segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

19
Eduardo Vicente Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departamento Cinema, Rádio e T elevisão da Universidade de São Paulo (USP). Coor- denador do Gáudio – Grupo de Estudos e Desenvolvimento do Áudio. [email protected] S e g m e n t a ç ã o  e  c o n s u m o : a  p r o d u ç ã o  f o n o g r á f i c a  b r a s i l e i r a ,  1 9 6 5 1 9 9 9 D i v u l g a ç ã o .

Upload: eduardo-vicente-usp

Post on 08-Apr-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 1/19

Eduardo Vicente

Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor doDepartamento Cinema, Rádio e Televisão da Universidade de São Paulo (USP). Coor-denador do Gáudio – Grupo de Estudos e Desenvolvimento do Áudio. [email protected]

S

egmentaç

ão e consumo:

produção fonográfica brasileira, 1965–1999

Divu

lgação.

Page 2: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 2/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008100

Segmentação e consumo:a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

Eduardo Vicente

Esse trabalho tem como objetivo oferecer um panorama da produ-ção fonográfica brasileira desenvolvida nas últimas décadas. Sua base éum mapeamento dos segmentos musicais predominantes no período de1965 a 1999, produzidos a partir de estatísticas de vendas de discos adqui-ridas junto ao Nopem. O Nopem - Nelson Oliveira Pesquisas de Mercado,foi criado em 1965 com o objetivo de atender exclusivamente à indústriafonográfica. Nelson Oliveira, seu fundador, trabalhara anteriormente no

Ibope e estruturou sua pesquisa de vendas de discos a partir de informa-ções de lojistas das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. As listagens nãotrazem quantidade de discos vendidos, apenas a sua posição anual noranking dos 50 mais vendidos. Mesmo assim, entendo que sua análisepode oferecer elementos para uma melhor compreensão da dinâmica daindústria fonográfica no país e dos fatores que levaram seus dirigentes aprivilegiar certas estratégias de atuação e segmentos de mercado em dife-rentes momentos do período aqui apresentado.

Como se sabe, são escassos e pouco confiáveis os dados acerca da

RESUMO

Esse texto busca oferecer uma visão

geral da produção fonográfica brasi-

leira desenvolvida entre os anos de

1965 e 1999. A partir de levantamen-

tos estatísticos produzidos pelo No-

pem, é desenvolvida aqui uma classifi-

cação dessa produção em diferentes

segmentos, uma breve descrição do sur-

gimento e da dinâmica de cada umdeles, bem como, em alguns casos, uma

análise mais detalhada de suas carac-

terísticas e desenvolvimento. A apre-

sentação dos dados é acompanhada,

no sentido de sua melhor contextuali-

zação, por uma breve discussão acer-

ca do cenário geral da indústria.

PALAVRAS-CHAVE: música popular

brasileira; indústria fonográfica; con-

sumo musical.

ABSTRACT

This text offers a general overview on the

Brazilian phonographic industry between

de years of 1965 and 1999. Statistical

researches performed by Nopem provide

the parameters for classifying the musi-

cal production of the mentioned period in

different segments, besides a brief descrip-

tion of the creation and dynamics of each

segment. A more detailed analysis of thecharacteristics and development also takes

place in some cases. The data presentation

is accompanied with a brief discussion on

the general phonographic industry scena-

rio for a better contextualization of the

subject.

KEYWORDS: Brazilian popular music;

phonographic industry; musical con-

sumption.

Page 3: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 3/19

Page 4: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 4/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008102

3 VICENTE, Eduardo. Orga-nização, crescimento e crise: aindústria fonográfica brasilei-ra nas décadas de 60 e 70. Re-vista Electrónica Internacional dela Economía Política de lasTecno-logías de Comunicación yInfor-mación , v. VIII, n. III,www.eptic. com.br, set.-dez.2006, p. 118.

4 Ver IFPI, The Recording Industryin Numbers 2000: the definitivesource of global music marketinformation, London, IFPI,2000

posto de Circulação de Mercadorias os direitos comprovadamente pagosa autores e artistas domiciliados no país”3, ofereceu à indústria um terre-no seguro, que tornava desnecessárias mudanças mais significativas emsua estratégia de atuação.

Ao final da década de 1970, porém, prenunciava-se a crise que iriainterromper a trajetória ascendente da indústria já a partir de 1980, deter-minando mudanças significativas no cenário. Elas implicariam numa mai-

or racionalização das atividades das empresas, que reduziram seus elen-cos e passaram a atuar mais decisivamente na exploração de novos merca-dos e no desenvolvimento de produtos destinados a nichos específicos.Em relação à redução dos elencos, entendo que ela atingiu fortemente apresença da indústria em segmentos de consumo mais restrito, como amúsica instrumental e a MPB de caráter mais experimental, por exemplo,o que acabou favorecendo o surgimento de uma significativa cena inde-pendente representada por nomes como Antonio Adolfo, Boca Livre e osartistas ligados ao Lira Paulistana, entre outros. Quanto à exploração denovos mercados, a década de 80 foi fortemente marcada pela busca denovas faixas etárias de consumidores, refletida especialmente na explosãoda música infantil e do rock. Em relação ao rock, isso implicou, em algumamedida, na prospecção de novos artistas e na sua preparação para o mer-cado fonográfico. Já em relação à música infantil, a cena foi inteiramenteconstruída pela indústria e totalmente apoiada, como veremos mais adi-ante, nos programas televisivos desenvolvidos para esse público.

O ano de 1990 também marca o início de uma forte crise, já queregistra de mais de 40% do número de unidades vendidas em relação aoano anterior. No entanto, a indústria acabará fortemente favorecida pelocenário de relativa estabilidade dos anos iniciais do Plano Real e viverá,entre 1996 e 1999, os melhores anos de sua história, alcançando a posiçãode sexto mercado mundial4. O período assistiu, ainda, à implantação econsolidação do formato CD no país. Em termos de produção musical,

tivemos não só a valorização do regional – através, por exemplo, da músi-ca sertaneja e da Axé Music – mas de toda uma produção vinculada aidentidades “locais”, compreendidas aqui não apenas em seu sentido geo-gráfico, mas também étnico, religioso, urbano e comportamental. Seriamexemplos desse processo as produções ligadas ao funk, ao rap e à músicareligiosa, entre inúmeras outras (que acabam não figurando nas listagensdo Nopem). As tecnologias digitais de produção e a distribuição digitalcertamente colaboraram para esse cenário, uma vez que ofereceram gran-des facilidades para a atuação de pequenas gravadoras e artistas indepen-dentes. Assim, teremos o ressurgimento de uma cena independente bas-tante atuante e responsável pela descoberta e pelo lançamento inicial nomercado de muitos dos artistas que – no período – alcançaram a projeção

nacional através de grandes gravadoras.Mas a crise econômica do período final da década, bem como pro-

blemas específicos da indústria como o avanço da pirataria, as incertezasacerca da distribuição on line e a aparente incapacidade das grandes grava-doras de trabalhar com esse mercado crescentemente segmentado, cria-ram um cenário fortemente negativo, que demarcou sua entrada no novoséculo e o surgimento de uma situação na qual o seu modelo de negóciostradicional parece claramente esgotado.

Mas gostaria de apresentar agora as tabelas desenvolvidas a partir

Page 5: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 5/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008 103

H

istó

ria

&

 In

d

ús

tria

 F

o

n

o

grá

ficadas listagens do Nopem e, na seqüência, uma breve análise dos segmentos:

Tabela I . Distribuição por segmento dos 50 discos mais vendidos anualmentenas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo: 1965/1979

Ano

1965 15 - - 17 8 6 2 - 1 - -

1966 17 - - 16 8 4 2 - - - -

1967 14 - - 20 4 5 1 - 1 - -

1968 9 - - 21 8 8 2 - - - -

1969 6 - - 22 7 6 4 1 - - -

1970 22 - - 12 4 5 2 - - - -1971 23 - - 14 8 3 1 - - 1 -

1972 24 4 (3/1) - 12 3 6 - - - 1 -

1973 16 1 (0/1) - 14 8 7 2 1 1 0 -

1974 27 6 (6/0) - 5 3 9 1 - - 2 -

1975 29 3 (3/0) - 3 2 9 3 - - 1 -

1976 16 4 (2/2) - 5 7 11 1 - - 2 -

1977 19 3 (1/2) - 9 4 9 2 - 1 2 -

1978 23 2 (2/0) - 12 4 5 - 2 - 0 3

1979 18 1 (0/1) - 15 6 9 - 1 - 0 -

Internacional

Trilhas de Novela

(int/nac)

Pop. Romântico

Romântico

MPB

Samba

Rock

Infantil

Sertanej o

Soul/Rap/Funk

disco

Tabela II . Distribuição por segmento dos 50 discos mais vendidos anualmentenas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo: 1980/1989

Ano

1980 9 3 (2/1) 1 12 17 5 2 0 0 2 0 01981 11 1 (1/0) 2 14 15 4 3 1 0 0 0 0

1982 14 0 2 9 10 6 3 1 3 1 0 0

1983 20 5 (5/0) 2 7 6 5 6 3 0 0 0 0

1984 18 4 (3/1) 0 5 7 8 8 3 0 1 0 0

1985 16 5 (2/3) 0 4 10 6 6 3 0 0 0 0

1986 19 2 (2/0) 0 4 5 9 6 3 0 2 0 0

1987 23 4 (3/1) 0 7 4 4 7 3 0 1 0 0

1988 14 5 (3/2) 0 9 6 6 6 2 0 2 2 0

Internacional

Trilhas de Novela

(int/nac)

Pop. Romântico

Romântico

MPB

Samba

Rock

Infantil

Sertanej o

Soul/Rap/Funk

Axé/Bahia

Religioso

Page 6: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 6/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008104

A análise dos segmentos

1. Repertório internacional: o período de mais forte presença do re-pertório internacional na listagem ocorre durante os anos 1970, quan-do as citações oscilaram entre 16 e 29, com uma média superior a 20citações anuais. As décadas seguintes apresentarão uma tendênciadeclinante tanto no que se refere à média de citações (16 nos anos 1980 ede 15 nos anos 1990) quanto, o que é bem mais significativo, na posição

dos discos na listagem, com pouquíssimas citações entre as dez primei-ras ao longo dos anos 90. De qualquer maneira, essa tendência à redu-ção da presença do repertório internacional nas listagens não ocorreu deforma constante e nem pode ser assumida como uma tendência definiti-va. Na década de 1990, por exemplo, tivemos tanto o terceiro maior ín-dice de presença do repertório internacional nas listagens (26 citaçõesem 1991), quanto o menor (seis citações em 1996, número idêntico aoregistrado em 1969). Já nos anos seguintes – 1997, 1998 e 1999 – verifi-cou-se um crescimento constante no consumo, com o registro de 9, 12 e13 discos, respectivamente.

Em relação aos artistas e títulos citados, algumas observações inte-ressantes podem ser feitas. Em primeiro lugar, nos anos iniciais da

listagem, especialmente entre 1965 e 1967, a presença do repertório eminglês é menos decisiva, sendo constantes as citações a artistas que can-tavam em italiano, francês e espanhol, como Sergio Endrigo, AlainBarriere, Rita Pavonni, Trini Lopes, Trio Los Panchos, Charles Aznavoure Carmelo Pagamo, entre outros. A partir de 1970, no entanto, as listagenspassam a ser ocupadas quase que exclusivamente por artistas cantandoem inglês, com a significativa exceção de Julio Iglesias (apresentandotrabalhos em inglês e espanhol), que recebe freqüentes menções a partirde 1976 – ano em que obteve a 16ª posição na listagem com Manuela.

Tabela III . Distribuição por segmento dos 50 discos mais vendidos anualmente nascidades do Rio de Janeiro e de São Paulo: 1990/1999

Ano1990 13 8 (3/5) 0 5 4 9 4 3 4 1 1 0

1991 26 5 (2/3) 0 5 5 5 1 4 3 0 0 0

1992 21 2 (1/1) 0 5 6 5 3 2 4 1 1 0

1993 16 1 (1/0) 0 4 8 10 3 0 3 2 4 0

1994 15 3 (2/1) 0 4 6 9 2 2 2 5 3 0

1995 15 3 (3/0) 0 3 3 11 7 3 3 3 0 0

1996 6 6 (3/3) 0 4 3 16 5 3 5 1 2 0

1997 9 2 (2/0) 0 3 3 16 5 2 4 3 4 0

1998 12 4 (2/2) 0 3 0 14 6 1 3 4 2 1

1999 13 5 (3/2) 0 5 4 13 2 0 3 2 2 1

In

ternacional

Trilhas de Novela

(int/nac)

Pop. Romântico

Romântico

M

PB

Samba

Rock

In

fantil

Sertanej o

Soul/Rap/Funk

A

xé/Bahia

Religioso

Page 7: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 7/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008 105

H

istó

ria

&

 In

d

ús

tria

 F

o

n

o

grá

fica

5 WISNIK, José Miguel. O mi-nuto e o milênio ou Por favor,professor, uma década decada vez. In : NOVAES,Adauto (org.). Anos 70: mú-sica popular. Rio de Janeiro:Ed. Europa, 1979/1980, p. 23

6 Ver TELES, José. Do frevo aomanguebeat. São Paulo: Editora34, 2000, p. 20.

7 Entre as trilhas não lançadaspela Som Livre, a única nacio-nal a constar da listagem é a danovela Pantanal, da Rede Man-chete (PolyGram, 20º lugar,1990). As outras duas são inter-nacionais: das novelas infantismexicanas Chispita e Chiquititas.Antes da criação da Som Livre,as trilhas das novelas da RedeGlobo eram lançadas pelaPolyGram (atual Universal).

Outro fato a se notar é a reduzida importância dos astros tradicionais derock ao longo de praticamente todo o período coberto pelas estatísticas.Considerando apenas os dez primeiros colocados nas listagens, os Beatlesreceberam apenas duas menções como banda (Os reis do yê, yê, yê , 6ºlugar, 1965, e Abbey road, 7º, 1970) e quatro por álbuns individuais deseus ex-integrantes (três de John Lennon e uma de George Harrison);Elvis Presley obteve apenas uma citação (Sílvia, 7º lugar, 1972) e bandas

tradicionais como Rolling Stones, Pink Floyd, The Who e Led Zepellin,entre outras, jamais foram citadas. Já em relação aos astros da músicanegra norte-americana, a situação é bem diferente como o provam asparticipações de Stevie Wonder (10º em 1970, 8º em 1973 e 1º em 1974),Michael Jackson (3º em 1973, 2º em 1976, 2º em 1980 e 1º em 1984),Dobbie Brothers (7º em 1973), The Stylistics (8º em 1974), Commodores(3º em 1978), Roberta Flack (9º em 1978), Earth, Wind & Fire (4º em1982) e Lionel Ritchie (9º em 1986).

Além deles, receberam citações cantores românticos e/ou com re-pertório mais tradicional como Frank Sinatra, Johnny Mathis, B.J. Thomas,Elton John, Barbra Streisand, Dionne Warwick, Chris de Burgh, PeterCetera, Jon Secada e o já citado Julio Iglesias, entre outros. Também comum repertório que poderia ser classificado de romântico, tivemos as ban-das Bon Jovi e Scorpions, o saxofonista Kenny G e os grupos adolescen-tes Menudos, New Kids On the Block e A-Ha. Dentre os artistas que po-deriam ser denominados de pseudo-internacionais – ou seja, artistas bra-sileiros que se apresentavam como estrangeiros – e que também apresen-tavam um repertório romântico, destacaram-se Light Reflection (Tell meonce again, Copacabana, 2º lugar, 1973), Dave MacClean (Me and you,Top Tape, 7º, 1974) e Michael Sullivan (My life, Top Tape, 3º, 1977).

Sugestivamente, alguns dos artistas que então cantando em inglêsderam prosseguimento às suas carreiras – já cantando em português –em segmentos vinculados ao que José Miguel Wisnik descreveu certa vez

como uma “poderosa corrente de romantismo de massa”5

. Esse foi ocaso, por exemplo, de Michael Sullivan, que passou a atuar principal-mente como compositor; de Fábio Jr, que iniciara carreira sob os pseudô-nimos de Mark Davis e Uncle Jack; e de Christian, da dupla Christian &Ralf.

No geral, as coletâneas de artistas diversos também tiveram umaimportante participação na composição do repertório internacional con-sumido no país. Nessa categoria, podem ser mencionadas trilhas de fil-mes, seleções de rádios FM, coletâneas de gêneros musicais (especial-mente os mais dançáveis) e, é claro, as trilhas internacionais de novelas –que nas tabelas estão incluídas tanto no total de álbuns de música inter-nacional quanto no de álbuns de trilhas de novela.

2. Trilhas de novelas: embora o pioneirismo na produção de trilhasde novelas seja atribuído por José Teles à gravadora Mocambo, com atrilha de Nino, o italianinho6, é inegável que a Som Livre (braço fonográficoda Rede Globo), criada em 1971 justamente para essa finalidade, detémum controle quase absoluto sobre a produção de trilhas de novelas nopaís7. No total, as citações de trilhas internacionais de novelas nas listagensforam consideravelmente superiores às de trilhas nacionais: 61 contra35 .

Page 8: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 8/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008106

Os maiores destaques foram para Escalada internacional (3º, 1975),Estúpido cupido nacional (4º, 1976), Anjo mau internacional (6º, 1976),Champagne internacional (4º, 1984), O outro internacional (4º, 1987), Valetudo internacional (3º, 1989), Top model nacional (3º, 1990), Cara e coroainternacional (10º, 1996), Por amor internacional e nacional (respectivamente,6º e 9º lugares em 1998), Suave veneno internacional (5º, 1999) e Torre debabel internacional (8º, 1999).

As trilhas de novelas foram, também, o principal espaço de atua-ção dos artistas pseudo-internacionais. Analisando os discos produzi-dos, podem ser encontradas menções entre os anos de 1972 (com a FreeSound Orchestra, de Waltel Blanco e Antonio Faya, interpretando “SweetConcert” na trilha internacional de O bofe) e 1985 (com “Lovely Love”,interpretada por Terry Winter e Silvia Massari, na trilha de A gata co-meu). A trilha de novela mostrou-se uma estratégia sinérgica extrema-mente eficaz no país, chegando a garantir à Som Livre, ainda nos anos1970, a liderança do mercado nacional. Em parte significativa de suaexistência, a empresa chegou a se concentrar quase que exclusivamentena produção de trilhas de novelas e outros tipos de coletâneas, permane-cendo sem um elenco de artistas8.

Entendo que ainda se faz necessário um estudo acerca do impactodas trilhas sobre o gosto do público consumidor, relacionando o repertó-rio apresentado com os segmentos e artistas mais vendidos de diferentesperíodos.

3. Pop romântico: criei essa categoria para diferenciar da designa-ção geral de românticos a certos artistas surgidos no período imediata-mente anterior à explosão do rock dos anos 80 e que não se identifica-vam plenamente com este, oscilando entre os referenciais do rock, damúsica romântica e, em alguns casos, da MPB. Incluí aqui os trabalhosde Biafra (pela CBS, em 1979 e 1981, e pela Esfinge, em 1989), Ângela Rô

Rô (PolyGram, 1980), Guilherme Arantes (WEA, em 1981, e Som Livre,em 1983), Marcos Sabino (PolyGram, 1982) e Dalto (EMI, 1982 e 1983).Nenhum desses nomes voltou a ser citado nos anos 90 e, de todos eles,apenas Guilherme Arantes manteve uma carreira de relativa visibilida-de por maior período.

4. Romântico: romântico e MPB são duas “categorias guarda-chu-va” sob as quais agrupei grande parte da produção musical desenvolvi-da no país nas últimas décadas. O principal nome da categoria é, evi-dentemente, o de Roberto Carlos, ao qual as listagens do Nopem confe-rem tranqüilamente a posição de maior vendedor de discos da históriado país9. Nos anos 60, quando a média de álbuns incluídos na categoria

ficou próxima de 20, as citações foram devidas, principalmente, a nomesligados à Jovem Guarda como Wanderley Cardoso (Copacabana), Wan-derléa (CBS), Ronnie Von (Philips), Eduardo Araújo (Odeon), Leno &Lilian (CBS), Trio Esperança (Odeon), Deno & Dino (Odeon), JerryAdriani (CBS), Paulo Sérgio (Caravelle) e Antônio Marcos (RCA), entreoutros. Ao lado deles, figuraram com destaque também cantores volta-dos a um público mais tradicional como Altemar Dutra (Odeon), NelsonNed (Copacabana), Waldick Soriano (Copacabana), Lindomar Castilho(Continental), Agnaldo Timóteo (Odeon) e Cláudia de Barros (GNI).

8 Com a notável exceção deXuxa que, como se sabe, tam-bém é contratada da emisso-ra.

9 Seu nome ocupa o primeirolugar em 24 dos 35 anos co-bertos pelas listagens.

Page 9: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 9/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008 107

H

istó

ria

&

 In

d

ús

tria

 F

o

n

o

grá

ficaNos anos 70, verifica-se uma significativa redução da participação

do segmento nas listagens. Uma comparação entre as colunas corres-pondentes na tabela permite supor que o segmento foi direta e intensa-mente afetado pelo crescimento do consumo de repertório internacio-nal, bastante alto na década. Não houve, também, um processo de reno-vação, sendo Odair José (Philips, 1973), Márcio Greick (CBS, 1974) ePeninha (PolyGram, 1978) os nomes mais significativos então surgidos.

Entre o final da década de 70 e o começo da seguinte, o segmento expe-rimenta certa reação, acompanhada pelo ingresso nas listagens de no-vos nomes como Sidney Magal (Philips, 1978), Perla (RCA, 1978), Lílian(RCA, 1978), Fábio Jr. (EMI, 1979), Joana (RCA, 1980), Kátia (CBS, 1981)e Ovelha (Copacabana, 1983). Ao final da década de 80, surgiriam ain-da Rosana (CBS, 1987), Robby (RCA, 1988), José Augusto (RCA, 1988) eElymar Santos (EMI, 1990). Nos anos 90, no entanto, não se verifica aaparição de nenhum novo nome de expressão. Aparentemente, a formapela qual segmentos como o sertanejo, a axé music e o pagode, por exem-plo, incorporaram o “discurso” romântico acabou por esvaziar a cena,cuja reduzida participação nas listagens, nos últimos anos do levanta-mento, ocorreu sempre através de artistas já consagrados.

5. MPB: como os levantamentos do Nopem tiveram início em 1965,acabaram por registrar o momento de transição da bossa-nova para osegmento aqui definido como MPB10, assinalando o surgimento e conso-lidação da geração de compositores e intérpretes dos anos 60 que, atéhoje, funciona como o seu mais importante referencial. As oito citaçõesdesse primeiro ano da pesquisa, que transcrevo aqui integralmente, pa-recem-me ilustrar bem esse quadro. São elas:

Posição Disco Artista Gravadora

4º A bossa é nossa Miltinho RGE

5° Dois na bossa Elis & Jair Rodrigues Philips23º Quem te viu, quem te vê  Chico Buarque RGE

27º Minha namorada Os Cariocas Philips

31º Carcará Nara Leão Philips

32º Arrastão Edu Lobo Philips

47º Inútil paisagem Nana Caymmi Equipe

48º Reza Tamba Trio Philips

A importância desse segmento – ligado, em grande medida, aomeio universitário, aos festivais de música da TV e aqui representadopor Chico Buarque, Elis Regina, Edu Lobo e Nara Leão – iria crescerexpressivamente nos anos seguintes, com o ingresso praticamente anual

de novos artistas. Embora a repressão política tenha tido certamente umimpacto negativo sobre a cena, esse processo de renovação atravessoutambém a década de 70, levando ao surgimento nas listagens de nomescomo Quarteto em Cy (Equipe), em 1966; Sérgio Mendes (Odeon), em1967; Taiguara (Odeon) e Caetano Veloso (Philips), em 1968; MariaBethânia, Gal Costa e Gilberto Gil (todos pela Philips), em 1969; MPB-4(Philips), Vinícius & Toquinho (RGE) e Ivan Lins (Philips), em 1971; Si-mone (CBS) e Novos Baianos (Som Livre), em 1973; Milton Nascimento(Odeon) e João Bosco (RCA), em 1976; Belchior (WEA) e Djavan (Som

10 Para uma discussão maisaprofundada do termo MPB,que considere mais adequada-mente os aspectos políticos, in-telectuais e ideológicos envolvi-dos na constituição do segmen-to, recomendoNAPOLITANO,Marcos. Seguindo a canção: en-gajamento político e indústriacultural na MPB. São Paulo:AnnaBlume/Fapesp, 2001.

Page 10: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 10/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008108

11 Em relação ao boom nordes-tino, Rita Morelli irá dedicarespecial atenção às carreirasde Fagner e Belchior, dois deseus principais expoentes, emIndústria fonográfica: um estu-do antropológico. Campinas:Ed. Uni-camp, 1991. Merecedestaque, em sua obra, a dis-cussão acerca das estratégias

(antagônicas) adotadas porambos para o desenvolvimen-to de suas carreiras, que aca-ba por evidenciar a maioradaptação dessa geração àsexigências de um mercadocrescentemente racionalizado.Vale observar, ainda, que em-bora o grande contingente deartistas da região justifiquema expressão boom nordestino,o que tivemos foi, na verda-de, um processo mais amplode regionalização da produ-ção, do qual são exemplos osartistas oriundos de estados

como Minas Gerais (com opessoal do Clube de Esquina),Pará (com a própria Fafá deBelém) e Rio Grande do Sul(com Kleiton e Kledir), entreoutros.

Livre), em 1977; Fafá de Belém (Philips) e Ney Matogrosso (WEA), em1978. Casos como o de Belchior e Fafá marcam, ainda, o início de ten-dências como a do boom nordestino11 e da fase das cantoras na MPB. Apartir desse momento, serão essas duas vertentes, juntamente com a cenaindependente, as grandes geradoras de renovação do segmento, comoexemplificam os casos de Zé Ramalho (CBS), em 1979; Amelinha (RCA),Fagner (CBS), Gonzaguinha (EMI), Oswaldo Montenegro (gravando pela

WEA) e Boca Livre (independente, mas lançado pelo selo Eldorado), em1980; Zizi Possi (PolyGram), Baby Consuelo e Pepeu Gomes (ambos pelaWEA), em 1981; Alceu Valença (Ariola), em 1982; e Elba Ramalho(PolyGram), em 1984. Em relação à geração de cantoras, vale ressaltar aforma mais decidida pela qual passaram a incorporar o referencial ro-mântico ao seu repertório, num crescente afastamento das preocupa-ções políticas, estéticas e sociais que haviam orientado grande parte daprodução da MPB no período anterior.

Apesar da importância da MPB dentro do contexto da indústriater se reduzido significativamente ao longo dos anos 1980 e 1990, issonão implicou numa total ausência de renovação no cenário. Embora commenor freqüência, novos nomes continuaram surgindo nas listagens,sendo Marisa Monte (com primeira menção em 1989, pela EMI) o demaior destaque entre eles. Além dela, tivemos ainda as primeiras men-ções a artistas como Emílio Santiago (Som Livre), em 1988; AdrianaCalcanhoto e Edson Cordeiro (ambos pela Sony), em 1993; e Chico César(PolyGram), em 1996.

6. Samba: a relação do samba com o grande mercado fonográficotem sido marcada por constantes idas e vindas e pelo predomínio dediferentes tendências. Analisando as menções feitas nas listagens, tere-mos num primeiro momento, entre 1965 e 1967, o predomínio do sam-ba-canção, com destaque para os nomes de Dalva de Oliveira, Elza Soa-

res, Carmem Silva, Elizete Cardoso, Sílvio Caldas e Ângela Maria. En-tendo que se trata do instante final no mainstream musical de uma gera-ção de artistas fortemente vinculada ao rádio, que perdia a suacentralidade juntamente com o veículo e era agora substituída pelos no-vos nomes ligados à TV (através da Bossa Nova, da Jovem Guarda, dosFestivais de Música, etc). Já um samba de vocação mais pop parece tertido em Jorge Ben (depois Benjor) seu artista pioneiro. Nas listagens, po-rém, o primeiro nome citado que considerei como ligado a essa tendên-cia foi o de Wilson Simonal. Tanto ele como a “Turma da Pilantragem”tiveram significativas participações nas listagens entre os anos de 1965 e1970. Jorge Ben, por sua vez, recebeu sua primeira citação apenas em1978 (Jorge Ben, RGE), embora tenha se tornado uma duradoura influ-

ência para artistas de praticamente todas as gerações que o sucederam.A presença de Zé Kéti nas listagens (Máscara negra, Odeon, 1967),

embora única a caracterizá-la, marca o que podemos considerar comouma tendência da valorização, ainda que tardia, de compositores liga-dos à tradição das escolas de samba, como Cartola e Nelson Cavaquinho,por exemplo. Essa “descoberta” estará, em boa medida, vinculada a no-mes da MPB e à cena política do período (marcada pela rediscussão darelação entre os intelectuais e a cultura populares proposta, por exem-plo, pelo projeto do CPC da UNE).

Page 11: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 11/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008 109

H

istó

ria

&

 In

d

ús

tria

 F

o

n

o

grá

ficaJá o pagode possui uma longa tradição dentro da história musical

e do cenário fonográfico nacional12. Embora o termo não se refira, emsua origem, a um estilo musical, mas sim a uma festa, uma reunião depessoas, ele acabou por definir também um modo particular de compore interpretar samba.

Ainda nos anos 60, nos subúrbios do Rio, a quadra do bloco Caci-que de Ramos tornou-se o grande centro irradiador do pagode, sendo a

sua primeira menção nas listagens do Nopem devida a um LP do bloco(Água na boca, 34º, 1965, RCA). A importância do Cacique, no entanto,vai muito além desse primeiro trabalho, pois de seus quadros que surgi-rão alguns dos nomes mais importantes do segmento durante grandeparte de seu predomínio. Nesse momento, as principais menções naslistagens serão devidas a Beth Carvalho (Odeon, 1968), Martinho da Vila(RCA, 1968) e Originais do Samba (RCA, 1972). A partir de 1981, norescaldo da grande crise vivida pela indústria no final da década anteri-or, uma nova leva de pagodeiros começa a chegar às paradas – o queculminará num grande boom do segmento em 1986. Fizeram parte dessegrupo nomes como Agepê, Almir Guineto, Alcione, Zeca Pagodinho,Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Beth Carvalho e Jovelina Pérola Negra– embora nem todos eles tenham chegado a figurar nas listagens aquianalisadas. Voltando à questão da importância do Cacique de Ramos,vale mencionar que Almir Guineto, como o grupo Originais do Samba,de que fizera parte; Jorge Aragão, Zeca Pagodinho e o grupo Fundo deQuintal participavam do Bloco. Além disso, muitos dos sucessos de BethCarvalho são de autoria dos compositores de lá, cujo trabalho passou adivulgar após ter participado de uma de suas reuniões em 1978. Nosgrupos Originais do Samba e Fundo de Quintal surgiram, também, asprincipais inovações musicais que passaram a caracterizar o acompa-nhamento do pagode, como o uso do banjo em lugar do cavaco, do tantãem lugar do surdo e do repique de mão.

Não teria sentido, no entanto, separar o pagode de todo o processode revigoramento do samba que teve lugar ao longo dos anos 70, comum considerável crescimento da importância de seus compositores e daspróprias escolas. No período, um grupo formado por compositores e in-térpretes ligados aos morros, à periferia e às escolas de samba do Rio (e,em menor medida, de São Paulo) começa a figurar nas listagens. Nessecontexto, surgem as primeiras citações a nomes como Paulinho da Viola(Odeon, 1970), Adaílton Alves (Copacabana, 1972), Marinho da Muda(Copacabana, 1973), Agepê (Continental, 1975), Gilson de Souza(Tapecar, 1975), Alcione (Philips, 1976, e, posteriormente, RCA), ElianaPitman (RCA, 1976), Ataulfo Jr (RCA, 1976), João Nogueira (Odeon,1976), Dicró (Continental, 1977), Roberto Ribeiro (Odeon, 1977) e Be-

zerra da Silva (CID, 1979), entre muitos outros.Também merece destaque o grande sucesso que começa a ser obti-

do pelos sambas-enredo das escolas. Segundo Sérgio Cabral, esse tipo demúsica “que até então desaparecia de cena assim que acabava o carna-val”, passa a despertar maior interesse das gravadoras a partir do suces-so de Eliana Pitman, com a gravação de O mundo encantado de MonteiroLobato (Estação Primeira de Mangueira), e de Zuzuca, que “transformouem êxitos carnavalescos os seus sambas-enredo ‘Pega no Ganzé’ e ‘Tengo-Tengo’” ( apresentados pela Escola Acadêmicos do Salgueiro em 1971 e

12 Nei Lopes relaciona ao pa-gode desde as festas nas ca-

sas de Pixinguinha e Tia Ciata,no início do século passado,até os encontros no restauran-te Zicartola, nos anos 60 e 70,onde se reuniam nomes comoCartola, Nelson Cavaquinho,Paulinho da Viola, Zé Kéti eElton Medeiros, conferir LO-PES, Nei. Pagode, O Sambaguerrilheiro do Rio. In: VA-RGENS, João Baptista (org.).Notas musicais cariocas. Rio deJaneiro: Vozes, 1986.

Page 12: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 12/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008110

13 Ver O samba (de novo) namoda. Revista Opinião, 3 out.1975.

14 Ver A revolução do fundode quintal. Jornal do Brasil, 14dez. 1986 e Cachaça e sambana cabeça. Jornal do Brasil, 31dez. 1986.

15 Ver Os sambistas põem a

boca no mundo: não há gra-vadora para eles. Jornal daTarde, 09 dez. 1988.

1972, respectivamente)13, chegando às listagens em 1973 com Manguei-ra, minha querida Mangueira (35º lugar, GNI). Mas o primeiro disco desambas-enredo a constar nas listagens é de 1970. Ele foi lançado peloselo Caravelle e alcançou o 20º lugar na parada. A partir de 1974, é aTop Tape que passa a lançar o LP Sambas enredo do Grupo I, sendo que aedição de 1978 alcança o segundo posto no Nopem.

Tanto sucesso deu margem também à entrada no segmento de ar-

tistas que enxergavam aí oportunidades de projeção. Esse foi o caso, porexemplo, de Luiz Airão (Odeon) e Benito de Paula (Copacabana), que jáhaviam tentado o sucesso com a jovem guarda e o bolero, respectiva-mente, mas que só obtiveram menções na listagem a partir de trabalhosproduzidos entre 1973 e 1978 e ligados de alguma forma ao samba. Alémdisso, é evidente a diluição do gênero em trabalhos como os de Wando(com primeira citação em 1976, pela gravadora Beverly) e Antonio Carlos& Jocafi (1971, RCA), entre muitos outros.

Já em relação ao grande boom do pagode da segunda metade dosanos 1980, é possível constatar que o período foi muito mais importantepara a consolidação das carreiras de artistas já estabelecidos no merca-do do que para o surgimento de novos valores. Além dos já citados AlmirGuineto (1981, K-Tel) e Zeca Pagodinho (RGE, 1986), mereceram umaprimeira menção nas listagens do Nopem durante a década apenas osnomes de Bezerra da Silva (RCA, 1984), Neguinho da Beija-Flor (CBS,1986), Leci Brandão (Copacabana, 1989) e Elson (RGE, 1989). Mesmoassim, os jornais da época dão conta de uma “febre do pagode”, com oestilo chegando às casas noturnas da Zona Sul do Rio, tendo videoclipesdivulgados no Fantástico e vendendo 3,5 milhões de discos em 198614.Nesse processo, é preciso destacar também a importância da gravadoranacional RGE (já então associada à Rede Globo), que detinha o contratode alguns dos principais nomes do segmento como Fundo de Quintal,Jorge Aragão, Almir Guineto, Jovelina Pérola Negra e Zeca Pagodinho.

De qualquer modo, a partir de 1987 teremos um arrefecimento dointeresse das gravadoras pelo samba, havendo inclusive denúncias dediscriminação das rádios em relação à veiculação de pagodes15. Emboraas estatísticas do Nopem não cheguem a apontar para uma queda maisexpressiva no número de álbuns de samba nas paradas, indicam umacerta estagnação que só começará a ser superada a partir de 1993, quan-do as indicações sobem para dez (haviam sido apenas cinco nos doisanos anteriores) e se mantém acima desse patamar por praticamentetodo o restante da década. Esse crescimento reflete uma nova “invasão”do pagode e se traduz no ingresso de um grande número de novos gru-pos no cenário.

Nessa nova fase, o primeiro grupo a obter uma indicação na

listagem é o Raça (Da África à sapucaí , 36º, BMG), ainda em 1991. Asegunda indicação ocorre no ano seguinte com o Raça Negra (Raça ne-gra, 33°, RGE). A partir de 1993, no entanto, o aparecimento de novosgrupos se dará em ritmo muito mais acelerado e surgirão nomes comoGinga Pura (PolyGram), Só Pra Contrariar (BMG) e Razão Brasileira(EMI), em 1993; Molejo (Warner/Continental) e Negritude Jr. (EMI), em1994; Art Popular (EMI), em 1995; Gera Samba (depois rebatizado É oTchan do Brasil, PolyGram) e Companhia do Pagode (PolyGram), em1996; ExaltaSamba (EMI), Malícia (BMG), Karametade (BMG) e Soweto

Page 13: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 13/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008 111

H

istó

ria

&

 In

d

ús

tria

 F

o

n

o

grá

fica(EMI), em 1997; Terra Samba (PolyGram), em 1998; Os Morenos (Uni-

versal) e Kiloucura (BMG), em 1999, entre outros. Vale acrescentar que oque ocorre no período não é apenas o crescimento do número de indica-ções de samba e pagode, mas também da sua importância nas listagens.Entre 1995 e 1997, por exemplo, o segmento responde, respectivamente,por 4, 6 e 7 títulos entre os 10 mais vendidos!

Esse novo pagode diferencia-se, sob diversos aspectos, daquele de-

senvolvido em períodos anteriores. Em primeiro lugar, mostra seu inten-so processo de desregionalização, com os grupos cariocas tornando-seminoria num cenário dominado por paulistas (como Negritude Júnior eArt Popular), baianos (É o Tchan, Companhia do Pagode, Terra Samba)e até mineiros (Só Prá Contrariar). Isso talvez indique que o que hoje éconvencionalmente definido como pagode tornou-se, assim como a mú-sica sertaneja, uma espécie de pattern de produção, com característicasbastante definidas, que facilitam não só a atuação de músicos e produto-res de diferentes formações, como a transformação de praticamente qual-quer música em “pagode”16. Em segundo lugar, os grupos tendem aexplicitar com mais veemência suas identificações étnicas e locais. Alémdas óbvias referências étnicas contidas nos nomes dos grupos, teremosvárias iniciativas dos mesmos no sentido de apoiar ou reforçar suas liga-ções com as periferias de onde se originaram destacando-se, entre elas, oslogan e a campanha assistencial “100% Cohab”, do Negritude Júnior.

Uma leitura possível dessa explicitação seria a de uma tentativa decompensar a evidente diluição musical e temática da produção desen-volvida que, além de incorporar instrumentos musicais tradicionalmen-te estranhos ao segmento, como teclados e contrabaixo, dedica-se, via deregra, aos temas românticos e às referências sexuais de duplo sentido(além de contar, especialmente no caso dos grupos baianos, com dança-rinas). Também os discursos e a postura dos integrantes dos grupos ten-dem a se distanciar desses apelos à origem étnica e local. Ao falar das

razões do sucesso do pagode nessa sua nova versão, Marley, integrantedo Grupo Raça, afirmava que “depois que os sambistas procuraram seprofissionalizar, falar direito e mostrar que samba não é sinônimo demiséria, o ritmo decolou e conquistou a maioria da população”. Na mes-ma linha, Netinho, vocalista do Negritude Júnior, afirmava que “seu gru-po faz sucesso porque apresenta um suíngue extra, novos instrumentose, acima de tudo, uma postura muito profissional, com a preocupaçãode que samba também é show”17.

7. Rock: como se pode observar na tabela, o consumo de rock naci-onal foi consideravelmente limitado até os anos 80, já que incluí a maio-ria dos integrantes da Jovem Guarda – como Roberto Carlos, Leno &

Lilian, Wanderley Cardoso, Wanderléa e Trio Esperança, entre outros –na categoria Românticos. Utilizei a categoria Rock apenas para artistasque mantiveram uma identificação mais duradoura com o segmentocomo Erasmo Carlos (CBS), The Fevers (Odeon), Renato & seus BlueCaps (CBS), Mutantes (Equipe), Rita Lee (Philips) e Raul Seixas (Philips):os únicos a figurar na listagem entre 1965 e 1981. Mas, a partir do finaldos anos 70, uma cena de intensa produção começava a se estabelecer,vindo a atingir seu auge ao longo da década seguinte.

Nesse seu início, ela foi alimentada pela existência de um circuito

16 Entre as regravações no es-

tilo incluíam-se, em 1993, asmúsicas “Ben” (Michael Jack-son), “Será” (Legião Urbana),“Something” (George Harri-son) e “Maluco beleza” (RaulSeixas), entre outras. Ver TemBeatles no samba. Jornal doBrasil, 18 jul. 1993.

17 As duas declarações estãocontidas em O verão dos pa-godeiros. Revista Contigo, 18jan. 1994.

Page 14: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 14/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008112

18 Cf. DAPIEVE, Arthur. BRock:o rock brasileiro dos anos 80 . SãoPaulo: Editora 34, 1995, p. 31.

19 Além disso, Júlio Barroso(da Gang 90) era jornalista e,juntamente com futuros no-mes de destaque na cenacomo Lulu Santos e Paulo Ri-cardo, foi colaborador da re-

vista SomTrês. Ver DAPIEVE,Arthur, op. cit., p. 25 e 32.

exibidor formado, principalmente, por projetos culturais alternativos ecasas noturnas ociosas com o final da febre “disco” 18. Com o sucesso dacena e o interesse das grandes gravadoras, esse circuito ampliou-se atra-vés de diversos festivais, rádios especializadas e grandes eventos. Entreesses últimos, o mais importante foi o Rock in Rio que, promovido pelaprimeira vez em 1985, não apenas alavancou a carreira de muitas ban-das e artistas locais como ajudou a colocar o país no roteiro de grandes

turnês internacionais.Adicionalmente, a cena contava também com uma significativa

atenção por parte da mídia escrita, especialmente de nomes como AnaMaria Bahiana (O Globo e Pipoca Moderna), Pepe Escobar (Folha de SãoPaulo), Jamari França (Jornal do Brasil) e Maurício Kubrusly (RevistaSomTrês), entre outros19. Essa vinculação – paralelamente às ligações demuitos dos grupos com o meio universitário, o teatro, as artes plásticas, acena independente, etc – deu ao rock dos anos 80, ao menos no queconcerne às condições de sua legitimação, uma posição muito próxima àda MPB.

A entrada de seus nomes no mainstream musical foi bastante rápi-da. Se, em 1981, a apresentação da banda Gang 90 & As Absurdetes noFestival MPB-81, da TV Globo, marcava a primeira aparição importantedessa nova geração no cenário nacional, já a partir do ano seguinte seusnomes começavam a surgir nas listagens do Nopem. Tivemos a Blitz (EMI),em 1982; Ritchie (CBS), Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens (WEA),Lulu Santos (WEA) e Absyntho (RCA), em 1983; Magazine (WEA), Ba-rão Vermelho (Som Livre) e Léo Jaime (CBS), em 1984; RPM (CBS), Ul-traje a Rigor (WEA), Biquíni Cavadão (PolyGram), Lobão & Os Ronaldos(RCA) e Rádio Táxi (CBS), em 1985; Os Paralamas do Sucesso (EMI) ePlebe Rude (EMI), em 1986; Legião Urbana (EMI) e Titãs (WEA), em1987; Cazuza (PolyGram), em 1988; Nenhum de Nós (BMG), Inimigosdo Rei (CBS) e João Penca & Seus Miquinhos Amestrados (Esfinge), em

1989 e Engenheiros do Hawaii (BMG) – último nome expressivo da gera-ção – em 1990.Como se pode ver nas Tabelas II e III, contrastando com o período

entre 1983 e 1988, em que nunca ocorreram menos de seis citações anu-ais teremos, entre 1989 e 1994, um significativo encolhimento da cena,com as citações oscilando entre uma e quatro. Entre 1991 e 1994 nãoteremos, inclusive, a entrada de nenhum novo nome na listagem. Elas sóvoltarão a ocorrer – juntamente com um relativo fortalecimento do ce-nário do rock – a partir de 1995 e, mesmo assim, de forma bastante dis-creta: a banda mineira Skank (Sony) e o trabalho solo de Renato Russo(EMI), em 1995; Cássia Eller (PolyGram), em 1996 e, depois disso, ape-nas a citação do Jota Quest (Sony), em 1999.

Isso não significa, necessariamente, que a cena pop nacional tenhaperdido seu vigor. Diria que, ao contrário disso, ela experimentou umamaior diversificação através de vertentes como o funk e o rap, ou debandas oriundas do rock alternativo que não alcançaram o consumomassificado que lhes permitiria figurar nas listagens (refiro-me, princi-palmente, às produções ligadas ao Mangue Beat de Recife e/ou surgidasna esteira de eventos como o Festival Abril Pro Rock). Esse papel acabouficando para os nomes já consagrados da geração 80 que, não raro, aca-baram por se contentar com a mera reciclagem de seus antigos trabalhos

Page 15: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 15/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008 113

H

istó

ria

&

 In

d

ús

tria

 F

o

n

o

grá

ficaatravés de projetos como o Acústico MTV, os discos ao vivo, os remixes,

os lançamentos de sobras de estúdio, etc.

8. Infantil: a primeira gravadora brasileira a atuar de forma consis-tente junto ao segmento infantil foi, muito provavelmente, a Continentalque, a partir de 1942, produziu mais de 70 títulos. Suas gravações foramlançadas através do selo Disquinho, dirigido por João de Barro (o

Braguinha), e se constituíam de estórias narradas, sendo Chapeuzinhovermelho o maior sucesso da série.

Mas será apenas a partir de sua vinculação à programação tele-visiva que o mercado infantil mostrará seu grande potencial para a in-dústria do disco. Assim, as primeiras menções na listagem virão atravésde Topo Gigio (42°, Philips), de 1969, e Vila sésamo (42°, Som Livre), de1973. Embora não figurando na listagem, também merecem ser lembra-das aqui produções como as trilhas da série Sítio do pica-pau amarelo (SomLivre, 1975), da peça teatral Os saltimbancos (Philips, 1977) e dos especi-ais infantis A arca de Noé I  e II  (Ariola, 1979 e 1980), entre outros, quecontaram com a participação de importantes nomes da MPB.

Entre 1978 e 1981, as quatro citações presentes nas listagens esta-vam, na verdade, ligadas à música “disco”: duas para A Patotinha (RCA,1978 e 1979) e duas para As Melindrosas (Copacabana, 1978 e 1981). Jáem 1982, o único citado foi Sérgio Mallandro (RCA). De qualquer modo,viveremos a partir daí uma autonomização da cena, com o referencial eos artistas de renome da MPB (e, num momento um pouco posterior, dorock dos anos 80) sendo substituídos por “artistas de marketing”: ini-cialmente os grupos infantis e, numa segunda etapa, as apresentadorasde TV.

Nessa nova configuração, a explosão da música infantil ocorrerá apartir de 1983, com as “turmas” de apresentadores infantis. A partirdaí, receberão sua primeira menção na listagem Pirlimpimpim (Som Li-

vre) e Turma do Balão Mágico (CBS), em 1983; Clube da Criança (RCA),em 1984; Trem da Alegria (RCA), em 1985; e Os Abelhudos (EMI), em1986. Esse último ano marcará, também, o início de uma nova fase damúsica infantil no país, que passa a ser dominada por apresentadoras.Xuxa (Som Livre), a mais bem sucedida entre elas20, lança então seu pri-meiro trabalho, sendo depois seguida por Angélica (CBS, 1988), Paquitas(RGE, 1989) e Mara (EMI, 1989). Serão ainda citadas, no período, asbandas Menudo (RCA, 1985), Dominó (CBS, 1985) e Polegar (Continen-tal, 1989) – que visavam um público que pode ser denominado maisapropriadamente como pré-adolescente do que infantil21 –, além de tri-lhas como a do musical da Globo Pluct plact zuuum (Som Livre, 1983) edas novelas mexicanas exibidas pelo SBT Chispita (RGE, 1984) e Carrossel

(BMG, 1991). Entre 1990 e 1993, nenhum novo artista nacional ingressa-ria nas listagens, devendo-se a maioria das citações a apresentadoras jáconsagradas (especialmente Xuxa). Em 1994, Eliana (BMG) receberá suaprimeira menção.

Já em 1995 surge na listagem, em 36º lugar, o grupo MamonasAssassinas (Mamonas assassinas, EMI), que alcançaria com esse mesmotrabalho o primeiro posto do ano seguinte. Aparentemente, o fenômeno“Mamonas” demarca uma nova tendência na música infantil, onde ovisual clean e as letras inofensivas das apresentadoras são substituídas

20 Ela é citada, desde então,em grande parte das paradasanuais e foi, nos anos 80, “con-siderada a maior vendedorade discos da América Latina,batendo Roberto Carlos e Jú-

lio Iglesias”. Conferir Crian-ças, o mercado dos milhões.Jornal da Tarde, 13 jan. 1989.

21 Embora considere essa clas-sificação um tanto imprecisa,eu preferi mantê-los dentro dacategoria “música infantil”por considerar que, naquelemomento, ainda não existiamreferências claras – como ocor-rerá nos anos 2000 – a ummercado pré-adolescente.

Page 16: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 16/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008114

22 Xuxa e Eliana seriam as prin-cipais exceções a essa regra,mas vale notar que o cinema,mais do que o disco, iria setornar o principal espaço paraa sua atuação.

pela incorreção política (e gramatical), pelas expressões de duplo-senti-do e pela aparência quase ofensiva de nomes como Tiririca (Sony, 1996)e Rodolfo & ET (Virgin, 1998). Entendo que esses nomes permitem, tam-bém, uma maior aproximação do consumo de diferentes faixas etárias,tornando um tanto problemática a classificação que adotei para eles como“música infantil”. Nos anos seguintes, esse espaço acabaria sendo ocu-pado por grupos de pagode (especialmente o “É o Tchan”, com suas

coreografias) e mesmo de funk. Em 1999, de qualquer modo, não foiregistrada nas listagens nenhuma menção a nomes da música infantil,com o segmento, em sua especificidade, parecendo despertar interessecada vez menor por parte das grandes gravadoras. A partir daí, ele pas-saria a ser atendido quase que exclusivamente por gravadoras indepen-dentes22 como a paulistana “Palavra Cantada”, criada em 1994 porSandra Peres e Paulo Tattit.

Será o mercado pré-adolescente – que como vimos aqui, fora inau-gurado por Menudos e assemelhados – que, logo depois (e já fora doescopo dessa pesquisa), despertará a atenção das grandes gravadoras,através de nomes como Sandy & Júnior e KLB, entre outros.

9. Sertanejo: até pelo menos o final dos anos 1970, a música serta-neja foi praticamente ignorada pelas gravadoras internacionais aqui ins-taladas. Uma das razões para tanto parece ter sido o fato do segmentoser quase todo vendido através dos chamados “discos populares”, compreços bastante inferiores àqueles pelos quais os discos de MPB e músicainternacional eram comercializados. Entendo, também, que as gravado-ras internacionais parecem não ter, antes dos anos 90, demonstrado ca-pacidade de explorar adequadamente os mercados vinculados a segmen-tos regionais. Tanto que sua inserção mais vigorosa se deu, nos anos 90,especialmente através da aquisição de empresas tradicionais do setorcomo a Continental, adquirida pela Warner em 1994, e a Copacabana,

absorvida pela EMI ainda em 1992.De qualquer modo, a partir da crise de 1980, as gravadoras inter-nacionais passaram a criar selos para atuar exclusivamente nesse seg-mento, que chegava ao cinema com o filme Estrada da vida (Nelson Pe-reira dos Santos, 1979), estrelado pela dupla Milionário & José Rico, e àtelevisão através de programas como Carga pesada (1979) e Som Brasil(1981), ambos da Rede Globo.

Mesmo assim, as ocorrências de música sertaneja na listagem fo-ram apenas marginais até 1989, o que talvez se explique pelo caráterexcessivamente urbano do levantamento (que abrange, como vimos, ex-clusivamente as cidades do Rio e de São Paulo). Nesse período, os nomescitados foram os de Zé Mendes (Copacabana, 1965 e 1967; Continental,

1977), Sérgio Reis (RCA, 1973 e 1982), Dom & Ravel (Copacabana, 1982)e Almir Rogério (Copacabana, 1982). A partir de 1990, no entanto, asituação muda radicalmente e desse momento até o final da década serámantida uma freqüência de três a quatro citações anuais. É o momentode consagração do segmento, que acaba obtendo uma grande penetra-ção televisiva através de novelas como Pantanal (Benedito Ruy Barbosa,Rede Manchete, 1990), Tieta (adaptação de Aguinaldo Silva, Rede Glo-bo, 1990), Ana Raio & Zé Trovão (Marcos Caruso e Rita Buzzar, RedeManchete, 1991) e Rei do Gado (Benedito Ruy Barbosa, Rede Globo, 1996).

Page 17: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 17/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008 115

H

istó

ria

&

 In

d

ús

tria

 F

o

n

o

grá

ficaMusicalmente, o segmento passará por significativas mudanças,

sofisticando-se e abandonando ritmos como a guarânia e o bolero, comseus arranjos de metais característicos, em benefício da música românti-ca de andamento lento, da influência da música country e de arranjosinstrumentais mais sofisticados, com predominância das cordas.

Nesse período, os nomes a surgir na listagem são: Chitãozinho &Xororó (PolyGram), Roberta Miranda (Continental) e Leandro & Leo-

nardo (Continental), todos em 1990; Zezé di Camargo & Luciano (Copa-cabana), em 1992; João Paulo & Daniel (Continental/Warner) e Gian &Giovani (BMG), em 1997. A eles – bem como aos trabalhos de Leonardoe Daniel, que assumiram carreira solo após a morte de seus respectivosparceiros – são devidas todas as citações ocorridas no período, o quedemonstra a extrema concentração das posições de topo do segmento.

10. Disco: o único ano do levantamento em que foram registradasna listagem citações a trabalhos nacionais do segmento disco foi o de1978. Nesse ano, os três discos mencionados foram: Perigosa (Frenéticas,WEA, 12º posto), A noite vai chegar (Lady Zu, Philips, 23º) e Quem é ele?(Miss Lene, Epic/CBS, 32º). Os trabalhos de A Patotinha e As Melindro-sas, citados entre 1978 e 1981 foram, como já observei, incluídos no seg-mento de Música Infantil.

11. Soul/Funk/Rap: tentei reunir nessa categoria artistas cujas pro-duções fossem referenciadas pela música negra norte-americana. Umgrupo de nomes que, assim como os do “rock”, tem o mundializado comoprimeiro referencial e, se chegam a dialogar com a tradição musical na-cional, o fazem a partir dessa base, e não o contrário.

Em 1971 é feita a primeira menção nas listagens a um artista queenquadrei nessa categoria. No caso, Tim Maia (Tim Maia, Philips, 26ºlugar), que receberia novas citações em 1972 e 1974. Nesse último ano,

teremos a primeira citação a Hildon (Na rua, na chuva ou na fazenda, Phi-lips, 28° lugar). Em 1975 teremos uma nova menção a Hildon ( Na som-bra de uma árvore, Philips, 32º) e, em 1976, as primeiras a Cassiano (A luae eu, Philips, 25º) e Cláudia Telles (Fim de tarde, CBS, 50º). As citações serepetiriam no ano seguinte. Nessa primeira fase, convém destacar a im-portância da Gravadora Philips (que seria posteriormente rebatizadacomo PolyGram) e da figura de seu presidente, André Midani, que podeser considerado como o grande responsável pela inserção do segmentono mercado fonográfico23.

Novas citações voltarão a ocorrer apenas em 1980, com a volta deTim Maia (gravando pela EMI) e o ingresso de Sandra de Sá (Demôniocolorido, RGE, 31º). Também devemos a ambos as escassas menções ocor-

ridas entre 1982 e 1988. A menção de 1989 refere-se à coletânea FunkBrasil, da PolyGram e, a de 1990, mais uma vez a Sandra de Sá. Em1993, teremos mais uma citação a Tim Maia (agora pela Warner) e achegada do rap à listagem através de Gabriel, o Pensador (Sony). Em1994, as menções serão cinco: Tim Maia (Warner), Gabriel, a coletâneaFuracão 2000 Nacional e os ingressos de Latino e Sampa Crew (todos pelaSony). Já em 1995, as três citações serão devidas à entrada na listagemdo grupo Cidade Negra (Sony) e a duas coletâneas: Rap Brasil (Som Li-vre) e Funk Brasil especial (WEA). Refere-se também a uma coletânea,

23 Midani, segundo depoimen-to prestado a mim no iníciode 2007, foi levado por umamigo a uma apresentação deblack music num ginásio espor-tivo, no Rio de Janeiro, e ficouprofundamente impressiona-do com a cena.

Page 18: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 18/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008116

24 A CBS havia sido adquiri-da, ainda em 1988, pelo SonyCo., e teria seu nome posteri-ormente substituído pelo deSony Music.

25 A PolyGram seria adquiri-da pela Seagram, em 1998,tornando-se parte da Univer-sal Music.

26 Como a MK Publicitá, aBom Pastor e a Line Records,no meio evangélico, ou a Pau-linas-Comep e a Codimuc, nocatólico.

27 Que inclui bancas de jornaise, no caso de segmentos maispopulares, a venda de discosindependentes diretamentepor vendedores ambulantes.

Rap Brasil 3 (Som Livre), a única menção de 1996.Em 1997, a cena tem um momento de particular destaque: Gabriel

atinge o 2º posto da listagem (Quebra cabeça, Sony) e os ingressantesClaudinho & Buchecha chegam ao 3º (Claudinho & Buchecha, Universal).Esse ano, marca também a entrada na listagem de um novo grupo, oPlanet Hemp (Sony). Em 1998, das quatro citações feitas, duas serãodevidas a Claudinho & Buchecha (por dois CDs diferentes), uma a Gabriel

e outra à ingressante Fat Family (EMI). Claudinho & Buchecha obterãouma nova menção em 1999, ficando a outra com a coletânea em tributoa Tim Maia, lançada pela Som Livre.

A venda dos CDs em shows e espaços alternativos, bem como aopção por se manter independentes de muitos dos artistas, acabam porreduzir a visibilidade do rap nas listagens do Nopem. Isso explica, pro-vavelmente, a não menção na pesquisa a nomes como Racionais MC’s.

12. Axé/Bahia: as primeiras citações na listagem acontecem em 1988através das bandas Reflexu’s (EMI) e Mel (Continental). Em 1990, noauge da lambada, ocorre nova citação com a banda Kaoma (CBS24). Aconsolidação do segmento só se dará a partir de 1992, com o ingresso deDaniela Mercury (Sony). No ano seguinte, auge do segmento, serão qua-tro os citados: Banda Beijo (PolyGram), Chiclete com Banana (BMG),Timbalada (PolyGram) e a própria Daniela, que alcança o primeiro pos-to com o CD Canto da cidade. Em 1994, surgem três novos nomes: Neti-nho (PolyGram), Banda Cheiro de Amor (PolyGram) e Olodum (Conti-nental). Não ocorrem citações em 1995 e, nos anos seguintes, os novosnomes a surgir são Ara Ketu (Sony, 1996), Banda Eva (PolyGram, 1997)e Asa de Águia (Sony, 1999).

13. Religioso: apesar da grande importância desse segmento, as duasúnicas menções que recebe nas listagens são recentes (1998 e 1999) e

devidas a um mesmo CD: Músicas para louvar o senhor, do Padre MarceloRossi (PolyGram/Universal25). Mas eu entendo que, mesmo essas men-ções, devam ser compreendidas como uma excepcionalidade, já que essaprodução tende a ser distribuída através de lojas especializadas e/oupontos de venda dos próprios templos, e normalmente através de grava-doras a eles vinculadas26.

A partir de 2000, como já observei aqui, teremos uma nova crise e,com ela, uma nova etapa na história da indústria. E não considero aslistagens do Nopem o instrumento apropriado para uma análise desseperíodo. O sistema Soundscan, que aufere as vendas de discos a partir dapassagem dos códigos de barra do produto pelas registradoras das lojas,

seria um instrumento muito mais preciso e abrangente para determinaros números obtidos através do comércio formal. Ele foi adotado pelosEUA em 1991 mas, em função das polêmicas levantadas acerca de suautilização – envolvendo, especialmente, o desejo das empresas de nãotornar públicos os dados reais sobre as vendas de seus artistas – jamaisfoi utilizado no país.

Mas o processo de segmentação e a correspondente redução daconcentração – aliada à desmaterialização dos suportes e à diversidadedas estratégias de distribuição adotadas por empresas e artistas27 – está

Page 19: Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

8/7/2019 Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira, 1965–1999

http://slidepdf.com/reader/full/segmentacao-e-consumo-a-producao-fonografica-brasileira-19651999 19/19

ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 99-117, jan.-jun. 2008 117

H

istó

ria

&

 In

d

ús

tria

 F

o

n

o

grá

ficatornando listagens desse tipo, mesmo se avalizadas por sistemas como o

do Soundscam, cada vez menos decisivas, já que o que se coloca em ques-tão, agora, é a própria centralidade do CD enquanto meio de meio dedistribuição musical. Assim, a partir de agora, talvez tenha mais sentidoo esforço na compreensão da dinâmica interna e das instâncias de legi-timação de segmentos crescentemente autonomizados, do que nas esta-tísticas de um mercado formal que expressa, cada vez menos, o cenário

real da produção e consumo de música.

Artigo recebido em janeiro de 2007. Aprovado em abril de 2007.