sem esperança

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Assombrado pela culpa e pelo remorso por não conseguir salvar Hope nem Less, Holder desenvolveu uma personalidade agressiva. Mas, quando finalmente se depara com Hope depois de tantos anos, não poderia imaginar que o sofrimento seria ainda maior após o reencontro. Em Sem esperança, Holder revela como os acontecimentos da infância de Hope, que agora se chama Sky, afetaram sua vida e sua família, fazendo-o buscar a própria redenção na possibilidade de salvá-la. Mas é apenas amando Sky que ele finalmente será capaz de começar a se reconciliar consigo mesmo. -

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  • 7Captulo Um

    Meu corao est dizendo para eu simplesmente ir embora. Less j me avisou mais de uma vez que isso no da minha conta. No entanto, ela no sabe como ser o irmo de algum. No sabe o quanto difcil ficar quieto e no se meter nas coi-sas. por isso que, nesse momento, esse filho da me minha prioridade nmero um.

    Deslizo as mos para dentro dos bolsos de trs da cala e espero que consiga mesmo deix-las a. Estou parado atrs do sof, olhando para ele de cima. No sei quanto tempo ele vai demorar para perceber que estou aqui. Considerando a manei-ra como est segurando a garota sentada em cima dele, duvi-do que perceba logo. Fico atrs dos dois por vrios minutos enquanto a festa continua ao redor, e ningum nem faz ideia de que estou quase surtando. Eu at usaria o celular para ter alguma prova, mas no seria capaz de fazer isso com Less. Ela no precisa ver uma foto do que aconteceu.

    Ei digo finalmente, sem conseguir ficar em silncio nem mais um segundo. Se eu tiver que v-lo apalpando o peito dessa menina mais uma vez, sem um pingo de respeito pelo seu namoro com Less, vou arrancar a porra da mo dele.

    Grayson afasta a boca da dela e inclina a cabea para trs, olhando para cima com a viso desfocada. Vejo o medo surgir em seu rosto no instante em que a ficha cai quando ele final-mente percebe que a ltima pessoa que imaginou que viria para a festa realmente est aqui.

    Holder diz ele, empurrando a garota para o lado. Levanta-se com dificuldade e mal consegue ficar em p. Olha para mim suplicantemente, apontando para a garota, que agora est ajeitando a saia curtssima. No ... no o que parece.

    Tiro as mos dos bolsos e cruzo os braos. Agora meu pu-nho est mais perto dele e preciso cerr-lo, pois sei o quanto seria bom dar um murro em Grayson.

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  • 8Olho para o cho e inspiro uma vez. E outra vez. E mais uma vez s porque estou adorando v-lo constrangido. Balano a cabea e levanto o olhar de novo at ele.

    Me d seu celular.A confuso em seu rosto seria at engraada se eu no es-

    tivesse to furioso. Ele ri e tenta dar um passo para trs, mas esbarra na mesa de centro. Segura-se, pressionando a mo no vidro, e endireita a postura.

    Pegue o seu prprio celular, porra murmura ele, sem olhar para mim enquanto d a volta na mesa. Com calma, ando ao redor do sof e o interrompo, estendendo a mo.

    Me d seu celular, Grayson. Agora.No tenho vantagem fsica porque somos praticamente do

    mesmo tamanho. No entanto, a minha raiva com certeza uma vantagem e Grayson j percebeu isso. Ele d um passo para trs, o que no muito inteligente, pois est se aproximando do canto da sala. Mexe no bolso e finalmente tira o celular.

    Que merda voc quer com meu celular? pergunta ele. Tiro-o de suas mos e disco o nmero de Less, mas no aperto o boto para discar. Devolvo o aparelho.

    Ligue para ela. Diga que um canalha e termine tudo.Grayson olha para o telefone e depois para mim. V se foder retruca ele.Inspiro para me acalmar, alongo o pescoo e estalo o ma-

    xilar. No adianta, continuo sentindo vontade de v-lo sangrar, ento estendo o brao, agarro a gola de sua camisa e o empurro com fora contra a parede, prendendo seu pescoo com o an-tebrao. Lembro a mim mesmo que, se eu der a surra antes de ele fazer a ligao, a calma que mantive nos ltimos dez minutos ter sido em vo.

    Meus dentes esto cerrados; o maxilar, contrado, e minha pulsao dispara na cabea. Nunca odiei tanto algum quanto nesse momento. A intensidade do que eu gostaria de fazer com ele est at me assustando.

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  • 9Olho bem em seus olhos e explico o que vai acontecer nos prximos minutos.

    Grayson digo entre os dentes cerrados. A no ser que queira que eu faa o que eu realmente gostaria de fazer com voc agora, coloque o telefone no ouvido, ligue para minha irm e termine tudo. Depois desligue o telefone e nunca mais fale com ela. Pressiono mais o brao contra seu pescoo, per-cebendo que seu rosto est mais vermelho do que sua camisa devido falta de oxignio.

    T bom murmura ele, tentando se soltar.Espero Grayson olhar para o telefone e apertar o boto

    discar antes de abaixar o brao e soltar sua camisa. Ele pe o telefone no ouvido e no para de me encarar enquanto espera-mos Less atender.

    Sei o quanto vai ficar abalada, mas ela no tem nem ideia das coisas que ele faz escondido. Independentemente, de quan-tas vezes as pessoas contem a verdade para Less, ele sempre arranja uma maneira de voltar para a vida dela.

    Mas no dessa vez. No se eu puder controlar a situao. No vou mais ficar parado, deixando que ele faa isso com minha irm.

    Oi diz Grayson ao telefone. Ele tenta se virar de cos-tas para falar com ela, mas empurro seu ombro contra a parede, fazendo com que se contora.

    No, amor acrescenta, nervosamente. Estou na casa de Jaxon. H uma longa pausa enquanto ele a escuta. Sei que foi o que disse, mas menti. por isso que estou ligando. Less... acho que a gente precisa se afastar um pouco.

    Balano a cabea, indicando que ele precisa deixar claro que o fim do namoro. No quero que se afaste um pouco dela. Quero que d liberdade permanente para minha irm.

    Ele revira os olhos, me mostrando o dedo do meio da outra mo.

    Estou terminando com voc diz ele diretamente. Grayson a deixa falar e fica em silncio. O fato de no demons-

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    trar nenhum pingo de remorso prova o quanto ele um babaca insensvel. Minhas mos tremem e sinto um aperto no peito, pois sei exatamente como Less est nesse momento. Odeio ter que fazer com que isso acontea, mas ela merece algum me-lhor, por mais que no perceba isso.

    Vou desligar diz ele ao telefone.Empurro sua cabea contra a parede mais uma vez e o obri-

    go a olhar para mim. Pea desculpas digo, baixinho, sem querer que ela me

    escute. Ele fecha os olhos, suspira e abaixa a cabea. Desculpe, Lesslie. No queria fazer isso. Ele afasta o

    telefone do ouvido e desliga abruptamente. Fica olhando para a tela por vrios segundos. Espero que esteja contente diz ele, olhando para mim. Voc acabou de partir o corao da sua irm.

    a ltima coisa que Grayson me fala. Meu punho bate na sua mandbula duas vezes e ele cai. Balano a mo, afasto-me e vou at a sada. Antes mesmo de chegar ao carro, meu tele-fone vibra no bolso de trs da cala. Atendo sem olhar para a tela.

    Oi digo, tentando controlar a raiva que deixa minha voz trmula quando a ouo chorando. Estou indo, Less. Vai ficar tudo bem, estou indo para casa.

    J se passou um dia inteiro desde que Grayson fez a ligao, mas ainda me sinto culpado, ento acrescento trs quilmetros a minha corrida noturna para me punir. No achava que Less fosse ficar to arrasada ontem noite. Agora percebo que obri-g-lo a ligar no foi a melhor maneira de resolver a situao, mas no dava para ficar parado e permitir que ele a tratasse to mal.

    O que mais me surpreendeu na reao de Less foi o fato de que sua raiva no estava destinada apenas a Grayson. Foi como se estivesse com raiva de toda a populao masculina. Ela

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    no parava de se referir aos homens como canalhas desgraa-dos, andando de um lado para o outro do quarto, enquanto eu apenas fiquei sentado, observando-a desabafar. Finalmente ela caiu aos prantos, se arrastou para a cama e chorou at pegar no sono. Fiquei deitado sem dormir, sabendo que tambm tive um papel em seu sofrimento. Passei a noite inteira em seu quar-to, em parte porque queria garantir que Less ficaria bem, mas principalmente porque no queria que ela ligasse para Grayson num momento de desespero.

    No entanto, ela mais forte do que pensei. No tentou ligar para ele nem ontem nem hoje. No dormiu muito noite, ento foi para o quarto tirar um cochilo antes do almoo. Contudo, de vez em quando paro na frente do seu quarto s para me certificar de que no a estou ouvindo ao telefone, ento sei que no tentou ligar para ele. Pelo menos no enquanto eu estava em casa. Na verdade, tenho certeza de que a ligao cruel de ontem noite era o que ela precisava para finalmente enxergar quem Grayson realmente .

    Tiro os sapatos na porta e vou at a cozinha para encher meu copo de gua novamente. sbado noite e normalmente eu sairia com Daniel, mas j mandei uma mensagem avisando que hoje vou ficar em casa. Less me fez prometer que eu ficaria aqui, pois ela ainda no queria sair e correr o risco de encon-trar Grayson. A sorte dela ser gente boa, pois no sei quantos garotos de 17 anos abdicariam de uma noite de sbado para assistir a comdias romnticas com a irm inconsolvel. Mas, pensando bem, a maioria dos irmos no tem o que Less e eu temos. No sei se somos to prximos por sermos gmeos. minha nica irm, ento no tenho como comparar. Talvez ela diga que a protejo demais, e talvez at com razo, mas no planejo mudar isso to cedo. Nem nunca.

    Subo a escada, tiro a camisa e abro a porta do banheiro. Ligo o chuveiro, atravesso o corredor e bato na porta dela.

    Vou tomar um banho rpido, pode pedir a pizza?

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    Encosto a mo na porta e estendo o brao para tirar as meias. Eu me viro, jogo-as no banheiro e bato porta nova-mente.

    Less!Como ela no responde, eu suspiro e olho para o teto.

    Se estiver ao telefone com ele, vou ficar furioso. Mas, se estiver falando com Grayson, ele provavelmente est dizendo que o fim do namoro foi totalmente culpa minha e ela que vai ficar furiosa. Enxugo as palmas das mos na bermuda e abro a porta do quarto, preparando-me para ouvir mais um sermo raivoso sobre isso no ser da minha conta.

    Ao entrar no quarto, vejo Less deitada e me lembro imediata-mente de quando era bem novo. Do momento que me mudou. Que mudou tudo a meu respeito. Tudo a respeito do mundo ao meu redor. Meu mundo inteiro deixou de ser um lugar de cores vibrantes e ficou cinza, sem graa. O cu, a grama, as rvores... todas as coisas que eram bonitas perderam seu esplendor no instante em que percebi que era responsvel pelo desapareci-mento de Hope, nossa melhor amiga.

    Nunca olhei para as pessoas da mesma maneira depois da-quilo. Nunca olhei para a natureza da mesma maneira. Nunca olhei para meu futuro da mesma maneira. As coisas deixaram de ter um significado, um propsito, uma razo, e simplesmen-te passaram a ser uma verso fajuta do que a vida deveria ser. De repente, meu mundo exuberante transformou-se numa xerox cinza e sem cor.

    Assim como os olhos de Less.No so seus olhos. Esto abertos, olhando diretamente

    para mim da posio em que ela est.Mas no so seus olhos.A cor dos olhos desapareceu. Essa garota uma xerox cinza

    e sem cor da minha irm.Da minha Less.

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    No consigo me mexer. Fico esperando que ela pisque e ria, curtindo essa porra de pegadinha doentia que est fazendo comigo. Fico esperando meu corao voltar a bater, meus pul-mes voltarem a funcionar. Fico esperando conseguir voltar a controlar o prprio corpo, pois no sei quem o est controlando agora. Com certeza no sou eu. Fico esperando e esperando e me pergunto quanto tempo ela vai ficar assim. Quanto tempo as pessoas conseguem ficar com os olhos abertos desse jeito? Quanto tempo as pessoas conseguem ficar sem respirar antes que o corpo se contora por precisar desesperadamente de ar?

    Quanto tempo vou ficar parado antes de fazer alguma coisa para ajud-la?

    Minhas mos tocam seu rosto, agarram seu brao, balan-am o corpo inteiro at ela ficar nos meus braos e eu a puxar para o meu colo. O frasco vazio de comprimidos cai de sua mo, mas me recuso a olhar para ele. Os olhos continuam sem vida e ela no olha mais para mim, pois a cabea nas minhas mos cai para trs toda vez que tento ergu-la.

    Ela no se contorce quando grito seu nome e no se retrai quando dou um tapa no seu rosto e no reage quando comeo a chorar.

    No faz porra nenhuma.Nem me diz que vai ficar tudo bem quando o que restava

    no meu peito arrancado do meu corpo no instante em que percebo que a melhor parte de mim morreu.

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