indústria fonográfica um estudo antropológico - rita c. l. morelli

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·:. UNICAMP UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Reitor FERNANDO FERREIRA COSTA Coordenador Geral da Universidade EDGAR5ALVADORI DE DECCA �EDITORA( II MM+.M:M) Conselho Editorial Presidente PAULO FRANCHETTI ALCIR P ECORA- ARLEY RAMOS MORENO EDUARDO DELGADO ASSAD- JosE A. R. GONTIJO ]OSE ROBERTO ZAN- MARCELO KNOBEL SED! HIRANO- YARO BU RIAN]U NIOR RITA C. L. M ORELLI / / INDUSTRIA FONOGRAFICA UM ESTUDO ANTROPOLOGICO 2 EDI� A 1 e o , T a R A +•+:www.+

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Page 1: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

·:.

UNICAMP

UNIV ERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Rei tor

FERNANDO FERREIRA COSTA

Coordenador Geral da Universidade

EDGAR5ALVADORI DE DECCA

�EDITORA( II MM+.M:M)

Conselho Editorial

Presidente

PAULO FRANCHETTI

ALCIR P ECORA- ARLEY RAMOS MORENO

EDUARDO DELGADO ASSAD- JosE A. R. GONTIJO

]OSE ROBERTO ZAN- MARCELO KNOBEL

SED! HIRANO- YARO BU RIAN]U NIOR

RITA C. L. MORE LLI

/ /

INDUSTRIA FONOGRAFICA UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

2"- EDI�A.o

1 e o , T a R A +•+:www.+:MJ

Page 2: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELO SISTEMA DE BIBLIOTE CA S DA UNICAMP

DIRETORIA DE TRATAME NTO DA INFORMAyAO

Morelli, Rita de Cassia Lahoz. Industria fonogrifica: um esrudo anrropol6gico I Rita C. L. Morelli- 2' ed. - Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009.

I. Musica- Fonografia- Industria. 2. Musica popular- Brasil. I. Titulo.

indices para caralogo sistematico:

I. Musica- Fonografia- Industria 2. Musica popular- Brasil

CDD

Copyright© by Rita de Cassia Lahoz Morelli Copyright© 2009 by Edirora da Unicamp

338·4778991 78t.6)0981

))8-4778991 78t.6)0981

Nenhuma parte desta publicayiio pode ser gravada, armazenada em sistema eletr6nico, forocopiada, reproduzida par meios med.nicos

ou ourros quaisquer sem autorizatfiO previa do editor.

Editora da Unicamp Rua Caio Graco Prado, so- Campus Unicamp

Caixa Posral 6o74- Bariio Gcraldo CEP r J083-892- Campinas- SP- Brasil

TeL/Fax: (r9) J\li-7718/7728 www.editora.unicamp.br [email protected]

Este trabalho e dedicado a memoria de Antonio Lahoz Espinal, Maria Sarcos Ruiz, Matheo Carbajo Montero, Leonor Valiente

Magdaleno, Jose Lahoz e Juliana Carbajo Lahoz. E, de modo especial, a Lucia Helena Lahoz Morelli, que mantem

nos dias de hoje a mesma dignidade, a mesma garra, a mesma ternura e a mesma coragem dessa gente tao antiga.

Ao professor Guilhermo Raul Ruben, minha gratidao por sua

orienta�;ao amiga e oportuna e pelas inesquedveis li�;oes de des­

prendimento humano e de generosidade que me proporcionou.

Page 3: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

SuMARro

NOTA DA AUT ORA A SEGUNDA EDI<;:Ao . 9

PREFAcro

Jose Roberto Zan . . ..... .... 15

INTRODU<;:AO: CONTEXTUALIZA<;:AO TEORICA, RELAT O DO

TRABALHO DE CAMP O E APRESENTA<;:AO DOS CAPITULOS . . .19

1 -BRASIL, ANOS DE 1970:

A INDUSTRIA DO DISCO E A MUSICA POPULAR . . . ................ 61

2 - RELA<;OES DE PRODU<;:Ao E DIREITO AUTORAL:

CONCEP<;:OES, PMTICAS SOCIAlS CONCRETAS E HISTORIA ....... . . ....... 107

3 -CULTURA E RAZAO PMTICA NA INDUSTRIA DO DISCO:

A IMAGEM PUBLICA DOS ARTISTAS .... · · · · · · · · · · · 165

CoNCLus6Es ..... . ... ...... 217

A NEXO: MATERIAL DE IMPRENSA ..... . ........ 225

BIBLIOGRAFIA .................... 251

Page 4: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

N OTA DA AUTORA A S ECUNDA E DI<;:Ao

Este livro foi originalmente redigido como uma disserta<;ao de mestrado em antropologia social, defendida no Instituto de Filoso­fia e Ciencias Humanas da Unicamp em 1 988, cujo tema foi a in­dustria fonografita no Brasil dos anos de 1 970. Decorridos 2 1 anos desde sua reda<;ao original, e 1 8 anos desde a publicac;;ao de sua primeira edi<;ao em livro pela Editora da Unicamp, cabem algumas palavras sobre os caminhos trilhados desde entao pela pesquisa academica acerca desse objeto e sobre o sentido da publicac;;ao de uma segunda edi<;ao desta obra nos dias de hoj e.

A industria fonogr:Hica sofreu tantas transformac;;oes nas ulti­mas decadas que alguns chegam a imaginar que ela nao mais exis­ta. Exageros a parte, creio ser possfvel afirmar que a industria fo­nografica de fato nao existe daquela forma como existia nos anos de 1970, o que da aos dados compilados e analisados neste livro urn clara sentido de documentos hist6ricos. Por outro lado, algumas das principais transforma<;6es observadas nessa industria dizem respeito justamente aos dois aspectos sob os quais eu a analisei aqui : o aspecto das rela<;6es sociais de trabalho e de produ<;ao entre artistas e gravadoras de discos e o aspecto das representac;;6es sociais sobre a natureza do trabalho artfstico que informam aquelas rela­<;6es - o que, por sua vez, da aos dados contidos nesta obra urn inestimavel valor comparativo.

De fato, transforma<;6es de ordem tecnol6gica, que alteraram profundamente tanto os processos de produ<;ao sonora stricto sensu

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

quanta os processos de produ�ao de suportes materiais de obras e de circula�ao e consumo de musica, puseram em xeque, em alguns casas extremos, as proprias representa�6es sabre criatividade artfs­

tica que, conforme mostro neste livro, constituem o fundamento doutrinario da forma particular de remunera�ao dos trabalhadores musicais pelas industrias culturais, que e 0 direito autoral e/ou 0

direito conexo ao d ireito de autor. Ao mesmo tempo, viabilizando economicamente a produ�ao de suportes pelos proprios artistas e a circula�ao e o consumo da rnusica sem suporte algurn pela Internet, essas transforrna�6es deslocararn a industria fonografica do lugar central que ela ocupava nos neg6cios da rnusica nos anos 70, deses­tabilizando a classica divisao de tarefas entre as artistas e as explora­dores economicos de suas obras sabre a qual se assentava a propria hierarquia entre as artistas "de prestfgio" e as artistas "cornerciais" que, conforrne demonstro aqui, estruturava simbolicarnente a pra­

tica e as concep�6es da industria fonografica e da crftica de musica naquele momenta.

Creio ser par essa razao que este livro tern sido tornado como referencia pela maior parte dos que se dedicaram ao estudo da in­dustria fonografica brasileira ao longo das ultimas decadas, e que a procura por ele rnanteve-se constante ao longo d� todo o tempo em que sua primeira edi�ao esteve esgotada.

Sem a pretensao de dar conta de toda a produ�ao recente sobre a industria fonografica brasileira, creio ser uti! registrar aqui, para informa�ao dos interessados no tema, pelo menos cinco teses que, dando conta de estudar as transforma�6es ocorridas nessa industria ao longo das ultimas decadas, dialogarn corn este meu trabalho ou o tornarn como referencia pioneira - e se as elejo desta rnaneira restrita e porque sao as unicas corn as quais tive eu mesma a opor­tunidade de dialogar, em urna especie de treplica, em artigo recen­temente publicado1•

1 Rita de Cassia Lahoz Morelli, "0 campo da MPB e o mercado moderno de musica no Brasil: do nacional-popular a segmenta<;ao contemporanea", inArtCultura _ Re-

1 0

NOTA DA AUTORA A SEGU N DA EDI<;:AO

Sao elas: a disserta�ao de mestrado em comunica�6es de Enor Paiano intitulada "0 berimbau e o sam universal: lutas culturais , e industria fonografica nos anos 60", defendida em 1 994 na ECA­

USP; a disserta�ao de mestrado em sociologia de Eduardo Vicente, intitulada ''A musica popular e as novas tecnologias de produ�ao musical", defendida em 1 996 no IFCH-Unicamp; a tese de douto­rado em ciencias sociais de Jose Roberto Zan, intitulada "Do fundo de quintal a vanguarda: contribui�ao para uma historia social da musica popular brasileira", defendida em 1 997 no IFCH-Unicamp; a disserta�ao de mestrado de Marcia Tosta Dias, intitulada "Sabre mundializa�ao da industria fonografica. Brasil : anos 70-90", defen­dida em 1 997 no IFCH-Unicamp2; e a tese de doutorado em comu­nica�6es de Eduardo Vicente, intitulada "Musica e disco no Brasil: a trajetoria da industria nas decadas de 80 e 90", defendida em 2001

na ECA-USP.

Desses trabalhos todos, creio que uma continuidade maior em rela�ao a rneu proprio trabalho pode ser identificada nas duas teses de Eduardo Vicente, uma vez que esse autor analisa justamente as transforma�6es ocorridas nas tecnologias de produ�ao, grava�ao e circula�ao sonoras e as conseqi.iencias dessas transforma<;6es no tocante as rela<;6es entre artistas e empresas da area fonografica, ao mesmo tempo em que, compartilhando com autores como Paiano e Zan uma preocupa�ao com o estudo do proprio campo da musi­ca popular brasileira, para alem do estudo do mercado de discos, reflete sabre a persistencia ou nao de certas dicotomias constitutivas desse campo nos dias de hoje, entre as quais inclui a citada oposi�ao entre o "cultural" e o "comercial" que, tal como analiso aqui, orien­tava a pratica da industria fonografica brasileira e da crftica musical nos anos de 1 970.

vista do Institute de Hist6ria da Universidade Federal de Uberlandia, val. 1 0, n" 1 6, 2008.

2 Creio ser esta a (mica dessas teses que foi publicada em livro ate o momenta. Marcia Tosta Dias, Os donas da voz: industria fonogrdfica brasileira e mundializafiiO da cul­tura. Sao Paulo: Boitempo, 2000.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOG!CO

De fato, e interessante observar que OS trabalhos de Vicente, Paiano e Zan sao tambem ilustrativos do interesse que este meu livro despertou e ainda pode despertar entre os estudiosos da pro­pria historia da musica popular brasileira dos anos de 1 970 - in­teresse esse que a meu ver se explica pela circunstancia de eu haver escolhido estudar as representa<soes acerca da natureza do trabalho artfstico que informavam tanto a industria cultural quanto sua crftica com base no estudo da trajetoria de dois artistas de MPB

surgidos no perfodo. Por outro !ado, cabe observar que alguns desses trabalhos ter­

minaram por inserir os dados aqui contidos em urn contexto ana­lftico muito mais amplo do que o aqui utilizado, remetendo-os nao apenas a historia da constitui<sao do campo da musica popular bra­si leira mas a uma historia desse campo inspirada em conceitos de Pierre B ourdieu que estavam completamente ausentes do meu horizonte intelectual a epoca da reda<sao deste trabalho. Creio que isso e um merito desses trabalhos que engrandece tambem 0 meu, na medida em que o revela como fonte de dados h istoricos capaz de render muitas outras analises, eventualmente mais amplas e mais profunclasaoque--arninna·.- -- - --- --- - - --- --

Finalmente, sobre a informa<sao teorica deste trabalho, gostaria de registrar uma observa<sao importante. Para me contrapor teori­camente a oposi<sao entre o "cultural" e o "comercial" que orienta­va ao mesmo tempo a pratica da industria fonografica brasileira e a crftica dessa pratica, eu me apoiava a epoca no que designava como "o conceito antropologico de cultura", referindo-me, obvia­mente, ao conceito original de cultura da antropologia, que, em sua abrangencia, englobava tanto os aspectos "espirituais" das totali­dades sociais, antes identificados com cultura, quanto os aspectos "materiais" delas, antes identificados com civiliza<sao. Nao vejo hoje necessidade de que seja assim, e me retrato agora das crfticas que dirigi a epoca a Marshall Sahlins, e, atraves dele, a todo o estrutu­ralismo. Os conceitos antropologicos de estrutura, de Claude Levi­Strauss, e de cultura, de Clifford Geertz, ainda que restritos a di-

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NOTA Dr\ AUTOI<A. A SECUNDA EDI<;:AO

mensao simbolica das praticas e das representa<soes sociais, podem perfeitamente se aplicar as praticas e as representa<soes inerentes a industria cultural, como de resto a qualquer industria, desde que reconhe<samos a media<sao simbolica como inarredavelmente cons­titutiva de toda experiencia humana.

Foi com base nesse reconhecimento, e inspirada em urn desses conceitos antropologicos mais modernos\ alias, que eu mesma empreendi posteriormente urn estudo que viria a ser, de fato, uma continuidade explfcita em rela<sao a este que agora se republica: minha tese de doutorado em ciencias sociais, intitulada ''Arrogan­tes, anonimos, subversivos: interpretando o acordo e a discordia na tradi<sao auroral brasileira"\ e defendida no Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas da Unicamp em 1 998 . Nessa tese busquei esclarecer, para alem das concep<soes acerca da natureza do trabalho artfstico que inspiravam a doutrina do direito autoral, e, conse­quentemente, as form as espedficas de vincula<sao e de remunera<sao do trabalho artfstico-musical pelas gravadoras, constatadas nos anos de 1 970 no Brasil e j a analisadas aqui, as representa<soes dos artistas da musica sobre esse proprio direito, e, consequentemen­te;<rs fmmas es p e ci fi-eas--eomo--e-rgan-iz-a-r-a-m-a--Elts-triB-aiyae-Ele-Bi-­nheiro, do poder e do prestfgio nas sociedades autorais que foram fundando no Brasil ao Iongo do seculo XX. Registro mais essa referencia para os interessados no tema, sobretudo porque nesse meu outro trabalho creio haver elaborado uma narrativa mais nuan­<sada da historia do direito autoral no Brasil do que aquela que elaborei aqui, na medida em que busquei a compreensao dos pon­tos de vista diferenciados de todos os atores sociais que se envol­veram nessa historia, e nao somente dos que eram hegemonicos.

Encerrando esta nota, gostaria de expressar tres agradecimentos especiais: ao professor doutor Jose Roberto Zan (IA-Unicamp ) , que

3 Refiro-me aqui ao conceito de cultura de Clifford Geertz.

4 Essa tese tambem foi publicada em livro. Rita de Cassia Lahoz Morelli,Arrogantes, an animas, subversivos: interpretando o acordo e a disc6rdia na tradifiiO autoral brasilei­ra. Campinas: Mercado de Letras, 2000.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

me apresentou a toda essa produc;;ao das areas de fonografia e de

musica popular que faz referencia a este meu trabalho, convencen­do-me da importancia dele, incentivando-me a solicitar da Editora da Unicamp que p ublicasse esta segunda edic;;ao e dando-me a honra e a alegria d e escrever urn prefacio especial p ara ela; ao pro­fessor doutor Paulo Franchetti (IEL-U nicamp ) , dire tor da Editora da Unicamp, que acolheu com seriedade e com simpatia essa minha solicitac;;ao; e ao professor doutor Eduardo Vicente (ECA-USP), que deu continuidade as preocupac;;oes intelectuais deste meu trabalho de urn modo tao respeitoso e tao inteligente, e que agora, para minha completa satisfac;;ao, aceitou escrever as orelhas desta segun­da edic;;ao.

Que este nosso empreendimento, hoje con junto, torne possfvel o acesso deste meu livro a muitos outros pesquisadores, de modo que ainda venha a gerar muitos frutos academicos.

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PREFACIO

Embora a musica popular seja reconhecida como uma das mais importantes manifestac;;oes da cultura brasileira, a valorizac;;ao des­sa tematica para pesquisas academicas e urn fato relativamente recente no Brasil . Ate o infcio dos anos 90, eram raras as publicac;;oes de pesquisadores que se haviam dedicado a investigac;;ao dessa rica vertente da nossa cultura popular. Boa parte da produc;;ao realizada ate aquele momenta consistia de obras de jornalistas e crfticos mu­sicais que, sem desprezar a importancia dessa bibliografia especial­mente no que toea ao levantamento e a organizac;;ao de informac;;oes sobre o assunto, careciam muitas vezes de rigor te6rico e metodo-16gico para tratar de temas com tamanha complexidade. Por essa razao, este trabalho de Rita Morelli tern urn trac;;o de pioneirismo. Iniciada em 1 985, a pesquisa tern como objeto central o estudo da industria fonografica dos anos 70 no Brasil, buscando compreender as especificidades das relac;;oes de produc;;ao que caracterizam esse ramo de produc;;ao simb6lica. A escolha do objeto foi oportuna es­pecialmente por duas razoes : em primeiro Iugar, por se tratar de urn perfodo de forte expansao do mercado fonografico brasileiro , processo que foi acompanhado pela reestruturac;;ao desse setor pro­dutivo associado a grandes investimentos de capitais nacionais e estrangeiros que levaram ao rapido desenvolvimento da sua base tecnol6gica e a adoc;;ao de novos padroes de gerenciamento das gravadoras; em segundo Iugar, por analisar urn ramo determinado da industria cultural num momenta da hist6ria brasileira marcado

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rNDUSTRrA FONOGMFfCA: U M ESTUDO ANTROPOLOGrCO

pela vigencia do regime ditatorial militar na sua fase mais repres­siva e pela pratica rotineira da censura as atividades culturais e artfsticas. Nao por acaso, a autora considera o ano de 1 968 como o infcio dos 70, ano em que se deu a inflexao da economia brasileira, que safa de urn perfodo depressivo para entrar numa fase de forte expansao, e a edic;ao do Ato lnstitucional nQ_ 5, que representou o recrudescimento da ditadura militar.

Mas a rel evancia deste estudo nao decorre apenas da escolha e da delimitac;ao do objeto. Contribuem tambem para fazer deste livro urn marco nos estudos de musica popular no Brasil a sua abor­dagem te6rica apoiada num referencial antropol6gico, que permite operar com urn conceito ampliado de cultura, e o extenso material empfrico minuciosamente levantado pela autora ao Iongo da pesqui­sa. Esses dois aspectos formam o lastro fundamental do trabalho.

A escolha dos marcos te6ricos distingue este livro dos demais que tratam de assuntos relacionados a industria cultural no Brasi l . Via de regra, os trabalhos publicados ate o final dos anos 80 apoia­vam-se em obras de autores voltados para as teorias da comunica<;ao e da informac;ao (Edgar Morin, Umberto Eco, Abraham Moles) e dos fil6sofos da Escola de Frankfurt (Theodor Adorno , Max Horkheimer) . Ao optar pelo referencial antropol6gico, Rita Morelli abre novo campo de possibilidades para a investigac;ao dos proces­sos de produc;ao industrial da cultura. Logo no primeiro capitulo, a autora faz uma revisao crftica do conceito de cultura entendida como esfera da vida social autonoma em relac;ao a do trabalho uti­litarista ou da produc;ao material. Em seguida, mostra as limitac;6es presentes na no<;;ao de "massa" como categoria estruturante da so­ciedade contemporanea, que acaba por encobrir as rela<;;oes entre classes sociais, e aponta as armadilhas presentes no conceito de "cultura de massa", que se, por urn !ado, pode expressar a ideia de que se trata de uma cultura que emana da propria massa, encobrin­do assim as tendencias de padroniza<;;ao dos produtos s imb6licos impostas aos consumidores pela industria cultural, por outro, re­vela parametros elitistas de julgamento estetico desses produtos.

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PREFAcro

E interessante destacar que a estrutura organizacional da in­dustria da musica popular nos anos 70 apresentava uma separa<;ao clara entre os espa<;os da cria<;ao artfstica e da produ<;ao final do disco. Tais espa<;os eram nucleados pelo estudio, terreno de atua<;ao dos musicos, interpretes, produtores e tecnicos de som de onde safa a chamada "fita master", especie de matriz do material sonoro dos futuros fonogramas, e afabrica, onde atuavam trabalhadores que transformavam aquele material no produto final, o disco, em con­di<;6es de ser distribufdo e comercializado. Nota-se que a propria organiza<;ao da industria apontava para a distin<;ao entre atividades criativas ou artfsticas (cultura) e o trabalho voltado para a produ<;ao material (industria) . Desse modo, o emprego do que a autora de­fine como "conceito reificado de cultura" poderia levar a uma visao dualista ou dicotomica do processo de produ<;ao da musica popular. Ao trabalhar com a acep<;ao antropologica desse conceito, que re­conhece cultura como fenomeno amplo capaz de abarcar nao ape­nas o domfnio do simbolico mas o das praticas sociais e do proprio processo de trabalho, a autora consegue apreender a industria da musica COffiO totalidade na qual ha multiplas intersec<;6es entre OS

campos da cria<;ao e da produ<;ao. Porem, uma totalidade que com­porta no seu interior tens6es entre a<;6es dotadas de logicas distin­tas e muitas vezes conflitantes, mediadas pela atua<;ao de agentes que transitam entre esses espa<;os.

A grande diversidade de func;6es desempenhadas por trabalha­dores e demais agentes da industria, bern como a natureza distinta de tipos espedficos de trabalho empregados no ambito das gra­vadoras, faz do processo de produc;ao de discos urn fenomeno com­plexo. Para compreender e revelar a natureza das relac;6es de pro­duc;ao no interior da industria e as formas peculiares de subordinac;ao (ou subsunc;ao) do trabalho ao capital nessa esfera da produ<;ao simbolica, a autora empreendeu uma analise cuidadosa do material empfrico composto pela legislac;ao que trata dos direitos autorais e conexos, e por informac;6es obtidas j unto as entidades representa­tivas das categorias de artistas e produtores. Alem disso, dedicou

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

parte da pesquisa ao estudo do intricado processo de constru�ao da "imagem publica dos artistas" atraves de analises de textos produ­

zidos por crfticos de musica, de press-release gerados pelas pr6prias gravadoras para a divulga�ao dos discos, e de depoimentos de ar­tistas e produtores obtidos por meio de entrevistas e de material de imprensa. Nessa etapa da pesquisa a autora recorreu a urn estudo de caso, concentrando-se na analise das trajet6rias dos composite­res e interpretes Belchior e Fagner, cujas obras ocuparam posi�ao de destaque no mercado de discos dos anos 70. Ao expor os resul.: tados das analises, a autora se preocupou em descrever minuciosa­mente cada etapa do processo utilizando-se do volumoso material empfrico obtido durante o trabalho de campo. Porem, essas descri­�oes

. nao caem em detalhamentos desnecessarios e enfadonhos para

o leltor. Ao contrario, a pesquisadora realiza "descri�oes d�nsas", como recomenda Clifford Geertz ao etn6logo, ou seja, descri�oes que nao apenas enriquecem o trabalho no momenta da exposi�ao mas que permitem revelar as teias de significados inerentes ao pro­cesso de produ�ao capitalista de bens simb6licos num contexto hist6rico especffico da sociedade brasileira.

Publicado pela Editora da Unicamp em 1 99 1 , o livro de Rita Morelli teve sua edi�ao esgotada em poucos anos. Jyfesmo assim, a_inda sao freqiientes as referencias ao seu texto em pesquisas rea­

hzadas recentemente sobre essa tematica.

Jose Roberto Zan

1 R

I

INTRODU�AO

CoNTEXTUALIZA<;Ao TEO RICA,

RELATO D O T RA BALHO D E CAMPO

E APRESENTA<;AO DOS C APITUL O S

0 objeto deste livro e a industria fonogd.fica no Brasil na de­cada de 1970. Mais especificamente, a analise se concentra sobre as rela�oes de produ�ao existentes entre artistas e gravadoras e sobre as altera�oes sofridas por essas rela�oes no perfodo considerado. Por outro lado, procura-se abordar tambem a questao da produ�ao e da divulga�ao do que se chama a imagem publica dos artistas, recor­rendo-se para isso a uma analise mais aprofundada dos casos de dois compositores-interpretes de musica popular brasileira surgidos nesse perfodo : Fagner e Belchior 1 •

Tais sao, respectivamente, os temas dos tres capftulos centrais deste trabalho, nos quais se encontram referidos e analisados os dados obtidos atraves da ampla pesquisa empfrica sobre a qual ele se sustenta. Antes, porem, de apresentar mais detalhadamente cada urn desses capftulos, descrevendo inclusive os procedimentos tec­nicos de pesquisa e 0 tipo de material utilizado, sera necessaria apresentar aqui algumas reftexoes te6ricas que estao na origem da

1 Este livro constitui, na verdade, minha disserta<;ao de mestrado em antropologia

social intitulada "Industria fonografica: rela<;6es sociais de produ<;ao e concep<;6es

acerca da natureza do trabalho artfstico. (Urn estudo antropol6gico: a industria do

disco no Brasil e a imagem publica de dois compositores-interpretes de MPB na

decada de 70)", e defendida no !FCH-Unicamp em 1 988.

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INDUST!Ui\ FONOmv\FICi\: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

propria escolha de urn ramo particular cia industria cultural como objeto de pesquisa, bern como cia clecisao mesma de focalizar esse ramo num momento historico particular de sua consolicla<;ao em uma socieclacle especffica. Da mesma forma, conforme veremos em segu icla , a propria escolha clas cluas questoes em rela<;ao as quais a analise se a profunda justifica-se pela necessiclacle de testar algumas hipoteses preliminares que surgiram em conseqiiencia clessas mes­mas reftexoes.

Partimos inicialmente de uma constata<;ao: embora a analise clos fenomenos aos quais se referem as no<;oes de cultura de massa e industria cultural sej a uma clas maneiras mais freqiientes de pro­mover o estuclo cia cultura em socieclacles como a nossa, essas mes­mas no<;oes tern siclo elas proprias objeto de estuclo e questio­namento por parte de seus usuarios traclicionais, os sociologos cia comunica<;ao. Disso clecorre a necessidacle de que os antropologos iniciantes agora no estuclo clas socieclacles complexas tenham certa cautela ao incorporar tais no<;oes ao arcabou<;o teorico de sua clis­ciplina, pois poderao estar incorporando problemas ao inves de solu<;oes.

De fato, a no<;ao de cultura de massa, por exemplo, ja foi de tal forma questionacla que hoje em clia ate mesmo o simples uso circunstancial do termo cleve ser evitaclo em qualquer discurso que aspire a alguma legitimidade cientffica. Especialmente a crftica de Gabriel Cohn a essa no<;ao, estenclicla as no<;oes subjacentes de mas­sa e socieclade de massa, inviabiliza, a meu ver, definitivamente, sua utiliza<;ao. Afinal, esse au tor nao apenas aponta para a insuficiencia explicativa da no<;ao de sociedade de massa, ao mostrar que ela nao capta qualquer princfpio estruturaclor cia sociedacle real a qual se a plica justamente por pressupor a massa no Iugar clas classes sociais, mas tambem demonstra as inevitaveis conota<;oes icleologicas e conservacloras cia no<;ao basica de massa e, conseqiientemente, clas no<;oes de socieclacle e cultura clela derivaclas - conota<;oes essas aclvinclas de sua inser<;ao original no discurso de rea<;ao a revolu<;ao burguesa e industrial, bern como de sua utiliza<;ao pela propria

20

INTRODU<;AO

burguesia e por seus teoricos como forma de clesignar a nova classe emergente na arena politica, o proletariado2•

Segundo Cohn, aliiis, o processo mesmo de utiliza<sao do termo massa no campo cultural foi historicamente analogo ao processo de sua utiliza<;ao no campo politico, vindo a opor-se, em ambos os casos, aos termos "elite" e "publico", atraves dos quais as classes aristocratica e burguesa faziam referencia a si mesmas. Nesse sen­tido, vale a pena registrar o paralelismo apontado por ele entre a exclusao das classes trabalhadoras do universo politico - justifi­cada por Locke, sob o argumento de que a preocupa<;ao constante dos membros dessa classe com sua propria sobrevivencia impedia­lhes o acesso ao pleno exercfcio da razao - e sua exclusao do uni­verso cultural, afirmada posteriormente por Lord Kames sob o argumento de que quem dependia do trabalho corporal para sobre­viver era necessariamente carente de gosto. Restringia-se assim aos cidadaos proprietaries e esclarecidos a composi<;ao ideal do publi­co ao qual deveriam se destinar os autenticos produtos culturais, assim como ja se restringira a eles o publico a que se r�lacion�ra a no<;ao politica de opiniao publica desde seus primordios3.'Por outro !ado, mostra-nos Cohn que em paises de revolu<;ao burguesa e industrial tardia, como a Alemanha, a ausencia de urn suporte real para a no<;ao de publico nos campos politico e cultural levou a que se privilegiasse nesse Ultimo campo uma oposi<;ao mais radical entre uma elite intelectual ao mesmo tempo antiaristocratica e an­tiburguesa e a massa dos excluidos da cultura de urn modo geral4•

Ora, e justamente a i deia de uma incompatibilidade irreconci­l iavel entre o trabalho corporal e a cultura, ideia essa que de fato parece continuar presente em muitas das formula<soes mais recen­tes da no<sao de cultura de massa, o que interessa reter oeste mo­mento, pois, a meu ver, essa ideia decorre da propria no<;ao de cul-

2 G. Cohn, Sociologia da comunicat;iio: teoria e ideologia. Sao Paulo: Pioneira, 1973.

3 Idem, op. cit., caps. 2 e 3, especialmente pp. 35 e 59.

4 Idem, op. cit., pp. 56-8.

2 1

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INDUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

tura subjacente a tais fonnula�6es e aponta para a necessidade de que elas sejam submetidas tambem a uma crftica de natureza an­tropol6gica. Por outro lado, ao analisarmos em seguida uma for­mula�ao alema recente da no�ao de cultura de massa veremos que ' '

de fato, continua ainda p resente em formula<;6es como essa 0 ele-mento antiburgues apontado por Cohn, o qual leva a que se afirme nao apenas a incompatibilidade entre a cultura e as chamadas mas­sas trabalhadoras mas tambem o conflito entre ela e os chamados homens da sociedade.

Trata-se da formula�ao da no<;ao de cultura de massa constan­te do sexto capftulo do livro Entre o passado e a futuro, de Hannah Arendt, i ntitulado "A crise na cultura: sua importancia social e polltica"5• Em p rimeiro lugar, e preciso ver que, para essa autora, tanto a sociedade quanto a sociedade de massa sao fenomenos his­tori cos concretos, nao sendo o primeiro termo mais abstrato que 0

segundo, mas sim a designa<;ao de uma situa�ao social imediata­mente anterior, caracterizada, por urn lado, pela persistencia de uma certa hegemonia aristocratica e, por outro, pela luta das cama­das burguesas ja enriquecidas em busca de prestfgio social . Assim e que, segundo a autora, o p rimeiro momento de deturpa<;ao da cultura pela sociedade deu-se quando, visando responder ao des­prezo que lhes devotava a aristocracia, para a qual constitufa extre­ma vulgaridade seu esfor�o cotidiano por ganhar dinheiro, os ho­mens da sociedade, que nao nutriam de fato qualquer interesse real por atividades e objetos tao inuteis quanto aqueles pr6prios da cultura, passaram a utilizar a ostenta�ao de urn certo interesse por tais atividades e objetos como forma de demonstrar superioridade. Segundo ela, isso representou a perda de uma das caracterfsticas basicas dos objetos e atividades culturais, qual seja, a caracterfstica de terem como unica finalidade 0 puro aparecimento, dado que a sociedade nao se voltou para as atividades e os objetos culturais como fins em si mesmos, mas como simples meios para a obten�ao

' H. Arendt, Entre o passado e o futuro. Sao Paulo: Perspectiva, 1972, pp. 248-81.

22

!NTRODU(:AO

de seus pr6prios fins. Por outro lado, tambem esse modo de rela­

cionamento dos homens da sociedade com as coisas culturais cons­

tituiu, segundo ela, uma deturpa�ao total do (mico modo adequa­

do desse relacionamento, que deve ter como ponto de partida uma

atit'ude completamente desinteressada6 •

Ora, ja e possfvel perceber aqui 0 carater reificado da no<;aO de

cultura utilizada por Hannah Arendt, uma vez que, alem de ser

restrita a urn numero limitado de atividades, obj etos e atitudes

humanas, essa no�ao se baseia numa defini�ao de tais atividades,

objetos e atitudes a partir da qual se torna impossivel estabelecer

qualquer rela<;ao significativa entre a cultura e a sociedade sem que

se perturbe a total autonomia que parece fazer parte da propria

natureza da primeira. Como veremos a seguir, essa reifica<;ao da

cultura tern como contrapartida uma reifica<;iio semelhante do uni­

verso da produ<;iio material , o qual, na concep<;iio da aurora, pare­

ce ser tambem completamente autonomo em rela<;iio a sociedade,

sendo de fato 0 reino do trabalho e sendo esse trabalho definido

abstratamente como "processo vital" , is to e, como parte do inter­

cambia biol6gico que os seres humanos estabelecem com a natu-

reza para sobreviver.

Na verdade, e justamente a ideia fundamental de uma incom-

patibilidade irreconciliavel entre os universos da cultura e da pro­

du�ao material, assim reificados, que esta na base da afirma<;iio de

Hannah Arendt segundo a qual a cultura, deturpada pel a socieda­

de, terminou por desintegrar-se totalmente quando incorporada

pela sociedade de massa nao mais como meio para obten<;iio de

prestfgio, mas sim como objeto de divertimento. De fato, a autora

parece pressupor, como complemento da reifica<;iio de tais univer­

sos, a participa<;iio exclusiva dos homens em urn ou em outro den­

tre eles, de forma que as chamadas massas trabalhadoras, mesmo

quando, devido aos avan�os tecnicos, podem usufruir urn tempo

aparentemente livre para o,lazer, continuam assim mesmo inexo-

6 Idem, op. cit., pp. 249-59 .

23

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INDUSTRIA FONOGRAFICA: U M ESTUDO ANTROPOLOGfCO

ravelmente presas ao processo vital e impossibilitadas de ascender a cultura . Seu tempo livre e na verdade urn tempo preso a necessi­dade vital de descanso e divertimento, no qual e preciso recuperar as energias antes despendidas no trabalho com vistas ao retorno posterior a ele. Assim, os obj etos produzidos pela industria de di­vertimentos sao consumidos como quaisquer outros objetos de consumo, isto e, sao devorados pelo processo vital das massas. Ora, tudo estaria bern se tudo se passasse dentro dos limites desse uni­verso reificado do trabalho e das necessidades; ocorre porem que a industria de divertimentos passa a se apropriar dos objetos culturais, transformando-os em objetos de consumo e destruindo assim a ultima caracteristica propria que ainda lhes restaria depois de sua funcionaliza<;ao pelos homens da sociedade, isto e, sua durabilida­de, sua constitui<;ao enquanto coisas pertencentes ao mundo em oposi<;ao as coisas passageiras da vida - sendo que nesse momen­to a aurora chega a definir cultura justamente por sua completa independencia em rela<;ao as necessidades vitais7•

E importante registrar aqui que, na segunda parte do capitulo que estamos comentando, Hannah Arendt faz uma analise das origens da palavra e do conceito de cultura que pode nos servir, de fato, para compreendermos as razoes sociais do carater reificado da no<;ao de cultura com a qual trabalha ela mesma. Isso porque, ao fazer remontar as origens da no<;ao de cultura aos gregos e aos ro­manos antigos, Arendt busca ao mesmo tempo inserir-se nessa tra­di<;ao classica, sem que a evidente rela<;ao existente entre as cate­gorias greco-romanas em questao e as sociedades escravistas nas quais tiveram origem !eve a aurora a questionar em qualquer mo­mento sua validade cientffica ou filosofica.

Hannah Arendt nos conta que, entre os romanos, cultura, no sentido de cultivo da terra, indicava uma atitude de cuidado para com a natureza e se opunha, assim, ao esfor<;o por suj eita-la a do­mina<;ao - que era, por sua vez, considerado tfpico das atividades

7 Idem, op. cit . , pp. 259-64.

24

INTRODU<;:AO

de fabrica<;ao, inclusive de objetos artfsticos. Foi entre os romanos

que surgiu tambem posteriormente a noc;;ao derivada de cultura como cultivo do espfrito . Ja entre os gregos cultura se identificava desde o infcio com gosto ou sensibilidade a beleza, atributos con­tudo tambem negados pelos gregos aos fabricantes das coisas belas, assim como aos fabricantes em geral. De fato, consideravam eles que os artistas eram na verdade os principais representantes de urn certo genero de pessoas que, devido a sua propria atividade de fa­bricac;;ao, participavam de uma mentalidade exclusivamente utili­tarista, que os levava a se relacionar com as coisas apenas em func;;ao de sua utilidade e a avalia-las apenas enquanto meios adequados ou inadequados a consecuc;;ao de fins particulares- 0 que na ver­dade os impossibilitava de estabelecer uma relac;;ao adequada com as coisas belas en'quanto tais. Por outro lado, Arendt explica que os gregos consideravam como faculdade polftica esse modo adequado de relacionamento com as coisas belas traduzido por gosto e iden­tificado com cultura. Ora, se o gosto era uma faculdade polftica, relacionava-se entao com o discernimento, virtude dos politicos, opondo-se a sabedoria, virtude dos filosofos . E a autora recorre entao a Kant para voltar depois aos gregos e completar sua analise: OS jufzos esteticos, tanto quanto as opinioes polfticas, SaO antes de qualquer coisa persuasivos; op6em-se, assim, tanto a violertcia ff­sica quanto a certa forma niio-violenta de coerc;;iio a qual estao su­jeitos os filosofos, a coerc;;ao pela verdade8•

Nao ha como deixar de relacionar essa violencia ffsica as ativi­dades de fabricac;;ao depois associadas pelos romanos ao esforc;;o de dominac;;ao da natureza pelos homens. Assim, ao que parece, tanto para os gregos quanto para os romanos o trabalho constitufa, entre as atividades humanas, aquela mais incompatfvel com a cultura, sendo que isso fica ainda mais claro no caso dos gregos, dada a caracterizac;;ao que faziam da mentalidade utilitarista dos fabrican­tes . Isso deve ser compreendido no contexto do sistema de produc;;ao

8 Idem, op. cit., pp. 264-8 1.

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INDUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

escravista sobre o qual se assentava a aparente liberdade dos cida­daos da polis grega ou dos patrfcios romanos frente ao trabalho '

dado que essa liberdade estava de fato associada ao exercfcio das atividades polfticas e a aprecia�ao despreocupada das coisas belas,

e dado que os escravos , por outro lado, estavam impedidos de ter acesso a esfera publica e aos bens culturais . Esse impedimenta era inerente a condi�ao de escravo, sendo, portanto, socialmente im­posto aos trabalhadores. Contudo, ele era legitimado a partir d a ideia d e que o proprio fato de trabalharem j a tornava aquelas pes­soas totalmente incapacitadas para a vida publica. Essa ideia servia para tranqiiilizar as consciencias dos proprietarios de escravos, que precisavam continuar vivendo do trabalho alheio e da exclusao dos trabalhadores da esfera publica para poder continuar vivendo a polftica e a cultura a sua maneira. Ora, a mesma serventia parece ter a ideia de uma incompatibilidade entre trabalho e cultura quan­do aplicada as massas proletarias, isto e, aos trabalhadores que, num outro sistema de produ�ao, tern a possibilidade de obter algum acesso ao espa�o publico, podendo compartilhar com todos os de­mais cidadaos alguns bens culturais comuns. De fato, dizer que as massas nao tern necessidade de cultura, mas sim de divertimento, ou dizer que o divertimento que consomem as vezes como cultura faz tambem ele parte do mesmo processo vital a �ue estao essas massas subsumidas por serem trabalhadoras, serve tambem para justificar que, apesar de tudo, elas continuem sendo exclufdas da­quele campo que se reconhece como verdadeiramente cultural .

Ve-se, assim, em que medida uma no�ao reificada de cultura pode servir tambem ela a prop6sitos conservadores, sendo talvez por essa razao que se casa tao bern com a no�ao de massa. Ve-se, tambem, em que medida as coloca�6es de Hannah Arendt acerca da cultura de massa foram influenciadas pelas no�6es classicas e reificadas de cultura e de trabalho. Quanto a isso, alias, vale a pena registrar que, se a ideia de trabalho como processo vital nao guarda senao indiretamente uma rela�ao com as no�6es de trabalho como esfor�o de domina�ao da natureza ou como adequa�ao dos meios

26

! NTRODU<;:Ao

aos fins, essa u ltima no�ao e retomada diretamente por Hannah

Arendt, nao apenas quando atribui a mentalidade utilitarista aos

homens da sociedade, na ja citada analise da deturpa�ao da cultu­

ra pela burguesia, mas tambem quando passa a atribuir a essa ra­

cionalidade abstrata a condi�ao de caracterfstica essencial do tam­

bern abstrato universo da produ�ao material, passando entao a

caracterizar todas as transforma�6es polfticas e culturais ocorridas

no Ocidente a partir da revolu�ao industrial como conseqiiencias

da expansao dessa racionalidade da produ�ao para os domfnios

outrora independentes da polftica e da cultura9• Mas ja af e possfvel

encontrar tambem a·influencia do conceito weberiano de sociali­

za�ao, sobre o qual nos chama a aten�ao Gabriel Cohn na analise

que fez do pensamento dessa autora, sendo necessaria determo-nos

urn pouco em tal influencia dado que, segundo o mesmo Cohn,

dela compartilharam OS te6ricos pertencentes a chamada Escola de

Frankfu rt, introdutores da no�ao que analisaremos em seguida,

qual seja , a no�ao de industria culturaP0.

Diz-nos Cohn que o conceito de socializa�ao busca dar conta

da especificidade dos processos caracterfsticos da "sociedade" em re­

la�ao aos processos tfpicos da "comunidade", envolvendo, em Weber,

as ideias de abson;ao de elementos sociais autonomos em con juntos

sociais cada vez mais abrangentes e de funcionaliza<;ao de tais ele­

mentos em rela�ao ao todo social . Assim, o que faz Hannah Arendt,

segundo ele, e apontar a manifesta�ao desse processo de socializa<;ao

na dimensao cultural, isto e, a funcionaliza<;ao dos objetos culturais,

sua transforma�ao em meios para outros fins. Da mesma forma,

diz-nos Cohn que, no texto intitulado "Kultur Und Verwaltung" ,

Adorno utiliza-se da no�ao de sociedade administrada, inspirada

no mesmo conceito weberiano, quando en tao afirma a absor<;ao da

cultura pel a assim chamada racionalidade administrativa 1 1 • Mas ja

entao evidenciando outras influencias, Adorno procura relacionar '

9 Idem, op. cit., p. 27 1 . 1 0 G. Cohn, Socio/ogia da comunicaqiio . . . , P · 72.

11 Idem, op. cit., pp. 1 24-6.

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I N IJUSTRIA FONOGizAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

a extensao de tal racionalidade a todas as dimensoes da vida social a expansao das rela�oes de troca - e, consequentemente, do "pen­samento em termos de equivalentes" - por todas essas mesmas dimensoes. Segundo Cohn, Adorno terminaria por evidenciar essa influencia preponderantemente marxista em urn de seus ultimos textos, do qual ja nao consta a ideia weberiana de racionaliza�ao: "Spatkapitalism us oder Industriegesellschaft? "12.

N a verdade, nos sa leitura de Adorno limita-se as suas obras mais diretamente relacionadas as questoes da industria cultural e das rela�oes entre cultura e sociedade. Mesmo numa obra desse genero, e sempre possfvel descobrir uma inspira�ao weberiana: ass im e que, em "Ideias para a sociologia da musica", Adorno che­ga a citar Weber e a contribui�ao que ele teria oferecido a sociologia da musica com a categoria de racionaliza�ao, utilizando-se ele mes­mo dessa categoria na sequencia do texto, bern como da no�ao de sociedade administrada 13• Contudo, e preciso de qualquer modo analisar em que medida a informa�ao marxista desse autor, mar­cando a diferen�a entre sua postura e a postura de Hannah Arendt diante da industria cultural, contribuiu para ampliar as possibili­dades explicativas e para diminuir as conota�oes conservadoras de sua abordagem em rela�ao a dela. E tambem nesse ponto Gabriel Cohn pode nos orientar, dado que ele mesmo apontou duas ma­neiras fundamentais pelas quais a abordagem dos teoricos de Frankfurt se diferencia das demais abordagens analisadas por ele e se torna, a seu ver, a mais relevante em termos cientfficos : em pri­meiro Iugar, ao inves de operarem com a no�ao abstrata de socieda­de de massa, tais te6ricos trabalham com a no�ao historicamente substantiva de sociedade capitalista monopolista; como consequen­cia, nao falam em cultura de massa mas sim em industria culturaP4•

12 Idem, op. cit. , pp. 1 26-8.

u T. W Adorno, "Ideias para a sociologia da m usica", in Os Pensadores: Benjamin, Adamo, Horkheinw; Habermas: Textos escolh idos. Sao Paulo: Abril, 1 980, especial­

mente pp. 262-3 e 268.

14 G. Cohn, Sociologia da comunica�iio . . . , pp. 1 24-6.

28

INTRODUc;:Ao

De fato, embora essas diferen�as permitam que Adorno continue falando em cultura como .um universo particular, no qual so tern entrada determinadas atividades, objetos e atitudes humanas, elas implicam uma visao muito menos reificada das coisas : nao se trata mais de investigar a absor�ao de tal cultura por urn universo de produ�ao material abstratamente definido por caracterfsticas irreme­diavelmente incompatfveis com ela, mas sim de analisar a inclusao dos objetos culturais no campo das mercadorias, quando estas sao resultado de urn processo industrial e capitalista de produ�ao.

Na verdade, de uma certa perspectiva marxista, nem o trabalho humano se reduz a uma rela�ao do indivfduo com a natureza -dado que essa propria rela�ao se da no marco das rela�6es dos in­divfduos e das classes de indivfduos entre si - nem a cultura e algo necessariamente' incom patfvel com o trabalho. Assim e que, ao inves de reduzir o proprio trabalho de fabrica�ao de objetos de arte a condi�ao de uma atividade marginal em rela�ao a cultura, como faz Arendt, urn marxista como Adolfo Sanchez Vazquez, por exemplo, pode incluir a propria atividade de produ�ao de objetos de uso e de consumo no campo das atividades artfsticas, dado que trabalho e arte nao sao vistos por ele como contradit6rios entre si , mas sim como formas nao essencialmente diferenciadas de expres­sao da natureza criadora do homem15• Contudo, conforme �essalta o mesmo Sanchez Vazquez, e propria tambem do marxismo a per­cep�ao do carater espedfico do trabalho desenvolvido sob as rela­�6es capitalistas de produ�ao como trabalho que perdeu justamen­te seu carater criador16• 0 fundamental para essa perda parece ter sido o incremento da divisao social do trabalho, que terminou por expropriar os trabalhadores da habilidadt:l artfstica que ainda pos­sufam os artesaos medievais, ao mesmo tempo em que separou radicalmente o projeto da execu�ao, separando o trabalho intelec-

15 A. S. Vazquez, As ideias esteticas de Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, especial­

mente pp. 45-9 e 52-4.

16 Idem, op. cit., pp. 90-3.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

tual d o trabalho meramente burocratico e do trabalho manual­embora Vazquez se refira tambem a aliena<;ao do trabalhador em rela<;ao aos meios de produ<;ao e aos produtos de seu trabalho, bern como ao fato de que, para a produ<;ao de valores de troca, importa apenas 0 trabalho humano em abstrato e nao 0 trabalho humano concretamente definido17• De qualquer maneira, resulta daf que a arte pass a a constituir en tao uma atividade de fa to oposta ao traba­lho, na qual se encontra preservada a natureza criadora do trabalho humano em meio as condi<;oes gerais de desumaniza<;ao. E Vaz­quez chega a falar na existencia de uma contradi<;ao fundamental

entre arte e capitalismo, que se expressaria nao apenas no nfvel da produ<;ao artfstica - dada a total incompatibilidade entre o traba­lho artfstico e a forma assumida pelo trabalho nas condi<;6es capi­talistas - mas tambem no nfvel de seu consumo - dada a impos­sibilidade de que os homens, eles proprios coisificados p ela participa<;ao nas rela<;6es capitalistas de produ<;ao, usufruam ade­quadamente dos objetos artfsticos. Assim e que urn marxista como ele acaba falando em massa e em arte de massa, sendo esta ultima identificada entao com a pseudo-arte produzida industrialmente com fins de lucro18•

E claro que as teses de Sanchez Vazquez podem ter sua auten­ticidade marxista questionada por outros interpretes de Marx, nao nos importando saber neste momenta se refletem ou nao o que seria o pensamento marxiano original sobre tais questoes. E preci­so apenas ressaltar que seu ponto de partida teorico - a continui­dade existente entre trabalho e arte como express6es de uma mesma natureza humana criadora - insere-o no que poderfamos chamar a melhor tradi<;ao marxista, qual seja, aquela que nao toma a cele­bre analogia da infra e da superestrutura como afirma<;ao de uma separa<;ao radical entre os diversos componentes da vida social, mas que, ao contrario, reconhece sua inter-rela<;ao concreta, nas diver-

17 Idem, op. cit., pp. 1 99-218. 1H Idem, op. cit., pp. 269-9 1 .

30

INTRODUc;Ao

sas modalidades historicas atraves das quais se manifesta. E por isso que sua afirma<;ao de uma incompatibilidade irreconciliavel entre a arte e o trabalho na sociedade capitalista se reveste de uma importancia exemplar: ela mostra que, mesmo para os marxistas invulgares, essa oposi<;ao existe, muito embora sej a para eles antes de mais nada o resultado atual de urn processo historico cuja ten­dencia e de fato sua supera<;ao. Isso posto, nao deve causar estra­nheza que os teoricos de Frankfurt, apesar da influencia marxista que os leva a trabalhar com as no<;6es historicamente definidas de sociedade capitalista monopolista e industria cultural, utilizem-se ao mesmo tempo das no<;6es de massa e cultura de massa, sem que haja qualquer contradi<;ao nisso.

De fato, embora defenda a abordagem frankfurtiana como a mais relevante cientificamente, o proprio Gabriel Cohn ja questio­na ao mesmo tempo a existencia empfrica atribufda de qualquer maneira por Adorno e Horkheimer a massa, dizendo que nao bas­ta apontar a condi<;ao de tal fenomeno como produto historico, sendo necessaria ir mais alem e apontar, como ele mesmo faz, a condi<;ao de produto historico da propria no<;ao que se refere a ele1 9 • Na verdade, o pressuposto da existencia do fenomeno empfrico massa teve suas consequencias no nfvel da propria analise da in­dustria cultural por eles empreendida, sendo comum depararmo­nos em seus textos, inclusive, com temas muito caros aos te6ricos da cultura de massa, tais como, por exemplo, o tema da oposi<;ao entre cultura e divertimento, que, especialmente em "A industria cultural: o iluminismo como mistifica<;ao das massas"20 e "Sabre musica popular"2 1 , ganha uma formula<;ao extremamente seme­lhante aquela de Hannah Arendt acima criticada. Alias, a propria

19 G. Cohn, Sociologia da comunicafiio . . . , pp. 27-8. 20 T. W. Adorno e M. Horkheimer, "La industria cultural: i luminismo como mistifica­

ci6n de masas", in Dialectica del Iluminismo. Buenos Aires: SUR, 1970, especialmen­te pp. 1 63-6 e 1 7 1 -3 .

2 1 T. W. Adorno, "Sabre musica popular", in Colefiio Gran des Cientistas Sociais: Adorno (org. Gabriel Cohn). Sao Paulo: Atica, 1 986, especialmente pp. 1 36-8.

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INDUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

j ustificativa apresentada par Adorno para a substitui�ao do termo cu ltura de massa pelo termo industria cultural indica que esses autores somente rej eitavam o primeiro termo porque ele poderia sugerir que essa cultura brotava espontaneamente das massas e porque isso nao correspondia a realidade, nao sendo feito, de fato, entao,-qualquer tipo de questionamento mais profunda da no�ao de cultura de massa em si mesma22•

Isso nao deixa de estar relacionado tambem a utiliza�ao de uma determinada no�ao de cultura que, embora atenta as rela�oes ne­cessariamente existentes entre as atividades, os objetos e as atitudes ditos culturais e a sociedade, assume ela propria as caracterfsticas de reifica�ao que, de qualquer forma, atribui ao fenomeno histori­camente determinado da cultura na sociedade burguesa. Assim e que em "Crftica cultural e sociedade", por exemplo, em bora a pon­te para a rela«ao existente entre a autonomia absoluta pressuposta por uma no�ao reificada de cultura, de urn !ado, e a liberdade con­creta diante das necessidades vitais, garantida pela possibilidade de dispor do trabalho alheio, de outro23 - chegando mesmo a com­parar, como fizemos nos, a utiliza�ao de uma no�ao como essa pela crftica cultural burguesa com sua utiliza�ao pelos filosofos atenien­ses, como expressoes de urn mesmo espfrito antiplebeu24 -, Ador­no demonstra ao mesmo tempo considerar que a cultura constitui de fato urn universo autonomo na sociedade burguesa. Mais do que isso, parece considerar como necessaria que, nessa sociedade, a cultura se feche sobre si mesma para preservar-se da destrui�ao que representaria para ela uma falsa reconcilia�ao com a pratica social - podendo-se encontrar af, inclusive, urn dos fundamentos de sua rejei�ao absoluta da industria culturaF5•

22 T. W Adorno, "A industria cultura l" , in Comunicaqiio e industria cultural (org. Gabriel Cohn) . Sao Paulo: Nacional , 1 97 1 , p. 287.

2.\ Idem, "Crftica cultural e sociedade" , in Coleqiio Grandes Cientistas Sociais: Adorno (org. Gabriel Cohn ) . Sao Paulo: Atica, ! 986, p. 80.

" Idem, op. cit . , p. 84.

" Idem, op. cit . , pp. 80- 1 e 83-4.

3 2

INTRODU<;:AO

De fato, ao analisar o pensamento frankfurtiano acerca da in­dustria cultural, Barbara Freitag chega a encontrar nele uma dis­tin�ao fundamental entre cultura ou mundo das ideias, de urn lado, e civiliza�ao ou mundo da produ�ao material, de outro, distin�ao essa que atribui a sua participa�ao numa tradi�ao alema de pensa­mento26. Isso talvez expli que por que tanto Adorno e Horkheimer quanta Hannah Arendt utilizam o termo cultura para designar urn numero limitado de atividades, obj etos e atitudes humanos. Desse ponto de vista, contudo, parece que ficam totalmente obscurecidas as diferen�as existentes entre o pensamento de Adorno e Horkhei­mer e o pensamento de Hannah Arendt, diferen�as essas que temos atribufdo ate aqui a influencia marxista dos primeiros. Isso sem duvida nao teria qualquer importancia se essa propria influencia fosse assimilada aquela mesma tradi«ao de pensament<;> - 0 que, com certeza, poderia ocorrer, desde que o marxismo fosse tornado como uma simples inversao da rela«ao pressuposta pelo idealismo alemao entre aqueles dais termos opostos e nao como. urn questio­namento direto da existencia autonoma de cada urn deles assim reificados, atraves da afirma«ao da existencia de inter-rela«oes en­tre produ«ao material, sociedade e cultura. E esta segunda carac­teriza«ao do marxismo, contudo, a que consideramos a mais cor­reta, sendo tarnbem a este marxismo nao vulgar que se filiam os frankfurtianos analisados, conforme nos parece. Assim, de nosso ponto de vista, tal como ocorre no que se refere ao fenomeno em­pfrico massa, tambem a existencia de uma cultura como un.iverso particularmente fechado sobre s i mesmo e concebida por esses au­tares como produto h istorico - embora isso nao impe«a, como j a foi visto, que suas coloca�oes se tornem muitas vezes extremarpen­te semelhantes aquelas baseadas numa no�ao em s i mesma reifica­da de cultura.

De fato, em textos como os ja citados "Ideias para a sociologia da musica" ou "A industria cultural : o iluminismo como rnistifica-

26 B. Freitag, A teoria c1'itica ontem e hoje. Sao Paulo: Brasil i ense, 1 986, p. 68.

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INDUSTRIA FONOGMFI CA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

�ao das massas", Adorno e Horkheimer parecem ir mais I onge, afirmando a falsidade da propria autonomia burguesa da arteo No primeiro desses textos, influenciado por Weber, Adorno limita-se a dizer que advinha de fato da sociedade a propria liberdade frente as finalidades sociais perdida pela arte quando da absor�ao poste­rior da esfera cultural pel a administra�ao27 0 J a no segundo, Adorno e Horkheimer se referem ao mesmo fenomeno utilizando-se de uma terminologia marxista: a inutilidade da arte constituiria seu proprio valor de uso na sociedade burguesa, ou, melhor ainda, o

valor de uso da arte seria substitufdo nessa sociedade por seu valor de troca, ate que, na era do capitalismo avan�ado, a propria inuti­lidade utilizada para fins sociais sucumbisse a explfcita utiliza�ao da cultura como meio de diversao28o E preciso ver, contudo, que essa afirma�ao da falsidade da autonomia burguesa da arte tern como ponto de referencia a autonomia absoluta pressuposta pelo idealismo, sendo por isso compreensfvel que, apesar da terminolo­gia marxista, continue havendo tanta semelhan�a entre essas ulti­mas coloca�6es e as afirma�6es de Hannah Arendt sobre a condi�ao da cultura na sociedade e na sociedade de massaso

0 mesmo ja nao ocorre em "0 fetichismo na musica e a regres­sao da audi�ao" o N esse texto, e na condi�ao de mer�adoria da obra de arte - e, portanto, na prevalencia do valor de troca sobre o valor de uso - que se concentra o estudo da arte no capitalismo avan�adoo De fato, Adorno vai buscar diretamente na defini�ao marxista do fetichismo da mercadoria o contraponto para sua pro­pria defini�ao do fetichismo musical: assim como o misterio da mercadoria consiste em que, sob essa forma, as coisas ostentam como propriedades proprias as caracterfsticas que lhes foram de fato conferidas pelo trabalho humano, ocultando-se as rela�6es sociais de produ�ao sob a aparencia de uma rela«ao fantasmagori­ca das coisas entre si, tambem o segredo do sucesso musical consis-

27 To W Adorno, "Ideias para a sociologia da m usica", po 2640

2' T. W Adorno e Mo Horkheimer, "La industria cultural . . . " , ppo ! 88-93.

3 4

INTRODU(AO

tiria em que ele parece decorrer das caracterfsticas objetivas de uma determinada can«ao, quando na verdade e inteiramente fabricado pelo ouvinte, que naquela can«ao de sucesso louva apenas o dinhei­ro gasto para ouvi-la29o Algo semelhante a isso, alias, e afirmado por

Adorno em "Sobre musica popular" - e, embora o contraponto com 0 fetichismo da mercadoria nao seja a! explicitado, e possfvel considerar que se encontra subentendido, dado que esse texto trata justamente das caracterfsticas da musica popular que advem de sua condi«ao de mercadoria: a extrema padroniza«ao da estrutura glo­bal, aliada a uma pseudo-individua«ao que se baseia numa varia«ao tambem padronizada dos detalheso De fa to, em seguida, Adorno se refere aquila que seria o processo de reconhecimento das can�oes populares por parte dos ouvintes , destacando que, ao final desse processo, ocorre a transferencia para o objeto musical de uma grati­fica«ao que advem na verdade do sentimento de posse experimentado por quem memoriza uma can«ao e se torna dessa maneira apto a reconhece-la entre tantas outras e a reproduzi-la quando quise�0o

A importancia das no«6es de mercadoria e de fetichismo da mercadoria como categorias centrais do pensamento adorniano

acerca da industria cultural e ressaltada por Gabriel Cohn, que se refere tambem as consequencias metodologicas disso: a analise passa a se concentrar sobre os produtos culturais em si mesmos, remetendo as condi«oes sociais de sua produ«ao, distribui«ao e consumo3 1 0 Na verdade, mesmo num texto como "Teses sobre a sociologia da arte", que nao trata especificamente dos produtos artfsticos que sao mercadorias mas sim da arte em geral e de sua rela«ao com a sociedade, Adorno defende a necessidade de uma analise imanente das obras artfsticas, afirmando a importancia de seu conteudo objetivo inclusive como objeto da propria investiga«ao

" To W Adorno, "0 fetichismo na musica e a regressiio da audi�iio", in Os Pemadores:

Benjamin, Adorno, Horkhezmer, Habermas: Textos escolhidoso Siio Paulo : Abril, ! 980,

ppo ! 72-30 1o Idem, "Sobre m us ica popular", pp. ! ! 5-25 e ! 30-6. l t G. Cohn, Sociologia da comunicaqiio . . . , P· ! 55.

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I N DUST!Ui\ FONO(; J(AFICA: UM ESTUDO ANTROPOL(JGICO

sociologica que o despreza em beneffcio dos efeitos sociais, dado que, segundo ele, as rela<;oes mais profundas entre arte e sociedade sao justamente aquelas apreensfveis no nfvel da constitui<;ao inter­na das proprias obras artfsticas32. No mesmo sentido, em "Ideias para a sociologia da musica", Adorno chega a afirmar que o sociolo­go precisa ter urn conhecimento tecnico na area estritamente mu­s ical para que sej a capaz de apreender a significa<;ao social de uma obra a partir de sua propria constitui<;ao formal e nao se limite a identificar rela<;oes externas entre a obra, de urn !ado, e a sociedade, de outro33. Contudo, no que se refere especificamente aos produtos artfsticos da industria cultural, a analise imanente se impoe de fato, para Adorno, a partir do reconhecimento da condi<;ao de mercado­ria desses produtos, ou melhor, a partir da ideia de que a forma mercadoria e o fetichismo que a acompanha encontram-se onipre­sentes na sociedade capitalista avan<;ada na qual tern existencia a industria cultural e de que isso permite a propria sociedade, como aparencia, ocultar por si mesma as rela<;oes sociais reais, dispen­sando assim a ideologia no sentido tradicional de falsa consciencia e tornando-se ela propria ideologia em certo sentido. De fato, Cohn faz referencia a essa no<;ao particular de ideologia com que traba­lhavam Adorno e Horkheimer, relacionando a op<;ao metodologica de tais autores ao emprego dessa mesma no<;ao34 • Por outro !ado, a exata natureza dessa rela<;ao pode ser apreendida por meio do pro­prio Adorno: de fato, em "Crftica cultural e sociedade", ele defende a analise imanente atraves da tese de que nao ha mais ideologia no sentido tradicional da palavra, mas tao-somente uma falsa conscien­cia gerada pela aparencia das proprias rela<;oes sociais, o que sig­nifica que tambem nao ha mais qualquer nfvel de autonomia entre a ideologia assim concebida e o que pode ter sido em outros tempos

32 T. W Adorno, "Teses sabre a sociologia da arte", in Cole<;iio Grandes Cientistas Sociais: Adorno (org. Gabriel Cohn) . Sao Paulo : Atica, 1 986, pp. 1 1 1 -2.

; ; Idem, "Ideias para a sociologia da mus ica", pp. 259-6 ! .

3 1 G. Cohn, Sociologia da comunica<;iio . . . , pp. 1 5 1-2 .

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!NTRODU<;:AO

a infra-estrutura correspondente a ela, de onde se conclui final­mente que nao ha mais sentido na aplica<;iio de urn metodo trans­cendente, pois nessas condi<;oes s6 seria possfvel relacionar na ver­dade a ideologia consigo mesma35•

Temos, dessa maneira, que a propria op<;iio de Adorno pela analise imanente dos produtos culturais pode ser associada a influen­cia marxista desse autor e ao uso das no<;6es de mercadoria, indus­tria cultural e sociedade capitalista monopolista, da mesma forma como pode ser associada ao emprego de uma no<;ao de cultura como universo particular de objetos, cuja autonomia em rela<sao aos de­mais componentes da vida social, embora sendo resultado de urn processo hist6rico- questionavel, alias, do ponto de vista do idea­lismo -, deve ser de qualquer maneira defendida contra a destrui­<sao representad:l pela reabsor<siio da cultura pelo universo capita­l ista da produ<sao de mercadorias. 0 que se ve, contudo, e que, na pd.tica, se acaba operando com uma no<sao de sociedade que chega a ser aist6rica, na medida em que a analise imanente levada a efei­to descobre rela<s6es entre o conteudo e a forma dos produtos da industria cultural e as caracterfsticas mais abstratas e universais das sociedades capitalistas monopolistas, deixando de levar em conta tanto as especificidades do processo de produ<sao capitalista claque­las mercadorias ditas culturais quanto as diferentes configura<s6es assumidas por esse proprio processo em decorrencia das determi­na<s6es h ist6ricas especificas de cada sociedade capitali s ta mo­nopolista concreta. E verdade que, em textos como "Sobre musica popular", "A industria cultural" e "0 fetichismo na musica e a re­gressiio da audi<siio", por exemplo, Adorno chega a referir-se a es­pecificidade do processo de produ<sao de mercadorias culturais , afirmando, inclusive, nos dois primeiros, que esse processo s6 pode ser chamado de industrial no que se refere a distribui<siio, manten­do-se a produ<siio propriamente dita num estadio artesanaP6• Con-

;s T. W Adorno, "Crftica cultural e sociedade", pp. 86-9 1 .

36 Idem, "Sabre musica pop�lar", p . 1 2 1 , e "A industria cultural", p. 289.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

tudo, mesmo nesses textos, assim como no ultimo, a ideia que aca­ba prevalecendo e a de uma especificidade aparente: em "Sobre musica popular", ainda que se mantenha ate 0 fim a tese do nfvel artesanal da prodw;;ao, faz-se isso apenas para apontar a adequac;;ao desse estado de coisas a categorias ideol6gicas tais como gosto e livre escolha, que constituiriam os verdadeiros resfduos deixados pelo individualismo na produc;;ao cultural de massa37; em ''A indus­tria cultural", da mesma forma, toda a enfase e colocada na contri­buic;;ao fornecida pel a manutenc;;ao de uma forma artesanal de pro­duc;;ao ao fortalecimento de uma i deologia que obscureceria a padronizac;;ao efetiva38; finalmente, em "0 fetichismo na musica e a regressao da audic;;ao", falando mais abstratamente sobre a ma­neira peculiar pel a qual o valor de troca se imp6e no setor dos bens da cultura, Adorno refere-se apenas ao fato de que esses bens apa­rentam estar isentos do valor de troca, possuindo-o, contudo, j us­tamente grac;;as a essa propria aparencia39• Assirn e que, de qualquer maneira, a especificidade do processo de produc;;ao de rnercadorias culturais nao chega a ser investigada em si rnesrna, nao sendo tam­bern tiradas conseqiiencias para a analise irnanente dos produtos culturais . Da mesrna forma, embora em "A industria cultural: o iluminisrno como rnistificac;;ao das massas" por exemplo Adorno ' � ' e Horkheirher fac;;am breves referencias aos fenomenos concretos do cinema norte-americana e do radio na Alemanha nazista40, a verdade e que suas analises nunca se encaminharn na direc;;ao de urn aprofundamento de casos historicamente espedficos da indus­tria cultural ern paises deterrninados, encarninhando-se antes para a forrnulac;;ao de teses universalmente validas acerca do fenomeno industria cultural.

·'7 Idem, "Sobre musica popular", pp. 1 22-3. " Idem, "A industria cultural", pp. 289-90. '" Idem, "0 fetichismo na musica . . . ", pp. 1 73-4. 411 T. W. Adorno e M. Horkheimer, "La industria cultural . . ." , pp. 1 50, 1 67, 1 87, 1 9 1 e 1 99 .

3 8

! NTRODU I:;AO

A tais limitac;;oes da abordagem frankfurtiana, procuramos res­

ponder com a escolha do objeto desta pesquisa: urn ramo particular da industria cultural, nurn momenta determinado de sua consoli­dac;;ao numa sociedade concreta, do ponto de vista das pr6prias

relac;;6es sociais de produc;;ao vigentes nesse ramo e nesse momenta determinado da vida dessa sociedade. Partimos, assim, em busca da especificidade do processo capitalista de produc;;ao de mercado­rias culturais, trabalhando desde o infcio com a hip6tese de que ela poderia ser encontrada no nfvel das pr6prias relac;;oes de prodU<;ao existentes entre os trabalhadores artfsticos e o capital - alem de se evidenciar atraves da existencia de uma produc;;ao simultanea do produto e da imagem publica de alguns de seus produtores, quais sejam, aqueles considerados artistas, sendo por isso que optamos por analisar tambem OS rnecanismos concretos postoS em pratica por esse ramo particular da industria cultural para a prod�c;;ao e a divulgac;;ao das imagens publicas dos artistas a ele ligados. E preci­so ver, contudo, que, em bora a escolha do objeto e da metodologia desta pesquisa fac;;a sentido no proprio contexto te6rico marxista das analises frankfurtianas que visa nesse sentido apenas comple­mentar, ela na verdade se inspira numa noc;;ao antropol6gica de cultura que, por nao se restringir a urn con junto finito de atividades, objetos e atitudes hurnanas, referindo-se antes a totalidade das re­presentac;;oes e das praticas sociais concretas vigentes no interior de urn deterrninado grupo h umano, opoe-se tanto a noc;;ao de cultura utilizada por Arendt quanto aquela uti l izada por Adorno e Horkheirner. Isso significa, por outro !ado, que se rejeita a ideia de urna sociedade totalrnente dominada pelo fetichismo da mercado­ria, bern como o pressuposto da existencia nessa sociedade de uma massa como fenomeno ernpfrico, uma vez que, antropologicamen­te falando, a cultura se mantem como atributo dos homens mesmo quando estes sao exclufdos das formas mais institucionalizadas do saber atraves da divisao social do trabalho, mantendo-se tambem como instancia a partir da qual os objetos adquirem para eles outros sign ificados que nao o rnero valor de troca.

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INilUSTRIA FONO<;Ju\FICA: UM ESTUDO ANTI\OPOLOGJCO

De fato, e a utiliza�ao de uma no�ao antropologica de cultura 0 que permite ao estudioso da industria cultural abandonar a en­fase tradicionalmente posta no conteudo ou na forma dos produtos, que sao os obj e tos exclus ivos da cultura no sentido restrito que atribuem a essa palavra os alemaes, rumo a uma analise das prati­cas sociais concretas relativas a sua produ�ao e das representa�6es sociais ligadas a essas mesmas praticas. Em "A dinamica cultural na sociedade moderna", alias, Eunice Durham ja afirma a impor­tancia de uma utiliza�ao adequada da no�ao de cultura para o es­tudo de certos fen6menos tfpicos das chamadas sociedades com­plexas, entre os quais inclui o que denomina a cultura de massa. Assim e que, apos criticar OS usos inadequados da propria no�ao antropologica de cultura, os quais levam a uma reifica�ao das re­presenta�6es em rela�ao as praticas sociais concretas, Durham afir­ma ser necessaria reconhecer que a diversidade de condi�6es sociais de existencia, que esta ligada ao proprio modo de reprodw;;ao da estrutura social basicamente classista de tais sociedades, consti tui o ponto de partida de uma sele�ao e reorganiza�ao diferenciadas dos produtos da industria cultural por diferentes grupos sociais, processo esse que culmina na manuten�ao da diversidade cultural apesar da tendencia homogeneizadora da denominada cultura de massa4 1 • lsso constitui, sem duvida, uma contribui�ao antropologica muito importante para o esclarecimento dos fen6menos aos quais se referem as no�oes de cultura de massa e industria cultural. Con­tudo, essa contribui�ao pode ser maior na medida em que nao fique restrita ao universo de recep�ao dos produtos da industria cultural e alcance tambem o universo de sua produ�ao, o que talvez venha a ser, inclusive, urn meio mais eficaz de combater a propria reifica­�ao das representa�6es condenada por Durham, na medida em que, quando J imitada a recep�ao, a analise acaba tomando OS produtos da industria cultura l como dados, sem investigar tambem as rela-

41 E. R. D u rham, "A d inamica cultura l na sociedade m oderna", in Ensaios de Opiniiio, n" 4. Rio de Jane i ro : !nubia , 1 977.

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INTRODU<;:AO

�6es sociais que estao em sua origem. Por outro lado, e preciso re­conhecer que grande parte das utiliza�6es inadequadas da no<siio de cultura, que Jevam a apontada reifica<saO das representa<s6es, pode ser atribufda aos proprios antropologos, e nao apenas aos cientistas sociais mais especializados no estudo das sociedades mo­dernas, como sugere Durham nesse texto. Isso significa que, para finalizar estas considera<s6es preliminares, sera necessaria ainda refletir sobre a possibilidade de que as l imita<s6es da no<sao tradi­cional de cultura aqui apontadas possam ser atribufdas a muitas das no<s6es de cultura que se desenvolveram h istoricamente no interior do proprio campo antropol6gico.

De fato, como ja foi observado por muitos especialistas, o con­ceito antropol6gico de cultura, que, dentro dos parametros evolu­cionistas da obra de Edward Taylor, surgira como urn conceito extremamente abrangente, capaz de abarcar tanto os aspectos es­pirituais quanto os aspectos materiais da vida de urn povo, aos quais se referiam ate entao os conceitos alternativos de cultura' e civiliza­�ao, tornou-se, a partir da rea<sao boasiana ao evolucionismo e atra­ves do desenvolvimento posterior da antropologia americana, urn conceito novamente restrito a determinadas esferas da vida social. Na introdu<sao a coletanea intitulada El concepto de cultura: textos

Jundamentales, por exemplo, J. S. Khan mostra as transforma<s6es sofridas pelo conceito no que diz respeito a sua amplitude, referin­do-se a tendencia de Boas no sentido de privilegiar a vida mental do homem como objeto principal da analise etnologica, bern como a redu<saO explfcita dos padroes culturais boasianos a padroes de personalidade, operada pelos discfpulos de Boas ligados a' escola americana de cultura e personalidade, referindo-se tambem ao ca­rater "superorganico" de tais padr6es em Kroeber e ao des�nvol­vimento posterio� de uma no�ao semelhante de cultura no contex­to da obra dos chamados novas etn6grafos - entre os quais cita Goodenough, por exemplo, para quem a cultura se define como urn sistema cognitivo que deve ser analisado em si mesmo, atraves de tecnicas tomadas de emprestimo a l ingufstica estruturalista.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

Da mesma forma, Khan mostra como o conceito abrangente de cultura utilizado por Malinowski perdeu terreno na Inglaterra para o conceito de estrutura social de Radcliffe-Brown, passando entao o termo cultura a designar nesse pais apenas os aspectos da vida social nao abarcados por esse segundo conceito42•

Outras referencias a formas restritivas do conceito antropol6-gico de cultura sao feitas por David Kaplan e Robert A. Manners em seu livro Teoria da cultura, cujo objetivo e analisar as principais orienta�6es te6ricas vigentes no campo antropol6gico do ponto de vista do peso relativo assumido em cada uma delas por cada urn dos subsistemas que comp6em o que seria a cultura em sentido am­pliado. Assim e que OS autores se referem as afinidades existentes entre a ecologia cultural ou o neo-evolucionismo, de urn !ado, e o privilegio concedido ao subsistema tecnoeconomico, de outro, bern como a compatibilidade das analises funcionalistas com 0 privilegio concedido a estrutura social, referindo-se ainda as escolas que con­cedem prioridade ao subsistema da personalidade e ao subsistema ideol6gico, incluindo entre essas ultimas nao apenas aquelas que veem a cultura como urn sistema cognitivo, mas tambem aquelas que a concebem como urn esquema simb6lico inconsciente e ate mesmo, de certa maneira , o estruturalismo levi-straussiano43 •

E preciso ressaltar que Kaplan e Manners nao 'negam a neces­

sidade de que sej a atribufdo urn peso causal diferenciado a cada urn dos subsistemas culturais, desde que o objetivo seja explicar urn determinado evento e nao apenas descreve-lo. Contudo, segundo eles, essa explica�ao deve ser sempre baseada na analise concreta de tal evento especffico, mantendo-se de qualquer forma a aten�ao voltada para as inter-rela�6es sempre existentes entre todos os sub­s istemas de uma cultura. De fa to, em certa passagem de sua Teoria

da cultura, Kaplan e Manners afirmam-se eles pr6prios seguidores de urn determinismo tecnoeconomico que se torna menos rfgido

42 J. S. Khan, El concepto de cultura: textos fundamentales. Barcelona: Anagrama, 1 975.

41 D. Kaplan e R. Manners, Teoria da cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1 975.

42

I NTI(()DUC,:Ao

atraves do reconhecimento da importancia causal da estrutura so­cial, da ideologia ou da personalidade em situa�6es especfficas44 • Assim e que, ao analisarem a contribui�ao dos neo-evolucionistas Julian Steward e Leslie White - que foram, alias, seus professores, e a quem, inclusive, dedicam o livro -, Kaplan e Manners procu­

ram defende-los da acusa�ao de determinismo tecnol6gico med­nico que dizem pesar sobre suas costas, afirmando que tambem eles estao abertos as determina�6es advindas de outros sub sistemas culturais45 • Ao discutirem a contribui�ao dos ecologistas culturais, por outro !ado, Kaplan e Manners cham am a aten�ao para a natu­reza social ou cultural do proprio subsistema tecnoeconomico pri­vilegiado por eles e pelos neo-evolucionistas em suas analises, afir­mando que enquanto o prefixo " tecno" d iz respeito aos equipamentos e conhecimentos tecnicos disponiveis em uma so­ciedade, a palavra "economia" implica ja o arranjo social no interior do qual tais equipamentos e conhecimentos sao empregados ou nao na produ�ao, na distribui�ao e no consumo de certos bens e servi�os ou de outros46• Da mesma forma, Kaplan e Manners bus­cam resgatar a contribui«ao dos evolucionistas do seculo XIX, li­vrando tambem a eles da pecha de determinismo tecnol6gico, em­bora s6 possam faze-lo, nesse caso, atraves da afirma«ao da aparente indefini«ao de Taylor e Morgan quanto ao peso causal especffico de cada subsistema na evolu«ao cultural47•

E clara que nao nos interessa investigar aqui quem tern mais razao, se os crfticos do evol ucionismo e do neo-evol ucionismo que apontam para o carater mecanicista de suas formula«6es ou se Ka­plan e Manners que procuram mostrar que as coisas nao sao bern assim. 0 que nos interessa aqui e investigar ate que ponto uma visao mecanicista do evolucionismo ou do neo-evolucionismo pode

44 Idem, op. cit., p . 240. 45 Idem, op. cit., pp. 72-80. " Idem, op. cit. , p. 143.

47 Idem, op. cit., pp. 66-72.

4 �

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I N IJUSTRIA FONOGiu\f'ICJ\: UM ESTUDO ANTROPOU)GICO

ter contribufdo para que a rea�ao a tais correntes te6ricas se desse atraves de uma redu�ao da no�ao de cultura aos aspectos aparen­temente nao relacionados ao subsistema tecnoecon6mico, bern como ate que ponto essa redu�ao nao se sustenta muitas vezes na manuten�ao de pressupostos mecanicistas acerca da natureza de tal subs istema. De fato, conforme afirma Roque de Barros Laraia em seu livro Cultura, um conceito antropol6gico, foi a partir da in­clusao da cultura na ordem da natureza que os evolucionistas do seculo XIX, inspirados em Darwin, derrubaram afirma�6es ate entao correntes acerca do carater sobrenatural do homem e de sua hist6ria, sen do, por outro !ado, a partir da necessidade posterior de separar a cultura da natureza que Kroeber elaborou sua tese acerca do car:her superorganico da cultura48. Assim, apesar de referir-se a afirma�ao feita por Taylor acerca do carater adquirido da cultura como urn avan�o em rela�ao ao determinismo biol6gico, e somente a partir da d iscussao do artigo de Kroeber que Laraia passa a afir­mar que atraves da cultura a humanidade se distancia do mundo animal, pondo-se acima de suas limita�6es organicas49• De fato, no trecho de Kroeber citado por Laraia em seguida, o cultural se op6e ao organico assim como o social se op6e ao vital, sendo tais oposi­�6es utilizadas entao para contestar a utilidade do modelo da evo­lu�ao das especies na compreensao da hist6ria da humanidade. Ao que parece, contudo, a oposi�ao entre o cultural e o organico, assim relacionada a oposi�ao entre o social e o vital, mantem o vital de qualquer maneira separado do social e do cultural, isto e, mantem a ideia de que o momenta da produ�ao material da existencia e urn momenta autonomo em rela�ao a sociedade e a cu!tura, no qual OS

homens se relacionam com a natureza sem sair dos limites dessa mesma natureza. Pressupostos desse tipo sao evidentemente atri­bufveis a teorias sociol6gicas ou antropol6gicas que colocam suas

" R. B . Laraia, Cu!tura: um conceito antropol6gico. Rio de janeiro: jorge Zahar, 1 986, pp. 30-2.

40 Idem, op . cit . , pp. 28 e 37.

44

INTRODUt;:AO

enfases causais em fatores meramente tecnol6gicos da economia, tais como fariam as teorias evolucionistas e neo-evolucionistas de acordo com seus crfticos, sendo tambem atribufveis a tese defendi­da por Malinowski juntamente coni urn conceito abrangente de cultura, qual seja, aquela segundo a qual as necessidades vitais do indivfduo sao 0 ponto de partida para a constru�ao das institui�6es sociais. 0 que se sugere aqui, contudo, e que, nao encontrando sociedade nem cultura no momenta da produ�ao material confor­me era ele v isto por seus predecessores em sua opiniao - e nao sendo, por outro !ado, adeptos de uma perspectiva marxista, que lhes teria permitido chamar aten�ao para a presen�a das rela�6es sociais como parte integrante do proprio subsistema tecnoecon6-mico, bern como para o cad.ter eminentemente criador do trabalho humano -, os�ntropologos culturalistas trataram de encontrar a cultura em outro Iugar, reduzindo seu conceito seja as ideias, aos conhecimentos, as cren�as ou aos valores de urn grupo, seja ao esquema simbolico subjacente tanto as representa�6es sociais ou aos mitos quanto as praticas sociais ou aos ritos de uma sociedade, sendo que o subsistema tecnoecon6mico, que fazia parte da cultu­ra em sentido ampliado, passa a ser entao invariavelmente exdufdo de seu conceito restrito, tendo tambem o seu peso causal invaria­velmente ignorado nas analises culturalistas concretas.

Na verdade, essa ideia a respeito de pressupostos comuns a deterministas tecnologicos, funcionalistas biologicos e culturalistas pode parecer a primeira vista paradoxa!, principalmente para quem, juntamente com Marshall Sahlins, costuma nao apenas abordar a rela�ao existente entre tais orienta�6es teoricas nos termos de uma oposi�ao radical entre a razao pratica e a ·cultura, mas tambem postular que o culturalismo, substituindo a razao pratica pela ope­ra�ao de urn esquema simbolico inconsciente na explica�ao da for­ma e do conteudo da propria produ�ao material, rompe definitiva­mente com qualquer resqufcio de urn materialismo vulgar50• Vemos,

50 M. Sahlins, Cultura e raziio pratica. Rio de janeiro: Zahar, 1 979.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

contudo, que o culturalismo nao constitui senao uma das formas possfveis de realizar esse rom pimento, e que, enquanto tal, concor­re certamente com provaveis formas materialistas de romper com tal vulgaridade, atraves das quais se tornaria talvez evidente o ca­

rater cultural da produ�ao material em si mesma, enquanto fato social total, sem necessidade de que a cultura se lhe impusesse de fora como esquema tambem autonomo em rela�ao a ela. No caso de Sahlins, alias, e importante assinalar que sua visao unilateral do materialismo como vulgar em s i mesmo resultara numa analise extremamente mecanicista da organiza�ao sociopolftica polinesia quando de sua ado�ao anterior da teoria neo-evolucionista de Les­lie White como ponto de partida: de fato, como assinalam Kaplan e Manners, Sahlins buscara nas diferen�as existentes no habitat natural e nos nfveis de produtividade do trabalho as causas dos diferentes nfveis de complexidade alcan�ados pelas diversas formas de organiza�ao sociopolftica na Polinesia, sem que sequer a evi­dente influencia desses proprios nfveis de complexidade no aumen­to ou na diminui�ao da produtividade do trabalho conseguisse al­terar substancialmente a natureza tecnicista de sua argumenta�ao5 1 • Da mesma forma, em Cultura e razao prdtica, a no�ao de cultura como esquema simbolico e oposta e defendida por .Sahlins em re­la�ao ao utilitarismo extremado que encontra nas teorias antropo­logicas de Morgan e Malinowski, por exemplo - e que, levado as ultimas conseqi.iencias logicas, fornece-lhe 0 segundo termo das oposi�6es a partir das quais se define razoavelmente sua propria no�ao de cultura enquanto Iugar ou momenta do sfmbolo em opo­si�ao ao signo, da concep�ao em oposi�ao a percep�ao, da conota�ao em oposi�ao a denota�ao e assim por diante52• Alias, numa demons­tra�ao de que o argumento culturalista se sustenta de fato nessas oposi�6es e conseqi.ientemente na manuten�ao de urn materialismo

" D. Kaplan e R. Manners, Teoria da cultura, pp. 1 49-50. Faz-se a qui referencia a obra de Sahlins intitulada Social Stratification in Polynesia (University of Washington Press, 1958) .

1 2 M. Sahlins, Cultura e raziio prdtica, pp. 68- 142 .

46

INTRODU(,:AO

vulgar na interlocu�ao, Sahlins termina por descobrir em textos do proprio Marx fundamentos suficientes para incluir o marxismo

todo nesse polo oposto de seu discurso, muito embora tivesse ini­ciado suas coloca�6es acerca do tema atraves da afirma�ao do ca­rater nao-vulgar do materialismo marxista53• Descartando, assim, as possibilidades explicativas de qualquer materialismo, parece­nos, contudo, que Sahlins simplesmente retorna a velha oposi�ao entre cultura e civiliza�ao, sem incorporar os ganhos te6ricos ad­vindos da jun�ao desses dois conceitos na no�ao antropol6gica ori­ginal de cultura, ganhos esses que, tornando-se relativos devido ao carater evolucionista e determinista das obras dos primeiros antro­p6logos, podem ser contudo resgatados quando a inter-rela�ao e o entrecruzamento de todos os subsistemas de uma cultura sao reco­nhecidos - o que implica, por outro !ado, a busca de rela�6es dialeticas entre ideologia e economia ou entre representa�6es e praticas sociais concretas, bern como o questionamento da propria existencia empfrica de esquemas simbolicos tais como aquele vis­lumbrado por Sahlins ou ao menos o questionamento de sua apa­rente independencia em rela�ao a vida social.

Nesse sentido, a escolha das rela�6es de produ�ao e das con­cep�6es vigentes no campo fonografico como objetos teoricos deste trabalho atende tambem ao desejo consciente de fazer valer a per­tinencia de tais temas a antropologia atraves do reconhecimento da participa�ao da produ�ao material em si mesma na cultura, utili­zando-se aqui o termo cultura no sentido ampliado. Assim e que tomamos as atividades de prodU<;ao e divulga<;ao dos discos e das imagens publicas dos artistas como fatos culturais totais, reconhe­cendo-lhes os aspectos tecnoeconomicos, sociais, ideacionais e pes­soais e buscando descobrir as inter-rela<;6es existentes nesse campo

particular entre alguns desses aspectos. Partimos da hip6tese de que e 0 carater artfstico do trabalho 0 que explica a especificidade de algumas das rela�6es de produ�ao vigentes na industria fonografica,

53 Idem, op. cit. , pp. 143-84.

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I NDUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

bern como a existencia de praticas voltadas para a promo�ao da imagem publica de alguns dos produtores diretos ligados a ela. Ao mesmo tempo, sugerimos a hipotese de que a especificidade das rela�oes existentes entre artistas e gravadoras, em rela�ao aquelas vigentes entre artistas e outras empresas que se utilizam de seu trabalho, pode ser encontrada nos processos historicos atraves dos quais diferentes segmentos da classe artistica obtiveram ou nao 0

reconhecimento legal da especificidade de seu trabalho e o respei­to ou nao as leis que a reconhecem. Isso implica a ado�ao de uma no�ao nao apenas ampliada mas tambem dinamica de cultura e explica, por outro !ado, a propria op�ao pela analise da industria fonografica num momento determinado de sua consolida�ao em uma sociedade concreta.

Reservamos para o u ltimo capitulo deste livro a apresenta�ao das conclusoes relativas a adequa�ao ou inadequa�ao de tais hipo­teses a realidade empfrica descoberta pela pesquisa. Por isso, pas­samos agora diretamente a segunda parte desta introdu�ao, na qual sao descritos OS procedimentOS de pesquisa e 0 tipo de material utilizado neste trabalho, sendo tambem apresentados seus tres ca­pitulos centrais. Antes, porem, cabe ainda uma palavra acerca da escolha das carreiras discograficas de dois compositores-interpretes de MPB, Fagner e Belchior em especffico, como obj etos empiricos mais imediatos da analise, bern como a respeito da propria delimi­ta�ao da decada de 1 970 como periodo a ser estudado. A escolha da MPB atendeu, antes de mais nada, ao objetivo de focalizar as rela­�oes existentes, num momento historico determinado, entre a in­dustria do disco e urn tipo de musica cuj a qualidade cultural fosse reconhecida socialmente e cujo valor comercial fosse tambem evi­denciado, a fim de que o entrecruzamento entre os universos da cultura e da produ�ao material fosse mais imediatamente percep­tive!. Por outro !ado, a escolha da decada de 1 970 deveu-se a infor­ma�oes preliminares obtidas a respeito do perfodo, as quais ja in­dicavam sua importancia crucial para o estudo do crescimento do mercado de discos no Bras il e para a analise do processo historico

4 8

INTRODU(,AO

de consolida�ao das rela�oes vigentes entre artistas e gravadoras ao menos no que se refere ao direito autoral, bern como sua peculiar adequa�ao ao objetivo de investigar as condi�6es mais gerais de opera�ao da industria cultural em uma sociedade concreta dada a ' particular importancia assumida entao pelos fatores polfticos in-ternos na determina�ao dos rumos tornados pela produ�ao fono­grafica no pafs54 • Finalmente, escolheram-se as carreiras discognificas de Fagner e Belchior porque, conforme informa�oes preliminares, esses dois artistas de MPB apareceram na decada de 1 970 e obtive­ram nessa mesma decada grandes sucessos de vendagem de discos, ao mesmo tempo em que, sendo nordestinos, sao representantes adequados de toda uma gera�ao de artistas de MPB surgida no perfodo, prestando-se alem de tudo a uma analise comparativa por terem iniciado suas carreiras mais ou menos ao mesmo tempo e por terem tido contudo trajetorias bern diversas55•

II

Os tres capftulos que se seguem constituem o resultado final de urn amplo trabalho de coleta e analise de dados que se iriiciou no dia 24 de abril de 1 985, na cidade do Rio de Janeiro, mais espe­cificamente na sala de leitura da Biblioteca Nacional. Era minha inten�ao naquele momento consultar alguns jornais e revistas da decada de 1 970, anotando tudo o que estivesse relacionado com os temas de minha disserta�ao de mestrado, os quais ja haviam sido definidos em urn projeto de pesquisa que acabava de ser aprovado pela Funda�ao de Amparo a Pesquisa do Estado de Sao Pa�lo (Fa­pesp) . 0 material de imprensa se revestia entao de uma importancia crucial, pois somente a partir dele eu poderia fazer uma primeira

" Margarida Autran, "0 Estado e o musico popular: de marginal a instrumento", in Anos 70: Musica popular. Rio de Janeiro: Europa, 1 980, pp. 91 - 1 00.

ss Ana Maria Bahiana, '1\. 'linha evolutiva ' prossegue -A m usica dos universitarios", in A nos 70: Musica popular. Rio de Janeiro: Europa, 1980, pp. 25-40.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUOO ANTROPOLOGICO

reconstitui<sao das hist6rias interligadas da industria fonografica e da MPB nos anos de 1 970, do processo de reformula<sao do direito

autoral ocorrido nessa epoca e das pr6prias trajet6rias artfsticas de Fagner e B elchior no perfodo, alem de obter os primeiros dados relativos aos conteudos das imagens publicas de tais artistas e ao modo de sua divulga<sao. A partir da obten<sao dessas primeiras informa<soes, por outro lado, eu poderia escolher as pessoas que deveriam ser entrevistadas sobre cada urn desses assuntos poste­riormente, bern como preparar adequadamente essas pr6prias entrevistas .

Alguns poucos dias de pesquisa na Biblioteca Nacional servi­ram para mostrar que a busca de dados em cada pagina das cole<soes completas dos jornais e revistas la arquivados constitufa urn traba­lho excessivamente minucioso que demandaria talvez mais tempo do que aquele que seria conveniente empregar numa primeira eta­pa de trabalho de campo, ainda que os peri6dicos que pretendes­semos consultar fossem apenas urn diario paulistano, urn diario carioca, uma revista semanal de informa<soes, uma revista especia­lizada em fofocas a respeito de artistas e urn j ornal especializado em musica. Assim e que o material de imprensa passou a ser en tao buscado diretamente nos arquivos dos j ornais 0 Clabo e]ornal do

Brasil, onde felizmente j a se encontrava classificado por assunto e separado em pastas de acordo com essa classifica<sao, pastas essas que continham, alias, nao apenas materias que haviam sido publi­

cadas por esses do is diarios, mas tam bern materias de varios outros peri6dicos do Rio e de Sao Paulo. Examinei muitas dessas pastas e providenciei a c6pia de todas as materias que me pareceram a pri­meira vista interessantes, independentemente de suas datas de pu­blica<sao, o que resultou em centenas de c6pias feitas por dia de pesquisa em cada urn de tais arquivos. 0 mesmo procedimento foi observado na Associa<sao Brasileira de Imprensa (ABI) e no Museu da Imagem e do Som (MIS) , em bora a quantidade de materias encontradas nos arquivos dessas entidades tenha sido infinitamente menor - e o mesmo teria sido feito na Funda<sao Nacional de

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I NTROOUC,:Ao

Artes (Funarte) e no jornal 0 Pasquim , tambem visitados por mim, caso tivesse encontrado nesses lugares algum arquivo dessa natu­reza. De fato, outras centenas de materias foram encontradas e xerografadas posteriormente na capital paulista, nos arquivos dos jornais 0 Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, resultando desse trabalho todo, e de algumas visitas a outros arquivos as quais me refiro em seguida, a forma<sao de urn arquivo particular que contem aproximadamente ! .300 notfcias ou comentarios relacionados a industria fonografica, direito autoral e MPB, alem de aproximada­mente 500 relativos as carreiras artfsticas de Fagner e Belchior - aos quais se acrescentam mais de 400 notfcias ou comentarios copiados

da revista Amiga, cuj a cole<sao completa foi a (mica a ser inteira­mente folheada na Biblioteca Nacional.

Se representou pouco em termos do material de imprensa en­contrado, a visita ao MIS, por outro lado, foi extremamente impor­tante, na medida em que me foi permitido conversar com sua en tao diretora, a j ornalista e crftica musical Ana Maria Bahiana, e na medida em que ela me informou acerca da existencia de departa­mentos de imprensa nas pr6prias gravadoras e me abriu gentilmen­te seu proprio arquivo particular para que, alem de xerografar mais algumas materias publicadas pela imprensa, eu pudesse ter acesso a c6pias de alguns dos releases que foram produzidos por departa­mentos dessa natureza quando do lan<samento de alguns dos LPs de Fagner e Belchior da decada de 1 970, fornecendo-me ainda na­mes e telefones de algumas pessoas que foram responsaveis nessa epoca por tais departamentOS OU pela elabora<saO de tais releases em espedfico. Especialmente no que se refere a imagem publica dos artistas, esses dados novos representaram urn avan<so consideravel na pesquisa, uma vez que permitiram identificar imediatamente urn dos mecanismos postos em pratica pelas gravadoras com vistas a sua produ<sao, alem de tornarem posteriormente muito mais rica a analise de seu conteudo. Por isso, cheguei a procurar outros re­

leases em casa de Maggy Tocantins, que, segundo Ana Maria, era responsavel pelo departamento de imprensa da Philips-Phonogram

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I N I JL!STRIA FONOCRAFICi\: UM ESTUIJO ANTROI'OLOGICO

em 1 973 , quando essa gravadora lan<;:ou o primeiro LP da carreira de Fagner. Fui tambem a casa de Lfdia Libion, que, segundo Maggy, ja era amiga de Fagner desde antes do lan<;:amento desse LP e cos­tumava guardar desde aquela epoca tudo 0 que estivesse relacio­nado com sua carreira, inclusive os releases produzidos pelas gra­vadoras . Ass im, outros deles foram encontrados e xerografados, juntamente com algumas outras dezenas de materias publicadas na imprensa, que Maggy e Lidia gentilmente tambem me permi­tiram xerografar. Tentei ainda encontrar outros releases de LPs de Fagner e Belchior da decada de 1 970 nos departamentos de impren­sa das pr6prias gravadoras do Rio e de Sao Paulo que lan<;:aram na epoca esses discos, nenhuma das quais, contudo, costumava ar­quivar esse tipo de material durante muito tempo, resultando daf que eu s6 tenha conseguido alguma coisa na CBS, e, mesmo ali, somente releases de LPs lan<;:ados por Fagner de 1 980 a 1 984.

Ainda sobre as carreiras discograficas de Fagner e Belchior e sobre as imagens publicas desses artistas, outras materias de im­prensa foram encontradas e xerografadas no arquivo da TV Globo, onde, ao mesmo tempo, pude ter acesso a urn outro tipo de material, constitufdo de materias feitas com tais artistas para os jornais da emissora durante a decada de 1 970 e de trechos filmados de alguns de seus shows do mesmo perfodo. De fa to , embora nao tenha sido permitida a filmagem ou a grava<;:ao desses documentos, pude de qualquer maneira assistir a todos eles, fazendo anota<;:oes acerca da vestimenta e da postura apresentadas pelos artistas e transcrevendo literalmente o conteudo de cada uma de suas entrevistas. Nao tive, contudo, a mesma possibil idade de trabalho nas outras emissoras do Rio e de Sao Paulo com as quais tentei estabelecer contato pos­teriormente, o mesmo ocorrendo com a maioria das emissoras de radio , das quais somente a Radio Nacional e a Radio Jornal do Brasil, ambas do Rio de Janeiro, permitiram que eu pesquisasse em seus arquivos sendo que na primeira foram encontradas apenas uma entrevista de Fagner e outra de Belchior, ambas de 1 979, das quais pude gravar alguns trechos e transcrever outros, e na segun-

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I NTRODUC,�Ao

da foi encontrada apenas uma entrevista de Fagner de 1977, da qual pude adquirir uma c6pia integral, ap6s comprometer-me por es­crito a nao utiliza-la para fins de publica<;:ao de qualquer e specie.

Paralelamente aos trabalhos de coleta de dados fornecidos pela imprensa escrita, pelo radio e pela televisao e de procura de releases

produzidos por gravadoras, foram feitos tambem esfor<;:os no sen­tido de obter material relativo a questao das rela<;:oes de produ<;:iio vigentes entre os artistas e estas ultimas eiiJ.presas - questao essa que, a nao ser nos aspectos mais diretamente ligados ao d ireito autoral, se mostrava completamente ausente dos noticiarios con­sultados. Assim e que foram contatadas varias entidades cuja exis­tencia e cujo endere<;:o descobri atraves de lista telefonica e onde me parecia possfvel encontrar dados a esse respeito : Associa<;:ao Brasi­leira de Produtores de Discos (ABPD), Uniao Brasileira de Com­positores (UBC), Associa<;:ao de Musicos, Arranjadores e Regentes (Amar) , Sindicato dos Musicos Profissionais do Rio de Jqneiro e Sindicato dos Empregados nas Empresas de Grava<;:ao de D iscos e Pitas do Rio de Janeiro, todas visitadas por mim, alem de outras para as quais apenas telefonei. Entre estas ultimas, alias, encontra­se a Sociedade de Interpretes e Produtores Fonograficos (Socinpro) , cujo contato telefonico me levou a visitar tamberri a gravadora EMI­Odeon, a fim de conversar com o Dr. Jose Carlos de Camargo Ebo­li, que era entao assessor jurfdico de ambas as entidades. Gra<;:as a gentileza do Dr. Eboli, cheguei a conhecer por dentro os pr6prios estudios de grava<;:ao da EMI-Odeon, fato esse que serviu para vi­sualizar as d iversas fases do processo tecnico de produ<;:ao de discos que se desenvolviam ali. Por meio do Dr. Eboli, por outro lado, obtive o nome dos entao responsaveis pelos departamentos jurfdi­cos das gravadoras Polygram, WEA e CBS, as quais foram entao novamente visitadas com o objetivo de obter por meio desses advo­gados informa<;:oes p recisas sobre o tipo de vinculo que existira entre cada urn dos componentes das fichas tecnicas de cada urn dos LPs de Fagner e Belchior da decada de 1 970 e as empresas gravado­ras desses mesmos discos, maneira pela qual foi possivel checar,

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INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOG!CO

atraves de alguns exemplos concretos, as informacsoes gerais obtidas nas outras entidades visitadas . Da mesma forma , por intermedio da visita ao Sindicato dos Empregados nas Empresas de Gravacsao de Discos e Fitas e gracsas a gentileza de seu entao presidente, Sr. Manoel Pinto, que era chefe do departamento gra.fico da Polygram, pude visitar tambem a propria fabrica de discos dessa gravadora, completando-se assim a visualizacsao de todo o processo tecnico de producsao. Cabe mencionar aqui que a maior parte das informacs6es relativas as relacsoes de producsao e aos direitos autorais vigentes no campo fonognifico foi de fato obtida no Sindicato dos Musicos e na Amar. No primeiro, pude con tar com a gentil colaboracsao do com­positor e interprete Mirabo Dantas, a quem devo, alem de varias informacsoes importantes, a unica copia de urn contrato de trabalho obtida em toda a pesquisa, enquanto, na segunda, pude usufruir das pacientes explicacs6es do Sr. Valdir, que tambem me doou urn volume do MEC com toda a legislacsao auroral em vigor e urn dicio­nario da Cooperativa Mista dos Musicos Profissionais do Rio de Janeiro (Coomusa) com os termos mais usados no direito autoral. Devem-se acrescentar aqui, por outro l ado, como fontes de infor­macsoes acerca de tal tema, alguns livros adquiridos ainda nessa primeira fase da pesquisa: Direito autoral, de Jose de Oliveira As­

censao (Rio de Janeiro: Forense, 1980) , Curso de direito autoral, de Bruno Jorge Hammes (Porto Alegre : Editora da Universidade, 1 984) e Guia bdsico de direitos autorais, de Henrique Gandelman (Rio de Janeiro: Globo, 1 982) , alem de uma Consolidaftio das leis

sabre direitos autorais publicada em 1 976 e d e urn C6digo de proprie­

dade industrial publicado provavelmente em 1 972, ambos descober­tos em urn sebo da Rua da Carioca56•

Uma parte dos dados obtidos atraves dessa peregrinacsao, jun­tamente com uma parte dos dados obtidos acerca do direito autoral por meio do material de imprensa, foi de fato submetida a uma

16 Nos anos de 1 990 essa legisla�ao foi atualizada, com a promulga�ao do novo Cedi­go de Propriedade Industrial (Lei 9.279, de 1 4 de maio de 1 996) e da nova Lei do Direito Auroral (Lei 9.6 1 0 , de 19 de fevereiro de 1 998) .

'i 4

!NTRODuc;:Ao

primeira sistematizacsao enquanto ainda transcorria o trabalho de coleta de dados, devido a necessidade de elaboracsao de urn primei­ro relatorio de pesquisa a entidade que a financiava. Por outro !ado, ao encerrar-se essa primeira fase do trabalho e para efeito de elabo­

racsao de Uffi segundo reJatorio, todos OS dados obtidos atraves do material de imprensa acerca das carreiras discograficas de Fagner e Belchior na decada de 1 970 foram sistematizados, ensaiando-se tambem desde entao uma analise do conteudo das imagens publi­cas desses artistas nesse perfodo. Assim e que, ao iniciar-se em mar­cso de 1 986 o trabalho de planejamento das entrevistas que viriam a constituir a segunda fase da pesquisa, partiu-se do pressuposto de que a questao das relacsoes de producsao no campo fonografico po­deria ser totalmente elucidada a partir dos dados j a obtidos, en­quanta, por outro lado, os dados obtidos acerca das carreiras disco­graficas e das imagens publicas dos artistas ja permitiam de qual­quer maneira escolher pessoas-chave com quem se poderia conversar a respeito de quest6es ainda nao totalmente passfveis de elucidacsao a partir deles mesmos, tais como a questao da natureza dos mecanismos de producsao e divulgacsao das imagens publicas dos artistas, por exemplo, que era sem duvida mais importante do que a caracterizacsao ja feita dos conteudos de tais imagens - ou, por outro !ado, a questao da importancia causal de certas oposicsoes conceituais identificadas quando da analise de tais conteudos na determinacsao de sua propria configuracsao, questao esta cuja elu­cidacsao poderia ser tambem uti! a propria analise das concepcsoes acerca da natureza do trabalho artfstico que deveria acompanhar a analise das relacsoes de producsao. Da mesma forma, partiu-se do pressuposto de que, nas entrevistas a serem realizadas com as pes­soas escolhidas a partir das historias j a reconstrufdas das carreiras discograficas de Fagner e Belchior, seria possfvel obter tambem novos dados acerca do relacionamento existente entre a industria fonografica e a MPB nos anos de 1 970, muito embora os dados ob­tidos a esse respeito por meio do material de imprensa nao tivessem sido sistematizados ate entao.

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! N i lUSTRIA FONOC;Rt\FICA: UM ESTUIJO ,\NTROI'OLC)GICO

Com base em tais pressupostos, foram planejadas entao 1 8 en­trevistas a serem feitas em Sao Paulo e no Rio de Janeiro, das quais, por motivos diversos e alheios a minha vontade, apenas 10 acabaram se concretizando. Foram, portanto, entrevistados efetivamente o compositor e interprete Marcus Vinfcius (produtor do primeiro LP da carreira de Belchior) , Mazola (produtor dos tres LPs seguintes da carreira desse artista) , o compositor Roberto Menescal (diretor ar­tfstico da Philips-Phonogram quando da grava�ao por essa em pre­sa do primeiro LP da carreira de Fagner e do segundo de Belchior) , o compositor Ronaldo Boscoli (urn dos primeiros contatos artfsticos de Fagner no Rio e seu principal divulgador nas paginas da revista Amiga nos anos de 1 970) , Carlos Alberto Sion (produtor do segun­do e do terceiro LPs da carreira de Fagner) , Ana Lucia Novaes (que trabalhava no departamento de imprensa da Philips-Phonogram quando do lan<samento por essa empresa do segundo LP da carrei­ra de Belchior) , Marinho (que trabalhava nesse departamento na WEA quando do lan�amento por essa gravadora dos tres posteriores LPs desse artista) , Werter Bruner (que trabalhava no mesmo setor na CBS durante o perfodo de lan<samento de alguns dos LPs de Fagner por essa gravadora nos anos de 1 970) e o j ornalista e crftico musical Dirceu Soares (que cobriu para a Folha de S. Paulo alguns acontecimentos das carreiras de Fagner e Belchior extremamente importantes para a configura�ao da imagem publica desses artistas naquele momenta) , alem do proprio Belchior - que, embora sen­do uma das principais estre las dos acontecimentos pesquisados, teve a extrema delicadeza de dedicar-me algumas horas de seu cur­to tempo e de discutir comigo muitas das questoes mais interessan­tes deste trabalho.

A realiza�ao da entrevista com Belchior, no dia 22 de outubro de 1 986 , marcou o termino definitivo do trabalho de coleta de dados - que, desde o envio do terceiro relatorio a Fapesp, em agosto, j a vinha sendo na verdade relegado a urn segundo plano em beneffcio do trabalho de leitura da bibliografia e de sistemati­za�ao e analise dos dados que seriam utilizados na elabora�ao do

56

INTRODU<;Ao

primeiro capitulo da disserta�ao de acordo com o esquema que fora idealizado naquela ocasiao. De fato, os tres capftulos que se se­guem, bern como a introdu�ao e as conclus6es apresentadas, cons­tituem a concretiza�ao desse mesmo esquema atraves de urn exten­so trabalho de leitura bibliografica e analise de dados empiricos que se prolongou por todo o ano seguinte, ocupando ainda alguns dos primeiros meses de 1 988. Uma primeira versao do capitulo 1 chegou a ser apresentada a Fapesp como parte do relatorio final enviado aquela institui�ao em fevereiro de 1 987, enquanto OS demais foram elaborados posteriormente com apoio de uma Bolsa de Incentivo Academico concedida pela propria Unicamp.

Assim e que, seguindo o esquema adotado, o primeiro capitu­lo contem uma especie de panorama historico da situa�ao da in­dustria do disco no Brasil na decada de 1 970, a partir do qual se buscam elucidar as influencias exercidas sobre o seu modo de atua­�ao pelas diversas conjunturas polfticas e economicas vividas pelo pais naqueles anos, destacando-se sobretudo o modo como se re­lacionaram a industria do disco e a MPB em diferentes circunstan­cias. Para a elabora�ao desse capitulo primeiramente foram lidos alguns livros a respeito da situa�ao economica e polftica do Brasil na decada de 1 970, os quais constam da bibliografia apresentada ao final deste trabalho. Em seguida, foram sistematizados os dados contidos no material de imprensa relativo a industria fonografica e a MPB, os quais foram finalmente analisados em conjunto com alguns dos d ados acerca das carreiras discograficas de Fagner e Belchior que j a tinham sido si stematizados e com novos dados obtidos a partir das entrevistas realizadas.

0 segundo capitulo, por seu !ado, con tern, numa primeira par­te, uma descri�ao analftica do processo tecnico e social de produ<sao de discos, que se aprofunda na analise das rela�6es sociais de pro­du�ao vigentes entre os diferentes tipos de trabalhadores artisticos e as gravadoras, e que abarca as pr6prias concep�6es acerca da na­tureza do trabalho artfstico que estao subjacentes ao direito autoral e que justificam portanto a especificidade de tais rela�6es frente a

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

rela�ao comum de capital e trabalho. Para a elabora�ao dessa pri­meira parte do segundo capitulo foram utilizados dados obtidos atraves da j a citada serie de visitas feitas a sindicatos, associa�oes, gravadoras e livrarias, os quais foram analisados com base em uma

pequena bibliografia referente as rela�oes de produ�ao capitalistas, sendo que para a analise das concep�oes serviu tambem uma parte da bibliografia discutida na primeira parte desta introdu�ao. Na segunda parte do capitulo 2 , por outro lado, encontra-se uma re­constitui�ao das transforma�oes havidas na area do direito autoral musical no Brasil nos anos de 1 970, atraves da qual se busca evi­denciar o papel assumido por diferentes grupos de titulares de tais direitos na determina�ao dos rumos de tais transforma�oes - sen­do utilizados para isso outros dados obtidos naquelas mesmas vi­sitas, bern como inumeros dados relativos ao direito auroral obtidos atraves do material de imprensa.

Finalmente, no terceiro capitulo, amplia-se a analise das con­cep�oes vigentes no campo artistico-fonografico, incorporando-se a ela os dados obtidos a partir do d iscurso dos artistas, produtores, crfticos e responsaveis pelo setor de imprensa das gravadoras que foram entrevistados, ao mesmo tempo em que se apresenta uma analise do conteudo das imagens publicas de Fagm�r e Belchior na qual se evidencia a presen�a das mesmas concep�oes como funda­mento de uma aprecia�ao diferenciada desses artistas por parte da crftica, sendo que para a elabora�ao dessa segunda parte do capi­tulo foram utilizados dados contidos no material de imprensa re­lativo as carreiras discograficas de Fagner e Belchior e nos releases

produzidos por gravadoras para o lan�amento de alguns de seus discos. Cabe registrar, contudo, que a questao da natureza dos me­canismos concretos de produ�ao e divulga�ao da imagem de artis­tas, que deveria ser urn dos temas desse ultimo capitulo, nao foi abordada dada a insuficiencia dos dados obtidos a respeito atraves das entrevistas - e que, por outro lado, o grande volume de mate­rial obtido acerca das carreiras discograficas de Fagner e Belchior levou a que se fizesse uma sele�ao na qual foi relegado a urn segun-

J NTROlJ UC,:Ao

do plano o material de radio e televisao, bern como aquele copiado

da revista Amiga .

Cabe tambem registrar aqui que a primeira parte desta intro­

duc;ao constitui o aprofundamento de uma discussao te6rica que

ja fora feita no projeto de pesquisa, tendo sido necessaria para sua

elaborac;ao ampliar consideravelmente o numero de obras pesqui­

sadas, o que implicou a dedicac;ao de aproximadamente quatro

meses de trabalho a leitura e a analise de uma extensa bibliografia,

a qual e citada ao final desta publicac;ao.

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I

1

B RASIL, ANOS D E 1 9 70 : A I N D U STRI A

D O D I S C O E A M U S I CA P O PU LA R

Para o Brasil , em termos economicos e polfticos, talvez seja correto dizer que os anos de 1 970 tiveram infcio em 1 968. Foi nesse ano que se deu a inftexao para cima da economia brasileira, 9-ue vinha atravessando urn momento depressivo desde os primeiros anos da decada de 1 9601 • E foi nesse ano tambem que se editou o Ato Institucional n2 5, pondo-se fim a urn curto perfodo de libera­liza�;ao do regime politico instalado em 1 964, durante o qual se ti­nham multiplicado as manifesta�;6es de oposi�;ao a esse regime2•

Por ambas as raz6es, 1 968 constitui tambem urn ponto de re­ferencia para as hist6rias interligadas da industria fonografica do Brasil e da musica popular brasileira na decada de 1 970. Acompa­nhando o crescimento acelerado do mercado de bens de consumo da classe media- ocorrido durante os anos do chamado milagre brasileiro, que se iniciava entao -, a industria do disco cresceria a uma taxa media de 1 5% ao ano durante a decada de 1 970, mesmo enfrentando por duas vezes o problema da escassez de materia­prima, por ocasiao dos dois choques nos pre�;os internacionais do petr6leo. Par outro !ado, o contexto de repressao polftica vivido pelo

1 P. Singer, "Evolu�ao da economia brasileira - 1 9 55- 1 975", Estudos Cebrap, n• 1 7, jul . -ago.-set. 1 976, p. 74.

2 M. H. Moreira Alves, Estado e oposifiiO no Brasil de 1 964 a 1 984. Petr6polis: Vozes, 1 984, p. 1 35.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

pafs a partir da edic;;ao do AI-5 - contexto esse que se prolongou ate pelo menos meados da decada de 1 970, quando se iniciaram as idas

e vindas da distensao geiseliana - impediu que a expansao do mer­cado de discos ocorresse em beneffcio imediato da chamada musica popular brasileira e ao mesmo tempo criou as condic;;oes para que as grandes empresas multinacionais do setor ou suas representantes estabelecidas no pals respondessem a esse mercado em expansao com urn numero crescente de lanc;;amentos estrangeiros.

De fato, o predomfnio da musica estrangeira nas programac;;oes das emissoras de radio e nos suplementos das gravadoras foi regis­trado pela imprensa ate os anos finais da decada de 1 970, quando nao era mais possfvel explica-lo em func;;ao de algum provavel efei­to devastador da repressao politica sobre a criatividade musical brasileira. Isso mostra que estava certa a imprensa ao apontar des­de o infcio para as razoes economicas desse predomfnio : sendo subsidiarias de grandes grupos multinacionais ou representantes de etiquetas estrangeiras no pals, para as grandes gravadoras bra­sileiras era muito mais facil lanc;;ar urn disco j a gravado no exterior do que arcar com as despesas de gravac;;ao de urn disco no Brasil. E isso nao s6 porque os discos estrangeiros j a vinham com seus custos de gravac;;ao cobertos pelas vendas realizadas nos n;ercados de ori­gem - 0 que fazia diminuir 0 numero de unidades que precisavam ser vendidas para a realizac;;ao do lucro, fazendo conseqiientemen­te diminuir o risco proprio do investimento. A facilidade encontra­da pelas gran des gravadoras decorria tambem de que, em bora sem­pre tenha havido forte taxac;;ao sobre a importac;;ao de gravac;;oes,

sempre foi igualmente posslvel faze-las entrar no pafs como se fos­sem "amostras sem valor comercial" - pratica essa que, por outro !ado, embora sempre tenha sido proibida por lei, sempre foi tam­bern tolerada pelas autoridades competentes3•

Como ilustrac;;ao das dimensoes que o problema da musica estrangeira parecia assumir nos anos iniciais da decada de 1 970,

1 Folha de S. Paulo, 6 . 10. 1 974; Banas, 1 0.3 . 1 975.

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BRASIL, ANOS D E 1 970

servem os levantamentos semestrais realizados pelo fornal do Bra­

sil com base nos dados publicados semanalmente na Bolsa do Dis­co do Caderno B, os quais se referiam aos compactos mais vendidos

no Rio de Janeiro . Segundo esses levantamentos, no primeiro se­mestre de 1 97 1 , a musica nacional ocupava 57,5% desse chamado mercado de sucesso, mas logo no semestre seguinte viria a ocupar somente 37% desse mesmo mercado, caindo para apenas 16% no primeiro semestre de 1 972 e tendo uma irris6ria recuperac;;ao no segundo semestre desse ano, quando atingiu 17,5 pontos percen­tuais. Esses levantamentos trazem tambem alguns dados qualita­tivos interessantes. Por exemplo, os cinco compactos mais vendidos no Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 1 972, teriam sido, pela ordem: Mammy blue, Rick Shaine, Fermata ; Soley soley, Midle of the Road, RCA; Un gato nel blu , Roberto Carlos, CBS; Help get me

some help, Tony Ronald, CBS; e Got to be there, Michael Jackson, Tapecar. J a no segundo semestre desse a no, os cinco rna is vendidos teriam sido outros: Rock and roll lullaby, B. J. Thomas, Top Tape; Everything I own, Bread, Continental; Alone again, Gilbert O'Sullivan, Odeon; Without you, Nilsson, RCA; e Concerto para um verrio, Alain Patrick, Top Tape4•

Esses dados mostram o carater extremamente efemero dos su­cessos, o que nao deixa de estar relacionado ao grande numero de lanc;;amentos das gravadoras e ao crescimento acelerado do merca­do consumidor, ao qual se estavam incorporando faixas da popu­lac;;ao mais amplas do que o publico tradicional de determinados astros da musica brasileira ou internacional - faixas essas que, inclusive, manifestavam baixo poder aquisitivo ao adotar o habito de comprar compactos ao inves de LPs. Os dados mostram tam bern que a lideranc;;a desse tipo de mercado estava na verdade com a musica norte-americana, o que se explica dada a origem da maioria das grancles empresas multinacionais estabelecidas no pals, bern como da maioria das etiquetas estrangeiras aqui representadas nao

4 ]ornal do Brasil, ! 5.6 . 1 972 e 1 7. 1 2 . 1 972 .

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! NllUSTRIA FONOC;RAFICA: UM ESTU DO ANTROPOL(JG I C O

s6 por essas grandes empresas multinacionais mas tambem por pequenas e medias empresas brasileiras. Estas ultimas, alias, esta­riam sendo, uma a uma, as beneficiarias ocasionais desses sucessos efemeros, conforme analise do fornal do Brasil feita com base em dados mais completos, que indicavam estabilidade ou mesmo que­cia nos Indices de participas;ao das grandes em presas nesse tipo de mercado entre 1 97 1 e 1 9725•

Se forem verdadeiros e estiverem corretamente analisados, es­ses dados serao complementares em relas;ao a outros que foram divulgados posteriormente e que, a primeira vista, a eles se opu­nham. De fato, em 1 976, com base em estatfsticas fornecidas pela Associas;ao Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) ao fornal da

Tarde, pareciam ter sido menores as dimensoes do problema do predomfnio da musica estrangeira no pafs, uma vez que esses nu­meros negavam j ustamente a participas;ao majoritaria da musica estrangeira nas vendas, embora confirmassem sua participas;ao des­proporcional nos lans;amentos das gravadoras.

Os dados da ABPD tambem diziam respeito a primeira metade da decada de 1 970 e se referiam ao mercado global, isto e, a produ­s;ao e ao consumo de unidades fonograficas nao diferenciadas em compactos, LPs ou fitas cassete. Segundo esses dados, a participas;ao da musica estrangeira nas vendas do setor teria sido, em media, de 33% entre 1 972 e 1 975, enquanto sua participas;ao no total de lans;a­mentos fe itos no mesmo perfodo teria sido desproporcionalmente maior, sendo de 47% em media6• Ainda assim, o numero de lans;a­mentos estrangeiros admitido pela industria nao chegava a contra­riar a lei que estipulava em 50% a participas;ao maxima da musica estrangeira nos suplementos das gravadoras. Mas isso ocorria por­que, do ponto de vista da industria, lans;amento estrangeiro era considerado somente aquele gravado no exterior, adquirido sob a forma de fita master (que e 0 produto final do estudio) e transfor-

Ibidem.

" Jamal da Tarde, 27.8 . 1 976.

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BRASIL, ANOS DE 1 970

mado em discos ou fitas cassete em fabricas instaladas no pais. E era justamente esse tipo de lans;amento aquele que representava o menor custo para a industria, sendo por isso compreensfvel que ocorresse em maior propors;ao do que seria esperado a partir da admitida baixa participas;ao da musica estrangeira nas vendas do setor - uma vez que, em razao dos custos reduzidos, reduzia-se tambem o numero de unidades vendidas que bastavam para a rea­lizas;ao do lucro industrial.

Ocorria, entretanto, que uma parte do predomfnio da musica estrangeira era decorrente de lans;amentos que aos o lhos da indus­tria eram nacionais, dado que eram gravados no Brasil . Entre eles estavam, inclusive, discos de artistas brasileiros que nao apenas compunham e interpretavam em ingles, mas tambem adotavam pseudonimos estrangeiros - como era o caso do conjunto Light Reflections, da Copacabana, que aparecia em 7Q Iugar no levanta­mento do JB relativo ao segundo semestre de 1 972, com o compac­ta Tell me once again ; ou de Terry Winter, da Beverly, que aparecia em SQ lugar no mesmo levantamento, com o compacto Summer

holiday7• Tais discos tinham sido considerados estrangeiros pelo Jornal do Brasil no momento de fazer OS calculos segundo OS quais se podia concluir pela perda de terreno da musica brasileira no mercado de sucesso. Entretanto, o criterio restrito utilizado pela ABPD na definis;ao do carater nacional ou estrangeiro dos di'scos nao foi evidenciado pelo Jornal da Tarde no momento de divulgar os dados com base nos quais se podia concluir pela maior partici­pas;ao dos discos nacionais nas vendas do setor, tendo sido aceita sem questionamentos a conclusao de que a maior oferta de musica estrangeira contrariara a maior demanda por musica brasileira du­rante a primeira metade da decada, sem que isso causasse prejufzo a industria em virtude dos ja aludidos baixos custos de produs;ao do disco estrangeiro.

7 Jornal do Brasil, 1 7. 12 . 1972.

65

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INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

Ora, OS discos de musica estrangeira gravados no Brasil nao partilhavam desses baixos custos e seu lan�amento s6 tinha razao de ser no contexto de alguma demanda por musica estrangeira que justificasse financeiramente o investimento. Isso significa que, em­

bora em termos globais fosse talvez correto afirmar que a maior oferta de lan�amentos estrangeiros contrariava a maior demanda por musica nacional, teria sido possfvel concluir que essa contra­di�ao nao era tao grande assim e que ao menos em certos segmen­tos do mercado a expansao do consumo se clava em beneffcio da musica estrangeira.

Penso que urn desses segmentos era j ustamente aquele a que fiz referencia acima, ao analisar os dados do JB sobre os compactos mais vendidos - e e por isso que os considero complementares em rela�ao aos dados da ABPD, divulgados posteriormente no ]ornal da Tarde. U m consumo maior de musica estrangeira teria ocorrido, assim, nos anos iniciais da decada de 1 970, entre aqueles consumi­dores recem-agregad os ao mercado brasileiro de discos e que nao eram exatamente os consumidores tfpicos desse mercado, dado seu baixo poder aquisitivo. Os efemeros sucessos estrangeiros, que le­varam muitas vezes algumas pequenas e medias empresas aos pri­meiros lugares nas paradas, seriam assim os passC!s pioneiros na conquista de uma franja do mercado brasileiro de discos que nao representava ainda a maioria dos consumidores - e e por isso que, no computo geral da ABPD, a musica brasileira podia ate levar a melhor, num mercado que ainda em 1 976 consumia principalmen­te LPsH e era monopolizado em 88% pelas sete maiores gravadoras em opera�ao no pafs9•

A composi�ao do mercado de discos sera analisada com mais cuidado logo adiante, quando sera vista a importancia que a con­quista daqueles novos consumidores tinha para a consolida�ao desse mercado no Brasil , dado que, conforme veremos a seguir, os

' Jornal da Tarde, 27.8. 1 976. '' Virao, 1 3 . 9 . 1 976.

66

BRASIL, ANOS llE l 'l71J

adeptos da musica es trangeira eram em sua maioria jovens, cujo baixo poder aquisitivo nao lhes permitira ate aquele momento se

tornarem os grandes compradores de discos que ja eram en tao nos grandes mercados internacionais - e isso apesar do grande avan­�o que provavelmente fora obtido nesse sentido na decada anterior, por intermedio da chamada Jovern Guarda. Por ora, e preciso re­gistrar que continuou havendo demanda por musica estrangeira ate os anos finais da decada de 1 970 , suficiente para j ustificar que novas empresas estrangeiras viessern a se estabelecer no pafs, a par­tir de 1 976, para especializar-se inicialmente em lan�amentos in­ternacionais - o que nao deixava de ser urn sinal de que a parti ­cipa�ao dos jovens no mercado brasileiro de discos estava crescendo. A WEA, por exemplo, que se instalou oficialmente em julho de 1 976,

limitou-se a reproduzir suas matrizes estrangeiras ate o final do ano, conseguindo apesar disso conquistar 2 ,8% do mercado10 • E, em 1 977, ernbora tivesse lan�ado apenas 5 LPs nacionais, previa-se a amplia�ao de sua participa�ao para 5% das vendas anuais do setor, ao mesmo tempo em que o presidente da companhia dizia esperar para o ano seguinte a conquista de 8% do mercado, lan�ando apenas mais 12 LPs de seu reduzido grupo de artistas brasileiros 1 1 - em­bora afirmasse, por outro !ado, que 0 mercado para a musica bra­si leira representava 60% do mercado global de discos1 2 e que o su­cesso de vendas de urn artista nacional, quando ocorria, era sempre muito rnaior do que o sucesso de qualquer lan�amento internacio­nal, dado que o artista brasileiro contava com uma faixa mais "pro­funda" de publico 13 •

Ja em 1 978, a Capitol Records, empresa norte-americana que tinha como uma de suas principais acionistas a EMI e que, junta­

mente com ela, era representada no Brasil pela Odeon, desl igava-se

1 11 Jornal do Brasil, 1 9 . 1 1 . 1 977. 1 1 Ibidem.

1 1 Ibidem.

1 3 Folha de S. Paulo, 2 5. 1 2 . 1 977.

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I N DUSTRIA FON OCRA FI C :A : UM ESTU DO ANTROPOLCJC !CO

de ambas apenas para efeito de rnercado e passava a lan<5ar seus pr6prios suplementos no pals. 0 obj etivo da Capitol era ampliar seu nurnero de lan<samentos no rnercado brasileiro, aproveitando

o grande arquivo de velhas matrizes internacionais que possufa - o que nao seria possfvel atraves da Odeon, de cujo suplernento mensa! ela s6 participava com tres lan<samentos - nao estando sequer em seus pianos produzir qualquer tipo de grava<sao nacionaJ I 4 • No ano segu inte seria a vez da gravadora alema ECM entrar no mercado brasileiro com uma sele<sao de 1 2 LPs estrangeiros, que come<saram a ser lan<sados pela WEA atraves de urn contra to de representa<sao15• Ao mesmo tempo, a Ariola, tambem alema, tentava percorrer o mesmo carninho que a WEA percorrera tres anos antes, estabele­cendo escrit6rio no Brasil, formando urn reduzido cast de artistas nacionais e prometendo para 1 980 o lan<samento de seu primeiro LP brasileiro, ao !ado de 42 LPs internacionais16 •

Assim, no que diz respeito ao problema da irnporta<sao de gra­va<s6es, talvez seja correto afirmar que nao bastaram os fracos ven­tos da distensao polftica para que se produzisse alguma modifica­<sao na pratica tradicional das gravadoras. Ao contrario, parece que a estas a distensao chegou sob a forma de uma maior liberdade de expressao de seus interesses economicos, multiplicando-se de fato gradativamente 0 numero de declara<s6es sinceras a imprensa, por parte de funcionarios altamente qualificados, que assumiam ago­ra publicamente as propor<soes ilegais que os lan<samentos estran­geiros ocupavam nos suplementos de suas empresas. E essas pr6-prias propor<56es, al ias , talvez nunca tenham sido tao grandes quanta em 1 978 - ano que se encerrou justamente com a queda do AI-5, mas que transcorreu todo ele ao som das discotecas trazi­das pelo filme de John Travolta e reproduzidas em versao brasileira

14 }ornal do Brasil (Revista de Domi ngo) , 1 6.7 . 1 978 . " Jamal da Tarde, 23 . 8 . 1 979 ; Folha de S. Paulo , 2 3 . R . 1 979; 0 Estado de S. Paulo,

25 .8 . 1 979. 1 " Jornal da Repziblica , 29. 1 2 . 1 979.

68

BRASIL, ANOS DE 1 970

pela gravadora WEA, com as Freneticas, e pela Rede Globo de Televisao com "Dancing days" . Nesse ano, a propria ABPD admi­tiria uma propor<sao ilegal de lan<samentos estrangeiros, os quais teriam alcan<5ado a marca de 53% dos lan<5amentos do setor no mes de abril - embora, no mesmo perfodo, as vendas de discos inter­nacionais tivessem representado, segundo ela, apenas 37% do total de discos vendidos 1 7 •

Por outro lado, nao ha como deixar de relacionar com ventos ainda que fracos de distensao polftica as grandes vendagens obtidas por alguns artistas da chamada musica popular brasileira na se­gunda metade da decada de 1 970 18 - atraves das quais, conforme veremos a seguir, parece ter-se consolidado o mercado de discos no Brasil, dada a grande aceita<sao da MPB entre j ovens, em rela<sao aos quais ela p6dia representar uma alternativa de consumo mais permanente do que aquela que estava sendo representada pelos efemeros sucessos internacionais . De fato , a inda que a musica nacional possa ter resistido bravamente a concorrencia estrangeira, mantendo a preferencia da maioria dos compradores de disco durante todo 0 tempo, a chamada musica popular brasileira, antes mesmo de chegar ao disco, enfrentava urn obstaculo muito maior do que essa concorrencia, nos anos iniciais da decada de 1 970. Esse obstaculo era justamente o contexto de repressao polftica em que estava mergulhado o pafs e que era responsavel nao apenas pelo afastamento temporario dos grandes nomes da MPB surgidos em tempos anteriores, mas tambem pela dificuldade de acesso ao disco enfrentada pelos novos compositores-interpretes surg!dos naquele momenta. Embora o fato de que estava havendo urn cres­cimento acelerado do mercado permitisse as gravadoras investir mais e correr maiores riscos, parece que a conjuntura polftica im­punha riscos pr6prios aos lan<samentos de musica popular brasi­leira, nao apenas porque a censura podia inutilizar toda a edi<5ao

1 7 Isto E, 2.8. 1 978.

" }ornal do Brasil (Revista de Domingo), 27. 1 . 1 980.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

de urn provavel sucesso de vendas, proibindo a divulga<;ao de uma faixa atraves dos meios de comunica<;ao, por exemplo, mas tam bern porque o clima de repressao foi tornando inviaveis os chamados festivais de MPB - que, organizados pelas emissoras de televisao,

vinham sendo para a industria fonografica uma especie de labora­t6rio onde se reduziam as margens de erro dos novos lan<;amentos nesse campo19•

II

Tambem nesse sentido 1 968 pode funcionar como urn ponto de referencia para a compreensao do contexto em que se inseriam os artistas que estavam surgindo para a musica popular brasileira no infcio dos anos de 1 970. E que datam de 1 968 OS ultimos festivais organizados pela TV Record de Sao Paulo e pela TV Globo do Rio de Janeiro dos quais participaram os grandes names surgidos na decada de 1 960: entre os cinco primeiros classificados no IV Festival da MPB estavam, por exemplo, Edu Lobo, Chico Buarque de Ho­landa e Caetano Veloso, enquanto o III Festival Internacional da Can<;ao (FIC) foi vencido por Chico Buarque de Ijolanda e Tom Jobim20. Alem disso, se 1 967 marca o auge da renova<;ao no cenario musical brasileiro via festivais - com as apresenta<;5es de "Domin­go no parque", por Gilberta Gil, e "Alegria, alegria" , por Caetano Veloso, no III Festival da MPB da TV Record, e de "Travessia", por Milton Nascimento, no I I FIC da TV Globo2 1 - a verdade e que 1 968 representa para OS festivais 0 apice da efervescencia polftica entao generalizada na sociedade - com a interpreta<;ao de "Pra nao dizer que nao fa lei de flo res" , por Geraldo Vandre, acompa-

19 A. M. Bahiana, "A ' l inha evolutiva' prossegue - A musica dos universitarios", in Anos 1 970: musica popular. Rio d e Janeiro: Europa, 1 980, p. 26.

211 Jornal do Brasil, 9.5 . 1 97 1 . 2 1 Ibidem.

70

BRASIL, ANOS DE 1 970

nhado de urn coro de cern mil vozes, formado por toda a plateia da final nacional do III FIC. Assim, o ano de 1 968 ficou sendo tambem uma especie de referencial simb6lico de tudo de born que a decada de 1 960 trouxera para a musica popular brasileira .

De fato, a partir do ano seguinte, os grandes names estariam

ausentes dos certames. Muitos deles ausentaram-se inclusive do pais. A Record realizou o V Festival da MPB nesse ano de 1 969, mas nele

ja se refletia urn clima repressivo : foram proibidas as guitarras ele­tricas, sob o slogan "Queremos ver Os Beatles pelas costas"22 - o que, levado a serio, teria representado urn retrocesso a posturas mu­s icais pre-bossa-novistas, isto e, teria representado a nega�ao da possibilidade de serem feitas sfnteses criativas entre as diversas in­

forma<;5es musicais, inclusive as estrangeiras. Sintomaticamente, o V Festival da MPB foi vencido por Paulinho da Viola, com uma can�ao intitulada "Sinal fechado", que fala do encontro casual en­tre duas pessoas que precisam adiar uma possivel conversa amiga para urn futuro indefinido.

Em 1 970 ja nao haveria mais festival da Record. 0 festival da Globo, contudo, resistiria ate 1 972 . Nesse ultimo ano, alias, para produzir o VII FIC, a emissora contratou Solano Ribeiro, que fora o produtor dos festivais da Record23 . E sua presen�a, bern como a forma�ao do primeiro corpo de jurados - que contava com a par­ticipa�ao de Julio Medaglia, Sergio Cabral, Cesar Camargo Maria­no e Decio Pignatari, entre outros -, parece ter dado a esse festival, inicialmente, urn pouco da credibilidade de que o FIC , segundo consta, sempre fora carente. Roberto Freire, que tambem fazia par­te do juri, chegou mesmo a dar urn depoimento em que reclamava a participa�ao dos grandes nomes da musica popular brasileira dos anos de 1 960 naquele festival : eles deveriam, na opiniao do jorna­lista e dramaturgo paulista, dar urn voto de confian�a as pessoas bem-intencionadas que estavam assumindo a responsabilidade pela

22 Ibidem. 23 Ultima Hora, 1 2 .6. 1 972; Jornal do Brasil, 1 6 .7. 1 972.

7 1

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I N D U STRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

produ<sao do evento e pela aprecia<sao das musicas concorrentes24. Falava-se tambem que aquela poderia ser a oportunidade para uma ja entao esperada renova<sao no cenario musical brasileiro, com o surgimento de novos compositores e interpretes25 . Contudo, ao inves do sucesso esperado, o VII FIC foi urn verdadeiro "desastre", con­forme o definiu na epoca 0 Estado de S. Paulo . E urn "desastre" muito grave, em que foi visto o desaparecimento da propria for­mula "festival "26.

Nao interessa aqui registrar as diversas denuncias que foram feitas contra os organizadores do VII FIC. Essas denuncias, e tam­bern as contradenuncias feitas por Walter Clark - que procurou criticar o produtor dos seis FICs anteriores, para com isso salva­guardar a imagem do setimo27 -, so devem ter contribufdo para desacreditar ainda mais os festivais da TV Globo. Mas, para a com­preensao da maneira pela qual a conjuntura polftica nacional tor­nava inviaveis disputas como essa, interessa registrar urn dos epi­sodios que contribufram para que o desastre do VII FIC fosse fatal: na noite da final nacional, o juri foi destitufdo pela propria TV Globo e em seu Iugar foi formado urn juri de representantes estran­geiros28. Segundo a dire<sao da emissora, o objetivo de sua atitude era garantir uma maior imparcialidade, alem de angariar simpatias no exterior. Extra-oficialmente, porem, a propria dire<sao da TV Globo divulgou outra explica<sao : o Servi<so Nacional de lnforma­<si3es (SNI) nao se simpatizava com Nara Leao, a presidenta do juri formado para aquela finaF9•

E clara que ambas as explica<si3es podem ter sido usadas para ocultar razoes inconfessaveis. Alguns dos jurados destitufdos, por

24 Correia da Manhii, 1 4.9 . 1 972.

25 Ultima Hora, 1 1 .9 . 1 972.

'" 0 Estado de S. Paulo, 5 . 1 0 . 1 972.

27 Veja , 4 . 1 0. 1 972; /ornal do Brasil, 1 8. 1 0. 1 972.

" fornal do Brasil, 1 . 1 0 . 1 972 ; Tribuna da lmprensa , 2 . 1 0 . 1 972 ; Folha de S. Paulo , 3 . 1 0 . 1 972 .

29 Veja, 1 1 . 1 0. 1 972.

72

BRASIL, ANOS DE 1 970

exemplo, chegaram a afirmar que a TV Globo nao queria a vitoria da musica "Cabe<sa", de Walter Franco - que terminaria sendo de fato eleita pelo juri destitufdo numa vota<sao simbolica30 -, porque estava interessada na vitoria da musica de Jorge Ben, que estava sen do defend ida por Maria Alcina, que era sua contratada exclusi­va - musica essa que terminaria de fa to vencendo a final nacional, por decisao do juri estrangeiro3 1 .

Nao importa aqui a verdade ou a falsidade das explica<soes apre­sentadas. Importa reter o significado da explica<sao extra-oficial da TV Globo. Mesmo que o SNI nao estivesse preocupado com a pre­sen<_;;a de Nara Leao no juri de urn festival, era de qualquer forma possfvel que ele estivesse, caso contrario essa explica<_;;ao seria total­mente inverossfmil, e nem sequer poderia ser utilizada pela TV Globo. Nesse sentido, verdadeira ou falsa, ela nao deixa de ser urn sinal do cl ima de repressao em que se davam os festivais pos-1968. No caso do VII FIC, alias, essa repressao chegou as raias da agressao ffsica, quando Roberto Freire foi impedido, por seguran<sas do fes­tival, de ler o manifesto que fora elaborado pelo j uri destitufdo32 -sendo tambem percebida pela imprensa a presen<_;;a de agentes do Departamento de Ordem Polftica e Social (Dops) infiltrados na entrevista coletiva de N ara Leao, na plateia, nos bastidores do fes­tival e no hotel onde se hospedavam as delega<_;;6es estrangeiras, alem da presen<_;;a ostensiva das polfcias Civil e Militar por todos os cantos33. A musica vencedora do ultimo FIC nao deixa de ser tam­bern representativa daquele momenta polftico: "Fio Maravilha". Quer dizer, tres anos mais tarde, os brasileiros ja estavam aprovei­tando o "Sinal fechado" para ligar o radio de seus automoveis novos e acompanhar os grandes lances do melhor futebol do mundo. 0 encontro dos dois amigos parecia continuar adiado para urn futuro cada vez mais indefinido.

30 Ibidem.

31 Folha de S. Paulo, 3 . 1 0 . 1 972.

·" Jamal do Brasil, 1 . 1 0. 1 972; Folha de S. Paulo, 3 . 1 0 . 1 972; Veja, 4.1 0 . 1 972.

33 0 Estado de S. Paulo, 5 . 1 0 . 1 972.

73

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INDUSTRIA HJNOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOG!CO

Em 1 972 encerrou-se tambem a promo�ao do Festival Univer­sitario da TVTupi do Rio de Janeiro, que se iniciara justamente em 1 968. Foi nesses festivais universitarios da TV Tupi que surgiram, entre 1 968 e 1 972, os compositores-interpretes que representariam,

aos olhos de uma parte da imprensa especializada, a continuidade da chamada "linha evolutiva" da musica popular brasileira34• Os festivais da Tupi do Rio foram, em certo sentido, o� herdeiros sim­bolicos dos festivais da Record de Sao Paulo, embora nunca tenham conseguido alcan�ar os mesmos indices de prestfgio antes alcan�a­dos por estes ultimos certames.

Na verdade, parece ter sido a propria utiliza�ao dos festivais da Record como ponto de referencia para uma compara�ao muitas vezes explfcita o que levou grande parte da imprensa especializada a considerar o festival, em si, uma formula desgastada. E que, entre 1 968 e 1 972, mesmo os festivais universitarios da Tupi nao revelaram nenhum grupo de artistas que, trabalhando juntos, tivessem dado infcio a algum novo movimento musical passfvel de ser descrito em suas caracterfsticas transformadoras, tal como acontecera antes com o Tropicalismo, que aparecera para a crftica do eixo Sao Paulo-Rio de Janeiro no festival da Record. Mas, dado que havia uma certa pressao da conjuntura polftica sobre a cria�ao artfstica, pressao essa que, como vimos, estava tornando, por outro lado, inviavel a pro­pria organiza�ao de festivais pela TV, sempre era possfvel atribuir o nao-aparecimento de novos movimentos nesses festivais aquela con juntura � o que fazia com que os novos nomes neles surgidos fossem eles proprios vistos com certa reserva pela crftica, embora essa reserva nunca tenha sido na verdade explicitada nesses termos . De fa to, por conseguirem destacar-se individualmente em festivais organizados sob tanta censura, parece-me que esses artistas foram vistos a priori como representantes de urn momento men or ou mais pobre da musica popular brasileira, antes mesmo que urn distan­ciamento historico em rela�ao a suas obras pudesse confirmar ou

·14 A. M. Bahiana, "A 'linha evolutiva' prossegue .. . " , p. 28.

74

B RAS I L , ANUS D E 1 9711

desmentir tal veredicto . Mesmo quando esse distanciamento se

tornou possfvel, alias, e independentemente de avalia�oes esteticas que nao cabe considerar aqui, parece-me que somente urn precon­ceito dessa natureza pode ter levado a que se tenha continuado a

considerar mais tarde a decada de 1 970 uma especie de idade media da MPB, que se teria seguido a uma determinada invasao de bar­baros fardados que fora suficiente para impedir a continuidade da chamada "linha evolutiva" . Afinal, tomando como exemplo a pen as os compositores-interpretes surgidos nos festivais universitarios da TV Tupi, veremos que entre eles estao alguns que acabariam mar­cando presen�a na musica popular brasileira: Ivan Lins, Luiz Gon­zaga Junior, Alceu Valen�a, Aldir Blanc e Belchior, por exemplo, estao entre eles .

Voltaremos a esse tema no capitulo 3 , quando discutiremos a inftuencia da conjuntura polftica sobre a imagem publica de alguns dos artistas dessa gera�ao. Por ora, basta fazer referencia a uma demonstra�ao concreta da perda de prestfgio dos festivais p6s-1 968 e de seu progressivo esvaziamento como canal de acesso de novos compositores-interpretes ao disco e a publicidade : em­bora o compositor-interprete Belchior tenha vencido o IV Festival Universitario no Rio, em 1 971 3', ele s6 conseguiu de fa to gravar o pri­

meiro LP de sua carreira em 1 974, em Sao Paulo, na Chantecle�6 -desaparecendo do noticiario assim que as notfcias e os comentarios a respeito do festival se encerraram e voltando a cena somente em 1 973, pouco antes de lan�ar o disco37. Ja Fagner, que ate meados de 1 97 1 ainda nao tinha chegado ao Rio, apresentou-se no setimo e ultimo FIC em 1 972, foi desclassificado3x, mas logo no ano seguinte lan�ou seu primeiro LP, Man era ji-ufru manera, atraves da Philips39• Desde 1 972, alias, Fagner ja frequentava assiduamente o noticiario,

35 Ultima Hora, 9.8 . ! 9 7 ! ; 0 Jamal, I 0.8. ! 9 7 ! . 16 Folha de S. Paulo, 23 . 4 . ! 974.

17 Idem, ! 4 .9. ! 973. 1' Jornal do Brasil, 28 .7 . 1 972 c ! 6 .9 . ! 972; Folha de S. Paulo, 2 ! .9. 1 972.

'" 0 Clabo, ! 9. 5 . ! 973.

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I N IJUSTEIA FONOC;Il.AFICA: UM ESTU DO ANTROPOL()G !CO

estando envolvido em inumeros acontecimentos artfsticos, entre os quais inclusive a grava<;;ao de dois compactos, urn pela RGE e outro pela Philips, e do Disco de Balsa de 0 Pasquim , pela Philips40. Na verdade, parece ter sido justamente seu contrato com a gravadora Philips o que levou Fagner a freqiientar tao assiduamente o noti­ciario, logo no primeiro ano de sua estada no Rio. Isso e obvio no que se refere as notfcias e aos comentarios divulgados a respeito dos discos citados. Mas isso se manifesta tambem atraves de urn detalhe mais suti l : em 1 972, Elis Regina, contratada da Philips, incluiu em seu show e em seu disco a musica "Mucuripe", de Fag­ner e Belchior, mas esse fato so serviu entao para dar publicidade ao nome de Fagner, unico entre os dois artistas que era tambem contratado da gravadora4 1 •

Ao que parece, as companhias d e disco assumiam cada vez mais a fun<;;ao de divulga<;;ao dos artistas de MPB, invertendo-se a rela<;;ao anteriormente existente entre o aparecimento e a grava<;;ao: ao inves de surgirem com urn trabalho novo, que despertasse a aten<;;ao do publico e que conseqiientemente interessasse as companhias, pa­rece que os novas artistas de MPB interessavam antes a essas com­panhias e elas e que faziam a apresenta<;;ao do trabalho desses ar­tistas ao publico. For<;;adas a prescindir da intermedia<;;ao da televisao na sele<;;ao artfstica, dadas as dificuldades enfrentadas pe­las emissoras na organiza<;;ao dos novos festivais e dada a propria perda de prestfgio desses certames entre a maior parte da crftica especializada, parece que as gravadoras nao apenas passaram a recorrer com mais freqiiencia a urn certo grupo informal de sele­cionadores proprios - do qual faziam parte, inclusive, muitos dos artistas que tinham sido antes revelados pelos proprios festivais e que agora faziam parte de seus casts, podendo ser vistas como pa­drinhos em potencial dos novas artistas -, mas tambem tiveram que recorrer a formas alternativas de apresenta<;;ao desses novos

"' O G/obo, 1 0 .6. 1 972 ; Jornal do Brasil, 1 . 1 1 . 1 972.

4 1 Revista Am1ga, 22 .2 . 1 972 e 29 .2 . 1 972 .

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BRASIL, ANOS DE ! 970

artistas ao publico, talvez porque, por outro !ado, o publico tradi­cional da MPB tambem nao pudesse mais ser identificado com o publico da televisao. Urn born exemplo de forma a lternativa de comunica<;;ao com o publico foi justamente o compacta promocio­nal que a Philips distribuiu as emissoras de radio por ocasiao do lan<;;amento do primeiro LP de Fagner, con tendo depoimentos gra­vados de alguns dos ja entao grandes names da MPB, que apresen­tavam o novo artista para o publico especffico ao qual se destinava seu trabalho42• Outro exemplo foi a Phono-73.

A Phono-73 foi uma promo<;;ao da gravadora Philips-Phono­gram, que reuniu seus artistas contratados em quatro espetaculos no Anhembi, em Sao Paulo, justamente no ano seguinte ao do en­cerramento da promo<;;ao dos dois ultimos festivais de televisao43• Sem transmissat> direta ou em videoteipe por esse vefculo, a Phono-73 parece ter sido na verdade uma tentativa da industria fonografi­ca de organizar seu proprio festival. E a gravadora conseguiu de fato criar em torno do evento o mesmo tipo de expectativa antes existente em torno dos festivais da televisao: apesar da participa<;;ao exclusiva dos artistas contratados da Philips-Phonogram, acredi­tou-se que a Phono-73 pudesse vir a ser o estopim para a explosao de urn novo movimento musical44 - que teria sido, na verdade, o primeiro produzido diretamente pela industria fonografica no Bra­sil no campo restrito da chamada MPB.

A Phono-73 foi realmente urn acontecimento importante, tan­to pelo prestfgio dos contratados da gravadora - entre os quais estavam, por exemplo, Chico Buarque, Nara Leao, Caetano Vela­so, Gilberta Gil , Gal Costa e Maria Bethania - quanta pela ousa­dia de realizar quatro grandes espetaculos de musica popular b ra­sileira naquele momenta polftico - em que nao deixava de ser

41 0 Globo, 1 9.5. 1 973; /ornal do Brasil, 3 .6. 1 973;/ornal da Tarde, 1 5.6. 1 973.

43 Jornal da Tarde, 23.4. 1 973; Folha de S. Paulo, 25.4. 1 973; /ornal do Brasil, 6 .5 . 1 973; Jornal da Tarde, 14 .5 . 1 973; /ornal do Brasil, 1 5.5 . 1 973 e 19 .5 . 1 973.

44 Visao, 1 1 .6 . 1 973.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

esperado, por exemplo, o corte havido no som do microfone de Chico Buarque quando ele iniciava a interpreta�ao da musica "Ca­lice", feita em parceria com Gilberto Gil45 • No entanto, a Phono-73 nao correspondeu as expectativas criadas em torno de si no que dizia respeito a eclosao de urn novo movimento musical46 - e isso apesar da participa�ao de varios compositores-interpretes da nova gera�ao, como Jorge Mautner, Raul Seixas, Sergio Sampaio, Jards Macale e Luiz Melodia, alem de Fagner47• Esse fato levou alguns artistas e crfticos a se pronunciarem publicamente a respeito do que lhes parecia ser urn momento de estagna�ao na evolu�ao da MPB. Nessas declara�oes, contudo, fica evidente que essa analise de conjuntura decorria do fa to de que se tomava como padrao de evo­lu�ao a eclosao sucessiva de movimentos musicais que vinha mar­cando a hist6ria da MPB desde a Bossa Nova. Francis Hime, por exemplo, declarou a imprensa, poucos dias depois da realiza�ao da Phono-73 :

Nao acho que esteja acontecendo nada marcadamente n ovo. A mil­s ica brasileira teve uma fase evolutiva importante ate 1 968. De uma certa forma, de Ia para d, ela estagnou. Os valores continuam pro­duzindo, mas dentro do que houve antes: a Bossa Nova, que come<;ou com Tom, e depois o Tropicalismo de Caetano . Auho mu ito d ificil haver mudan<;as s ignificativas em tao curtos perfodos48•

Contudo, ao serem comparados com os artistas da B ossa Nova e do Tropicalismo - mas principalmente com estes, dado que seu movimento tinha sido 0 ultimo a eclodir e dado que 0 fizera no contexto de urn festival - os novos compositores de MPB surgidos nos certames p6s- 1 968 ou na propria Phono-73 nao eram vistas simplesmente como "valores" que produziam "dentro do que houve

" jornal da Tarde, 1 4. 5 . 1 973 ; /omal do Brasil, 1 5. 5 . 1 973 .

"' Vrsao, 1 1 .6 . 1 973.

47 Jornal da Tarde, 23.4. 1 973.

" Visao, 1 1 .6 . 1 973.

78

BRASIL, ANOS D E 1 9 70

antes" , mas como seguidores retardatarios e menos qual ificados dos grandes movimentos musicais havidos anteriormente. Esse foi ,

como veremos no capitulo 3 , o ponto de vista que, por inumeras razoes, acabou prevalecendo entre os crfticos especial izados. Por ora, basta ilustrar tal ponto de vista com a cita�ao do seguinte trecho de uma crftica contemporanea aos acontecimentos:

Talvez estejamos vivendo ainda a fase de d il ui<;ao das grandes con­quistas de pre-68 , como costuma ocorrer demoradamente ap6s a ins­taura<;ao de formas novas, l inguagens revolucionarias e modifica<;oes radicais. [ . . . ] A musica brasileira estaria assim consumindo e digerin­do a renova<;ao daquele perfodo atraves dos pr6prios revolucionarios, mas tambem atraves de divulgadores, mui tos dos quais sao c6pias sofrfveis de Caetano e Gi l , usando os cliches concretistas/tropical istas como quem usa moda . . .'9

Nesse contexto, nao e de estranhar que muitos dos composi­tores-interpretes novos tenham preferido apresentar-se antes como contestadores do Tropicalismo - numa estrategia de ocupa�ao do mercado de resto bastante esperada, dado o predomfnio dos baianos no campo da MPB ao qual esses novos artistas buscavam ter acesso. No mesmo contexto, nao e tambem de estranhar que alguns deles tenham procurado apresentar-se como grupo que trabalhava unido em torno de propostas musicais comuns entre si mas revoluciona­rias em rela�ao a toda a MPB ja fe ita ate entao, isto e, como grupo de artistas capazes de fazer eclodir urn novo movimento musical nos mesmos moldes dos movimentos musicais anteriores. Ambas as formas de atua�ao serao exemplificadas a seguir, pois assim atua­ram alguns dos novos compositores- interpretes que, vindos do Nordeste do Brasil, tal como Fagner e Belchior, iniciaram as suas carreiras discograficas em Sao Paulo, ta l como o segundo.

4 9 Ibidem.

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I N D U STRIA FONOGRAFIC:A: U M ESTUIJO ;\NTROPOLOG!CO

III

De fato, no mesmo ano de 1973 em que a gravadora Philips­

Phonogram organizava seu proprio festival, a TV Record de Sao

Paulo, que desde 1 969 nao promovia mais OS seus celebres certames,

mantinha, contudo, urn espa<;o aberto aos valores emergentes da

MPB, sob a forma de urn programa denominado "Mixtura<;ao" , que

era produzido por Walter Silva e no qual se apresentavam regular­

mente Marcus Vinfcius, Belchior, Carlinhos Vergueiro , Walter

Franco e os Secos e Molhados , por exemplo. Alem de produzir o

programa, Walter Si lva era tambem o produtor da maioria dos ar­

tistas que nele se apresentavam e, nessa condi<;ao, obteve contratos

com as gravadoras Chantecler e Continental para que muitos deles

viessem a gravar os primeiros LPs de suas carreiras, entre os quais

Ednardo, Roger e Tety - Pessoal do Ceara , Continental, 1973 -,

Marcus Vinfcius - Dedalus, Continental , 1 974 - e Belchior -A

palo seco , Chantecler, 1 97450•

Ainda em 1973 , Walter Silva produziu tambem o show ''A palo

seco" de Marcus Vinicius e Belchior. E, nas entrevistas concedidas '

por ocasiao do lan<;amento desse show, esses novos artistas ja se

apresentaram como al ternativa ao Tropical ismo. Belchior, por

exemplo, declarou entao a imprensa:

Durante varias gerac;oes segu idas os idolos foram os mesmos. Na faixa de a lguns estamos entrando no mercado para por em xeque suas proposi­

c;oes, pois se o Tropical ismo atacou o "born gosto" oficial da musica bra­si leira , cle mesmo criou urn novo criteria, que hoje esta envelhecido e envi lecido ao Iongo de v:irias gerac;oes. E e contra esse ve1ho "born gosto" deles que estamos chegando com nosso traba1ho, d ia1eticamente5 1 •

No entanto, e preciso ressaltar que tanto Belchior quanto Mar­cus Vinfcius assumiam o carater individual de suas respectivas

'" E ntrevista com Marcus Vinicius, realizada por mrm no dia 3 1 .7. 1 986.

" Fo/ha de S. Paulo, 1 4 .9. 1 973 .

80

BRASIL, ANOS DE ! 970

propostas de trabalho e nao procuravam se apresentar como inte­grantes de algum novo movimento musical. Ja os artistas do Pessoal do Ceara procuravam opor-se de maneira mais imediata ao que poderia ser chamado o "pessoal da Bahia", aceitando inclusive o risco de serem confundidos com propostas regionalistas que nao eram as suas, para apresentarem-se como se fossem os impulsiona­dores de urn novo movimento musical, apesar da diversidade de suas respectivas propostas de trabalho.

Para compreendermos melhor a iniciativa de produ�ao do dis­co do Pessoal do Ceara, sera preciso, portanto, que nos reportemos nao apenas as expectativas em geral existentes em torno da demo­rada eclosao de urn novo movimento de MPB, mas tambem a uma expectativa que parece ter existido nas duas gravadoras paulistas citadas em rela�ao aos artistas vindos do Nordeste, de quem espe­ravam naquele momento que fizessem urn trabalho tipicamente nordestino e nao propriamente urn trabalho de MPB - expectativa essa que provavelmente estava relacionada a uma especie de espe­cializa�ao de tais gravadoras em musica regionalista, principal­mente musica sertaneja do interior de Sao Paulo. A essa expectati­va pareciam de certa forma estar tambem atendendo Ednardo, Roger e Tety, mesmo que nao o desejassem, pelo fa to de aceitarem ser o Pessoal do Ceara. E, ao que parece, foi porque se recusavam a atender a expectativas desse genero que Marcus Vinfcius e Bel­chior preferiram lan�ar discos individuais e nao participaram do projeto desse disco coletivo52• De fato, Belchior afirmava na mesma entrevista ja citada de 1 973 : "Eu nao sou representante do Nordes­te, do Ceara, de coisa nenhuma. Se o Nordeste aparece na minha obra, e como raiz, materia-prima, em termos afetivos (me afetou) . Nosso trabalho nao esta apadrinhado nem por regiao, nem por genio nenhum "53•

5 2 Marcus Vinfcius, entrevista c itada . 53 Folha de S. Paulo, 14 .9 . 1973.

8 1

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOG!CO

Da mesma forma, na contracapa de seu disco de 1 974, Marcus Vinfcius afirmava que nunca quisera transformar num "estigma pessoal" ou numa "marca estetica" aquila que era para ele apenas uma "contingencia natural" , isto e, sua nordestinidade. E , na en­trevista concedida a mim, esse artista falou sobre as expectativas as quais ele e Belchior procuravam responder atraves de afirma�6es como essas e as quais o Pessoal do Ceara parecia estar atendendo naquele momento:

Acho que, basicamente, o que existia era uma postura de nossa parte, fruto de muitas conversas relacionadas a algo que a gente pressentia que ia ocorrer a qualquer momento, que seria, digamos assim, a compra dos nordestinos em fun«ao de sua tipicidade. "Nao, sao tfpicos, eles estao aqui para vender sotaque." E engra«ado isso, nao e? E a gente estava condenado, ja naquela epoca ... essa expectativa que existia na industria do disco e que veio a se confirmar, quer dizer, posteriormente eu me lembro que a gravadora CBS contratou uma leva de artistas porque eram nordestinos. Entao se falou muito no "boom nordestino", a "new caatin­ga", aquela coisa toda. E a gente sempre ... eu pelo menos sempre fui muito crftico em rela«ao a isso. E a gravadora estava muito interessada em explorar da gente esse !ado, quer dizer, o !ado pitoresco da nordesti­nidade de cada urn, da nascen«a de cad a urn. E isso, por exemplo, ocorreu com Belchior, ocorreu comigo. Comigo chegaram ao ponto . . . uma vez terminada a grava«ao do meu primeiro disco ... d iscutindo como e que vai ser a capa, aquela coisa toda ... alguem sugeriu: "nao, e que tal urn mapinha assim do Brasil com o Nordeste, entao bota urn camarada dan­«ando frevo aqui, urn cara vestido de cangaceiro ali ... " . Sabe? Essa coisa da explora«ao da carteira de identidade de cada urn, da naturalidade de cada um54•

Na verdade, a musica desses novos compositores-interpretes de MPB, vindos do Nordeste do Brasil para Sao Paulo ou para o Rio de Janeiro nos anos iniciais da decada de 1 970 , nao deixava de re­fletir as influencias da musica tfpica de sua regiao de origem, ainda que misturadas a inumeras outras influencias musicais de origens

54 Marcus Vinfcius, entrevista citada.

82

BRASIL, ANOS DE 1 970

as mais diversas - inclusive, para a maioria deles, a forte influen­cia da chamada musica j ovem internacional, principalmente do rock and roll. Por isso, embora mais cedo ou mais tarde tenham logrado obter da crftica o reconhecimento como compositores-in­terpretes de MPB, esses artistas tambem nunca deixaram de ser vistos como compositores e interpretes sobretudo nordestinos.

Assim e que, em 1 976, ao lan�ar 0 segundo LP de sua Carreira (Alucinafiio, Philips ) , o proprio Belchior foi inclufdo pela impren­sa no Pessoal do Ceara5\ expressao utilizada entao equivocadamen­te para designar o conjunto formado pelos tres artistas cearenses que faziam sucesso naquele momento : Ednardo - cuja musica "Pavao misterioso" era en tao tema da novela "Saramandaia" , da TV Globo -, Fagner - que seria naquele ano contratado pela gravadora CBS, depois de haver demonstrado sua capacidade de agradar a urn publico jovem, ainda que ate entao urn pouco restrito, com o show ''Astra vagabundo", que se seguiu ao segundo LP de sua carreira, oAve noturna, pela Continental, em 1 97556 - e o proprio Belchior - que se transformaria com aquele segundo LP num dos campe6es brasileiros em vendagem e execu�ao da epoca, ao mesmo tempo em que seria reconhecido como astro da MPB, depois de ver lan�adas suas musicas "Como nossos pais" e "Velha roupa colorida" por Elis Regina, no show e no LP Falso brilhante, da Philips57•

Da mesma forma, falou-se no final da decada em "boom nor­destine" para referir-se ao grande numero de discos de novfssimos compositores e interpretes de MPB vindos naquele momenta da regiao Nordeste do Brasil, lan�ados pela gravadora CBS. Esse fe­nomeno foi desencadeado pelo grande sucesso obtido pelo LP Quem

55 Folha de S. Paulo, 3 1 . 7 . 1 976. 56 Folha de S. Paulo, 2 . 7 . 1 975; Jornal da Tarde, 5 .7 . 1 975; 0 Clabo, 29.7. ! 975; Jornal do

Brasil, 30.7. 1 975; 0 Clabo, 25.3 . 1 976; Jamal do Brasil, 25.3. 1976; Jornal de Musica, 23.9 . 1 976.

57 0 Clabo, 9.2 . 1 976; Vt:ja, 3 1 .3 . 1 976; Opiniiio, 28.5 . 1 976; Vt:ja, 23.6. 1 976; Jamal do Brasil,

8.8 . 1 976; Vt:ja, 2 5 .5. 1 977.

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I N D LISTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

viver chorara (quinto da carreira de Fagner e terceiro do artista na CBS) , lan�ado em 1 978, atraves do qual Fagner se tornou urn dos recordistas de vendagem dessa gravadora, superado apenas por Roberto Carlos58. Ao mesmo tempo, Fagner tornou-se tambem 0

supervisor artlstico de urn dos selos da CBS, o Epic, atraves do qual lan�aria muitos dos artistas do chamado "boom nordestino" - de­pois de haver produzido na mesma gravadora, em 1977, os primei­ros LPs das carreiras de dois desses novfssimos compositores e in­terpretes: Amelinha e Robertinho de Recife59.

Falando sobre o "boom nordestino" na entrevista que me con­cedeu, Marcus Vinfcius chegou a insinuar que tenha havido urn investimento deliberado da CBS ou dos artistas em questao em sua propria nordestinidade:

Este exemplo que eu coloco da CBS e esclarecedor. Eu acho que esse momenta, quer d izer . . . foi urn momenta que eu critiquei muito par­que eu acho que esse foi o momenta maximo da venda de sotaque no B ras iL Eu acho inclusive que i sso af desmoralizou, entre aspas, urn pouco a musica nordestina. Porque pintou o nordestino de caricatura pintou a venda de sotaque, pintou tudo que nao deveria pintar6o.

'

Da mesma forma, falando em 1 978 sabre a novfssima gera�ao de compositores e interpretes que despontava entao para a MPB, 0

crftico Maurfcio Kubrusly, ap6s destacar que a maioria deles per­tencia ao que chamava a "Familia transnordestina", tambem fez referencia a uma utiliza�ao quase publicitaria da nordestinidade por parte desses artistas:

E fazer parte da Famflia j a s ignificou estar no clube dos melhores como na epoca do Tropicalismo, quando "baiano" foi s inonimo d� " in" . (Mas ate hoj e ainda facilita estar na Famfl ia, tanto que alguns

" Folha de S. Paulo, 2 .9 . 1 979. " 0 Globo, 1 6. 3 . 1 977, 8 .9 . ! 977 e 3 . 1 1 . 1 979. 60 Marcus V i n fc iusl entrevista citada.

84

BRASIL, ANOS DE 1 970

fazem questao de transformar sua procedencia em sobrenome: Novos Baianos, Robertinho de Recife - atentos para o "de", com sotaque, no Iugar de urn "do" -, Ze Ramalho da Parafba ou mesmo Fafa de Belem)61 .

Contudo, ao que p arece, a expectativa da CBS em rela�ao a

esses artistas nao era a mesma existente no inkio da decada em

rela<siio aos primeiros nordestinos surgidos para a MPB, que parece

ter sido, como afi.rmamos, uma expectativa particular das gravado­

ras Continental e Chantecler - ate porque, no mesmo perfodo,

Fagner, por exemplo, ja era visto pela Philips como possfvel astro

da MPB, e nao como provavel fdolo da musica regionalista. Alias,

conforme veremos a seguir, a propria Continental ja rivera em 1 975,

em rela�ao ao m,esmo Fagner, uma atitude diferente daquela tida

urn ano antes em rela�ao aos outros compositores-interpretes nor­

destinos contemporiineos seus. Veremos, inclusive, atraves de de­

poimento a mim prestado pelo produtor Carlos Alberto Sion (Ave

noturna, Continental, 1 975, e Raimundo Fagner, CBS, 1 976) , que a

expectativa da Continental em rela�ao a Fagner fora desde entao a

mesma que a CBS teria em rela<siio a ele e aos artistas nordestinos

surgidos no final da decada, qual seja , a reconquista das faixas jo­

vens do mercado discografi.co para a MPB, possfvel agora dado o

novo contexto polltico do pafs. E, para isso, conforme acreditamos

n6s, interessava menos a utiliza�ao efetiva das inevitaveis irifluen­

cias musicais nordestinas dessa gera�ao de compositores-interpre­

tes de MPB do que sua intensa utiliza�ao das influencias represen­

tadas pela chamada musica jovem internacional, que, como tambem

veremos, predominava nas faixas jovens do mercado discografi.co

brasileiro ate entao. Por outro !ado, se e verdade que a partir de meados da decada

de 1 970, usufruindo das facilidades trazidas pelos novas contextos de distensao e abertura polltica aos lan�amentos de MPB, artistas

61 Folha de S. Paulo (Folhetim), 2.7. 1978.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

nordestinos pertencentes tanto a primeira guanto a segunda gera­

csao puderafl1. conguistar, atraves do disco, grande numero de adep­tos entre os j ovens brasileiros, entao eles terao desempenhado um papel fundamental na consolidacsao do m ercado fonografico no Brasil. A importancia desse papel, contudo, s6 pode ser avaliada adeguadamente ap6s um estudo mais detalhado do crescimento e da composicsao desse mercado no decorrer da mesma decada e sob duas conjunturas diferentes, quais sejam, antes e depois do infcio do processo de distensao polftica - ou, de um outro ponto de vis­ta, antes e depois do primeiro chogue nos precsos internacionais do petr6leo. Facsamos pois em primeiro Iugar esse estudo, antes de voltarmos a nos referir as ja citadas expectativas da Continental e da CBS em relacsao a Fagner e outros nordestinos, bern como a uma ainda nao citada expectativa da WEA em relacsao a Belchior, refe­rencias essas que servirao tambem para corroborar a mesma con­clusao relativa ao papel desempenhado por tai s artistas na conso­lidacsao do mercado brasileiro de discos.

IV

,. Os anos iniciais da decada de 1 970 foram m arcados por urn

crescente aumento da producsao e do consumo de discos no Brasil. Em 1 972, informava-se que o mercado crescera 7% em 1 970 1 9% em ' 1 97 1 e 26% somente no primeiro semestre do ano em curso. Ao mes-mo tempo, o diretor da Philips-Phonogram, Sr. Joao Carlos Muller Chaves, informava que o aumento nos percentuais de crescimento do mercado era um fenomeno recente, uma vez que tradicional­mente o crescimento das vendas do setor fonografico fora inferior ao proprio aumento vegetativo da populacsao62• No ano seguinte a propria ABPD confirmaria tais informacsoes, divulgando dados

62 fornal do Brasil, 28.8. 1 972.

86

BRASIL, ANOS DE 1 970

segundo os quais houvera urn crescimento de 400% nas vendas do setor entre 1 965 e 1 972, sendo que desde 1 970 as taxas tinham sido de fato progressivas, superando-se o recorde de 1 8,5% de 1 9 7 1 logo em 1 972, quando o mercado chegou a crescer 34,5%63•

Por outro !ado, em 1 9 7 1 , o tambem diretor da Philips-Phono­gram, Sr. Andre Midani, divulgava dados segundo os quais o gran­de comprador de discos no Brasil, naquela epoca, teria mais de 30

anos de idade, ao contrario do que ocorria em nfvel do mercado mundial, cujo comprador tfpico estava na faixa entre os 13 e os 25

anos64• Segundo ele, isso se devia ao fato de que o poder aquisitivo do jovem brasileiro era entao muito baixo, o que se refletia, inclu­sive, no predomfnio da chamada musica jovem somente entre os compactos simples mais vendidos. Ao mesmo tempo, Midani in­formava que os discos de musica estrangeira eram consumidos em sua quase totalidade pelos j ovens, enquanto OS discos de musica brasileira eram adquiridos em sua maioria por consumidores que tinham mais de 25 anos. Segundo ele, contudo, o interesse dos jo­vens brasileiros por discos, que era tambem urn fenomeno ainda muito recente, fora despertado justamente pela Bossa Nova, nos anos finais da decada de 1 95065 . Quer dizer, desde sua origem a chamada MPB j a demonstrara seu potencial de atra<;;ao sobre a ju ­ventude, o que significa que a preferencia absoluta dos jovens pela musica internacional, demonstrada naquele momenta, decorria diretamente do contexto polftico desfavoravel a producsao e a divul­gacsao de tal genero de musica brasileira.

Em 1 973, o crftico Julio Hungria tambem faria referencia a Bossa Nova como primeiro produto musical brasileiro que tinha ido efetivamente ao encontro do gosto dos jovens das classes medias urbanas criando neles o habito de consumir discos - habito esse ' que se teria fortalecido com o decorrer da propria evolucsao da MPB

63 Idem, 1 .4 . 1 973.

64 Idem, 3. 10 . 1 971 .

65 Ibidem.

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IN DUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

representada pelo surgimento dos artistas tropicalis tas nos antigos festivais da televisao66. Segundo ele, antes da Bossa Nova o que mais se lans;ava no mercado nacional eram os discos dos chamados can­tares do radio, cujo publico tinha urn poder de compra muito l i­mitado - de onde se conclui que esse publico tinha, tambem, uma capacidade muito restrita de fazer crescer o consumo de discos no pafs. Julio H ungria inform a, por outro !ado, que a partir da Bossa Nova, ate mesmo OS j ovens da classe media mais baixa foram gradativamente sendo incorporados ao mercado consumidor de discos - de onde se conclui que foram sobretudo os j ovens que trouxeram a esse mercado a sua caracterfstica de expandir-se cres­centemente67.

Nessa mesma reportagem em que o crftico era ouvido, Andre Midani chamava atens;ao para uma especie de mudans;a de men­talidade que teria ocorrido entre os pr6prios artistas de MPB a par­tir dos anos de 1 960. Segundo ele, os artistas bossa-novistas sofriam ainda de uma grande "inibis;ao profissional " e faziam musica por "di letantismo" . Por isso, "aquele que pensasse seriamente em gra­var e vender amplamente sua musica era malvisto pela turma". Ja os compositores-interpretes surgidos mais recentemente - entre os quais ele cita de modo particular o tropicalista Gilberta Gil ­nao veriam as coisas da mesma maneira . Ao contrario, teriam dado urn exemplo de "seriedade profissional" comparavel ao exemplo dado nesse senti do pelos artistas da J ovem Guarda, tambem na decada de 1 9606x. Quer dizer, a MPB teve desde entao uma impor­tancia fundamental para a industria fonografica, nao apenas como meio para a conquista de urn segmento de consumidores capaz de igualar a Iongo prazo o mercado brasileiro de discos aos grandes mercados mundiais, trazendo-lhe imediata elasticidade mas tam-' bern devido a formas;ao de urn cast nacional nao apenas capaz mas

66 Jamal do Brasil, 1 .4 . 1 973.

1'7 Ib idem.

1'' Ibidem .

88

BRASIL, ANOS D E 1970

tambem disposto a atender a demanda desse segmento de consu­midores.

Como vimos, contu do, nos anos iniciais da decada de 1 970

o mercado brasileiro de d iscos nao era ainda j ovem em sua maio­ria - e, j ustamente em seu segmento j ovem, consumia principal­mente musica estrangeira. Isso nao deixa de ser compreensfvel nos pr6prios quadros do desenvolvimento da industria fonografica mundial: de fa to, fora exatamente a musica jovem de Beatles e Cia. o que proporcionara a essa industria o crescimento espantoso que s e verificara nos anos de 196069 - crescimento esse que com certe­za dera a ela condis;6es de expandir suas atividades em mercados perifericos, como o Brasil, nos anos finais da decada, quando pro­vavelmente se tornava necessaria transformar populas;oes majori­tariamente jovenS'em mercado seguro para esse produto, com o fim de d�r continuidade a esse mesmo crescimento. Entretanto, incre­mentar os lans;amentos de musica jovem internacional nesses mer­cados nao deveria ser necessariamente incompatfvel com a forma­s;ao e a amplias;ao dos casts nacionais de cada uma das subsidiarias neles estabelecidas. Pelo contrario, a existencia desses casts nacio­nais era de fato imprescindfvel para a propria definis;ao dessas sub­sidiarias como gravadoras e nao meras fabricantes, d istri}:midoras, divulgadoras ou promotoras de vendas de discos gravados nas ma­trizes. E a formas;ao de urn grupo de artistas nativos, capaz de se constituir numa alternativa permanente aos grandes astros da mu­sica jovem internacional, parecia ser mesmo imprescindfvel para garantir uma estabilidade maior dos mercados nacionais a Iongo prazo, atraves da conquista definitiva de seus segmentos j ovens.

Ora no Brasil como vimos, identificava-se esse grupo de ar-, , tistas com os j ovens compositores-interpretes u niversitarios que faziam a chamada MPB nos anos de 1 960. E, se e assim, s6 se torna de fato possfvel compreender adequadamente o predomfnio abso­luto da musica internaciona] entre OS segmentOS mais j ovens do

6 9 jornal do Brasil, 16 .2 . 1 977.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

mercado brasileiro de discos nos quadros da conjuntura polftica vivida pelo pals nos anos iniciais da decada de 1970 - con j untura essa que, como vimos, impunha riscos proprios aos lan�amentos de MPB e grandes dificuldades de acesso ao disco a compositores­interpretes que poderiam ter representado, desde en tao, a renova�ao daquele grupo fundamental de artistas. Ao que parece, portanto, o contexto repressivo atrasou, no Brasil, a forma�ao e a amplia�ao de urn cast nacional capaz de responder mais permanentemente a demanda representada pelo segmento fundamental do mercado de discos - atrasando, ass im, a propria consolida�ao desse mercado no pals, apesar do nipido crescimento experimentado por ele no mesmo perfodo.

E preciso ainda registrar aqui a importancia que a televisao teve como fator de crescimento do mercado brasileiro de discos nos primeiros anos da decada de 1 970, j a nao mais atraves da organiza­�ao de festivais de MPB mas sim atraves da edi�ao discografica de trilhas sonoras de novelas - o que tambem contribuiu para que esse crescimento do mercado nao beneficiasse imediatamente a MPB, dado que sua participa�ao era mfnima nessas trilhas, como de resto seria de esperar naquele contexto polftico.

A importancia da televisao no crescimento do rp.ercado de dis­cos no Brasil pode ser aval iada indiretamente atraves de dados relativos a crescente participa�ao da gravadora Sigla, da TV Globo, nesse mesmo mercado, durante os anos iniciais da decada: lan�ada em 1 97 1 , a etiqueta Som Livre ja detinha, em 1 974, 38% do chama­

do mercado de sucesso, isto e, 38% dos discos mais vendidos per­tenciam a essa marca70. N esse a no seria lan�ada outra etiqueta da Sigla , a Soma, e em meados do ano seguinte sua participa�ao no mercado de sucesso j a seria de 50%, enquanto sua participa�ao no mercado geral alcan�aria 1 2%71 . N a verda de, em 1 977 a Sigla des­pontaria como lfder do mercado brasileiro de discos72• E, dois anos

70 0 Clabo, 23 .9. 1 974.

71 Idem, 1 6.7. 1 975.

72 Jamal da Tarde, 2 1 . !0 . 1 977.

90

B RA S I L, .-\NOS DE 1 970

depois, sua participa�ao nesse mercado se ria avaliada em 2 5%, con­firmando-se assim sua lideran�a ate o final da decada de 1 97073 •

0 grande segredo desse crescimento rapido estava na utiliza�ao intensiva da propria TV Globo e de outras empresas de comunica­�ao do grupo Globo como vefculos de divulga�ao dos produtos da

Sigla. No caso da TV, essa divulga�ao se clava nao apenas atraves dos capftulos diarios das novelas mas tambem atraves de chamadas comerciais convencionais - que chegaram a ocupar a maior parte do espa�o publicitario da TV em Sao Paulo nos primeiros meses de 1 978, por exemplo, quando a Sigla dedicou aos anuncios uma ver­ba duas vezes maior do que a verba destinada ao mesmo vefculo pela Souza Cruz e quatro vezes maior do que a verba destinada para o mesmo fim pela Coca-Cola74 . Conforme se denunciou na epoca, nenhuma empresa do setor fonografico teria condi�oes fi­nanceiras de bancar essa divulga�ao, dados os altos pre�os dos es­pa�os publicitarios televisivos - de onde se conclufa que a Sigla gozava de privilegios especiais por ser ligada a TV Globo e que esta fazia uso indevido do servi�o publico que !he fora concedido ex­plorar75.

Por outro !ado, entretanto, a funda�ao da Sigla nao deixou de beneficiar as demais empresas do setor fonografico, que indireta­mente tambem tiveram acesso a TV como vefculo de divulga�ao de seus discos, vefculo esse que de outra maneira lhes seria vedado justamente em razao dos pre�os proibitivos de seus espa�os publi­citarios. De fato, os capftulos diarios das novelas nao funcionaram apenas como comerciais dos discos das trilhas sonoras produzidos pela Sigla, mas tambem de discos produzidos por outras gravadoras, nos quais se encontravam prensadas musicas cujos teipes tinham sido cedidos por elas para a composi�ao daquelas trilhas. Sabendo disso e que de fa to as gravadoras cediam gratuitamente esses teipes76

73 Veja, 1 9.9. 1 979.

74 !sto E, 2 .8 . 1 978.

75 Banas, 1 0.3. 1 975; /orna! da Tarde, 1 3 .9 . 1 975; Visao, 1 .5. 1 978; Isto E, 2 .8 . 1 978.

76 Folha de S. Paulo (Folhet im) , 2 H . 1 0 . ! 979.

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INDUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

e tratavam de lan�ar compactos simples com as musicas que efeti­vamente logravam fazer parte das trilhas sonoras das novelas de sucesso - compactos esses que algumas vezes tiveram vendagem superior a vendagem dos pr6prios LPs lan�ados pela Sigla77, o que tambem nao deixa de ser urn sinal de que, atraves da televisao, o mercado de discos continuava incorporando ate mesmo os segmen­tos de mais baixo poder aquisitivo das classes medias brasileiras.

v

Assim como a Sigla continuou aumentando sua participa�ao no mercado ate o final dos anos de 1 970, o proprio mercado conti­nuou crescendo ate o fim da decada, indiferente a crise do petr6leo, a infla�ao e ate ao principia de recessao economica que se abateu sobre os diversos setores de produ�ao em 1 979.

E clara que a crise no abastecimento de petr6leo, que surpreen­deu a economia mundial em 1 973, nao deixou de ter efeitos sobre a industria fonografica, dado que a materia-prima fundamental para a fabrica�ao do disco, 0 vinil, e j ustamente urn derivado do petr6leo. Ap6s dois anos de crescente desenvolvimento no Brasil, essa industria se via, em setembro de 1 973, diante do problema de urn esgotamento iminente das reservas de vinil estocadas no pafs e de grandes dificuldades na aquisi�ao do produto no mercado mun­dial, onde havia escassez e especula�ao78 - agravadas por urn au­menta brutal no valor da alfquota de importa�ao dessa materia­prima, com o qual o governo brasileiro pretendia incentivar a produ�ao nacional que era, contudo, incapaz de corresponder a demanda79• Reivindicando a redu�ao da taxa alfandegaria, os pro­dutores procuravam mostrar as consequencias nefastas que a es-

77 ]omal do Brasil, 1 3 .7. 1978.

" Idem, 1 6.9. 1 973 e 23.9 . 1 973.

79 Idem, 26.9 . 1 973 e 22 . 1 0. 1973.

92

BRASIL, ANOS D E 1 970

cassez e o aumento nos pre�os do vinil trariam para o mercado brasileiro de discos. Falava-se em aumento nos pre�os do produto final e consequente retra�ao nas vendas, em diminui�ao da pro­du�ao com suspensao de novos lan�amentos e consequente prejuf­zo do publico e dos artistas ainda desconhecidos dele, em parali­sa�ao da prensagem de discos alheios por parte das gravadoras que possufam fabrica e consequente monopoliza�ao do mercado por urn numero reduzido de empresas80. Em outubro, inclusive, a gra­vadora Odeon anunciaria uma redu�ao de 40% em sua produ�ao mensa! de LPs e compactos, afirmando que, caso nao recebesse em poucos dias uma incerta encomenda de materia-prima que fizera em fabricas alemas, seria obrigada a paralisar suas atividades ime­diatamente81 - o que representaria nao apenas a suspensao da prensagem de seus pr6prios discos mas tambem dos discos de inu­meras outras gravadoras com quem mantinha contrato de prensa­gem e distribui�ao, inclusive a citada Sigla, da Rede Globo82. Tam­bern a RCA tomaria suas providencias, deixando de fornecer a materia-prima para a prensagem dos discos das gravadoras com quem mantinha contrato. Estando entre estas, a CBS teria entao que sair procurando no mercado mundial as cern toneladas de vinil que eram necessarias para a produ�ao de seu recordista de vendas: o LP de Roberto Carlos, lan�ado tradicionalmente no final do ano, em data que ja se aproximava83.

Infelizmente, nao tenho dados que permitam avaliar em que medida a crise do petr6leo resultou de fato numa maior monopo­liza�ao da produ�ao de discos no Brasil. Encontrei algumas refe­rencias a aumentos nos pre�os dos discos, em 1 974, bern como a retra�ao nas vendas e consequente queda de pre�os no mesmo ano84. Andre Midani, porem, falando entao a imprensa, informava

80 Idem, 26.9.1 973. 81 Veja, 3 1 . 1 0 . 1 973. 82 fornal do Brasil, 26.9. 1973. 83 Ibidem.

84 Jornal do Brasil, 2 . 5. 1974; Diario de Not{cias, 1 5.9 . 1 974.

93

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

que houvera crescimento do mercado em 1 973 e que havia perspec­tiva de crescimento para 1 974, embora a taxas menores do que em anos anteriores: segundo ele, o setor fonografico era ainda tao sub­desenvolvido no Brasil que continuava havendo muito espa�o por onde era possfvel expandir-se, apesar da crise85• De fato, algumas

retrospectivas feitas em 1 979 e 1 980 indicariam posteriormente que o crescimento do mercado sofrera uma desacelera�ao em 1973, de­vida a falta de materia-prima em quantidade suficiente para que se desse no ritmo anterior, mas que continuara ocorrencia de qual­quer maneira. Indicariam tambem que a retomada do ritmo an­terior fora extremamente rapida, localizando-se essa retomada ora em 1 974 mesmo, ora em 1 975 , quando ocorreu o chamado boom do samba - sendo que os perfodos de 1 973/1974 e 1974/1 975 apareceriam, inclusive, alternadamente, como momentos em que o crescimento do mercado de discos teria atingido uma taxa re­corde na decada86•

Da mesma forma, embora muito se tenha falado em infla�ao generalizada e em aumentos especfficos nos pre�os dos discos a partir de 1976, a verdade e que nunca esses fatores chegaram a im­pedir a continuidade do crescimento do mercado fonografico bra­sileiro. 1 977 pode ser tornado como exemplo : em abril, alguns co­merciantes do setor falavam que os tres primeiros meses do ano tinham registrado uma queda de 30% nas vendas em rela�ao a igual perfodo do ano anterior, afirmando que a causa disso estava nos aumentos exorbitantes nos pre�os dos discos que, ocorridos desde 1976, ja tinham provocado uma queda nas vendas do final daquele ano, as quais teriam sido tres vezes menores do que as vendas es­peradas para urn Natal normaJ87• Vindo a publico, os fabricantes, por sua vez, atribufam a causa dos aumentos exorbitantes as difi-

"' Expansiio, 2 1 .8. 1 974. M6 fornal do Brasil, 9 .9 . 1 979; Veja , 1 9 .9 . 1 979; fornal do Brasil (Revista de Domingo},

2 7. 1 . 1 980; Margarida Autran, "Samba, artigo de consumo nacional", in Anos 1970: musica popular. Rio de Janeiro: Europa, 1 980, p. 54.

87 Folha de S. Paulo, 28 .4 . 1 977 .

94

BRASIL, ANOS DE 1 970

culdades geradas pela existencia do imposto compuls6rio sobre a importa�ao de sua materia-prima fundamental, cuja produ�ao nacional nao clava conta das necessidades - aproveitando o fato de que os aumentos nos pre�os de discos tinham virado notfcia para dar publicidade a sua reivindica�ao no sentido de que fosse abolido esse imposto88• Entretanto, ja no final de dezembro afir­mava-se que o faturamento do setor crescera I S% naquele ano89• E, no ano seguinte, dados atribufdos a propria ABPD indicavam urn crescimento bruto da ordem de 57% no faturamento90 - o que, descontada a infla�ao anual de 3 8,8%, resultaria num crescimento real de 1 8,2%91 .

Ao mesmo tempo, porem, noticiava-se que de fato os aumentos

nos pre�os dos discos tinham somado 64% em 1977 e que, ate no­

vembro de 1978, esses aumentos ja acumulavam mais 42%92 - ul­

trapassando portanto mais uma vez a infla�ao anual, que seria de

40,8% em 1 97893• Sinais de intranquilidade foram entao novamente

emitidos pelos loj istas do setor, que fundaram nesse ano uma asso­

cia�ao cujo objetivo explfcito era evitar que se multiplicasse o gran­

de numero de falencias ja constatado entre eles. A principal razao

das falencias, acreditavam esses loji stas, era a venda de discos por

pre�os inferiores aos pr6prios custos de comercializa«ao94 - o que,

obviamente, s6 poderia estar ocorrendo como contrapartida dos

aumentos exorbitantes, os quais, fazendo cair as vendas, levavam

a chamada "queima" de estoques atraves de ofertas, promo«6es e

descontos especiais . Enquanto isso, as gravadoras continuavam

responsabilizando a polftica governamental de limita«ao de impor-

88 Ibidem.

89 Folha de S. Paulo, 25. 1 2 . 1 977.

90 lsto E, 2 .8 . 1978. 91 B. Lamounier e A. R. Moura, "Polftica economica e abertura polftica no Brasil -

1973- 1 983", in Textos, n' 4. Sao Paulo: Idesp, 1 984, p. 9. 92 Jornal do Brasil, 9 . 1 0 . 1 978.

93 B. Lamounier e A. R. Moura, "Polftica economica e abertura polftica .. . ", p. 9.

94 Jornal do Brasil, 9. 1 0. 1978; 0 Estado de S. Paulo, 30. 1 1 . 1 978.

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I N D USTRIA FONOGI'.AF!CA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

ta<;;6es pelo encarecimento do disco95. Da mesma forma como ocor­rera em 1 977, entretanto, ap6s mais urn ano de queixas e reivindi­ca<;;6es, o que seria constatado e que o mercado voltara a registrar crescimento : em setembro de 1 979, quando foram realizadas no Rio de Janeiro importantes reuni6es de federa<;;6es internacionais de produtores de disco, noticiou-se que o Brasil fora escolhido para sedia-las porque 1 978 fora simplesmente o oitavo ano consecutive de crescimento acelerado do mercado fonografico brasileiro96. Ao mesmo tempo, noticiava-se que o crescimento registrado em 1 978,

descontada a infla<;;ao, ficara novamente em torno de 1 5%, o que correspondia a quase o dobra da taxa de crescimento do setor in­dustrial no mesmo perfodo97•

Chegando ao ultimo ano da decada em 6Q lugar no ranking mundial98, o mercado brasileiro de discos, que dez anos antes ocu­pava urn modesto 1 4Q posto nesse ranking99, daria em 1 979 a mais inequfvoca demonstra<;;ao de que podia crescer sem parar, mesmo que tosse num contexto quase recessive. Embora fossem divulgadas desde mar<;;O preocupa<;;6es de fabricantes com rela<;;ao a ocorrencia de urn novo choque nos pre<;;os internacionais do petr6leo, noti­ciava-se tambem que o setor estava agora mais bern prevenido do que em 1 973 no que dizia respeito aos estoques de materia-prima . E a recem-fundada Associa<;;ao dos Loj istas chegava a comentar com certo otimismo a ocorrencia de grandes aumentos nos pre<;;os do petr6leo - os quais, em sua opiniao, provocando aumentos correspondentes nos pre<;;os da gasolina, fariam com que as pes­soas racionassem suas safdas de carro e se voltassem preferencial­mente para formas domesticas de lazer, o que favoreceria as ven­das de disco 1 00•

''5 Jamal do Brasil, ! 3 .7. 1 978.

96 Idem, 9.9. 1 979.

97 Veja , ! 9 .9. ! 979.

98 Jornal do Brasil, ! 6. 7 . 1 979.

''" Ibidem . 10° Folha de S. Paulo, 1 8 .3. 1 979.

96

BRASIL, ANOS D E 1 970

Essas vendas, entretanto, continuavam sofrendo os efeitos da infla<;;ao, sendo noticiado que o mercado de "saldos" aumentava de ano para ano, chegando a representar 90% do movimento de algu­mas loj as 1 0 1 • Alem disso, mesmo que do ponto de vista dos estoques de materia-prima os fabricantes estivessem prevenidos, o novo che­que do petr6leo nao deixou de afeta-los de alguma maneira, na medida em que, numa primeira tentativa de adaptar a economia brasileira, via recessao, as dificuldades crescentes no campo das trocas e dos emprestimos internacionais, o governo, entre outras coisas, determinou, atraves de portaria do Conselho Nacional do Petr6leo, a redu<;;ao das cotas de fornecimento mensa! de 6leo com­bust! vel para as industrias, sendo que a cota do setor fonografico tornou-se 1 0% menor do que seu consumo media dos ultimos tres meses do ano al'l.terior1 02• E a situa<;;ao piorou ainda mais quando, em maio, urn a nova portaria cortou em mais 1 0% o fornecimentci para 0 setor e alterou a base de calculo das cotas, passando a levar em conta o consumo media anual - que era, para a industria fo­nografica, muito menor do que o consumo media dos ultimos tres meses do ano103• Os fabricantes reagiram a essas medidas alertando para suas conseqiiencias nefastas - que eram basicamente as mes­mas antes apontadas por eles para reivindicar o fim da taxa de im­porta<;;ao de materia-prima, no contexto do primeiro choque do petr6leo. A diminui<;;ao da produ<;;ao, a suspensao dos novos lan<;;a­mentos, a recusa em fazer a prensagem de discos alheios por parte das gravadoras que tinham fabrica e ate mesmo urn inexplicavel aumento nos pre<;;os dos discos eram novamente cogitados104 • As medidas do governo brasileiro chegaram a ser discutidas nas reu­ni6es das federa<;;6es internacionais de produtores de disco que se realizaram no Rio, em setembro desse ano - quando foi noticiado,

1 0 1 Ibidem. 1 1 12 0 Estado de S. Paulo, 25.7. 1 979.

'"' Ibidem. 1 04 0 Estado de S. Paulo, 2 5.7. 1 979;/ornal do Brasil, 1 .8 . 1 979.

9 7

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INDDSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

por outro lado, que ate aquele momenta o governo vinha permi­tindo a ultrapassagem das cotas destinadas a cada empresa, sendo que o objetivo da industria com seus alertas era na verdade sensi­bilizar o governo para que exclufsse o setor fonografico dos novos cortes que porventura fossem feitos em novembro, quando seriam definidas as cotas para o proximo ano. E, entre os argumentos en­tao utilizados com esse objetivo, encontram-se novas referencias a importincia do disco como opc;ao de lazer em epoca de crise 1 05•

Ora, o mesmo argumento seria utilizado no ano seguinte, por produtores da EMI-Odeon, para justificar que 1 979 tivesse sido, apesar de tudo, o melhor ano para a sua companhia, principalmen­te nos ultimos tres meses 106• E, embora o presidente da ABPD nao considerasse entao que 1 979 fora o melhor ano para a industria fonognifica como urn todo, falando ate mesmo numa desacelerac;ao sofrida pelo setor no perfodo, referia-se tambem a uma recupera�ao verificada nos ultimos meses e calculava que o mercado de discos crescera aproximadamente 7% nesse ano107 - o que nao era sur­preendente apenas em relac;ao ao desempenho da economia brasi­leira no perfodo mas tambem em relac;ao as dificuldades enfrenta­das pe la p ropria industria fonografica internaciona l , que enfrentara em 1 979 uma crise s em precedentes, tengo sido registra­da uma queda de 20% no consumo mundial de LPs no primeiro semestre do ano108 • Sobre as d ificuldades internas, relativas ao for­

necimento de cotas de oleo combustive! pelo governo, nao encontrei nada que tenha sido publicado no ano seguinte - de onde se con­clui que, tambem para a industria fonografica, o abandono tempo­rario de polfticas recessionistas, que se seguiu a volta do ate entao desenvolvimentista ministro Delfim Netto ao centro das decis6es, representou o adiamento da crise para os anos seguintes, quando

1111 Jornal do Brasil, 9.9. ! 979 e 1 7.9. 1 979. 1 1'6 Jornal do Brasil (Revista de Domingo), 27. 1 . 1 980.

1 1" Ibidem.

'"' lsto E, 1 9.9. 1 979.

98

BIV\SIL, ANOS DE 1 970

ela de fato viria com todas as sua s conseqiiencias109. Mas isso j a e outra historia.

0 que interessa aqui e relacionar essas diferentes conj unturas vividas pela industria fonografica no Brasil ao maior ou menor interesse demonstrado por essa industria em relac;ao a musica po­pular brasileira em diferentes momentos, buscando ao mesmo tem­po registrar outros dados e reiterar as mesmas conclusoes ja citadas a respeito da evoluc;ao e da composi�ao do mercado brasileiro de discos no perfodo.

VI

Ao que parece , embora nao tenha sido suficiente para impedir a continuidade do crescimento do mercado brasileiro de discos, a primeira crise internacional do petroleo trouxe, entre suas conse­quencias internas, urn acrescimo de dificuldades aos novas com­positores-interpretes de MPB, que ja sofriam as agruras de uma conjuntura polftica desfavoravel. De fato, em 1974, falando sabre as mudan�as que fatores conjunturais como a crise do petroleo e a infla�ao haviam provocado na forma de atua�ao de sua com­panhia no Brasil, o ainda entao diretor da Philips-Phonogram, Andre Midani, dizia que tinha sido provisoriamente abandonada a antiga preocupa�ao da gravadora com novas contratac;oes e com a descoberta de novas vanguard as, preocupa�ao essa que teria sido intensa na fase dos festivais da televisao1 10• Falando sabre a Phono-73 - que tinha sido promovida por sua companhia no ano anterior, pouco antes da ocorrencia do choque nos pre�os internacionais do petroleo - Midani chegaria agora a afirmar que ela fora "urn enterro de primeira categoria de toda uma epoca brasileira que

1 09 B. Lamounier e A. R. Moura, " Polit ica economica e abertura politica . . . " , p . 1 4 . 1 10 Expansiio, 2 1 .8 . 1 974.

Page 50: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

1 \: l l l!STIU,\ F C lNOC� RAF I C\: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

havia come�ado com a Bossa Nova" " ' . E, de fato, muitos dos novas compositores- interpretes de MPB que se tinham apresentado ao publico naq uelas q uatro noites de espetaculos no Anhembi aca­baram sendo eliminados do elenco da Philips-Phonogram, sendo esse o caso nao apenas de Fagner, que saiu da companhia ainda no final de 1 973, mas tambem de Jards Macale, Sergio Sampaio e Luiz Melodia, que seriam demitidos entre 1 974 e 1 975 1 1 2 - o que nao deixa de ser i lustrativo desse ·refluxo temporario no interesse ja restrito da industria fonografica pela MPB.

Contuclo, na propria entrevista de Andre Miclani em que foram fei tas as afirma�oes acima citadas, ha urn dado que pode apontar para uma clire�ao completamente oposta: segundo Midani, os es­for�os de sua companhia antes voltados para a descoberta de novos talentos voltavam-se agora para a implanta�ao de " infra-estrutura", com o infcio cia constru�ao de urn moderno estuclio de 1 6 canais na Barra cia Tij uca 1 1 3• Ora, so monta estudio no Brasi l quem pretende gravar aqui . E, sabendo-se que as gravadoras RCA e EMI-Ocleon tambem estavam construindo estudios novas em 1 974, e possfvel concluir que, a mais Iongo prazo, o que estava por vir era na ver­dade urn aumento nos investimentos da industria fonografica em musica brasileira - cujo obj etivo pocleria ser, j ustamente, conso­l iclar de uma vez por todas urn mercaclo que atravessava entao sua primeira turbulencia, apos anos de crescimento acelerado. No caso especffico cia Philips-Phonogram, alias, pode-se mesmo inferir que tais investimentos se dariam na dire�ao da propria MPB, dada a importancia que Andre Miclani dizia desde entao atribuir a figura do compositor- interprete e as faixas do mercaclo nas quais essa fi­gura lhe parecia ser j a naquela epoca predominante 1 1 4 • A mesma importancia seria reiterada por Midani em 1 976, quando cleixou a

1 1 1 Ib idem. 1 1 2 Banas, I 0 .3 . 1 975 . 1 1 1 Expansiio, 2 1 .S . I 974. 1 1 1 Ibidem.

1 00

BRASIL, ANOS DE 1 970

Philips-Phonogram para fundar a WEA no Brasil afirmanclo que o reduzido cast nacional da nova gravaclora seria formado apenas por artistas que tivessem menos de 30 anos e que fossem tambem com­positores das musicas que interpretavam - alem de partilharem da nova mentalidade que, como vimos, Midani atribufa aos artistas de MPB que tinham surgido a partir do Tropicalismo, uma vez que ele cl izia estar selecionando apenas artistas que soubessem "admi­nistrar suas proprias carreiras" 1 1 5 •

De fato, a propria recupera�ao do ritmo anterior de crescimen­to do mercado, que se seguiu a desacelera<;ao de 1 973 , deu-se atra­ves de urn investimento maci<;o em musica brasileira, que provocou o chamado boom do samba em meados da decada 1 16• No entanto, o que nos importa registrar aqui sao certas iniciativas de investimen­to que, ocorridas na mesma epoca, se voltavam justamente para a reconquista da juventude para a musica b rasileira, atraves do lan­<;amento agora politicamente viavel de inumeros novos artistas de musica popular brasileira.

Uma dessas iniciativas partiu da Continental - que, j unta­mente com a Chantecler, ja revelara, como vimos, toda uma safra de novos compositores-interpretes de MPB nos anos anteriores, embora tambem nao tivesse oferecido estrutura para a continui­dade da carreira artfstica de nenhum deles. E, da mesma forma como o produtor Walter Silva tivera urn papel de fundamental im­portancia na media<;ao entre aqueles novos artistas e a gravadora que entao os acolhia, agora seria a vez do produtor Carlos Alberto Sion desempenhar papel igualmente importante na sele<;ao dos artistas que, naquele momento, podiam interessar ao novo projeto da companhia. Sobre isso, o proprio Sion diria, na entrevista que me concedeu:

1 1 5 Jornal do Brasil, 1 1 .7 . 1 976. 1 1 6 Jornal do Brasil (Revista de Domingo), 27. 1 . 1 980; Margarida Autran, "Samba, artigo

de consumo nacional", p. 54.

1 0 1

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

[ . . . ] eu estava a fim de trabalhar com uma nova tendencia da musi­ca popular brasileira, conhecia a fam!lia que d irige, preside a Con­tinental, a famflia Byington . . . e eles me falaram . . . eles trabalhavam muito com a musica nordestina, mas na area nordestino-sertaneja, ne?, e depois com a musica do interior de Sao Paulo, do interior de Goias, uma musica regional. Mas eles queriam uma coisa jovem, para urn publico culturalmente mais abrangente, pra universitario, essa coisa toda . . . 1 1 7

Entre os artistas entao selecionados por Sion estava Fagner, que, como vimos, gravou na Continental, em 1 975, o segundo LP de sua carreira, passando no ano seguinte, por meio do mesmo produtor, para a gravadora CBS. E, segundo se pode concluir das palavras de Sion, o projeto da gravadora CBS ao qual se adaptava o trabalho do compositor cearense era tambem nessa epoca voltado para aquele mesmo segmento jovem do mercado:

[ . . . ] eu ja fazia alguns discos tambem na area da musica eletrica ou rock brasileiro, como as pessoas falam, ne? E o Jairo Pires era produ­tor da Polydor. 0 Jairo Pires foi para a CBS e colocou que seria inte­ressante a gente desenvolver urn trabalho juntos, em fun<;ao de que teria urn espa<;o para uma musica nova, uma vez que a empresa era Roberto Carlos, a sua maxima estrela. E O S outros a�tistas da area da musica jovem, o ie-ie-ie, ja tinham mudado para outras empresas. Entao, enfim, tinha urn espa<;o novo, tinha uma possibilidade de urn investimento num segmento novo do mercado por parte da CBS, que vinha com urn novo presidente internacional, com mais or<;amento para investir na America Latina, enfim, com condi<;6es de fazer esse sonho realizavel, ne ? 1 1 8

Ora, o que acabou resultando desse projeto da CBS foi justa­mente o chamado boom nordestino ocorrido nos anos finais da decada de 1 970, ao qual j a nos referimos. E a importancia que os artistas nordestinos tiveram para a industria fonografica foi ressal-

1 1 7 Entrevista com Carlos Alberto Sian, realizada par mim no dia 14.7.1 986.

1 1' Ibidem.

1 02

BRASIL, ANOS DE I 970

tada pelo proprio Sion, que parece te-la pressentido antes mesmo

que pudesse dar infcio a concretiza�ao de algumas de suas ideias

na Continental:

Eu estava procurando fazer urn trabalho com urn outro segmento do mercado fonografico, que eu ach ava que teria condi<;oes, primeiro, de mudar a linguagem em termos musicais que estava acontecendo naquele momento da musica popular brasileira. Depois, que seria rna is uma alternativa tanto artfstica quanto comercial para a musica popu­lar brasileira. Porque, se voce vir a percentagem que a musica popular brasileira ocupava nas mfdias naqueles anos, na decada de 60, depois veio a de 70, voce ve o que representou esse grupo todo novo de ar­tistas, que Fagner e Belchior que puxaram. Veio Ednardo, Amelinha, Geraldo Azevedo, Alceu Valen<;a, Ze Ramalho, o con junto do Quin­teto Violado. Quer dizer, nao e uma coisa isolada. Foi toda uma tendencia que o mercado puxou e a industria foi obrigada a dar par­que ate entao era a for<;a individua l de Fagner, de Belchior, minha e alguns j ornalistas que eram as pessoas que mais acreditavam nessa tendencia nova do mercado, porque a industria praticamente estava muito passiva [ . . . J E o momenta da musica popular brasileira que estava pro pens a a dar frutos em termos industriais, pra coisa do dis­co, pra coisa do show, mas estava todo mundo muito trancado em termos de investimento . . . 1 1 9

Uma outra iniciativa no sentido de reconquistar o publico jo­vem para a musica popular brasileira envolveu da mesma forma urn produtor consagrado, Marco Aurelio Mazola, e urn compositor­interprete nordestino, Belchior - iniciativa essa que nao deixa de estar, por outro lado, tambem relacionada com o projeto mais am­plo de uma gravadora, a WEA. Vimos quais estavam sendo, em 1 976, os criterios de Andre Midani na sele�ao de artistas para o cast na­cional de sua nova companhia, criterios esses que indicavam uma nftida preferencia por artistas de MPB . E, de fato, o primeiro con­tratado nacional de Mid ani na WEA foi justamente Belchior, trazi­do por ele da Philips-Phonogram juntamente com Mazola, que !a

1 19 Ibidem.

1 rl 1

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I N D U STRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

produzira o LP Alucinar;iio do artista 1 20 - que como vimos estava sendo, no mesmo ano de 1 976, sucesso absoluto de vendagem e execu�ao.

Ja em 1 977, o gerente comercial da WEA, Paulo Genaro, falan­do sobre o que !he parecia estar sendo uma queda nas vendas de discos depois da explosao do samba dos anos anteriores, voltaria a demonstrar a importancia conferida a MPB pela gravadora, en­quanta alternativa para a continuidade do crescimento do mercado, referindo-se entao a falta de urn movimento musical como razao para a falta de "empolga�ao" por parte dos possfveis consumido-

1 2 1 E' · ·

res . Interessante regtstrar que nesse mesmo ano a WEA estava lan�ando no mercado o con junto A Cor do Som, que buscava apro­veitar o modismo en tao existente em torno do chorinho para adap­ta-lo ao gosto dos consumidores mais j ovens 1 22•

De fato, e nesse mesmo contexto que se pode compreender a adapta�ao da musica de Belchior ao ritmo discotheque, modismo do ano seguinte que Mazola utilizou no LP Todos os sentidos do artista e tam bern nos di scos de N ey Matogrosso e das Freneticas, todos produzidos em 1 978. Sobre isso, foi corn extrema desenvol­tura que Mazola falou, em entrevista concedida a rnim:

Eu transformei toda a ml'1s ica para que virasse uma coisa com apelo de fazer sucesso. E fazer com que aque la letra fosse tao . . . porque eu achava tambem que o Belchior ficava falando tambem toda bora que o neg6cio

estava ruim . . . entao, pudesse infi ltrar nas discotecas, atraves do ritmo. En tao eu fiz esse neg6cio, quer dizer, eu bolei, eu mudei toda a musica dele, toda a musica mudei e com essa fina1idade de fazer isso. E ele foi sucesso. Na mesma epoca estavam surgindo as danceterias, entao eu fiz As Freneticas, com Dancing days, e fiz o Belchior, e fiz o Ney, com Niio existe pecado ao sul do equador. Fiz tres . Os tres nos Estados Unidos. Eu cheguei Ia, peguei OS melhores musicos de danceteria. D igo: "o1ha, eu quero fazer isso para d iscoteca" . Af foi d ificflimo, o neg6cio do Belchior,

1 2" Jornal do BraJil, I 1 . 7 . 1 976; Vi,-ao, 6. 1 2 . 1 976. 1 2 1 Folha de S. Paulo, 28 .4 . ! 977.

"' 0 Est ado de S. Paulo, 2 . 1 0 . 1 977.

1 04

BRASIL, ANOS DE ! 970

porque nao clava ... eu tive que fazer ... mudar a segunda parte da musica,

tudo, a gente teve que ... E todo mundo, na hora que recebeu o disco, todo mundo s6 faltou me matar123•

Em certo sentido, essa iniciativa de Mazola em rela�ao ao ritmo discotheque antecipava o que viria a ser a recente onda do rock dos anos de 1 980, mornento culrninante da adapta�ao da produ�ao fo­nografica brasileira a juventude do mercado. De fato, se a chamada discotheque brasileira nao teve a mesma for�a do chamado "rock

nordestino" para impor-se naquele rnomento, ela estava contudo mais proxima do atual rock do que este, dado que cornpletamente esvaziada de conota�6es regionalistas e , portanto, muito mais adap­tada a provavel urbanidade de seus j ovens consumidores. E impor­tante nesse sen!;ido assinalar que Mazola foi produtor do con junto de rock RPM e que, uma vez passada a moda discotheque e antes da onda do rock chegar, ele passou a produzir os discos de alguns dos maio res nomes do chamado boom nordestino, chegando a produzir, por exemplo, LPs que representaram grande sucesso de vendagem e execu�ao nas carreiras de Moraes Moreira, Alceu Valen�a e Elba Ramalho em 1 982, ja en tao na gravadora Ariola. Da mesma forma, e importante assinalar que a propria musica dos nordestinos con­teve em si, desde os primordios, os germes do novo rock dos anos de 1 980, fato esse que pode ser i lustrado, por exemplo, atraves da presen�a de Lulu Santos e de Lobao entre OS musicos participantes do ja citado LP de Fagner para a Continental. Isso parece indicar a identidade de todos esses movimentos no que diz respeito a sua importancia para a industria fonografica enquanto produtos apro­priados aos j ovens e ao objetivo de transforma-los nos principais consumidores de discos no Brasil .

De fato, ao final da decada de 1 970, era j ustamente sobre a magnitude da popula�ao brasileira e sobre a alta porcentagem de jovens na composi�ao dessa popula�ao que se assentavam as espe-

1 2 3 Entrevista com Mazola, realizada por mim no dia 14 .7 . ! 986.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

ran�as da industria fonografica no sentido de continuar ampliando seus negocios no Brasil, apesar da crise que essa industria atraves­sava entao em termos mundiais124 • E se a faixa etaria dentro da qual se considerava possfvel continuarem crescendo as vendas de disco era ainda urn pouco mais elevada do que fora com urn nos maiores

d d . . 1 25 d . merca os mun 1a1s , tu o parena estar preparado para que nos anos de 1980, atraves do rock, essa faixa se tornasse o mais proxima possfvel daquela que representara, nesses mercados, uma demanda Segura para OS grandes astros da musica j ovem internacional, atra­ves de cujas vendagens a industria fonografica mundial conseguira obter o espantoso crescimento registrado nos anos de 1960. Mas nao cabe discutir aqui a evolu�ao do mercado de discos no B rasil para alem dos anos de 1 970. 0 que importa e que tenha sido devidamen­te registrada a importancia que os compositores-interpretes de MPB surgidos na decada de 1 970 tiveram para a industria fonografica do Brasil no sentido de preparar essa evolu�ao.

124 Veja, 1 9.9. 1 979; ]omal do Brasil (Revista de Domingo), 27. 1 . 1 980. 125 Jamal do Brasil (Revista de Domingo) , 27. 1 . 1 980.

1 0 6

I

2

RELA( O E S D E P R O D U(AO E DIRETTO

AUTO RAL : C O N C E P ( O E S , P RATICAS

S O C IAlS C O N C RETA S E H I STORIA

Ha mais distancia entre o ceu e a Terra do que pode suspeitar a va filosofia - mesmo que a ela agrade ampliar indefinidamente as distancias e mesmo que fa<;;a vistas grossas ao horizonte mais longfnquo, onde ceu e Terra chegam mesmo a parecer que se en­contram !ado a !ado. A parafrase serve para ilustrar o que se passa com a industria cultural : por mais que se possa conceber "indus­tria" (ou produ<;;ao material) e "cultura" (ou arte, filosofia, sensibi­lidade para as coisas belas) como universos autonomos e indepen­dentes, ta!vez nao sej a possfveJ imaginar 0 quanta OS univerSOS denominados da cultura e da produ<;;ao podem manter-se separados justamente naquela situa<;;ao que parece surgir de sua associa<;;ao recfproca - e que tanta perplexidade causa por isso a quem s6 sabe concebe-los completamente dissociados 1 • Mas isso chega a ser com­preensfvel : a propria perplexidade diante do que parece ser a uniao pr:itica de duas dimensoes contraditorias da vida social faz com que se procure demonstrar analiticamente que essa uniao s6 foi passive! porque a cultura, de uma maneira ou de outra, foi subjugada pelos princfpios da produ<;;ao material e deixou de ser ela mesma, atraves

1 Refiro-me a q u i especifica mente its coloca�6es te6ricas de Hannah Arendt sabre c ultura de massa, ja d iscutidas na i n t rodu�ao deste livro.

1 (\ '7

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I N i l (iSTRIA FONOCRAFI C:i\ : VM ESTUDO ANTROPOLOGICO

da pe rda de caracte rfsticas essenciais e da transforma�ao em ob­jeto de consumo2 • Ao contrario, quando aceitamos a possibilidade do encontro do ceu com a Terra no horizonte mais longfnquo e encaramos o fenomeno empfrico denominado industria cultural sem perplexidade, podemos nos aproximar urn pouco mais dele e, tal como quem se a proxima do horizonte, descobrir que o encontro

do ceu com a Terra nao se realiza de fa to, quer dizer, descobrir que a uniao daquelas duas dimensoes da vida social nao ocorre de fato na industria cultural de maneira a que qualquer uma delas desa­pare�a nessa uniao. E isso nao porque a visualiza�ao de uma co­munhao entre produ�ao material e cultura, no horizonte teorico, seja tao ilusoria quanta a visual iza�ao do encontro entre a Terra e o ceu no horizonte concreto, mas porque, apesar de todos os seculos que nos separam da Grecia Antiga, ainda hoj e produ�ao material e o que se chama vulgarmente produ�ao cultural sao atribufdas a categorias diferentes de sujeitos sociais. E porque, devido a isso, as proprias concep�oes classicas de cultura - ou as ideias correlatas da especificidade do objeto cultural enquanto cria�ao do espfrito ou expressao da personalidade - tern espa�o garantido entre as representa�oes dominantes entre nos.

Ja veremos como a separa�ao entre produ�ao material e produ­�ao cultural se manifesta no interior da propria industria fonogra­fica, bern como a maneira pela qual essa mesma separa�ao esta assentada em representa�oes que tern como centro no�oes de cul­tura dessa natureza. Antes, porem, sera importante recordar que a percep�ao da separa�ao empfrica entre os universos da cultura e da produ�ao material no campo fonografico so foi possfvel a partir da supera�ao teorica das no�oes de cultura que sustentam essa propria separa�ao, bern como de certas no�oes que, embora cientificamen­te elaboradas , ainda guardam com elas alguma semelhan�a, na medida em que tambem se referem a urn universo limitado de

2 H . Arendt, "A crise na culrura: sua importancia social e polft ica", in Entre o passado e a futuro. Sao Paulo: Perspectiva, 1 972, pp. 248- 8 1 .

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RELA<;:OES DE PRODU<;:Ao E D I REITO AUTORAL

atividades, obj etos e atitudes humanas, induzindo a uma restri�ao do estudo da industria cultural a analise do conteudo dos produtos dessa mesma industria3• Por outro !ado, tal percep�ao so foi possfvel a partir da supera�ao de certas restri�6es que sao operadas pela propria antropologia, seja atraves do privilegio metodologico mui­tas vezes concedido as representa�oes em detrimento das praticas sociais concretas, seja atraves de uma redu�ao teo rica da propria no�ao de cultura a tais representa�oes4• Quer dizer, o ponto de partida de nosso trabalho foi j ustamente o desejo de fazer urn es­tudo da industria cultural que nao se limitasse a tradicional anali­se crftica do conteudo de seus produtos - e que, antropologica­mente falando, nao descuidasse nem das pn'iticas sociais nem das representa�6es a elas associadas, num campo em que esse objetivo contraria particu1armente a exclusao da produ�ao material do uni­verso da cultura, operada juntamente com a redu�ao do conceito antropologico originalmente abrangente de cultura5• Ou seja, foi j ustamente 0 desejo de incorporar a analise da industria cultural as praticas $0Ciais que estaO relacioriadas a produ�aO material desses objetos ditos culturais 0 que permitiu descobrir que e no nfvel das proprias rela�6es sociais de produ�ao que se manifesta a separa�ao entre produ�ao material e cultura que aqueles princfpios teoricos consagram. Percorramos pais, sem mais delongas, os caminhos dessa descoberta.

Para o observador atento nao deve passar despercebida a dis­tancia existente entre os estudios e a fabrica de uma gravadora como a Polygram, no Rio de Janeiro - distancia essa que pode ser vista como uma manifesta�ao daquela existente entre o ceu e a Terra que tomamos como metafora da separa�ao vigente entre a cultura e a

3 Refiro-me aqui a no�ao de cultura com que trabalhavam Adorno e Horkhe imer, cujas coloca�6es acerca da industria cultural foram analisadas mais profundamente na introdu�ao.

4 Vej a a esse respeito o que jii foi dito na primeira parte da introdu�ao e tambem a corre�ao a que submeti o argumento da necessidade do conceito abrangente de cultura na nota a esta segunda edi�ao.

5 Idem.

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INDUSTRIA FONOGMF!CA: UM ESTUDO ANTROPOLOG!CO

produc;;ao material, muito embora tenha de ser vista de qualquer maneira como uma manifesta�ao invertida dessa distancia meta­f6rica, dado que os estudios ficam na Barra da Tijuca, ao nfvel do mar, ficando a fabrica no Alto da Boa Vista, pertinho do ceu. Isso nao impede, contudo, que fabrica e estudios possam ser vistas como espa�os diferenciados segundo o atributo material ou cultural do trabalho que neles se desenvolve6: de fato, e nos estudios que se faz a grava�ao propriamente dita, e la que atuam interpretes, musicos, produtores e tecnicos de som, e Ia que se trabalha tendo justamente OS

sons como objeto de trabalho e e do processo de trabalho que Ia se desenvolve que resulta urn produto, a chamada "fita master" , que ja contem em si tudo o que de musical sera mais tarde contido pelo disco. Na fabrica, ao contrario, trabalha-se sobre objetos como o disco de aceta to, por exemplo, que e transformado pelos operadores de galvanoplastia naquilo que cham am de "madre", a partir da qual eles mesmos produzem depois as diversas "matrizes" que irao para as prensas, onde os prensadores, por sua vez, trabalham sobre a massa de vinil, produzindo finalmente os discos que consumimos; ou trabalha-se na analise da composi�ao das misturas qufmicas que servem a galvanoplastia; ou no controle de qualidade da "madre" ; ou na produ�ao e na distribui�ao da massa as prepsas; ou no con­trole de qualidade do produto final; ou finalmente na coloca�ao das capas e na embalagem do produto.

Contudo, essa divisao entre estudios e fabrica nao e exata : atua no espa�o ffsico da fabrica o tecnico de corte, cujo trabalho consiste, assim como o dos tecnicos de grava�ao e mixagem que atuam no estudio, na manipula�ao de sons atraves de sofisticados equipa­mentos eletronicos. Ele parece, portanto, fora de Iugar, sendo ainda 0 unico agente do processo de produ�ao de discos a trabalhar na

6 A descri�ao e a analise dos processos de trabalho que se desenvolviam nos estudios e na fabrica de discos baseiam-se nos dados obtidos nas visitas feitas em 1 985 aos estudios da EMI-Odeon e a fabrica da Polygram, as quais me referi na segunda parte da introdu�ao. Trata-se, portanto, de processos de trabalho anteriores aos de­senvolvimentos tecnol6gicos no campo da produ�ao e da circula�ao fonografica que marcaram sobretudo os anos de 1 990.

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RELA<;:OES DE PRODU<;:AO E D ! REITO AUTORAL

fabrica e a ter, ao mesmo tempo, seu nome divulgado nas contra­capas dos produtos. Mas tudo isso s6 reflete a ambiguidade dessa figura, ambiguidade advinda justamente do fato de que seu traba­

lho constitui o ponto de intersec�ao entre dois universos que se mantem separados: e o tecnico de corte quem realiza a transferen­cia dos sons fixados na fita master para o disco de acetato, contra­

lando esses sons em termos de volume e tonalidade. E, enquanto a fita master e o produto final do estudio, o disco de aceta to, uma vez devidamente "cortado" por esse tecnico, e de fato 0 objeto original de todo o processo de trabalho que se desenvolve na fabrica.

A separa�ao entre a produ�ao material e a produ�ao cultural deixa, porem, de coincidir com a separa�ao entre fabrica e estudios, quando ultrapassamos a analise superficial do processo de trabalho e perguntamos pelas rela�oes sociais de produ�ao existentes entre os diversos agentes desse processo e a empresa gravadora de discos7• Vemos entao que a separa�ao entre produ�ao material e produ�ao

cultural pode ainda ser percebida, mas que agora ate mesmo os tecnicos de som que trabalham no estudio estao inclufdos na pri­meira categoria, cujo sinal distintivo passa a ser a forma salario da remunera�ao que recebem. Ao contrario, os produtores culturais nao sao assalariados: O S autores e OS interpretes das musicas sao remunerados atraves de uma participa<;ao percentual nas vendas de seus discos, enquanto os musicos recebem caches por cada pe­rfodo de grava<;ao de que tomam parte - ficando dessa vez o pro­dutor numa posi�ao ambfgua, sendo ora urn assalariado, ora urn autonomo, e algumas vezes participando, independentemente des­

sa situa�ao, de uma porcentagem sabre as vendas dos discos que produz. Os novos subconjuntos surgidos a partir da utiliza�ao das

7 Os dados relativos as rela�6es de produ�ao foram obtidos por meio das entrevistas realizadas em 1 985 no Sindicato dos Empregados nas Empresas de Grava�ao de Discos e Pitas do Rio de Janeiro, no Sindicato dos Musicos Profissionais do Rio de Janeiro e nos departamentos j urfdicos das gravadoras Polygram, WEA e CBS, as quais tambem me referi na segunda parte da introdu�ao. Esses dados revelam, portanto, as rela�6es vigentes no mesmo contexto a que me referi na nota anterior.

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I N D U STRIA FONOGRA.F!CA: UM ESTU DO ANTROPOLC)C;JCO

re lac;oes de produc;ao como criterio de classificac;ao podem ser no­vamente relacionados a diferenc;as visfveis no proprio processo de trabalho: de fato, embora tanto tecnicos quanto artistas trabalhem com os sons, os primeiros atuam sobre eles atraves da manipulac;ao de equipamentos de gravac;ao, mixagem ou corte, ao passo que os segundos produzem diretamente esses sons, seja criando a obra musical, sej a dando a ela uma interpretac;ao vocal ou instrumental . Por outro !ado, a propria ambiguidade que marca as relac;oes de produc;ao do produtor com a gravadora pode ser relacionada ao fa to de que e eJe quem coordena OS trabalhos assim diferenciados que se desenvolvem nos estudios, sendo portanto caracterfstico de seu proprio trabalho realizar a junc;ao pratica dos universos de produ­c;ao material e cultural que la coexistem.

Mas isso nao e tudo. Se observarmos bern, veremos que as pro­prias formas de remunerac;ao dos arti stas, que se contrapoem a forma salario, diferenciam-se tambem entre si, dado que OS musi­COS, ao contrario dos autores e dos interpretes, que sao remunera­dos atraves de uma participac;ao percentual nas vendas dos discos, recebem unicamente urn cache por perfodo de gravac;ao de que tomam parte. Por outro !ado, para alem de diferenc;as que possam ser consideradas meramente nominais, e preciso analisar ate que ponto essas re lac;oes dos artistas com as gravadoras sao realmente diferentes da tradicional relac;ao do trabalho com o capital, que se constitui atraves da troca de forc;a de trabalho por salario - bern como descobrir ate que ponto essas mesmas relac;oes realmente se diferenciam no interior de seu proprio subconjunto. E o que tentaremos fazer a seguir.

Quanto aos musicos, na verdade, nao ha nada a acrescentar aquila que eles proprios, como categoria organizada, ha muito demonstram saber a respeito de si mesmos em sua relac;ao com as gravadoras de discos : sao trabalhadores como quaisquer outros, embora o nome "cache", atribufdo exclusivamente a sua remune­rac;ao, a ponte para urn reconhecimento ainda que apenas verbal da natureza especificamente artfstica dos servic;os que prestam.

1 12

RELAt;OES DE PRODUt;AO E D!RE!TO AUTORAL

Tal natureza, contudo, e reconhecida legalmente, sendo de fa to atribufda aos musicos participantes das gravac;oes uma parcela da quantia arrecadada pelo Escritorio Central de Arrecadac;ao e Dis­tribui<sao de Direitos Autorais (Ecad) entre OS usuarios de musica (emissoras de radio e TV, casas noturnas etc . ) e d istribufda, a titu­lo de remunerac;ao dos chamados direitos conexos ao direito de autor, aos interpretes, musicos e empresas produtoras das gravac;oes mais executadas por esses mesmos usuarios - ainda que a parcela destinada aos musicos seja proporcionalmente a menor de todas, cabendo a maior parte da arrecadac;ao do Ecad aos pr6prios autores das obras gravadas ou executadas, a titulo de remunerac;ao do di­reito autoral propriamente dito8• Ora, excetuando-se as empresas produtoras, cuja inclusao na l ista dos beneficiarios de direitos co­nexos devera ser•analisada separadamente, todos os demais bene­ficiarios tern os seus direitos j ustificados doutrinariamente pela natureza criativa de seu trabalho - justificativa essa que tambem analisaremos com mais profundidade a seguir. Por enquanto, cabe apenas salientar que, ao contrario do que faz a lei dos direitos co­nexos no que diz respeito a execuc;ao das gravac;oes, as empresas nao estendem aos musicos a forma tfpica da remunerac;ao dos ar­tistas no campo da prodw;;ao fonografica, que e, como vimos, a participac;ao percentual nas vendas dos discos. Remunerando-os apenas pelos servic;os prestados, a gravadora age como se de seu trabalho houvesse sido extrafda toda e qualquer possibilidade de criac;ao, reduzindo-se ele entao a uma mera execuc;ao mecanica de obra musical alheia - e isso acontece inclusive quando o musico, como arranjador, participa, em certo sentido, da propria composi­c;ao da obra, dado que o arranjo enriquece na maioria das vezes a obra apresentada pelo compositor, ainda que essa especie de co­autoria nao seja reconhecida publicamente na maioria dos casos.

' Os dados relatives a arrecada�ao e distribui�ao de direitos autorais e conexos foram obtidos por meio da entrevista realizada na Associa�ao de Musicos, Arranjadores e Regentes em 1 985, ja citada na segunda parte da introdu�ao.

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IND0STRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

Na verdade, o proprio direito conexo dos musicos, embora te­nha sido institufdo concomitantemente aos d ireitos conexos de

interpretes e de empresas produtoras, atraves da Lei 4.944, de 6 de abril de 1 9669, tardou mais de 1 5 anos para consolidar-se no Brasil ' '

em pniticas que efetivamente resultassem no recebimento de algu-ma remunera�ao por parte dos musicos participantes das grava�oes mais executadas 1 0 - o que tambem nao deixa de ser urn sinal de que o reconhecimento da natureza criativa do trabalho de execu­�ao musical e menos consensual do que o mesmo reconhecimento no que diz respeito aos trabalhos de composi�ao e interpreta�ao, demandando todo urn esfor�o coletivo dos proprios artistas para .ser efetivado concretamente, sobre o qual falaremos mais adiante. Em parte, isso talvez se explique pelo fato de que, conforme ve­remos a seguir, as concep�6es acerca da natureza especificamente criativa do trabalho artfstico, com base nas quais sao j ustificados os proprios direitos autorais, opoem-no a toda e qualquer outra forma de trabalho, enquanto a execu�ao musical, seja por significar, entre outras coisas, tambem o manejo tecnico de urn instrumento, seja por decorrer geralmente de urn aprendizado espedfico, assemelha­se mais a uma especie qualquer de trabalho especializado do que a atividade criativa tal como a concebem tais repr�senta�oes. Na verdade, porem, somente o autor se enquadra totalmente nelas, pois somente ele cria, de fato, uma obra original , enquanto musicos e cantores simplesmente dao a essa obra uma interpreta�ao ainda que pessoal e portanto tambem em certo sentido criativa - sen­do por isso que, mesmo os direitos de musicos e cantores sabre a execu�ao das grava�oes de suas interpreta�oes, embora legalmente reconhecidos, denominam-se direitos conexos ao direito de autor '

9 Consolidac;iio das Leis sabre Direitos Autorais. Rio de Janeiro: Grafica Auriverde Ltda., 1976, pp. 87-9.

10 Somente no dia 17 de junho de 1 982, com a aprovac;iio de urn plano de distribuic;iio de direitos conexos de execuc;iio musical pelo Ecad, e que foi criado urn mecanisme efetivo de remunerac;ao dos musicos em seus direitos Uomal do Brasil, 0 Globo e Jamal da Tarde, 1 8 .6. 1 982) . Voltaremos a esse assunto mais adiante.

1 1 4

RELAt;:OES DE PRODUt;:AO E DIREITO AUTORAL

e nao propriamente direitos autorais. Mas a analise das concepc,;oes

acerca da natureza do trabalho artistico nao sera aprofundada aqui,

sendo antes necessaria prosseguir a analise das relac,;oes concretas de

produc,;ao existentes entre artistas musicais e gravadoras de discos.

Muito mais complexa do que a relac,;ao de musicos com grava­

doras e a relac,;ao existente entre autores e interpretes, de urn !ado,

e empresas produtoras de discos, de outro. Como ja foi dito , tanto

autores quanta interpretes sao remunerados atraves de uma parti­

cipac,;ao nas vendas dos discos que contem suas obras ou suas in­

terpreta<;;6es. E importante frisar, porem, que a remunerac,;ao dos

autores decorre do proprio direito autoral, enquanto a remunerac,;ao

dos interpretes e estabelecida em contratos feitos diretamente entre

esses artistas e as empresas gravadoras - dizendo respeito a direi­

tos denominados "fonomedinicos", no primeiro caso, e "artfsticos" ,

no segundo. Por outro !ado, o trabalho dos autores participa do processo glo-

bal de produc,;ao de discos somente depois de haver-se materializado

em suas obras, sendo eles, en tao, mais do que simples vendedores de

forc,;a de trabalho, verdadeiros proprietarios de mercadorias - ainda

que nao seja correto, do ponto de vista da doutrina do direito auto­

raJ, falar-se em propriedade de obra artfstica ou literaria, conforme

veremos a seguir. Ja o trabalho do interprete participa diretamente

do processo de produc,;ao de discos e constitui uma prestac,;ao de

servic,;os que decorre, de fato, da propria existencia de urn contrato

com a gravadora - contrato esse que, por outro !ado, submete o

trabalho do artista a determinadas condic,;oes impostas pelo chamado

produtor fonografico, tais como local, data e horario das gravac,;oes,

numero de repetic,;oes necessarias a urn resultado satisfat6rio, nu­

mero e conteudo das interpretac,;oes gravadas ou numero, conteudo

e serie das gravac,;oes publicadas, por exemplo 1 1 •

1 1 Esses dados, bern como aqueles constantes dos paragrafos seguintes, foram retirados

do contrato celebrado em 1 977 entre a CBS e o compositor-interprete Mirab6 Dan­

tas, ao qual j a me referi na introduc;ao.

1 1 5

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I N D LJSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

Da mesma forma, enquanto o autor apenas autoriza a utiliza­<;ao de sua obra em determinada grava<;ao, sem necessariamente perder com isso o direito de autorizar a utiliza<;ao da mesma obra em outras tantas grava<;6es quantas lhe interessar e sem desobrigar a gravadora de obter nova autoriza<;ao a cada nova utiliza<;ao da obra ja gravada 12, o interprete, atraves do contra to, fica obrigado a prestar seus servi<;os com exclusividade aquela determinada em­presa durante a vigencia dele, obrigando-se muitas vezes a nao gravar interpreta<;6es das mesmas obras antes de transcorrido certo prazo desde a data do termino de tal vigencia e transferindo ainda a gravadora, em definitivo, a propriedade sabre as grava<;6es reali­zadas e sabre todos os suportes materiais dessas grava<;6es, desde a fita master ate os discos propriamente ditos, bern como os proprios direitos decorrentes da natureza artfstica do trabalho de interpre­ta<;ao, entre os quais o direito de autorizar ou proibir a transmissao das grava<;6es atraves do radio e da TV, a utiliza<;ao das grava<;6es em obras cinematograficas ou a reprodu<;ao das grava<;6es em outros discos de qualquer empresa do pafs ou do exterior, ainda que lhe seja ressalvado, nesse caso, o direito a uma remunera<;ao igual aque­la estipulada no contrato original.

Ora, bastaria que os interpretes, tal como os musicos, recebes­sem unicamente caches como remunera<;ao pelos servi<:;os artfsticos prestados a gravadora, para que a rela<;ao de produ<:;ao existente entre eles pudesse ser classificada como uma rela<:;ao tradicional entre trabalho e capital, diferenciada apenas por serem, musicos e interpretes, trabalhadores autonomos. Por outro !ado, o proprio autor, embora proprietario de mercadorias especfficas, poderia ser remunerado pela gravadora como trabalhador, desde que recebes­se unicamente alguma especie de salario por pe<:;a, tal como ocorreu freqi.ientemente durante o perfodo de transi<:;ao do artesanato me-

12 Lei 5.988, de 1 4 . 1 2 . 1 973, Arrigo 35 (Consolidafilo das Leis Sabre Direitos Autorais, p. 1 09) , comentado por Jose de Oliveira Ascensao em Direito autoral. Rio de Janeiro: Forense, 1 980, pp. 1 34-5.

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RELA<;:OES DE PRODU<;:AO E D I REITO AUTORAL

dieval para a moderna manufatura13, podendo-se mesmo falar, tan­to num caso como no outro, naquilo que Marx chamou de subsun­<;ao formal do trabalho ao capital, dado que, de fato, o processo de composi<:;ao musical nao sofre altera<:;6es substantivas por submeter­se, a posteriori, ao processo capitalista de produ<;ao de discos14 •

Vemos, contudo, que nada disso ocorre de fato. Em virtude da especificidade atribufda a mercadoria musical e da forma peculiar de propriedade que corresponde a ela, o autor nao entrega o pro­duto de seu trabalho a gravadora de uma vez por todas, em troca de alguma especie de salario, mas apenas autoriza uma determina­da utiliza<;ao desse produto em troca de uma participa<:;ao percen­tual nas vendas dos novas produtos surgidos a partir daquela u ti­liza<:;ao. Da mesma forma, o trabalho de interpreta<:;ao musical nao e remunerado efl.quanto trabalho, isto e, 0 interprete nao recebe caches pelas grava<:;6es, sendo alias tambem gratuito o trabalho de promo<:;ao publicitaria do disco a que fica geralmente o interprete obrigado pelo contrato celebrado com a gravadora - quer dizer, ele nao recebe caches sequer pelas entrevistas ou pelas atua<:;6es em radio e TV negociadas entre gravadora e emissoras com finalidade de divulga<:;ao, nas quais e utilizada sua propria imagem publica, recebendo apenas uma porcentagem sabre o pre<:;o de cada disco vendido pela gravadora como retribui<:;ao por todos os servi<:;os ar­tfsticos e promocionais prestados e por todos os direitos cedidos, entre OS quais esta geralmente inclufdo 0 proprio direito a utiliza­<:;ao da imagem em todo e qualquer tipo de material publicitario.

Temos, entao, que, ao contrario dos musicos, os autores e os interpretes nao se relacionam com a industria fonografica como trabalhadores comuns, mas antes participam do proprio risco do investimento de capital, na medida em que a remunera<:;ao de seu

1 3 K. Marx, 0 capital: critica da economia politica. Livro Primeiro: "0 processo d e produ�ao do capital"; Parte Sexta: "0 sal.irio"; Capitulo XIX: "Salario p o r pe�a". Rio de Janeiro: Civiliza�ao Brasileira, s.d., pp. 636-46.

1 4 K. Marx, 0 capital: crftica da economia politica. Capftulo Inedito. Sao Paulo: Ciencias Humanas, 1 978, pp. 5 1 -4 .

1 17

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

trabalho fica na dependencia da realiza�iio do valor da produ�iio capitalista de discos no mercado. Tal forma de remunera�iio niio pode ser de fato considerada sequer urn tipo especial de s�Uirio, na medida em que, associando autores, interpretes e gravadoras nos riscos do investimento, associa-os tambem em seus lucros e con-' ' seqtientemente, nos aumentos desses lucros, o que significa que deixa de haver entre autores e interpretes, de urn lado, e empresas gravadoras de discos, de outro, aquela contradi�iio fundamental existente entre trabalho e capital que se manifesta j ustamente atra­ves de uma rela�iio inversa entre saLirio e lucro15• Concretamente, a remunera�iio de autores e interpretes assume, assim, todas as caracterfsticas de lucro, sendo ate mesmo possfvel caracterizar a remunera�iio do autor como renda, isto e,. como parcela do lucro que lhe e destinada pelo ern'presario fonografico em raziio de ser ele, 0 autor, 0 unico proprietario legftimo do direito de explora�iio economica das obras musicais contidas nos discos, caracterizando­se a remunera�iio do interprete mais exatamente como lucro, isto e, como retorno de urn investimento direto do que poderfamos chamar urn capital artfstico na produ�iio fonografica.

E essa, de fato, a forma concreta da rela�iio de autores e inter­pretes com gravadoras: uma especie de sociedade ,no empreendi­mento, em que o autor autoriza a explora�iio de seu patrimonio musical e o interprete investe seu capital artfstico na produ�iio e na divulga�iio dos discos. Contudo, sob essa forma concreta esconde­se na verdade uma rela�iio particular entre trabalho e capital. De fato, ao contrario do que pode acontecer com o patrimonio imobi­liario rural, por exemplo - que gera renda a seu titular sempre que autorizada sua explora�iio capitalista, mesmo que a terra niio con­tenha em si qualquer valor gerado anteriormente por trabalho pro­prio ou alheio -, ocorre com o chamado patrimonio musical que ele sempre se constitui de obras que sao o produto do trabalho do autor que e titular do direito de sua explora�ao. Isso significa que,

15 K. Marx, Trabalho assalariado e capital. Sao Paulo: Global, 1 980, pp. 33-8.

1 1 R

RELA<;:OES DE PRODU<;:AO E DIREITO AUTORAL

ao entrar para a sociedade sui generis do empreendimento fonogra­

fico, o autor entra, na realidade, com seu proprio trabalho, contri­buindo assim diretamente para a produ�ao do valor das mercadorias resultantes desse empreendimento. Da mesma forma, o capital artfstico que 0 interprete investe na produ�ao de discos e na reali­dade o proprio trabalho de interpreta�ao para a grava�ao em si, que gera parte do valor da produ�ao fonografica, bern como todo o tra­balho que acaba desenvolvendo com vistas a promo�ao publicitaria dos discos, que contribui para provocar as vendas e conseqtiente­mente realizar o valor daquela produ�ao. Temos assim que tanto autores quanto interpretes, ao receberem, como socios especiais, uma porcentagem sobre o pre�o de venda de cada unidade produ­zida pela industria fonografica, participam na real idade da red is­tribui�ao de uma mais-valia que e produzida inclusive por seu proprio trabalho - ou ate principalmente por ele, na medida em que, como vimos, nao lhes e pago sequer 0 salario, isto e, 0 valor de sua for�a de trabalho, que seria de qualquer forma menor que o valor de sua produ�ao .

A situa�ao peculiar de autores e interpretes perante a industria fonografica advem de que ambos sao trabalhadores artfsticos que, ao contrario dos musicos, tern reconhecida pelas gravadoras a na­tureza particular que se atribui idealmente a seu trabalho. E o fato de que esse reconhecimento induz ao estabelecimento de rela�oes especfficas de produ�ao explica-se, por sua vez, a partir da ideia de que 0 trabalho artfstico nao e exatamente trabalho, sendo antes algo que se opoe radicalmente a ele, isto e, sendo antes uma atividade

de pura cria�ao do espfrito. Conforme veremos a seguir, essa ideia fundamenta a propria doutrina do direito autoral.

Antes de passarmos a analise das concep�oes acerca da nature­za do trabalho artistico, contudo, cabem ainda algumas observa�oes finais a respeito das rela�oes concretas de prod u�ao dos trabalha­dores artfsticos com as gravadoras. De fato, enquanto os musicos brasileiros, organizad�s em sindicatos, travaram nos anos de 1 980

verdadeiras batalhas trabalhistas contra as gravadoras, as quais

1 1 0

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I N DUSTRIA FONO<;RAFICt\: UM ESTU IJO ANTRO!'OLOGICO

chegaram a impor seu proprio piso salarial ou sua propria tabela mfnima de caches ainda que a forc;a de greves e paraJisac;oes1 6, OS

autores e os interpretes brasi leiros tem precisado lutar tambem desde os anos de 1 970, e com menos exito, contra seus socios capi­talistas, exigindo deles a numerac;ao dos discos como forma de con­trole sobre o montante das vendas e conseqiientemente sobre sua devida remunerac;ao 1 1• Isso demonstra que a exclusao de autores e interpretes do mundo do trabalho nao significa, senao idealmente, que eies estej am em melhores condic;oes do que O S musicos que nele se incluem para efeito de sua relac;ao com as gravadoras ­quando mais nao seja porque, nas sociedades sui generis que for­mam com essas gravadoras, autores e interpretes, ainda que socios, nao tem acesso a contabilidade do negocio.

Finalmente, e preciso atentar para a particularidade da propria acumulac;ao capitalista na industria fonografi ca, particularidade essa que decorre diretamente da explorac;ao do trabalho artfstico na produc;ao de discos. De fato, esse trabalho nao apenas contribui para a formac;ao do valor das mercadorias produzidas e conseqiien­temente para a produc;ao do lucro do capital, mas tambem e capaz de fazer aumentar ainda mais esse lucro atraves cia receita adicional representada pelos direitos conexos relativos a execuc;ao publica das gravac;oes - direitos dos quais o produtor fonografico somente participa porque investiu seu capital na produc;ao dessas mercadorias

" ' Jamal do Brasil, 1 2 . 2 . 1 982 ; 0 Globo, 1 3 . 2 . 1 9R2 ; ]ornal do Brasil, 1 6.2 . 1 982 e 1 7.2 . 1 982 ; 0 Globo. 1 8 . 2 . 1 982 ; Folha de S. Paulo e 0 Globo, 1 9 .2 . 1 982 ;Jornal do Brasil e 0 Globo, 4 .3 . 1 982 ; Jamal do Brasil, 1 7. 1 . 1 985; 0 Estado de S. Paulo, 1 9 . 1 . 1 985; 0 Globo, 2 . 2 . 1 985; Jamal do Pals, 1 0 .4 . 1 985 ; Megafone (Orgao Oficial do Sind icato dos Musicos Profis­s ionais do M u n icipio do Rio de janeiro) , n9 8 , abri l de 1 985 .

1 7 0 Globo, 2 . 1 2 . 1 973 e 2 0. 1 2 . 1 973; 0 Globo e Jomal do Brasil, 9 .5 . 1 974 ; Jomal da Tarde, 1 1 . 5 . 1 974; Jomal do Brasil, 2 7 .5 . 1 974; 0 Estado de S. Paulo e 0 Globo, 28 . 5 . 1 974; Jamal da Tarde e 0 Estado de S. Paulo, 29 .5 . 1 974 ; 0 Estado de S. Paulo, 7 . 7 . 1 974; Jamal do Brasil, 2 . 1 2 . 1 974 ; 0 Estado de S. Paulo, 29 .7 . 1 975 e 28 .9 . 1 975 ; Jamal da Tarde, 28 .9 . 1 975 ; 0 Globo e 0 Estado de S. Paulo, 8 . 1 0. 1 975 ; 0 Globo, 1 2 . 1 0 . 1 975; 0 Estado de S. Paulo, 8 . 1 1 . 1 975 , 2 1 . 1 1 . 1 975, 2 1 . 1 2 . 1 975, 2 . 4 . 1 976, 1 7.9 . 1 976, 1 7 .3 . 1 977 e 20 .3 . 1 977 ; Jomal do Brasil, 20 .3 . 1 977 e Oltima Hora , '5 .6. 1 982 .

1 20

RELAC,:0ES DE PRODUC,:AO E DIREITO AUTORAL

especfficas que sao os discos, suportes materiais de obras musicais e de interpretac;;oes artfsticas vocais e instrumentais.

De qualquer forma, o direito conexo dos produtores fonogra­ficos nao deixa de ser questionavel do ponto de vista da doutrina do direito auroral, na medida em que nao se pode atribuir a atuac;ao da gravadora qualquer papel criativo na produc;;ao dos d iscos, j a que a criatividade que importa ao direito auroral e especificamen­te artfstica ou literaria, como veremos a seguir, sendo tambem antes de qualquer coisa um atributo essencialmente humano e espiritual. A propria Convenc;;ao de Roma de 1 96 1 , que instituiu os direitos conexos e deixou em aberto aos pafses signatarios a opc;;ao de nao­adoc;;ao da clausula que preve remunerac;ao de interpretes , musicos e empresas produtoras pela execuc;;ao publica das gravac;;oes, ofere­cia, no interior dessa mesma cLiusula, a alteroativa de remunerar apenas os interpretes e os musicos por aquela execuc;;ao1 8 - alter­nativa que seria, sem duvida, mais coerente com a j ustificativa dou­trinaria do direito auroral.

Temos entao que, entre a doutrina e as diversas leis nacionais de direito de autor ou conexos, interp6em-se nao apenas os inte­resses diferentemente organizados dos varios segmentos artfsticos em cada um dos diversos pafses do mundo, mas tambem, e muitas vezes principalmente, os interesses das empresas que vivem da explorac;;ao desse tipo de trabalho. Assim, a exata compreensao da situac;;ao de autores, interpretes e musicos perante a industria fono­grafica exige o conhecimento do processo hist6rico que, em cada pafs concreto , deu origem a condic;;oes especfficas em razao da ado­c;ao ou nao de certas determinac;;oes legais e da existencia ou nao de fortes grupos de pressao, seja infl.uenciando tal opc;;ao, seja exigin­do o cumprimento efetivo das determinac;oes enfim adotadas. E por isso que, ap6s a analise das concepc;;oes acerca da natureza do tra­balho artfstico, que vem a seguir, empreenderemos um pequeno

18 Convenc;;ao de Roma, Arrigo 1 2 (Consolidar;iio das Leis sabre Direitos A utorais, p. 80) .

1 2 1

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INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

estudo do processo hist6rico que, no caso brasileiro, deu origem a atual situa�ao dos artistas da area musical quanto ao direito autoral e aos direitos conexos e quanto as rela�oes de produ�ao com a in­dustria fonografica.

II

Talvez nao encontremos manifesta�ao tao rica e ao mesmo tem­po tao condensada das concep�oes a que nos referimos quanto no seguinte trecho da palestra do professor Bruno Jorge Hammes, doutor pela Faculdade de Direito da Ludwig-Maximil ian-Uni­versitat de Munique e especialista em direito autoral, proferida durante o V Curso de Alto Nfvel para Jornalistas promovido em con junto pela UFRGS e pela Associa�ao Rio-Grandense de Impren­sa em 1 978:

0 que engrandece o homem e a sua participa�ao na obra da cria�ao. Essa participa�ao se da de maneira exfmia na atividade de seu espf­rito. Por ela o homem se assemelha a Deus e se distingue do animal que trabalha com a sua for�a bruta. Se a for�a ffsica consegue trans­formar a natureza e conquistar riquezas, o produto da inteligencia mostra o homem como rei da cria�ao, livre, fecundo, soberano. A atividade do autor e, ao lado da atividade inventiva, 0 indicador do grau de humanidade, de civiliza�ao e de progresso . . . 19

De fato, temos aqui explicitado o criterio com base no qual se estabelece idealmente uma diferen�a entre trabalho e atividades artfsticas, tais como as que nos interessam mais de perto: compo­si�ao, interpreta�ao e execu�ao musical. E importante observar que, para estabelecer essa diferen�a de maneira radical e j ustificar assim a propria existencia do direito autoral para regular especificamen-

1 9 B. J. Hammes, Curso de direito autoral. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1 984, p. 25.

1 22

RELA(OES DE PRODU(AO E DI REITO AUTORAL

te a produ�ao artfstica e litera ria , foi preciso conceber o polo opos­to - isto e, a produ�ao material ou 0 trabalho que "consegue trans­formar a natureza e conquistar riquezas" - como mero dispendio de "for�a ffsica" . Reencontramos, pois, a mesma no�ao abstrata de urn universo de produ�ao material circunscrito aos limites da na­tureza - que corresponde, em Hannah Arendt, a utiliza�ao do

termo "processo vital" para a designa�ao do processo de trabalho20• Da mesma forma, assim como Arendt contra poe ao "processo vital" urn universo de cultura nao apenas autonomo mas completamen­te incompatfvel com ele, tambem aqui se concebe a produ�ao dita cultural como uma "atividade do espfrito" que se op6e ao trabalho porque nao se constitui como mera transforma�ao da natureza, mas como cria�ao tao radicalmente autonoma em rela�ao a determina­�oes nao apenas naturais mas de qualquer especie, que, atraves dela, o ser humano chega a assemelhar-se a seu proprio deus, sen­do nomeadamente "livre, fecundo e soberano" .

A Lei do Dire ito Auroral tam bern e explicita nesse sentido2 1 • De fato, ela diz em seu artigo 6Q que sao obras intelectuais e portanto protegfveis pelo direito autoral as "cria�oes do espfrito de qualquer modo exteriorizadas"22• J a af se coloca contudo a necessidade de que, para obterem prote�ao, essas cria�oes do espfrito sej am exte­riorizadas, quer dizer, deixem OS reconditOS da alma humana para ganhar existencia como coisas - muito embora essas cria�oes do espfrito nunca cheguem a ser, por outro ! ado, mais do que "coisas incorporeas", como nos explica por sua vez o professor Jose de Oli­veira Ascensao23•

E j ustamente na natureza de coisa incorp6rea da obra artfstica ou literaria, alias, que esse especialista encontra a razao para a es-

10 Veja o que foi dito a esse respeito na introdu�ao deste trabalho. 1 1 Observe-se que me refiro aqui a Lei 5.988, de 1 4 de dezembro de 1 973, dado que a

primeira edi�ao deste l ivro foi publicada sete anos antes da promulga�ao da nova Lei do Direito Autoral (Lei 9 .6 1 0, de 19 de fevereiro de 1 998) .

21 Lei 5.988, de 1 4 . 1 2 . 1 973, Artigo 6Q (Consolidariio das Leis sabre Direitos Autorais, pp. 1 04-5 ) .

2 3 J. 0. Ascensao, Direito autoral. Rio de Janeiro: Forense, 1 980.

1 7 7.

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I N D llSTRIA FONOCRAFICA: UM ESTUDO t\NTROPOLOG ICO

pecificidade do direito de autor2·' - sendo justamente enquanto

"realidades alheias ao mundo ffs ico" ou "realidades espirituais" que e le define essas coisas incorp6reas,25 diferenciando-as tanto de

"coisas corp6reas materiais" quanto de "coisas corp6reas imate­riais" , dado que as ultimas, embora nao sej am "materia", sao ainda "realidades do mundo ffsico"26•

Segundo ele, por ser "coisa", a obra do espfrito humano nao poderia j amais ser protegida por urn direito de personal idade27,

muito embora ele concorde que haja certas faculdades do direito auroral passfveis de serem chamadas pessoais, que sao aquelas que a lei brasileira denomina Direitos Morais do Autor28 - quais sejam, direito de reivindicar a paternidade da obra, direito de ter seu nome citado como autor da obra sempre que ela for util izada, direito de

conservar a obra i nedita, direito de assegurar a integridade da obra bern como sua propria reputa<;ao ou honra como autor, opondo-se

a qualquer modifica<;ao ou a qualquer outro tipo de ato que possa

causar prejufzo a obra ou a si proprio nesse sentido, direito de mo­

dificar a obra a qualquer tempo e d ireito de retira-la de circula<;ao ou de suspender uti l iza<;oes ja autorizadas29 - sendo que somen­te essas duas ultimas faculdades, denominadas sinteticamente di­reito de modifica<;ao e direito de arrependimento, podem ser cha­

madas , segundo e le , d ireitos persona l fs s imos , sendo de fato comparaveis aos d i reitos de personalidade por nao serem transmis­sfveis nem atraves de cessao nem atraves de sucessao30.

Por outro !ado, afirma o professor que, por ser " incorporea", a

obra do espfrito humano nao pode ser protegida por urn direito de

propriedade, dado que, por sua propria natureza, a obra intelectual

24 Idem, op . c it . , p. 29. 2 1 Idem, op . cit . , p. 273. 21' Idem, op. cit . , p . 283.

27 Idem, op . c i t . , pp . 14-5 . 28 Idem, op . cit . , p. 7 1 .

2'' Lei 5.988, de 1 4 . 1 2 . 1 973; Titulo I l l : "Dos Direitos d o Autor''; Capitulo II : "Dos Di­reitos Morais do Autor" (Cansa!idafii.a das Leis sabre Direitos Autorais, pp. 1 07-8 ) .

' " J . 0. Ascensiio, Direito autaral, p. I l l .

1 24

RELA<;:OES DE PRODU<;:Ao E D!REITO AUTOML

e inapropriaveP' , ou sej a, "as ideias, uma vez concebidas, sao pa­trimonio com urn da humanidade"32 - e isso explica por que mes­mo as faculdades patrimoniais do direito autoral, denominadas pela lei brasileira Direitos Patrimoniais do Au tor e resumidas ao direito de utilizar a obra e de a utorizar sua utiliza<;;ao por terceiros33, nao conferem ao au tor a exclusividade sobre qualquer tipo de utiliza<;;ao de sua obra, mas apenas sobre as d iversas formas de explora<;ao economica dessa obra3\ entre as quais a lei brasileira chega a citar a edi<;;ao, a tradu<;;ao e a adapta<;ao ou inclusao em discos ou filmes, bern como algumas formas de comunica<;;ao publica com fins lu­crativos35. Disso tudo, conclui ele que o direito autoral e s imples­mente urn direito de exclusividade sobre a utiliza<;;ao economica de uma coisa incorporea36.

Ora, parece "Ser a mesma necessidade de diferenciar radicalmen­te a produ<;ao cultural protegfvel pelo direito auroral o que leva o proprio professor Ascensao a admitir, em outras circunstancias, que nao basta a obra ser coisa incorporea para que seja protegida pelo direito de autor, quando entao chega a criticar o emprego do termo "obras intelectuais" pela lei brasileira, apontando para a demasia­da amplitude da no<;ao correspondente37. De fato, diz o professor que s6 podem ser protegidas pelo direito autoral as obras intelec­tuais em que seja possfvel descobrir "urn mfnimo de criatividade ou originalidade"38. Ao mesmo tempo, o simples fato de se propor o emprego alternativo do termo "obras artfsticas e literarias" j a indica

3 1 Idem, op. cit., pp. 328-9.

32 Idem, op. cit., p . I I . 33 Lei 5 .988, d e 1 4 . 1 2 . 1 973; Titulo III: "Dos Direitos d o Autor"; Capitulo III: "Dos

Direitos Patrimoniais do Au tor e de sua dura�ao" (Cansalida§iia das Leis sabre Direi­tas Autarais, p. 1 08) .

34 J. 0. Ascensao, Direita autaral, pp. 333-4.

31 Lei 5.988, de 1 4 . 1 2 . 1 973; Titulo III : "Dos Direitos do Autor"; Capitulo III: "Dos Direitos Patrimoniais do Au tor e de sua dura�ao" (Cansalidafii.a das Leis sabre Direi­tas Autarais, p. 1 08) .

36 J. 0. Ascensao, Direita autaral, p. 337.

37 Idem, op. cit. , p. 16 .

3 8 Idem, op . cit., p. 1 7.

1 2 5

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INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

que a criatividade, no que se refere ao direito autoral, deve ter uma qualidade especffica, e nao apenas uma quantidade mfnima, sendo por isso possfvel falar em "valia estetica" como criterio decisivo da prote�ao39• D e fa to, o termo "obra artfstica e literiiria" exclui do campo das obras intelectuais protegidas pelo d ireito autoral nao apenas os produtos resultantes do desempenho do que poderfamos chamar as fun<;6es intelectuais do trabalhador coletivo, em que a "criatividade ou originalidade" pode ser considerada abaixo de al­gum mfnimo necessaria a prote<;ao, mas tambem as pr6prias obras cientfficas - que, na opiniao do professor, deverao ser protegidas pelo direito autoral somente em sua forma l i teraria40 - e ainda aquelas obras que poderfamos chamar tecnol6gicas - que deverao receber somente a prote<;ao alternativa da propriedade industrial, e mesmo assim apenas nos casos em que possam ser caracterizadas como " inven<;6es"4 I . Na verdade, ao fazer a distin<;ao entre "obra li­tera'ria e artfstica" e " inven<;ao" , o professor acaba en tao por retomar a ideia de uma autonomia absoluta da cultura enquanto cria<;ao do espfrito, na medida em que j ustifica a exclusao da " inven<;ao" do campo do direito autoral caracterizando-a como "descoberta", quer dizer, como m era percep<;ao, ainda que extremamente perspicaz, de rela<;6es jii existentes a priori entre coisas de qua�quer natureza - a qual 0 professor op6e 0 que seria a " inova<;ao"' quer dizer, uma forma de cria<;ao que assim desligada das coisas preexistentes parece-nos que brota do nada, mas da qual se pode sempre afirmar que brota diretamente do "espfrito humano" .

Por outro lado, o proprio fa to de que algumas obras intelectuais recebem a prote<;ao do direito autoral, enquanto outras sao prote­gidas pelo C6digo de Propriedade Industrial, parece decorrer de que nao se considera igualmente legftima a explora<;ao economica de umas e de outras, correspondendo a prote<;ao autoral j ustamente

39 Ibidem.

40 Idem, op. cit., p. ! 6.

41 Idem, op. cit., p. 8 .

1 26

RELA<;:OES D E PRODU<;:Ao E DIREITO AUTORAL

as obras estritamente denominadas culturais por Hannah Arendt, isto e, aquelas obras que deveriam existir com a (mica finalidade do aparecimento e em rela�ao as quais nao se deveria admitir outra atitude que nao fosse a admira�ao desinteressada.

De fato, entre as obras protegidas pelo C6digo de Propriedade Intelectual, s6 se encontram aquelas cujo destino legftimo e a par­ticipa�ao direta no processo de produ�ao material , tais como as "inven�6es suscetfveis de aplica�ao industrial" (Art. 6Q, § 3Q) ou os "modelos de utilidade", isto e, "toda disposi�ao ou forma nova ob­tida ou introduzida em objetos conhecidos, desde que se prestem a urn trabalho ou uso pra.tico" (Art. 1 0Q) , sendo imediatamente de­finidos tais objetos como "ferramentas, instrumentos de trabalho ou utensflios" (§ 1 Q) e sendo exigi do ainda que tal d isposi�ao ou forma nova "traga melhor util iza�ao a fun�ao a que o obj eto ou parte da maquina se destina" (§ 2Q) . Ate mesmo o "modelo" ou "desenho" relacionado unicamente a "configura�ao ornamental" de urn objeto e protegfvel pelo C6digo, desde que "possa servir de tipo de fabrica�ao de urn produto industrial" ou que "possa ser aplicado a ornamenta�ao de urn produto com fim industrial ou comercial", conforme diz o Artigo 1 1 Q42 •

Por outro !ado, tanto Ascensao quanto Hammes afirmam que o direito autoral surgiu ao mesmo tempo em que se tornou possfvel explorar economicamente as obras intelectuais que ele visa prote­ger, sendo citada entao a inven�ao da imprensa como marco inicial do desenvolvimento tecnico que teria possibilitado historicamente essa explora�ao43 • Quer dizer, parte-se do pressuposto de que, antes de serem utilizadas industrialmente, tais obras nao eram de fato nem deveriam ser de direito objeto de qualquer forma de explora­�ao economica. Contudo, onde quer que tenha havido trabalho artfstico, tera sido ele sempre remunerado atraves de alguma forma

42 Cddigo de Propriedade Industrial (Lei 5. 788, de 2 1 . I 2 . 1 97 1 ) , Artigos 6°, I 0° e I ! '. Rio de Janeiro: Aurora, s .d . , pp. 1 1 e I 3-4.

43 J . 0. Ascensii.o, Direito aut oral, pp . I -2 ; B. J. Hammes, Curso de direito autoral, pp. 25-8.

1 7 7

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I N D U STRIA FO NOGiv\ FICA: LIM ESTU DO ANTROPOLO G I C O

de redistribui�ao social da riqueza, o que significa que pode ter sido ele uma foote direta de sobrevivencia para muitos homens nos mais d iversos perfodos da hist6ria dos rriais diferentes povos ou na�6es. Ou seja, o direito autoral surgiu como uma garantia legal de re­muneras;ao do trabalho artfstico ao mesmo tempo em que surgiu uma forma especificamente moderna ou capitalista de exploras;ao das obras resultantes desse trabalho. E julgar que antes da utiliza­�ao economica capitalista as chamadas obras do espfrito nao eram utilizadas economicamente significa, na verdade, atribuir-lhes a mesma gratuidade e autonomia que sao inerentes as no�6es mais reificadas de cultura. Limitemo-nos contudo a analise das repre­senta�oes perceptfveis ao nfvel da doutrina do direito autoral.

Menos preocupado em definir a natureza corp6rea ou incor­p6rea das obras protegfveis pelo direito autoral, ou em estabelecer a especificidade dessas obras com base em caracterfsticas diferen­ciais atribufdas a cada urn dos diversos processos de produ�ao in­telectual, mas insistindo todavia em diferenciar do trabalho comum a atividade criadora das obras protegidas, o professor Bruno Jorge Hammes centraliza sua argumenta�ao em que as cria�6es do espf­rito sao, antes de qualquer coisa, manifestas;6es da personalidade de seus autores:

Essa criat;;ao nao e uma atividade med.nica, mas uma atividade do esp frito. Acionar urn botao, urn a alavanca, movimentar urn brat;;o ou urn a perna nao e ainda atividade propria a gerar urn Direito de Au tor. E necessaria urn a atividade do espfrito e a inda e preciso que o objeto produzido estej a impregnado da personalidade do seu autor. 0 obje­to e algo mais do que o procluto de urn movimento. A personalidade do autor se torna perceptive! no objeto. [ . . . ] Uma atividade cujo re­su ltado e impessoal, que poderia ser obtido indiferentemente tanto por A como por B, nao da origem a urn Direito de Au tor (por exemplo colocar em orclem a lfabetica uma l ista de palavras ou nomes - guia telef6nico )H

·H B . J . Hammes, Curso de dire ito autoral, p. 35 .

1 28

RELA<;:OES DE PRODLI<;:Ao E DIREITO AUTORAL

0 criteria utilizado por Hammes para diferenciar, entre as obras do espfrito humano, aquelas protegfveis pelo d ireito auro­ral parece ser, dessa maneira, menos restritivo do que o criteria utilizado por Ascensao para fazer a mesma diferencia�ao. Assim e que Hammes chega a afirmar a elasticidade das no�6es de arte e literatura para efeito da protes;ao autoral, dizendo nao ser necessa­ria que haja valor estetico para que haja protes;ao, bastando para is so que a obra artfstica ou literaria seja "pessoal"' is to e, " refl.ita a personalidade do autor" - ainda que seja obra tao "rudimentar" quanto uma redas;ao feita por uma crians;a nos primeiros anos de escolaridade, conforme o exemplo dado por ele mesmo para i lustrar seu argumento45 •

Contudo, assim como Ascensao, Hammes tambem considera que as obras cierttfficas nao devem ser protegidas em seu conteudo, mas apenas em sua forma literaria, embora alegue para isso uma razao bern pragmatica, qual seja, o " inconveniente" representado pela necessidade imposta a cada cientista no sentido de obter a autoriza�ao dos demais toda vez que precisasse fazer referencia a dados por eles divulgados anteriormente46 - sendo contudo pos­sfvel inferir que a propria restris;ao do que seria o conteudo cientf­fico aos dados contidos nas obras dos cientistas esteja relacionada ao mesmo pressuposto de objetividade presente na nos;ao de des­coberta com que Ascensao exclui as inven�6es do campo do direito autoral, embora, para Hammes, essa objetividade nao deva repre­sentar a limita�ao da liberdade potencial do espfrito h umano a

descoberta de rela�6es ja existentes a priori entre os dados, mas a ausencia de toda e qualquer influencia da personalidade do cien­tista sobre o resultado de seu trabalho.

A ideia de que a prote�ao auroral advem do que e chamado o carater "espiritual-pessoal" das atividades produtoras das obras artfsticas ou literarias justifica diretamente os direitos conexos de

41 Idem, op. cit., pp. 35-6.

46 Idem, op. cit., p. 36.

1 29

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

interpretes e musicos, tornando secundario que esses artistas nao criem uma obra original, mas apenas interpretem ou executem uma obra preexistente, dado que e sempre possfvel afirmar, como faz Hammes, que interpretas;ao e execus;ao nao sao atividades "med.­nicas" , mas que interpretes e musicos dao a obra preexistente " algo de seu"47• 0 mesmo nao ocorre com a ideia de que o direito autoral tern origem na crias;ao de uma obra artfstica ou literaria enquanto "coisa incorporea de valor estetico". De fato, como afirma Ascensao, interpretas;ao e execuc:;ao nao pod em ser consideradas obras seme­lhantes a obra musical interpretada ou executada, dado que esta se autonomiza, em relas;ao a atividade do autor, como resultante des­sa atividade, enquanto as outras consistem na propria atividade de interpretes e musicos, nao sendo portanto "coisas", mas sim "pres­ta<;;6es"48. Para j ustificar que tais presta<;;6es sej am de qualquer for­ma protegidas por direitos conexos ao direito de autor, torna-se entao preciso afirmar que elas complementam a cria<;;ao de certas coisas incorporeas, tais como a musica, que necessitam de fato da "media<;;ao humana" para concretizar-se, sendo considerado que o interprete e o executante trazem a obra preexistente uma "realida­de sonora nova" , algo que ela nao pode conter em si mesma mas que aihda assim faz parte de seu proprio ser, nao �avendo j amais a cria<;;iio de uma obra nova49•

Nem a ideia de atividade "espiritual-pessoal", nem a ideia de "coisa incorporea de valor estetico" servem contudo para justificar, direta ou indiretamente, os direitos conexos das empresas produ­toras. Ascensiio, que discute o problema, chega a aceitar que a com­plexidade da tecnica de gravas;ao e o grande investimento de capital por ela exigido j ustifiquem a prote<;;iio dos interesses do produtor fonognifico contra a reprodu<;;ao indevida de suas grava<;;oes , mas afirma que, para tal protes;iio, bastaria a proibi<;;ao da concorrencia

47 Idem, op. cit., p. 77.

'" J . 0. Ascensao, Direito autoral, pp. 273-4.

40 Idem, op. cit., p. 273.

1 30

RELA<;:OES DE PRODUC,:Ao E DI RE!TO AUTORAL

desleaP0• 0 que dizer, entao, da remunera�ao percebida por esse

produtor, nao em razao de alguma especie de reprodu�ao da gra­va�ao, mas em razao de sua simples utiliza�ao, ainda que com fi­nalidade lucrativa, por parte do comprador do disco ?

Descartando qualquer possibilidade de que o direito conexo da gravadora recaia sobre o suporte material das grava�oes, sobre o

qual recai de fato urn direito comum de propriedade que se esgota totalmente com a venda do produto, e descartando tambem a ideia de que o direito conexo da gravadora decorre de sua participa�ao na cria<;;ao da obra musical gravada, como ocorre no caso de interpre­tes e musicos5 1 , o proprio professor Ascensao termina por recorrer a razoes hist6ricas para explicar a existencia de tais direitos das gra­vadoras sobre a execu�ao publica das grava�oes. Segundo ele, tal forma de remunera<;;ao dos direitos conexos, obtida atraves da forte representa�ao dos interesses dos produtores fonograficos na Con­ven<;;iio de Roma, concretiza-se nos pafses economicamente desen­volvidos como parte de uma tendencia geral para o que seria "uma reparti�ao cada vez mais ampla das rendas, atraves de uma indi­vidualiza�ao cada vez mais discriminada das varias contribui�6es". Ja nos pafses pobres ou medianamente desenvolvidos, a ratifica�ao da Conven�ao de Roma - sem ressalva da clausula que preve tal remunera�ao e sem utiliza�ao da alternativa de remunera�ao ex­clusiva de artistas ou de gravadoras - explicar-se-ia em razao da existencia de fortes pressoes externas no sentido dessa ratifica�ao. Sugere mesmo Ascensao que esse seria o caso do Brasil , que nao apenas foi urn dos primeiros pafses do mundo a ratificar a Conven­�ao de Roma, na Integra e sem exclusao da remunera�ao de produ­tores ou de artistas, mas tambem instituiu urn periodo recorde de 60 anos para a prote�ao dos direitos conexos, equiparando-os assim ao direito de au tor, quando a med ia dos demais paises e de apenas 20 anos de prote�ao52•

'" Idem, op. cit . , p. 264.

" Idem, op. cit . , p. 278.

'2 Idem, op. cit . , p . 280.

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I N D USTRIA FONOGRAFIC,\ : U�t ESTUDO A N TROPOLO G I CO

Passemos, pois, tambem nos, a analise do processo hist6rico que, no caso brasileiro, conduziu a configura<_;ao atual das rela<_;6es de artistas com gravadoras no que se refere aqueles direitos de au­tor e conexos que sao nao apenas assegurados por lei mas tambem concretamente reconhecidos.

III

Com exce<_;ao da Constitui<_;ao do Estado Novo, todas as demais constitui<_;6es da Republica, desde 1 89 1 , tern assegurado, no capitu­lo relativo aos direitos e garantias individuais, o direito exclusivo dos autores de obras literarias, artfsticas e cientfficas a utiliza�;ao dessas mesmas obras. Por outro !ado, antes mesmo de 1 974, quan­do entrou em vigor a Lei 5 .988, o direito de autor ja era reconheci­do e discipl inado por uma serie de leis e decretos que diziam res­peito direta ou indiretamente a materia, bern como pelo C6digo Civil de 1 9 1 6 e pelo C6digo Penal de 1 940. Embora mais recente, a legisla<_;ao relativa aos chamados direitos conexos ao direito de au­tor e tambem anterior a Lei 5 .988, datando de 6 de abril de 1 966 a Lei 4.94453 , que disp6e sobre a prote<_;ao a arti stas, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusao e que e inspirada na Conven�;ao de Roma54•

Por outro !ado, data de 1 9 1 7 o inlcio da atua<_;ao dos titulares de direitos autorais na arrecada<_;ao das quantias devidas pela utiliza­<_;ao das obras protegidas e na distribui<_;ao do montante arrecadado entre si. No dia 27 de setembro desse ano, foi fundada a Sociedade Brasileira de Auto res Teatrais (Sbat) , primeira entidade arrecada­dora e distribuidora de direitos autorais do pals. Embora seu obje-

" Essa l e i toi revogada pela nova Lei do Direito Auroral (Lei 9.6 1 0, de 19 de fevereiro de 1 998), que, entretanto, i ncorporou seus d i spositivos.

14 A. Chaves; M. S. Barbosa e j . Pereira, "Direito auroral no Brasil : hist6rico", in A reorganizar;ao do Conselho Nacional de Direito Autoral (org. Jose Carlos Costa Nero). B rasfl i a : MEC, 1 982, pp. 1 3-6.

1 3 2

RELA(:OES D E PRODU(.AO E DIREITO AUTORAL

tivo principal fosse atuar na area do teatro, a Sbat recolhia e distri­bufa tambem direitos de autores musicais - fazendo-o com exclusividade ate 1 938, quando foi fundada a Associa<_;ao Brasileira de Compositores e Editores (ABCA), e deixando de faze-lo em 1 942,

quando seu departamento de compositores uniu-se ao grupo fun­dador da ABCA para criar uma nova entidade no Iugar desta : a Uniao Brasileira de Compositores (UBC), fundada em 22 de junho, sob a dire<_;ao de Ary Barroso.

Ao contrario da Sbat, que conseguiu centralizar definitivamen­te a arrecada<_;ao e a distribui<_;ao dos direitos de autores teatrais, a entidade dos autores musicais viu surgir a p rimeira dissidencia quando eram passados apenas quatro anos de sua funda<_;ao : em 1 946, seria criada a Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Nfusica (Sbacem) . E outras duas sociedades arreca­dadoras e distribuidoras de direitos autorais musicais seriam ainda criadas posteriormente: a Sociedade Arrecadadora de Direitos de Execu<_;ao Musical no Brasil (Sadembra ) , fundada em 1956, e a So­ciedade Independente de Compositores e Autores Musicais (Sicam) , fundada em 1 960. Isso levou a que se multiplicassem as queixas dos usuarios das obras protegidas, que passaram a receber mensalmen­te a visita de nada menos do que cinco agentes cobradores de direi­tos autorais. Assim e que, visando resolver esse problema, todas as sociedades autorais ate entao surgidas, com exce<_;ao da Sicam, reu­niram-se em 1 966 para criar o Servi<_;o de Defesa do Direito Autoral (SDDA) , uma especie de Escrit6rio Central de Arrecada<_;ao dirigi­do pelas pr6prias sociedades, as quais continuaram a fazer a distri­bui�;ao interna da parte que era destinada a cada uma delas de acordo com o volume do repert6rio e o numero de filiados. Ao surgir, em 1 9 67, para arrecadar e distribuir os direitos conexos que acabavam de ser reconhecidos legalmente, a Sociedade de Inter­pretes e Produtores Fonograficos (Socinpro ) , presidida por Carlos Galhardo, tambem se filiaria ao recem-criado SDDA55•

15 Idem, pp. 1 7-9.

133

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

Na verdade, a cria�ao do SDDA parece ter sido tambem uma resposta das sociedades arrecadadoras a certas amea�as ja entao existentes no sentido de uma interven�ao mais efetiva do Estado na questao autoral. De fato, em 1966 j a tinham sido divulgadas notfcias segundo as quais estava sendo elaborado urn projeto de C6digo de Direito Autoral e Conexos no ambito do Ministerio da Justi�a, projeto esse que previa a cria�ao de urn Conselho Nacional de Direitos Autorais e de urn Escrit6rio Central de Arrecada�ao de Direitos Autorais , sendo que o primeiro 6rgao seria incumbido de definir os pr6prios criterios de arrecada�ao e distribui�ao a serem praticados pelo segundo, o qual substituiria por sua vez as diversas entidades ate entao concorrentes no exercfcio dessas fun�6es56• Como tentativa de manter a situa�ao anterior diante da possibili­dade de mudan�a representada pela interven�ao estatal, a cria�ao do SDDA antecipou na verdade aquela que viria a ser a forma tfpi­ca de atua�ii.o das sociedades arrecadadoras nos anos de 1 970, pe­rfodo em que essa interven�ii.o acabaria se concretizando atraves da Lei 5.988 e da implanta�ii.o efetiva do CNDA e do Ecad. De fa to, conforme veremos a seguir, as antigas sociedades arrecadadoras reagiram de maneira muitas vezes eficaz as mudan�as que se tentou implantar nesse perfodo e que foram, por outro lado, quase sempre defendidas por autores e interpretes musicais que, alem de nii.o participarem dos quadros diretivos de tais sociedades, pertenciam a uma nova gera�ii.o de artistas cujos interesses nii.o estavam sendo devidamente defendidos por elas.

Essa gera�ao era j ustamente aquela formada pelos autores e in­terpretes da chamada MPB a que nos referimos no primeiro capftulo deste livro, OS quais passaram entao a vender discos e a ter musi­cas tocadas no radio e na televisii.o sem que isso fizesse aumentar a quantia que lhes era paga pelas sociedades autorais , dado que estas nao utilizavam a execu�ao em radio e televisao como criteria de distribui�ao dos direitos que arrecadavam. Descontentes, esses

16 Jamal do Brasil, 1 2 . 1 1 . 1 966.

n4

RELAc;:OES DE l'RODUc;:Ao E DIRE!TO AUTORAL

artistas passaram a ver nas mudan�as promovidas pelo Estado a oportunidade para uma moderniza�ao do sistema de arrecada�ao

e distribui�ao de direitos que os beneficiasse, moderniza�ao essa que representaria na verdade uma adapta�ao de tal sistema a nova realidade que ia se impondo a partir do crescimento da produ�ao e do consumo de discos e fi tas no Brasil e da importancia assumi­da por essas formas eletronicas de execu�ao musical em rela�ao

as apresenta�oes de musica ao vivo . :E nesse sentido que se pode afirmar a inter-rela�ao existente entre a evolu�ao do mercado fo­nografico brasileiro nos anos de 1 970 e a transforma�ao havida na

area do direito autoral musical no Brasil no mesmo perfodo, inter­rela�ao essa que se impos historicamente a despeito das rea\6es havidas em contd.rio por parte dos segmentos mais antigos da classe musical que estavam incrustados nas arrecadadoras. Contudo, con­forme veremos a seguir, o mesmo Estado cuja atua\ao favoreceu os segmentos mais modernos da classe musical foi tambem muito sensfvel nesse perfodo aos apelos da propria industria fonografica que entao se desenvolvia, o que acabou desfavorecendo esses mes­mos artistas nas quest6es mais diretamente ligadas as suas rela�6es com essa industria .

Todo esse processo sera analisado nesta segunda parte deste capftulo. E talvez seja correto come\armos tambem essa analise a partir de 1 968, pais dais fatos ocorridos nesse ano indicam clara­mente o desprestfgio a que haviam chegado en tao as antigas socie­dades arrecadadoras e o nfvel de influencia ja alcan\ado naquele momenta pela industria do disco entre os poderes constitufdos : antes do advento do AI- 5 , funcionou na Camara dos Deputados uma Comissao Parlamentar de Inquerito com objetivo de averiguar as inumeras denuncias de i rregularidades que autores musicais vinham fazendo publicamente contra as sociedades arrecadado­ras57; poucos dias ap6s o fechamento do Congresso Nacional , foi

17 Ultima Hora, 22.3.1 968; 0 Estado de S. Paulo, 1 8 .4 . 1 96R, 5.6. 1 968, 1 4 .6. 1 96R , 1 2 . 7. 1 970 e 24.7. 1 970.

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I N I J U STRit\ FONOC;RAFICA: UM ESTUllO ANTROPOLOGICO

assinado pelo Executivo o Decreto-Lei 406, de 3 1 de dezembro de 1 968, que concedeu abatimento de Impasto sobre Circulac,;ao de Mercadorias para as empresas produtoras de discos fonogd.ficos58. Destaque-se que, entre os depoimentos prestados por compositores a CPI, ja e possfvel encontrar breves manifestac,;6es da divergencia de interesses que se instalara entre os antigos e os novos composi­tores brasileiros, havendo referencias aos fatos de que as sociedades eram dirigidas por "gente que nao faz musica ha mais de dez anos"59 e de que as sociedades uti!izavam criterios de d istribuic,;ao comple­tamente desvinculados da efetiva execuc,;ao das obras musicais pelos usuarios dos quais era arrecadado o montante distribufdo60 - o que, como j a foi dito, era uma mane ira de beneficiar os antigos em detrimento dos novos compositores brasileiros, que eram de fato os mais executados no radio e na televisao, isto e, justamente nos meios de comunicac,;ao mais diretamente ligados ao disco e a forc,;a publicitaria da industria fonografica.

0 relat6rio da CPI foi publicado no Didrio do Congresso Nacio­

nal em julho de 1 970, ap6s ter-se esgotado o prazo regimental sem que tivessem sido apresentadas suas conclus6es finais, tendo sido por isso impossfvel ate mesmo submeter o relat6rio a apreciac,;ao do Plen ario da Camara" 1 • Mas se a ofensiva parlamentar foi assim inibida, o mesmo nao se pode dizer da atuac,;ao do Poder Executivo no sentido de solapar as bases de prestfgio e poder das sociedades arrecadadoras de direitos autorais musicais, por s i s6s ja abaladas em virtude das denuncias publicas de compositores e usuarios de musica contra elas . Assim e que, no dia 20 de outubro de 1 969, foi assinado o Decreta-Lei 980, transferindo para o Instituto Nacional de Cinema (INC) a responsabilidade de fazer o recolhimento das taxas de direito auroral devidas pelos exibidores cinematograficos

" Decrero- le i 980, de 20 . 1 0. 1 969 (Consolidar,Jio das Leis sabre Direitos Autorais, pp. 1 00- 1 ) ; 0 Estado de S. Paulo, 7 .7 . 1 974.

''' Ultima Hora , 22. 'i . 1 96R.

"" 0 Estado de S. Paulo, 1 4.6 . 1 968.

'" Idem, 24 . 7 . 1 970.

1 3 6

RELA<;:OES DE PRODU<;:AO E DIREITO AUTORAL

em razao da utilizac,;ao de musica nos intervalos das sess6es, reco­lhimento esse que pass aria a ser feito no proprio a to de entrega dos ingressos padronizados do INC as casas exibidoras62•

A disposic,;ao do Executivo no sentido de intervir na questao autoral manifestou-se, por outro !ado, entre 1 969 e 1 974, atraves da criac,;ao de sucessivas comissoes no ambito dos Ministerios da Jus­tic,;a e da Educac,;ao para analise do problema e para elaborac,;ao de outros projetos de C6digo do Direito Autoral63• Finalmente, em outubro de 1 973, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional urn projeto de C6digo oriundo do Ministerio da Justic,;a, com base no qual foram criados os ja citados CNDA e Ecad64, muito embora fosse previsto que caberia ao primeiro, como 6rgao publico, apenas fiscalizar a atuac,;ao do segundo, concebido na verdade como uma entidade particu1ar que deveria ser formada e gerida pelas pr6prias sociedades arrecadadoras ja existentes. 0 projeto do Executivo foi aprovado pelos parlamentares em novembro na forma de urn substi­tutivo elaborado por uma comissao mista do Senado e da Camara6S, substitutivo esse que veio a se transformar na Lei 5.988, assinada pelo presidente Medici no dia 1 4 de dezembro, depois que urn veto presidencial tornou sem efeito 0 artigo que levava 0 numero 8366

• Na verdade, a h ist6ria desse veto nos interessa de perto, pois ela

demonstra o poder de influencia ja alcanc,;ado entao pela industria fonografica, bern como o tipo de alianc,;a que ela podia estabelecer com alguns dos antigos autores, interpretes e musicos que estavam a frente de algumas das sociedades arrecadadoras com vistas a pres­sionar o governo em sentido contdirio aos interesses dos artistas

62 0 Estado de S. Paulo, 22 . 10 . 1 969; /ornal do Brasil, 2 1 . 1 2 . 1 971 e 28. 1 2 . 1 97 1 .

63 0 Estado de S. Paulo, 25 .3 . 1 969; Jamal do Brasil, 1 7.5. 1 969; 0 Estado de S. Paulo, 4.9. 1 970; /ornal do Brasil, 1 .2 . 1 972 e 1 .8. 1 972; 0 Estado de S. Paulo, 1 0.9. 1 972; /omal do Brasil, 29. 1 0. 1 972 ; 0 Clabo, 1 3 . 1 1 . 1 973.

64 0 Estado de S. Paulo, 28. 1 0 . 1 973; 0 Clabo, 8. 1 1 . 1 973; Ditirio de Notfcias e Folha de S. Paulo, 1 0. 1 1 . 1973; 0 Clabo, 13 . 1 1 . 1 973; 0 Estado de S. Paulo, 14 . 1 1 . 1 973; 0 Clabo, 1 5 . 1 1 . 1 973.

61 0 Clabo, 23 . 1 1 . 1 973.

66 Idem, 20. 1 2 . 1 973.

1 37

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INDUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

mais novos e mais diretamente envolvidos na propria prodw;ao de discos. De fato, o Artigo 83, que fora incorporado ao substitutivo grac;as a uma emenda apresentada pelo en tao senador Franco Mon­toro, estabelecia a obrigatoriedade de numerac;ao dos exemplares dos discos fabricados e vendidos e tinha por obj etivo facilitar o CO.£?-trole de autores e interpretes musicais sobre a remunera<;iio de seus direitos fonomecanicos e artisticos por parte das empresas produtoras. Logo ap6s a aprova<;iio do projeto pelo Congresso, a As­socia<;ao Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) desencadeou uma campanha contra esse artigo atraves da imprensa, argumen­tando, entre outras coisas, que seria impossivel, tecnicamente fa­lando, proceder a numera<;ao, que era, por outro !ado, uma medida nao apenas desnecessaria mas tambem ate mesmo prejudicial aos artistas, pois faria aumentar excessivamente o tempo necessaria a produ<;ao dos d iscos, sendo finalmente por todas essas raz6es que nenhum pais do mundo jamais a adotara em tempo algum67• E claro que o alvo principal da campanha dos produtores fonograficos foi o Poder Executivo, a quem caberia naqiiele momento sancionar ou nao a lei que fora aprovada pelo Congresso. A propria ABPD, alias, deu toda publicidade ao fa to de haver enviado memorial ao minis­tro da Justic;a solicitando que intercedesse j unto a,o presidente da Republica no sentido de que fosse vetado o artigo 8368• Foi divulgado tambem que, entre as entidades que enviaram offcio ao ministro em apoio a reivindicac;ao da ABPD, encontrava-se a propria Socinpro, unica sociedade arrecadadora dos direitos devidos a interpretes pela execu<;ao de fonogramas existente ate en tao, a qual, contudo, atuou nesse episodio como entidade que era, ao mesmo tempo, represen­tativa dos proprios produtores fonograficos, tambem beneficiarios de direitos de execu<;iio69•

0 apoio da Socinpro a reivindica<;iio da ABPD deve ter con­tribufdo muito para que o Executivo a atendesse, havendo ate quem

''7 Idem, 2 . ! 2 . ! 973.

6' Ibidem.

"" Ibidem.

RELAr;()ES DE PRODUC,:Ao E I J IREITO AUTOR:\L

se refira ao prestfgio pessoal do cantor Carlos Galhardo entre fami­

liares do entao chefe do Gabinete Civil da Presidencia da Republica, Leitao de Abreu, como trunfo principal dos produtores de discos para a conquista do veto presidenciaF11• Contudo, o que resul tou concretamente desse veto - que, alias, foi justificado atraves da mesma argumenta<;ao apresentada pela ABPD a imprensa7 1 -foi a manuten<;ao do statu quo no que dizia respeito as rel a<;:oes de autores e interpretes COffi gravadoras, isto e, OS artistas nacionais continuaram impossibilitados de controlar a remunera<;:ao que lhes cabia pela participa<;ao no empreendimento fonografico.

E importante, sobre is so, ressaltar que o Artigo 83 da Lei 5 . 9 8 8

era 0 unico artigo de urn capitulo que seria dedicado a utiliza<;:ao de fonogramas e que, devido ao veto presidencial, acabou sendo totalmente eliminado da Lei, embora ela consagrasse capitulos a

edic;ao, a representa<;iio e execu<;iio e a utiliza<;:ao de obras de artes plasticas, fotograficas, cinematograficas, publ icadas em diarios ou peri6dicos e pertencentes ao domfnio publico72• Assim e que, em­bora haja urn titulo dedicado exclusivamente aos direitos conexos, permanecem de qualquer maneira sem destaque legal os direitos fonomed.nicos dos autores musicais e os direitos artfsticos dos in­terpretes, que sao justamente os que estao em j ogo na produc;ao e na vend a de fonogramas e nao em sua execu<;:ao. N a verdade, os pr6prios d ireitos dos autores musicais devidos pela execu<;iio de fonogramas aparecem sem qualquer destaque, dado que sao apenas citados de passagem em meio aos direitos autorais devidos por sim­ples execu<;ao ou representa<;iio de obras musicais ou teatrais73 • Isso, sem duvida, significa que foram ressalvados os interesses da indus­tria fonografica e dos grandes meios de comunica<;ao, isto e , do

'" Marcus Vinicius , em entrevista concedida a m i m n o dia 3 1 . 7. ! 986.

71 0 Clabo, 2 . 1 2 . ! 973 e 20. ! 2 . ! 973 .

72 J. 0. Ascensao, Direito autoraf, pp. ! 3 5-6.

73 Lei 5.988, de 1 4 . 1 2 . 1 973; Titu lo IV: "Da Uti l i za�ao de Obras l nte lectuai s " ; Capitu­lo II: "Da reprcsen ta�ao e execu�ao", Ani go 73, § I" (Consofida(Jio das Leir sabre Direitos Autorais, p. 1 1 3 ) .

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I N D LISTRIA FONOGRJ\FICA: UM ESTU DO ANTROPOLOG ICO

radio e da TV, que sao de fa to OS grandes usuarios das interpreta�oes musicais e teatrais fixadas, sendo que os direitos gerados pela uti­liza�ao destas ultimas sao tambem citados apenas nesse mesmo artigo e dessa mesma forma ligeira .

A prote�ao legal dos interesses da industria fonografica frente aos interesses de autores, interpretes e musicos seria posteriormen­te ainda mais expllcita. De fa to, decorridos sete anos de vigencia da Lei 5 .988 , durante os quais foram apresentados ao Congresso Na­cional sucessivos proj etos visando reintroduzir nela a obrigatorie­dade da numera�ao de discos7", eis que finalmente o presidente da Republica sancionou a Lei 6.800, de 25 de junho de 1 980, recriando o capitulo relativo a utiliza�ao de fonogramas com urn novo Artigo 83, s6 que para instituir a obrigatoriedade de que constasse, em cada disco ou fita produzida ou comercializada, tao-somente 0 numero de inscri�ao da empresa produtora no Cadastro Geral de Contri­buintes75 - muito embora tambem inclufsse entre as atribui�oes do CNDA descritas no Artigo 1 1 7 da Lei 5 . 988 a fiscaliza�ao do cumprimento das obriga�oes dos produtores fonograficos para com os titulares de direitos autorais e artfsticos, inclusive atraves da realiza�ao de auditorias e exames contabeis requeridos por esses titulares, bern como a imposi�ao de normas de contabilidade que permitissem essa fiscaliza�ao ao tornar possfvel verificar a quanti­dade de exemplares produzidos e vendidos, alem da autentica�ao das etiquetas desses exemplares a ser feita na forma das instru�oes que o proprio CNDA viesse a baixar76.

Com o novo Artigo 83, o presidente Figueiredo come�ava, na verdade, a atender a antiga re ivindica�ao da ABPD no sentido de

" 0 Globo e Jornal do Brasil, 9. 5 . 1 974; Jornal da Tarde, 1 1 . 5 . 1 974; ]omal do Brasil, 27.5. ! 974; 0 Estado de S. Paulo e 0 Globo, 28.5 . 1 974; 0 Estado de S. Paulo e fomal da Tarde, 29. 5 . ! 974; 0 Estado de S. Paulo, 7.7. 1 974; ]ornal do Brasil, 2 . 1 2 . 1 974; /omal da Tarde, 29.7 . 1 975; 0 Estado de S. Paulo, 8 . 1 1 . ! 975, 2 1 . 1 1 . 1 975, 2 1 . 1 2 . ! 975, 2 .4 . 1 976, 1 7.3. ! 977 e 20.3 . 1 977; Jamal do Brasil, 20.3 . 1 977.

" Lei 6.800, de 25.6. ! 980, A reorganizaqiio do Conselho Nacional de Direito Autoral (org. jose Ca rlos Costa Neto) . Brasi l ia : MEC, ! 982, pp. 7 ! -2.

7 6 Ibidem.

1 40

RELA<;OES DE PRODU<;Ao E DIREITO AUTORAL

que fosse criada uma prote�ao legal mais efetiva contra o que se convencionou chamar a "pirataria" , isto e, a produ�ao clandestina de fitas cassete a partir da reprodu�ao nao autorizada de grava�oes contidas em fitas produzidas por empresas legalmente constitufdas como produtoras de fonogramas. Essa reivindica�ao vinha sendo a tonica dos pronunciamentos publicos de sucessivos pres identes da ABPD desde meados da decada de 1 970 e constitufra-se no centro das discussoes havidas entre os diretores das multinacionais do disco que se reuniram nos conclaves internacionais ocorridos no Rio em setembro de 197977• A prote�ao legal dos interesses dos pro­dutores de discos iniciara-se na verdade com a Lei 4.944, de 6 de abril de 1 966, que lhes assegurara participa�ao nos direitos conexos devidos pela execu�ao publica de seus fonogramas78• Essa prote�ao se ampliara corrf o Decreta 76.906, de 24 de dezembro de 1 975, pelo qual foi promulgada a "Conven�ao para a prote�ao de produtores de fonogramas contra a reprodu�ao nao autorizada de fonogramas", que fora conclufda em Genebra em 1 97 1 79 . A prote�ao legal dos interesses dos produtores de discos seria finalmente assegurada em definitive no final de 1980, com a assinatura da Lei 6 . 895, de 17 de dezembro, que alterou os artigos 1 84 e 1 86 do C6digo Penal para incluir a "pirataria" e a comercializa�ao de fitas "piratas" entre os crimes contra a propriedade intelectual80• Contudo, por meio da Lei 6.800, que recriou o Artigo 83 da Lei 5.988, a prote�ao dos pro­dutores de d iscos contra a "pirataria" ocupou de fato o Iugar da prote�ao dos autores, interpretes e musicos frente a esses mesmos produtores : assim e que 0 capitulo relativo a utiliza�ao de fonogra­mas, recriado a partir da reintrodu�ao do Artigo 83 na Lei, veio a

77 fornal do Brasil, 1 2. 1 . 1 974; Folha de S. Paulo, 24.5. 1 974; Jornal do Brasil, 1 0. 1 . 1975; Ultima Hora, 1 0.4. 1 976; /ornal do Brasil, 25.2 . 1 978; 0 Estado de S. Paulo, 1 2 .9 . 1 979; 0 Clabo, 1 3 .9 . 1 979; 0 Estado de S. Paulo, 1 6.9 . 1979; lsto E, 1 9.9. 1 979.

" Lei 4.944, de 6.4. 1 966 (Consolidaqiio das Leis sobre Direitos Autorais, pp. 87-9).

79 Decreta 76.906, de 24. 1 2 . 1 975 (Henrique Gandelman, Guia Basico de Direitos Auto­rais. Rio de Janeiro: Globo, 1 982, pp. 1 97-20 1 ) .

'0 Lei 6.895, de 1 7 . 1 2 . 1 980 (A reorganizaqiio do Conselho Nacional de Direito Autoral, pp. 73-4) .

1 4 1

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

ser de fato 0 (mico entre OS capftu[os do tftu[o relativo a utiliza�ao de obras intelectuais a nao tratar da rela�ao entre autores e usuarios dessas obras, mas apenas da rela�ao de usuarios dessas obras entre si, parecendo estar assim completamente fora de Iugar.

E claro que a condena�ao legal da "pirataria" interessava tam­bern aos autores, interpretes e musicos participantes das grava�oes reproduzidas de forma clandestina, dado que a produ�ao e a vend a de fitas "piratas" obviamente nao implicavam nova remunera�ao de seu trabalho. A prote�ao dos direitos autorais foi , inclusive, ao lado da prote�ao dos cofres publicos contra a sonega�ao de impas­tos, o principal argumento utilizado pela ABPD para angariar sim­patias em favor da campanha que desenvolveu contra a reprodu�ao clandestina de fitas cassete durante os anos de 1 970. A prote�ao ao "trabalhador intelectual" chegou tambem a ser mencionada pelo entao ministro da Justi�a, Ibrahim Abi-Ackel, no d iscurso pronun­ciado durante a cerimonia de assinatura da Lei 6.895, cerimonia da qual participaram, inclusive, inumeros artistas, entre os quais no­vamente Carlos Galhardo, presidente da Socinpro81 - que alias estivera tambem presente no Congresso Nacional para assistir a vota�ao do projeto dessa lei, que fora de iniciativa do proprio Poder ExecutivoH2• Concretamente , porem, os trabalhad9res intelectuais estavam sendo protegidos somente na medida em que se protegia 0 produtor dos fonogramas, deixando de se-lo quando sua prote�ao implicasse a imposi�ao de normas de procedimento contrarias aos interesses desses mesmos produtores, como era a propria nume­ra�ao de discos e fitas que o novo Artigo 83 substitufra atraves da Lei 6.800.

Tal numera�ao, alias, tambem nao foi sequer cogitada pelo CNDA quando este baixou as instru�oes previstas na Lei 6.800, as quais ficaram restritas , atraves da Resolu�ao 23 , de 1 1 de fevereiro

" 0 Estado de S. Paulo, 17. 1 2 . 1 980; 0 Globo, Folha de S. Paulo, fornal da Tarde e 0 Es­tado de S. Paulo, 1 8 . 1 2 . 1 980.

"2 0 Estado de S. Paulo e fornal do Brasil, 1 7.6. ! 980; /omal do Brasil, 3 . 1 2 . 1980.

1 4 2

RELA(,:OES DE PRODU<;AO E Il][(EJTO AUTORAL

de 1 98 1 , a determina�ao da forma pela qual 0 numero de inscri�ao

no CGC deveria constar dos discos e fitas, a imposi�ao aos produ­

tores fonograficos de normas de contabilidade e de presta�ao de contas aos titulares de direitos autorais e artfsticos, a imposi�ao de normas de procedimento a esses titulares para o requerimento jun­to ao CNDA no sentido de que esse orgao procedesse a verifica�ao da exatidao das contas prestadas por aqueles produtores e a impo­si�ao de normas de procedimento ao proprio CNDA para o anda­mento de processos dessa natureza, alem da institui�ao da obriga­toriedade de que todas as empresas produtoras de fonogramas se inscrevessem no CNDA de acordo com procedimentos tambem estipulados na mesma Resolu�ao83•

E de destacar, no que diz respeito a rej ei�ao sistematica da numera�ao de discos, ao !ado da influencia dos representantes da industria fonografica sabre OS orgaos decisorios e do a poio dado as suas reivindica�oes por alguns artistas, a quase total desmobiliza­�ao daqueles autores, interpretes e musicos que, por estarem mais diretamente ligados ao empreendimento fonografico, eram tambem os mais interessados na aprova�ao da medida. De fato, conforme veremos a seguir, embora esses artistas estivessem se organizando desde meados dos anos de 1 970, parece que os alvos principais de sua atua�ao foram, ate os anos finais da decada, as antigas socie­dades arrecadadoras e distribuidoras de direitos autorais , e nao as gravadoras. Assim e que, em maio de 1 974, por exemplo, quando Franco Montoro, inconformado com o veto presidencial ao artigo que resultara de uma emenda de sua autoria, apresentou ao Senado urn novo projeto propondo a numera�ao dos discos, esses artistas

nao fizeram qualquer manifesta�ao mais efetiva de apoio a sua iniciativa, sendo por isso necessaria ao senador recorrer a antigas declara�oes de compositores, interpretes e musicos a imprensa para demonstrar a adequa�ao de sua propositura as necessidades e aos

"3 Resolu�ao CNDA 23, de 1 1 .2 . 1 9H I (A Reorganizafilo do Conselho Nacional de Direlto Automl, pp. 1 3 1 - 5 ) .

l A ?

Page 72: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

I N DU STRIA FONOGRAFICA: U ill ESTUDO ANTROPOLOGICO

desejos dos artistasR". E o mesmo ocorreria no ano seguinte, quando

Montoro, ja entao l fder do MDB no Senado, voltou a apresentar

urn proj eto de numera�ao de discos a aprecia�ao dos parlamenta­

res, tornando a justifica- lo com base nas mesmas declara�oes de artistas a imprensaR5• Por outro !ado, em outubro desse mesmo ano de 1 975, quando se discutia no Senado o substitutivo do senador

Mendes Canale, da Arena, ao projeto de Montoro - substitutivo,

a l ias, que propuhha a obrigatoriedade de que constasse nos dis­

cos o numero de inscri�ao da empresa produtora no CGC e nao a obrigatoriedade de numera�ao86 - o compositor Victor Martins,

parceiro de Ivan Lins e urn dos entao mais combativos membros

da Sociedade Musical Brasi leira (Sombras ) , chegou a lamentar

que nem o au tor do projeto, nem o au tor do substitutivo tivessem

procurado as organiza�oes do meio musical para com elas discutir

os problemas da categoriax7.

Criada em j aneiro de 1 975 , no Rio, a Sombras era uma socie­

dade que nao se propunha arrecadar ou distribuir direitos autorais,

mas apenas atuar na defesa desses direitos entre as sociedades ar­

recadadoras e distribuidoras ja existentes e junto ao Estado, pro­

pondo-se tambem, por OUtro Jado, promover a musica nacional8R.

Ela reunia principalmente compositores da chamada musica popu­

lar brasileira, isto e, compositores oriundos dos movimentos musi­

cais denominados Bossa Nova e Tropicalismo e novos compositores

universitarios surgidos posteriormente: Tom Jobim, Sergio Ricardo,

Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberta Gil, Gonza­

guinha e Aldir B lanc, por exemplo, faziam parte do quadro de seus

associadosx9• Quer dizer, a Sombras reunia principalmente aqueles

"' Jamal da Tarde, I J . 'i . I 9 74 ; Jamal do Brasl!, 2 7 . 5 . 1 974 ; 0 Estado de S. Paulo , 29.5 . 1 974.

" 0 Estado de S. Paulo, 28 .9 . 1 975 .

"' Jamal do Brasil, 28.9 . ! 975; 0 Clabo e 0 Estado de S. Paulo, 8 . 1 0 . 1 975 .

·"7 O Clobo, 1 2 . 1 U. I 975.

"' Folha de S. Paulo, 1 . 1 . 1 975 ; Veja, 26 .3 . 1 975.

''' Ultima Hora , 24. 1 0 . 1 975.

1 44

RELAc;:OES DE PRODUc;:Ao E D!REITO AUTORAL

artistas nos quais a industria do disco come�ava entao a investir com vistas a amplia�ao de seu publico tradicional e a conquista definitiva do consumidor jovem brasileiro para o mercado fono­grafico, conforme foi visto no capftulo 1 deste trabalho. E se essa sociedade foi aparentemente omissa no que diz respeito a numera­<siio de discos, temos, por outro lado, que sao devidas justamente a sua atua�ao as mudan<sas ocorridas no sentido da moderniza<siio do sistema de arrecada<sao e distribui<siio de direitos autorais e conexos e da adapta<siio desse sistema ao predomfnio crescente do disco e dos meios eletronicos de comunica<sao sobre as formas tradicionais de utiliza<siio de obras musicais, conforme veremos a seguir.

As principais mudan<sas ocorridas no sistema de arrecada<siio e distribui�ao de direitos autorais foram conseqi.iencia da efetiva insta­la�iio do CNDA.e do Ecad e da perda de fun<soes por parte das an­tigas sociedades arrecadadoras. De fato, a hist6ria do direito autoral no Brasil durante os anos de 1 970 foi a hist6ria da regulamenta<siio, da instala�ao e do infcio de funcionamento desses 6rgaos criados pela Lei 5.988, bern como da resistencia oferecida pelas antigas so­ciedades arrecadadoras e distribuidoras as modifica<56es que assim foram se processando. E essa hist6ria, na verdade, tern infcio em setembro de 1 975, quando, decorridos quase dois anos de vigencia da lei, o pres idente da Republica finalmente assinou o Decreto 76.275 organizando o CNDA e atribuindo-lhe toda a competencia que era prevista no Arrigo 1 1 7 dessa lei90• Segundo esse artigo, cabe­ria ao CNDA, entre outras coisas, autorizar ou nao o funcionamento de associa<soes de titulares de direitos autorais e conexos no pafs, bern como fiscalizar o cumprimento das exigencias legais por par­te das associa<soes j a existentes, podendo intervir nelas caso fossem constatadas irregularidades e cassar-lhes a propria autoriza<siio de funcionamento caso houvesse mais de tres interven<soes seguidas9 I .

90 0 Estado de S. Paulo, 1 4.6. 1 975; 0 Clabo, 1 6.9. 1 975 .

9 1 Lei 5.988, de 1 4. 1 2 . 1 973; Titulo VII: Do Conselho Nacional de Direito Auroral Arrigo 1 1 7 (Consolidariio das Leis sabre Direitos Autarais, pp. 1 1 9-20}.

'

145

Page 73: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

IND0STR!A FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

De acordo com esse mesmo artigo, os poderes de fiscaliza�ao e interven�ao atribufdos ao CNDA deveriam ser exercidos tambem sobre o Ecad, o que foi confirmado pelo decreta de organiza�ao do CNDA, que atribuiu ao Conselho a incumbencia de elaborar as pr6prias normas de constitui�ao, funcionamento e fiscaliza�ao do Escrit6rio, que, como vimos, deveria ser formado pelas sociedades arrecadadoras92 • Contudo, duas outras atribui�oes conferidas ao CNDA pelo Artigo 1 1 7 iam mais diretamente de encontro aos inte­resses ja estabelecidos das antigas sociedades: funcionar como ar­bitro em questoes de direito autoral, inclusive naquelas que envol­vessem titulares e associa�6es, e fixar normas para a unifica�ao dos pre�os e sistemas de cobran�a e d istribui�ao de direitos autorais93 •

Em fevereiro de 1 976, tomaram posse os cinco conselheiros do CNDA, escolhidos pelos ministros do Trabalho, da Justi�a e da Edu­ca�ao e nomeados pelo presidente da Republica94• E, durante o perfodo de escolha dos conselheiros, ocorreram epis6dios que re­velaram o nfvel de inf!uencia ja entao exercido pela Sombras sobre as decisoes governamentais: urn dos nomes primeiramente indica­dos foi rej eitado por essa entidade atraves de abaixo-assinado que enviou ao ministro da Educa�ao, no qual fazia referencia as liga­�6es do provavel conselheiro com a dire�ao de algumas das antigas sociedades e, conseqiientemente, com o sistema de arrecada�ao e distribui�ao que se esperava o CNDA viesse corrigir95• Mas se e certo que o nome rejeitado pela Sombras nao constou do quadro dos conselheiros realmente nomeados, tambem e certo que em seu lugar nao foi nomeado aquele que essa entidade indicara ao minis­tro em consulta anterior, o que revela os l imites de seu poder de

02 Decreta 76.275, de 1 5.9 . 1 975, Artigo 1 1 (A reorganizafiio do Conselho Nacional de Direito Autoral, pp. 77-8).

''·' Lei 5.988, de 1 4. 1 2. 1 973 ; Tftulo VII: Do Conselho NacionaJ de Direito AutoraJ, Artigo 1 1 7 (ConsolidafiiO das Leis sobre Direitos Autorais, pp. 1 1 9-20).

'" fomal da Tarde, 0 Estado de S. Paulo e 0 Globo, 1 9.2. 1 976. 05 Didrio de S. Paulo, 1 3 . 1 . 1 976; 0 Globo, 1 7. 1 . 1 976; 0 Estado de S. Paulo, 4.2. 1 976 e

5.2 . 1 976; 0 Globo, 5.2. 1 976 e 1 9. 2 . 1 976;/omal do Brasil, 22.2. 1 976 e 3.5. 1 9 76.

1 46

RELA��QES llE PRODU��Ao E DIREITO AUTORAL

pressao96• J a as antigas sociedades arrecadadoras e distribuidoras de direitos autorais, acuadas pela organiza�ao e posse de urn CNDA que a elas se opunha, puderam, contudo, retomar a condu�ao dos acontecimentos, pelo simples fato de que a e las cabia, legalmente, a forma�ao do Ecad. E essa retomada significou, de fato, o adia­mento deliberado da implanta�ao do novo si stema de arrecada�ao e distribui�ao de direitos autorais institufdo pelo CNDA.

Na verdade, as antigas sociedades ja come�aram a protelar a instala�ao do Ecad atraves dos recursos judiciais que interpuseram a Resolu�ao 3 do CNDA, segundo a qual todas elas deveriam dar entrada a seus pedidos de autoriza�ao de funcionamento, apresen­tando, entre outros documentos, c6pias dos seus estatutos e dos relat6rios de atividades e balan�os relativos aos tres ultimos exer­cfcios, bern como uma rela�ao das quantias d istribufdas a seus associados nesse mesmo perfodo97 . Baixada no dia 20 de abril de 1 976, essa Resolu�ao determinava que as sociedades apresentassem seus pedidos de autoriza�ao de funcionamento ao CNDA ate o dia 4 de j ulho; contudo, ainda em setembro, somente a Sbat procede­ra dessa maneira e obtivera sua autoriza�ao, enquanto as demais, protegidas por l iminares j udiciais , continuavam se recusando a apresentar a documenta�ao exigida98• Com a cassa�ao dessas l imi­nares a atitude de protela�ao das sociedades passou a se manifestar atraves da apresenta�ao sucessiva de c6pias de estatutos inadequa­dos a Lei 5 .988 , OS quais foram sistematicamente reje i tados pelo CNDA99 - chegando-se assim a data que fora prevista na Resolu­�ao 1 do CNDA para apresenta�ao dos estatutos do Ecad sem que

UBC, Sadembra, Sicam e Socinpro tivessem tido aprovados os seus pr6prios estatutos.

Essa data era 1 Q de novembro e essa Resolu�ao 1 do CNDA fora tambem baixada em abril, impondo normas gerais para a consti-

06 0 Estado deS. Paulo, 5.2 . 1 976 c 4 . 5 . 1 976.

" Idem, 2 1 .4 . 1 976.

" Idem, 4.9. 1 976.

" Idem, 1 0.9. 1 976, 1 2 .9. 1 976, 1 6.9. 1 976 e 9. 1 0. 1 976.

1 4 7

Page 74: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

I N ! l USTRIA FONOCRAFIC\: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

tui�ao e o funcionamento do Ecad e marcando o inlcio dos trabalhos

do Escrit6rio para 1 Q de janeiro de 1 977 100• Assim e que em novembro

de 1 976, uma outra Resolu�ao do CNDA precisou estipular a nova

data-limite de 1 5 de dezembro para a apresenta�ao dos estatutos do

Ecad, e isso nao s6 porque as antigas sociedades reagiram a Reso­

lu�ao 3, relativa a autoriza�ao para seu funcionamento, mas tam­

bern porque reagiram a propria Resolu�ao 1 , interpondo-lhe inu­

meros recursos judiciais 1 0 1 • Urn desses recursos chegou mesmo a

ser aceito pelo Tribunal Federal de Recursos, que considerou con­

trarios a Lei 5.988 OS Artigos 5Q e 21 Q' atraves dos quais se atribufa ao

CNDA poderes sobre a designa�ao dos membros da comissao execu­

tiva do Ecad - artigos esses que foram revogados atraves da mesma

Resolu�ao que prorrogou o prazo para a apresenta�ao dos estatutos

do Ecad ao CNDA102• Todos os demais artigos da Resolu�ao 1 foram,

contudo, ju lgados legais pelo Poder J udiciario, o que nao deixou de

relativizar a vit6ria obtida pelas sociedades no que diz respeito a assu­

mirem a dire�ao do Escrit6rio, uma vez que, atraves de varios desses

artigos, i mpunham-se limites muito rfgidos ao exercfcio do livre­

arbftrio em sua administra�ao e na administra�ao das pr6prias socie­

dades que haveriam de integra-lo.

De fato, a Resolu�ao 1 estabelecia, entre outras coisas, que os

recursos para administra�ao do Ecad e de cada uma das associa�6es

de titulares de direitos autorais seriam provenientes de dedu�6es

fe itas sobre o total arrecadado segundo percentuais estipulados pelo

CNDA, sendo vedado as associa�6es fazer quaisquer dedu�oes sobre

os montantes que lhes fossem encaminhados pelo CNDA para ser

distribufdos entre os titulares de direitos autorais 103• Alem disso,

essa Resolu�ao institufa a obrigatoriedade de apresenta�ao de urn

' '"' Idem, 9.4. 1 976. 1111 Idem, 28 . 1 1 . 1 976. 1 1 12 Resolu�ao 1 do CNDA, de 8.4. 1 976, Artigos 5° e 2 1" (0 Estado de S. Paulo, 9.4 . 1976)

e 0 Estado de S. Paulo, 28. 1 1 . 1 976.

"" Resolu�ao 1 do CNOA, de 8.4 . 1 976, Artigos 8°, 1 0" e 1 1 2 (0 Est ado de S. Paulo, 9.4 . 1 976) .

148

RELAc;:OES DE PRODUc;:Ao E DIREITO AUTORAL

relat6rio anual de atividades do Ecad ao CNDA, bern como de uma

c6pia do balan�o anual do Escrit6rio, com a rela�ao das despesas

efetuadas e das quantias repassadas .as associa�oes durante cada

ano104• 0 mais importante, contudo, d izia respeito ao sistema de

arrecada<;ao e distribui<;ao de direitos autorais a ser posto em pratica

pelo Ecad: alem de estabelecer que esse sistema deveria ser previa­

mente aprovado pelo CNDA, a Resolu<;ao 1 tambem estipulava os

princfpios basicos aos quais esse sistema deveria obedecer105• E vale

a pena registrar aqui esses princfpios, pois neles esta presente, d e

maneira inequfvoca, a inspira<;ao modernizante da Sombras .

0 Artigo 13 da Resolu�ao 1 do CNDA dizia o seguinte, entre

outras coisas :

0 controle da'arrecadac;ao dos direitos, a apurac;ao da freqi.iencia de exe­cuc;ao das obras musicais, bern como a distribuic;ao dos direitos daf de­correntes deverao ser feitos atraves de urn sistema eletronico de proces­samento de dados; [ . . . ] os direitos relativos a execuc;ao publica atraves da radiodifusao, exibic;ao cinematografica, bares, boates, alto-falantes, mu­sica ambienta1, bai1es, inclusive os de carnaval e similares, serao distri­bufdos proporcionalmente as freqi.iencias de execuc;ao observadas, computadas a partir dos programas fornecidos e aprovados pe1o Servic;o de Censura da Divisao de Censura e Divers6es Publicas do Departamento de Polfcia Federal ; a apurac;ao da freqi.iencia de execuc;ao referida na alfnea anterior sera feita por processo estatfstico de amostragem; os di­reitos relativos a execuc;ao publica em shows, teatros, bailes com bilheteria e espetaculos similares serao arrecadados a vista da freqi.iencia de publico aos mesmos e distribufdos de acordo com a programac;ao aprovada [ . . . ] .

Por s u a vez, o Artigo 1 4 impunha q u e o Ecad estabelecesse urn

sistema de fiscaliza<;ao do exato cumprimento dos programas apro­

vados pela Censura, com o que se procurava garantir que a remu­

nera<;ao fosse destinada somente aos autores daquelas musicas que

tivessem sido realmente executadas.

104 Resolu�ao 1 do CNDA, de 8.4 . 1 976, A rtigo 202 (0 Estado de S. Paulo, 9.4 . 1 976).

105 Resolu�ao I do CNDA, de 8 .4 . 1 976, Artigos 1 32 e 1 4" (0 Estado de S. Paulo , 9.4 . 1976) .

1 4 9

Page 75: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

Ora, como vimos ao examinar OS depoimentos prestados a CPI

de 1 968, os criterios de distribui�ao utilizados pelas antigas asso­cia�6es de titulares de direitos autorais ja vinham sendo questio­nados pelos novas compositores havia mui to tempo. E o que esses compositores reivindicavam era justamente que a distribui�ao se

desse de acordo com a freqiiencia da execu�ao das obras. Alias, os cri terios de distribui�ao utilizados pelas associa�6es eram na verdade desconhecidos da maioria dos compositores, sendo a falta de esclarecimento a esse respeito, inclusive, uma das principais queixas feitas publicamente por titular.es de direitos autorais. De fato, pouco antes da cria�ao oficial da Sombras, alguns dos com­positores que estavam articulando sua funda�ao, entre os quais Caetano Veloso, Gilberta Gil, Ivan Lins e Joao Bosco, par exem­plo, chegaram a requerer j udicialmente urn a presta�ao de contas a

sociedade arrecadadora da qual faziam parte, a Sicam, buscando entender por que os diretores dessa sociedade, que eram autores de musicas totalmente desconhecidas do publico, recebiam paga­mentos muito superiores aos recebidos por eles pr6prios que eram autores de alguns grandes sucessos de execu�ao daquele momen­to 106. E, uma vez criada oficialmente, a Sombras destinou a urn dos grupos de trabalho por ela institufdos a tarefa de estudar o sistema de distribui<;ao praticado pelas antigas sociedades, sendo muito clara nesse epis6dio o desejo de apropria<;ao efetiva de urn saber tecnico que vinha sendo sistematicamente negado aos j ovens pelos antigos compositores 1 07 - aos quais esse saber servia, por outro !ado, como jus tificativa para a constante reivindica�ao de participa<;ao nas decis6es governamentais, na medida em que nao apenas os novas compositores estavam exclufdos dele, mas tambem as parlamentares e os ministros de Estado 1 08.

1"" Jamal do Brasil, 2 8. 1 2 . 1 974; Folha de S. Paulo, 1 5. 1 . 1975 ; 0 Globo, 1 8 . 1 2 . 1 975 .

1 117 0 Pasquim, 2 1 . 1 1 . 1 975 ; Jamal da Tarde, 27.2. 1 976.

1"' Revista de Direito Autoral, fev. de 1 975.

1 50

RELM,:OES DE PROD U<;Ao E DIREITO AUTORAL

Uma vez criada oficialmente, alias, a Sombras fez mais do que

investigar o sistema antigo de arrecada<;ao e distribui<;ao de direitos autorais . De fato, ela chegou a solicitar a urn tecnico da Caixa Eco­

nomica Federal especializado em processamento de dados que elaborasse urn plano alternativo de arrecada<;ao e distribui�ao de direitos autorais109. Para a Sombras, o montante arrecadado de cada usuario deveria ser proporcional ao beneffcio financeiro por ele auferido atraves da utiliza<;ao de obras musicais, ao mesrno tempo em que o montante distribufdo a cada autor fosse proporcional a

freqiiencia de execu<;ao de suas obras. Quer dizer, a maior parcela da arrecada<;ao deveria advir dos grandes usuarios de musica , que

sao justamente 0 radio e a televisao, cabendo por outro !ado a maior parcela da distribui�ao justarnente aos autores das obras mais uti­lizadas por esses mesrnos vefculos de comunica�ao 1 1 11 - sendo in­teressante lembrar que naquele mom en to esses autores eram, entre OS nacionais, j ustamente aque!es ligados a chamada rnusica popu­lar brasileira e a organiza�ao da Sombras.

De fato, a necessidade de inverter os padroes de arrecada5;ao vigentes ja fora defendida pelo compositor Victor Martins diante do ministro Jarbas Passarinho, ern 1 972, numa daquelas cornissoes de estudos sobre direito auroral que proliferavam entao nos gabi­netes ministeriais 1 1 1 . A utiliza<;ao de criterios mais adequados de arrecada<;ao e distribui<;ao foi posteriorrnente defendida pela Sam­bras diante do rninistro Ney Braga em reunioes havidas ainda no infcio de 1 975 entre cornpositores ligados a entidade recern-criada e representantes do Ministerio da Educa5;ao 1 1 2 - reunioes essas que podem desde en tao ter influenciado a propria iniciativa gover­namental de finalmente organizar o CNDA ern setembro de ! 975, ap6s quase do is anos de vigencia da Lei 5 .988 1 1 3 . E, ern fevereiro de

109 Jornal da Tarde, 1 9.2 . 1 976 e 27.2 . 1 976; Jamal do Brasil, 3 .5 . 1 976. 1 10 0 Pasquim, 2 1 . 1 1 . 1 975 ; 0 Estado de S. Paulo, 1 2 .9 . 1 976; Jamal do Brasd, 1 4 . 5 . 1 977. 1 1 1 Jornal do Brasil, 29 . 1 0. 1 972 . 1 1 2 Jamal da Tarde, 6.2 . 1 975.

1 1 3 0 Globo, 1 2.4. 1 977.

I C:: l

Page 76: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

I N D U STRIA FONOG!U\FlCA: UM ESTUDO ANTROPOLClGICO

1 976, por ocasiao da posse da diretoria do CNDA sobre cuj a compo­

si�ao lograra exercer influencia, a Sombras chegou a enviar uma

carta aos conselheiros sugerindo que a "corre�ao" do sistema de

arrecada�ao e distribui�ao fosse feita "atraves da computa�ao eletro­

nica confiada a urn 6rgao especializado" e comunicando a elabora­

�ao do j a citado plano alternativo de arrecada�ao e distribui�ao, na

forma de urn "anteprojeto de arrecada�ao, partilha e distribui�ao

do direito auroral por computa�ao eletronica, com urn cadastramento

total das musicas, autores e editores, gravadoras e usuarios" 1 1 4 .

Ora , os princfpios basicos defendidos pela Sombras no que

dizia respe ito a distribui�ao foram imediatamente incorporados as

normas de funcionamento do Ecad, baixadas em abril pelo CNDA

atraves da Resolu�ao 1 , as quais j a nos referimos. Por outro !ado,

em maio, o ministro Ney Braga assinaria convenio com o Servi�o

Federal de Processamento de Dados (Serpro) para que esse 6rgao

procedesse ao cadastramento de todas as obras musicais e fonogra­

mas 1 1 0 . Ja em setembro, ap6s reuniao do ministro com o CNDA e o

Serpro , seria anunciada a institui�ao de urn novo sistema de arre­

cada�ao, baseado principal mente nos grandes veiculadores 1 1 6. E,

em dezembro, finalmente, a Resolu�ao 7 do CNDA consagraria os

princfpios segundo os quais a arrecada�ao deveria se dar em fun�ao

do lucro proveniente da execu�ao publica de obras musicais e a

distribui�ao deveria ser feita de acordo com a freqi.iencia dessa

mesma execu�ao, sendo tambem institufdo que o controle da arre­

cada�ao e da distribui�ao, bern como a apura�ao da freqi.iencia,

deveria ser fe ito atraves de urn sistema eletronico de processamen­

to de dados 1 17 •

Contudo, a implanta�ao efetiva do novo sistema passava mais

uma vez pela colabora�ao das antigas associa�oes de titulares de

direitos autorais, a quem caberia fornecer ao Serpro grande parte

' " Jamal da Tarde, 1 9 . 2 . 1 976. 1 1 1 Jamal do Brasil, 1 2 .5 . 1 976; 0 Estado de 5. Paulo, 13 .5 . 1 976. " '' Jamal do Brasil e Folha de S. Paulo, 9 .9 . 1 976; 0 Estado de 5. Paulo, 1 0.9 . 1 976. 1 1 7 Resolu�ao 7 do CNDA, de 1 5 . 1 2 . 1 976; Anigos 3", 4° e 5' ' (Ditirio Oficial, 29.4 . 1 977) .

152

RELA<;OES DE PRODU<;AO E D!REITO AUTORAL

das informa�oes necessarias ao cadastramento total pretendido.

Assim, ao baixar normas de transic;;ao para arrecada�ao e distribui­

c;;ao - a serem praticadas pelo Ecad durante seus dois primeiros

meses de funcionamento, isto e, entre 12 de janeiro e 28 de fevereiro

de 1977 - o CNDA estabeleceu, entre outras coisas, que, durante

o mesmo perfodo, o Escrit6rio deveria to mar todas as providencias

necessarias a implanta�ao do novo sistema, obedecendo as diretri­

zes emanadas do Serpro e aprovadas pelo CNDA1 1R . De acordo com

essas normas, durante o perfodo de transi�ao a arrecadac;;ao conti­

nuaria sendo feita com base nos criterios antigos, e stabelecendo-se

para isso que o Ecad deveria elaborar uma tabela unica de cobran­

�a somando as tabelas ate entao praticadas separadamente pelos

dois 6rgaos arrecadadores existentes, o SDDA e a S icam1 1 9. E, em­

bora essas normas fossem omissas quanto a distribuic;;ao, sabe-se

que ela tambem foi feita, durante esse perfodo, com base em crite­

rios anteriormente vigentes nas diversas sociedades d istribuidoras,

dado que foi tornado como parametro o que se chamou o "hist6ri­

co autoral" de cada titular, relativo aos ultimos quatro meses do ano

anterior120 - muito em bora 20% do total arrecadado tenha sido de

fato distribufdo de acordo com a freqi.iencia de execuc;;ao das obras

dos diversos autores, o que s6 foi possfvel naquele momento atraves

de urn contrato estabelecido e ntre o CNDA e uma firma especiali­

zada no fornecimento de dados sobre programa�ao musical de

emissoras de radio, a Informasom 1 2 1 •

De fato, esse sistema misto funcionou ate pelo menos o final

de 1 977, embora com urn progressivo aumento da porcentagem

distribufda com base nos dados de execu�ao fornecidos pela Infor-

1 22 E ' d d d .

1 - d .

masom . se e ver a e que a emora na msta ac;;ao o novo sis-

tema deveu-se sobretudo ao "boicote" do Ecad, conforme denuncias

'" Resolu�ao 10 do CNDA, de 29. 1 2 . 1 976; Arrigo 4° (0 Clabo, 3 1 . 1 2 . 1 976) . 1 19 Resolu�ao 10 do CNDA, de 29. 1 2 . 1 976; Artigo 6• (0 Clabo, 3 1 . 1 2 . 1 976.) . 120 Ultima Hora, 10 .9 . 1 977. 1 2 1 Jornal do Brasil, 1 4.5. 1 977 e 1 1 . 1 1 . 1 977. 122 Idem, 1 1 . 1 1 . 1 977 e 24 . 1 1 . 1977.

1 53

Page 77: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

feitas na epoca pela Sombras e pelo proprio Serpro123, tambem e verdade que o s istema misto praticado em seu lugar trouxe aos compositores mais antigos, que ocupavam posi�oes de destaque nas associa�6es e no Escrit6rio, as mesmas conseqiiencias negativas de que eles teriam procurado livrar-se atraves disso. Perplexos dian­te da diminui�ao progressiva de seus pagamentos, os compositores mais antigos passaram a denunciar publicamente o que lhes pare­cia ser 0 favorecimento ilfcito de uma minoria privilegiada de mu­sicos de sucesso, em prejufzo de autores que, embora tivessem urn repert6rio muito maior, nao tinham suas musicas tocadas no radio naquele momento124• A essas denuncias respondiam os composito­res ligados a Sombras que direito autoral nao podia ser confundido com previdencia social, sendo, isto sim, uma contrapartida da uti­liza�ao efetiva da obra, a qual n aturalmente deveriam fazer jus apenas os autores das obras que fossem efetivamente utilizadas 1 25 •

0 s istema misto de d istribui�ao, assim como a tabela unica de arrecada�ao baseada nas tabelas antigas, deve ter sido praticado, de fato, durante urn perfodo muito maior, pois, passados quatro anos desde o anuncio da assinatura do convenio com o Serpro, ainda seriam considerados prioridades da interven�ao do CNDA no Ecad, decretada em fevereiro de 1 98 1 , a elabora�ao de urn� nova tabela de arrecada�ao e o cadastramento dos agentes de cobran�a e dos usua­rios, alem da organiza�ao da arrecada�ao e da distribui�ao por me­todos de computa�ao126• Quer dizer, em plenos anos de 1 980, o novo sistema de arrecada�ao e distribui�ao de direitos autorais, ideali­

zado pela Sombras e encampado pelo governo, ainda nao tinha sido posto em pratica pelo Ecad, que continuava sob a dire�ao das an­tigas sociedades. E, embora isso extra pole o perfodo aqui estudado, e interessante ver como essas mesmas sociedades atuaram durante

' 2 'Jomal da Tarde, 1 2 .4 . 1 977; Jamal do Brasil, 1 4 .5 . 1977, 1 3 .9. 1 977 e 1 1 . 1 1 . 1977. 124Jomal do Brasil, 8 . 5 . 1 977; Ultima Hora, 1 9 . 8 . 1 977; /ornal do Brasil, 1 1 . 1 1 . 1 977 e

24. 1 1 . 1 977. 111 Jamal da Tarde, 1 2 .4 . 1 977;/omal do Brasil, 8 . 5 . 1 977 e 14 .5 . 1 977. 116 Folha de S. Paulo, 20.7 . 198 1 .

1 54

RELA(OES DE PRODU (AO E DI R E IT O AUTORAL

a interven�ao do CNDA no Ecad em sentido contrario a implan­

ta�ao da tabela de arrecada<;ao entao aprovada por esses dois 6rgaos, tabela essa que finalmente incorporava o princfpio de que a co­bran�a deveria ser proporcional ao beneffcio economico trazido

pela utiliza<;ao da obra, taxando assim as emissoras de radio e TV em 3,5% sobre a metade do faturamento anual bruto calculado com base nos pre<;os de venda de seus espa<;os publicitarios 1 27•

A nova tabela foi divulgada pelo CNDA em mar�o de 1 98 1 , ten­do havido imediata rea<;ao por parte da Associa<;ao Bras ileira de Emissoras de Radio e Televisao (Abert) e de outras associa�6es de usuarios que tambem tiveram suas contribui<;6es majoradas por ela 1 28• Ap6s algumas tentativas fracassadas de acordo entre a Abert e o Ecad em torno de alguma proposta alternativa, o CNDA termi­naria h omologando a nova tabela em abril, sen do ela publicada no Diario Oficial no dia 28 desse mes 129 . Em maio, a Abert entrou com recursos administrativos junto ao CNDA e junto ao ministro da Educa�ao 130: reunido no dia 12 de junho, o CNDA indeferiu o re­curso da Abert, sob aplausos de varios artistas que tinham ido a Brasflia para dar seu apoio a nova tabela 1 3 1 , e que tinham, inclusive, enviado abaixo-assinados de apoio a nova tabela ao ministro da Educa<;ao e ao presidente da Republica 132 ; contudo, no dia 1 2 de julho, data marcada para que a nova tabela entrasse em vigor, o ministro Ruben Ludwig, acatando os recursos interpostos, assinou portaria suspendendo os efeitos da nova tabela por 30 dias, para que houvesse outra tentativa de acordo entre o Ecad, a Abert e varias

127 0 Globo, 0 Estado de S. Paulo e fornal da Tarde, 1 2 .3 . 1 98 1 . "·' O G!obo e fornal da Tarde, 1 2 . 5 . 1 98 1 ; /ornal do Brasil e fornal da Tarde, 1 3 .3 . 1 98 1 ; 0

Estado de S. Paulo, 1 4 .3 . 1 98 1 . 1 19 0 Estado de S. Paulo, 20 .3 . 1 98 1 e 3 .4 . 1 98 1 ; Jornal da Tarde, 3 .4 . 1 98 1 ; Jamal do B rasil,

29 .4 . 1 98 1 . ""Jornal do Brasil, 5 .5 . 1 98 1 e 1 9 .5 . 1 98 1 . '"Jamal do Brasil e 0 Estado de S. Paulo, 1 3 . 6. 1 98 1 . ' " Jamal da Tarde, 3 .6 . 1 98 1 ; 0 Est ado de S. Paulo e Jamal da Tarde, 4 .6 . 1 98 1 .

Page 78: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

I N D U STRIA FON OGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

outras associa�oes de usuarios tambem recorrentes133 . Ora, quando

se passaram esses 30 dias e Ludwig adiou novamente a entrada da

nova tabela em vigor, noticiou-se que todas as associa�oes recor­

rentes estavam muito pr6ximas de urn acordo com o Ecad, menos

a Abert, que continuava discordando do princfpio da proporciona­

lidade em rela�ao ao faturamento e que pregava, para o caso do

pagamento de direitos autorais e conexos musicais, o estabeleci­

mento de taxas fixas atraves de ajustes diretos entre usuarios e re­

presentantes dos autores e interpretes 134• E foi j ustamente isso que

acabou prevalecendo, dado que oito das dez associa�6es membros

do Ecad fizeram urn acordo em separado com a Abert, assinando

no dia I Q de setembro, na sede da UBC, urn protocolo que estabe­

lecia uma tabela de pagamento de direitos autorais e conexos mu­

sicais segundo a qual cada emissora pagaria uma taxa fixa, de acor­

do com a popula�ao do municfpio em que estivesse instalada e com

sua propria potencia em quilowatts135 • Essa tabela foi homologada

pelo CNDA e pelo ministro da Educa�ao, tornando-se a tabela ofi­

cial de arrecada�ao de direitos musicais, a qual precisou sujeitar-se

tambem a Associa�ao de Musicos, Arranjadores e Regentes (Amar) ,

que ficara de fora do acordo136 .

Para compreendermos a importancia que a atitude dessas as­

socia�oes teve como obstaculo a moderniza�ao do sistema de arre­

cada�ao e distribui�ao de direitos autorais e conexos, sera preciso,

contudo, acrescentar a lguns dados relativos a distribui�ao prevista

desses 3 ,5% sobre a metade do faturamento, que teriam passado a

ser arrecadados das emissoras de radio e TV caso a nova tabela ti­

vesse sido posta em pratica. De fato, alem de remunerar autores e

interpretes musicais em I ,5% e I %, respectivamente, sobre a meta­

de do faturamento das emissoras de radio e TV, a nova tabela ino-

" ' Jamal da Tarde e 0 Estado de S. Paulo, 2 .7 . 1 98 1 . 1 14 0 Estado de S. Paulo, 31 .7 . 1 98 1 .

' " fornal do Brasil, 2 .9. 1 98 1 . 1 11' 0 Estado de S. Paulo, 2 . 1 0 . 1 98 l .

1 5 6

RELA<;:OES DE PRODU<;:Ao E DIREITO AUTORAL

vava a ponto de remunerar tambem os interpretes nao-musicais, is to e , os a to res, em 1% sobre essa mesma metade 137• Assim sen do, ela nao apena s alterava a participa�ao dos diversos usuarios na forma�ao do bolo da arrecada�ao, fazendo recair a maior parcela de responsabilidade sobre os modernos meios eletronicos de comu­nica�ao, mas tam bern alterava a participa�ao dos diversos titulares de direitos na p artilha desse mesmo bolo, atribuindo uma parcela dos beneffcios, pela primeira vez de forma concreta, aqueles seg­mentos da classe artfstica cujos direitos sao conexos aos direitos de autor e decorrem, assim, j ustamente da utiliza�ao eletronica de obras musicais gravadas em discos e fitas ou de obras teleteatrais fixadas em videoteipes, isto e, ju stamente das formas modernas de utiliza�ao de obras artfsticas protegidas . Nao surpreende, portanto, que as duas soci€d ades membros do Ecad a ficar de fora do acordo com a Abert tenham sido sociedades de titulares de direitos conexos ' quais sejam, a Amar, que ate entao s6 representava musicos, e a Associa�ao dos Atores (ASA) 138 •

N a verdade, os maio res prejudicados com o estabelecimento de

urn acordo em separado entre a maioria das sociedades da area

m usical e a Abert foram OS atores a ssociados a ASA, dado que fica­

ram sozinhos na luta pelo reconhecimento efetivo dos direitos co­

nexos nao-musicais que lhes sao assegurados por lei 139• Quanto aos

direitos conexos musicais, cabe-nos ainda fazer aqui urn breve re­

lata do processo que resultou em seu reconhecimento efetivo, pro­

cesso esse do qual a rejei�ao da nova tabela constituiu apenas urn

epis6dio. Como ja foi visto, os direitos conexos sao desde 1 966 as­

segurados por lei aos interpretes, musicos acompanhantes e produ­

tores de fonogramas - tendo sido criada em 1 967 a Socinpro, a qual se associaram interpretes e produtores de fon ogramas, que

passaram a receber uma parcela do total arrecadado naquele tempo

137 0 Globo, 1 2. 3 . 198 1 efornal da Tarde, 1 5.9. 1 98 1 . 138 0 Estado de S. Paulo, 16 .9 . 1 98 1 . 139 EspafO Democratico, 28.6 . 1 985.

1 57

Page 79: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

pelo SDDA. Ora, a lei estipulava que essa parcela deveria ser divi­

dida em partes iguais entre produtores de fonogramas e interpretes, cabendo aos musicos acompanhantes urn ten�o do total destinado a estes ultimos140• Alegando, porem, ser impossfvel identificar OS

musicos titulares de tais direitos por nao haver urn registro oficial dos musicos participantes das gravac;:oes executadas, a Socinpro fez urn convenio com a Ordem dos Musicos do Brasil (OMB) , e passou a enviar para essa entidade a pequena parcela que caberia aos mu­sicos dentro da ja pequena parcela que cabia aos titulares de direi­tos conexos em relac;:ao ao total arrecadado14 1 •

A situac;:ao permaneceu assim durante mais de uma decada, sem que a Socinpro ou mesmo a OMB tomasse qualquer providen­cia no sentido de criar condic;:oes para que esse dinheiro chegasse a seus verdadeiros donos. Isso nao deixa de ser compreensfvel, dado que OS musicos que tinham acesso aos estudios de gravac;:ao nao constitufam mais que uma fnfima minoria da categoria - minoria essa que, por outro !ado, talvez nao estivesse entao sequer propor­cionalmente representada na OMB. E compreensfvel tambem a desatenc;:ao da Socinpro para com o problema, pois, alem de nao contar com musicos entre seus associados, essa sociedade contava com produtores fonograficos entre eles. Pronunc�ando-se sobre o problema, inclusive, seus diretores chegaram a afirmar em certa ocasiao que 0 proprio repasse dos direitos conexos dos musicos a OMB s6 era feito devido a condescendencia das gravadoras, a quem de fato deveriam ser repassados, uma vez que os musicos de estudio faziam a cessao de seus direitos quando da assinatura dos recibos dos caches de gravac;:ao 142 • A man utenc;:ao dessa situac;:ao por urn prazo tao Iongo e compreensfvel tambem dentro do quadro geral dos direitos autorais no pafs, em que, como vimos, sequer os auto-

1"' Lei 4.944, de 6.4 . 1 966, Artigo 6" ( Consolidaqiio das Leis sabre Direitos Autorais, pp. 87 -8) .

1 4 1 Folha de S. Paulo, 2 0. 1 . 1 978; Jamal da Tarde, 26 . 1 . 1 978 e 27. 1 . 1 978; 0 Estado de S. Paulo, 2 8. 1 . ! 978 e 1 0.3. 1 978.

141 0 Estado de S. Paulo, 2 1 . 1 2 . 1 975.

! 58

RELAc;:6ES DE PRODU<,�AO E DIREITO AUTORAL

res das obras musicais gravadas e posteriormente executadas pelos meios eletr6nicos de comunicac;:ao eram corretamente remunerados

em seus direitos, dada a natureza dos criterios de dis tribuic;:ao uti­lizados pelas diversas associac;:6es de titulares. Nesse quadro, de fato, bastava afirmar que o dinheiro repassado a OMB seria empre­

gado em obras de assistencia a musicos desempregados, por exem­plo, para que a situac;:ao se j ustificasse plenamente1 43 •

Dessa forma, nao e tambem surpreendente que tenha partido da Sombras a iniciativa de alterar a situac;:ao dos musicos em relac;:ao a seus d ireitos conexos, pois, como vimos, essa entidade represen­tava o que havia de mais moderno em termos de titularidade de direitos autorais. De fato, em janeiro de 1 978, ao instalarem uma sec;:ao paulista da Sombras, alguns compositores ligados a entidade fundaram ao mesmo tempo a Associac;:ao de Interpretes e Musicos (Assim) , com o objetivo de repassar efetivamente aos interpretes e musicos participantes das gravac;:6es executadas a parcela que lhes cabia do total arrecadado ja en tao pelo Ecad 144• A iniciativa de fun­dar uma nova sociedade de titulares de direitos conexos pode ter sido conseqi.iencia de urn aparente desencanto da Sombras em re­lac;:ao a sua estrategia anterior de nao esgotar a propria dissidencia na fundac;:ao de uma nova sociedade, mas antes dar todo o apoio possfvel a criac;:ao do CNDA e do Ecad enquanto 6rgaos cujo fun­cionamento viesse a tornar dispensavel a propria existencia de so­ciedades desse tipo. E esse desencanto advinha com certeza do fato de. que as sociedades desse tipo tinham j a entao tornado conta do Ecad e assumido no novo esquema poder suficiente para obsta­culizar a implantac;:ao efetiva de tudo o que ele continha de real­mente novo.

No que diz respeito aos direitos conexos dos musicos, a notfcia

da fundac;:ao da Assim causaria imecliata reac;:ao dos responsaveis

143 Ibidem.

1 " Folha de S. Paulo, 20. 1 . 1 978; Jornal da Tarde, 26. 1 . 1 978; Jomal do Brasil e Jamal da Tarde, 2 7. 1 . 1 978; 0 Estado de S. Paulo, 2 8 . 1 . 1 978; Folha de S. Paulo, 30. 1 . ! 978 e 0 Estado de S. Paulo, 1 0. 3 . 1 978.

] ')Q

Page 80: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

I N D U STRIA FONOC;RAFICA: utv! ESTUDO •\NTROPOLOGICO

pela s itua<;ao anterior: logo no mes seguinte , alegando a.tender a

urn abaixo-assinado que !he teria sido entregue pelo Smd1cato dos

Musicos Profissionais do Estado de Sao Paulo tres anos antes , a

OMB I iberou , ainda que sem corre<;ao monetaria, o dinheiro que

tinha sido arrecadado a titulo de direitos conexos de musicos ate

I nto l45 Ao mesmo tempo o presidente do sindicato ague e mome . ,

citado, que coincidentemente era tambem presidente da se<;ao pau-

lista da OMB, explicaria a imprensa que ate tres anos antes todo

mundo desconhecia a existencia legal dos direitos conexos de mu­

sicos e do convenio estabelecido entre a Socinpro e a OMB, inclu­

sive ele. Contudo, a partir de urn a lerta dado por urn grupo de

musicos sindicalizados, iniciara-se a ]uta no sentido de que 0 d i­

nheiro relativo aos direitos conexos dos musicos passasse a ser re­

passado ao sindicato, obtendo-se entao uma grande vit6ria da ca­

tegoria . A partir disso , dizia ele, nao havia mais necessidade alguma

de que fosse criada uma sociedade distribuidora de direJtos con.ex�s

de musicos, pois 0 sindicato passaria a fazer diretamente a dJstn­

bui<;ao do dinheiro a seus associados1 46 • 0 Sindicato dos. Mus1cos

de Sao Paulo, alias, chegou a encaminhar urn offcio ao mimstro da

Educa<;ao solicitando que o CNDA nao autorizasse o funcionamen­

to da Assim, entidade essa que teria sido repud iad a em assembleia

· 1n geral da categona .

. . , . .

Na verdade, 0 fato de que OS muS!COS tltulares de dJreltOS co-

nexos eram tambem uma Infima minoria entre os musicos sindica­

lizados levaria a que a situa<;ao anterior se prolongasse de qualquer

maneira por urn tempo ainda maior, ja que, vindo de fato a substi­

tuir a OMB no convenio com a Socinpro a partir de julho de 1 978,

OS proprios sindicatos tambem nao tomariam gualguer prov�dencia

no sentido de identificar quais eram os mtisicos realmente tltulares

dos direitos conexos a serem distribufdos 1 4 x . Quanto a Assim, em-

' " Jamal da Tarde, 1 2 . 2 . 1 978. '"' Ib idem. , ., 0 Estado de S. Paulo, 22. .1 . I 978.

'" Jornal do Brasil, 1 6.3 . ! 9RO.

1 60

RELA<;:OES DE PRODU<;:AO E DIREITO AUTORAL

bora tenha sido autorizada pelo CNDA a funcionar149 - recebendo, inclusive, o apoio publico do ministro Ney Braga 1 50 -.-, a verdade e que acabou tambem por nao elaborar sequer urn plano de dis­

tribui<;ao de direitos conexos de rnusicos, tendo safdo do campo de infl.uencia da Sornbras logo nurna das p rirneiras elei<;6es para renova<;ao de diretoria 1 5 1 •

Nova tentativa seria feita ern 1 980, corn a funda<;ao da Arnar por urn grupo de rnusicos que tinha assurnido entao a dire<;ao do Sindicato dos Musicos Profissionais do Estado do Rio de Janeiro convocando irnediatarnente urna assernbleia geral para decidir o destino que deveria ser dado ao dinheiro vindo do Ecad e criando posteriorrnente urna comissao para estudar como distribuir esse dinheiro entre OS rnusicos que de fa to tinharn participado das grava­<;Oes executadas 6u que pelo rnenos costurnavarn participar de gra­va<;oes regularrnente 1 52 • Como virnos, a Arnar seria.a unica entidade da area musical a nao cornpactuar corn a Abert ern 1 98 1 - atitude essa que tera sido corn certeza de fundamental irnportancia para que todos os charnados grandes nornes da MPB decidissern aderir ern rnassa a essa entidade, anunciando publicarnente seu desliga­rnento das antigas arrecadadoras no show de ! Q de maio de 1 982

ocorrido ern Porto Alegre1 53 • E essa adesao ern rnassa dos grandes nornes da MPB a Arnar fortaleceu corn certeza sua posi<;ao na co­missao que, ern fevereiro de 1 982, fora designada pelo CNDA para finalrnente elaborar urn plano oficial de distribui<;ao de direitos conexos de rnusicos, comissao essa da qual tambern faziarn parte o Ecad, a Socinpro, a Assirn, os Sindicatos de Musicos de Sao Paulo e do Rio de Janeiro e a ABPD, e que tinha a coordena<;ao geral de urn representante do proprio CNDA154• A crer-se no hist6rico da

1 4 9 Ibidem.

""Jornal da Tarde, 2 7. 1 . 1 978; Folha de S. Paulo, 30. 1 . 1 978. 1 5 1 Entrevista com Marcus Vinicius, realizada por mim no dia 3 1 .7 . 1 986. 1 52 fornal do Brasil, 1 6.3. 1 980. 1 11 0 Estado de S. Paulo, 6.5 . 1 982 e 9.5. 1982 . 114 Idem, 4.2 . 1 982.

1 6 1

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

Amar escrito por ela mesma, alias, tera sido de sua exclusiva auto ria o primeiro plano brasileiro de distribui<;ao de direitos conexos de musicos, bern como tera sido feita por e la a primeira distribui<;iio efetiva desses direitos a seus legftimos titulares1 55•

De qualquer maneira, o que se tern e que o plano apresentado pela comissao foi aprovado pelo CNDA em junho de 1 982, sendo entao atribufda ao Ecad a tarefa de proceder a identifica<;ao dos musicos titulares de direitos conexos1 56• De fato, em 1 985, esses mu­

sicos estavam sendo efetivamente remunerados em seus direitos, tendo-me sido apresentados na Amar os seguintes numeros rela­tivos a situa<;ao dos diversos titulares de direitos autorais e cone­xos quanta a participa<;iio no total arrecadado pelo Ecad: retirados 20% para administra<;iio do Escrit6rio e 5% para administra<;iio das diversas sociedades que o integram, 5 1 ,7% sao destinados aos au­tares, 9,7% aos interpretes, 9,7% aos produtores fonograficos e 3 ,9%

aos musicos. Informaram-me tambem ali que o criteria utilizado para a distribui<;ao do montante arrecadado entre os diversos auto­res, interpretes, produtores fonograficos ou musicos era ja entao a execu<;ao efetiva das obras e dos fonogramas sobre a qual cada urn deles tinha direito - execu<;ao essa que j a era entao auferida por computadores programados com os dados contid9s em planilhas enviadas pelas emissoras de radio e televisao ou elaboradas por fi scais do Ecad entre usuaries de musica ao vivo, fazendo-se a dis­tribui<;ao com base numa amostragem de 0, 1 % de tais planilhas. E, conforme mostram os dados relativos a composi<;ao d<! amostragem utilizada no mes de fevereiro de 1 985, o maior peso era atribufdo de fato as formas modernas de execu<;ao: simplesmente 90% das exe­cu<;6es computadas na amostragem estavam contidas nas planilhas das radios e TVs, restando apenas 1 0% para as execu<;oes de musica

155 "Hist6rico da Amar: quem somos, como crescemos, como funcionamos, saiba quem esta com a gente". Rio de Janeiro, 7.2 . 1 984.

156 ]ornal da Tarde, ]ornal do Brasil e 0 Clabo, 1 8.6. 1 982.

l ll2

RELA�:OES DE PRODU(:AO E D I R E ITO AUTORAL

ao vivo1 57• Quer dizer, os esfor<;os fei tos na decada de 1 970 no sentido da moderniza<;iio do sistema de distribui<;iio dos direitos autorais musicais acabaram de uma maneira ou de outra prevalecendo na decada de 1980 sobre os esfor<;os fei tos no sentido da manutens;ao

da situas;ao anterior. Ao que parece, contudo, o s istema de arrecada<;ao nao se mo­

dernizou da mesma maneira, pois as emissoras de radio e televisao, por exemplo, continuavam contribuindo com taxas fixas calculadas de acordo com sua potencia em quilowatts e com a populas;ao atin­gida por suas emissoes, nao havendo ainda ados;ao do princfpio da proporcionalidade em relas;ao ao beneffcio economico trazido pela utilizas;ao de obras musicais. Isso, porem, nao passa do outro !ado da moeda da modernizas;ao nas formas de utilizas;ao dessas obras, pois se ela conferiu algum poder aos segmentos mais modernos da classe musical brasileira, no sentido de influenciar a evolus;ao dos acontecimentos a seu favor, com mais enfase ainda tera servido

para ampliar 0 poder dos modernos usuarios de musica no mesmo sentido.

Assim e que a hist6ria da arrecadas;ao e da distribuis;ao de di­reitos autorais e conexos da area musical no Brasil dos anos de 1 970,

que acabamos de analisar neste capitulo, encontra-se intimamente ligada a hist6ria da expansao e da consolidas;ao do mercado fono­grafico brasileiro no mesmo perfodo, que analisamos no capftulo anterior. Isso se manifesta no fato de que as mudans;as havidas na distribuis;ao de tais direitos, quais sejam, a prioridade concedida a

freqiiencia de execus;ao em radio e TV como criteria de distribuis;ao de direitos autorais e a inclusao dos musicos acompanhantes na lista dos beneficiarios efetivos da distribuis;ao de direitos conexos, deram-se ambas no sentido de melhor remunerar os direitos cor­respondentes a formas de execus;ao que sao viabilizadas justamen­te atraves da produs;ao e da divulgas;ao de discos e fitas . Por outro

' " Ecad: Servi�o de Distribui�ao, Informa�iies Gera i s sobre a Distribui�ao, m a r./H5 . B rasilia, 3 1 . 5 . 1 985 .

Page 82: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

! 1'-: D LISTR!A FONOG!t.\F!CA: UM ESTU DO ANTROPOLOGICO

!ado isso se manifesta tambem no fato de que nao foram concreti-'

zadas as mudan�as correspondentes no sistema de arrecada�ao de

direitos autorais e conexos, tendo sido preservados nesse sentido os

interesses dos modernos meios de comunica�ao que sao de fato os

grandes usmirios das grava�6es musicais . Afinal, se tais interesses

foram assim preservados, foi porque 0 radio e a televisao partilha­

ram com a industria do d isco o mesmo poder de inftuencia por ela

conquistado sabre o rumo dos acontecimentos, muito embora seu

poder resultasse de processos proprios de expansao e consolida�ao

no Brasi l . Isso quer dizer que mesmo aquelas transforma�6es que

nao se reso lveram a contento, do ponto de vista dos segmentos da

classe mus ical mais diretamente envolvidos com a produ�ao fono­

grafica, resolveram-se de qualquer maneira de acordo com a nova

correla�ao de for�as gerada pelo crescimento da produ�ao e do con­

sumo de discos no Brasil , dado que se resolveram de maneira a

beneficiar OS modernos USUarios de obras musicais, i sto e, OS USUa­

rios de obras musicais gravadas. Nesse sentido, embora a atua�ao

retrograda das antigas sociedades autorais tenha contribufdo para

que nao fosse institufda a numera�ao de discos ou a arrecada�ao

proporcional ao lucro, por exemplo, nao resultou finalmente da

atua�ao de tais sociedades a preserva�ao dos interesses dos segmen­

tos da classe musical por elas representados, mas sim uma adapta­

�ao ainda maior do s istema a modernidade representada nos casas

citados pela ABPD e pela Abert, adapta�ao essa que se deu na ver­

dade em prej ufzo da classe musical como urn todo.

1 64

I

3 C U LTURA E RAZAO PRATICA NA INDUSTRIA

DO D I S C O : A I MAGEM P U B LI C A D O S ARTISTAS

Em seu trabalho sobre a evolu�ao do mercado de artes plasticas

em Sao Paulo, Jose Carlos Durand, inspirando-se nos trabalhos de

Pierre Bourdie� e Abraham Moles sobre a produ�ao de obj etos

ditos simbolicos ou culturais, refere-se aos mecanismos de forma�ao

dos pre�os desses objetos no caso especffico por ele proprio anali­

sado1 . Segundo Durand, Moles afirmara que, ao !ado dos custos de

produ�ao propriamente ditos, comporia o pre�o final de uma obra

artfstica 0 que ele chamou 0 "valor honorffico", i sto e, 0 valor ad­

vindo da posi�ao do autor da obra em rela�ao aos demais autores

de obras semelhantes existentes no mercado, ou melhor, o reconhe­

cimento de que o autor dessa obra seria objeto enquanto produtor

artfstico2 • Buscando esclarecer a maneira pel a qual esse valor ho­

norffico pode ser transformado em componente do pre�o, Durand

descreve urn processo que ocorre no ambito da circula�ao de obras

de artes plasticas, para o qual concorrem nao apenas os produtores

dessas obras e OS produtores de SeU valor honorffico - isto e, OS

crfticos e historiadores de arte que comp6em o chamado "aparato

de celebra�ao" artfstica - mas tambem o propri o marchand, a

quem cabe avaliar 0 carater justo ou inju sto d a correla�ao feita

1 Jose Carlos Durand, "Expansao do rnercado de arte ern Sao Paulo - 1 960- 1 980", in Estado e cultura no Brasil (org. Sergio Miceli) . Sao Paulo: Difel, 1 984.

2 Idem, op. cit., pp. 193-4.

1 65

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

entre valor honorffico e pre�o, bern como a real possibilidade de fazer valer uma justa correla�ao entre ambos nas transa�6es con­

cretamente efetuadas, alem de intervir ativamente na propria pro­du�ao de valor honorffico, promovendo a aproxima�ao pessoal entre os crfticos e os produtores das obras ou realizando resenhas de opini6es favoraveis a tais produtores, por exemplo3•

Uma compara�ao entre o processo assim descrito por Durand e aquila que ocorre de diferente ou semelhante na esfera de circu­la�ao dos produtos da industria fonografica talvez nos seja util para ampliarmos nosso proprio conhecimento das e specificidades da chamada industria cultural em rela�ao as formas artesanais de pro­du�ao artfstica, tais como a produ�ao de obras de artes plasticas, bern como de suas especificidades em rela�ao a produ�ao industrial de objetos comuns, i sto e, objetos considerados nao-simbolicos ou nao-culturais e sim meramente materiais .

0 primeiro ponto a ser destacado para efeito dessa compara'Sao diz respeito a diferen'Sa fundamental existente entre a produ�ao de artes plasticas e a produ�ao fonografica no que se refere ao carater puramente artfstico da primeira em contr�posi�ao ao duplo cara­ter da segunda, em que o trabalho puramente artfstico de compo­si�ao e interpreta�ao musical transforma-se em c;l emento cons­titutivo do trabalho coletivo e predominantemente tecnico de produ�ao do disco. D essa d iferen�a fundamental talvez decorra diretamente uma segunda e tambem importante diferen'Sa: o mar­

chand de obras de artes plasticas e substituido, no segundo caso, pelo proprio produtor fonografico como agente intermediario entre o produtor artistico-musical e o publico consumidor, cabendo a ele, na verdade, a fixa�ao primordial do pre�o do produto disco. Mas e no que se refere aos criterios utilizados nessa fixa�ao que se encon­tra a terceira e mais interessante diferen�a entre a produ�ao de artes

plasticas e a produ�ao fonografica: de fato, nenhum resqufcio do que se poderia considerar como o valor honorffico de diferentes

' Idem, op. cit., p. 1 94 .

1 66

CULTURA E RAZAO PMTICA NA I N DLiSTRIA DO D I SCO

autores, interpretes e musicos entra na composi�ao dos pre�os dos discos, nem mesmo no que diz res peito aqueles praticados direta­

mente pelos loj istas . N a fixa�ao dos pre�os dos discos sao levados em considera�ao apenas seus custos de produ�ao, divulga�ao e co­

mercializa�ao - o que nao excluiria, na verdade, o valor honorf­fico, desde que ele determinasse, por exemplo, o percentual a ser pago a tftulo de direito autoral ou artfstico ou o montante a ser pago a titulo de cache, que sao de fato despesas inclufdas pelo produtor fonografico nos custos de produ�ao4• No entanto, o valor do cache pago por perfodo de grava�ao e fixado semestralmente pelos sindi­catos de musicos, sendo a remunera�ao de cada autor determinada na verdade pelo numero de obras suas contidas por disco vendido, j a que, independentemente de qualquer considera�ao acerca de qualidade artfstica, sao sempre pagos aos compositores das obras contidas em cada urn dos !ados dos discos os mesmos 4,2% sobre seu pre!SO de fabrica, quantia essa que e dividida peJo numero de musicas, sendo entao cada parte repartida entre os parceiros de uma mesma composi�ao5• Da mesma forma, o valor honorffico do in­terprete nao e 0 que determina 0 percentual de sua participa�ao na vendagem de seus discos, sendo esse percentual antes determinado pela expectativa do produtor fonografico em rela�ao ao maior ou menor sucesso do artista, isto e, sua expectativa em rela�Sao ao maior ou menor retorno do investimento de capital feito na produ�ao de discos desse interprete6•

Se isso aproxima a produ�ao fonografica e a circulac,;ao de dis­cos da produ�ao e da circula�ao de uma mercadoria qualquer, te­mos, por outro !ado, que o mesmo valor honorffico de diferentes autores, interpretes e musicos que nao determina O S pre�OS de SCUS respectivos discos aparece, contudo, no que poderfamos chamar a

4 Realidade, fev. de 1 968; 0 G/obo, 1 9.9 . 1 976; Jamal de Mzisica, 2 1 . 1 0. 1 976; Jamal do Brasil, 9 . 1 0 . 1 978; Folha de 5. Paulo, 30 . 1 1 . 1 978 .

5 Pequeno Dicioncirio do Direito Autoral. Rio de Janeiro : Coomusa, 1 983 , p. 1 9 . 6 Idem, op. cit . , p . 1 4 .

1 ?. 7

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INDUSTRIA l'ONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

imagem publica desses arti stas, de cujo processo de produc;ao par­

ticipam nao somente eles mesmos, mas tambem todo o aparato de

celebra�ao representado pela crftica especializada, e ate o proprio

produtor fonografico. De fato, atraves de departamentos de im­

prensa mais ou menos estruturados, esse produtor atua como o

marchand que busca participar ativamente do processo de produ�ao

do valor honorffico dos artistas cujas obras plasticas pretende ne­

gociar. E se ha uma imagem publica a ser produzida no campo

fonografico, e porque, como vimos, apesar do carater industrial da

produ�ao de discos, mantem-se ainda, tanto concreta quanto ideal­

mente, a especificidade do que seria o trabalho propriamente artfs­

tico-musical, estando a publicidade de fato associada exclusiva­

mente aos suj eitos desse trabalho. Assim, a especificidade que a

industria cultural deve ao carater concreta ou idealmente especffi­

co do trabalho de que se util iza manifesta-se no fato de que ela nao

apenas produz urn produto, mas tambem participa da produ�ao da

imagem publica de alguns dos produtores diretos desse produto,

quais sejam, aqueles que, por serem artistas, escapam ao anonimato

im pingido aos produtores diretos em geral, justamente porque se

considera que, ao contrario dos tecnicos e dos trabalhadores ma­

nuais, esses produtores ainda conseguem imprimir ao produto final

a marca de sua personalidade, na medida em que se dedicam a uma

atividade que nao e vista apenas como dispendio de energia mental

ou ffsica, mas como verdadeira cria�ao.

Reencontramos aqui a mesma ideia de uma dicotomia radical

entre trabalho e cria�ao artfstica que constitui o ponto de partida

das representa�oes que j ustificam o proprio direito autoral, confor­

me ja foi visto no capitulo anterior. Na verdade, essa ideia aparece

de modo tao recorrente no campo artfstico-fonografico, que se pode

explicar a partir dela nao apenas a existencia de uma imagem pu­

bl ica dos artistas a ser trabalhada, mas tambem em certo sentido o

proprio conteudo assumido por essa imagem nos diversos casos

concretos . De fato, se e verdade que o valor honorffico aparece,

como ja afirmamos, na imagem publica dos artistas ligados a pro-

1 68

CULTURA E RAZAO PMTICA NA INDUSTRIA DO DISCO

du�ao fonografica, tambem e verdade que ele nao 0 faz de maneira

tal que todos esses artistas simplesmente participem de uma hierar­

quia de maior a menor prestfgio, como ocorre no caso da prodw;ao

puramente artfstica. Diferentemente, o valor honorffico se m ani­

festa na imagem publica dos artistas do disco de modo a dividi-los

em dois grandes grupos, quais sejam, aquele dos artistas que tern

prestfgio e aquele dos que nao o tern - grupos esses q ue, por outro

lado, coincidem com outros surgidos de uma classifica�ao baseada

na aplica�ao direta da mesma dicotomia ja citada, na medida em

que tern prestfgio aqueles artistas cujo trabalho e considerado " cul­

tural" e nao o tern aqueles que sao tidos como meramente "comer­

ciais" . Tais categorias estao de fato subj acentes aos d iscursos dos

artistas, crfticos e homens de gravadora entrevistados, ainda que os

termos utili zados para exprimi-las possam ter sido outros e mesmo

que muitas vezes a inten�ao desses discursos tenha sido justamente

marcar uma posi�ao de contesta�ao em rela�ao a elas .

Talvez se ja interessante iniciarmos a analise das categorias vi­

gentes no campo fonografico a partir do discurso de urn artista no

qual e possfvel encontrar uma condena15ao veemente do que lhe

parece ser uma discrimina�ao da industria fonografica contra os

artistas considerados a priori por ela como "de prestfgio", discrimi­

na�ao essa que se manifestaria, a seu ver, no fato de que as grava­

doras nao investiriam muito na divulga�ao dos discos desses artis­

tas, baseadas no pressuposto de que nao teriam de qualquer forma

grande aceita�ao no mercado7• De fato, e possfvel concluirmos com

base nessa atitude que os pr6prios executivos da industria fonogra­

fica acatam e utilizam em sua pratica cotidiana as mesmas oposi­

�oes com base nas quais e possfvel criticar a industria cultural, quer

dizer, tambem para eles aquilo que e "cultural" nao pode ser, ao

mesmo tempo, objeto de consumo, e vice-versa. E curiosa, por ou­

tro l ado, que seja o artista, constituinte do que e de fato considera­

do cultural na industria, quem se manifeste contra tais oposi<;oes.

7 Entrevista com Marcus Vinfcius, realizada por mim no dia 3 1 .7. 1 986.

1 69

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INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

No en tanto, ele nao o faz senao por uma razao muito simples, que e inclusive explfcita em seu discurso: "quem pagara a feira do ar­tista considerado de prestfgio ? ", pergunta ele, assumindo a postu­ra de quem, a despeito de todas as oposi�6es conceituais passfveis de serem feitas entre processo vital e cultura, vive, de fato, dessa mesma cultura. E mais: vive dessa cultura num momenta historico em que isso so e possfvel atraves da inser�ao dos objetos culturais no mercado, ou seja, atraves da aceita�ao da ideia de que cultura pode ser objeto de consumo.

N a verdade, a situa�ao con creta dos artistas envolvidos direta­mente na produ�ao fonografica e de extrema ambigilidade em re­la�ao as oposi�6es conceituais citadas, pois, ao mesmo tempo em que e contraditoria em rela�ao a tais oposi�6es, so se j ustifica de fato a partir delas, conforme vimos no capitulo 2 . Assim, a afirma­

�ao no sentido de que a cultura pode ser objeto de consumo.-nao pode ser considerada por eles reciprocamente verdadeira, na

.:tne­dida em que, afirmando a possibilidade de considerar-se cultural todo e qualquer objeto de consumo, afirmariam ao mesmo tempo a inexistencia de toda e qualquer especificidade em seu proprio trabalho que fosse capaz de justificar a especificidade de sua situa­�ao concreta. Compreende-se, pois, dessa maneira, Hue o mesmo artista que critica as gravadoras por nao se esfor�arem para vender 0 que e "de prestfgio" critique tambem OS artistas que Se sujeitam a fazer o que e "de consumo"8: ao que parece, a fim de conciliar logicamente a contradi�ao de sua situa�ao objetiva em rela�ao as oposi156es conceituais que a sustentam, o artista lan15a mao de uma especie de divisao ideal de tarefas entre o sujeito da industria e o sujeito da cultura, segundo a qual caberia ao primeiro unicamente vender o produto, qualquer que seja ele, cabendo ao segundo uni­camente produzi-lo, qualquer que seja sua possibilidade de ser vendido. 0 que ele critica, entao, e a recusa da industria em cum­prir sua tarefa, isto e, em vender 0 produto do trabalho artfstico,

" Ibidem.

1 70

CULTURA E RAZAO PRATICA NA INDUSTRIA DO DISCO

ainda que o considere "de prestfgio" . Is so !he permite criticar tam­bern 0 que !he parece ser uma inversao de papeis, isto e, a preocu­

pa�ao do artista com a vendagem de seu produto - preocupa�ao essa que, conforme veremos, se pode manifestar tanto atraves da produ�ao de uma musica "de consumo" quanto atraves de urn cer­to exagero no trabalho pessoal de divulga�ao desse produto.

A ideia de uma divisao de tarefas entre a gravadora e o artista e

bastante recorrente como forma de conciliar os dois elementos que conceitualmente se op6em e que devem conviver empiricamente sem perder cada qual a sua especificidade. Veremos, inclusive, que a pratica efetiva da inversao de papeis criticada por nosso entrevis­tado pode de fa to acarretar a urn artista ate mesmo a perda de seu reconhecimento como produtor cultural . Antes, porem, sera neces­saria examinarmos o papel da crftica especializada como instancia produtora de prestfgio, dado que cabe justamente a ela fazer esse reconhecimento. Veremos dessa maneira que, numa manifesta15ao das mesmas oposi156es conceituais, a "crftica" ira ela propria opor­se ao "publico", entendido esse como ponto de referencia da prati­ca profissional dos artistas considerados nao-culturais.

De fato, tanto no discurso dos crfticos quanto no discurso dos responsaveis pelos departamentos de imprensa das gravadoras, e possfvel encontrar referencias a oposi15ao "crftica" versus "publico", constituindo-se a primeira em interlocutor privilegiado das grava­doras para o estabelecimento de urn circuito de circula'<ao de discos "de prestfgio" que acaba excluindo o proprio publico consumidor, 0 qual e tornado, no entanto, como interlocutor privilegiado no que se refere a produ�ao considerada verdadeiramente "comercial" . Encontrei, por exemplo, no discurso de urn crftico, a afirma'<ao do poder de influencia da crftica sobre as gravadoras no sentido de que estas "nao fiquem fazendo s6 aquelas porcarias e invistam mais naquilo que elas chamam de prestfgio"9• 0 mesmo crftico, alias, lamenta que esse poder de influencia da crftica sobre as gravadoras

9 Entrevista com D i rceu Soares, rea l izada por mim no dia .30 .7 . 1 986.

1 7 1

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INDUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

nao seja na verdade tao grande quanta seria desejavel: segundo ele,

as gravadoras dao mais importancia ao radio, como vefculo de divul­

ga�ao por meio do qual e possfvel fazer aumentar a vendagem de

urn disco, do que a imprensa escrita, que faz a crftica do mesmo

lan�amento, ocorrendo-lhes sempre fechar em primeiro Iugar seus

departamentos de imprensa quando 0 objetivo e fazer conten�ao

de despesas 1 0• Quer dizer, a prodw;ao "de prestfgio", voltada para

a crftica, aparece a partir desse depoimento como uma especie de

luxo a que se permitiriam as gravadoras em epocas de vacas gordas,

a fim de manter sua propria imagem como produtoras de objetos

culturais. No cotidiano de sua pratica como produtoras de merca­

dorias, contudo, as gravadoras voltar-se-iam primordialmente para

0 publico consumidor atraves do radio. Por outro !ado, embora o

cr!tico tambem con teste a oposi�ao p raticada pelas gravadoras en­

tre 0 que e "de prestfgio" e 0 que e "comercial", afirmando que na

verdade todos sao comerciais na medida em que todos fazem disco

para vender, ele proprio termina por reproduzir a mesma oposi�ao

em seu discurso, ao declarar que ha de qualquer forma urn "comer­

cia! melhor" e urn "comercial pelo comercial" , associando nova­

mente 0 segundo termo aquele disco que seria feito "puramente

d ' d " I I para agra a r a o consumt o r . Da mesma forma, o discurso de responsaveis por departamentos

de imprensa de gravadoras e todo ele pontilhado de referencias ao

"publico" em oposi�ao a "crftica" , muito embora tais referencias

tenham por objetivo principal afirmar que mesmo a produ<_<ao tida

por mais comercial pela crftica tern, contudo, o respaldo do publico

que a consome, nao podendo por isso ser totalmente desprezada.

Alias, uma analise mais aprofundada do discurso dessas pessoas a

respe i to de seu proprio trabalho de elabora�ao de releases de dis­

cos - e sabre a possibilidade de que esse trabalho possa ser tido

como p rodutor de algo que seria a imagem publica dos artistas -

111 Ibidem. 1 1 Ibidem.

1 7 2

CULTURA E RAZiiO PMTICA NA INDUSTRIA D O DISCO

sera de extrema importancia para confirmarmos que, de fato, as

oposi<_<oes conceituais citadas orientam a pratica da industria cul­

tural, fazendo parte de representa<_<oes a partir das q uais e possfvel

nao apenas critica-la, mas tambem lhe dar sustenta<_<ao.

Em primeiro Iugar, e preciso observar que as pessoas que tra­

balham em departamentos de imprensa de gravadoras negam pe­

remptoriamente que sej a possfvel "produzir" a imagem publica de

urn artista, afirmando que essa imagem e sempre o reftexo daquilo

que o artista "realmente e" 12• Quer dizer, assim como a obra artfs­

tica, a imagem publica do artista seria mais que o simples produto

de urn trabalho que porventura pudesse ser empregado delibera­

damente em sua produ<_<ao, sendo antes o reftexo e spontaneo da

propria personalidade desse artista. Urn dos entrevistados, inclusi­

ve, chega a afirm'ar que isso ocorre sempre, mesmo no caso extrema

daquilo que chamou " uma coisa mais ou menos fabricada" : Sidney

Magal, por exemplo, nao poderia se fazer passar por cigano se nao

tivesse, de fato, aparencia de cigano, e nem a gravadora poderia

pedir ao artista que dan�asse como urn cigano em suas apresenta­

�oes publicas caso ele nao soubesse dan�ar dessa maneira13• Quan­

do nao ha uma correspondencia entre uma imagem e aquila que o

artista realmente e, 0 investimento porventura feito nessa imagem

nao "funciona". Essa teria sido, en tao, a causa principal do fracas­

so de Belchior na tentativa feita no sentido de ostentar uma imagem

sensual, a qual sera analisada em seguida: ele deixou de ser "espon­

taneo", diz a entrevistada, e tentou "acrescentar coisas a imagem

dele que nao eram naturalmente dele" 14 •

Assim, de seu ponto de vista, o trabalho de quem elabora os

releases a respeito dos discos lan<;;ados consiste unicamente em "pin­

�ar", "captar" ou fazer "aftorar" caracterfsticas muitas vezes ocultas

1 2 Entrevistas com Marinho e Ana Lucia Novaes, realizadas por mim nos dias 7.7. 1 986 e 8.7. 1 986, respectivamente.

1 3 Ana Lucia Novaes, entrevista citada.

14 Ibidem.

1 73

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

porem sempre existentes nos artistas, podendo ate mesmo "usar" aquelas caracterfsticas consideradas negativas de modo a "canaliza­las" a favor deles, ou ainda "construir urn outro lado" quando a enfase da imprensa esta colocada demasiadamente sobre 0 lado

considerado negativo, desde que, como e 6bvio, esse "outro lado" tambem exista e nao seja pura "inven�ao" .

Contrastando com isso, que e definido como simples "burila­mento" por parte da gravadora de uma imagem publica que ema­naria de fato diretamente do artista, encontra-se, porem, o que e definido como a "sustenta�ao" dessa mesma imagem, que se atribui exclusivamente a gravadora1 5 • Ve-se, porem, que tal "sustenta�ao" pode ser assim atribufda a gravadora justamente porque se consti­tui apenas no oferecimento de algo que poderfamos chamar o su­porte material dessa imagem atraves das variadas formas de "nego­cia�ao com os meios de comunica�ao" citadas pela entrevistada. Esses meios de comunica�ao, alias, sao eles pr6prios classificados em razao de sua maior ou menor "vulnerabilidade" a negocia�oes de carater meramente comercial , sendo destacados entre eles aque­les vefculos mais "informativos" , nos quais, por exemplo, a obten­�ao de uma capa com determinado artista depende basicamente da argumenta�ao "jornalfstica" utilizada pelo pessoal da imprensa de sua gravadora com os editores16• Essa classifica�ao dos meios de comunica�ao nao deixa de lembrar a diferencia�ao feita pelo cr!ti­co entre o radio e a imprensa escrita, na qual o primeiro ficava re­legado a condi�ao de vefculo de divulga�ao da produ�ao "comer­cia!" com vistas a amplia�ao de suas vendas, enquanto a segunda cabia a fun�ao mais nobre de "analisar" o disco produzido e divul­gado. E interessante acrescentar que a oposi�ao "comercial" versus

"cultural" se aplicava no discurso do cr!tico aos pr6prios produtos do radio e da imprensa escrita, na medida em que, segundo ele, as emissoes radiofOnicas sao efemeras, ao passo que os comentarios

11 Ibidem. 16 Ibidem.

1 74

CULTURA E RAZAO PRATICA NA I N DUSTRIA DO DISCO

da imprensa escrita permanecem, podendo mesmo servir como

"currfculo" para os novos artistas que almej am ascender no campo artfstico-fonografico 1 7: isto e, os crfticos, como suj eitos pertencentes

a esse campo, podem fornecer aos novos artistas verdadeiras cartas de apresenta�ao, quando tecem comentarios favoraveis aos seus primeiros trabalhos.

Voltemos, porem, ao d iscurso dos responsaveis pelos departa­mentos de imprensa das gravadoras, pois ha ainda alguns dados de uma outra entrevista que merecem urn pouco mais de aten�ao. De fato, embora esse outro entrevistado tenha-se manifestado de ma­neira semelhante a primeira a respeito da maior parte das questoes

levantadas, houve contudo algumas diferen�as s ignificativas, dado que ele avan�ou urn pouco mais na diferencia�ao fei ta entre os artistas considerados culturais e aqueles considerados comercias, utilizando-se dessa diferencia�ao no momento mesmo de explicar as praticas tambem diferenciadas a respeito das quais se poderia ou nao se poderia falar em "produ�ao" de imagem publica de artistas por parte de gravadoras. Assim e que ele tambem faz, como a pri­meira, uma classifica�ao particular dos meios de comunica�ao com os quais as gravadoras se relacionam para efeito de divulga�ao dos artistas e de seu trabalho, denominando alguns deles de "imprensa intocavel" e outros de "imprensa manipulada" 1 R. Ao contrario da primeira, porem, esse entrevistado acaba de alguma maneira clas­sificando os pr6prios artistas em intocaveis e manipulados, na me­dida em que afirma somente para uma certa categoria de artistas o que a primeira afirmara para a generalidade deles, i sto e, que a imagem publica e simples reflexo de sua propria personalidade.

De fa to, afirma ele, alguns artistas apresentam para a gravado­ra "uma coisa que vern deles", sendo portanto eles mesmos a sua propria " fonte geradora" - ou, em termos bastante semelhantes aos empregados pela primeira entrevistada, certos artistas ja se

1 7 Dirceu Soares, entrevista citada.

1 8 Marinho, entrevista c i tada.

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I N DU STRIA FONOGfzAFIC:A: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

constituem em uma especie de "pedra bruta" que cabe a gravadora

apenas " lapi dar ", ao passo que outros nao1� . E e interessante que a

razao dessa diferens;a entre os artistas seja buscada primeiramente

por ele no fa to de que alguns "tern alguma coisa a dizer que e deles

mesmos", pois isso significa, na pn'itica, atribuir ou nao autentici­

dade as imagens publicas dos artistas conforme estes sejam ou nao,

a lem de interpretes, tambem autores das musicas interpretadas.

Reencontramos aqui a mesma superioridade da atividade de com­

por sobre a de interpretar no que se refere a adequas;ao as concep­

s;oes vigentes acerca da natureza criadora do trabalho art!stico,

superioridade sobre a qual ja falamos no capitulo anterior. De fato ,

para o entrevistado, a maioria dos meros interpretes pode ser clas­

s ificada no grupo dos artistas por ele chamados "bregas" , muito

embora ele afirme, por outro !ado, que mesmo a imagem publica

desses artistas nao pode ser considerada uma "mentira", pois sua

rea lidade e confirmada pelo "publico brega" que Iota ginasios de

esportes para ve-los211•

De fato, nesse contexto, o "publico" e utilizado como autode­

fesa da gravadora diante da "crltica", da qual se diz que ignora a

real idade subjacente aos artistas "bregas" quando acusa a gravado­

ra de manipulas;ao. No entanto, o proprio publico acaba se dividin­

do em dois, sendo citado em oposis;ao ao publico "brega" o publico

"universitario" ) is to e, publico dos interpretes-compositores " inte­

lectuais", que por outro )ado sao OS unicos a COiltar com a aceita<,;aO

da imprensa "de esquerda" ou "elitizada" 2 1 • Para o entrevistado,

alias, a propria classificas;ao rfgida dos artistas em "bregas" ou "in­

telectuais" teria sido uma crias;ao dessa imprensa "de esquerda" ou

"el itizada" , dado que, segundo ele, essa imprensa tern verdadeiro

preconceito contra os artistas que, sen do " intelectuais", acabam

conquistando tam bern o publico "brega". Assim e que se explicaria,

' ' ' Ib idem.

"' Ibidem . 2 1 Ibidem.

176

CULTURA E RAZAO PAATICA N A INDUSTRIA D O DISCO

por exemplo, a perda de prestfgio de Belchior entre a crftica especia­

lizada, fenomeno que teria passado a ocorrer justamente a partir

do momenta em que esse artista comes;ou a incorporar segmentos

cada vez mais " populares" a seu proprio publico. 0 proprio inves­

timento de Belchior numa imagem sensual teria sido entao uma

resposta do artista ao desprezo da "crftica" em relas;ao a seu traba­

lho, resposta essa atraves da qual ele teria querido chamar a atens;ao

para o fato de que podia de qualquer maneira contar com a aprova­

<,;iio alternativa do "publico"22• Sobre o mesmo investimento de Bel­

chior numa imagem sensual, alias, a primeira entrevistada tambem

se manifestara de modo a relaciona-lo com o objetivo do artista de

conquistar urn publico maior do que o seu publico "real". Para ela,

porem, o " inchas;o" do verdadeiro publico de urn artista - pro­

vocado pela ade&iio momentanea de uma massa de consumidores

cujas preferencias variam eQtre os d iversos artistas de ano para

ano - levaria de fato a uma "deformas;ao" daquele verdadeiro

publico, sendo por isso que a procura deliberada desse " inchas;o"

estaria associada a "deformas;ao" da propria imagem do artista23 •

Quer dizer, no esquema ideal a verdadeira face do artista so se con­

firma atraves do espelho de seu verdadeiro publico, e vice-versa.

Finalizando esta analise do discurso de algumas das pessoas

envolvidas na produs;ao de releases para a industria fonografica, e

preciso registrar ainda que, de acordo com a descris;ao que fazem

de sua propria atividade, esta seria algo muito mais proximo da

atividade artlstica do que das demais atividades necessarias a pro­

dus;ao e a divulgas;ao do disco. Vimos que algo semelhante ocorre

no discurso dos crfticos quando se trata de defender a natureza

espedfica da imprensa escrita em relas;ao ao radio, ocorrendo o

mesmo no discurso dos chamados " capistas" sobre .seu trabalho de

e laboras;ao de capas24 • No caso dos produtores d e releases, isso se

2 2 Ibidem.

2·' Ana Lucia Novaes, entrevista citada.

24 Jamal do Brasil (Revista de Domingo), 6.7. 1 986.

1 77

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INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

manifesta, por exemplo, atraves da afirm a�ao de existencia de urn

vfncufo pessoal de amizade e admira�ao recfproca entre eles pro­

p rios e os artistas a respeito dos quais escrevem, vfnculo esse que

faz seu trabalho extra polar os l imites de uma atividade meramente

"profissional" e torna, por outro !ado, seus releases mais uma vez

nao "mentirosos"25• Em outra entrevista, isso se manifesta atraves

da propria rela�ao fei ta entre o conteudo dos releases e o " !ado

humano" dos artistas, rela�ao essa associada diretamente a ideia

de que haveria sempre urn conteudo de verdade em tais releases,

em cuj a produ�ao seria empregado urn trabalho obj etivamente

"jornallstico"26•

Para confirmar a existencia de urn vfnculo pessoal entre quem

faz o release e o artista a que este se refere, alias, urn dos entrevis­

tados chegou a se referir ao fato de que na maior parte das vezes

quem acaba fazendo o release e alguem de fora da companhia a que

esta ligado o artista, quer dizer, urn nao-funcionario da gravadora,

mas amigo e admirador do artista27• Conforme insistiu urn outro

entrevistado, esse alguem e sempre escolhido "democraticamente"

pelo produtor fonografico com base em sugestao geralmente fei ­

ta pelo proprio artista, sendo escolhido de maneira semelhante o

artista plastico ou fotografo, tambem autonomos, � quem se enco­

menda o projeto ou a foto da capa do d iscoZR. Quer dizer, a especi­

ficidade atribufda por essas p essoas as suas proprias atividades de

elabora�ao de releases ou de capas em rela�ao as demais atividades

inclu!das na produ�ao e na divulga�ao de urn disco tern alguma

correspondencia nas rela�6es concretas de produ�ao existentes entre

elas e a industria fonografica, rela�oes essas que sao tambem elas

especfficas. De fato, essa informa�ao coincide com aquelas obtidas

diretamente nos departamentos jurfdicos das gravadoras durante a

primeira fase do trabalho de campo. E de ressaltar, contudo, que ha

" Ronaldo Boscoli, entrevista realizada por mim no dia 5.7 . 1 986.

'" Ana Lucia Novaes, entrevista citada.

27 Ronaldo Boscoli, en trevista citada.

2" M arinho, entrevista citada.

1 78

CULTURA E RAZAO PRkriCA NA INDUSTRIA DO DISCO

tambem funcionarios assalariados que fazem releases ou capas de

discos, sendo porem rel evante registrar afrrma�ao feita por urn dos

entrevistados no sentido de que a encomenda de releases ou capas

a pessoas de fora das gravadoras constitui, na verdade, urn sinal de

que determinado artista esta en tre os "melhores" , pois, segundo

ele, so seriam feitos por assalariados das gravadoras os releases e as

capas de discos de arti stas que nao tern muito "prestfgio"2Y. Isso,

sem duvida, nao deixa de estar tambem relacionado as oposi�oes

conceituais a que nos temos referido durante toda esta analise : de

fato, se os artistas nao tern "prestfgio" , eles serao com certeza con­

siderados "comerciais" e nao "culturais " ; e , dado que seu proprio

trabalho nao e considerado "cultural" e portanto nao e considerado

especffico em rela�ao ao trabalho em geral, tambem nao precisarao

se-lo os trabalhos de elabora�ao do release e da capa de seu disco.

Passemos, agora, a uma analise do conteudo das imagens pu­

blicas de alguns artistas na qual sera novamente demonstrada a

importancia de tais oposi�oes como elementos fundamentais das

representa�6es vigentes no campo artfstico-fonografico, especial­

mente no que se refere ao subcampo da crftica especializada. Para

a identifica�ao do conteudo de tais imagens baseamo-nos princi­

palmente nos comentarios feitos pela crftica, dado que, conforme

observamos, e de fato ela quem fornece publicamente uma palavra

final sobre o artista, depois de reelaborar por conta propria as infor­

ma�6es fornecidas por ele mesmo e por sua gravadora, informa�oes

as quais recorreremos contudo sempre que necessaria . Por outro

!ado, conforme j a foi dito na introdu�ao, Fagner e Bclchior sao os

artistas cuj as imagens publ icas serao tomadas como objeto desta

analise, tendo sido ambos escolhidos como representantes do gru­

po de artistas que identificamos como os compositores- interpretes

de MPB surgidos nos anos iniciais da decada de 1 9 70. Isso sem do­

vida faz com que a analise que se segue se tome ainda mais opor­

tuna, pois com base nela sera possfvel conhecer alguns dos reflexos

29 Ronalda Boscoli, entrevista citada.

I 70

Page 90: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

J N D USTIUA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

da conj untura polftica do perfodo sobre a imagem publica dessa

gerac,;ao de artistas, bem como alguns aspectos da influencia que

teve sobre essa imagem o papel fundamental entao desempenhado

pelos artistas de MPB na consolidac,;ao do mercado de discos e na

modernizac,;ao do sistema de arrecada�ao e distribuic,;ao de direito

autoral no Brasil .

II

Antes que o chamado "grande publ ico" tomasse conhecimento da exis­

tencia d e Fagner ... Elis Regina, Ronaldo Boscoli, Ivan Lins, Roberto Me­

nescal , Quarteto em Cy "estavam ama rrados no menino". E com o talen­

to que o levou a conquistar cinco premios em festivais u n iversitarios, em

B rasi l ia , premios de arranjo e interpreta<;iio, i nc lusive, bastava s6 o im­

p u lso , u rn empurraozinho, para ele chega r " l a em cima" .

Assim come�a o release mais antigo que encontre i em arquivos de jornais ou de particulares : datado de 1 972 , ele foi produzido pelo

Departamento de Servic,;os Criativos (Imprensa, Relac,;oes Publicas

e Artes G raficas) da Philips-Phonogram e anuncia para b reve o

lanc,;amento do primeiro compacto duplo de Fagner e a participac,;ao

do artista no VII FIC, informando ao mesmo tempo que Elis Regi­

na e Wilson Simona! ja tinham gravado musicas de sua autoria e

que ele proprio j a tinha fe ito sua primeira grava<sao, o Disco de

Bolso , "ao !ado de Caetano Veloso" . Da mesma forma, o release

d ivulgado pela TV Globo por ocasiao do VII FIC tambem faz refe­

rencia as grava�oes ja feitas e tambem informa : "Seus principais incentivadores sao Ronaldo Boscoli, Elis, Sergio Ricardo, 'que acre­ditam demais em mim"'. Por outro !ado, nas duas materias datadas

de 1 9 72 que encontrei nos mesmos arquivos - a primeira motiva­

da pelo lanc,;amento do Disco de Bolso e a segunda motivada pelo

lanc,;amento do compacto duplo pela Philips -, a enfase tambem

e colocada no fato de que o jovem compositor-interprete que entao

se apresentava ao publico contava com esse " incentivo" dos artistas

1 80

CULTURA E RAZAO PRATICA NA INDUSTRIA DO D I SCO

mais velhos30• A primeira materia, por exemplo, diz assim: "Desde que Elis Regina e Erasmo Carlos gravaram composic,;oes suas, o nome do cearense Fagner passou a ser repetido nos meios musicais, cercado de urn respeito que, ate agora, so anunciou os melhores compositores da MPB"3 1 •

Dessa maneira, pode-se dizer que, desde a s primeiras aparic,;oes publicas do artista em questao, sua imagem como compositor-in­terprete de MPB foi configurada atraves da exaustiva referencia a aceita�ao de seu nome ·por parte dos j a en tao consagrados artistas desse campo. Como estrategia, porem, isso se manifestou de ma­neira mais nftida no ano seguinte, quando, para lanc,;ar o primeiro LP de Fagner, a Philips-Phonogram distribuiu as emissoras de radio urn compacto que continha a gravac,;ao de depoimentos pessoais de Ronaldo Bost:oli, Nara Leao, Chico Buarque, Erasmo Carlos, Marilia Pera e Monsinho sobre o novo artista32• Ao mesmo tempo, na maior parte das seis materias publicadas nessa epoca sobre o LP e encontradas por mim nos arquivos citados, faz-se novamente referencia as grava<soes de suas musicas ja feitas por ele mesmo ou por outros e aos inumeros eventos artfsticos dos quais ja partici­para, sendo que o fato de artistas consagrados terem participado dos mesmos eventos recebe muito mais destaque do que a propria participac,;ao do artista neles33• Assim e que, nas entrevistas, Fagner conta, por exemplo, que foi desclassificado no VII FIC, mas que foi ao mesmo tempo defendido por Nara Ldio; que, a convite de Nara, participou de seu show "Muito informal"; e que, ao lado de Roberto Menescal, produziu o ultimo LP da interprete34• Ou conta que, a convite de Caca Diegues, esta trabalhando na produ<5ao da trilha sonora do filme Joana Francesa, ao lado de Chico Buarque;

3 0 0 Globo, 1 0.6. 1 972; Jornal do Brasil, 1 . 1 1 . 1 972.

3 1 0 Globo, 1 0.6. 1 972.

32 0 Jornal, 27.4. 1973; Veja, 2 . 5 . 1 973; 0 Globo, 19 . 5 . 1 973.

33 0 Jornal, 27 .4 . 1 973; 0 Globo, 1 9. 5 . 1 973; Jamal do Brasil, 23 .6 . 1 973 ; A Notfcia, 1 1 .7 . 1973.

·14 0 Jornal, 27.4 . 1 973; 0 Globo, 19 .5 . 1 973 ; /ornal do Brasil, 3 .6 . 1 973.

1 8 1

Page 91: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

ou que, por outro !ado, este ultimo artista foi quem 0 apresentou ao publico da Phono-73, da qual participou35• E assim par diante. N a verdade, ha na maior parte dessas materias urn a utiliza<;:ao das pr6prias rela<;:6es pessoais do artista como signos de prestfgio, que se tornam algumas vezes explicitamente independentes da participa­<;:iio em quaisquer eventos artfsticos, como e o caso, par exemplo, da referencia a participa<;:ao de Fagner nos times de futebol formados na epoca par artistas famosos36• Alias, a propria inclusao de urn depoimento do jogador Monsinho entre aqueles gravados para o compacta promocional e outro exemplo desse tipo de utiliza<;:ao das rela<;:6es pessoais, em si mesmas, como signos de prestfgio .

Datam tambem de 1 973 as primeiras referencias crfticas aos "padrinhos" de Fagner: o crftico musical Tarik de Souz'a, par exem­plo, embora elogie o primeiro LP do artista, associa de alguma ma­neira sua "rapida ascensao" ao fato de ter sido apadrinhado37; ao mesmo tempo, Mauricio Kubrusly alerta no sentido de que o ex­cesso de padrinhos pode atrapalhar "as movimentos e a identidade do homenageado"38• 0 proprio Fagner, alias, come<;:a a dar desde entao alguns sinais de descontentamento em rela<;:ao a estrategia adotada para a promo<;:ao de seu nome. "Estao come<;:ando a rela­cionar tudo o que fiz e consegui em fun<;:ao dessas r,essoas" , disse, par exemplo, ao Jornal do BrasiP9• Ao que parece, contudo, essa estrategia foi de fato vitoriosa a Iongo prazo, apesar das crfticas e do descontentamento que se manifestaram ainda em varias ocasioes posteriores. Assim e que o artista foi sempre vista, no decorrer da decada, como urn compositor-interprete de MPB - ou, em outras palavras, como urn artista de prestfgio no cenario musical brasilei­ro. E era essa, com certeza, a imagem que se pretendia construir

" 0 fornal, 2 7.4 . 1 973 ; 0 Clabo , 1 9 .5 . 1 973 ; Jornal do B rasil, 3 .6 . 1 973 ; A Notfcia, I 1 .7. 1 973.

16 0 Jornal, 27.4. 1 973; jornal do Brasil, 3.6. 1 973.

17 veja, 2 . 5 . 1 973 . 18 fornal da Tarde, 1 5. 6 . 1 973.

19 fornal do Brasil, 3 .6. 1 973.

1 82

CULTURA E RAZAO PI\ATICA NA IN DUSTRIA DO DISCO

atraves da referencia exaustiva a aceita<;:ii.o de seu nome por parte

dos artistas j a estabelecidos nesse campo.

Contudo, para que essa estrategia viesse a ser de fa to vitoriosa

e para que o prestigio do arti sta se consolidasse realmente, tal­

vez tenha sido fundamental o aparente rompimento de Fagner

em rela<;:ao a ela, rompimento esse que foi conseqi.iencia de sua

brusca safda da gravadora Phi l ips-Phonogram ainda em 1 973 . De fato, a safda de Fagner da Phi l ips-Ph onogram foi bastante

teatra l izada, tendo havido ate mesmo uma briga com urn alto

funcionario da gravadora diante das cameras do programa que

Flavia Cavalcanti apresentava entao na televisao40• Por outro !ado,

ao exp licar sua saida da gravadora, Fagner declararia a imprensa:

Estou decepcionado com o esquema. Os a rtista s sao tratados como pec;as

de uma engrenagem comercial , e isso basta . N ao pod em fal h a r. Se o cara

n a o vender mais de 50 m i l d iscos e n a o se submeter ao modismo, estii

condenado ao fracasso, n a o vai ter c h a nce. As gravadoras nao querem

i nvestir e m quem esta come�ando, mesmo tendo a certeza de que o tra­

balho e bom41 •

Ora, agindo e falando assim, o artis ta passava pela primeira vez

para o publico e para a crftica uma certa imagem de rebeldia que

na verdade haveria de acompanha-lo durante toda a decada, e que,

conforme veremos a seguir, seria de fundamental importancia para

a consolida<;:ii.o de seu prestfgio . E preciso ver contudo que essa re­

beldia so lhe rendeu prestigio na medida em que se voltou contra o

"esquema" das gravadoras, quer dizer, na medida em que corrobo­

rou a mesma inclusao de Fagner no campo dos artistas de prestigio

que ja fora o alva daquelo. estrategia anterior de apadrinhamento ,

tornando essa inclusao de fa to exclusiva, isto e , excluindo qualquer

possibilidade de uma inclusao si multanea no campo dos artistas

comerciais .

4 0 Didrio de Notfcias, 5 . 1 0 . 1 973 . 4 1 Ibidem .

Page 92: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

I N DUSTRIA FONOGR.AFICA: UM ESTU DO ANTROPOLOGICO

Ja vimos a importancia que essa oposi�ao entre os artistas con­

siderados de prestlgio e aqueles tidos como comerciais assume nas

representa�6es vigentes no campo artfstico-fonografico. Veremos

agora que Fagner consolidou o prestfgio que obtivera inicialmente

gra�as a sua aproxima�ao em rela�ao aos grandes nomes da MPB

atraves da total adequa�ao de seu discurso as representa�6es basea­

das nessa oposi�ao conceitual, dadas sua insistente denuncia do

obj etivo meramente comercial das gravadoras e sua constante rea­

firma�ao de uma postura de contesta�ao em rela�ao a esse estado

de coisas.

N a verdade, ap6s romper com a Philips e vi ajar em seguida para

a Fran�a, Fagner s6 retornaria ao noticiario em 1 975, ao lan�ar pela

Continental o segundo LP de sua carreira, sendo entao preciso que

se j ustificasse publ icamente por estar voltando a urn esquema em

rela�ao ao qual ja era vis to naquele mom en to como opositor. Assim

e que chegou a declarar naqueles dias a imprensa: "Descobri que

melhor que resistir em ser usado pela 'engrenagem' e ser esperto e

saber usa-la . 0 problema e caminhar paralelo a ela e nao ser por

ela envolvido. 0 problema e chegar ao sucesso e continuar o mes­

mo"'2 . E a confirma�ao de sua ja entao definida imagem de rebelde

viria logo em seguida, em depoimento a revista Veja :

Eu sou urn cara que consigo as coisas porquc vou Ia e brigo. Niio quero saber se tern secretaria mandando eu niio entrar, eu abro a porta, vou hi e pergunto qual e . Porque quando voce conversa com esses caras de gra­vadora , parece que voce esta falando de laranja e banana. Os caras que mais odeiam musica SaO OS que trabaJham COffi eJa43.

E importante ressaltar aqui que a gravadora Continental pare­

ce nao ter participado da construc;;ao dessa imagem rebelde do ar­

tista, dado que o release distribufdo por ocasiao do lan�amento do

LP nao faz qualquer referencia a ela, nem a insinua de alguma

'' Folhu de S. Paulo, 2 .7 . ! 97�. " Veja, 24 .9 . ! 975 .

1 84

CULTURA E RAZAO PMTICA NA INDUSTRIA DO DISCO

maneira, mas sim limita-se a relatar os inumeros feitos da carreira

artfstica de Fagner, citando inclusive os artistas famosos que tinham

sido seus companheiros nesses mesmos feitos . Por outro !ado, essa

mesma imagem teve uma incrfvel ressonancia na imprensa e passou

a ser divulgada nao apenas atraves do discurso de Fagner sobre si

mesmo mas tambem atraves do discurso dos jornalistas sabre ele. E o proprio au tor da ja citada materia da revista veja, por exemplo,

quem diz: "Sorriso largo, maos grandes e inquietas, Fagner descre­

ve apaixonadamente o seu trabalho. E se incendeia de s anto furor

ao fal ar de todos que criaram obstaculos a criac;;ao - sua e de seus

companheiros"44•

Essas referencias aos aspectos ffsicos da imagem do artista lem­

bram-nos por outro !ado a importancia de ressaltar que a rebeldia

transparente no discurso de Fagner tinha correspondencia no que

poderfamos chamar seu visual, do qual merecem destaque os ca­

belos compridos e a boina com estrela, tipo Che Guevara, que ele

utilizaria ate o final da decada, inclusive na foto da capa do LP de

1 978, que foi seu primeiro grande sucesso de vendas. Contudo, o

mais importante a ressaltar e que ate 1 976 essa reb eldia era tambem

transparente em sua pratica concreta, e nao apenas em seu discurso

ou em seu visual : de fato, logo ap6s a gravac;;ao do segundo LP,

Fagner rompeu tambem com a Continental4\ partindo em seguida

para a apresentac;;ao de seu show 'Y\stro vagabundo" pe lo Brasil

afora - show esse que, por outro !ado, chegou ao Rio de Janeiro

em marc;;o de 1 976 e bateu todos os recordes de publico da Sala

Corpo e Som do Museu de Arte Moderna (MAM)46• Era, portanto,

num contexto concreto de independencia em relac;;ao a qualquer

gravadora que ele dizia entao:

Esse pessoal de gravadora nao e facil. Os produtores s6 sabem bulir urn pouco naquelas mesas e esnobar todo mundo. Os musicos do

44 Ibidem.

15 Idem, 1 7. 1 1 . ! 976. 46 Jornal do Brasil, 1 0. 1 1 . 1 976.

1 8 5

Page 93: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUOO ANTROPOLOGICO

Nordeste que chegam a qui ficam sufocados - basta sen tar na mesa, do lado daqueles caras, e eles mudam tudo. Constrangem a pessoa. Mas eu nasci para brigar. Com pro essa briga com as gravadoras. Todo mundo fala que eu posso me dar mal. Mas eu tenho meu trabalho, nao posso me dar mal47•

Ora, logo ern seguida ao show, Fagner seria contratado pela

gravadora CBS, que era, segundo notfcia da epoca, " conhecida por

seus esquemas de v endas populares"48• Contudo, sua irnagem de

rebelde nii.o seria de forma alguma prejudicada por isso, dado que

ja fora fortemente consolidada atraves dos dois rom pimentos suces­

sivos do artista com o que ele mesmo denominava o "esquema"

das gravadoras. Por isso, ao mesrno tempo em que noticiava sua

contratac;;ii.o pela CBS, o fornal de Musica , por exemplo, voltava a

veicular essa imagem : ''A sombra do j agunc;;o com mania de Dorn

Quixote, pronto para apontar as manchas no imperio multinacional

das gravadoras, esta agora apenas observando o d esenrolar dos

acontecimentos, diante de sua forte candidatura a novo superstar

da MPB"49• Na verdade, Fagner permaneceu na CBS ate 1 986 e de fato se

transformou em "novo superstar da MPB" a partir dos ultimos anos

da decada de 1 970, com o estouro de vendas do LP Quem viver

chorara, de 1 978, e a chegada da musica "Revelac;;ao" aos primeiros

lugares das paradas de sucesso de todo o BrasiP0, sendo interessante

assinalar que essa musica era ao mesmo tempo tema da novela

"Cara a cara" da TV B andeirantes, e que a musica "Noturno",

constante do LP seguinte, seria tema da novel a "Corac;;ao alado" da

TV Globo5 1 • Contudo, ate a ultima entrevista de 1 979 encontrada

47 Opiniiio, 1 6.4. 1 976.

48 0 Clabo, 8 . 1 1 . 1 976.

49 Jamal de Musica, 23.9. 1 976. 10 Folha de S. Paulo, 2 ! . 5 . 1 979; /ornal do Brasil, 1 7.6. 1 979; Folha de S. Paulo, 2.9. 1 979; 0

Clabo, 3 . 1 1 . 1 979.

51 Folha de S. Paulo, 2 1 .5 . 1 979; Fatos & Fotos, 1 0 . 1 2 . 1 979.

1 86

CULTURA E RAZAO PI\ATICA NA IND USTRIA DO DISCO

nos arquivos, Fagner contin uaria apresentando o mesrno discurso

de sernpre:

( . . . ] cheguei a urn ponto sem nenhum apoio que nao fosse d o povo. Isso

b a te n a parede e volta. Acaba chegando no esquema, sem precisar que o

esquema me de for<;a. Nunca tive u m a gravadora que me fl zesse uma

jogada promocional violcnta, que e o que vinga. N o en tan to, meu traba­

lho vingo u . Entao, acredi to que estamos chegando a urn momento no

qual 0 que vale e rea lmentc 0 valor'2.

E preciso, contudo, que nos detenharnos em 1 976, pois esse

parece ter sido para Fagner urn ano de fundamental importancia

para a consolidac;;ii.o de sua irnagern de rebel dia, nao apenas em

relac;;ao ao propalado "esquema" das gravadoras, que sua contrata­

c;;ao pela CBS ja cornec;;ava entao a contrariar, mas principal rnente

em relac;;ii.o aos grandes rneios de cornunicac;;ii.o, aspecto esse que s6

comec;;aria a ser contrariado no final da decada, com a inclusii.o de

suas musicas ern trilhas sonoras de novelas de televisao. Na verda­

de, 1976 foi importante para Fagner porque outros dois cornposito­

res-interpretes cearenses, Ednardo e Belchior, obtiverarn nesse ano

os primeiros grandes sucessos de vendagem e execuc;;ii.o de suas

carreiras, e porque isso ocorreu por meio de posturas supostarnen­

te abertas em relac;;ii.o aos grandes rneios de comunicac;;ao, as quais

puderam ser entii.o insistenternente cornparadas por ele corn sua

propria postura marginal, a qual se tornava dessa rnaneira ainda

mais evidente.

De fa to, como ja foi vis to no capitulo 1, a rnusica "Pavao rnis­

terioso", de Ednardo, foi terna da novela " Sararnandaia" da TV

Globo em 1 976, tornando-se urn grande sucesso de execuc;;ao nas

radios de todo o pafs53. Como ja foi visto tarnbem, nesse mesrno

ano Elis Regina gravou as musicas "Como nossos pais" e "Velha

roupa colorida", de Belchior, depois de have-las cantado no show

52 Fatos & Fotos, 1 0 . 1 2 . 1 979.

1.1 Folha de S. Paulo, 3 1 .7. 1 976; 0 Clabo, 26.4 . 1 977; Veja , 25 .5 . 1 977.

I il7

Page 94: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

IN J l(ISTIUA FON OCMF!Cc\ : UM ESTUDCJ ANTROPOLOGICO

"Falso brilhante" , sendo que o proprio artista lan<sou, tambem em

1 9 76 , urn LP que viria a ser de fato seu primeiro grande sucesso

de vendagem, do qual constava a mus ica "Apenas urn rapaz la­

tino-americano", que seria, ainda nesse ano, o primeiro grande

sucesso de execu<sao de sua carre ira'4• Veremos em seguida qual

estava sendo naquele momenta a postura declarada de Belchior

diante dos meios de comunica<sao e como ela serviu para consoli­

dar, por compara<sao, a imagem marginal de Fagner. Veremos tam­

bern, por outro !ado, em que medida essa postura contribuiu para

que Belchior viesse a perder pouco tempo depois o prestfgio que

sem pre tivera entre a crftica especial izada. Antes , porem, sera

necessaria acompanharmos a evolu<sao da imagem publica de Bel­

chior desde o infcio de sua carreira, para que possamos distinguir

todas as variaveis do proprio processo q ue culminou nessa perda

de prestfgio.

As primeiras informa<s6es divulgadas sobre o artista, logo apos

sua vitoria no IV Festival Universitario da TV Tupi, em 1 97 1 , e por

ocasiao de sua participa<sao no VII Festival Internacional da Can<sao

da TV Globo, em 1 97 2 , indicam que ainda nao tinha acontecido a

op<sao fundamental pelo discurso de contesta<sao ao Tropicalismo

que logo depois teria tanta importancia para a configura<sao de sua

imagem publica. De fa to, ao ser entrevistado apos a vitoria no Fes­

tival Universitario, Belchior chegou a dizer: "Estou tentando de­

senvolver urn trabalho semelhante ao que fizeram Caetano e Gil,

mas os temas das minhas musicas estao dentro do folclore cearen­

se, meu Estado querido"". Por outro !ado, no release distribufdo

pela TV Globo por ocasiao do VII FIC, chega a haver uma referen­

cia ao Disco de Balsa na qual fica clara a inten<sao de usar rela<s6es

ainda que impessoais com Caetano Veloso como signos de prestfgio,

nos mesmos moldes do uso feito por Fagner de seu born rel aciona­

mento no meio artfstico: " [ . . . ] logo depois gravou urn 'Disco de

s.; 0 Clabo, 9 .2 . 1 976; Veja, 23 .6 . 1 976; Jornal do Brasil, R .R . l 976; Veja, 20.4 . 1 977; 0 Clabo, 2 6 .4 . 1 977; Veja , 2 '5 .'5 . 1 977.

" 0 fomal, I I I .R . 1 97 l .

I RS

CULTURA E RAZAO Piv\TICA NA INDUSTRIA DO DISCO

B olso' j unto com Jaguar. 0 outro !ado do disco ? Caetano Veloso,

para quem quiser ficar sabendo" . Na verdade, como vimos, quem

gravara esse d isco fora Fagner. Contudo, a musica gravada fora de

fato " Mucuripe", que era de autoria de Fagner e Belchior.

Em 1 973, contratado pela Chantecler, Belchior lan<sou urn com­

pacto simples e apresentou-se no show "A palo seco" ao !ado de

Marcus Vinfcius, sen do que no ano seguinte, ainda na mesma gra­

vadora, lan<sou o primeiro LP de sua carreira. E, de fato, tanto nas

entrevistas concedidas em tais oportunidades pelo artista a impren­

sa quanto nos comentarios feitos entao pela crftica especializada,

e possfvel perceber que Belchior ja tinha optado por uma forma de

contesta<sao que nao deixava de ser tambem estrategica em rela<sao

ao objetivo de ascensao n.o campo artfstico, embora fosse, enquan­

to tal, diametralmente oposta em rela<sao ao apadrinhamento. As­

sim e que, conforme foi visto no capitulo 1 , em certo trecho de uma

entrevista concedida por ocasiao do lan<samento do show ·� palo

seco" , Belchior chegou a dizer que se colocava entao contra o "ve­

lho 'born gosto'" dos tropicalistas, assim como estes tinham antes

atacado o " 'born gosto' oficial da musica brasileira"56• Por outro

l ado, em 1 974, o crftico Mauricio Kubrusly fez uma referencia di­

reta a essa entrevista em seu comentario a respeito do LP entao

lan<sado, ficando dessa maneira ainda m ais refor<sada a imagem de

Belchior como contestador do passado musical:

[ . . . ] foi Belchior, ao !ado de seu companheiro Marcus Vinfcius, que teve a petulancia de duvidar de que os {micos grandes nomes da me­lhor musica popular do Brasil sao aqueles que ja sao grandes. Esses dois nordestinos sempre proclamaram que Caetano, Gil e outros nao sao unicos, nao sao intocaveis, nao sao infallveis. Este desafio e vital, importantfssimo, num meio onde o recurso mais com urn e o pastiche, a imita<;ao57•

56 Folha de S. Paulo, 1 4.9. 1 973. 57 Jornal da Tarde, 6 .5 . 1 974.

1 89

I

. I

Page 95: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

Conforme se ve, a conte stac;;ao levada a efe ito por B elchior foi

mais bern-vista por Kubrusly do que o apadrinhamento de que fora

objeto Fagner. Entretanto, outra parte da crftica especializada pa­

rece ter, ao contra.rio, condenado a atitude contestatoria de Belchior

em relac;;ao ao passado da MPB. J ary Cardoso, por exemplo, confes­

saria em 1 977:

Como Belchior apareceu no mercado contestando Caetano e Gil, nao consigo ver seu trabalho com isen«ao e ainda fiquei decepcionado com o show "Cora«ao selva gem", em cartaz ate amanha no Teatro Bandeirantes. Gostava de ouvi-lo no radio e ria das referencias aos baianos, mas agora penso que Belchior e urn demagogo, alem de "chato" como ja foi chama­do ou como disse Jorge Mautner (tambem defensor dos baianos) ao "Fo­lhetim" nQ 26 . . . '8•

De qualquer forma, assim como a estrategia de apadrinhamen­

to so seria vitoriosa em seu objetivo de agregar prestfgio ao nome

de Fagner quando complementada pela rebeldia declarada do ar­

tista diante do "esquema" das gravadoras e dos grandes meios de

comunicac;;ao, tambem a contestac;;ao a alguns dos artistas j a entao

estabelecidos no campo da MPB parece ter feito diminuir o prestf­

gio de Belchior porque se fez acompanhar, conforme veremos a �

seguir, de uma atitude de extrema aceitac;;ao desse mesmo "esque-

ma". Isso, de fa to, terminou por radicalizar a exclusao do artista do

proprio campo da MPB que ele ja vinha contestando, num proces­

so inverso ao ocorrido com Fagner, cuja rebeldia contra as grava­

doras reforc;;ou a mesma inclusao do artista em tal campo que j a

fora anunciada desde o infcio por seus padrinhos famosos.

No caso de Belchior, entretanto, e preciso acrescentar que hou­

ve tambem, na origem de sua perda de prestfgio, uma mudanc;;a

muito brusca na tematica de suas musicas e em sua propria imagem

pessoal, muito embora essa mudanc;;a possa ter sido de qualquer

forma sentida a seu tempo pela critica especializada como simples

'" Folha de S. Paulo, 3 .9 . ! 977

1 9 0

CULTURA E RAZAO PRkriCA Nt\ I N D USTRIA DO DISCO

reflexo da propria adaptac;;ao do artista ao esquema das gravadoras

e dos grandes meios de comunicac;;ao gue ja era entao condenada.

Contudo, para analisarmos o verdadeiro impacto dessa mudanc;;a,

sera preciso partir do fato de gue, no infcio de 1 976, ao ser interpre­

tado por Elis Regina e lanc;;ar o LP Alucinar;iio, Belchior era ainda

muito benguisto pela maior parte da crftica especial izada, sendo

saudado por ela devido sobretudo a forc;;a crftica das le tras de suas

musicas, ainda gue algumas delas se voltassem tambem contra os

"antigos compositores baianos", como era o caso inclusive daguela

gue viria a ser a mais executada do LP, qual sej a, "Apenas urn rapaz

latino-americano". Na verdade, Tarik de Souza, por exemplo, ao

fazer seu comentario sobre o disco em guestao, chegou mesmo a

elogiar essa crftica ao passado musical con tid a nas pr6prias letras :

Habituados a esgrimir metaforas e esculpir entrel inhas, na verdade, boa parte dos compositores brasileiros foi afastada dos caminhos da observa­�ao da realidade. Com fino sarcasmo, em ''Alucina«iio", Belchior investe contra a r6sea vegeta«ao de algumas letras rccentes . . . E, em ''Apenas urn rapaz latino-americano" , como a Bossa Nova contestara o sambolero, ele critica certa euforia do Tropicalismo . . . '"

Mauricio Kubrusly, por sua vez, depois de ressaltar gue a obra de

Belchior fazia " ressurgir a pratica do debate" na MPB, tambem elo­

giou o fato de gue o artista era, como letrista, "urn do contra entre

uma multidao de trovadores apenas do amor, das flores, do ceu azul­

zinho como os olhos das moc;;as do anuncio, do baticum-felicidade

do carnaval gue j a vai chegar e do sambao gue nunca falta"60.

De fato, nas letras das musicas desse segundo disco, Belchior

nao apenas fazia a crftica daguilo gue denunciava como urna arte

"evasiva" nas entrevistas concedidas a imprensa no mesmo perfo­

do6 1 , mas fazia tarnbem uma especie de autocrftica de sua gerac;;ao

"' Ve;a, 3 1 .3 . 1 976. 611 Folha de S. Paulo, 22. 7. 1 976. 61 Veja , 23 .6 . 1 976.

! Q l

Page 96: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGRAFICA: U M ESTUDO ANTROPOLOGICO

que era principalmente evidente nas musicas que j a tinham sido

antes gravadas por Elis Regina. Ora, naquele contexto repressivo

em que se encontrava o pals, vivendo os primordios de um processo

que ainda se denominava naquele tempo distensao polftica, qual­

quer crftica ou autocr!tica seria sempre muito bem-vinda , como

dizia 0 proprio Belchior na epoca: "Quando ta todo mundo calado,

voce dizer as coisas e uma grande novidade. :E a surpresa de voce l ' d d "62 ver 0 que esta acontecendo, de se encontrar com a rea 1 a e .

Assim e que, embora nao apresentasse a mesma rebeldia de Fagner

diante das gravadoras, a contestacsao apresentada por Belchior pa­

rece ter-lhe sido de qualquer maneira muito importante naquele

momento inicial para a obtencsao de prestfgio entre a crftica.

E preciso registrar aqui que, para a formacsao dessa imagem

contestad ora, nao contribufram apenas as crfticas a arte evasiva e a

autocrftica de geracsao contidas em letras de musicas e depoimentos

a imprensa . De fa to, em tais depoimentos, Belchior apresentava-se

como um contestador pol ftico no sentido mais restrito da palavra,

na medida em que se mostrava preocupado com os efeitos de seu

proprio trabalho artfstico e desejoso de fazer algo que servisse as transformacsoes sociais, afirmando, por exemplo :

l . . . ] para mim a musica popular e a que fala do cotidiano da s pessoas, das

asp i ra�oes e necessidades do povo . . . Uma arte popular e a que esta a

servi�o dos oprimidos, dos humilhados . . . A arte musical pode revolucio­

nar uma sociedade no sentido de oferecer elementos novos ao conheci­

mento. Mas ela propria nao e condutora . Ela apresenta os caminhos . . .

Ela muda os pensamentos, a linguagem. E urn processo dialetico - da

mesma forma que a musica toma elementos da sociedade, a sociedade

toma elementos da musica63 .

Nesse mesmo depoimento, alias, Belchior parece ter feito ques­

tao de insinuar um posicionamento polftico-partidario de opo­

sicsao, dizcndo, ao noticiar o show de lancsamento de seu LP: "Ha-

''2 Iris, 1 976. "' Ibidem.

1 92

CULTURA E RAZAO PRATICA NA INDUSTRIA DO DISCO

vera shows de lancsamento de disco, reunindo simultaneamente Mautner, Dominguinhos (que tambem lancsarao discos novos) e Belchior - MDB"64.

Par outro lado, tambem na preparacsao desse show parece ter havido algum investimento na imagem contestadora do artista '

conforme depoimento prestado a mim por Roberto Menescal, que era diretor artfstico da Philips-Phonogram naquela epoca:

Preparamos uma apresenta<;ao dele no Teatro Joao Caetano. E foi urn barato. Desde a roupa, a imagem, o tal neg6cio da imagem, ne? E foi 6timo. [ . . . ] Quer dizer, a gente nem pensou a fundo o que seria a expli­ca<;ao da imagem, mas a gente pensou no visual da imagem, entendeu? Ele vinha com ... eu nao me lembro direito a roupa, mas se voce botar assim, "resistencia francesa", voce sabe, nao e? Aquela boina, a bota, sabe? Ele estava urn pouco com o tipo assim ... Fazia urn tipo, na verdade, n� ? E que era interessante ... E n6s nao inventamos aquela roupa, quer d1zer, aquilo ele veio usando naturalmente e a gente apenas definiu: "born, entao de agora em diante vamos andar por aqui" . . . 65

Da mesma forma, o texto inicial do release distribufdo pelo servicso de imprensa da Philips-Phonogram por ocasiao do lancsa­mento do LP Alucinafiio, assinado por Belchior e Valdir Zwetsch '

era uma biografia do artista na qual se inclufa, alem de referencias a infl.uencias musicais e poeticas advindas da infancia, da adoles­cencia e da j uventude, muitos dados que, aparentemente super­fl.uos, serviam de fa to para moldar essa mesma imagem de rebeldia e inconformismo. Assim e que esse texto dizia, por exemplo:

N.as feiras, o contato com os cantadores itinerantes ciganos e gente de

feua, a batalha por alguns trocados, urn certo fascfnio pela marginalida­de ja despontando. [ ... ] E Belchior, cavalgando sua Vespa pelas ruas de So bra!, come<;ava a sentir na pele o gosto da liberdade, a for<;a do vento, o ronco da rebeldia. "Muito cedo aprendi a ser rebelde e solitario." Nao demorou muito. Aos 1 5 anos, urn a to de cora gem: fugiu de casa. [ ... ] " [ . .. ]

64 Ibidem.

65 Entrevista com Roberto Menescal, realizada por mim no dia 14 .7 . 1986.

1 93

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

a safda de casa era urn lance poetico. Aquila me fascinava: o poeta rebel­de, andarilho, itinerante." [ . . . ) Quando foi apresentar suas teses de ter­

mino de curso (destruidoras demais para urn currfculo tradicional) foi considerado "persona non grata" e remetido imediatamente para casa . . .

E assim por diante. Contudo, logo no ano seguinte, ao lanc;;a r o LP CorafiiO selva­

gem, terceiro de sua carreira e primeiro na WEA, Belchior ja de­monstraria, nas letras das musicas do novo disco, estar abandonan­do o caminho da contestac;;ao - muito em bora is so nao tenha sido observado pela maior parte dos crfticos, que chegou a afirmar in­clusive o carater repetitivo desse LP em relac;;ao ao anterior66• De fato, o tema dominante nas letras do novo disco continuava sendo a experiencia de juventude que tinha sido vivida pela gerac;;ao do artista nos anos de 1 960. No entanto, nao se encontrava mais nas referencias a essa gerac;;ao a mesma autocrftica encontrada no disco anterior. 0 que havia no disco novo era, na verdade, puro saudo­sismo, conforme se pode comprovar na letra da p ropria musica­tftulo do LP, que diz, entre outras coisas:

Meu bern/ guarde uma frase pra mim/ dentro da sua can<;ao/ esconda urn beijo pra mim/ sob as dobras do blusao . . . [ . . . J.. 0 mundo inteiro esta naquela estrada ali em frente/ beba urn refrigerante/ coma urn cachorro-quente/ sim, ja e outra viagem/ e o meu cora<;ao selvagem/ tern essa pressa de viver . . . [ . . . ) Quando voce me amar/ me abrace, me beije bern devagar/ que e pra eu ter tempo/ tempo de me apaixonar/ tempo pra ouvir o radio no carro/ tempo para a turma do outro bair­ro/ ver e saber que eu te amo . . .

Em outra das faixas do LP, alias, o saudosismo chega a ser ex­plfcito: "Quero a sessao de cinema das cinco/ pra beijar a menina/ e levar a saudade/ na camisa/ toda suja/ de batom . . . " ("Todo sujo de batom") . E esse saudosismo se torna mais evidentemente con­tradit6rio em relac;;ao a autocrftica anterior atraves da comparac;;ao

66 0 Globo, 26.4. 1 977; J:i.ja, 2 5.5 . 1 977 e 27.7. 1 977;]ornal de Musica, ago. de 1 977.

1 94

CULTURA E RAZAO PMTICA NA INDUSTRIA DO DISCO

direta com a letra de "Velha roupa colorida", por exemplo, que diz assim: "Voce nao pensa e nem ve/ mas eu nao posso deixar/ de dizer,

meu amigo/ que uma nova mudanc;;a em breve/ vai acontecer/ e o que ha algum tempo era j ovem, novo/ hoje e antigo/ e precisamos todos/ rejuvenescer . . . " .

Por outro !ado, numa das entrevistas concedidas a imprensa por ocasiao do lanc;;amento do LP CorafiiO selvagem , Belchior afir­mou:

Acho que ainda vai chegar o dia em que as pessoas vao entender que urn a

can<;ao de amor e tao contestat6ria como uma can<;ao d i ta de protesto. Inclusive eu tenho esse !ado lfrico que muito pouca gente percebe. E se urn dia me der na veneta fazer urn disco de amor, eu fa<;o sem nenhum problema67.

Na mesma entrevista, alias, Belchior fez referencia a uma musica, "Como se fosse pecado", que nao fora inclufda no disco devido a urn veto da censura, mas que constitufa " a chave" de todo o traba­lho nele apresentado. Ora, conforme se pode depreender de seu discurso, foi justamente 0 veto a essa musica 0 que impossibilitou que esse primeiro disco de Belchior na WEA mostrasse de maneira mais inequfvoca o "!ado lirico" que o proprio artista ja assumia entao possuir. Alias, pode-se depreender que foi esse veto que im­pediu que se desenvolvesse desde aquela epoca a propria tematica sensual que ja comec;;ava entao a aparecer nas letras e no discurso do artista a imprensa e que no ano seguinte, com a inclusao da musica "Como se fosse pecado" e de outras do mesmo genera no LP Todos as sentidos, se desenvolveria de maneira a provocar a trans­formac;;ao do contestador em sex-simbol. Assim e que, nessa entre­vista, Belchior diz, entre outras coisas :

[ . . . ] a musica que ficou proibida era a chave de todo esse disco , na minha cabe<;a ela clava uma compreensiio total do trabalho, agora.

67 0 Globo, 26.4. 1 977.

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! N ll U STRIA FONQC;!<AFIC:A: UM ESTUDO ANTROPOLOGJCO

Come<;;ava com um ritmo d iscoteca e termi nava n um sambolero. In­clus ive tem uma h ist6ria engra<;;ada atras dessa musica: eu estava d a n<;;ando numa d i scoteca, porque eu adoro dan<;;ar, e uma menina me d i s se assim: "Mas como, voce dan<;ando ? ". Como se eu nao pu­desse, devido ao tipo do meu trabalho, essas coisas. E e claro que nao tem nada a ver. Essa musica fa lava do corpo dos prazeres. Porque toda repressiio, em ult ima a n a l ise, incide sobre o corpo. Nao existe essa separa<;;ao razao/corpo. lsso e um escalonamento de valores do siste­ma, q u e se uti l iza dessas separa<;;oes para poder controlar melhor, repri m i r melhor6R.

E importante assinalar aqui que, embora sej a verdade que a maioria dos crfticos nao percebeu naquele momenta que estava havendo uma mudan<;a na tematica das letras de Belchior, tambem e verdade que muitos deles perceberam que estava havendo de fato uma mudan<;a da imagem publica do artista na dire<;ao do sensual. Jary Cardoso, por exemplo, no mesmo comentario a respeito do

show "Cora<;ao selvagem" do qual j a citamos o trecho relativo a contesta<;ii.o de Belchior aos baianos, observou:

No Teatro Bandei rantes, Belchior provoca gritinhos das meninas e demonstra gostar disso, apesar de ter declarado as vesperas da estreia que nao esta interessado em se tornar sfmbolo sexual . Ele se sentiu atrafdo pela i d e i a e ja niio co nsegue disfar<;;ar. Cal<;;a justfssima tipo toureiro, botas, camisa branca de m a ngas bufantes - as meninas na p r i m e i ra fi l a niio agi.ientam: Li ndo! Que voz, ail Eu queria ser sua mulher l 69

Contudo, a mudan�a na imagem de Belchior foi associada na­quele momento ao grande sucesso alcan<;ado pelo artista com o LP

anterior, o que significa dizer que foi desde logo associada a sua adapta�ao ao "esquema" das gravadoras e dos meios de comunica­<;ii.o; por outro !ado, essa mudan<;a na imagem foi vista mais como um reflexo de uma mudan<;a real na personalidade do artista, nao

''' Ib idem .

'"' Folha de S. Paulo, 3.9. 1 977.

1 96

CULTURA E RAZAO PMTICA NA JND0STRJA DO DISCO

sendo ainda questionada como viria a ser depois a autenticidade de nenhuma das imagens sucessivamente apresentadas por ele. Assim e que J ary Cardoso a firma:

A impressao que tive ao ver " Cora<;;ao selvagem" e que Belchior nao parece mais convicto d e que "nada e divino, nada e maravilhoso". Ele esta encantado com o rapido sucesso a lcan<;;ado em poucos me­ses. Ja nao e mais " apenas urn rapaz latino-americano" e muito menos "sem dinheiro no banco". Pelas letras que se ouvem 0 tempo todo no radio, Belchior e amargo, ressentido, desiludido e talvez fosse assim mesmo quando veio para o Sui, em 7 1 , mas agora nao e mais. No palco, comporta-se como quem esta nas nuvens, levitando com os aplausos, vaidoso, fel iz e d espreocupado. Por que nao ser sincero, assumindo integralmente essa nova imagem e d eixando de !ado a morbidez ? 70

N a verdade, nas pr6prias entrevistas concedidas as vesperas da estreia do show "Cora�ao selvagem" em Sao Paulo, Belchior ja fora questionado a respeito de seu interesse em tornar-se mito sexual ' mas isso ocorrera justamente porque ele proprio trouxera notfcias a respeito de uma certa rea<;ao histerica das fas que teria ocorrido num dos espetaculos da Serie Seis e Meia no Teatro Joao Caetano, no Rio, do qual ele participara a lguns dias antes, ao lado da can­tora Simone. De fato, as notfcias que ja haviam sido publicadas a respeito desse espetaculo tinham-se referido apenas ao sucesso alcan�ado por ele e ao fato de ter ocorrido urn princfpio de tumulto na noite de sua estreia em razao da presen�a de urn publico maior do que aquele que o teatro comportava7 1 • Contudo, as notfcias tra­zidas agora por Belchior davam conta de que esse publico era na verdade feminino e apaixonado: "Na rua, era perseguido: mulheres agarrando suas roupas, seus cabelos, tentando impedir que entrasse no carro. [ ... ] Nem em casa ele tinha sossego: recebia uma media

7 0 Ibidem.

71 fornal do Brasil, 24.8. 1 977; 0 Estado de S. Paulo, 25.8. 1 977.

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

de cinco cartas por dia, mulheres fazendo pedidos, declara�oes e ofertas . . .'m.

Embora o artista informasse, ao mesmo tempo, que nao havia

interesse de sua parte em investir numa imagem sensual, o proprio fato de relatar tais episodios j a significava urn certo investirnento nela. Outros sinais de que estava ocorrendo esse investirnento, alias, forarn observados desde en tao por urn j ornalista:

Belchior - casado ha quatro anos, uma filha - diz nao estar inte­ressado em construir uma imagem sensual. E prefere encerrar o as­sun to dizendo que tudo isso e uma coisa muito recente, uma reac;;ao que ele nao provocou: "Sempre usei roupas comuns em meus shows, sou desajeitado para danc;;ar e minhas musicas nao trazem nenhum apelo sexual" . Mesmo que a foto da capa de seu ultimo disco sugira seu torso nu - "e apenas a foto de meu rosto" - e a revista Veja desta semana tenha publicado uma foto de Belchior deitado num sofa e coberto apenas por almofadas e urn violao - "e uma fotografia ti­rada por acaso, ha mais de dois anos na minha casa, e que eles estao usando agora"73•

Ora, as vesperas da estreia do show "Cora�ao selvagern" no Rio, que ocorrera no rnes anterior ao da realizac;;ao do espetaculo da Serie Seis e Meia e da estreia do show "Cora�ao selva gem" ern Sao Paulo, Belchior ja tinha feito referencias a episodios que envolviarn fa:s apaixonadas, em bora tais referencias tivessern sido reproduzidas ern apenas urna das rnaterias publicadas pela irnprensa carioca naqueles dias. De fa to, segundo essa materia, Belchior estaria rece­bendo "cartas ousadas", corn "propostas concretas" e "fotos irnpubli­d.veis rnesrno nas revistas eroticas", vindas geralrnente de "jovens que vao a seus shows, aplaudern, gritarn '!indo! lindo ! ' e depois es­crevern dizendo que era aquela de roupa tal, que estava na prirnei­ra fila do teatro"74. E o j ornalista que assinava tal materia ja anun-

72 Folha de S. Paulo, 30.8.1 977.

7·1 Jamal da Tarde, 3 1 .8 . 1 977.

74 0 Globo, 1 2 . 7 . 1 977.

1 98

CULTURA E RAZAO PAATICA NA INDUSTRIA DO DISCO

ciava desde entao: "E urn novo Belchior, o que o publico vera. Alem

da fama conquistada pelas rnusicas 'Como nossos pais ' e 'Velha

roupa colorida' , gravadas por E1is Regina, este cearense de 30 anos,

rnesrno dizendo nao ser gala, exerce enorrne fascfnio sobre as rnu-

1heres"75. Ve-se, portanto, que, sendo possfve1 afirrnar que houve

algum investirnento na irnagern sensual atraves do re1ato de certos

epis6dios, esse investimento tera sido feito desde o 1an�amento do

show "Cora�ao se1vagem" no Rio, antes mesrno que ocorressem os

epis6dios do espetaculo da Serie Seis e Meia que foram depois to­

rnados como novo ponto de partida.

0 grande investirnento nurna irnagern sensual ocorreria, con­

tudo, ern 1 978, quando, corn o 1an�arnento do LP Todos os sentidos,

tornar-se-ia rnais evidente a propria rnudan�a havida na tematica

das 1etras. De fato, nesse disco foram inclufdas, alem de "Como se

fosse pecado", duas outras rnusicas tarnbern relacionadas ao terna da

sensualidade: "Corpos terrestres", de cuja grava�ao participararn As

Freneticas, e " Sensual" , que Belchior dedicou a Ney Matogrosso.

Como virnos no capftulo 1 , Mazo1a produziu nesse ano os LPs

de Be1chior, das Freneticas e de Ney Matogrosso, nos quais houve

urna tentativa de explorar ao maximo o ritrno discotheque, que en­

tao fazia sucesso devido a exibi�ao do filrne "Os embalos de sabado

a noite" e da novela "Dancing days"76. E, de fato, as tres musicas

do LP Todos OS sentidos cuj a tematica e sensual sao tambern musi­

cas que tern ritrno de discoteca, estando as duas coisas da mesma

forma interligadas no discurso de Belchior a imprensa, como se ve no exernplo seguinte: " Quero deixar claro que nao aproveitei sim­

plesrnente o rnodismo das discotecas . Eu as tenho em melhor conta

e as relaciono com urna 1iberas;ao do corpo, urn modo caracterfstico

de ser j ovem"77. Na rnesrna materia, Belchior vo1taria a relacionar

o ritrno dan�ante a ternatica sensual ao exp1icar a participa�ao es-

75 Ibidem.

76 Entrevista com Mazola, real izada por mim no dia 1 4 . 7. I 986.

77 fomal da Tarde, 2.8 . J 978.

Page 100: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

I N D\J STRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

pecial das Freneticas, grupo que se caracterizava justamente por

cantar musicas de discoteca e a respeito do qual o artista diria: "Elas

representam o deboche, o sexo, a alegria de viver, enfim um proces­

so muito tocante de l ibera<_;;ao"78•

Em parte, a rejei<_;;ao do novo trabalho de Belchior pela unani­

midade dos crfticos pode ser atribufda a propria ado<_;;ao do ritmo

discotheque, que nao deixava de ser uma adapta<_;;ao do conteudo de

sua obra ao mercado, consistindo assim uma atitude artfstica ex­

tremamente desprestigiosa. No en tanto, o que parece ter causado

maior repugnancia a crftica foi na verdade a sensualidade e, acima

de tudo, o fato de o artista ter aparentado explora-la nao apenas no

conteudo de sua obra mas tambem em sua propria imagem publica.

0 fato de Belchior ter aparentado estar querendo construir uma

imagem sensual, e, principalmente, o fato de que essa imagem nao

parecia ser exatamente uma emana<_;;ao direta e espontiinea de sua

propria personalidade devem ter sido, de fato, as principais razoes

de sua perda de prestfgio. E isso porque, mais do que uma adapta­

<_;;iio de seu trabalho artfstico ao mercado, essa atitude podia signi­

ficar, aos olhos da crftica, que seu trabalho estava perdendo a pro­

pria caracterfstica de trabalho artfstico, atraves da perda do carater

autentico de sua imagem publica, dado que, como ja vimos, o tra­

balho artfstico e a imagem do artista tem uma origem comum nas

representa<_;;oes vigentes no campo artfstico-fonografico, e essa ori­

gem e j ustamente a personalidade do artista.

De fato, nas materias publicadas pela imprensa paulistana as

vesperas da estreia do show "Todos OS sentidos" em Sao Paulo, ha

referencias crfticas ou ironicas ao novo conteudo da obra de Bel­

chior, tanto no que diz respeito ao ritmo discotheque quanta no que

se refere a tematica sensual das letras. "Estaria o cantor e compo­

sitor Belchior abandonando sua contesta<_;;ao para embarcar no alu­

cinante ritmo discoteca ? ", pergunta, por exemplo, o crftico do Dia-

" Ibidem.

200

CULTURA E RAZAO PMTICA NA INDUSTRIA DO DISCO

rio Popular79• Ja o da Ultima Hora parece ironizar: " [ ... ] Belchior,

que foi influenciado por Bob Dylan no infcio da carreira, agora esta

com Reich e nao abre. 0 corpo, 0 prazer, OS sentidos sao inspira<_;;ao

para musicas novas e uma nova compreensao das coisas"80• No

entanto, a enfase dessas materias e sempre a imagem sensual do

artista e, principalmente, as artimanhas aparentemente empregadas

por ele com o objetivo de construf-la. Assim e que, das quatro ma­

terias datadas do dia 2 de agosto de 1 978 que encontrei nos arqui­

vos - e que foram b aseadas numa mesma entrevista coletiva de

B elchior, concedida por ocasiao do lan<_;;amento do show em Sao

Paulo - tres fazem referencia a tais artimanhas e insinuam que

Belchior estava de fato investindo deliberadamente em sua sensua­

lidade, embora o artista estivesse negando isso. A Folha de S. Paulo,

por exemplo, pub1icou: "Belchior parece gostar da imagem sex­

simbol (no seu caso, a do machao latino-americano) que lhe vem

sendo dada ultimamente: exibe o charuto e encara as reporteres

mais b onitinhas durante a entrevista coletiva que deu . . . " 8 1 • Ja o

fornal da Tarde foi mais explfcito ao flagrar a contradi<;ao entre o

discurso verbal do artista e as demais linguagens aparentemente

manipuladas por ele p ara atingir seu objetivo de ser sensual: '�pe­

sar do charuto tragado displicentemente, dos cabelos em ligeiro

desalinho, da pele no exato tom canela e do bigode perfeitamente

aparado, B elchior nao se preocupa com o fato de ser considerado

s fmbolo sexual"82 • E o Diario Popular seguiu a mesma linha:

Mas, apesar de nao querer afirmar textualmente sua posicsao em relacsao ao assunto, seu comportamento, seus gestos, suas fotos dizem o contrario. Os cabelos revoltos, o charuto sempre aceso - que ele afirma fumar ha dez anos -, as poses sensuais mostram urn Belchior cada vez mais en­carnado na imagem que lhe criaram83•

79 Didrio Popular, 2 .8 . 1978.

'0 Ultima Hora, 2.8. 1978.

'1 Folha de S. Paulo, 2.8 . 1978.

'2 Jornal da Tarde, 2 .8 . 1 978.

" Didrio do Povo, 2 .8 . 1 978.

2 0 1

Page 101: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

De fato, a evidencia de que havia artimanhas - e, portanto,

inten�ao, estrategia, racionalidade - fazia com que a imagem sensual de Belchior aparecesse como o produto resultante de urn trabalho deliberadamente voltado para sua produ�ao, em vez da emana�ao direta e espontanea da personalidade do artista que de­

veria ter sido para que fosse considerada autentica. E evidencias de que havia inten�ao de ser sensual foram encontradas no proprio show do artista, sendo assim interpretados principalmente os fatos de que havia uma cama no cenario e de que Belchior trocava de roupa, em cena, varias vezes durante o espetaculo84• I sso fez natu­ralmente com que a nova imagem apresentada pelo artista fosse recha�ada pela imensa maioria dos crfticos. E levou Edmar Pereira, por exemplo, en tao crftico do ]ornal da Tarde, a referir-se explicita­mente a inadequa�ao da nova imagem do artista aquilo que ele era ou parecia ser realmente:

0 :ispero e incisive criador de ·� palo seco" ou o envolvente e articu­

lado rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso mudou, como

todos mudam, e certamente sua agora gorda e narcisista silhueta pro­

cura enquadrar-se em outras imagens. Mas esta, de desafinadas in­ten�6es sensuais, exibida em "Todos os sentidos", cai-lhe tao mal quanto qualquer das feias roupas que tediosamen�e veste e despe durante o espetaculo85•

Ve-se que a autenticidade da antiga imagem contestadora nao foi posta em questao nesse momenta, como de fato parece nao ter sido sequer posteriormente. Contudo, o mesmo nao se pode dizer quanto a imagem que se sucedeu ao investimento na sensualidade: ao que parece, por ter sido evidente, esse investimento se tornou urn marco a partir do qual se evidenciou tambem, aos olhos da crftica, a propria postura manipuladora do artista em rela�ao a sua imagem publica, o que minou a autenticidade que qualquer

"' Jornal da Tarde, 5 .8 . ! 978; Veja, 9.8 . 1 978. "' Jornal da Tarde, 5 .8 . 1 978.

202

CULTURA E RAZAO PMTJCA NA INDUSTRIA DO D ISCO

nova imagem apresentada por ele pudesse ter aos olhos dessa mes­ma crftica.

De fato, uma nova imagem seria apresentada por Belchior logo nas entrevistas seguintes , quando, provavelmente insati sfeito com as repercuss6es negativas da sensualidade ostentada, o artista pa­receria querer desvencilhar-se do rotulo de mito sexual e retomar o caminho de uma contesta�ao mais diretamente social e polftica. Assim e que, ainda em Sao Paulo e ainda no final do mesmo mes em que apresentara o show "Todos os sentidos", Belchior concedeu uma entrevista ao Folhetim na qual ja foi retomada a imagem an­terior, nao apenas atraves de referencias crfticas ao contexto pol iti­co concreto - nas quais defendeu intransigentemente a realiza�ao de elei�oes diretas para a escolha do sucessor de Geisel, por exem­plo -, mas tambem por meio de uma autobiografia que, a exemplo daquela constante do release do LP Alucinafiio, a qual ja nos refe­rimos, clava destaque a episodios, circunstancias , desejos ou inten­�6es do passado, inclusive o mais remoto, atraves dos quais ja se tinha revelado o contestador que Belchior mostrava-se agora86.

Da mesma forma, nas entrevistas concedidas no Rio de Janeiro no finalzinho desse mesmo mes e no infcio do mes seguinte, du­rante a temporada carioca do show "Todos os sentidos", Belchior procuraria novamente se desvencilhar da imagem sensual, defen­dendo-se principalmente da acusa�ao de intencionalidadeR7• Numa das materias, por exemplo , que foi intitulada "Belchior: Sfmbolo sexual ? Eu ? N em de Ionge" , ele explica as verdadeiras inten�6es que teria tido o diretor do espetaculo ao colocar uma cama no ce­nario, bern como o verdadeiro sentido das trocas de roupa feitas em cena - alem de fazer novamente uma autob iografia repleta de indfcios contestat6rios, muito semelhante aquela feita dias antes na entrevista ao Folhetim88•

86 Folha de S. Paulo (Folhetim ) , 27 .8 . ! 978. 87 fornal do Brasil, 30. 8 . 1 978; Ultima Hora, 1 .9 . 1 978; 0 Clabo, 2 .9 . 1 978. 88 0 Clabo, 2 . 9 . ! 978.

7 11 2

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INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

0 mais interessante, contudo, e que nessas ultimas materias 0

artista divulgaria novas versoes dos episodios que teriam culmina­

do no surgimento indesejado de sua imagem sensual. Como se ele

mesmo nao viesse noticiando desde j ulho de 1 977 a rea<;;ao histerica

que despertava nas fas, e como se essas notfcias ja nao viessem se

multiplicando desde as vesperas da estreia do show "Cora<;;ao sel­

vagem" em Sao Paulo, quando tiveram como novo ponto de refe­

rencia o show com Simone realizado pouco antes no Rio, Belchior

diria agora que esse tipo de rea<;;ao das fas tinha come<;;ado a ocorrer

so mente na recem-encerrada temporada paulistana do show "Todos

os sentidos"89. Mais do que isso, atribuiria a propria ocorrencia

desse tipo de rea<;;ao a eficiencia da imprensa paulista na inculca<;;ao

da ideia de que ele era ou queria ser urn mito sexual, ideia essa que,

por outro !ado, teria sido segundo ele apriorfstica em rela<;;ao ao

proprio show, baseando-se unicamente no sucesso do espetaculo da

Serie Seis e Meia e na foto publicada na revista Veja no ano ante­

rior90. Para o Jornal do Brasil, alias, Belchior chegaria a dizer que

todo o tumulto havido no espetaculo da Serie Seis e Meia tinha sido

causado pelos fas de Simone, e nao por suas proprias fas91 •

0 abandono da sensualidade por parte de Belchior s e confir­

maria no ano seguinte, com o lan<;;amento do LP Era uma vez um

homem e seu tempo. De fa to, apesar da presen<;;a esporadica de frases

relativas a tematica sensual em algumas letras, sendo uma delas in­

clusive inteiramente dedicada a isso ("Medo de aviao II" ) , e apesar

de haver por outro !ado algumas letras nas quais o tratamento dado

a tematica da juventude dos anos de 1 960 e muito mais saudosista

do que crftico, como e 0 caso da propria letra da musica que viria a

ser a mais executada do LP ("Medo de aviao"), a maior parte das le­

tras das musicas desse disco e voltada para a crftica social e polftica,

havendo duas que questionam imagens estereotipadas do Brasil e

dos brasileiros ( "Retorica sentimental" e "Meu cordial brasileiro"),

' " Ibidem. 9'1 Ibidem . 91 Jamal do Brasil, 3 0 . 8 . 1 978.

204

CULTURA E RAZAO PAATICA NA INDUSTRIA DO DISCO

uma que ironiza a situa<;;ao do povo nordestino em rela<;;ao ao resto

do pais ("Conhe<;;o o meu Iugar") , outra que fala do cotidiano de

urn homem pobre e trabalhador numa cidade grande ("Pequeno

perfil de urn cidadao comum") e finalmente uma na qual se saudam

a anistia e a volta dos exilados ao B rasil ("Tudo outra vez") .

Por outro !ado, a existencia de alguma preocupa<;;ao no sentido

de definir de uma vez por todas a imagem publica do artista ficaria

evidente nesse ano de 1 979 atraves do fato de que Belchior apare­

ceria com a mesma roupa num videoclipe do programa "Fantastico"

da TV Globo, que foi ao ar no dia 4 de mar<;;o e no qual ele inter­

pretava ainda uma musica do LP anterior ("Divina comedia hu­

mana") , nos shows realizados em Sao Paulo e no Rio de Janeiro em

agosto e outubro respectivamente, nas entrevistas coletivas conce­

didas nas duas cid�des por ocasiao da estreia desses shows e num

poster da revista Amiga que foi as bancas no mes de outubro. Da

mesma forma, a existencia de uma preocupa<;;ao nesse sentido fica­

ria bern clara nesse ano por meio do fato de que algumas das ma­

terias publicadas pela imprensa a epoca do lan<;;amento do LP Era

uma vez um homem e seu tempo seriam imediatamente anexadas

pela gravadora a urn release relativo ao d isco que seria distribufdo

posteriormente. Atraves dos pr6prios tftulos dessas materias, alias,

e possfvel perceber que 0 objetivo dessa atitude foi de fato frisar

que B elchior n ao era e nao queria ser sensual, bern como definir

a maneira pela qual ele deveria ser vis to naquele momento: "Bel­

chior, agora simples"92, " Belchior, urn cantador de seu tempo"93,

"Belchior j oga fora a imagem de machao"94 e "Belchior: o cantor,

o homem e seu tempo"95•

Ora, os tftulos de algumas dessas materias incorporadas ao re­

lease da gravadora refletiam, na verdade, uma certa ironia da crfti­

ca em rela<;;ao a manipula<;;ao e a conseqi.iente volubilidade da ima-

92 Jamal da Tarde, 16.8. 1979.

93 0 Estado de S. Paulo, 1 9.8. 1 979.

94 Folha de S. Paulo, 22 .8 . 1 979.

95 Ultima Hora, 28.8. 1979.

205

Page 103: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

gem publica do artista, tornadas evidentes a partir da breve incursao do contestador no terreno da sensualidade. E essa ironia refletia, por sua vez, a propria perda de prestfgio do artista entre a crftica especializada, que foi devida, em parte, j ustamente a essa manipu­lac;;ao e volubilidade. De outra parte, porem, essa mesrna perda de

prestfgio nao deixou de ser devida a postura declarada de Belchior diante das gravadoras e dos meios de comunicac;;ao, como ja afir­mamos. E chegado, pois, o momento de finalmente examinarmos essa postura, confrontando-a com a marginalidade declarada de Fagner e comparando entre si as diferentes imagens que tais artis­tas acabaram consolidando perante a crftica em razao dessas dife­renc;;as de postura.

De fato, desde as entrevistas iniciais de sua carreira, concedidas a epoca do lanc;;amento do primeiro LP, Belchior mostrava-se cons­ciente do carater inevitavelmente mercantil da produc;;ao de discos e, ao inves de afirmar-se rebelde em relac;;ao a isso, afirmava-se antes adaptado ao mercado. Na ja citada entrevista relativa ao show

"A palo seco", por exemplo, o artista afirma, entre outras coisas: " ( . . . ] O S mitos da musica popular brasileira SaO COffiO SaCOS de ac;;u­car, sabonetes e desodorantes expostos nas prateleiras dos super­mercados - objetos de consumo"96• Nessa mesma materia alias . ' '

Belchior chegava a reivindicar das gravadoras uma maior divulga-c;;ao do trabalho de artistas novos como ele, afirmando entao que o trab alho dos novos compositores era na verdade tao "vendavel" quanto o dos antigos97•

Logo nas primeiras entrevistas de 1 976, por outro lado, ja e possfvel encontrar referencias de Belchior a sua propria disposic;;ao pessoal para 0 trabalho nao-artfstico de produc;;ao e divulgac;;ao de discos, bern como a sua absoluta disponibilidade para as aparic;;oes publicas. Em fevereiro desse ano, por exemplo, falando a respeito de s eu primeiro LP, o artista diria : "Fui eu que fiz tudo, produc;;ao,

"' Folha de S. Paulo, ! 4.9. ! 973 .

'7 Ibidem.

206

' !1'

CULTURA E RAZAO PMTICA NA I N D USTRIA DO DISCO

interpretac;;ao, divulgac;;ao, tudo"98• E, falando sobre o que fizera durante os dois anos transcorridos desde o lanc;;amento desse disco ate aquele mom en to, diria ainda: " [ . . . ] toquei em quase todos os lugares onde e possfvel tocar: escolas, prac;;as, fabricas, hospitais,

pris6es, circos, caminh6es. Ate em teatros"99 . No en tanto, como esses dois anos tinham sido marcados pela concreta independencia e marginalidade do artista em relac;;ao ao conjunto das gravadoras brasileiras, essas caracterfsticas pessoais de disposic;;ao para o traba­lho nao-artfstico e de disponibilidade para 0 aparecimento foram com certeza interpretadas no contexto daquela mesma indepen­dencia e marginalidade, podendo ate mesmo ter chegado a agregar urn pouco de prestfgio a imagem do artista . Pouco tempo depois, contudo, essas mesmas caracterfsticas pessoais se tornariam extre­mamente desprestigiosas, dado que a elas seria re lacionado o es­pantoso sucesso de vendagem e execuc;;ao do LP Alucinar;(io, quer dizer, dado que esse sucesso seria relacionado justamente ao in ten­so trabalho de caitituagem que seria efetuado pelo artista e a sua freqiiente aparic;;ao no radio e na televisao.

De fato, em agosto de 1 976, Belchior j a parecia estar respon-

dendo a crfticas ao afirmar:

Criou-se urn mito de que nao e possfvel atingir o povo. Compositor uni­

versit<l.rio nao pode chegar Iii. Por que eu vou com meu disco ao radio? Porque o povo ouve radio. Nisso a gente usa a estrategia dos popularfs­simos. Nao quero definir qualidade como isolamento. Eu, como artista, tenho de explodir esses conceitos" 1 110•

E, no ano seguinte, o proprio release relativo ao entao lanc;;ado LP

Cora�;lio selvagem serviria como vefculo de uma j ustificativa pes­soal do artista no que dizia respeito a sua postura aberta em relac;;ao ao trabalho de divulgac;;ao e ao aparecimento frequente nos grandes

98 0 Globo, 9.2 . 1 976.

99 Ibidem. too Jornal do Brasil, 8.8 . ! 976.

) () 7

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I NDUSTRIA FONOG MFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

meios de comunicas;ao. De fato, o jornalista Silvio Lancelotti, que

assina esse release, diz logo no infcio:

Pergunto-lhe, sem hesita�;oes, se nao andou aparecendo demais n� tele­

visao se nao andou exibindo excessivamente uma postura confhtante

com � que afirmam suas letras, e o Bel, sem hesita<;oes, me rebate a pe­

lota: ''Acho que tenho coisas importantes a dizer as p�ssoas do meu tem­

po e utilizo os meios de comunica�;ao como simples estrategia de trabalh� .

Minha preocupa<;ao profunda e maior e com os resultados da arte, tsto e,

com as modifica<;6es reais que ela pode gerar e estabelecer apesar da

precariedade e vulgaridade dos meios utilizados ... " .

Na verdade, data de setembro de 1 976 o sinal mais evidente que

encontrei da perda de prestfgio de Belchior j unto a uma parte da

crftica especializada em razao de seu sucesso e do trabalho que se

acreditava tivesse sido empregado por ele e por sua gravadora com

0 fim deliberado de obte- lo. Nesse mes, o ]ornal de Musica publicou

uma grande materia a respeito de Belchior e de seu sucesso, sendo

expl fcito 0 objetivo de tal publica<_;;ao: " [ . . . ] mostrar ao nos so lei tor

como, qu anto e o que custa a um rapaz latino-americano, 'sem

dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior',

tornar-se !dolo nacional. . . " 1 11 1 • Quer dizer, o objetivo da reportagem

era de fato revelar o que havia de artificioso e portanto de ilegftimo

no sucesso do artista. E, para isso, foram ouvidas varias pessoas que

tinham tido participas;ao direta em sua carreira, entre as quais duas

cuj os depoimentos contribufram para tornar ainda mais ilegftimo

seu sucesso e ainda mais desprestigiosa sua imagem aos olhos dos

crfticos e, provavelmente, de alguma parcela do publico que os lia:

Roberto Menescal, diretor da Philips-Phonogram, e Andre M idani,

diretor da WEA.

De fato, de acordo com o depoimento de Menescal, Belchior

poderia ser visto como um artista cujos "problemas musicais" ti­

nham tido que ser resolvidos pelo produtor Mazola no momento

1" 1 Jorna/ de Mtisica, 9.9 . 1 976.

2 0 8

CULTURA E RAZAO PMTICA N A INDUSTRIA DO DISCO

de gravar o LP AlucinafiiO, o qual, por outro !ado, s6 atingira o

sucesso de vendagem e execus;ao daquele momento devido a boa

performance demonstrada por ele no trabalho nao-artfstico de di­

vulga<_;;ao. Quer dizer, de acordo com Menescal, Belchior teria de­

sempenhado muito bern aquele papel que, conforme as conceps;6es

vigentes no meio artfstico-fonografico, seria na verdade reservado

a gravadora, ao mesmo tempo em que teria falhado no desempenho

do papel rese rvado por essas conceps;6es ao proprio artista, tendo

sido necessaria ate mesmo uma interferencia da gravadora no sen­

tido de melhorar o desempenho desse ultimo papel. Ou seja , o

depoimento de Menescal denunciava a condenavel pratica de in­

versao de papeis a que ja nos referimos, ou pelo menos o fazia na

versao que constava dessa materia :

Boa parte do sucesso que ja estii em 4 0 mil c6pias . . . Menescal atribui ao "batalhador" Belchior que saiu por af "disposto a acontecer de qualquer maneira". Outro tanto, ao produtor Mazola, que resolveu boa parte dos "problemas musicais do cantor": "Puxamos a voz dele pra frente na hora da mixagem, para nao perder as palavras e ainda foi preciso equaliza-la urn pouco, por causa do tom anasalado . . . " 1 02 •

Por sua vez, ao explicar, na mesma materia, por que escolhera

Belchior para ser o primeiro contratado nacional de sua nova gra­

vadora, Midani tambem ressaltou apenas aspectos niio-artfsticos da

personalidade do cantor-compositor, os quais por outro !ado apon­

tavam no sentido de uma completa adapta<_;;ao do artista ao carater

mercantil da produ<_;;ao de discos, configurando-se dessa maneira

uma imagem de completo desprestfgio. De fato, a materia resume

assim a explica<_;;iio dada por Midani para a contrata<_;;ao de Belchior

pela WEA, ocorrida naquele momento:

E a pessoa que reline mais fatores capazes de torna-lo marcante na mu­sica de hoje, no Brasil. E urn puta profissional. Nao tern aquela vergonha que a maioria dos artistas brasileiros tern, de ganhar dinheiro com mu-

101 Ibidem.

2 09

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

sica. [ .. . ] Belchior faz discos para vender, sabe que merece receber o ma­ximo possfvel como paga pelo seu trabalho. [ . . . ] Com B elchior, a coisa e concreta, imediata, clara. E uma pessoa de uma ambis;ao incrfvel, muito forte, no born sentido103•

Ora, ainda em 1 976 o fornal de Musica publicaria tambem ex­tensa materia a respeito de Fagner. Contudo, numa demonstrac;ao de que o prestigio de Fagner entre os criticos ligados ao vefculo era grande - e de que nao havia, aos olhos desses criticos, artiffcio algum a ser revelado como razao e pecado original de seu sucesso, o qual era, de resto, bastante restrito ate aquele momenta -, a re­portagem nao ouviria ninguem alem do proprio artista, mesmo a respeito de temas tao polemicos quanto, por exemplo, sua repentina safda da gravadora Philips, ocorrida em 1 973. 0 artista, por seu lado, consciente ou niio da importancia que tinha para a sustentac;ao de seu prestfgio aquela sua imagem de margina l ao sistema de grava­doras e meios de comunicac;ao, niio deixaria de realc;a-la tambem nessa materia por meio de uma comparac;ao aparentemente sim­patica com a postura dos outros dois artistas cearenses que estavam fazendo sucesso entao:

Em termos de cearense, o mais burro sou eu . Sou o mais burro porque nunca quis ser inteligente dentro dessa inteligencia que esta af. 0 Ed­nardo e o Belchior sao pessoas que ja sabem o que querem ha muito tempo. Eu sempre vim desesperadamente e angustiadamente querendo

. b

. 104 fazer alguma cmsa, sem sa er que c01sa era essa .

E, numa demonstrac;ao de que as informac;oes transmitidas par Fagner a respeito de si mesmo configuravam-lhe uma imagem cuja autenticidade niio era de forma alguma pasta em questao pelos crfticos ligados a esse j ornal, temos que essas suas palavras foram incorporadas ao proprio texto de urn comentario publicado poste-

1113 Ibidem. 104 Idem, 2 . 1 2 . 1 976.

2 1 0

CULTURA E RAZAO PMTICA N A INDUSTRIA DO DISCO

riormente pelo mesmo vefculo . De fato, segundo esse comentario, o LP Raimundo Fagner, lanc;ado pela CBS em 1 976, nao teria cons­tituido "nenhuma surpresa, nenhum sucesso arrasador. Apenas o terceiro capitulo de uma carreira que evolui numa calma violencia de quem sempre veio buscando 'angustiadamente e desesperada­

mente fazer o melhor"' � 05 • Na verdade, em varias entrevistas anteriores, datadas de 1 976,

Fagner ja tivera oportunidade de comparar-se a Belchior e Ednar­do e de sustentar sua propria imagem de rebelde e seu proprio prestfgio a partir dessa comparac;ao. Ao falar sobre suas reservas em relac;ao aos meios de comunicac;ao, por exemplo, Fagner parecia de fato estar sempre tomando a postura dos outros dois como ponto de referencia. Assim e que em julho, numa materia publicada a respeito deles tres, fora possfvel ler o seguinte : " [ . . . ] pos ic;ao de Fagner diante da televisao: 'Nao acho que seja uma boa ' . Seria, em sua opiniao, se permitissem que ele dissesse e mostrasse o que qui­sesse. Porem, ja que nao e assim, nao da. Por isso, acha diffcil fazer trilha sonora de novela . . . " 1 06• Por outro !ado, fazendo referencia explfcita ao sucesso ja entao alcanc;ado por Belchior c Ednardo, Fagner capitalizava a seu favor o fa to de nao ter ainda atingido urn sucesso tao grande, na medida em que atribufa ao sucesso dos ou­tros dois caracterfsticas de artificialidade que dizia nao desejar para o seu. Assim e que afirmava em outra materia:

Agora, eu tambem desconfio muito do sucesso que vern de repente, de uma hora para outra. Esse eu nao quero. 0 sucesso tern que vir como uma coisa natural, gradativa, tern que vir como decorrencia do teu tra­balho, da tua crias;ao constante, e nao por causa de lances, jogadas, aciden­tes. 0 sucesso s6 e legal quando chega na hora certa, quando voce esui pronto. Senao voce se da muito mal. Como eu acho que o Belchior e o Ednardo vao se dar, se eles nao abrirem o olho e tomarem cuidado107•

'05 Idem, 2 1 . 1 . 1 977. 106 Folha de S. Paulo, 3 l .7. 1 976. 107 0 Clabo, 8. 1 1 . 1 976.

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I NDLISTRIA FONOCRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

Assim e que, ate mesmo a partir do sucesso de Belchior e Ed­

nardo, Fagner acabaria agregando alguns elementos de prestfgio a

sua propria imagem publica. De fa to, nesse ano de 1 976, Fagner nao

apenas reafirmou constantemente sua postura de rebeldia diante

das gravadoras e de marginalidade em rela«ao aos grandes meios de

comunica«ao, mas tambem passou a declarar de forma explfcita o

que seria seu total desinteresse pelos aspectos meramente materiais

da atividade musical, dizendo, por exemplo, ao Jornal do Brasil:

Sempre morei na casa de amigos, nao pratico o que se chama uma vida

boemia. Componho, converso, penso e vou seguin do, sem gran des grilos

com d i nheiro. C laro que quero fazer sucesso, clara que quero que os

radios toquem minhas musicas e que as pessoas se liguem n e las, mas o

fundamental antes de batalhar para trabalhar muito e manter a integri­

dade e a dignidade do trabalho. 0 compositor deve ter sempre clara que e mais importante viver de musica do que viver d e sucesso 108•

Com isso, na verdade, Fagner acabava insinuando que os ar­

tistas que estavam fazendo sucesso naquele momento, e que se

i ntegravam sem maiores problemas ao sistema de gravadoras e

meios de comunica«ao, deveriam ser, ao contrario dele, profunda­

mente interessados nos aspectos mais materiais da atividade musi­

cal - o que sem duvida ajudava a desqualificar a imagem de tais

arti stas perante a crftica, dadas as representa«oes vigentes no cam­

po artfstico-fonografico.

Ve-se, pois, que, ao contrario da inversao de papeis que Bel­

chior parecia praticar, Fagner parecia manter-se exclusivamente

dentro dos limites do trabalho artfstico, o que sem duvida lhe valeu

um prestfgio muito mais duradouro que aquele que tinha advindo

das letras contestadoras das musicas compostas e interpretadas por

Belchior, e completamente independente da presen«a ou nao de

uma tematica contestadora em suas pr6prias musicas, cujas letras ,

de resto, nao eram geralmente de sua autoria. De fato, durante toda

"'' Jamal do Brasil, 1 0 . 1 ! . 1 976.

2 1 2

CULTURA E RAZAO PMTICA NA INDUSTRIA DO DISCO

a decada de 1 970, Fagner pode contar com a simpatia quase unani­

me dos crfticos, tendo sido alvo de poucos comentarios negativos ,

o s quais, a o que parece, partiram, por outro lado, de setores muito

especfficos da crftica especializada, quais sejam, aqueles particu­

larmente sensfveis as crfticas que, a partir de urn certo momenta,

Fagner tambem passou a dirigir contra Caetano Veloso.

Assim e que OS unicos comentarios negativos encontrados, OS

quais dizem respeito tanto aos aspectos visuais da imagem do ar­

tista quanto ao conteudo de seu trabalho de composi«ao e interpre­

ta«ao, sao assinados por urn mesmo crftico, Dirceu Soares, e pare­

cern ter tido como ponto de partida a distribui«ao, por Fagner, de

urn manifesto contra Caetano, ocorrida as portas do Teatro Muni­

cipal d e Sao Paulo, durante a exibi«ao de seu show "Or6s", e m

1977109 • Por outro lado, mesmo as referencias ate entao esponidicas

do artista a sua inten«ao de fazer muito sucesso, vender muitos

discos e conquistar um publico muito amplo foram sempre tomadas

como sinais de uma sadia irreverencia, dado que, concretamente,

o artista nao se mostrava de nenhuma maneira empenhado em

fazer qualquer esfor«o extra-artfstico para chegar aonde queria. Na

verdade, o simples fato de que durante a maior p arte da decada

Fagner se manteve Ionge do sucesso almejado, man tendo por outro

lado nao apenas seu discurso de rebeldia e marginalidade, mas

tambem toda a coerencia interna de sua imagem e de sua obra ate

o final do perfodo, mesmo que esse sucesso ja come«asse a despon­

tar, contribuiu bastante para que o prestfgio do artista s e mantives­

se inalterado. J a para 0 desgaste sofrido desde en tao pel a imagem

de B elchior devem ter contribufdo nao apenas o fato de que esse

artista chegou desde ineados da decada as paradas d e s ucesso, mas

tambem o fato de que deu demonstra«oes de incoerencia tanto em

rela«ao a imagem publica quanto em rela«ao a sua propria obra.

Contudo, e preciso lembrar que mesmo a ado«ao d e uma ima­

gem e de uma tematica sensuais por Belchior s6 foi depreciativa

109 Folha deS. Paulo (Folhetim), 6. 1 1 . 1977; Folha de S. Paulo, 1 8. 1 0 . 1 986.

2 1 3

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

porque se tornou evidente 0 seu carater artificial, isto e, porque se tornou evidente a existencia de inten<;ao e estrategia, nao sendo a sensualidade uma caracterfstica inerente aquilo que se poderia considerar como a verdadeira natureza pessoal do artista. De fa to, foi isso o que contrariou as concep<;oes vigentes no campo art!stico­fonografico, tornando possfvel a eventual classifica<;ao do artista entre aqueles aos quais mesmo os elaboradores de releases se refe­rem como "uma coisa mais ou menos fabricada" 1 1 0• Da mesma forma, o proprio sucesso do artista so foi malvisto na medida em que foi interpretado como uma mudan<;a do circuito "cultural" para o circuito "comercial", segundo essas mesmas concep<;6es.

Assim e que o fa tor determinante para o prest!gio de Fagner e para o desprest!gio de Belchior parece ter sido realmente a maior ou menor adapta<;ao de seus discursos e de suas atitudes concretas a tais concep<;6es. Nesse sentido, o discurso de Belchior relativo ao carater mercantil da produ<;ao discografica, a sua propria disposi<;ao pessoal para 0 trabalho nao-art!stico de divulga<;ao e a sua dispo­nibilidade absoluta em rela<;ao aos grandes meios de comunica<;ao, bern como a realiza<;iio efetiva de urn intenso e amplamente noti­ciado trabalho de caitituagem para a promo<;iio de seu segundo LP,

parecem ter tido uma importancia maior para a perda de prestfgio do artista entre a crftica especializada do que sua propria incursao posterior no terreno da discoteca e da sensualidade - muito em­bora esta pare<;a ter servido, aos olhos dessa mesma crftica, como confirma<;ao da adapta<;ao ao chamado esquema das gravadoras que seu discurso e sua pratica anteriores ja indicavam.

Ora, se isso e verdade, entao talvez seja possfvel fazer uma ex­trapola<;ao e relacionar a propria preferencia da crftica pelos artistas de MPB surgidos nas decadas de 1 950 e 1 960 ao fato de que aqueles que surgiram nos anos de 1 970 ja o fizeram num contexto de cres­cimento acelerado do mercado de discos, para o qual, inclusive, como foi vis to no capftulo 1 , muito contribufram, pelo menos a

1 10 Ana Lucia Novaes , entrevisra cirada.

2 1 4

CULTURA E RAZAO PMTICA NA INDUSTRIA DO DISCO

partir do infcio da abertura polftica. N a verda de, contudo, a imagem

negativa dessa nova gera<;ii.o de arti stas de MPB perante a crftica s6

pode ser adequadamente compreendida se retivermos, do contexto

da decada de 1 970, tanto o crescimento acelerado do mercado de

discos, para o qual ela de fato contribuiu durante a segunda meta­

de do perfodo, quanto a repressii.o polftica vigente principalmente

na metade inicial, que na verdade d ificultou seu proprio aces so ao

mercado, ao mesmo tempo em que afastava dele os artistas de MPB

que tinham surgido nas d ecadas anteriores . Isso porque, embora

as grandes vendagens obtidas por varios dos novos artistas a partir

de meados da decada possam ter resultado diretamente no surgi­

mento de uma certa reserva da crftica em rela<;ao a seu trabalho, o

fato e que varios dos artistas surgidos nos anos de 1 950 e ! 960 tam­

bern passaram a vender muitos discos a partir de entao, sem que

tenham perdido seu prestfgio entre os crfticos - o que indica

que o papel desempenhado por todos eles no crescimento e na

moderniza<;ii.o do mercado de discos nii.o basta para explicar a ima­

gem desprestigiosa dos mais novos.

De fa to, para compreende-la, e preciso l embrar que, por surgi­

rem num momenta de repressao polftica , esses novos arti stas nii.o

contaram com canais de comunica<;ii.o com o publico que fossem

anteriores ou alternativos em rela<;ao aqueles que lhes foram pro­

porcionados pelas proprias gravadoras . Sendo assim, a condi<;ii.o de

produto da industria fonografica ou de produto "comercial " de seu

trabalho se tornou muito evidente para os crfticos, o mesmo nao

acontecendo com os artistas de MPB mais antigos. De fato, estes

tiveram a oportunidade de se apresentar ao publico atraves de ca­

nais alternativos de muito prestfgio, tais como os festivais organi­

zados pela TV Record antes de 1 968, por exemplo, e puderam assim

demonstrar publicamente sua autonomia criativa em rela<;ao ao

esquema das gravadoras e a condi<;ii.o de produto "cultural" de seu

trabalho. Por outro !ado, e preciso lembrar tambem que, logo ap6s

esse seu festej ado surgimento, essa gloriosa gera<;ao de artistas, no

exato momento em que se preparava para dar sua parcela de con-

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INDUSTRIA FONOGRAFICA: U M ESTUDO ANTROPOLOGICO

tribui�ao a expansao do mercado de discos no Brasil, teve sua car­

reira de uma forma ou de outra truncada pela repressao polftica que se abateu de maneira redobrada sobre o pais a partir do AI-5.

Essa repressao chegou a levar alguns desses artistas ao exflio e fez com que todos eles fossem envolvidos pela solidariedade da critica.

Esta, portanto, saudou na verdade com muita alegria o grande su ­

cesso de vendagem e execu�ao obtido por alguns desses monstros sagrados da MPB a partir de meados da decada de 1 970. Por outro

!ado, essa mesma solidariedade aos artistas que tinham surgido na

decada anterior pode ter influenciado a opiniao em geral negativa

da critica a respeito dos que surgiram nos anos de 1 970, dado que

estes ultimos pareciam estar simplesmente se aproveitando do fato

de que a repressao polftica tornara vagos alguns lugares no campo

artfstico para, de bra�os dados com a industria fonogd.fica, con­

quista r esses lugares para si.

De fato, todos esses fatores parecem ter contribuido para que

se mantivesse a preferencia da maioria dos criticos pelos grandes

names da MPB ligados a Bossa Nova e ao Tropicalismo, em detri­

mento do pessoal surgido depois - independentemente, como e

6bvio, de avalia«oes de carater estritamente estetico, que nao cabe

considerar aqui.

2 1 6

C o N C LUS6Es

Na introdu�ao a este livro, foram apresentadas as hip6teses que nortearam desde 0 inicio 0 trabalho de campo e a analise dos dados empiricos da pesquisa na qual ele se baseia, e que deu origem a minha disserta�ao de mestrado. Cabe-nos agora apresentar as con­clusoes acerca da adequa�ao ou inadequa�ao de tais hip6teses a realidade descoberta pela pesquisa.

Nossa principal hip6tese de trabalho d izia respeito a especi­ficidade do processo capitalista de produ�ao de mercadorias ditas culturais em rela�ao ao processo capita lista comum de produ�ao de mercadorias, especificidade essa que julgavamos ser possivel en­contrar nas pr6prias rela�oes sociais de prodv�ao existentes entre os trabalhadores artisticos e o capital. Como foi vis to na primeira parte do capitulo 2, essa hip6tese mostra-se ate certo ponto adequada a realidade, pelo menos no que diz respeito a industria do disco. De fato, encontramos nessa industria uma diferencia�ao muito nitida entre os trabalhadores artisticos e os nao-artisticos no que se refere ao vinculo de trabalho, sendo que os primeiros se diferenciam dos demais na medida em que nao sao assalariados. Contudo, no que se refere a esse mesmo vinculo, encontramos tambem uma diferencia­�ao muito grande entre os pr6prios trabalhadores artfsticos. Como vimos nessa mesma parte do capitulo 2, os musicos chegam mesmo a se aproximar dos trabalhadores comuns, pois, embora nao sejam assalariados, recebem das gravadoras apenas os caches relativos aos perfodos de grava�ao, isto e, sao remunerados como quaisquer

2 1 7

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

outros profissionais autonomos. Os interpretes e os autores, por sua vez, sao remunerados atraves de determinadas porcentagens sobre o pre�o de fabrica de cada disco vendido pelas gravadoras, o q ue os afasta radicalmente dos trabalhadores comuns, na medida em que, ao contrario destes, eles acabam participando do proprio risco do investimento, nao havendo, por outro lado, entre sua propria remunera�ao e a remunera�ao do capital, a mesma contradi�ao fundamental existente entre salario e lucro. Isso sem duvida confere caracterfsticas particulares as rela�oes de produ�ao existentes entre gravadoras, de urn lado, e autores e interpretes, de outro, muito embora a analise empreendida no capftulo 2 nos permita chegar a conclusao de que elas nao deixam de ser rela�oes entre capital e trabalho, ainda que sejam de urn tipo especial.

Dessa diferencia�ao entre as formas de remunera�ao de musi­cos, interpretes e autores podemos concluir que nao e correto atri­buir diretamente ao carater artfstico do trabalho a especificidade de determinadas rela�oes de produ�ao vigentes na industria do disco, dado que alguns dos trabalhadores artfsticos, quais sejam, OS ffiU­sicos, nao participam dessas rela�oes especfficas. Por outro lado, quando introduzimos na analise OS dados reJativos ao direito au­toral e aos direitos conexos, a hipotese de que o cars}ter artfstico do trabalho esta associado a rela�6es de produ�ao especificas volta a ganhar algum senti do, na medida em que tanto autores e interpre­tes quanto musicos tern assegurados seus direitos sobre a execu�ao publica das obras gravadas, o que faz com que se diferenciem no­vamente em con junto dos demais participantes diretos do processo de produ�ao dos discos executados. Contudo, mais uma vez essa hipotese se choca com as evidencias, pois, como vimos, ainda nes­sa primeira parte do capitulo 2, a propria empresa gravadora tam­bern participa dos direitos gerados pela execu�ao publica das obras gravadas, muito embora sua participa�ao no processo de produ�ao dos discos executados nao se de por meio de trabalho artfstico nem sequer por meio de trabalho, dando-se apenas atraves de investi­mento de capital. De qualquer maneira, sempre e possfvel consi-

2 1 8

CONCLUSOES

derar o direito conexo das gravadoras uma exce�ao legal, na medi­

da em que a propria doutrina dos direitos autorais e conexos, como

vimos nessa mesma parte do capitulo 2, fundamenta-lhes a exis­

tencia a partir do carater criativo que atribui ao trabalho artfstico e

literario com exclusividade em rela�ao ao trabalho com urn. Temos,

assim, que, para efetivamente explicar a especificidade de determi­

nadas rela�oes de produ�ao vigentes na industria do disco, nao

basta recorrer ao carater artfstico do trabalho, sendo necessaria in­

corporar a explica�ao as concep�oes acerca da natureza do trabalho

artlstico que fundamentam os direitos autorais e conexos, bern

como admitir a possibil idade de que so mente urn a analise de pro­

cessos hist6ricos possa esclarecer tanto a inclusao das gravadoras

na rel a�ao dos titulares de direitos conexos quanto a diferencia<:;ao

verificada entre os pr6prios trabalhadores artfsticos no que se refere

a remunera<:;ao relativa a grava<:;ao dos discos e nao a execu<:;ao pu­

blica das obras gravadas.

Assim e que, como tam bern foi observado na primeira parte do

capitulo 2, urn dos fatores determinantes da exclusao dos musicos

do campo dos trabalhadores artfsticos para efeito de suas rela�6es

com as gravadoras parece ser o fato de que a execu<:;ao musical

atraves de instrumentos, em compara<:;ao com a interpreta<:;ao vocal

e a composi<:;ao, e de fato a atividade artfstica aparentemente mais

assemelhada ao trabalho comum, sendo que, de acordo com as

concep<:;oes nas quais se sustentam os direitos autorais e conexos e

indiretamente a remunera�ao especffica dos trabalhadores artfsticos

pelas gravadoras, essa atividade se opoe radicalmente a esse traba­

lho, da mesma forma como a cria�ao do espfrito se op6e ao mero

dispendio de for�a ffsica. A aparente inadequa�ao de sua atividade

as representa�oes vigentes acerca da especffica natureza do trabalho

artfstico explicaria tam bern por que os direitos conexos dos musicos,

embora tenham sido institufdos no Brasil concomitantemente aos

d ireitos conexos dos interpretes e das gravadoras , s6 se tenham

traduzido em praticas efetivas de distribui�ao 1 5 anos depois desses

ultimos direitos. Ocorre, contudo, que, embora o mero investimento

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I N DUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

de capital seja ainda mais estranho a toda e qualquer definic;;ao de

trabalho artfstico que se possa imaginar, os direitos conexos das

gravadoras nao apenas foram reconhecidos pela lei brasileira como

tambem passaram a ser arrecadados e distribufdos imediatamente

apos esse reconhecimento legal . E isso porque, como vimos na

segunda metade do capitulo 2, gravadoras e interpretes fundaram

imediatamente uma sociedade para esse fim, a Socinpro, enquan­

to os musicos so vieram a fundar entidades semelhantes, tais como

a Assim e a Amar, muito tempo depois. Quer dizer, o que parece

determinante tanto para que haja o reconhecimento legal da titu­

laridade de direitos autorais e conexos q uanto p ara que haja o re­

cebimento efetivo por parte desses titulares de alguma remunerac;; ao

relativa a execuc;;ao publica das obras gravadas sao - para alem da

natureza obj etiva do trabalho e de sua adequac;; ao ou nao a defini­

c;;ao doutrinaria da atividade artfstica - os processos historicos

atraves dos quais diferentes agentes do processo de produc;;ao fono­

grafica foram-se organizando ou nao na defesa de seus interesses

particulares . Dessa maneira, parece valida para a explicac;;ao da

diferenciac;;ao encontrada no interior da propria industria fonogra­

fica a hipotese que sugerimos na introduc;;ao para a explicac;;ao da

diferenciac;;ao possivelmente encontrada entre os diversos ramos da

industria cultural no que diz respeito as relac;;oes de produc;;ao vi­

gentes entre as empresas e os trabalhadores artfsticos, diferenciac;;ao

essa que atribufmos justamente aos processos historicos atraves dos

quais diferentes segmentos da classe artfstica obtiveram ou nao 0

reconhecimento legal da especificidade atribufda a seu trabalho e

0 respeito ou nao as leis que a reconhecem.

Ora, a definic;;ao dos fatos ocorridos no Brasi l nos anos de 1 970

como nosso universo de pesquisa certamente nos impediu de es­

clarecer a lguns aspectos das relac;;oes atuais que sao devidos a pro­

cessos historicos anteriores, como e o caso da propria inclusao das

gravadot·as na relac;;ao dos titulares de direitos conexos e da propria

remunerac;; ao diferenciada dos musicos em relac;;ao aos demais ar­

tistas participantes da produc;;ao da obra e da gravac;;ao do disco, que

2 2 0

CONCLVSOES

foram tomadas aqui como ponto de partida para a reftexao acerca

da natureza dos fatores intervenientes na determinac;;ao da atual

situac;;ao das rel ac;;oes. Contudo, essa definic;;ao nos permitiu, por

outro lado, inserir a atuac;;ao de autores, interpretes, musicos e gra­

vadoras no mesmo contexto concreto de crescimento do mercado

de discos no pafs que tinha sido analisado no capftulo 1, e isso deu

conteudo hist6rico a essas proprias categorias, na medida em que

foi possfvel discernir entre os antigos e os novos artistas, isto e,

entre os artistas ligados ou nao de maneira organica ao disco e aos

meios eletronicos de difusao musical, e associar a atuac;;ao organi­

zada de tais grupos e dos representantes da industria fonografica,

do radio e da televisao, os avanc;;os e os recuos do processo que

entao se desenvolvia no sentido da m odernizac;;ao do sistem a de

arrecadac;;ao e disfribuic;;ao de direitos autorais e conexos . Por outro

!ado, foi possfvel focalizar momentos importantes dos processos de

transformac;;ao dos direitos conexos dos musicos em realidade e de

rejeic;;ao sistematica por parte da industria fonografica de normas

regu lamentadoras de suas rel ac;;oes economicas com autores e in­

terpretes - 0 que nao deixou de confirmar a importancia atribufda

ao processo historico como fator preponderante na explicac;;ao do

atual estado das relac;;oes de produc;;ao vigentes nesse campo.

A outra hipotese importante que orientou a pesquisa de campo

desde 0 infcio dizia respeito a produc;;ao simultanea do produto e

da imagem publica de alguns de seus produtores diretos, que con­

sideravamos como uma caracteristica particular da industria cul­

tural, caracterfstica essa que tambem estaria associada a n atureza

artfstica ou literaria do trabalho de que ela se utiliza. Como vimos

na primeira parte do capitulo 2 , a publicidade representada pela

inclusao do proprio nome na contracapa dos discos e de fato restri­

ta aos trabalhadores que atuam no estudio, sendo que, entre aque­

les que atuam na fabrica, somente o tecnico de corte costuma ter o

nome af inclufdo, e isso porque somente ele trabalha ainda sobre o

produto final do estudio, transformando-o no produto inicial da

fabrica. Isso parece confirmar a hipotese sugerida, na medida em

2 2 1

Page 111: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

que, como vimos nessa mesma parte do capitulo 2, o estudio pode ser considerado o universo proprio do trabalho artlstico, sen do urn local onde ate mesmo os trabalhadores comuns atuam de qualquer maneira sobre sons musicais, do mesmo modo como faz o tecnico de corte na fabrica. Contudo, quando introduzimos na analise OS

dados relativos as atividades desenvolvidas nos departamentos de imprensa das gravadoras, que tomamos como atividades de produ­�ao da imagem publica mais propriamente ditas, vemos que elas se concentram apenas na divulga�iio da imagem dos interpretes prin­cipais dos discos, ficando nesse aspecto excluldos de urn tratamen­to artlstico por parte das gravadoras tanto OS musicos participantes da grava�iio quanta OS autores das musicas gravadas. Nesse caso, porem, a explica�ao parece clara: 0 interprete e de fato 0 unico a ser efetivamente contratado da gravadora, e contratado com exclusivi­dade, sendo ele, alem de tudo, quem fica associado mais diretamen­te ao disco no mercado. Assim, investindo na divulga�iio da imagem do interprete, a gravadora esta investindo ao mesmo tempo na di­vulga�iio de seus pr6prios produtos, da mesma forma como, inter­ferindo na configura�ao dessa imagem, esta promovendo a adap­tac;;ao desses produtos as preferencias do mercado.

Conforme foi dito na introdu�ao, os dados obtidos atraves da pesquisa nao nos permitiram conhecer a fundo os processos con­cretos de produ�ao e divulga�ao da imagem publica dos interpretes, muito embora alguns dos mecanismos acionados nesse sentido pelas gravadoras tenham sido de qualquer maneira identificados, tais como os releases e as entrevistas coletivas, por exemplo. Em parte, isso foi conseqiiencia da rea�ao negativa das pessoas et}tre­vistadas a ideia de que poderia haver produc;;ao da imagem publica dos interpretes por parte das gravadoras, rea�ao essa que, por outro lado, nos forneceu novos e interessantes dados a respeito das con­cep�oes vigentes no campo fonografico. Como vimos no capitulo 3, algumas das oposi�oes conceituais mais recorrentes nesse campo, tais como aquela apontada entre o cultural e o comercial ou entre a crftica e o publico, por exemplo, niio passam de varia�oes da mes-

222

CONCLUSOES

rna oposi�ao entre cria�ao artfstica e trabalho que identi ficamos no

capitulo 2 como fundamento doutrinario do direito auroral e dos

direitos conexos. Alias, tanto no caso demoradamente analisado do conteudo das imagens publicas de Fagner e Belchior quanta na­

quele do discurso de uma das pessoas entrevistadas, que foi anali­

sado de passagem, esta ul tima oposic;;ao parece atuar de maneira

direta, na medida em que se opera com urn esquema ideal de clivi­

sao de tarefas entre o interprete e a gravadora, no qual cabe ao

primeiro apenas real izar o trabalho artlstico de produzir o disco,

cabendo somente a segunda 0 trabalho brac;;al de divulga-lo, e em

rela�ao ao qual uma inversao de tarefas pode acarretar aos inter­

pretes a perda irreparavel de seu prestlgio entre a crftica. Por outro

l ado, tanto a oposi�ao conceitual fundamental da doutrina do di­

reito auto raJ e dos direitos conexos que foi identificada no ca p ltulo

2, quanta as concepc;;oes vigentes no campo fonografico que foram

analisadas no capitulo 3 puderam ser associadas, nesses mesmos

capltulos, a algumas das pr6prias noc;;6es subjacentes ao termo cul­

tura de massa que tinham sido apontadas na introduc;;ao, quais

sejam, aquelas segundo as quais a cultura constituiria urn compo­

nente restrito e autonomo em relac;;ao ao conjunto da vida social,

opondo-se principalmente a produc;;ao material e ao trabalho.

A partir dessa associac;;ao, alias, foi possfvel chegar a urn a con­

clusao importante, que ja foi formulada no capitulo 3 e com a qual

ju lgamos ser conveniente encerrar a redac;;ao deste trabalho: as mes­

mas concepc;;6es acerca da n atureza da cultura e da produc;;ao ma­

terial com base nas quais e possfvel criticar a industria cultural e

ate mesmo rejeita- la totalmente servem tambem para !he dar s us­

tenta�iio, sendo recorrentes no discurso das pessoas que atuam no

interior deJa e chegando mesmo a explicar algumas de suas praticas

corriqueiras, entre as quais o baixo investimento na divulgac;;ao dos

d iscos dos artistas considerados de prestfgio, por exemplo. Isso in­

d ica, a nosso ver, que tais no�6es de cultura e de produc;;ao material,

embora sejam pretensamente fi los6ficas, nao resultam de urn afas­

tamento suficiente em relac;;ao ao sensa comum, sendo pos s fvel

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INDUSTRIA FONOGRAFICA: U M ESTUDO ANTROPOLOGICO

encontra-las como parte integrante do proprio obj eto ao qual se

aplicam. Isso finalmente pode s ignificar uma nova contribui�ao a crftica da no�ao de cultura de massa, que se faz desta vez atraves

da apresenta�ao e da analise de dados empfricos que sao resultado

de uma pesquisa antropol6gica da industria cultural .

224

ANEXO

MATERIAL D E I MPRENSA

Capitulo 1

- FEV./1968, Realidade, "Disco pode custar menos ?" . - 5 . 1 . 1969, 0 Estado de Minas, "Uma hist6ria de longa durac;ao: assim nasceram a

RCA e a CBS", Afonso de Souza. - 1 5.5 .1 970, Correia da Manhii, "Estao matando a musica popular brasileira", Ilmar

Carvalho. - 12 .7. 1970, 0 Estado de S. Paulo, "Deputado fica contra o veto". - 23 .7.1970, 0 Estado de S. Paulo, "Musicos querem 80%". - 2.8. 1970, 0 Estado de S. Paulo, "60% de musica nacional". - 1 5.9.1 970,/ornal da Tarde, "A ameac;a do velho decreta". - 24.4 . 1971 , 0 Globo, "0 fenomeno dentro de uma crise". - 4.5 . 197 1 , /ornal do Brasil, "Festival Universitario sem previas regionais abre no

Rio inscric;oes ate dia 25". - 9.5. 1971 ,/ornal do Brasil, s/ titulo. - 2 1 .5 . 1971 ,/ornal do Brasil, "IV Festival Universitario de Musica apresenta hoje

'shows' em duas faculdades". - 1 5 .7 . 1 9 7 1 , /ornal do Brasil, "Festival Universitario, as classificadas", Julio

Hungria. - 17.7. 197 1 , 0 Jornal, s/ titulo. - 23 .7. 1971 , 0 Jornal, s/ titulo. - 3.8 . 1971 , /ornal do Brasil, "Festival Universitario", Julio Hungria, e "Festival

Universitario de Musica comec;a hoje a noite no Joao Caetano". - 3.8. 1971 , Ultima Hora, s/ titulo. - 4.8 . 1 97 1 , "IV Festival Universitario de Musica Brasileira nao indica primeiras

finalistas". - 5.8 . 1971 , "Juri man tern a decisao de nao separar as finalistas do Festival Univer­

sitclrio". - 6.8. 1971 ,/ornal do Brasil, "Festival U niversitario tern cinco favoritos".

225

Page 113: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

IND0STRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

- 7.8. 1971 , jornal do Brasil, "Festival Universitario de Musica termina no Teatro Joao Caetano hoje a noite".

- 9.8. 1971 , Ultima Hora, s/ titulo. - 1 0.8.1 971 , 0 fornal, s/ titulo. - 3 . 1 0. ! 971 , Jornal do Brasil, "0 som para o futuro". - 29.1 0 . 1971 , 0 Globo, "Brasil no acordo para acabar com a 'mafia' do disco", Janos

Lengyel.

- 1 5 . 1 2 . 1 97 1 , Ultima Hora, "0 pals do hit-parade estrangeiro", Jose Carlos Rego. - 22.2.1 972, Revista Amiga, "Eiis Regina: 'Vou curtir o canto'", Julio Seixas. - 29.2. 1 972, Revista Amiga, "Elis no teatro", Ana Rita. - 29.4.1 972 ,Jornal do Brasil, "Midani preside no Mexico reuniao da i�dustria do

disco e defende direitos". - 29.4 . ! 972, 0 Globo, "Brasil dirige reuniao mundial do disco e lutara por igual­

dade". - 30.4.1972,jornal do Brasil, "A politica brasileira da Odeon". - 30.5 . 1972, Jornal do Brasil, "Comissao sobre a musica examina a concorrencia

dos discos estrangeiros". - 7.6. 1 972, Ultima Hora, s/ titulo. - 1 1 .6 . 1 972 ,J ornal do Brasil, '� fore; a do estudio", Acyr Castro. - 1 2.6. 1 972, Ultima Hora, "FIC muda ate o gala para cantar no tom". - 1 5.6.!972,Jornal do Brasil, "Levantamento do semestre / avulsos". - 2 1 .6. 1 972 ,Jornal do Brasil, "Ex-diretor de gravadora den uncia entrada irregular

de musicas estrangeiras". - 23.6. 1972, Jornal do Brasil, "Gravadoras acham inutil a denuncia de desvalori­

zac;ao das musicas brasileiras". - 1 6.7.1 972,Jornal do Brasil, "VII FIC - Urn festival para recuperar a imagem do

festival". - 22.7.1972, 0 Globo, "Joao Araujo : Em urn ano e meio a afirmac;ao da Sigla". - 28.7. 1972,Jornal do Brasil, "Juri do VII FIC indica as 30 musicas da fase nacional

e 17 sao do Rio". - 28.8.1972 ,Jornal do Brasil, "Discos tern problemas economicos e culturais". - 4.9.1 972, Tribuna da Imprensa, "Cassada o 'galo' e reformulado o PIC deste

ana". - 7.9. 1972, 0 Globo, "VII FIC tern de tudo: do rock ao samba" . - 1 1 .9. 1 972, Ultima Hora, "FIC pode ser a renovac;ao da nossa musica". - 1 4.9.1972, Correia da Manhii, "FIC: jurado faz crlticas a compositores". - 1 6.9.1 972,jornal do Brasil, "Fase nacional do Festival da Canc;ao comec;a hoje no

Maracanazinho". - 1 7.9. 1 972,jornal do Brasil, "Festival Internacional da Canc;ao seleciona 6 musi­

cas na abertura da fase nacional".

226

ANEXO: MATERIAL DE IMPRENSA

- 2 1.9. 1972, Folha de S. Paulo, "Cufca tern professor", Walter Silva.

- 24.9. 1972,jornal do Brasil, "FIC ja tern 6 musicas para final". - 25.9.1972,jornal do Brasil, "FIC escolhe rna is 6 musicas para a final". - 27.9. 1972, 0 Estado de S. Paulo, "Projeto reduz a taxac;ao do disco". - 27.9 . 1972, 0 Globo, "Passarinho quer para o disco tratamento tributario do

livro". - 27.9. 1972, Veja, "Sinal de vida". - 1 . 1 0 . 1 972 ,Jornal do Brasil, "Festival classifica musicas de Baden Powell e Jorge

Ben depois de varios incidentes". - 2. 1 0 . 1972,jornal do Brasil, "Estados U nidos vencem o VII Festival Internacional

da Canc;ao sob vaias do publico". - 2. 1 0. 1 972, Tribuna da lmprensa, "Declarac;ao do Juri Nacional" . -3 . 10. 1972, Folha de S. Paulo, "0 falecido FIC", Walter Silva, e "Clayton Thomas

vence o VII FIC".

- 4. 10 . 1 972, Veja, "Fora do ar" . - 5. 10. 1972, 0 Estado de S. Paulo, "0 VII FIC, urn grande desastre". - 1 1 . 1 0.1 972, Veja, "Poe ira de estrelas". - 18 . 10. 1 972, ]ornal do Brasil, "Futuro previsfvel", Julio Hungria. - 20. 10 . 1972,/ornal do Brasil, "MEC pede levantamento de musicas". - 1 . 1 1 . 1 972,jornal do Brasil, "Raimundo Fagner". - 26. 1 1 . 1 972, 0 Estado de S. Paulo, "Mercado de discos esta em ascensao". - 17. 1 2 . 1 972,jornal do Brasil, "Resumo do semestre I avulsos". - 1.4. 1973 ,/ornal do Brasil, "No espac;o de sete anos mercado intern a para discos

cresce 400%". - 23.4. 1 973, fornal da Tarde, "A festa que vai reunir a musica brasileira em Sao

Paulo", Mauricio Kubrusly. - 25.4. 1973, Folha de S. Paulo, "Phono-73, urn concerto de musica popular". - 6.5. 1973 ,jornal do Brasil, "Phono-73 : a feira do sam brasileiro", Julio Hungria. - 14.5. 1973,Jornal do Brasil, "Muitos gritos e vaias, na ultima noite da Phono-73". - J5.5.1 973 ,jornal do Brasil, "Phono-73. 0 festival sem competic;ao".

- 16.5. 1973, Ve;a, "Fim do FIC". - 19.5.1973 , fornal da Tarde, "Revelac;6es da Phono-73: OS melhores da musica

popular brasileira". - 19.5. 1973, 0 Globo, "Fagner lanc;a primeiro LP com depoimento de Chico". - 3.6. 1973, Jornal do Brasil, "0 repert6rio vivido do cearense Fagner". - 1 1 .6. 1973, Visiio, "Futuro risonho e incerto". - 1 5.6. 1 973, Jornal da Tarde, "Fagner pode ser bern melhor, sem essa legiao de

padrinhos", Maurfcio Kubrusly. - I .7. 1 973,jornal do Brasil, "EMI - 75 anos com discos". - 23.7. 1973, Visao, "Sucessos a reboque".

7 7 7

Page 114: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

- 1 9 .8 . 1 973, jomal do Brasil, "Sigla - Mais 1 milhao em investimentos" . - 1 4.9 . 1 973, Folha de S. Paulo, "U m show a palo seco". - 1 6.9. 1 973 , jornal do Brasil, "Quando as maquinas param". - 23.9. 1 973, jornal do Brasil, ''A carnauba e nossa ... ". - 26.9 . 1 973, jornal do Brasil, "Os discos em lenta rotac;ao", Mauricio Arcoverde,

Bella Stal e Sucursal de Sao Paulo. - 2 2 . 1 0 . 1 973 , jomal do Brasil, ''A crise-ainda", Julio Hungria. - 3 1 . 1 0 . 1973, Veja, ''A crise do disco". - 8 . 1 1 . 1 973, 0 Clabo, "Escassez de petr6leo ja reduz discos". - 1 1 . 1 1 . 1 973, Jornal do Brasil, "Comercio de disco cresce em alta rotac;ao em

Niter6i". - 1 2 . 1 1 . 1 973, 0 Clabo, "Crise do petr6leo atinge fabricac;ao de discos". - 1 2 . 1 . 1 974, jornal do Brasil, "Gravadora fantasma e denunciada". - 1 3 . 2 . 1 974, lieja , ''Autobiografia". - MAR./1974, Nova, "Sua Majestade, o disco", Roberto Benevides. - 23.4 . 1 974, Folha de S. Paulo, "Mote e glosa de urn vaqueiro". - 2 . 5 . 1 974, jornal do Brasil, "Os discos e seus voos misteriosos". - 22 . 5 . 1 974, Veja, "Como fazer discos de sucesso". - 24.5 . 1 974, Folha de S. Paulo, "0 mercado ilfcito do disco", Walter Silva. - 2 1 .8 . 1 974, Expansiio, "0 sonho acabou - Acabou mesmo?". - 1 5 .9 . 1 974, Ditirio de Notfcias, "Este a no, a queda na venda de discos faz cair os

prec;os" . - 23 .9 . 1 974, 0 Clabo, "Mercado de discos e ainda contradit6rio". - 6. 1 0 . 1 974, Folha de S. Paulo, "Musica: o prejufzo da importac;ao", Jorge Sa de

Miranda. - 1 O . l . l 975, jornal do Brasil, "Grava<56es clan destin as de fitas magneticas sonegam

Cr$ 20 milh6es de impastos". - 27. 1 . 1 975, 0 Clabo, "Em discussao, no MEC, a nossa musica popular". - 2 9. ! . 1 975 , jornal da Tarde, "Uma soluc;ao para nossa musica. A mesma do

ctnema". - 7.2. 1 975, Jornal da Tarde, "E os artistas tambem poderao julgar a censura". - 1 0.3 . 1 975, Banas, "A face oculta do disco". - 25 .6. 1975, 0 Clobo, ''A magia sonora dos discos BASF". - 2 .7 . 1 975, Folha de S. Paulo, "Fagner: ave migrat6ria, ser universal", Regina Pen-

teado. - 5.7 . 1 975, Jornal da Tarde, "Voz de taquara rachada, maravilhosa", Mauricio

Kubrusly, e "Fagner mostra sua musica. Sem elitismo nem timidez". - 16. 7. 1975,fornal do Brasil, "Vox sonda o mercado brasileiro". - 1 6.7. 1975, 0 Clobo, "Sigla: quatro anos de boa musica". - 27.7. 1 975 ,fornal do Brasil, s/ titulo.

2 2 8

ANEXO: MATERIAL D E IMPRENSA

- 29.7.1 975, 0 Clobo, "Fagner ja fez de tudo mas acha que ainda esta no comec;o". - 30.7. 1 975,]ornal do Brasil, "Fagner: a forc;a consciente da 'ave noturna"' . - 1 2.8 . 1 975,]ornal do Brasil, "Chantecler, a gravadora que ouviu cantar o galo", J.

R. Tinhorao. - 22.8 . 1 975, Folha de S. Paulo, "Otimo futuro para nossa musica no exterior",

Walter Silva. - l 3.9. 1975,]omal da Tarde, "Quem escolhe o que voce ouve?'', Mauricio Kubrusly. - 1 5.9. 1 975 ,]omal da Tarde, "Musica, julgada como tecnologia". - 23. 1 0. 1975, 0 Clabo, "Som Livre conquista disco de ouro da RCA". - 1 0. 1 2. 1 975, Folha de S. Paulo, "0 mercado de discos", Walter Silva. - 9.2 . 1 976, 0 Clabo, "Belchior, o compositor: A musica s6 se completa quando

chega as pessoas", Ana Maria Bahiana. - 2 1 .2 . 1976, Folha de S. Paulo, "Grandes nomes vao mudar de gravadora", Walter

Silva. - 25.3 . 1 976, Jamal do Brasil, "Fagner, o astra vagabundo que antecipa o fim do

mundo". - 25.3 . 1976, 0 Clabo, "Fagner: 'Atras de tudo isso tern urn som muito antigo. E

meu pai can tan do na varanda'", Ana Maria Bahiana. - 3 1 .3 . 1976, lieja, "Cruamente", Tarik de Souza. - 10.4. 1 976, Ultima Hora, ''Atenc;ao senhores piratas de fitas. A polfcia vern af",

Angela Lemos. - 1 2.5 . 1976, lieja, "Mudanc;a de cupula". - 28.5. 1 976, Opiniiio, "Compositores da mesma safra", Ana Maria Bahiana. - 1 .6 . 1976, 0 Clabo, s/ titulo. - 2.6.1 976, lieja, "Enfim a verdade?".

- 6.6 . 1 976, 0 Clabo, "Som Livre e RCA colocam disco brasileiro no mercado mundial".

- 23.6. 1 976, lieja, "0 provocador", Jose Marcio Penido e Valdir Zwetsch. - 1 l .7 . 1 976,]omal do Brasil, ''A minigravadora Warner e seu voluntarioso execu-

tive Midani", Tarik de Souza. - 14.7 . 1976, lieja, ''Apenas retalhos". - 29.7.1 976,]omal do Brasil, "Etica e farsa", Paulo Maia. - 3 1 .7. 1 976, Folha de S. Paulo, "E os cearenses tornaram-se moda em 76", Renato

de Moraes e !sa Cambara. - 8.8 . 1 976,]omal do Brasil, "0 sucesso da contradic;ao", Tarik de Souza. - 27.8 . ! 976,]omal da Tarde, ''A Warner no mercado do disco brasileiro". - 13 .9. 1 976, Vzsiio, ''A Warner descobre o Brasil". - 19.9. 1976, 0 Clabo, "Discos: as diversas rotac;oes dos prec;os". - 23.9. 1 976, Jornal de Musica, ''Alegria, atenc;ao, gravando: Fagner no estudio",

Aloysia Reis.

229

Page 115: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

IND0STRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

- 2 1 . 1 0. 1 976,/omal de MU.rica, "Por que o disco custa tao caro?", Aloysio Reis. - 22. 1 1 . 1976,/omal da Tarde, "0 melhor e os melhores do disco nacional". - 6. 12. 1 976, Vistio, "Grande elenco". - 22 . 1 . 1 977, Folha de S. Paulo, "Nem sempre se compra discos como quer", Pedro

Sardinha.

- 13.2.1977,]omal do Brasil, "0 enredo 77 da gravadora WEA. 'Os segredos de urn elenco nacional'".

- 6.2.1977, /omal do Brasil, "Disco U.S.A.: gravadoras americanas no banco dos reus", Robert Lindsey.

- 16.3.1977, 0 Globo, "Fagner: festa de pra<;;a e altas produ<;;6es". - 1 6.4. 1977, 0 Globo, "0 disco centenario", Ana Helena.

- 28.4. 1 977, Folha de S. Paulo, "Disco, urn mercado em crise", Joao Marcos Coelho, "Nas lojas: disco ou bacalhau?", Paulo Moreira Leite, e "No Rio, Hermeto diz adeus as gravadoras", Daniel dos Santos.

- 25.5. 1977, �ja, ·�van<;;o e recuo", Tarik de Souza. - 29.7. 1 977, Folha de S. Paulo, "Discos e fitas vendem o dobra em cinco anos",

J. M. C.

- 1 3.8.1 977, 0 Estado de S. Paulo, "Lei preve prote<;;ao a musica nacional" . - 16.8. 1 977,Jomal da Tarde, s/ tftulo, Mauricio Kubrusly, e "Em defesa da musica

nacional?" .

- 8 .9.1977, 0 Globo, "Fagner: ponta de lan<;;a de uma gera<;;iio que veio para brigar", Ana Maria Bahiana.

- 2. 10 . 1977, 0 Estado de S. Paulo, '"Eldorado', o mais novo selo da musica bra­sileira".

- 1 1 . 1 0. 1 977, Ultima Hora, "0 homem do cosmos e da Warner conta as seus se-gredos de fabricante de fdolos", Vivian Wiler.

- 21 . 10 . 1977,jomal da Tarde, "Urn novo som, nos sulcos do disco-mix". - 19. 1 1 . 1977, Jomal do Brasil, "Mercado do disco do Brasil e 5% da Warner, que

quer 8% em 1978".

- 25 . 12 . 1977, Folha de S. Paulo, "Cantor nacional da mais lucro as multis", Vicen-te Dianezi Filho.

- 1977, Sino Azul, "Na trilha sonora da grava<;;ao musical". - FEV./1978, Ele e Eta, ·�ndre Midani", Joao Luiz de Albuquerque. - 25.2 . 1978, /omal do Brasil, "Os piratas dos mares (tao navegados) do disco",

Emflia Silveira. - 1 .5 . 1978, Vtsao, "Grave denuncia".

- 2.7.1978, Folha de S. Paulo (Folhetim), ·� famflia transnordestina", Mauricio Kubrusly.

- 13.7. 1978,jomal do Brasil, "Discos: o verso e o reverso de urn mercado dissonan­te", Carolina Andrade e Sonia Maria Teixeira.

230

ANEXO: MATERIAL DE !MPRENSA

- 1 6.7. 1 978,/omal do Brasil (Revista de Domingo) , "Capitol : a mais nova grava­dora independente no mercado brasileiro".

- 2.8 . 1 978, lsto E, "0 'Volksdisco' e uma for<;;a" , Mauricio Kubrusly. - 1 2.8 . 1 978,/omal do Brasil, "Tres seculos de grandes autores e grandes interpre-

tes", Jose Neumanne Pinto. - 2.9. 1 978, 0 Estado de S. Paulo, "Grava-se a grande musica do Brasil" . - 27.9 . 1 978, Folha de S. Paulo, ''A gravadora tira as novidades do forno, para con-

sumo rapido", D. S. - 9. 10 . 1978,/omal do Brasil, s/ tftulo. - 25. 1 1 . 1 978, 0 Estado de S. Paulo, "Gravadoras na guerra do disco", Adones de

Oliveira. - 30. 1 1 . 1 978, 0 Estado de S. Paulo, '�ssocia<;;ao, o remedio contra falencias das

loj as de discos". - 18.3 . 1979, Folha de S. Paulo, "Disco, urn produto cada vez mais caro", Sarah

Cristina Coelho.

- 1 6.7. 1 979,/omal do Brasil, "Elepes, compactos, cassetes. U m neg6cio com plica-do mas muito rendoso", Cleusa Maria.

- 25.7. 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "A 'economia de guerra' chega ao disco" . - 1 .8 . 1 979,/omal do Brasil, "Sem petr6leo e vinil , menos discos na pra<;;a" . - 3.8. 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "MPB no radio e na televisao, apela ministro". - 23.8. 1979, Folha de S. Paulo, "Musica viva, o sam mais bela depois do silencio",

J oao Marcos Coelho . - 23.8 . 1 979,/omal da Tarde, "A gravadora alema de Egberta Gismonti, agora no

Brasil", Armando Aflalo. - 25.8. 1979, 0 Estado de S. Paulo, "No mercado, d iscos da ECM alema", Z. H. M. - 2.9. 1 979, Folha de S. Paulo, "Fagner, em paz com Cecfl i a Meireles", I sa Cam-

bara . - 9.9. 1 979,/omal do Brasil, "Disco: crise e progresso de uma industria", Tarik de

Souza. - 12 .9 . 1 979, 0 Estado de S. Paulo, " Empresarios do disco na !uta contra a 'p i­

rataria "' .

- 13 .9 . 1979, 0 Globo, "Os industriais do disco estao reunidos. Para declarar guer-ra aos piratas" .

- 16 .9 . 1979, 0 Estado de S. Paulo, "Para com bater as grava<;;6es 'pirata'". - 1 7.9.1 979,/omal do Brasil, "Discos e fitas: alguns problemas e pre<;;os mais altos" . - 19.9 . 1979, lsto E, "0 mercado se retrai e os piratas atacam", Joao Luiz de Albu-

querque . - 19 .9 . 1979, Veja, ·� vez da cigarra" . -4 . 1 0 . 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "Trofeu Villa-Lobos 78 para melhores do disco". - 28. 1 0. 1 979, Folha de S. Paulo (Folhetim nQ 1 4 5 : Os a nos 70, musica popular) .

Page 116: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

� 3 . 1 ! . 1979, 0 Clabo, "Fagner Iota o Teatro Carlos Gomes: sucesso e emprego. Coerencia e trabalho", Antonio Chrys6stomo.

� 26. 1 2 . ! 979, Folha de S. Paulo, "Mercado fonogriifico no Brasil teve crescimento medio de 12%", Enio Squeff.

� 29. 1 2 . 1 979,/ornal da Republica, "Urn a novidade agita o Baixo Leblon", Tiirik de Souza.

� 27. ! . 1 980, Jornal do Brasil (Revista de Domingo), "Discos, mercado crescente que ninguem explica", Ana Maria Bahiana.

Capitulo 2

� 12 .7 . 196 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Orgao estatal para direitos autorais". � 15 .8 . 1961 , 0 Estado de S. Paulo, "Direitos autorais". � 30.6 . 1 966, jornal da Tarde, "Musicos vao ter ordem na cobran�a do direito". � 12 . 1 J . l 966, Jornal do Brasil, "Em fase final de conclusao C6digo do Direito do

Au tor". � 18 .4 . 1 968, 0 Estado de S. Paulo, "Camara ouve F. Cavalcanti". � 22. 5. 1 968, Ultima Hora, "0 direito autoral", Nelson Motta. � 5.6. 1 968, 0 Estado de S. Paulo, "Compositor faz denuncia". � 1 4 .6. 1968, 0 Estado de S. Paulo, "Musico do Rio faz pesadas acusa«5es" . � 25.3.1 969, 0 Estado de S. Paulo, "Revisao atingirii todos os c6digos". � 1 7 .5 . 1 969, Jornal do Brasil, "C6digo de Direitos do Autor recebe aplausos e cri-

ticas". � 22 . 1 0. 1969, 0 Estado de S. Paulo, "Musica em cinema vai pagar impasto". � 25.6 . 1 970, 0 Estado de S. Paulo, "Medida protege o autor musical". � 1 2 .7 . 1 970, 0 Estado de S. Paulo, s/ titulo. � 24 .7 . 1 970, 0 Estado de S. Paulo, "Todo esfor«o resulta inutil". � 4.9 . 1 970, 0 Estado de S. Paulo, '�utoral terii logo nova lei". � 22. 1 0. 1971 , Diario de Noticias, "Comissao reve na Cimara as leis do direito de

autor" . � 29 . 10 . 1 97 1 , 0 Clabo, "Brasil no acordo para acabar com a 'mafia' do disco". � ! . 1 2 . 1 97 1 , Veja, "Quanto pagar, e a quem?" . � 2 1 . ! 2 . 1 97 1 , /ornal do Brasil, "Uso indevido", Julio Hungria. � 28. 1 2 . 1 97 1 ,/ornal do Brasil, "Uso indevido (II)", Julio Hungria. � ! .2 . 1 972, ]ornal do Brasil, "0 velho direito autoral", Julio Hungria. � 1 2 .4. 1 972, Veja, ·� incerta autoria". � 1 .8 . 1 972,/ornal do Brasil, "Sociedades arrecadadoras dos direitos autorais tentam

reduzir sonega�ao".

232

ANEXO: MATERIAL DE IMPRENSA

� 7.8. 1 972, Ultima Hora, "Carta que fala bern do direito autoral". � 1 0 .9 . 1 972, 0 Estado de S. Paulo, "Entidade de direito autoral". � 29 . 1 0 . 1972,/ornal do Brasil, "Direito autoral de musicos ainda e desrespeitado",

Nilo Sergio. � 28.5 . ! 973, Vzsao, "Direitos & duvidas". � 9.9 . 1 973, 0 Estado de S. Paulo, "Movimento defende direito autoral". � 28. 10 . 1973, 0 Estado de S. Paulo, "Direitos autorais: emendas ate sexta". � 8. 1 ! . ! 973, 0 Clabo, "Projeto de direitos autorais continua recebendo emendas". � 1 0. 1 ! . 1973, Didrio de Noticias, "Congresso aprova direitos autorais". � 1 0. 1 ! . 1 973, Folha de S. Paulo, "Onde ficam as gravadoras no novo C6digo do

Autor?" . � !3 . 1 ! . 1 973, 0 Clabo, "Tramite do projeto". � 1 4 . 1 1 . ! 973, 0 Estado deS. Paulo, "Seminiirio critica c6digo autoral". � 1 5 . 1 ! . ! 973, 0 Clabo, "De 1 7 10 , na lnglaterra, a 1 830, no Brasil". � 23.1 ! . !973, 0 Globo, "Congresso Nacional aprova projeto sobre direitos autorais". � 2. 12 . 1973, 0 Clabo, s/ titulo. � 1 2 . 1 2 . 1 973,/ornal do Brasil, "Brasil pensa unificar lei do autor". � 20 . 1 2 . ! 973, 0 Clabo, "Mensagem explica ao Congresso Nacional motivos de

2 vetos". � 3 . ! . ! 974, 0 Estado de S. Paulo, s/ titulo. � 1 2 . ! . 1 974, Jornal do Brasil, "Gravadora fantasm a e denunciada". � 9 .5 . 1974,/ornal do Brasil, "Projeto permite controle sobre os discos vendidos". � 9 .5 . 1974, 0 Clabo, "Discos gravados teriio controle". � 1 1 .5 . 1 974, Jornal da Tarde, "Recome«a a briga dos artistas por seus direitos",

Fernando Sombra. � 24 .5 . 1 974, Folha de S. Paulo, "0 mercado ilicito do disco", Walter Silva. � 27.5. 1 974,Jornal do Brasil, "Montoro diz que gravadoras tentam evitar numera­

«iio de etiquetas de discos". � 28 .5 . ! 974, 0 Estado de S. Paulo, "Projeto numera discos". � 28.5 . 1 974, 0 Globo, '�dvogado de S. Paulo considera inviavel numera«iio de

discos". � 29.5 . 1 974,Jornal da Tarde, "0 segundo round de uma !uta". � 29.5 . ! 974, 0 Estado de S. Paulo, "Defesa do disco numerado". � 1 7.6. 1 974,Jornal do Brasil, "ABI estuda regulamenta«iio do conselho que prote­

gerii o dire ito autoral no pais". � 7.7. 1 974, 0 Estado de S. Paulo, "Numera«iio de discos e direitos autorais", J.

Pereira. � 9 . 1 0 . 1974, Didrio de Noticias, "Elmano an uncia mais rigor na fiscaliza«iio". � 7.! 1 . 1 974,Jornal do Brasil, "Direito do autor podera ter tribunal". � 1 ! . 1 1 . ! 974, Folha de S. Paulo, "6rgao fiscalizador para direito autoral".

233

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

- 2. I2 . I 974,fornal do Brasil, "Ex�ministro ajuda compositores". - 1 6. 12 . 1 974,/ornal do Brasil, "Musica sem direitos".

- I 7. I 2 . I974,Jornal do Brasil, "Conselho do Autor teni IO membros". - 28. I 2 . I 974,Jornal do Brasil, "Compositores processam a Sicam" .

- l . I . I 975, Folha de S. Paulo, "Compositores reunem-se para criar a Sombras", Nilton Caparelli.

- I 0. I. I 975,/ornal do Brasil, "Grava�;6es clandestinas de fitas magneticas sonegam Cr$ 20 milhoes de impostos".

- I 5 . I . I 975, Folha deS. Paulo, "Compositores iniciam a�ao contra Sicam". - 30. l . I 975, Ultima Hora, "Como defender o espoliado artista brasileiro". - FEV./I975, Revista de Direito Autoral, "Os caminhos e descaminhos do direito

autoral". - 6.2 . 1975,/ornal da Tarde, "Urn a resposta para as velhas queixas dos musicos". - 9.3 . I 975, 0 Clabo, ''A gloria e o esgoto do mundo milionario do disco", Nelson

Motta. - I9.3 . I 975, fornal do Brasil, "Sombras. Enfim, livres para cantar", Maria Lucia

Rangel. - 26.3. I 975, T1?ja, "Musicos unidos". - 28.3 . ! 975, 0 Clobo, "Denunciada cobran�a irregular de direito auroral em

Goicls". - 4.4. I975, 0 Clabo, ''Aprovada conven�;ao da entidade que protege propriedade

intelectual". - 1 .5 . I975, 0 Estado de S. Paulo, "Cantores pedem o cumprimento de lei" . - I 8.5 . !975, 0 Estado de S. Paulo, "Musico brasileiro, urn artista em busca de seus

direitos", Enio Squef£ - 1 4.6. 1975, 0 Estado de S. Paulo, "Direito do au tor sera regulamentado". - 29.7.!975,]ornal da Tarde, "Hit parade, urn a seria questa a de pesquisa". - 20.8. 1 975, 0 Estado de S. Paulo, "0 direito autoral sera controlado". - 2 1 .8.1975, 0 Estado de S. Paulo, "ldentificar entidades arrecadadoras ilegais o

objetivo da censura". - 1 2.9. 1 975,]ornal do Brasil, "Senador pede 6rgao para compositores". - 1 6.9. 1 975, 0 Clabo, ''Assinado decreto que regula Conselho de Direito Autoral". - 25.9. I 975,Jornal do Brasil, "Quem arrecada nao quer conselho; quer arrecadar",

Sidnei Rocha. - 28.9. 1 975,]ornal do Brasil, "Senado da prote�;ao a artistas". - 28.9. 1 975, 0 Estado de S. Paulo, "Comissao do Sen ado vota 4•-feira a numera�;ao

de disco".

- 8 . 10 . 1975, 0 Estado de S. Paulo, "Comissao aprova a numera�;ao de disco". - 8. 10. 1 975, 0 Clabo, "Comissao aprova selo de controle para disco e fita cassete". - 1 2 . 1 0. 1 975, 0 Clabo, "Compositores aplaudem ideia do selo no disco".

234

ANEXO: MATERIAL DE !MPRENSA

- 24. IO . I975, Ultima Hora, "Rebeliao dos compositores", Regina Coelho. - 26. 1 0. 1975,/ornal do Brasil, "A I uta auroral" . - 8.1 I . I975, 0 Estado de S. Paulo, "Numera�ao de disco aprovada na Comissao de

Justi�a do Senado". - I 4. I ! . 1975,/ornal do Brasil, "Show da Sombras. A vez do gato, antes que o rata

chegue", Emilia Silveira. - 2 ! . 1 1 . 1975, 0 Estado de S. Paulo, "Produtores contra a numera�ao de discos". - 2 l . I l . I975, 0 Pasquim, "Entrevista com o pessoal da Sombras. Luz, mais luz

para OS musicos". - 23. I I . I975, 0 Clabo, "CNDA tera representantes de auto res e de musicos". - 26. 1 l . I 975, 0 Estado de S. Paulo, "Cassada empresa de direito autoral". - 28 . I 1 . 1975, 0 Clobo, "MEC podera controlar verbas do Fundo do Direito Au-

tara!" . - 30. 1 1 . 1 975,/ornal do Brasil, "Sicam: elei�6es". - I 8. 1 2 . 1 975, Ultima Hora, "Funcionamento de arrecadadoras, 'misterio' para

quem faz musica". - 2 1 . 1 2 . I 975, 0 Estado de S. Paulo, "Numera�ao de discos", J. Pereira. - 29. I 2 . 1 975, Jornal do Brasil, "Ney submete a Geisel names para Conselho de

Direito Autoral". - 2 . 1 . 1 976,/ornal do Brasil, "Show da Sombras. Antes de tudo, a boca no trombo-

ne", Emflia Silveira. - I0. 1 . 1 976, Diario de Notfcias, "Direito autoral: o !ado oficial e o !ado verdadeiro". - !3. l . I976, Didrio de S. Paulo, "Names indicados para o Conselho de Autores". - I7 . ! . 1 976, 0 Clabo, "Musicos criticam nomea�;ao para o Conselho de Direito

Auroral". - 4.2.I 976, 0 Estado de S. Paulo, "Formado Conselho de Direito Auroral". - 5.2. 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Autores nao tern restri�;oes a composi�;ao do

Conselho". - 5.2 . I 976, 0 Clobo, "Roberto Carlos acha que pode fazer muito pelos com-

positores" . - I9.2. I976,]ornal da Tarde, ''A defesa oficial do autor brasileiro". - I9.2 . I976, 0 Estado de S. Paulo, "Ney da posse ao Conselho do Autor". - I 9.2. ! 976, 0 Clobo, ''A primeira batalha do direito autoral " , Joana Angelica. - I9 .2 . I 976, 0 Clobo, "Ney Braga empossa em Brasflia o Conselho de Direito

Autoral". - 22.2 . 1 976,]ornal do Brasil, ''A !uta autoral". - 27.2 . I 976, fornal da Tarde, "Tom, Chico, Gil se reunem. E nao sai nenhum

samba", Maria Celia. - 9.3 . 1976, 0 Estado de S. Paulo, ''Artistas denunciam 'coa�ao economica"' . - I2.3 . I976, 0 Estado de S. Paulo, ''As arrecadadoras de direito autoral vao perder

fun�oes".

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INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

- 2 .4 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Grava<;iies pod em ser numeradas". - 2.4. 1 976, 0 Pasquim, "Roberto Carlos no CNDA: 'E que tudo mais va pro infer-

no'", Tarik de Souza. - 8.4 . 1 976, Folha de S. Paulo, ''Autores vao receber ate 85 por cento". - 9.4 . 1976, 0 Estado de S. Paulo, "Direito autoral renova sistema de arrecada<;ao". - 1 0.4. 1 976, Ultima Hora , "Aten<;ao senhores piratas de fitas. A policia vern af",

Angela Lemos. - 1 1 .4 . 1 976, Jornal do Brasil, "Luta autoral". - 2 1 .4. 1 976, 0 Estado de S. Paulo, ''A nova resolu<;ao do direito autoral". - 3 . 5 . 1 976, Jamal do Brasil, ''A discreta senten<;a de morte das arrecadadoras",

Tarik de Souza. - 3 . 5 . 1 976, Visao, "Direito autoral, urn problema que nao e s6 dos composi-

tores". - 4.5. 1 976, jornal da Tarde, "Uma esperan<;a para os compositores?". - 6.5 . 1 976, Folha de S. Paulo, "No Rio, pouco interesse pelo direito autoral". - 1 2 . 5 . 1 976, Jornal do Brasil, "Serpro vai cadastrar grava<;oes". - 13 .5 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "MEC cadastra obras para garantir direitos". - 23.5. 1 976, 0 Clabo, "Lojas acham ilegal cobrar direitos pelo radio ligado". - 28.5. 1 976, Folha de S. Paulo, "Fara contra competencia do CNDA". - 2.6 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Editores ignoram o CNDA" . - 1 6.6 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Recep<;ao e isenta de taxas autorais". - 1 7.6 . 1 976, 0 Clabo, "Sindicato: lojistas podem tocar radio sem temer taxas". - 1 8.6. 1 976, 0 Clabo, "Compositor lembra ao comercio: - Radio ligado nao

paga taxa". - 1 9.6 . 1 976, 0 Clabo, "Lojistas devolvem multas ilegais por musica tocada". - 25.6 . 1 976, 0 Clabo, "Compositor pede mais aten<;ao para artistas". - 1 5 .7 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Conselho fiscaliza direitos autorais". - 1 8. 7. 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Braga indefere recurso". - 3 1 .7 . 1 976, 0 Clabo, "Apreendidas carteiras falsas da Sobracom pela Policia

Federal" . - 1 .8 . 1 976, Ultima Hora, "MEC vai ten tar mais uma vez moralizar o direito auro­

ral", Manoel Antonio Barroso. - 20.8 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Fundo de Direito Autoral vai regular ate o

domfnio publico". - 4.9. 1 976, Jamal do Brasil, "Defesa do Consumidor pede inquerito federal para

apurar delitos da Sabem". - 4.9 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "CNDA come<;a a operar". - 9.9. 1 976, Folha de S. Paulo, "Maior prote<;ao para compositor brasileiro". - 9.9. 1 976, Jamal do Brasil, "Governo institui em 77 o sistema de arrecada<;ao de

direitos do autor musical".

236

ANEXO: MATERIAL DE IMPRENSA

- 1 0.9 . 1 976, Folha de S. Paulo, "Nova sugestao em favor dos direitos autorais". - 1 0.9. 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Conselho cobra das entidades execu<;ao de di-

reitos autorais". - 1 2.9 . 1 976, Jomal do Brasil, ''Arte e poder", Tarik de Souza. - 1 2.9 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, ''Arrecadadoras nao aceitam o Ecad". - 1 6.9 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, ''Arrecadadoras podem sofrer interven<;ao ou ate

fechamento". - 1 7.9 . 1 976, Jornal do Brasil, "Direito autoral" . - 1 7.9. 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Comissao aprova a numera<;ao de discos". - 19 .9 . 1 976, jomal do Brasil, ''Arte e poder", Tarik de Souza. - 22.9. 1 976, Folha de S. Paulo, "Normas para registro de obras intelectuais". - 22.9. 1 976,Jornal do Brasil, "Socinpro vai ao MEC ver direito". - 3. 1 0. 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Musicos reagem e assumem a !uta pelos direitos

autorais", Wagner Carelli. - 9. 1 0. 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "CNDA desaprova pedidos". - 23. 1 0. 1 976, 0 Estat£o de S. Paulo, "Governo cassa sociedade". - 29. 1 0 . 1 976, Folha de S. Paulo, "Mudan�Sa nos direitos dos artistas nao mudara

nada", Tarso de Castro. - 2 . 1 1 . 1 976, Folha de S. Paulo, "Medo do boicote faz silenciar nosso compositor". - 28. 1 1 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Sociedades obtem vit6ria no CNDA". - 1 7. 1 2 . 1 976, Diario Oficial da Uniiio, Decreto n• 78.965, de 1 6 . 1 2 . 1 976. - 1 8 . 1 2 . 1 976, 0 Estado de S. Paulo, "Novo decreta refor'<a direitos do autor". - 3 1 . 1 2 . 1 976, 0 Clabo, Resolu�Sao n2 1 0 do CNDA, de 29. 1 2 . 1 976. - 2. 1 . 1 977, 0 Estado de S. Paulo, "Entram em vigor novas disposi�Siies sobre direi-

to autoral". - 9. l . l 977, Jornal do Brasil, ''Arte e poder", Tarik de Souza. - 1 3 . 1 . 1 977, Folha de S. Paulo, ''A quem deve ser pago o direito autoral", N. R. - 1 5 . 1 . 1 977, Folha de S. Paulo, "Estes nao vao comer do grande bolo". - 1 6. 1 . 1 977, Ultima Hora, "Sicam apela, mas os compositores estao esperando a

presta($aO de contas". - 1 8 . 1 . 1 977, Jornal do Brasil, "Ecad a partir de mar($0 recolhe para compositores

todos os direitos autorais". - 3.3. 1 977, 0 Estado de S. Paulo, "Maior taXa($aO para a musica estrangeira". - 1 1 .3 . 1 977, Folha de S. Paulo, "0 ser ou nao ser do direito autoral", Carlos Joao. - 1 7.3. 1 977, 0 Estado de S. Paulo, "Discos numerados, lei quase aprovada". - 20.3 . 1 977, Jornal do Brasil, ''Arte e poder", Tarik de Souza. - 3 1 .3 . 1 977,Jornal'do Brasil, "Direito autoral: o fim do deposito antes do show". - 2.4 . 1 977, 0 Estado de S. Paulo, "Conselho aumenta a taxa de direitos". - 9.4 . 1977, 0 Clabo, "Teatros protestam contra taxa por execu<;ao de musica",

Flavia Villas-Boas.

237

Page 119: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

IND0STRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOL6GICO

- 1 2.4. !977,/omal da Tarde, "Direito auroral: o caso dos fantasmas beneficentes". - 1 2 .4.1977, 0 Globo, "A Sombras completa dois anos. Muita !uta em defesa dos

direitos dos musicos", Tercio Santos. - 1 6.4.1977, Folha de S. Paulo, "Para receber, s6 depositando antes". - 1 6.4.!977,/omal do Brasil, "CNDA con testa taxa de musica". - 20.4. 1977, 0 Estado de S. Paulo, "Comissao aprova anteprojeto que exige nume-

ra�iio de disco". ...:. 24.4 . !977,/omal do Brasil, s/ titulo. - 26.4.1977, 0 Globo, "Em defesa dos musicos, de seus direitos rna is fundamentais

e humanos", Nelson Motta. - 29.4.1977, Dirin"o Ojicial, Resolu�ao nQ 7 do CNDA, de 1 5 . 1 2 . 1 976. - 1 .5 . 1977,/omal do Brasil, "Os primeiros resultados da equa�ao auroral" . - 8.5 . 1 977,/omal do Brasil, "A !uta autoral". - 12.5. 1 977, 0 Estado de S. Paulo, "Projeto dispensa pagamento de obra cafda em

domfnio publico". - 14.5. 1977,/omal do Brasil, "Direito autoral: o computador a servi�o dos compo-

sitores (ou das sociedades?)", Ricardo Pedreira. - 15.5 . !977,/omal do Brasil, s/ titulo. - 8.7. 1 977,/omal da Tarde, "Uma nova resolu�ao para o direito autoral". - 1 6.7.! 977,/omal do Brasil, ':.\. !uta auroral", Tarik de Souza. - 1 8.7. 1977, 0 Globo, "Obras de domfnio publico nao pagam direito autoral". - 20.7. 1977, 0 Estado de S. Paulo, "Domfriio publico nao sera mais tributado" . - 23.7.1977,/omal do Brasil, " 0 problema do domfnio publico". - 3 .8 . 1 977, Folha de S. Paulo, "Outro au tor sem direitos", Dirceu Soares. - 6.8.1977,/omal do Brasil, "Explicado esta", Tarik de Souza. ' - 1 6.8. 1977,jomal da Tarde, ':.\utores: a nova l ei e falha diz o deputado". - 1 6.8:1977, 0 Estado de S. Paulo, "Deputado ve erros no direito do autor". - 1 9.8. 1 977, Ultima Hora, "Direito auroral preocupa compositor". - 29.8.1977,/omal do Brasil, "Compositor acusa o Ecad de reter direitos autorais". - 1 0.9. 1 977, Ultima Hora, "Urn cantor na !uta pelos direitos autorais", Paulo

Macedo. - 13.9. 1 977, fornal do Brasil, "Conselho de Direito Autoral se diz sabotado pela

a�ao de sociedades arrecadadoras". - 9. 1 1 . 1 977, Ultima Hora, "Urn campeiio do direito auroral", Rita Tristao. - 1 1 . 1 1 . 1977,/ornal do Brasil, "Cornpositores se consideram roubados por avalia-

�ao de musicas no Rio e em Sao Paulo". - 24. 1 1 . 1 977, /ornal do Brasil, "Sbacern acusa MEC de s6 pagar direito auroral a

minoria que faz sucesso". - 25.1 I . 1977,/ornal do Brasil, "Musica ambiental sera taxada". - 9. 12 . 1977, 0 Estado de S. Paulo, ':.\utores de 'jingles' receberao direitos".

238

ANEXO: MATERIAL D E IMPRENSA

- 1 5 . 1 2 . 1 977, 0 Globo, "Ciubes nao pagariio direito autoral ate unificarem pre�os".

- 1 8. 1 2 . 1 977, 0 Estado de S. Paulo, "Compositores denunciam corrup�iio no ECAD".

- 21 . 12 . 1977, 0 Globo, "Compositor faz den uncia contra as sociedades arrecada­doras".

- 9. 1 . 1978, Didn"o Popular, "Sornbras, uma entidade a servi�o da musica brasileira", Sflvia Penteado .

- 1 1 . 1 . 1 978, 0 Estado de S. Paulo, "Come�a discussiio envolvendo direitos autorais no carnaval".

- 13 . 1 . 1 978, 0 Estado de S. Paulo, "Justi�a poder:i ser favoravel ao Ecad". - 20. 1 . 1978, Folha de S. Paulo, "Eiis preside nova sociedade arrecadadora". - 2 1 . 1 . 1978, Jornal do Brasil, "Direito autoral : Ecad se defende e culpa o

CNDA". - 26. ! . 1 978, /ornal da Tarde, "Enfim, uma perspectiva para o musico brasileiro:

receber os direitos". - 26. 1 . 1 978, 0 Estado de S. Paulo, "Ecad vai garantir direitos no carnava]". - 27. 1 . 1 978, Jornal da Tarde, ':.\ssim vai ao ministro. Para falar de direitos de

execu<;iio". - 27. 1 . 1 978,/ornal do Brasil, ':.\rtistas debatem com Ney Braga direitos autorais de

execu<;iio para musicos". - 28. 1 . 1 978, 0 Estado de S. Paulo, ':.\. !uta pelos d ireitos". -30 . 1 . 1978, Folha de S. Paulo, "Ministro promete apoiar entidade dos musicos". - 1 .2 . 1978, 0 Estado de S. Paulo, "Paulistur promete pagar os direitos". - 1 2.2 . 1 978, /ornal da Tarde, "Os musicos ainda reclamam. Pelo pagamento dos

direitos". - 25.2 . 1978, /ornal do Brasil, "Os piratas dos mares (tao navegados) do disco",

Emflia Silveira. - 1 0.3. 1978, 0 Estado de S. Paulo, "Musico cria entidade para defender-se". - 1 5.3. 1978,/ornal do Brasil, "Musicos vencem na Justi�a". - 1 6.3. 1978, 0 Estado de S. Paulo, "Tribunal contrario a reso!U<;ao do CNDA".

- 25.3.1 978,/ornal do Brasil, "Sicam reline compositores no Luna Bar". - 1 .4 . 1978, Folha de S. Paulo, "Compositores lutam pelos seus direitos", Sergio

Pinto de Almeida. - 1 .4 . 1978, Tribuna da lmprensa, ':.\rtistas estranham as elei�oes e denunciam irre­

gularidades na Sicam". - 2.4. 1 978, 0 Estado de S. Paulo, "Oposi<;iio tentara mudar as regras do jogo na

'SICAM"'. - 3.4 . 1978,/ornal da Tarde, "Hoje e dia de elei�ao na Sicam. Sao tres chapas para

concorrer com a situa�iio" . - 7.4. 1 978, 0 Globo, "Artista vai poder romper contrato com gravadoras".

Page 120: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

- 22.4 . 1 978, 0 Estado de S. Paulo, "Criada a 'Assim', para a defesa do interprete musical".

- 24.4. 1 978, Tribuna da Imprensa, "0 direito autoral como fonte de controle do pensamento", Oswaldino Lopes.

- 27.9 . 1 978, Jornal do Brasil, "Ciubes recebem nova tabela para pagamento de direito auto raJ com varias op�6es".

- 28.9. 1 978, 0 Estado de S. Paulo, "Dire ito autoral, nova tabela". - 2 1 . 1 1 . 1 978, 0 Estado de S. Paulo, "MEC promete solu�6es para direitos". - 2 1 . 1 1 . 1 978, 0 Clabo, "Euro revela estudo sabre arrecada�ao de direito autoral". - 1 1 . 1 2 . 1 978, Vzsao, ''A hist6ria toda, por urn autor". - 2 1 . 6 . 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "Direito auroral, problema para Portella so-

lucionar". - 8.7. 1 979, 0 Estado de S. Paulo, ''Artistas que rem participar, mas o anteprojeto ja

esta pronto". - 2.8. 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "Direito autoral: protestos" . - 12.9. 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "Empresarios do disco na I uta contra a 'pirataria'". - 13 .9 . 1 979, 0 Clabo, "Os industriais do disco estao reunidos. Para declarar guer-

ra aos piratas". - 1 6.9. 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "Para combater as grava�6es 'pirata"'. - 19.9 . 1 979, Isto E, "0 mercado se retrai e os piratas atacam", Joao Luiz de Albu-

querque. - 2 . 1 0 . 1 979 , fornal do Brasil, "Conselho defende direito autoral". - 2 . 1 0 . 1 979, 0 Clabo, "Portella empossa Costa Neto na dire�ao do CNDA". - 3 1 . 1 0 . 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "Discos: todas as capas serao feitas no Brasil". - 2 1 . 1 1 . 1 979, 0 Clabo, "Figueiredo reorganiza o Conselho de Direito Auroral". - 1 9 . 1 2 . 1 979, jornal da Tarde, "Os direitos autorais, discutidos na Justi�a". - 5.3. 1980,fornal da Tarde, "Direitos autorais: o primeiro passo da regulariza�ao". - 5.3. 1 980, 0 Estado de S. Paulq, "Direitos autorai�: Portella inicia pagamento a

artistas". - 6.3. 1 980, fornal da Tarde, "Direito autoral". - 6.3 . 1 980, 0 Estado de S. Paulo, "MEC fixa norma para direito autoral". - 6.3 . 1 980, 0 Clabo, "Portaria do MEC regula pagamento de direito autoral". - 1 6.3. 1 980, Jornal do Brasil, "MU.sicos criam comissao para decidir o que fazer

com os direitos conexos". - 19.3 . 1 980, 0 Estado de S . Paulo, "Direito auroral aplicado na TV?". - 30.S . I980,jornal do Brasil, "Herdeiro universal". - 30. 5 . 1 980, 0 Clabo, "Camara reforma controle dos direitos autorais". - 1 7. 6 . 1 980, Jornal do Brasil, "Projeto defende direito autoral". - 1 7.6. 1 980, 0 Estado de S. Paulo, "'Pirataria': prisao e multa". - 3 . 1 2 . 1 980 ,jornal do Brasil, "Direito auroral faz mudar c6digo".

240

ANEXO: MATERIAL DE IMPRENSA

- 1 1 . 1 2 . 1 980, Jamal da Tarde, "Vit6ria dos direitos autorais. E Grande Otelo chora".

- 1 1 . 1 2 . 1 980, 0 Estado de S. Paulo, ''A vit6ria dos artistas". - 1 7 . 1 2 . 1 980, 0 Estado de S. Paulo, "Uma lei mais rlgida para os crimes de 'pira-

taria'' ' . - 1 8 . 1 2 . 1 980, Folha de S. Paulo, "Presidente altera a lei dos direitos autorais". - 1 8 . 1 2 . 1 980, Jornal da Tarde, "Uma nova lei em favor dos direitos autorais". - 1 8 . 1 2 . 1 980, 0 Estado de S. Paulo, "Figueiredo sanciona lei sabre reprodu�ao

de arte". - 1 8 . 1 2 . 1 980, 0 Clabo, "Figueiredo sanciona a nova lei dos direitos autorais". - 29. 1 . 1 98 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Compositores reivindicam projeto para apo-

sentadoria". - 5.2 . 1 98 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Fitas ilegais: 'Culpados nao serao presos"'. - 20.2 . 198 1 , Jamal do Brasil, "Conselho tern norma para proteger direitos de fitas". - 20.2. 198 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Regulamentada a reprodu�ao de fonogramas". - 23.2 . 198 1 , Jornal cf.,o Brasil, "Direito autoral: a hora de saber quanta as radios e

TVs terao de pagar", Cora Ronai. - 7.3 . 1 98 1 , 0 Clabo, ''A primeira ac;ao penal ap6s a lei do direito autoral". - 12 .3 . 1 9 8 1 , Jornal da Tarde, "Direitos autorais : mais dinheiro". - 1 2 .3 . 1 98 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Direito autoral, pagamento tabelado". - 1 2.3 . 1 98 1 , 0 Clabo, "CNDA quase quadruplica direito auroral de radios e TVs". - ! 3.3 . 1 9 8 1 , jornal da Tarde, "Direitos autorais. As crfticas a nova tabela". - 13 .3 . 1 98 1 , fornal do Brasil, "Emissoras de radio lutam contra fixac;ao de taxa para

pagar direito autoral". � 13 .3 . 1 98 1 , 0 Estado de S. Paulo, ''Artistas aprovam nova taxa de direito autoral". - 14 .3 . 1 98 1 , 0 Estado de S. Paulo, ''Abert discutira a nova tabela de direito autoral". - 20.3. 1 98 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Da Abert, nova taxa". - 3.4. 1 98 1 , Jomal da Tarde, "Radio e teve: direitos autorais". - 3.4 . 198 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Direito autoral, nenhum acordo". - 8.4 . 1 9 8 1 , Jornal da Tarde, "Direitos autorais: juiz extingue a interdic;ao". - 29.4 . 1 98 1 , Jornal do Brasil, "Radio e TV pagarao 3,75% da renda a direitos

autorais". - 5 .5 . !98 1 , fornal do Brasil, "Falta de respeito", Fernando Ernesto Correa. - 19 . 5 . 1 98 1 , Jornal do Brasil, "Nova lei do direito autoral", Beatriz Bonfim. - 3 .6. 198 1 , Jornal da Tarde, "Direitos: a !uta dos artistas contra as teves" . - 4.6. 1981 ,jornal da Tarde, "Direitos autorais: artistas vao ter que esperar a decisao". - 4.6. 1981 , 0 Estado de S. Paulo, "CNDA nao julga pedido de a lterac;ao de direitos". - 4.6. 1 9 8 1 , 0 Clabo, "Direito autoral nao tern decisao". - 13 .6 . 1 98 1 , Jornal do Brasil, "Conselho de direito do autor confirma tabela do

Ecad para radiodifusao".

24 1

Page 121: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

- 13 .6 . 198 1 , 0 Estado de S. Paulo, "CNDA rejeita recurso da Abert contra tabela". - 1 8.6. 1 98 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Contra o direito autoral, o fim da musica am-

biente?" .

- 20.6. 1 98 1 , 0 Estado de S. Paulo, ''Autores e usuiirios na busca de ajustes", J . Pereira.

- 2 1 .6. 1 98 1 , /ornal do Brasil, "Bares, hoteis e restaurantes amea�am com boicote nacional a musica ao vivo e a musica-ambiente".

- 2 1 .6 . 198 1 , Revista Nacional, "Nova lei do direito autoral. No fun do, prejufzo para todos ... " , G. Marconi.

- 1 .7. 1 98 1 ,]ornal da Tarde, "Direito autoral: o ministro decide hoje". - 2 .7. 198 1 ,}ornal da Tarde, ''A tabela de direitos autorais foi suspensa. Ordem de

Ludwig". - 2.7. 198 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Ludwig suspende nova tabela de direito autoral". - 20.7. 1981 , Folha de S. Paulo, "Direito autoral busca consenso", Oswaldo Mendes. - 3 1 .7 . 198 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Direito autoral, ainda por aplicar" . - 4.8. 1 98 1 , 0 Estado de S. Paulo, "Direito autoral: nova tabela dia 1 2 " . - 2.9. 198 1 , fornal do Brasil, ''Acordo com Abert eleva em 400% arrecada�ao de di-

reitos de autor musical". - 1 1 .9 . 198I , /ornal do Brasil, "Au tor leva acordo ao ministerio". - 1 5.9. 1 98 I , }ornal da Tarde, "0 direito autoral e a denuncia de Beth Mendes". - I 6.9. 1 98 I , 0 Estado de S. Paulo, "Nova tabela de direitos e o protesto dos atores". - 2. 1 0. I 981 , 0 Estado de S .Paulo, ''Arrecadacsao de direitos recebe novas altera�oes". - 3. 10 . 198 1 , /ornal da Tarde, "Direito autoral: urn protesto contra Ludwig". - 4.2. I 982, 0 Estado de S. Paulo, "Comissao especial para estudar a distribuic;ao do

direito autoral dos musicos". - 12 .2.1982,/ornal do Brasil, ''Aten�iio, aten�ao. A todos os musicos e povo carioca". - 13 .2 . I 982, 0 Clabo, "Musicos param em protesto contra reajuste nao pago". - 1 6.2. 1 982,]ornal do Brasil, ''Atencsao m6sicos e povo carioca". - 1 7.2.1 982,Jornal do Brasil, "Musicos param ate que ganhem mais 30 por cento

por hora de gravacsao". - 1 8.2. 1982, 0 Clabo, "Musicos em greve buscam hoje acordo com gravadoras". - 19.2 . 1982, Folha de S. Paulo, "Mantida greve de m6sicos no Rio de Janeiro". - 19 .2 . 1 982, 0 Clabo, "Musicos niio fazem acordo e permanecem em greve". - 4.3 . 1982,/ornal do Brasil, "Termina greve de musicos". - 4.3 . 1 982, 0 Clabo, "Musicos voltam hoj e ao trabalho". - I 7.3. I 982,Jornal da Tarde, "Direito autoral: os atores s6 exigem a lei". - 6.5 . 1982, 0 Estado de S. Paulo, ''Artistas aderem a causa 'Amar'" . - 9.5. 1 982, 0 Estado de S. Paulo, "Direito de au tor une os artistas" , Jorge Eduardo. - 5.6. I 982, Ultima Hora, "Disco numerado: Juca Chaves compra a briga" , Mauro

Dias.

242

ANEXO: MATERIAL DE IMPRENSA

- 1 8 .6. I982 ,/ornal da Tarde, "0 direito dos musicos e coralistas".

- 1 8.6. 1 982 , /ornal do Brasil, "Ecad tambem vai recolher os direitos autorais dos

atores e radialistas".

- 1 8.6. 1 982, 0 Clobo, "CNDA cria 6rgiio para fiscalizar o pagamento de direito

autoral". - 26.I 1 . 1 982, 0 Estado de S. Paulo, "0 domfnio publico remunerado", J . Pereira. - 29.3. 1983, 0 Estado de S. Paulo, "Livreiros que rem revoga�ao de lei" .

- 27.5.1983, 0 Clabo, "Domfnio publico remunerado, dez a nos de uma polemica",

Sheila Kaplan. - 8.6. I983, Folha de S. Paulo, "Govern a quer taxa sabre obras de domfnio publico",

Cida Taiar. - I 7.6. 1 983, 0 Estado de S. Paulo, "Tributac;ao ao direito do autor", J. Pereira. - 13.9. 1 983, Gazeta Mercantil, "Lei revoga normas do direito autoral" .

_ I 4.9. 1 983, 0 Estado de S. Paulo, "Obras culturais de domfnio publico: liberdade

de uso". - I 6.9. I983, Gazeta Mercantil, "0 direito autoral tern lei publicada". _ 27.9. 1 983, 0 Estado de S. Paulo, "MEC aumenta percentagem do direito autoral ". _ I O . I I . I 984, 0 Globo, "Justicsa paulista apreende mais de 200 fitas 'piratas' de vi-

deocassetes". _ I 7. 1 . I 985, Jornal do Brasil, "Musicos do Rio ficarao em greve ate que ABPD

aceite aumento de 75% nos caches".

_ I9. 1 . 1 985, 0 Estado de S. Paulo, "Paralisacsao de musicos, ainda sem acordo".

- 2.2 . I 985, 0 Clabo, "Musicos mantem a greve por aumento com base no

INPC". - ABR./1985, Megafone, ''A greve nos estudios". - 1 0.4. 1 985,/ornal do Pais, "Musico para gravacsoes em defesa de tabela unificada". - 28.6. 1 985, Espar;o Democratico, "Continuam violacsoes a direitos do a tor" .

Cap ftulo 3

- FEV./1968, Realidade, "Disco pode custar menos ?" . - 9.6. I971 , Correia Braziliense, "Musica jovem".

- 1 0.8.1 971 , 0 fornal, s/ titulo. - 4.4. I972,Jornal da Tarde, "Sergio Ricardo: E preciso ouvir de tudo". - 1 0.6. 1 972, 0 Clobo, "Fagner: o nome do cearense que o Rio comecsa a ouvir".

- 1 5.7. 1 972, Tribuna do Ceara, "Tra�ado", Bete Dias. - 27.7 . 1972, 0 Povo, "0 sam e a poesia de Fagner", Adeodato Junior. - I . I I . I 972,Jornal do Brasil, "Raimundo Fagner". - 27.4. 1 973, 0 Jornal, "Fagner: o ultimo pau-de-arara", Jesus Rocha.

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INDUSTRIA FONOGRAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

- 2.5 . 1 973, Vt>ja , "Tiro de partida", Tarik de Souza. - 1 9.5 . 1 973, 0 Globo, "Fagner lanc;a primeiro LP com depoimento de Chico". - 2 1 .5 . 1 973, Folha de S. Paulo, "Belchior, o cantador de feira". - 3.6 . 1 973, /ornal do Brasil, "0 repert6rio vivido do cearense Fagner" . - 1 5 .6. 1 973, Jornal da Tarde, "Fagner pode ser melhor, sem essa legiao de padri-

nhos", Mauricio Kubrusly. - 2 1 .6 . 1 973 , Jornal da Tarde, "A invasao dos nordestinos, violas em punho", Mau­

ricio Kubrusly. - 1 1 .7 . 1 973, A Not{cia , "Fagner: - MPB esta em clima de expectativa para nova

explosao". - 1 7.8 . 1 973, Folha de S. Paulo, ''Artistas mudam de gravadoras", Walter Silva. � 1 4.9 . 1 973, Folha de S. Paulo, "U m show a palo seco". - 5 . 1 0. 1 973, Diario de Not{cias, "Fagner, no time do passe livre", Antoni eta

Santos. - 23.4 . 1 974, Folha de S. Paulo, "Mote e glosa de urn vaqueiro". - 30.4 . 1 974, 0 Globo, "Voltando na boa", Nelson Motta. - 6.5 . 1 974, jornal da Tarde, s/ titulo, Mauricio Kubrusly. - 1 5 . 5 . 1 974, Veja, "0 vaqueiro", Dailor Varela. - 1 5.6 . 1 974, /ornal do Commercia, "Antonio Carlos Belchior". - 24.6. 1 974, Ultima Hora, "Nordeste. Ioga. Macrobi6tica. A musica de Belchior e

tudo isso". - 1. 7. 1 974, fornal do Brasil, "Ouc;a Belchior e vibre com Marcus Vinicius", J . R.

Tinhorao. - 27.8 . 1 974, Folha de S. Paulo, "Bandeirantes e a musica popular". - 2.7 . 1 975 , Folha de S. Paulo, "Fagner, ave migrat6ria, ser universal", Regina

Penteado. - 5.7 . 1 975 , fornal da Tarde, "Voz de taquara rachada, maravilhosa", Mauricio

Kubrusly, e "Fagner mostra sua musica. Sem elitismo nem timidez". - 29. 7. 1 975, 0 Globo, "Fagner ja fez de tudo mas acha que ainda esta no comec;o". - 30. 7. 1 975, Jornal do Brasil, "Fagner: a forc;a consciente da 'ave noturna'". - 4.8 . 1975, Movimento, "Torto feito faca", Tarik de Souza. - 24.9 . 1 975, Veja, "Os andarilhos solitarios". - 26. 1 . 1 976, jornal de Musica, ''A emoc;ao de Belchior e Cia.", Caito Gomide. - 9.2 . 1 976, 0 Globo, "Belchior, o compositor: A musica s6 se completa quando

chega as pessoas", Ana Maria Bahiana. - 25.3 . 1 976, Jornal do Brasil, "Fagner, o astro vagabundo que antecipa o fim do

mundo". - 25.3 . 1 976, 0 Globo, "Fagner: 'Atras de tudo isso tern urn som muito antigo. E

meu pai cantando na varanda"', Ana Maria Bahiana. - 3 1 .3 . 1 976, Veja, "Cruamente", Tarik de Souza.

244

ANEXO: MATERIAL DE IMPRENSA

- 4 .4 . 1 976, Jornal do Brasil, "S6 pode ver o novo, se tiver olho novo", Tarik de Souza.

- 16.4 . 1 976, Opiniiio, "Fagner: 'Eu quero ser o rei da juventude"', Geraldo Eduar-do Carneiro.

- 28.5 . 1 976, Opiniiio, "Compositores da mesma safra", Ana Maria B ahiana. - 7.6 . 1 976, Folha de S. Paulo, "Belchior, urn grito maior", Walter Silva. - 1 8 .6 . 1 976, Jornal do Brasil, ''A alucinac;ao (infantil) de Belchior", J . R. Ti-

nhorao. - 2 1 .6 . 1 976, Ultima Hora , "0 fil6sofo Belchior ao alcance de todos", Ary Vas­

concelos. - 23 .6. 1 976, Veja, "0 provocador", Jose Marcio Penido e Valdir Zwetsch. - 22 .7 . 1 976, Jornal da Tarde, "Ouc;a Belchior. Discuta. Vale a pena", Mauricio

Kubrus ly, e ''Acusac;ao e defesa, pela critica" . -- 3 1 .7. 1 976, Folha de S. Paulo, "E os cearenses tornaram-se moda em 76", Rena to

de Moraes e Isa Cambara. - 8.8 . 1 976, fornal do Brasil, "0 sucesso da contradic;ao", Tarik de Souza. - 3.9 . 1 976, Ultima f.Iora, "Belchior: o artista deve ter consciencia do seu tempo",

Angela Lemos. - 9.9. 1 976,/ornal de Musica, "Belchior: Urn retrato 3 x 4", Tarik de Souza. - 1 9.9 . 1 976 0 Globo, "Discos : as diversas rotac;6es dos pre<_;os". - 23.9 . 1 976, /ornal de Musica, ''Alegria , aten<;iio, gravando: Fagner no estudio",

Aloysio Reis. - 8 . 1 0 . 1 976, Folha de S. Paulo, "Belchior: 'Canto a vida da minha gera<;iio'". - 2 1 . 1 0. 1 976, /omal de Mtisica, "Por que o disco custa tao caro?" , Aloysio Reis. -- 5 . 1 1 . 1976, 0 Fluminense, "Belchior, urn artista decidido a viver ou morrer de

mlisica" . - 8 . 1 1 . 1 976, 0 Clabo, "0 terceiro disco de Fagner esta saindo. Agora ele vai come­

c;ar tudo de novo", Ana Maria Bahiana. - I O . l l . l976,fornal do Brasil, "Raimundo Fagner: clareza no som e nas intenc;6es",

Emilia Silveira. - 1 3 . 1 1 . 1 976, Ultima Hora, "Com F se escreve forc;a, fe e Fagner", Aloysio Reis. - 1 7. 1 1 . 1 976, Vt>ja, "Estrela marginal", Eva Spitz, e "U m envolvente e festivo es-

petaculo" , A. C. - 2 . 1 2 . 1 976,Jornal de Musica, "Fagner: voz pra cantar, corda de ac;o", Aloysio Reis

e Ana Maria Bahiana. - 6. 1 2 . 1 976, jomal da Tarde, "Fagner, a estrela marginal que sempre aparece". -- 26. 1 2 . 1 976, fomal de Musica, �'Os melhores de 1 976". - 1976, iris. ·- 1 9 . 1 . 1 977, Ultima Hora, "0 inferno de Fagner" e "Lasciate ogni speranza, voi

ch'entrate ? ", Ary Vasconcellos.

245

Page 123: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGAAFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

- 2 l . l . l 977,jomal de Musica, Guia do Disco, "Fagner, 'Raimundo Fagner' (CBS) ", Aloysia Reis.

- I 6.3. !977, 0 Globo, " Fagner: festa de pra�a e altas produ�iies". - 3.4. I 977,Jomal do Brasil, "Em geral". ·

- 20.4. I 977, lsto E, '�penas urn cantor? Que nada. 0 Bel e muito mais" , Silvio Lancelotti.

- 20.4. I 977, 0 Globo, "Fagner volta com tudo". - 20.4. I977, Ti>ja, " Urn a vit6ria?".

- 26.4 . I977, 0 Globo, "Como musicos, brasileiros e cearenses. Nesta ordem", Ana Maria Bahiana.

- I .5. 1977, 0 Globo, "0 grito popular de Raimundo Fagner", Antonio Jose Mendes. - 23.5. I 977, Fatos & Fotos, ·� escalada de Fagner foi de Or6s a Nova Iorque. E sua

conclusiio e de que ha muito nordestino por ai", Isis Baiiio. - 25.5. I 977, Ti>ja, ·�van�o e recuo", Tarik de Souza. - 27.5.I 977, Ultima Hora, "Belchior: 'Nao ganhei 200 mil de luvas"', Sergio Bit-

tencourt. - 29.5 . I977,jomal do Brasil, "0 Pessoal do Ceara", Antonio Celso Souza e Silva. - I .6. I977,Aqui Sao Paulo, "0 que mudou no 'rapaz latina-americana'?", Carlos

Gouveia. - I 7.6. I 977, jornal de Musica , " Ceara, voz teimosa, canto torto", Gilmar de

Carvalho. - 30.6. 1 977, 0 Globo, ·� viagem de Belchior do sertao para California", Sergio

Cabral. - 9.7. I 977,jomal do Brasil, '�s musicas do silencio de Belchior". - I2.7.I977, 0 Globo, ':As !as mandam cartas ousadas e fotos sensuais. Mas Belchior

se nega a ser o sonhado gala", Antonio Lima. '

- I 2.7. 1 977, Ultima Hora, "Belchior: 'Cora�ao Selvagem estii fora do sistema'", Rita Tristiio.

-· I 5.7. I977,Jornal do Brasil, "Belchior: urn largo passo rumo ao trono desocupa­do", Luis Carlos Saroldi.

- 27.7. I 977, Ti>ja, "Protesto na parada", Antonio Chrys6stomo. - AGO./I 977, Jamal de Musica, ':Ao sucesso, com Belchior", Steeve Wolfenson. - 24.8.1 977, Jamal do Brasil, "Seis e Meia - Simone e Belchior: a plateia quer

novas fdolos", Mara Caballero. - 25.8. I 977, 0 Estado de S. Paulo, "Show bate recorde de publico". - 30.8.I 977, Folha de S. Paulo, "Belchior: urn chato bem-sucedido", Paulo Morei-

ra Leite. - 3 I .8 . 1 977, Folha de S. Paulo, "Belchior, no Bandeirantes". - 31 .8. I 977,Jomal da Tarde, "Belchior e seu discurso. Com acidez e violencia". - 3 1 .8. 1977, Ti>ja, "Rumo ao norte", Tarik de Souza.

246

ANEXO: MATERIAL DE IMPRENSA

- SET./I977, Jamal de Musica, Guia do Disco, "Fagner e Hermeto se unem em Or6s. As vezes transborda", Ana Maria Bahiana.

- 3.9 . 1 977, Folha de S. Paulo, "Belchior: a superstar da demagogia ? ", Jary Cardoso. - 7.9. 1 977, Ultima Hora, "Fagner lan�a a pedra rara e outras pedras menos musi-

cais", Lena Brasil. - 8.9. I 977, 0 Globo, "Fagner: ponta de lan�a de uma gera�ao que veio para brigar",

Ana Maria Bahiana. - I5.9 . 1 977,jomal do Brasil, "Universo fechado e desleixado", Maria Helena Du­

tra. - 25.9.1 977, Ultima Hora, "Briga entre Fagner e Caetano Veloso", Alfredo Herke­

nhoff. - 2 l . I O. I977, Jornal de Brasilia, "0 cantador Belchior: 'presentemente, posso me

considerar urn sujeito forte, porque apesar de muito mo�o, me sinto sao, salvo e forte"', Celso Araujo.

- 26. I O. i977, Folha de S. Paulo, "Fagner, musical e sem polemicas", Celso Marinho. - 29. 10 . 1977, Jornal da Tarde, "Finalmente, no Municipal, o show que Fagner

prometeu no ano passado". - 1 . 1 1 . 1 977, Folha de S. Paulo, "Fagner de volta ao Municipal". - 6. I I . 1 977, Folha de S. Paulo (Folhetim), ·�s panelinhas precisam acabar", Dirceu

Soares. - JAN./I 978, Jornal de Musica, "Os melhores de 77". - JAN./1 978, Hitpop, "Fagner: 'De pais dos Beatles, s6 eu! '" . - I 1 .3 . 1978, Ultima Hora, "Belchior: Minha musica e urn sfmbolo de liberdade",

Bernardo Bera. - 6.7. I 978, Folha da Tarde, "Hist6ria de urn cora�ao selvagem cearense", Leila

Reis. - 2.8. 1978, Didrio Popular, "Belchior: 'Nao tenho nada contra ser sfmbolo sexual '",

Sflvia Penteado. - 2.8. I978, Folha de S. Paulo, "'0 sensual estii nas letras"', Dirceu Soares. - 2 .8 . 1 978,/ornal da Tarde, "Belchior, urn sfmbolo sexual. Em todos os sentidos". - 2.8. 1978, Ultima Hora, "Urn rapaz bern latina-americana", Malu Maranhao. - 5.8. 1978, /omal da Tarde, "Belchior, urn sfmbolo sexual num show de frigidez",

Edmar Pereira. - 9.8. I 977, Ti>ja, "Xerox original", Regina Echeverria. - 27.8. 1978, Folha de S. Paulo (Folhetim) , "Urn candidato a eleitor", Roberto

Jardim. - 30.8. I 978,/ornal do Brasil, "Para Belchior, estii tudo bern. Em todos as sentidos",

Cleusa Maria. - 1 .9. 1978, Ultima Hora, "Belchior em todos os sentidos", Ligia Coelho. - 2.9 . 1 978, 0 Clabo, " Belchior: - Simbolo sexual ? Eu? Nem de Ionge", Ana

Maria Bahiana.

247

Page 124: Indústria Fonográfica um estudo antropológico - Rita C. L. Morelli

INDUSTRIA FONOGMFICA: UM ESTUDO ANTROPOLOGICO

- 22.9 . 1 978, ]omal da Tarde, "De sfmbolo sexual a fidelidade das rafzes nordestinas, o Pessoal do Ceara ainda rende", Wladimir Soares.

- 26.9. 1 978, ]omal do Brasil, "A sfntese de Fagner no Teresa Rachel", Diana Aragao. - 27.9. 1 978, Ultima Hora, "Fagner em tom coloquial". - 30.9 . 1 978, Manchete, "Belchior, o poeta pedestre", Ronaldo Boscoli. - 30.9. 1 978, 0 Globo, "Fagner, Album 5: Depois da loucura e da megalomania,

urn tempo de humildade", Ana Maria Bahiana. - 9 . 1 0 . 1 978,/omal do Brasil, s/ titulo. - 1 8 . 1 0 . 1 978, Folha de S. Paulo, "U m nordestino 'on the rock"', Dirceu Soares, e

"Fagner, o trabalho em grupo e a simplicidade". - 2 1 . 1 0 . 1 978, Ultima Hora, "Estrela do Norte. 'E preciso acabar com os sangues­

sugas musicais que estao por aqui'", Ricardo Radisch. - 26. 1 0. 1 978, Folha de S. Paulo, "Fagner diz por que nao canta". - 1 0. 1 1 . 1 978, FM-31, "0 cantor que alterou os pad roes no comercio da musica",

Eduardo San Martin, e "Raimundo Fagner, pela primeira vez em Porto Alegre".

- 1 0. 1 1 . 1 978, Folha da Tarde, "Hoje, Fagner did por que 'Quem viver chorara'", Osvil Lopes.

- 30. 1 1 . 1 978, 0 Estado de S. Paulo, "Associa�ao, o remedio contra falencias das lojas de discos". '

- 1 8.3. 1 979, Folha de S. Paulo, "Disco, urn produto cada vez mais caro", Sarah Cristina Coelho.

- 24.3 . 1 979, Diario de S. Paulo, "Quem ouvir, can tara", Jorge Alfredo. - 1 5.5 . 1 979, Folha de S. Paulo, "Belchior come�a tudo outra vez com Gonzaguinha". - 1 6.5. 1 979, Ultima Hora, "Qual e a sua . . . Belchior?". - 2 1 . 5 . 1 979, Folha de S. Paulo, "Fagner: 'Sou o artista mais consciente do pais"',

M. G. F.

- 9.6 . 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "Raimundo Fagner: urn novo fdolo com Iugar garantido na musica popular", Zuza Homem de Mello.

- 1 7.6. 1 979, Jamal do Brasil (Revista de Domingo) , "Fagner: 'Se Caetano quiser urn a carona no meu sucesso que venha. Eu o amo de cora�ao'", Susana Schild.

- 30.6 . 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "Segundo show de Belchior no ABC". - 5.8. 1 979, Folha de S. Paulo, "Fagner". - 1 6.8. 1 979,Jomal da Tarde, "Belchior, agora simples". - 19 .8 . 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "Belchior, urn cantador de seu tempo". - 22.8 . 1 979, Folha de S. Paulo, "Belchior jog a fora a imagem de machao", Dirceu

Soares. - 28.8 . 1 979, Ultima Hora, "Belchior: o cantor, o homem e seu tempo", Rose Es­

quenazl. - 30.8 . ! 979, /omal do Brasil, "Fagner tern discos apreendidos".

248

ANEXO: MATERIAL DE IMPRENSA

- 3 ! .8. 1979,]omal do Brasil, "Quem fica com os direitos autorais ? ", Miriam Alen-car, e "Na musica popular, o que, afinal, e de quem?", Joao Maximo.

- 3 1 .8 . 1 979, 0 Estado de S. Paulo, '�c;ao contra a Philips e a CBS" . - 2.9. 1 979, Folha de S. Paulo, "Fagner, em paz com Cecilia Meireles", !sa Cambara. - 12 . 9 . 1 979, Veja, "Dez anos atras", Joaquim Ferreira dos Santos. - 25 .9 . 1 979, Jamal da Tarde, "Fagner leva a vanguarda a TV". - 6. 1 0. 1 979, Jamal do Brasil, "Compositor nao morreu em acidente". - 1 9. 1 0. 1 979, Jamal do Brasil, "Pouca m usica e muito discurso", Maria Helena

Dutra, e '"Era uma vez urn homem e seu tempo': Belchior". - 1 9 . 1 0 . 1 979, 0 Globo, "Belchior, no show, novo LP: � musica e bagunc;a cria-

dora"', Antonio Chrys6stomo. - 20. 1 0 . 1 979, Billboard en espanol, "Nuevo movimiento musical brasilero". - 1 . 1 1 . 1 979, Ultima Hora, s/ tftulo. - 3 . 1 1 . 1 979, 0 Globo, "Fagner Iota o Teatro Carlos Gomes: Sucesso e emprego.

Coerencia e trabalho", Antonio Chrys6stomo. - 6 . 1 ! . 1 979, Jomal,da Tarde, "0 novo show de Belchior, o trovador eletronico". - 6. 1 1 . 1 979, 0 Estado de S. Paulo, "Belchior: urn show sobre o seu tempo". - 6. 1 1 . 1 979, 0 Globo, "A popularidade e a emoc;ao de Fagner", Sergio G. Saraceni. - 7. 1 1 . 1 979, Jamal do Brasil, s/ titulo. - 7. 1 1 . 1 979, 0 Dia, "Compositor reconhece que alterou versos de Cecilia". - 7. 1 1 . 1 979, 0 Globo, "Fagner admite uso indevido de poema de Cecilia Meireles". - 7 . 1 1 . 1 979, Ultima Hora, "Fagner reconhece que usou Cecilia". - 1 8. 1 1 . 1 979, Revista Nacional, "Fagner: urn lampiao moderno enfrentando todas

as contradi�oes da vida", Ana Davis. - 28 . 1 1 . 1 979, Ultima Hora, " 'Vanguarda' de Fagner tambem e novidade no 7". - 2 . 1 2 . 1 979,]omal do Brasil, "Fagner extrai seu soro com dois amigos", Ana Maria

Bahiana. - 2 . 1 2 . 1 979, /ornal do Brasil, "0 som nosso de cada dia", Tarik de Souza, e "Urn

festival pouco representative", Paulo Maia. - 9. 1 2 . 1979, Revista Nacional, "Urn soro que satisfaz a cuca e ao corac;ao", Ana Davis. - 1 0 . 1 2 . 1 979, Folha de S. Paulo, "Os vencedores do Festival Tupi", D. S. - 1 1 . ! 2 . 1 979,fornal do Brasil, "Dominguinhos, Fagner e Manduka: a eles, os aplau-

sos do 'publico selvagem"', Deborah Dumar. - 1 6 . 1 2 . 1 979, Revista Nacional, "Elis Regina faz mais uma das suas", Ana Davis. - 1 9 . 1 2 . 1 979, Veja, "0 vencedor". - 30 . 1 2 . 1 979, Revista Nacional, "Ja estao querendo o Iugar de Fagner", Ana Davis. - 1 4.6. 1 980, Fatos & Fotos, "Por dentro da TV", Hildegard Angel, e "Fagner sen-

sacional". - 6.7. 1 986, Jornal do Brasil (Revista de Domingo) , "Os artistas da capa", Lucia

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249

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