segurança no circo

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASFACULDADE DE EDUCAO FSICA

    DIEGO LEANDRO FERREIRA

    SSEEGGUURRAANNAANNOOCCIIRRCCOO::QQUUEESSTTOODDEEPPRRIIOORRIIDDAADDEE

    Orientador: Marco Antonio Coelho Bortoleto

    CIRCUS SAFETY:

    A PRIORITY ISSUE

    Dissertao de Mestrado apresentada Ps-Graduaoda Faculdade de Educao Fsica da UniversidadeEstadual de Campinas para a obteno do ttulo deMestre em Educao Fsica, rea de concentraoEducao Fsica e Sociedade.

    Dissertation presented to the PostGraduationProgramme of the School of Physical Education of StateUniversity of Campinas to obtain the Masters gedree inPhysical Education. Concentration area: PhysicalEducation and Society

    ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE VERSO FINAL DADISSERTAO DEFENDIDA PELO ALUNO DIEGO LEANDRO

    FERREIRA, E ORIENTADO PELO PROF. DR. MARCO ANTONIOCOELHO BORTOLETO.

    Assinatura do orientador

    Campinas, 2012

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    Dedico este trabalho especialmente ao meu PAI Samuel eminha Me Sandra, que me criaram e me deram o que nose pode comprar: honestidade, educao, carter e amor; minha namorada Marilia, que conquistou meu corao e

    soube me entender e apoiar nos momentos difceis; aoGrupo Aerius, empresa que trabalha com atividadescircenses e de aventura, e que forneceu e fornece grandeparte do meu know how tcnico e pedaggico; e, porfim, dedico este trabalho a todos os circenses do Brasil,esperando que ele possa contribuir de alguma forma navida de cada um deles.

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    AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar, agradeo Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Faculdadede Educao Fsica (FEF), em especial Ps-Graduao, que me concedeu a oportunidade derealizar este estudo.

    Agradeo a todos os professores que fizeram parte de minha vida e que de alguma maneiracontriburam para minha formao, neste caso em especial ao meu orientador, Prof. Dr. MarcoAntonio Coelho Bortoleto.

    Agradeo ao Grupo Circus (Grupo de Estudos e Pesquisa das Artes Circenses) e a todos os seusintegrantes. Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) o

    financiamento sem o qual esta pesquisa talvez no fosse possvel.

    Aos especialistas entrevistados, que compartilharam seu conhecimento de maneira voluntria.

    Escola Nacional de Circo (professores e diretor).

    minha namorada Marilia o apoio e compreenso.

    Luciana Bortoleto o apoio para a realizao deste trabalho.

    Aos alunos do Grupo Aerius, pela confiana em mim depositada.

    Aos membros da Banca de Qualificao e Defesa desta dissertao de mestrado, Prof.aDr.a Elaine Prodcimo, Prof.a Dr.a Marina Souza Lobo Guzzo e Prof. Dr. Mario FernandoBolognesi, agradeo as consideraes, correes e sugestes.

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    FERREIRA, Diego Leandro. Segurana no circo: questo de prioridade. 2012. 217f. Dissertao(Mestrado em Educao Fsica), Faculdade de Educao Fsica, Universidade Estadual deCampinas, Campinas, 2012.

    RESUMO

    Embora o Circo seja uma arte secular, considerada por muitos como uma linguagem universal ecom significativo reconhecimento popular, as anlises sistemticas e cientficas deste fenmenoso recentes. Alguns aspectos deste tipo de atividade j encontram certa ressonncia acadmica,especialmente nos estudos histricos, sociais e estticos. Contudo, as questes sobre os aspectostcnicos e de segurana ainda representam um objeto de pouco interesse para a cincia moderna.

    Neste cenrio, o presente estudo teve por objetivo debater os conceitos de risco, acidente esegurana sob a perspectiva de diferentes profissionais circenses, visando ainda apontar algunsdos recursos tecnolgicos e procedimentais disponveis na atualidade que servem de parmetrosbsicos de segurana para o desenvolvimento de uma cultura de segurana entre osprofissionais e praticantes do circo. Para isso, realizamos uma reviso bibliogrfica acerca dosconceitos de risco, acidente e segurana, buscando um melhor entendimento a partir deperspectivas de diversas reas de conhecimento. Este estudo terico foi complementado por umapesquisa de campo realizada junto a profissionais do circo, particularmente mediante entrevistassemiestruturadas com dois montadores, dois professores e dois artistas, todos eles no mnimocom dez anos de experincia. Como resultado deste trabalho, observamos uma grande variedade

    de acidentes e suas consequncias diretas e indiretas para o circo, condio que refora nossa teseda importncia de seguirmos investigando a segurana, para que receba o devido tratamento detodos os envolvidos. De modo ilustrativo, propomos alguns procedimentos, protocolos e medidasde segurana que visam sensibilizar todos os circenses para uma necessria e urgente mudana deatitude com relao segurana, aproximando-nos paulatinamente da adoo de uma cultura deseguranano circo.

    Palavras-chaves: Circo,Segurana, Risco, Acidentes.

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    RESUMEN

    Aunque el Circo sea una arte secular, considerada por muchos como una lengua universal y consignificativo reconocimiento popular, el anlisis sistemtico y cientfico de este fenmeno esreciente. Algunos aspectos de este tipo de actividad ya encuentran una cierta resonanciaacadmica, especialmente en los estudios histricos, sociales y estticos, con todo, las cuestionessobre los aspectos tcnicos y de seguridad an representan un objeto de poco interese para laciencia moderna. En este contexto, el presente estudio tuvo como objetivo debatir los conceptosde riesgo, accidentes y seguridad por la perspectiva de diferentes profesionales circenses, visandoan apuntar algunos de los recursos tecnolgicos y procedimentales disponibles en la actualidad,

    que sirven de parmetros bsicos de seguridad para el desarrollo de una cultura de seguridadentre los profesionales y practicantes del circo. Para eso, realizamos una revisin bibliogrficaacerca de los conceptos de risco, accidente y seguridad, objetivando un mejor entendimiento apartir de perspectivas de diversas reas del conocimiento. Este estudio terico fuecomplementado por una pesquisa de campo realizada junto a profesionales del circo,particularmente mediante entrevistas semi-estructuradas con dos montadores, dos profesores ydos artistas, todos ellos con el mnimo de diez aos de experiencia. Como resultado de estetrabajo, observamos una grande variedad de accidentes y sus consecuencias directas e indirectaspara el circo, condicin que refuerza nuestra tesis de la importancia de seguirnos investigando laseguridad, para que reciba el debido tratamiento de todos los envueltos, De este modo ilustrativo

    proponemos algunos procedimientos, protocolos y medidas de seguridad, que objetivansensibilizar todos los circenses para un necesario y urgente cambio de actitud en relacin a laseguridad, aproximndoles gradualmente a la adopcin definitiva de una cultura de seguridad enel circo.

    Palabras-chaves: Circo, Seguridad, Riesgo, Accidente.

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Relao: acidente, causa, dano e consequncia .......................................................... 47

    Quadro 2: Diretrizes de segurana propostas pela Funarte, 2008 ................................................ 68Quadro 3: Comparativo entre cordas de poliamida, polister e sisal Adaptado das tabelas

    fornecidas por empresas especializadas no setor ....................................................... 75

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Organizao das categorias e subcategorias para a anlise de contedo ...................... 32

    Figura 2: Acidente envolvendo o trem do circo Wallace Hagenbeck, em 1918 (Disponvelem: ) ................................................... 49

    Figura 3: Incndio do Ringling Brothers and Barnum & Bailey Circus, 1944 (Disponvel em:) .......................................................... 50

    Figura 4: Engolidor de espadas que faleceu em consequncia de um acidente durante suaapresentao, em 1969 (Disponvel em: ) ....................................................................................................................... 51

    Figura 5: Elefanta que fugiu do circo aps matar seu treinador e assistente, em 1994(Disponvel em: ) ................................ 52

    Figura 6: Imagens do circo Ostok aps ser atingido por um temporal ......................................... 55Figura 7: Apresentao de pirofagia............................................................................................. 67Figura 8: Exemplo de giro industrializado com certificao e giro caseiro sem nenhum tipo

    de certificao .............................................................................................................. 71Figura 9: Imagens de um trapzio fixo manufaturado de modo inadequado ............................... 72Figura 10: Trapzio fixo manufaturado por um mestre circense com grande expertise noassunto ........................................................................................................................................... 73Figura 11: Exemplo da diferena de volume entre as cordas de sisal e as cordas mais

    modernas e seguras .................................................................................................... 76Figura 12: Multmetros digitais e analgicos ............................................................................... 78

    Figura 13: Alicate medidor de fuga e explicaes de segurana e economia .............................. 79Figura 14: Trena digital ................................................................................................................ 80Figura 15: Representao de vista area e mapa de risco de um circo de lona de mdio porte ... 85Figura 16: Check Listde montagem / instalao de aparelhos e estruturas ................................. 87Figura 17: Etiqueta de identificao da montagem / instalao ................................................... 88Figura 18: Placa de sinalizao sobre o risco de queda de materiais ........................................... 89Figura 19: Placa de sinalizao sobre a obrigatoriedade do uso de E.P.I.s .................................. 90Figura 20: Placa de sinalizao detalhada sobre a obrigatoriedade do uso de E.P.I.s .................. 90Figura 21: Placas de sinalizao sobre os locais com acesso restrito........................................... 91Figura 22: Moito, equipamento utilizado como guincho para aparelhos areos do circo .......... 92Figura 23: Mapa de emergncia de um circo de lona de mdio porte .......................................... 96Figura 24: Exemplo de placa de aviso utilizada em circo nacional de SP ................................... 97Figura 25: Exemplo de um Plano de Ao em Emergncias (PAE) ............................................ 98Figura 26: Fluxograma da segurana no circo ............................................................................. 99

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    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    ART Anotao de Responsabilidade TcnicaAsfaci Associao de Famlias e Artistas CircensesCEP Comit de tica em PesquisaCia. Companhia (de circo)CNAC Centro Nacional das Artes do Circo (Frana)CP Cdigo de PontuaoCREA Conselho Regional de Engenharia e AgronomiaDEA Desfibrilador Externo AutomticoDRT Delegacia Regional do TrabalhoENC Escola Nacional de Circo

    E.P.I. Equipamento de Proteo IndividualFunarte Fundao Nacional das ArtesGA Ginstica ArtsticaNR Normas RegulamentadorasPAE Plano de Aes em EmergnciasPS Primeiros SocorrosSATED Sindicato dos Artistas e Tcnicos em Espetculos de DiversoTCLE Termo de Consentimento Livre e EsclarecidoUnicamp Universidade Estadual de Campinas

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    LISTA DE ANEXOS

    ANEXO 1: DOCUMENTOS QUE REVELAM A PREOCUPAO COM A SEGURANAEM DIFERENTES INSTITUIES NACIONAIS E ESTRANGEIRAS: ............................... 113

    ANEXO 2: ROTEIROS DAS ENTREVISTAS .......................................................................... 117

    2.1 Roteiro das entrevistas realizadas com artistas...................................................................... 117

    2.2 Roteiro das entrevistas realizadas com montadores .............................................................. 119

    2.3 Roteiro das entrevistas realizadas com professores ............................................................... 121

    ANEXO 3: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ................ 123

    ANEXO 4: DESCRIO DAS CATEGORIAS DE ANLISE DAS ENTREVISTAS ........... 125

    ANEXO 5: TRANSCRIO DAS ENTREVISTAS: ................................................................ 127

    ANEXO 6: EXEMPLO DE 1.aREDUO DA ENTREVISTA: .............................................. 179

    ANEXO 7: EXEMPLO DE PROCESSO DE MANUTENO NA LONA DE UM CIRCO

    FORMA SEGURA: ..................................................................................................................... 189

    ANEXO 8: EXEMPLO DE ADVERTNCIA SOBRE SEGURANA E EMERGNCIA NO

    USO DE PRODUTOS QUMICOS: ........................................................................................... 191

    ANEXO 9: PROCEDIMENTOS DE SEGURANA E EMERGNCIA NA AVIAO CIVIL.. 195

    ANEXO 10: EXEMPLOS COMPARATIVOS DE EQUIPAMENTOS E INSTALAES COMBAIXO E ALTO RISCO: ........................................................................................................... 197

    ANEXO 11: MAPA DE RISCO: DESCRIO COMPLETA: ................................................. 203

    ANEXO 12: CHECK LISTDE MONTAGEM DE TECIDO CIRCENSE E SUA RESPECTIVA

    EDTIQUETA DE IDENTIFICAO: ....................................................................................... 215

    ANEXO 13: DVD COM VDEOS DE ACIDENTES NO CIRCO: ........................................... 217

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    GLOSSRIO

    Arnes (Cadeirinha): Equipamento para atividade em altura (E.P.I.) que tem por objetivosustentar o indivduo. Normalmente utilizada em conjunto com mosqueto e descensor,talabarte e/ou trava-quedas.

    Capataz: Mozo de pista (em espanhol).

    Check-list (lista de checagem): Documento que norteia procedimentos (montagem,desmontagem, manuteno, etc.) para que sejam realizados com um alto nvel de segurana. tambm uma forma de registro de tudo que aconteceu durante o procedimento.

    Circense: Pessoa que exerce a arte do circo. Comumente este termo se refere apenas aos artistasditos tradicionais, oriundos de famlias circenses.

    Cirqueiro: Pessoa que exerce a arte do circo. Algumas pessoas utilizam este termo para se referirapenas aos artistas que no so oriundos de famlias circenses.

    Cpula: Parte mais alta da lona de um circo.

    DRT: Nome comumente dado ao atestado de capacitao profissional com registro na DelegaciaRegional do Trabalho.

    Empatar: Tranar de maneira a formar um anel, uma ala.

    Estacas: Normalmente feitas de metal, utilizadas na montagem do circo.

    Gambiarra: Adaptao que deve ser temporria, normalmente oferecendo um grau menor desegurana.

    Moito: Sistema de polias para reduo da fora aplicada.

    Montador / Rigger: Profissional especialista em montagens areas e de estruturas.

    Mosqueto: Equipamento de ao ou duralumnio em formato de elo, contendo um gatilho.

    Pirofagia: Apresentao circense com manipulao de fogo.

    Socorrista: Profissional ou amador com capacitao em primeiros socorros.

    Swivel: Equipamento distorcedor, popularmente denominado giro.

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    SUMRIO

    INTRODUO. ............................................................................................................................ 27

    1. O RISCO E O ACIDENTE COMO CONCEITOS CENTRAIS PARA O ESTUDO DA

    SEGURANA DAS PRTICAS CIRCENSES ...................................................................... .....35

    1.1 O risco na atividade circense ................................................................................................... 35

    1.2 O acidente como um elemento presente no circo .................................................................... 46

    1.3 A segurana como aspecto central para o desenvolvimento do circo ..................................... 62

    1.3.1 Aes preventivas ................................................................................................................. 66

    1.3.2 Aes paliativas .................................................................................................................... 91

    1.3.3 Aes de emergncia ............................................................................................................ 93

    CONSIDERAOES FINAIS ...................................................................................................... 101

    REFERNCIAS .......................................................................................................................... 107

    ANEXOS ..................................................................................................................................... 111

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    INTRODUO

    Segurana, [...] esse tema fundamental para que o circo possa crescer e que as

    pessoas tenham segurana desde uma academia, escolinha, coisa simples at umshow incrvel cheio de aparatos, no importa, a segurana tem que existir, emqualquer nvel de espetculo, acrobacia e shows, no interessa, tem que existirem todos os nveis da prtica do circo (Artista Marieta, entrevistada durante oprocesso de elaborao deste trabalho).

    Circo, por que estudar o circo?

    Adentrei o universo circense aproximadamente h dez anos, quando,

    concomitantemente com minha formao em Educao Fsica, comecei a praticar algumas

    atividades circenses, em particular as areas (tecido, trapzio, corda, lira), experincias que

    paulatinamente, ao longo de vrios anos, converteram-se de uma opo de lazer para o campo da

    atuao profissional, isto , uma opo de trabalho.

    Em 2006, j com alguma experincia neste campo, fundei uma empresa que,

    alm de desenvolver atividades de circo1, engloba outra paixo particular, que surgiu inclusive

    antes do circo: os esportes e atividades de aventura, mais precisamente as tcnicas verticais em

    cavernas.

    Foi aliando os conhecimentos, as tecnologias e procedimentos de segurana, j

    bem sistematizados no mbito dos esportes de aventura, que emergiu o interesse pelas questes

    da segurana no circo. Contudo, foi depois da oportunidade de trabalhar com o Prof. Marco

    Antonio Coelho Bortoleto durante a 10. Conveno de Malabares e Circo, realizada em

    Campinas no ano de 2008, e com minha atuao como rigger(montador2) de eventos e estruturas

    circenses3que percebi a emergncia de estudar e sistematizar as questes relativas segurana

    nas prticas circenses.

    Embora existam definies diferentes para a manifestao artstica chamada

    circo, faz-se importante ressaltar a reflexo de Silva e Abreu (2009, p. 15), que consideram que1Grupo Aerius www.grupoaerius.com.br.2Os montadores, no circo brasileiro, so chamados tambm de capatazes, porm o capataz engloba tambm uma

    funo de coordenao geral do circo nesse aspecto. J em circos da Europa e Amrica do Norte esta funo denominada rigger.

    3Durante este perodo, trabalhei como riggercom a Trupe Universo Casuo (UC), sendo responsvel pela montageme manuteno dos aparelhos circenses areos, bem como pelo mapeamento de riscos da lona da empresa Unicircoquando de seu funcionamento em Campinas-SP, coordenando ainda a montagem de nmeros areos em eventos degrande porte em teatros, lonas, ginsios e espaos abertos, como a Fantstica Fbrica de Natal em 2007, 2008 e2009, abertura dos Jogos Regionais em Americana-SP e a 10. Conveno de Malabares e Circo.

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    esta arte, que vem de outros sculos, permanece ativa em nossa sociedade, somando hoje mais de

    quinhentos circos no Brasil. Alm desta permanncia, notamos tambm um crescimento

    exponencial desta prtica:

    Nos ltimos cinco anos, o circo foi o segmento artstico que mais cresceu noconjunto de investimentos do Ministrio da Cultura. Ao todo, foram investidosR$ 40 milhes, e os investimentos foram quadruplicados desde o incio destegoverno, em 2003 (SILVA e ABREU, 2009, p. 15).

    Diante desse notrio crescimento, o circo vem se constituindo gradativamente

    objeto de estudo cientfico, com especial destaque para suas questes histricas, estticas e

    sociais, como destaca Serra (2010), Bortoleto et al. (2008) e Abraho (2011).

    No obstante, os estudos cientficos sobre os aspectos de segurana isto ,sobre o conjunto amplo de fatores que compe a complexa relao entre os riscos prprios deste

    tipo de atividade e os acidentes, e, por conseguinte, os procedimentos de segurana ainda so

    escassos. Na realidade, os debates sobre a segurana no ultrapassam a especulao e o senso

    comum, situando-se distantes da reflexo sistemtica e profunda que prope a cincia moderna.

    Esta escassez de referncias foi a principal dificuldade deste estudo, a qual se tornou tambm

    mais uma evidncia da emergncia para a produo de uma investigao como esta.

    importante ainda ressaltar o seguinte pensamento: A diversidade e a

    complexidade da arte do circo so ponto de partida e, simultaneamente, geradoras de grandes

    dificuldades para qualquer estudo (BORTOLETO, 2010, p. 17).

    Por vezes, possvel que a diversidade e a complexidade do circo dificultem a

    sistematizao para a criao de uma cultura de segurana eficaz para este mbito. Entretanto, se

    pretendemos algum dia alcanar tal estado de segurana, precisamos primeiro entender e dominar

    dois conceitos-chaves, bem como a maneira como interagem entre si: o risco e o acidente.

    Somos conscientes de que o risco uma condio da vida, presente na maior

    parte das atividades humanas desde sempre. Sabemos ainda que significativos avanos cientficose tecnolgicos permitiram a criao de recursos e procedimentos que, quando bem aplicados,

    reduzem drasticamente os riscos e consequentemente os acidentes.

    Relatos e reflexes que apresentaremos mais frente nos permitem perceber que um grande

    nmero de acidentes vem acontecendo nas prticas circenses, e muitos deles poderiam ser

    evitados com aes simples de preveno, as quais tambm discutiremos posteriormente neste

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    trabalho. Logo, o entendimento do risco e do acidente foi elemento central para a elaborao

    terica que sustenta nossa compreenso acerca da cultura de segurana. Contudo, uma srie de

    fatores, analisados ao longo deste trabalho, vem impedindo os profissionais circenses de acessar

    os avanos mais recentes no mbito da segurana, expondo esses prprios profissionais bem

    como os artistas em formao, os entusiastas e tambm o pblico em geral a riscos

    desnecessrios e certamente prejudiciais para este coletivo.

    Neste estudo, partimos do princpio de que a segurana no deve ser tratada

    como um aspecto acessrio das atividades circenses, mas como um pr-requisito, um aspecto

    fundamental para qualquer prtica ou atividade neste mbito, justificativa que se apoia nos

    diversos benefcios resultantes do aumento da segurana, como a diminuio de acidentes

    fortuitos, de leses e, portanto, de afastamentos (absentesmo), do aumento da qualidade artstica

    e da consequente maior longevidade da carreira, to desejada entre os profissionais do setor.

    Assim, entendemos que a preocupao com a segurana deve se estender a

    todos os envolvidos com as Artes do Circo, ao dono do circo, s instituies que oferecem este

    tipo de atividade, incluindo, evidentemente, todos os profissionais envolvidos (montadores,

    professores, artistas), bem como os rgos pblicos e privados de regulamentao e fomento,

    preocupao tambm evidenciada por Fouchet (2006). Entendemos, em suma, que quanto maior

    a segurana nas prticas circenses, melhor ser a imagem projetada desta arte para uma sociedade

    cada vez mais exigente e informada, preocupao mostrada pelas principais instituies

    brasileiras e estrangeiras que atuam no mbito circense, como podemos ver no Anexo 1.

    Objetivos: Deste modo, esta pesquisa teve por objetivo debater os conceitos de

    risco, acidente e segurana sob a perspectiva de diferentes profissionais circenses, visando, ainda,

    apontar alguns dos principais recursos tecnolgicos e procedimentais disponveis na atualidade,

    os quais servem de parmetros bsicos de segurana para o desenvolvimento de uma cultura de

    segurana entre os profissionais e praticantes das artes do circo.

    Metodologia: Do ponto de vista metodolgico, este estudo compreende uma

    pesquisa exploratria, terico-emprica (LDORF, 2004, p. 47), composta por uma reviso

    bibliogrfica que objetivou conhecer detalhadamente o trato que o problema teve na literatura de

    forma geral, seguida ainda de uma pesquisa de campo realizada por meio de entrevistas

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    semiestruturadas aplicadas a profissionais circenses, objetivando conhecer a especificidade dos

    discursos de profissionais que vivem o circo diariamente.

    Optamos pela entrevista por nos oferecer a possibilidade de reformular as

    questes ou ainda realizar perguntas adicionais para esclarecer as respostas, de forma a tornar os

    resultados mais vlidos (os roteiros das entrevistas realizadas se encontram no Anexo 2).

    Entrevistamos seis profissionais do circo, nmero este que se justifica por ser este estudo de

    carter exploratrio, pelas restries de tempo prprias de uma pesquisa como esta, e tambm

    pela diversidade dos sujeitos histricos que participam da atividade circense. Neste caso, foram

    entrevistados:

    a) dois artistas profissionais Marieta e Fbio4 com experincia superior a

    dez anos e com atuao nos diferentes mbitos circenses (circo de lona, eventos, festivais,

    espetculos de rua);

    b) dois montadores Ivan e Francisco com experincia superior a dez anos

    em vrios tipos de montagem (area, de lona, de estruturas, eltricas, etc.);

    c) duas professoras de escolas que ministram aulas de circo Paula e Ana

    Maria , tambm com experincia de mais de dez anos na funo motivo pela qual foram

    entrevistadas.

    Levando em conta a diversidade e a complexidade do circo, j citadas

    anteriormente, o principal critrio adotado para a seleo dos sujeitos desta pesquisa foi a

    experincia profissional no mnimo de dez anos, bem como o reconhecimento pelos pares da

    qualidade/expertise deles. Para ns, no se fez importante se a organizao na qual o sujeito

    trabalhou ou trabalha de pequeno, mdio ou grande porte, pois acreditamos que,

    independentemente deste aspecto, a segurana deve estar presente. Hipoteticamente, uma

    pequena organizao pode inclusive ser mais segura que uma de maior porte.

    Neste sentido, elaboramos uma lista preliminar com quatro nomes em cada

    categoria mediante consulta a renomados especialistas no assunto, inclusive Asfaci (Associao

    das Famlias e Artistas Circenses). Por ltimo, e por motivo dos escassos recursos financeiros

    disponveis, optamos pelos profissionais residentes nos estados de SP e RJ. Cabe ressaltar que

    4O nome de todos os sujeitos foi mantido em sigilo. Utilizamos pseudnimos para identific-los.

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    nenhum dos seis sujeitos podia pertencer mesma famlia, companhia circense ou escola de

    circo, buscando, assim, a maior diversidade possvel de opinies.

    Considerando ainda que o objeto deste estudo que segurana nas atividades

    circenses se estende a qualquer profissional da rea, com maior ou menor experincia,

    vinculado a empresas de maior ou menor porte, tratamos de buscar sujeitos que atendessem a

    essa diversidade, dentro dos limites desta pesquisa.

    O registro de dados das entrevistas ocorreu por meio de dois gravadores digitais

    de voz. Realizamos as entrevistas num espao reservado e livre de rudos ou interferncias

    externas, em acordo entre as partes, no havendo registro de imagens. Buscando facilitar a

    participao dos sujeitos, tentamos que as entrevistas fossem realizadas, sempre que possvel, na

    prpria instituio de trabalho de cada um dos pesquisados e com a devida autorizao dos

    responsveis. Nos casos onde isso no foi possvel, encontramos outros locais apropriados para a

    realizao do estudo. O agendamento das entrevistas foi realizado mediante contato telefnico

    diretamente com os sujeitos.

    Os entrevistados no foram submetidos a riscos e/ou desconfortos, e tambm

    no tiveram nenhum tipo de gasto e/ou benefcio financeiro por sua participao nesta pesquisa.

    Alm disso, poderiam retirar seu consentimento a qualquer momento do desenvolvimento dos

    trabalhos. Os dados obtidos foram divulgados de forma escrita e/ou grfica, tendo seu uso restrito

    a esta pesquisa e s publicaes dela derivadas. Conforme previsto no TCLE (Anexo 3), a

    identidade dos sujeitos foi mantida sob sigilo mediante o uso de pseudnimos. O presente estudo

    foi aceito pelo Comit de tica em Pesquisa (CEP) no ms de setembro de 2011 mediante o

    Parecer n. 712/2011 CAAE: 0638.0.146.000-11.

    A anlise dos dados seguiu as diretrizes propostas por Bardin (2011), mais especificamente da

    tcnica de anlise categorial, a qual consiste na realizao de um desmembramento do texto em

    unidades de significados e posteriormente sua organizao em categorias de anlise. A partir dos

    objetivos desta pesquisa, criamos trs categorias principais de anlise, elaborando as

    subcategorias durante o processo de anlise. A descrio de cada uma das categorias encontra-se

    no Anexo 4.

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    Figura 1: Organizao das categorias e subcategorias para a anlise de contedo

    De acordo com o que sugeriu Bardin (2011), analisamos os dados obtidos

    conforme o seguinte modelo:

    1. Entrevista;

    2. Transcrio das entrevistas (Anexo 5);

    3. 1. Reduo: o momento em que identificamos na transcrio as unidades

    de significado, que so expresses ou frases que apresentam uma ideia completa de acordo com

    as categorias e subcategorias. No Anexo 6, apresentamos como exemplo a 1. Reduo de uma

    das entrevistas;

    4. 2. Reduo: onde as unidades de significado so organizadas de acordo com

    suas categorias e subcategorias e por sujeito. Este procedimento tem por objetivo realizar uma

    comparao entre as unidades de significado obtidas com cada um dos sujeitos;5. Interpretao: etapa final da anlise dos dados em que foi apresentado um

    texto composto pela discusso dos referenciais tericos disponveis, juntamente com a anlise de

    contedo das entrevistas, composto ainda por extratos dos discursos dos sujeitos entrevistados.

    Em suma, este trabalho, para alm desta introduo, possui um nico captulo,

    CATEGORIAS ESUBCATEGORIAS

    RISCO

    ACIDENTES

    SEGURANA

    S1: MATERIAL S2: FORMAO S3:PROCEDIMENTO

    A1: FALHAHUMANA

    A2: FALHA DEMATERIAL

    A3:CONSEQUNCIASPARA O CIRCO

    R1: PERCEP OINDIVIDUAL

    R2: PERCEPOCOLETIVA

    R3: RISCO NOCIRCO

    OT: OUTROSTEMAS

    A4:Procedimentosde emergncia

    S4: Individual S5: Coletiva

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    1. O RISCO E O ACIDENTE COMO CONCEITOS CENTRAISPARA O ESTUDO DA SEGURANA DAS PRTICASCIRCENSES

    1.1

    No vale a pena correr riscos inteis, o pblico no quer assistir a acidentes ouquedas desnecessrias. Esses fatos prejudicam enormemente a imagem doscircos e a categoria circense junto opinio pblica e sociedade em geral(Funarte, 2008).

    O risco se faz presente nas mais diferentes dimenses da vida cotidiana, o que

    tem levado seu estudo a considerar diferentes perspectivas ou disciplinas cientficas, entre elas aeconomia, o direito, a medicina, a tecnologia, a biologia e tambm as artes, particularmente do

    circo (GUZZO, 2009). Assim, pois, convivemos com o risco nas aes mais simples de nosso

    cotidiano e tambm nas mais complexas, durante as quais a gesto do risco passa, com

    frequncia, despercebida. Em outras palavras, como diz o ditado popular, viver correr riscos,

    expresso que mais bem explicada nas palavras que nos remetem percepo do risco pela

    professora Paula5:

    Eu acho que um risco controlvel! A vida um risco, andar na rua um risco,mas controlvel. Tem alguns professores at mais ousados que eu, por seremmais experientes, mas eu podendo falar sobre risco e mesmo no podendo falar,eu falo.

    Historicamente, segundo Spink (2008), o primeiro registro da palavra risco data

    do sculo XIV, no idioma castelhano, riesgo, mas ainda sem ter a conotao de perigo

    relacionado ao acidente. Neste perodo, o termo risco remetia ao sentido de dano, perda e tambm

    de ganho. Contudo, parece ser que na modernidade o termo consolidou-se no campo da

    navegao, da prtica mercantil e das aes militares, e desde ento representa uma ambiguidade

    entre os sentidos do possvel e do provvel, do positivo (ganhar) e do negativo (perder).

    Consequentemente, ns o entendemos, de modo genrico, como sinnimo de incerteza.

    Assim sendo, existem vrios tipos de risco: econmico, fsico, psicolgico e

    5Recordamos que o nome real dos sujeitos entrevistados foi substitudo por pseudnimo visando preservao decada identidade, conforme orientao do Comit de tica em Pesquisa (FCM / Unicamp).

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    biolgico, entre outros6. O risco est diretamente ligado ao perigo, que, por sua vez, representa

    algo negativo, a ser evitado. Parece ser que o risco estava no passado ligado incerteza de ganhar

    ou perder, e na atualidade refere-se, sobretudo, possibilidade de perder (GUZZO, 2009).

    Dizendo de outro modo:

    Em geral, o aspecto negativo da possibilidade, o poder no ser. [...] Aristtelesconsiderava o risco como o aproximar-se daquilo que terrvel. [...] Apretenso implcita na deciso baseia-se numa indeterminao efetiva, ou seja,na possibilidade de que as coisas se passem de maneira diferente daquilo que eudecido [...] (ABBAGNANO, 2000, p. 859).

    Por outro lado, assumimos neste estudo o risco como sinnimo de incerteza, em

    consonncia com Bortoleto et al. (2010, p. 196), que afirma que o risco a incerteza de perder ou

    ganhar, de o acidente ocorrer ou no, e em se tratando do mbito circense ainda, conforme Guzzo

    (2009), o risco, ou seja, a incerteza est presente em todas as atividades circenses. O silncio do

    pblico durante uma manobra perigosa um exemplo desta incerteza do que ir acontecer,

    conforme Breton (2009):

    O silncio que cerca a apresentao dos trapezistas no momento das manobrasmais perigosas indica a expectativa inconfessada do acidente [...]. Os aplausosque a seguir ressoam para saudar a vitria sobre a morte traduzem tambm o

    alvio (BRETON, 2009, p. 131).

    Tratando ainda o risco como sinnimo de incerteza, Breton (2007, p. 10)

    afirmar que Toda escolha, profissional ou amorosa, por exemplo, uma aposta no futuro e leva

    a um caminho favorvel ou perigoso. Com isso, podemos admitir a presena do risco em

    qualquer situao, inclusive naquelas prprias atividade circense. Portanto, toda atividade

    realizada no circo seja uma instalao, montagem, a aprendizagem de uma nova acrobacia, a

    preparao de um novo nmero contm riscos, isto , pode resultar de modo favorvel,

    representado pelo sucesso, ou, ao contrrio, ter uma consequncia desfavorvel, como no caso de

    um acidente. Em ambas as possibilidades, poderemos ter diferentes consequncias, que sero

    discutidas mais frente nesta pesquisa. O mais importante aqui ressaltar que no circo estaremos

    sempre expostos ao risco, incerteza, como revela a opinio da artista Marieta, que, alm de

    6O minidicionrio Aurlio (FERREIRA, A. B. H., 2010) define risco como Perigo ou possibilidade de perigo; eainda define perigo como: Circunstncia, estado ou situao que prenuncia um mal para algum ou algo.

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    mencionar esta relao intrnseca do risco com o circo, tambm evidencia que ela depende de

    uma percepo individual:

    Com certeza, s de voc estar trabalhando em um circo voc est correndo umrisco. Eu tenho conscincia disso, at no cho voc t correndo risco de que algoacontea com voc. Ento o profissionalismo muito importante, se voc umartista profissional, com experincia, a ateno daquele artista no momento queele pisa no palco, da parte dele, tem que ser 100%, para ele evitar todos os riscosde acidentes possveis. Ento oferece risco sim, risco total. Quando voc estfazendo uma acrobacia, est ali o risco, ento uma atividade de risco, na altura,no trampolim, e tambm riscos que voc nem imagina, por exemplo, l no showhoje tem o palco, que um monstro, o risco de voc cair num buraco, se vocno est atento algum tromba e voc cai num buraco, vai ser um acidente feio.Ento tem o risco da sua acrobacia, da sua especialidade, o palco, o que eleoferece, at palcos menores, se cai um aparelho, pesinhos, saco de areia, por

    alguma razo soltou e caiu, o risco de acidente est ali presente mesmo. E riscosde colises durante um show, s vezes, at correndo, no precisa nem estar noar, voc pode estar correndo, outro artista tambm e pode gerar um acidente.Ento, como eu falei, o profissionalismo, muito importante para o artista evitarda parte dele as possibilidades de um acidente, e o risco grande, o tempo todo.

    Ainda segundo Breton (2007, p. 9), a existncia individual oscila entre a

    segurana e a vulnerabilidade, risco e certezas, atalhos e caminhos traados. Neste caso, nossa

    existncia constantemente ameaada pelo risco, cuja manifestao pode ser por meio de

    enfermidades ou acidentes, por exemplo. para alm desta condio de vida que a percepo do

    risco deve ser entendida como uma construo subjetiva e, portanto, individual. Neste caso, seu

    debate faz-se ainda mais complexo, expondo-nos a contradies tanto nas aproximaes tericas

    quanto nos discursos dos sujeitos consultados, como observamos no discurso do artista Fbio,

    quando lhe perguntamos se h risco nas atividades circenses:

    Risco, acredito que no! As minhas apresentaes eu acredito que no tenhamrisco. Apesar de que acidente pode acontecer em qualquer lugar, mas eu fao detudo para que no acontea, por isso que a gente tem essa rotina, mas uma

    coisa de risco.

    Se o risco sinnimo de incerteza, talvez seja nas diferenas de percepo

    subjetiva e tambm nas construes coletivas que podemos encontrar indicadores para

    compreender o fato de que muitos dos artistas circenses se expem de modo intencional a

    situaes de risco. buscando um entendimento para a esttica do risco que caracterize a arte do

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    circo que muitos estudiosos, como Wallon et al.(2009), vm analisando os espetculos circenses

    contemporneos.

    Em nosso caso, entender, mesmo que parcialmente, os motivos que levam um

    artista circense busca constante de movimentos mais difceis e, por conseguinte, mais

    arriscados, foi uma estratgia para logo poder entender as questes de segurana. O ato de ousar

    aproxima a ao do artista a seus prprios limites, construindo uma tenso entre suas conquistas e

    aquelas que ainda pode conseguir, objetivando provocar emoes e impresses cada vez mais

    impactantes. Esta atitude, que caracteriza o ofcio de muitos circenses, faz do risco um elemento

    fundamental de sua atividade profissional, e a possibilidade de perda (de um acidente, por

    exemplo), uma constante. Talvez seja por isso que Guzzo (2009) tenha afirmado que a prudncia

    j no a virtude mais esperada do homem realizador, proativo, discurso que apresenta

    consonncia com o de Breton (2009), quando trata a prudncia como louvvel, porm nunca

    realmente valorizada. Foi esta ideia que motivou a busca pela exposio ao risco como um

    desejo, uma necessidade, to destacada na sociedade competitiva atual. A este respeito ainda,

    Breton (2007) faz uma considerao de grande relevncia:

    [...] os riscos assumidos e a exposio pessoal deliberada em circunstnciasdifceis so uma maneira de intensificar o sentimento de existir. Em

    contrapartida, nossas sociedades impem que cada indivduo demonstre alegitimidade de sua existncia em um mundo de competio e de eficcia, quefaz pouco caso do sossego e da felicidade tranquila de existir [...] (BRETON,2007, p. 10).

    Ainda na tentativa de entender o motivo pelo qual os artistas circenses se

    expem a riscos de forma consciente, deliberada, Guzzo (2009, p. 43) afirma que O maior

    sucesso est sempre ao lado do maior risco: quanto maior a manobra, o movimento, maior o

    risco, maior o desejo alcanado.

    Entendemos que o sentido das expresses maior manobra, maior

    movimento remete ao seu grau de dificuldade, atitude condizente com uma das regras tcitas

    que tradicionalmente se consolidaram na arte circense, de que o risco revela a coragem e,

    portanto, uma qualidade fundamental para o artista circense, condio que no coincide com a

    nossa e que esperamos elucidar, ou ao menos relativizar, ao longo deste trabalho, especialmente

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    palavras do montador Francisco:

    Eu no vou dizer que eu uso sempre. Aqui em casa tem uma estrutura de 10metros de altura e eu vacilei ontem conversando, fui pendurar a lira, fui pegar o

    giro no cho e sem querer soltei. uma coisa que eu fao todo dia e eu vacilei esoltei o guincho7. Como o moito pesado o guincho subiu e bateu na estrutura.Tinha uma aluna esperando para subir na lira, outra esperando para fazer tecido,perguntando se estava certo ou no, tinha um cara vestindo a lonja que ele iafazer solo, ai eu no ia entrar pegar a cadeirinha, colocar o tnis e tudo mais,subi rapidinho na estrutura que nem gato na trelia, fiquei com uma mo naestrutura e os dois ps e puxei o cabo do moito at chegar no cho, pedi paraalgum segurar at eu descer. Demorou 2 minutos a operao, subi e peguei.

    Mesmo conhecendo os procedimentos de segurana, muitos optam pelo no uso

    deles, como revela o prprio Francisco: Com certeza, nenhum desses equipamentos de

    segurana essencial para a montagem acontecer. E complementa: Eu trabalho sem cadeirinha

    quando precisa. Esta opinio repete-se entre os demais entrevistados, como, por exemplo, na

    fala de Ivan: Tem um cinto de rapel que a gente usa, mas eu mesmo, como j me considero

    cirqueiro8, prefiro mesmo subir vontade, que mais livre, sem nada. Ainda sobre este

    assunto, o artista Fbio indica: muito comum no usar equipamento no circo, primeiro porque

    tem artista que acha bobeira isso, acha que no vai acontecer nada com ele, tambm porque vo

    tirar sarro da cara dele.

    Em geral, esta percepo da no necessidade de uso dos equipamentos de

    segurana revela um aspecto que merecer maior ateno mais adiante, quando trataremos das

    questes especficas da segurana. Contudo, elas elevam a presena do risco, que em algumas

    prticas j bastante alto, de tal modo que, enquanto o artista tenta fascinar o pblico com a

    impresso de alto risco de seus feitos, ou corre riscos por falta de conhecimento ou ainda excesso

    de autoconfiana, o montador tem exatamente o objetivo oposto: ele deve passar para todas as

    outras pessoas uma alta capacidade de controlar os riscos e, portanto, de manter a si mesmo e aspessoas ao seu redor seguras. Este um dos objetivos do montador Francisco:

    7 Guincho: normalmente equipamento eltrico para iar pessoas ou objetos. Entretanto, neste caso refere-se aosistema de moito e cabo de ao utilizado para iar a lira.

    8Cirqueiro um termo comumente utilizado para nomear o sujeito que pratica circo. Contudo, para o montadorIvan este termo remete s pessoas que no nasceram no circo, mas por viverem nele h muito tempo j aprenderamos saberes de um circo dito tradicional.

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    [...] as pessoas veem que tem algum responsvel por isso, a nica pessoa decapacete andando no meio dos artistas, o tcnico de montagem, com luva,colete refletor que chama a ateno, voc ta numa estrutura a pessoa te v l emcima e no vai passar embaixo [...].

    O sujeito Francisco demonstra em sua fala a preocupao de evidenciar que

    existe algum cuidando da segurana daquele show.

    Independentemente de a inteno ser aparentar um alto risco que na verdade

    no to grande assim, ou de demonstrar um baixssimo estado de risco, que pode tambm no

    ser to baixo assim, o fato que no circo, assim como em qualquer outro mbito, sempre

    convivemos com algum tipo de risco:

    Diante da diversidade de suas habilidades, o artista do circo se expedeliberadamente ao desequilbrio. Esse jogo entre o controle e a queda impeque se corra o risco, tanto fsico quanto esttico [...] (WALLON et al., 2009, p.23).

    Assim, convivemos sempre com alguma incerteza, como, por exemplo, de

    acontecer ou no um acidente. Por isso, quanto maior a exposio aos riscos, maiores as

    incertezas e, por conseguinte, mais provvel o acontecimento de um acidente. Este axioma pode

    ser ilustrado pelo seguinte exemplo: se um funcionrio do circo precisa fazer manuteno na

    cpula de uma lona, ele pode realizar este servio se expondo mais ou menos a riscos 9, usando ou

    no E.P.I. (Equipamento de Proteo Individual), como cordas, capacetes, etc. Quanto maior

    conhecimento sobre a atividade que precisa realizar (formao, experincia) e maior domnio

    sobre os equipamentos necessrios e seu manejo, menor ser o risco ao qual estar submetido.

    Consequentemente, menores sero as incertezas e, finalmente, maior ser o estado de segurana.

    O Anexo 7 detalha como esta ao poderia ser realizada com baixo risco.

    Conforme Costa (1999), toda prtica corporal possui risco de queda, coliso,

    esgotamento e mal-estar, fato que se encaixa perfeitamente no mbito circense por se tratar deuma arte do corpo.

    Ainda permeando o tema risco, na fase de pesquisa de campo alguns relatos

    chamaram nossa ateno para mais uma possvel classificao do risco: risco ativo ou passivo,

    conforme comentou o montador Francisco:

    9Entendemos risco neste caso como a incerteza de cair ou no da cpula.

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    Quando caiu a trave no p do meu amigo, eu queria parar de fazer circo e pararcom montagem, eu pensei: que irresponsabilidade, eu conheo ele desde oscinco anos de idade, ele no tem nada a ver com circo, tava l s olhando.

    Desta maneira, julgamos prudente sugerir uma subclassificao de risco emativo e passivo. Para exemplificar essa diferena, podemos usar um carro com cinco pessoas

    dentro. Como vimos anteriormente, todas elas esto correndo diversos riscos, dentre eles o de

    sofrer um acidente. Porm, h uma diferena: o motorista do veculo corre um risco ativo de

    sofrer um acidente, afinal ele tem em suas mos o controle da direo, da velocidade e ainda a

    tomada de deciso; j os demais ocupantes correm esse risco de forma passiva, pois nada podero

    fazer, ou podero fazer muito pouco para evitar um possvel acidente, tendo em vista que no

    possuem controle nenhum sobre a situao.No mbito circense, essa subclassificao de grande importncia. O pblico

    est quase sempre correndo riscos de forma passiva. Em algumas situaes, o artista tambm

    corre riscos da mesma forma, e o ponto fundamental dessa subclassificao que quem corre

    riscos de forma passiva no tem nenhuma ou quase nenhuma forma de control-los e,

    consequentemente, minimiz-los. Alertamos aqui para a imensurvel responsabilidade das

    pessoas que podem controlar os riscos de determinada situao, pois tm sob sua

    responsabilidade outras pessoas, que correm risco passivo e que muitas vezes no enxergam oudesconhecem os riscos que correm.

    Collard (1997) relata a existncia de dois tipos elementares de risco, no caso

    particular das atividades esportivas:

    Riesgo estocstico: incertidumbre del medio y adversarios (riesgo estratgico,tctico);

    Riesgo Material: que comprende el riesgo corporal, en el sentido de peligro o

    integridad fsico-corporal, o de posibilidad de lesin o incluso muerte; y elriesgo Competitivo, como posibilidad de ganar o perder la competicin y/o unbien material (objeto, dinero, premio) en funcin del resultado.

    No circo, entendemos que o risco estratgico est presente no momento da

    definio dos nmeros, exatamente na estratgia que se traa para a formao do espetculo, da

    mesma forma que se faz presente o risco material ligado diretamente s leses, integridade

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    fsica e a bens materiais. Apontamos ainda a possibilidade de o risco estratgico ser um gerador

    do risco material, se levarmos em conta que uma ao mal planejada pode levar a um acidente de

    fato.

    Deste modo, o objetivo central do profissional circense buscar o controle dorisco visando a uma convivncia mais tranquila e harmoniosa com seu ofcio. O referido controle

    do risco, na opinio de Cardella (2009), pode ser sistematizado mediante a observao de onze

    elementos:

    1. Tempo: este um recurso que no podemos dosar de acordo com nossa

    vontade. Por exemplo, no resgate de vtimas no h como aument-lo.

    2. Espao: recurso importante, fundamental para a segurana, por exemplo, no

    momento de uma evacuao, ou na localizao correta dos extintores, no caso de um incndio.

    3. Energia: indispensvel numa organizao, bem como no circo, seja energia

    eltrica para iluminar a lona, o leo diesel para movimentar os caminhes ou mesmo a energia

    muscular dos artistas e funcionrios.

    4. Material: recurso nem sempre disponvel de maneira satisfatria, porm

    muito importante, como extintores, macas, kitde primeiros socorros e E.P.I.s (equipamentos de

    proteo individual).

    5. Equipamento e instalao: equipamentos circenses adequados, instalados de

    forma correta, rdios e telefones para comunicaes e relaes pblicas.

    6. Conhecimento: fundamental para a boa aplicao de todos os recursos; o

    conhecimento pode e deve ser adquirido pelas pessoas da organizao, no caso artistas e

    funcionrios, por meio de livros, como este ou mais tcnicos, e tambm em cursos e encontros

    relacionados rea.

    7. Informao: estar bem informado sobre os acontecimentos durante o

    espetculo; saber onde haver risco de incndio durante uma performancepirofgica; estas so

    informaes muito importantes.8. Homem: o recurso racional, pensante, e com fora e preparo fsico e

    psicolgico, necessrios a sua funo. O nmero de pessoas adequado para cada situao tambm

    se encaixa neste recurso.

    9. Habilidade: ser capaz de realizar de forma satisfatria uma tarefa. A

    habilidade resultado de potencial e treinamento, com simulaes inclusive.

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    10. Experincia: conhecer por fazer, pela vivncia. Este um recurso adquirido

    ao longo do tempo e de muita importncia na garantia da segurana.

    11. Criatividade: a vontade de resolver problemas, melhorar situaes, e at

    criar novas solues. A criatividade potencializa a importncia e a ao dos recursos anteriores.

    Como podemos notar, vrios fatores entrelaados determinam o grau de risco

    de uma determinada atividade. Assim, importante diferenarmos trs dos onze recursos que

    podem ser confundidos: conhecimento, experincia e habilidade. Por exemplo, uma pessoa pode

    fazer cursos sobre instalaes em altura. Ela estar adquirindo conhecimento, mas s ter

    experincia depois de acompanhar por algum tempo o trabalho de instalaes em altura. Mesmo

    assim, ainda no ter habilidade, que s ser adquirida quando ela participar ativamente da

    prtica dessas atividades, garantindo um baixo estado de risco e instalando equipamentos e

    aparelhos em altura.

    Neste caso, os profissionais circenses convivem constantemente com o risco e,

    portanto, precisam aprender a reconhec-lo para logo control-lo. De modo alegrico, Wallon et

    al. (2009, p. 26) nos permitem entender o processo de sensibilizao do risco e de convivncia

    assumida e desejada deste risco em quatro fases:

    * A descoberta: em que h uma explorao do desequilbrio (do risco) por uma

    prtica de imitao;

    * O controle: quando o desequilbrio da fase inicial controlado por meio de

    uma figura, fruto de uma prtica repetitiva;

    * O domnio: estgio que permite ao artista, ao profissional ser capaz de romper

    e reaver o equilbrio quando necessrio;

    * Finalmente, a virtuose: momento em que o praticante no s rompe e retoma

    o equilbrio quando sente vontade, mas tambm capaz de modificar a velocidade, a amplitude, a

    fora, o nmero e o desencadeamento de novas figuras, criando sobre aquilo j conhecido.

    Essas quatro fases de aprendizado do risco nos remetem a acreditar que no se

    aprende a controlar o risco de forma rpida e simplificada. So muitos os riscos presentes em

    nossa vida, e eles se apresentam das mais variadas formas possveis nas mais diversas atividades

    que realizamos, portanto control-los e no apenas obter, mas manter um estado de baixo risco

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    uma conquista que demanda tempo e requer uma dedicao constante.

    Em suma, entendemos o risco como uma condio de incerteza que jamais

    poder ser extinta na sua totalidade; como um aspecto presente em todos os momentos, em

    qualquer atividade, por mais simples que seja. Logo, nosso anseio permanente situa-se no sentidode reconhecer os riscos prprios da atividade circense, para ento buscar control-los. Neste

    sentido, compreender a natureza complexa do risco e de como cada profissional o percebe

    certamente nos ajudar a encontrar solues tericas e aplicadas (prticas) visando preservao

    da integridade corporal e artstica dos profissionais, do pblico e dos demais envolvidos com as

    artes do circo. De modo complementar, os discursos dos entrevistados apontam para uma

    percepo individual do risco no circo. Logo, importante ressaltar que so as percepes

    individuais que acabam por formar as percepes coletivas de risco, estas, por sua vez, bem mais

    difceis de serem ampliadas ou aprimoradas.

    Como produto do risco, poderemos ter o acidente, fenmeno que trataremos a

    seguir buscando desvelar as principais causas e consequncias no mbito especfico do circo.

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    1.2

    A reduo de acidentes um dos mais fortes desafios inteligncia do homem(CARDELLA, 2009, p. 23).

    Do mesmo modo observado no risco, convivemos cotidianamente com os

    acidentes nas mais diferentes atividades humanas (transporte, trabalho, etc.), com consequncias

    que oscilam desde aquelas quase imperceptveis at as extremamente graves, como a iminente

    perda da vida.

    Quando remetemos aos acidentes trabalhistas, o Ministrio da Previdncia

    Social apresenta uma definio que nos interessa particularmente neste trabalho:

    Acidente do trabalho o que ocorre pelo exerccio do trabalho a servio daempresa, com o segurado empregado, trabalhador avulso, mdico residente, bemcomo com o segurado especial, no exerccio de suas atividades, provocandoleso corporal ou perturbao funcional que cause a morte, a perda ou reduo,temporria ou permanente da capacidade para o trabalho (MINISTRIO DAPREVIDNCIA SOCIAL, BRASIL, 1999), MANUAL ITEM 5.

    Diversas outras reas do conhecimento elaboraram suas prprias definies,

    visando a uma compreenso mais precisa deste termo to difuso em nossa cultura, como, por

    exemplo, o utilizado no campo da medicina:

    [...] seria considerado como injria no intencional, causada pela transmissorpida de um tipo de energia dinmica, trmica ou qumica de um corpo a outro,ocasionando danos e at a morte, e podem ser evitados e controlados(FILCOMO et al., 2002, p. 42).

    Por outro lado, Cardella (2009) apresenta um conceito elaborado sob uma

    perspectiva holstica no qual no atribui ao acidente uma nica causa, um fator isolado, vendo-o,

    portanto, como um fenmeno que pode ser explicado de modo simplificado. De acordo com este

    autor, o acidente um acontecimento de natureza multifacetada que resulta de interaes fsicas,

    biolgicas, psicolgicas, sociais e culturais. Neste sentido, apoiado no discurso filosfico, o

    acidente pode ser entendido como:

    [...] tudo que acontece por acaso, isto , pela inter-relao e o entrelaamento devrias causas, mas sem uma causa determinada que assegure a sua ocorrncia

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    constante ou, pelo menos, relativamente frequente (ABBAGNANO, 2000, p.14).

    A partir desses breves posicionamentos, entendemos o acidente como um

    produto de uma situao de risco cuja ocorrncia no intencional e que deve ser estudado

    visando ao desenvolvimento de procedimentos e tecnologias que permitam controlar as condies

    de risco, minimizando, assim, a possibilidade de sua ocorrncia. No entanto, jamais estaremos

    livres por completo da possibilidade de acidente, especialmente devido falibilidade humana.

    Neste sentido, compreendemos o acidente como resultado de um conjunto de

    fatores de risco interligados e que pode causar danos ou perdas nas mais distintas dimenses da

    vida: integridade fsica, material, social, ambiental, psicolgica, econmica, artstica e legal.

    Logo, faz-se fundamental conhecer os fatores que podem gerar algum tipo de acidente, a ttulo desua antecipao.

    Vejamos a descrio de um tipo bsico de acidente relacionado s artes do circo

    no modelo de anlise proposto por Cardella (2009):

    Quadro 1: Relao: acidente, causa, dano e consequncia:

    ACIDENTE CAUSA CAUSOU DANO CONSEQUNCIA

    Eletrocutamento

    Fsico: choque eltrico

    Biolgico: estava embriagado

    ou desatento

    Psicolgico: medo de realizar

    o trabalho

    Fsico: leso no indivduo

    Econmico: danificou a

    instalao eltrica

    Legais: processo

    trabalhista

    Depende da intensidade

    do choque e de fatores

    ambientais

    Nosso posicionamento coincide com o de Abbagnano (2000) e Cardella (2009)

    quando afirmam que um acidente ocorre, majoritariamente, por vrios fatores combinados entre

    si. Nesta perspectiva complexa, qualquer estudo que pretenda desvelar os aspectos de risco

    prprios das prticas circenses precisar conhecer em profundidade os acidentes mais comuns,

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    buscando destacar os aspectos que podem t-los gerado. Este tipo de aproximao terica nos

    permitir lanar algumas propostas preventivas, e, por conseguinte, elaborar os princpios bsicos

    de uma cultura de segurana no circo, objeto desta pesquisa.

    Cabe ressaltar que, por se tratar de uma arte diversificada em suas tcnicas,espaos de manifestao, formao profissional, etc., comum depararmos no circo com

    situaes em que o risco advm do manuseio de produtos qumicos inflamveis, da montagem-

    desmontagem e uso de estruturas metlicas, da montagem de instalaes eltricas e de um

    conjunto infinito de outras situaes que expem constantemente os circenses ao risco e,

    consequentemente, possibilidade de acidente. Alm de todas essas possibilidades, devemos

    analisar ainda a exposio deliberada dos artistas circenses, durante sua produo artstica, a

    situaes de risco, em que os acidentes aparecem como casualidades, ou, popularmente, como

    consequncia natural deste ofcio. Como possvel depreender de nosso discurso, no

    concordamos com esta tese, e, exatamente por isso, entendemos que o estudo aprofundado dos

    acidentes nos permitir encontrar novas solues para a ampliao da segurana da arte circense.

    A partir desses pressupostos, trataremos a seguir de analisar alguns acidentes

    relacionados com o circo, selecionados dentre uma extensa lista e encontrados ao longo desta

    pesquisa. importante ressaltar aqui que no encontramos nenhuma fonte oficial ou registro

    sistemtico dos acidentes durante as atividades circenses, fato que dificultou significativamente

    nosso trabalho. Isso nos levou a realizar uma ampla busca nas mais distintas fontes (livros,artigos, sites) e tambm a identificar alguns fatos a partir do discurso dos sujeitos entrevistados.

    a) O Circo Wallace Hagenbeck viajou por vrios lugares da Amrica no incio

    do sculo XX, e no seu auge era considerado o segundo maior circo do continente americano. Por

    causa da grande quantidade de artistas, animais e equipamentos, o circo utilizava um trem como

    principal meio de transporte. Na madrugada de 22 de junho de 1918, o circo fazia uma de suas

    viagens quando foi atingido por outro trem. Alonzo Sargent era o maquinista da segunda

    locomotiva e havia dormido nos controles, fazendo com que os dois comboios se chocassem aquase 60 quilmetros por hora. 127 pessoas ficaram feridas e 86 morreram. Apesar da tragdia, o

    circo se recuperou e continuou funcionando at 1938.

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    Figura 2: Acidente envolvendo o trem do circo Wallace Hagenbeck, em 1918. Fonte: Williams (2010).

    No relato deste acidente, a nica causa relatada foi o adormecimento de um dos

    maquinistas. Entretanto, enquanto nos referimos ao conjunto de fatores responsvel pelo

    acontecimento de um acidente, estamos investigando mais a fundo: por que o maquinista dormiu?

    Ser que sua jornada de trabalho era adequada, ou era excessiva? Ser que estava sob o efeito de

    algum medicamento? Ou ainda embriagado? No sabemos, mas provvel que mais de um fator

    esteja relacionado com esse acontecimento.

    b) Quase sete mil pessoas estavam no Ringling Brothers e Barnum & Bailey

    Circus no dia 6 de julho de 1944, na cidade de Hartford, em Connecticut (EUA), quando teve

    incio um pequeno incndio. Rapidamente, os espectadores foram alertados, mas o pnico tomou

    conta da multido. A lona do circo era impermeabilizada aproximadamente com 800 quilos de

    parafina dissolvidos em mais de 20 mil litros de gasolina. Quando as chamas se espalharam, a

    parafina fervente choveu sobre o pblico e a lona desmoronou.

    O nmero de vtimas no exato, mas aproximadamente 168 pessoas morrerame mais de 700 ficaram feridas. A origem do fogo nunca foi esclarecida, e alguns sugeriram que

    um cigarro poderia ter iniciado a tragdia. Vrios anos mais tarde, um homem chamado Robert

    Dale Segee disse ser culpado, mas nunca foi julgado e assim retirou a confisso, fazendo com que

    o incndio voltasse e ser um mistrio.

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    Figura 4: Engolidor de espadas que faleceu em consequncia de um acidente durante sua

    apresentao, em 1969. Fonte: Williams (2010).

    Este um acidente relacionado com a imprudncia humana. Precisamos

    conhecer os riscos para assumi-los, e temos de nos preparar para isso. Realizar atividades como

    esta estando embriagado demonstra uma grande imprudncia.

    d) Durante boa parte do sculo XX, o circo era um dos principais divertimentosnos Estados Unidos, mas poucos visitavam as ilhas do Hava devido aos altos custos da viagem.

    Ainda assim, a capital Honolulu teve o seu circo com direito a palhaos, malabaristas, acrobatas

    areos e at mesmo uma elefanta chamada Tyke. No dia 20 de agosto de 1994 centenas de

    espectadores presenciaram Tyke matar seu treinador, Allen Campbell, e ferir uma de suas

    assistentes. A elefanta na ocasio fugiu da arena e correu pelas ruas por meia hora, ferindo outro

    homem antes de ser, finalmente, abatida pelos policiais. Foram necessrios 86 tiros para derrubar

    o animal.

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    Figura 5: Elefanta que fugiu do circo aps matar seu treinador e assistente,

    em 1994. Fonte: Williams (2010).

    Acidentes que envolvem animais requerem uma anlise complexa, afinal

    estamos lidando com seres movidos por instintos. Assim, as possveis causas de um acidente

    como esse seriam: estresse do animal por falta de alimento, espao imprprio, maus tratos, falta

    de um plano no caso de uma fuga, etc. Muitos podem ser os motivos que causaram este acidente,

    mas a verdade que, com certeza, ele poderia ter sido evitado ou ter suas consequnciasminimizadas.

    e) Jos Miguel dos Santos Fonseca Jnior era um garoto de seis anos apenas no

    dia 9 de abril de 2000, quando assistia junto com seu pai e sua irm aos espetculos do Circo

    Vostok, instalado no estacionamento do Shopping dos Guararapes, em Recife. Anunciou-se um

    intervalo de vinte minutos nas apresentaes, e Jos e sua famlia aproveitaram esse tempo para

    tirar fotos com os animais. Mas quando estavam retornando ao seu lugar, um dos lees colocou a

    pata para fora da jaula e puxou o menino atravs das grades, quebrando-lhe vrios ossos docorpo. O menino foi arrastado at o picadeiro e em frente ao pblico foi dilacerado, e outros lees

    comearam a devor-lo. Um deles levou o garoto at a caamba em que os animais ficavam

    guardados, e mais lees o atacaram.

    A Polcia Militar matou quatro dos animais. O nico sobrevivente foi um

    filhote com sete meses de idade, que vive hoje no jardim zoolgico de Recife. A necropsia dos

    felinos revelou que eles no eram alimentados havia trs dias, e investigaes mostraram que as

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    jaulas eram ridiculamente frgeis.

    Mais um acidente com animais, neste caso com a constatao de que os lees

    no eram alimentados com a frequncia devida. possvel que isso tivesse acontecido por

    problemas econmicos que o circo vinha enfrentando, o que nos remete ao raciocnio de que umproblema pode ocasionar outros de propores cada vez maiores. So os diversos fatores

    interligados que criam um alto estado de risco e que podem, por sua vez, culminar em um

    acidente.

    f) Circo Ringling Bros and Barnum & Bailey nos Estados Unidos em 2004: A

    aerelista Dessi Espana fazia acrobacias em seu tecido quando ele se soltou e ela caiu de uma

    altura de nove metros. Aps bater com a cabea no cho, Espana no resistiu e morreu.

    (OLIVEIRA, 2012).

    Este acidente nos remete a uma possvel falha de material, que pode ter

    ocorrido por diversos fatores: m conservao, instalao incorreta, equipamento imprprio, entre

    outras.

    g) Embora o Cirque Du Soleil multinacional da arte circense que possui

    dezenas de espetculos obtenha um faturamento de milhes de dlares ao ano, os acidentes

    podem acontecer tambm em seus picadeiros. No dia 17 de outubro de 2009, o acrobata

    Oleksandr Zhurov sofreu um grave acidente durante um treino na cidade de Montreal. O

    ucraniano caiu enquanto fazia o balano russo. Zhurov foi levado para o hospital, mas faleceu

    no dia seguinte devido s leses no crnio e no crebro. Esse foi o pior acidente j ocorrido no

    Cirque Du Soleil.

    Este circo , sem dvida nenhuma, uma das companhias que mais se preocupam

    e investem na segurana de suas atividades, entretanto um acidente fatal como este s nos

    reafirma o fato de que os riscos podem, sim, ser muito bem controlados, mas jamais extintos emsua totalidade.

    h) Jamais vou me esquecer de Guidoval, uma pequena cidade mineira, onde

    um forte temporal atingiu o circo, que no resistiu e foi ao cho, as madeiras quebradas e o pano

    rasgado (BARTHOLO, 1999, p. 36).

    Temporais representam com certeza um grande risco para os circos de lona.

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    No conseguimos imagens do relato acima, entretanto, a ttulo ilustrativo, apresentamos as

    imagens abaixo, que so de um fato semelhante ao que aconteceu com o circo Ostok:

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    balano em uma piscina, e l em cima ele tomou um choque. Ele estava semcadeirinha, sem nada e ele caiu de l de cima. A sorte dele que tinha uma pessoaembaixo e empurrou-o para a piscina.

    Mesmo o artista mencionado acima tendo cado na piscina o que evitou umacidente mais srio , ele ainda sofreu grande risco no que se refere combinao gua e energia

    eltrica. Acidentes envolvendo eletricidade parecem acontecer com certa frequncia. A ttulo de

    exemplificao, mencionamos duas reportagens que relatam fatos correlatos:

    O delegado titular do 20. Distrito Policial (DP), no bairro do Acaracuzinho,Deodato Fernandes, dever decidir pelo no indiciamento dos envolvidos noacidente com o gerente de circo Hamilton Fernando Matias Costa, 27 anos.Hamilton morreu eletrocutado quando tentava erguer um mastro para montagemdo Circo Nossa Senhora de Lourdes, no Parque Jari, naquele municpio na

    ltima segunda-feira.

    De acordo com Deodato, o que houve foi um acidente e, por isso, deverencaminhar o inqurito ao Ministrio Pblico, isentando qualquer pessoa deresponsabilidade.

    Desde tera-feira, o delegado j ouviu cinco pessoas, uma delas o tcnico daCompanhia Energtica do Cear (Coelce), Luiz Manoel de Sousa Cruz. No seudepoimento apenas um relatrio constatando que no local havia rede eltrica dealta tenso e que no houve nenhum pedido por parte dos organizadores doevento para a instalao da lona do circo. (ULTIMA HORA, 2007).

    Ainda h este outro caso, que estabelece relao com a energia eltrica:

    A juza Simone Dalila Nacif Lopes, da 1. Vara da Comarca de Miracena, noNoroeste fluminense, proibiu nesta tera-feira, dia 2, a montagem e asapresentaes do Circo di Monza no municpio, devido a um acidente fatal queaconteceu durante a montagem do circo, que sequer tinha alvar defuncionamento.

    Na sentena, a juza conta que o diretor do estabelecimento, Paulo Ricardo daSilva, apresentou ao juzo um ofcio comunicando que o mesmo funcionariaentre os dias 3 e 13 de fevereiro. Dada vista ao Ministrio Pblico, foi requeridoque o Conselho Tutelar verificasse as condies para a presena de menores, oque foi deferido pelo juzo. No dia 1. de fevereiro, porm, um adolescentemorreu vtima de um choque eltrico e duas outras pessoas ficaram feridas.

    Antes mesmo de o Conselho Tutelar fiscalizar o cumprimento das exignciaslegais, o circo j estava sendo montado com utilizao de corrente eltrica semque houvesse verificao pelo Corpo de Bombeiros, escreveu a juza nasentena. A magistrada lembrou, ainda, que qualquer atividade desse porte,principalmente com a participao de menores, impe a prvia autorizao da

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    do jeito errado, sabe o que subiu a minha trave? Quatro tecidos. Eu amarreiquatro tecidos no topo da trave, coloquei quatro moleques, dois em cada p parasegurar, e oito moleques, dois em cada folha do tecido para puxar a trave.Beleza, a trave subiu eu catraquei e ficou. E na hora de descer eu fiz a mesmacoisa, coloquei quatro tecidos l em cima, pus os caras segurando, a trave

    comeou a descer e no tinha ningum pra segurar a cabea da trave. Era umplano fadado a dar errado. bvio, eu desci a trave errado e do meio do caminhopara frente foi uma coisa descontrolada, uma trave de quatro metros de vo comsete metros de altura com 800 quilos, ela caiu. Caiu e quicou no cho e caiu bemem cima do meu amigo.

    Em Limeira, eu estava com o cabo de ao no ombro, e o cara engatou o guinchoerrado e era pra eu descer e ele puxou para cima e ele me prensou contra aestrutura, e eu fiz um corte no ombro, e eu no conseguia sair. E, a princpio, eutentei parar o cara e gritava, mas ele no ouvia, a eu consegui tirar meu brao atempo, seno acho que ia arrancar meu brao fora. O guincho estava com amarcha invertida, ou ele puxa ou ele solta, e ele estava errado e foi desesperador.

    Eu tive uma aluna que se machucou seriamente, mas no foi na minha casa, foiem outro lugar, algum passou uma queda pra ela de forma errada, ela caiu,machucou, chegou aqui em casa de colar cervical.

    Encerramos esses relatos com as palavras da artista Marieta, que atualmente

    trabalha numa renomada companhia circense internacional:

    Recentemente fui fazer uma queda no tecido e no tive explicao suficientepara evitar qualquer tipo de risco, ento na chave eu tinha que abrir a perna em

    certo ngulo, eu no sabia disso, e por no ter feito no ngulo certo a trava notravou, mas tinha colcho, ento no me machuquei.

    Aps inmeros exemplos extrados de web sites diversos e das experincias

    vivenciadas pelos sujeitos entrevistados, no resta dvida de que os acidentes acontecem com

    certa frequncia durante as prticas circenses, e mesmo com a evoluo das tecnologias e a maior

    disponibilidade de informao, as causas e as consequncias revelam a complexidade do assunto.

    Nossa anlise constata que o fator humano considerado uma das principais

    causas dos acidentes, afinal o comando das aes e das decises de responsabilidade humana.Muitas vezes os acidentes so atribudos a falhas nos equipamentos, contudo a instalao, seleo

    do material, manuteno, fiscalizao, etc. de responsabilidade das prprias pessoas que fazem

    da arte do circo uma arte viva. O discurso da artista Marieta nos apresenta um cenrio ainda

    pouco presente na realidade brasileira, mas comum nos grandes circos internacionais:

    Acho que tem um lado humano, os erros humanos acontecem, podem geraracidentes gravssimos, e ao mesmo tempo a automao, acho que eu vejo muito

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    erro de automao, inclusive no circo onde trabalho, uma multinacionalcircense, o que eu escuto falar de acidente, tem os acidentes humanos, errou achave, confundiu a chave, mas eu tenho a impresso de que a maioria dosacidentes graves que acontecem automao, o que assusta, porque sai docontrole do artista. No sei, estou um pouco por fora no Brasil, como est o nvel

    de automao, mas l, tem muita automao, ento se um aparelho est indomuito rpido, ou girando muito rpido, o artista est sem condies de segurar,isso vai gerar um acidente. Porque s vezes a automao regida por um serhumano, ento tambm uma mistura, tem tambm o erro humano. Acho que decerta forma, por trs, sempre tm o erro humano.

    O discurso acima, alm de reforar a ideia de que o fator humano sempre

    permeia os acidentes, tambm nos mostra que mesmo em uma grande companhia, que trabalha

    com algum tipo de automao em quase todos os seus nmeros, os acidentes esto presentes, isto

    porque a inovao, prpria de grandes empresas, tem como consequncia explorar o

    desconhecido, ou seja, correr riscos.

    Para alm das causas, as consequncias de um acidente podem ser as mais

    variadas possveis, e normalmente em sua totalidade negativas, passando por processos civis ou

    trabalhistas, afastamento do artista ou funcionrio, deteriorao da imagem do circo, dentre

    outras. Tais consequncias podem acarretar prejuzos de vrias naturezas (BORTOLETO et al.,

    2010). Nas palavras da artista Marieta: Nossa, eu procuro nem pensar sobre acontecer um

    acidente, porque seria o fim de uma carreira.

    O artista Fbio corrobora a opinio de Marieta: Para um artista, dependendo

    do acidente pode ser o fim da carreira. No caso da professora Ana Maria, que trabalha em uma

    grande escola de circo: Enquanto escola pode fechar uma instituio.

    A professora Paula complementa, numa sntese, sobre as consequncias de um

    acidente no circo:

    Traz consequncias ruins em todos os sentidos, mesmo quando voc trabalhanum lugar como a gente que tem outros grupos, um acidente que nem no seulocal ruim pra todo mundo, primeiro fica uma ou mais pessoas lesadas, depois algo que fugiu do controle, ento voc no tava to preparado, e tm danos

    morais, fsicos, financeiros, logsticos, do empreendimento, uma infinidade deconsequncias todas ruins.Retomando a ideia de usarmos os acidentes como indicadores do nvel de risco

    presente nas atividades, levando em conta todos os relatos supracitados juntamente com o

    contedo do Anexo 13 e as consequncias desses acontecimentos, podemos entender que as artes

    do circo necessitam de uma sistematizao acerca do controle dos riscos. Controlar e diminuir os

    riscos significa aumentar ou aprimorar a segurana. Por isso, tratamos a seguir exatamente deste

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    assunto, em que tentamos compreender e apontar algumas diretrizes para a criao de uma

    cultura de segurana nas artes do circo.

    1.3

    11O perigo faz parte da dramaturgia do circo. A segurana e a preveno dos riscostambm so importantes para evitar acidentes. O estudante aprende a conhecer ascaractersticas tcnicas de seu desafio, das instrues, de seu entretenimento,montagem e desmontagem de diversas configuraes. Ele analisa os riscos potenciaisdentro de um espetculo por ele e pelos outros, verifica o material e a segurana dassuspenses (cabos). Esta aprendizagem efetivada pelas prticas cotidianas at que osbons reflexos sejam adquiridos (Cirque LOEUVRE Centre National ds Arts diCirque CNAC, 2011, traduo nossa).

    A falta de uma normatizao ou mesmo de sistematizao do conhecimento

    relativo segurana ainda um entrave no que diz respeito ao desenvolvimento do circo

    brasileiro, como relata a artista Marieta:

    Aqui no Brasil, infelizmente nunca ouvi falar sobre segurana, os meusprofessores me ensinavam como fazer para colocar um aparelho, da melhormaneira possvel, mas no tinham um respaldo incrvel sobre segurana.

    Por que um circo mais seguro?

    Como j afirmamos anteriormente, um circo mais seguro, com menosocorrncia de acidentes, evitar problemas judiciais, criminais e trabalhistas, evitando, por

    conseguinte, multas pesadas e indenizaes que podem comprometer a existncia da empresa.

    Garantir ainda a integridade fsica dos artistas, pblico, e demais envolvidos, bem como o

    prolongamento da carreira dos trabalhadores circenses e a melhora nos espetculos, alm da

    disseminao positiva da cultura circense.

    Pela falta de sistematizao e normatizao sobre o assunto, optamos por iniciar

    a discusso definindo de forma preliminar o circo. Para tanto, iremos consider-lo como uma

    organizao cujos integrantes possuem objetivo comum, pautando-se nas mesmas regras e

    11 Le danger participe de la dramaturgie du cirque. La scurit et La prvention ds risques sont dauntant plusimportantes pour viter laccident. Ltudiant apprend connatre les caractristiques techniques de son agrs, lesconsgnes de son utilization, de son entretien, de ses montage et dmontage dnas des configurations diverses. Ilanalyse les risqu potentiels dans un espace de travail, pour lui et pour les autres, vrifie le materiel et la scurit desaccrochages. Cet apprentissage seffectue travers la pratique quotidienne, jusqu` ce que les bons rflexes soientacquis

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    etapas pode ser entendida da seguinte forma:

    - Identificar os possveis perigos, isto , aquilo que pode causar danos;

    - Avaliar os riscos, como, por exemplo, a falta de uma cpia de segurana na

    instalao de um tecido, situao que pode comprometer a integridade do artista no caso de umafalha do sistema de ancoragem;

    - Determinar o risco tolervel. Como j vimos anteriormente, jamais

    conseguiremos extinguir completamente o risco. Cabe a uma pessoa com conhecimento

    especfico avaliar e concluir se o risco ou no aceitvel;

    - Finalmente, tratar os riscos visando ao seu controle e, consequentemente, ao

    aumento da condio de segurana. Esta ao preventiva, que acabamos de apresentar, pode ser

    exemplificada por meio de um nmero circense de pirofagia15:

    Figura 7: Apresentao de pirofagia.

    * Identificao dos perigos: materiais inflamveis prximos rea de circulao

    e atuao do artista; possibilidade de o artista poder se queimar ou ainda ingerir acidentalmente o

    produto qumico utilizado; o material (exemplo: as claves de fogo, no caso dos malabaristas)

    poder cair ou at ser lanado acidentalmente sobre o pblico. No caso de espetculos em locais

    abertos, as condies climticas, especialmente do vento, podem interferir profundamente na

    manipulao do fogo.

    * Avaliando os riscos: a manipulao de material inflamvel consiste por si

    15 Pirofagia um termo derivado do grego piro e significa fogo; fagia significa arte de comer, portantoetimologicamente seria comer fogo, e um pirofagista seria um comedor de fogo. No circo, um pirofagista oartista que realiza apresentaes com fogo. Alguns malabaristas e faquires tambm manipulam o fogo em suasperformances.

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    uma situao de risco, logo sua combinao com elementos como figurino do artista, outros

    materiais inflamveis (serragem, plsticos, madeira) podem aumentar ainda o risco em questo.

    Conhecer qual produto usado pelo artista e se a distncia do pblico segura tambm so

    aspectos importantes.

    * Determinando o risco tolervel: pode no ser possvel a retirada de materiais

    inflamveis, como tecidos e madeira, das proximidades da apresentao, porm este um risco

    que pode ser aceito, desde que controlado.

    * Tratamento/controle dos riscos: determinar a distncia de segurana do

    pblico, umedecer com gua materiais inflamveis nas proximidades, distribuir no espao os

    extintores de incndio de forma adequada, possuir profissionais capacitados para oper-los,

    certificar-se da qualificao do artista na manipulao do fogo, usar combustveis e materiais

    adequados e disponibilizar uma manta antichamas prximo ao local da apresentao. Cabe

    destacar que qualquer tipo de combustvel, independentemente do nvel de corroso, ocasiona

    danos mucosa bucal e aos dentes, podendo inclusive provocar doenas graves. Esta

    insalubridade precisa ser estudada com todo o cuidado, uma vez que muitos artistas realizam

    essas atividades durante anos, ampliando a probabilidade de instalao de doenas ou problemas

    crnicos.

    Ainda sobre este assunto, a Cartilha das Oficinas de Capacitao de Gestores de

    Empresas Circenses (Funarte, 2008)16traz contribuies importantes no que diz respeito s aes

    preventivas, quando indica:

    Quadro 2: Diretrizes de segurana propostas pela Funarte, 2008:

    Circos de lona ao chegarem numa praa devem buscar o setor cultural da

    prefeitura para orientaes sobre leis, alvars e ligaes de gua, esgoto e luz;

    16 Com uma iniciativa muito bem recebida pela comunidade circense entre os anos de 2008 e 2010, a FundaoNacional das Artes (Funarte), por meio de sua Coordenao de Circo, realizou diversas oficinas de formaocontinuada para proprietrios e artistas de circo itinerante das cinco regies do Brasil. Os temas abordados pelasoficinas foram: elaborao de projetos, planejamento estratgico, legislao circense e o circo e a segurana.

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    importante saber onde fica o hospital mais prximo, voc pode precisar,

    sobre isto falaremos mais quando tratarmos da gesto de emergncias;

    Na montagem e desmontagem da lona imprescindvel o uso de

    equipamento de proteo individual (proteo contra queda, luvas, capacetes); Aproveite a desmontagem para vistoriar os equipamentos, consertar os que

    apresentarem problemas e descartar os que no podem mais ser utilizados;

    Quando partir, deixe a praa como a encontrou, tampe buracos, no deixe

    estacas, cabos ou lixos, isso evita futuros acidentes com frequentadores da praa e promove a boa

    imagem do circo;

    A segurana do artista e demais funcionrios depende da preparao

    corporal, concentrao no trabalho, local limpo e arejado, conhecimento de seus limites,

    necessrio estar atento s pequenas leses, realize sempre um bom aquecimento seguido de um

    alongamento, no caso de leso no deixe de procurar um mdico e ter tratamento adequado.

    Cuidado para que seu figurino e adereos sejam compatveis com a necessidade de seu nmero,

    treine e ensaie constantemente sempre acompanhado de um orientador ou assistente;

    Cuide da segurana do pblico, siga normas para instalaes eltricas, de

    gua e esgoto, sinalize fios, caixas de fora, sadas de emergncia, cabos de ao expostos na rea

    de circulao, extintores de incndio, cheque periodicamente a conservao das cadeiras,

    arquibancadas e outros locais que podem oferecer perigo.

    Percebe-se, a partir do exemplo anterior, que grande parte da responsabilidade

    sobre a segurana e, portanto, do estado do risco (desde o conhecimento da situao de perigo at

    seu tratamento-controle) se deve aos profissionais envolvidos. Assim, artistas, montadores,

    proprietrios e demais profissionais podem ser considerados corresponsveis por todo o processo

    de busca de uma maior condio de segurana.

    Conforme citamos anteriormente, faz-se muito importante conhecer os

    principais tipos de riscos com os quais convivemos para que possamos control-los de forma

    eficaz. Um controle inadequado ou impreciso do risco pode acarretar falhas, as quais, segundo

    Cardella (2009), podem ser classificadas da seguinte forma:

    1. Falha Tcnica: Motivada principalmente quando os recursos so inadequados

    ou inexistentes. Por exemplo, quando algum se prope a fazer uma ligao eltrica, mas no

    possui conhecimento apropriado, ou quando o material utilizado inadequado.

    2. Falha por Descuido: Caracteriza-se principalmente por ser causada por

  • 8/13/2019 segurana no circo

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    homologaes17 como o caso dos giros (Swivel) , aconselhamos a opo por este tipo de

    produo em lugar do artesanal.

    comum no circo a construo artesanal de giros (ou rotores) com o uso de

    eixos de bicicleta. Contudo, h no mercado giros homologados com maior capacidade de carga eresistncia. O no uso deste equipamento associado ao custo, dificuldade de acesso,

    desconhecimento da tecnologia, desconfiana da capacidade (embora seja homologada, isto ,

    testada tecnicamente por um rgo regulador de qualidade).

    Figura 8: Exemplo de giro industrializado com certificao e giro de fabricao artesanal sem nenhumtipo de certificao

    Podemos notar na figura acima a diferena entre um giro (Swivel) fabricado de

    forma industrial (esquerda) e outro de forma artesanal, na imagem ampliada (direita).

    importante ressaltar que equipamentos industrializados, testados, garantem um desempenho

    quanto carga que suportam ou quanto sua durabilidade, oferecendo maior confiabilidade do

    ponto de vista do estado de baixa probabilidade de falha e de um respaldo legal, caso uma falha

    venha a acontecer.

    Outro exemplo possvel e comum refere-se fabricao do trapzio. Nas

    imagens abaixo, temos um trapzio construdo artesanalmente, que, provavelmente por

    inexperincia