárias integrais. Seu objetivo é despertar maior consciência das imensas possibilidades de expressão da nossa língua, as quais têm sido desenvolvidas e exploradas pelos seus milhões de usuários. O conhecimento da língua do ângulo da expressividade constitui o passo inicial para a compreensão e valoração dos textos literários. Como bem diz Guiraud, "sem ser o objeto nem o fim único da análise estilística, os estudos dos valores expressivos e de seus efeitos é a tarefa maior do estilólogo e o ponto de partida indispensável de toda crítica de estilo" (Essais de stylistique, p. 75).