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PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO SECRETARIA MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO SUBSECRETARIA DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONCURSO DE MONOGRAFIA TEMA: INOVAÇÕES NA GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO PRÊMIO CARLOS LACERDA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE: A IMPORTÂNCIA DO POSTO DE ORIENTAÇÃO URBANÍSTICA E SOCIAL NA MANUTENÇÃO DO PROGRAMA FAVELA-BAIRRO POR: YACAMIM HANA TUPI RIO DE JANEIRO OUTUBRO/2007

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PR E F E I T U RA D A C I D A D E D O R I O D E J A NE I RO

S ECRETAR IA MUN I C I PAL DE ADM IN I S TRAÇÃO

SUBSECRETARIA DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CONCURSO DE MONOGRAFIA

TEMA: INOVAÇÕES NA GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

PRÊMIO CARLOS LACERDA

GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE:

A IMPORTÂNCIA DO POSTO DE ORIENTAÇÃO URBANÍSTICA E SOCIAL

NA MANUTENÇÃO DO PROGRAMA FAVELA-BAIRRO

POR: YACAMIM HANA TUPI

RIO DE JANEIRO

OUTUBRO/2007

i

RESUMO

Esta monografia trata da aplicação da boa prática de métodos e estratégias para o

planejamento de ações técnicas na esfera pública municipal, especificamente, no

trabalho realizado no Posto de Orientação Urbanística e Social1 - POUSO - da

Secretaria Municipal de Urbanismo.

Na verdade, trata-se de uma política pública, tendo em vista, ser um instrumento

voltado para coordenação de ações e programas públicos que trabalham

transversalmente aspectos políticos, jurídicos, ambientais, urbanísticos e sociais, de

forma que resulte em compromisso público entre o Estado e a sociedade, objetivando

modificar uma situação em uma área especificam promovendo a eqüidade.

O trabalho se debruça sobre a experiência empreendedora realizada no POUSO

que apresenta em sua dinâmica elementos de ação planejadores, pedagógicos e

integradores para a conformação de uma prática inovadora no espaço público e na

esfera pública no trato com a chamada “cidade informal”, comumente conhecida pela

denominação de Favelas.

Em função da argumentação propõe-se um referencial teórico e instrumental de

Administração Pública Municipal o que constitui num importante diferencial no trato da

esfera local a fim de subjugar a feição tradicional, caracteristicamente técnico-funcional

em prol do Novo Modelo Gerencial de Administração Pública (New Public

1 Em dezembro de 2005, o programa recebeu o Prêmio Medellín no 1º Concurso Latino-Americano e do

Caribe para a Transferência de Boas Práticas, organizado pela Fundação Hábitat Colômbia em parceria

com a Prefeitura de Medellín no Fórum Ibero-Americano e do Caribe sobre Melhores Práticas.

ii

ii

Management - NPM) mais especificamente na Gestão Orientada a Resultados –

GEOR conjugada ao projeto político e abordagem de gestão da Administração Pública

Societal.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa pautada no enfoque sistêmico com direcionamento de

natureza teórico-qualitativa, que objetiva analisar conteúdos teórico-conceituais e os

discursos dos profissionais da equipe a fim de fundamentar os procedimentos viáveis à

análise, interpretação, organização e sistematização dos dados.

No que diz respeitos aos discursos, estes foram oriundos de entrevistas realizadas

com os profissionais da área com o objetivo de subsidiar e aprofundar o entendimento

do objeto de estudo a partir da visão dos diversos saberes envolvidos, já que se trata de

uma equipe interdisciplinar.

Por conta do objetivo da investigação, o estudo expõe uma revisão de literatura,

sobretudo no entendimento da concepção de inovação e no processo de

desenvolvimento de uma política pública urbana.

Para poder discorrer o estudo sobre Inovação e Empreendedorismo na Gestão

Pública Municipal, baseei-me em REZENDE E CASTOR (2006), MAÑAS (1993) e FARAH

(2006) que apontaram a base conceitual necessária para entender a inovação enquanto

iniciativa na esfera local para o enfrentamento dos problemas de interesse público

requerendo um enfrentamento que ultrapasse a capacidade de ação isolada do Estado.

CASTRO (1999) e SOUZA (2000) foram o respaldo intenso no percorrer de toda a

monografia, por analisar com muita propriedade o processo democrático e participativo

de trabalho no interior das favelas enquanto caráter diferenciador e por isso inovador no

processo de inserção do poder público, através da operacionalização descentralizada dos

iii

Postos de Orientação Urbanístico e Social em prol da efetiva gestão urbana

democrática.

iii

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 4

CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS BÁSICOS 5

CAPÍTULO II – O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA INOVAÇÃO: O POSTO

DE ORIENTAÇÃO URBANÍSTICA E SOCIAL 8

2.1. INTRODUÇÃO 8

2.2. RECONHECIMENTO DE UM PROBLEMA 8

2.2.1. FAVELA: DE CASO DE POLÍCIA À POLÍTICA PÚBLICA 9

2.3. PLANEJANDO A ESTRATÉGIA DE SOLUÇÃO DO PROBLEMA 10

2.3.1. FASE DE IMPLANTAÇÃO: DE LOTEAMENTOS IRREGULARES AOS NOVOS BAIRROS 11

2.3.2. FASE DE ACOMPANHAMENTO: A INSERÇÃO DO POUSO 12

CAPÍTULO III - VIABILIZANDO UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA 15

3.1. INTRODUÇÃO 15

3.2. A GESTÃO DO PROCESSO DE TRABALHO 15

3.3. A RACIONALIDADE DAS DIFERENTES PARTES INTERESSADAS NA GESTÃO 17

3.3.1. POUSO NA COMUNIDADE: AÇÕES 18

3.4. PONTOS DE AVALIAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE AS LIÇÕES APRENDIDAS NOS DESAFIOS 25

CONCLUSÃO 28

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 30

ANEXOS 32

4

INTRODUÇÃO

A apreensão em torno da regularização fundiária das aglomerações subnormais -

favelas - para a real incorporação na cidade formal traz a este estudo análises e

interlocuções por conta da prática sistematizada e executada nos Postos de Orientação

Urbanística e Social nas comunidades que foram contempladas pelas ações do Programa

Favela-Bairro.

Visando desvelar o processo de trabalho enquanto resultado de várias ações e

objetivando um melhor entendimento em torno do nosso objeto de estudo, esta

monografia encontra-se dividida em três capítulos:

O primeiro configura-se em pressupostos de análises primordiais para a

compreensão da inovação enquanto um processo dinâmico de redefinição de ações e

estratégias, especificamente, no âmbito da administração pública.

O segundo situa o leitor no aporte teórico que justifica a linha de ação escolhida e da

processualidade pertinente no reconhecimento de problemas acerca do tema favela até a

conformação e implantação das estratégias em prol da sistematização das fases para o

tratamento do objeto de estudo.

O último capítulo apresenta elementos tais como a ação pedagógica e a cooperação

social que envolvem a gestão e todo o processo de trabalho realizado pelos Postos com

o objetivo de manter a urbanização e a transformação numa área municipal regularizada

inserida nos parâmetros urbanos como qualquer outro bairro formal da cidade,

propostas de intervenção do programa Favela-Bairro.

5

CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS BÁSICOS

1.1. EMPREENDEDORISMO E INOVAÇÃO: INTER-RELAÇÃO E CONCEPÇÃO

Rezende e Castor (2006) afirmam que os municípios, as prefeituras e as

organizações públicas podem ser vistas como um empreendimento. E para conquistar o

sucesso, necessita de empreendedores que de acordo com os autores, trata-se de pessoas

com diferenciais emanados de espírito empreendedor e desta forma são capazes de

oferecer soluções diferenciadas e alternativas peculiares.

A correlação do empreendedorismo com a inovação se dá tendo em vista que o

empreendedor é quem realiza, gera resultados positivos embasados em conceitos

sedimentados.

Peter Drucker define o empreendedor como sendo a pessoa que cria algo novo,

diferente, muda ou transforma valores, não restringindo o seu empreendimento a

instituições exclusivamente econômicas. É essencialmente inovador, com capacidade

para conviver com risco e incertezas envolvidas nas decisões.

Envolve ainda criação de serviços, produtos ou mercados que superam os já

existentes, com eficiência e custo reduzido, além de ser um tomador de decisões,

indivíduo com iniciativa, agressividade e faro para oportunidades, anseia para geração

de resultados e agrega valores acima do esperado no mesmo contexto sócio-político e

econômico, ainda sendo colocado com alto prestígio perante os outros envolvidos. Em

resumo, são vistos como agentes de mudanças, que identificam e criam chances, que

inovam.

Não sendo, portanto, um organizador de recursos – gerente - mas alguém voltado

para a definição de contextos (Dornelas, 2001). O empreendedor é um administrador

com visão clara dos propósitos na direção das atividades mais adaptadas aos seus

objetivos estratégicos (Rezende e Castor, 2006).

6

Essa correlação de empreendedorismo com inovação é entendida como:

“fazer ‘diferente’ com valor agregado, sem necessariamente ser novo... Neste

sentido, o município, a prefeitura ou organização pública inovadora é a que presta

um serviço ou oferece um produto com valor agregado” (Rezende e Castor, 2006).

E avaliam mais sobre o conceito de inovação, dizendo que para tal, requer processo

enquanto premissa trata-se, portanto, de uma metodologia englobando, também, a

definição de suas fases, seus produtos e seus pontos de avaliação.

Para Mañas (1993) o processo de desenvolvimento de inovação pode começar no

reconhecimento de um problema e também na exigência de solução a eles. Para que

esse processo ocorra faz-se necessário passar por alguns estágios que são: pesquisa

básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento, teste ou avaliação, fabricação ou

acondicionamento, marketing ou disseminação. E no que envolve o cidadão temos os

estágios de: tomada de consciência, identificação, ajuste, combinação (seleção); adoção

ou comprometimento; implementação e aceitação.

A inovação vem sendo associada ao propósito democratizante, por conta disto Farah

(2006:55) afirma que:

“A inovação democrática é provavelmente o aspecto mais significativo do papel

que assume, progressivamente, os governos locais. Cremos que essa obrigação

inovadora responde a três desafios diferentes: o da participação do cidadão, o da

cooperação social e o da integração das políticas urbanas”.

Jacobi e Pinho (2006) enfatizam que a inovação é um dos componentes centrais de

“experiência de gestão municipal democrática” e a dimensão democrática é componente

central da inovação em governos locais. Endossando esta colocação, Farah (2006) tece

algumas considerações sobre experiências inovadoras como sendo aquelas que:

7

“proponham uma inversão de prioridades na aplicação dos recursos públicos;

trabalhem com a participação popular; considerem as características culturais,

regionais, valorizando-as, incentivando-as e resgatando a utilização de tecnologias

populares tradicionais; otimizem os recursos públicos, preocupando-se com a

transparência administrativa e com o acesso dos cidadãos à informação;

preocupem-se com a preservação do meio ambiente e equilíbrio ecológico;

democratizem as decisões no seio do aparato administrativo; apontem um potencial

pedagógico, educativo ou organizativo; contribuam para a melhoria dos serviços

públicos e qualidade de vida.”

Desta forma, apresentaremos nos próximos capítulos uma gestão orientada tanto

para a busca da eficiência como para a busca da perspectiva social do desenvolvimento.

8

CAPÍTULO II – O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA

INOVAÇÃO: O POSTO DE ORIENTAÇÃO URBANÍSTICA E SOCIAL

2.1. INTRODUÇÃO

Ao trazer a concepção de inovação fundamentada na visão de modelo de eficiência

pautada no modelo econômico vigente, compreendemos porque a Reforma do Estado e

a passagem do modelo burocrático de administração para o modelo gerencial, envereda

para a teoria da nova gestão pública (New Publica Management –NPM) que pressupõe

aplicar nas organizações públicas os modelos de gestão da iniciativa privada e vivenciar

os conceitos de administração estratégica e de empreendedorismo, também define

princípios para possibilitar a classificação das estratégias municipais: reestruturação,

reengenharia, reinvenção, realinhamento e reconceituação (Jones & Thompson, 2000).

Somados ao exposto, nosso foco de ação está atrelado aos padrões de governança e

governabilidade evidenciados numa vertente societal voltada para uma dimensão

sociopolítica que enfatiza a participação social, a estrutura do aparelho de Estado e o

paradigma de gestão, através da gestão das demandas do público-alvo por meio de

canais viabilizadores da participação da população.

2.2. RECONHECIMENTO DE UM PROBLEMA

Em 2001, o IBGE apontava na cidade do Rio de Janeiro a existência de

aproximadamente 500 favelas, mas o Instituto Pereira Passos já contabilizava mais de

700. Essa disparidade numérica envolve divergências conceituais e encobre a

multiplicidade das questões sociais2 envolvidas no processo de favelização. Esse

processo é crescente e não poderia mais ser ignorado pelo poder público, já estava mais

2“A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão”. IAMAMOTO, Marilda Vilela & CARVALHO, Raul. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo, Cortez, 1983

9

do que na hora de tratá-lo dentro do escopo formal, é isso que provam os números e que

constata a História. É o que veremos a seguir.

2.2.1. Favela: de caso de polícia à política pública

Inserida na dinâmica do contexto urbano que indica um conjunto de casebres ou

cortiços amontoados, Abreu (1993) aponta que a primeira favela ou “favela original”

adveio com o Morro de Santo Antônio3. Esta favela conheceu o processo histórico que

acometeria o tratamento da questão social lá posta: caso de polícia, ações de remoções e

incêndios criminosos até sua total eliminação, quando o morro foi arrasado na década de

504.

Somente nos anos 60, mais especificamente no governo do egrégio Carlos Lacerda,

vislumbrou-se um projeto mais “ambicioso” de remoção com a criação dos novos

conjuntos habitacionais construídos na periferia da cidade – Vila Kennedy e Vila

Aliança. Ainda naquele período ocorreu o que Pixioline (2001) denominou de tentativa

de uma política “mais abrangente”, através da criação do Banco Nacional de Habitação,

responsável pela remoção de barracos e famílias.

No que diz respeito às experiências de remoção acentuavam-se no debate

internacional a questão da moradia e das cidades, com a realização da Primeira

Conferência Internacional do Habitat em 1976 quando estabeleceu-se que a remoção em

massa sairia da agenda das políticas habitacionais.

A conjuntura dos anos 80 vem acompanhada de um processo de abertura política e

com o fim do período militar, refletiram-se em políticas habitacionais menos

autoritárias. A partir do processo de transição democrática, as propostas de urbanização,

há tanto reivindicadas, foram incorporadas às políticas federais. Inicia-se, portanto, a

3 De uma realidade adensamento de fluxo migratório Norte-Sul, nas décadas de 1940 e 1950

10

percepção de que a favela foi um lamentável resultado do desenvolvimento industrial

somado a um crescimento urbano veloz e isento de planejamento, acrescidos a isto

temos as reiteradas tentativas de erradicá-las e que acumularam diversos pontos falhos.

Foi neste contexto que as políticas de legalização apareceram.

Sinopticamente, alcançamos a década de 90 e como abordaremos no próximo item,

inicia-se uma nova perspectiva para lidar com o fenômeno da favelização.

2.3. PLANEJANDO A ESTRATÉGIA DE SOLUÇÃO DO PROBLEMA

Em 12 de março de 1990 o prefeito Marcelo Allencar sanciona o decreto 9218 que

rege as obras existentes de construção, modificação e acréscimo em lotes, lotes de vila

ou em parcelas de lote. Com esta medida a Prefeitura visava a criação de regras

especiais de loteamento, de validade transitória de forma que simplifique os trâmites a

serem seguidos para obtenção destas legalizações, tendo em vista, os seguintes

problemas da cidade: ausência de correspondente construção de unidades

habitacionais;a existência de um grande número de obras em unidades residenciais,

executadas sem licença e a dificuldade na comercialização de imóveis devido a essa

situação de irregularidade.

Jorge Mario Jáuregui5 diz que pensar urbanisticamente a integração das favelas

implica conceber a tarefa como parte do Projeto Urbano que envolve uma estratégia de

reconquista da cidade visando sua rearticulação. Esta idéia de projeto urbano pressupõe

a formulação de uma estratégia espacial (comandada pelos projetos de estruturação

urbana) e de uma estratégia social (baseada na mobilização da população para a

participação na definição dos programas e no acompanhamento de todo o processo),

através das quais busca-se tornar as partes excluídas dos benefícios da vida urbana,

4 Ver artigo de Vaz, Lílian Fesseler e Jacques, Paola Berenstein. Pequeno histórico das favelas no Rio de Janeiro, disponível no site www.anf.org.br. Agência Nacional de Favelas.

11

ambientes favoráveis para o convívio e a inserção social. As áreas de favela abrangem

no Rio de Janeiro um terço de sua população, aproximadamente 1.500.000 de pessoas,

necessitam ser vistas enquanto Projetos Especiais que conjugam todas as escalas e

problemas característicos de um meio muito complexo como é aquele de uma

megacidade.

Estes projetos tratam de criar “pólos de centralidade” capazes de estender o efeito

urbano também para as áreas do entorno, conectando e integrando as favelas aos bairros

vizinhos.

2.3.1. Fase de Implantação: De Loteamentos Irregulares aos Novos Bairros

Tendo origem no Plano Estratégico da Cidade, o Programa Favela-Bairro coordenado

pela Secretaria Municipal de Habitação desde 1994, conta com o financiamento do

Banco Interamericano de Desenvolvimento, demonstrando que naquele momento a

administração buscou adotar uma nova política de tratamento com as favelas em

substituição aos antigos projetos.

É nesse novo trato com as favelas que se insere o Programa de Assentamento

Populacional, comumente chamado de Programa Favela-Bairro, que tem como

objetivos complementar ou construir a estrutura urbana principal (saneamento e

democratização de acessos) e oferecer condições ambientais de leitura da favela como

bairro da cidade (Cardoso, 2002), conforme o decreto no. 14.332, de 07 de janeiro de

1995. E tem como metas a integração social e a potencialização dos atributos internos

das comunidades. Na prática, isso se traduz, em absorver um milhão de habitantes que

são excluídos dos serviços urbanos em cidadãos da cidade.

5 www.jauregui.arq.br/favelas2.html

12

De acordo com Vasconcelos (2000) o Programa Favela-Bairro representa uma

tentativa ao poder público de enfrentamento de forma global da questão das favelas no

Rio de Janeiro. Como vimos a cidade convive com essa problemática há um século,

demonstrando o quanto a sociedade brasileira é capaz de marginalizar as camadas

populares em relação às riquezas produzidas. Por outro lado, essa situação evidencia

não somente a exclusão econômica, mas a exclusão política dos ‘favelados’, o que

tornou este problema de difícil solução.

2.3.2. Fase de Acompanhamento: a Inserção do POUSO

Em cada comunidade onde é implantando o Programa Favela-Bairro, instala-se uma

unidade pública descentralizada denominada de Posto de Orientação Urbanística e

Social (POUSO). Por conta de tal dinâmica temos 29 postos atuando em 60

comunidades, sendo elas: Andaraí, Jamelão, Borel, Casa Branca, Chácara do Céu,

Ladeira dos Funcionários, Parque Boas Esperança, Parque da Conquista, Parque São

Sebastião, Quita do Caju, Vila Clementa Ferreira, Canal das Taxas, Terreirão, Vila

Amizade, Grotão, Caixa d’Águara, Morro da Fé, Caracol, Paz, Sereno, Chácara de Del

Castilho, Dendé, Dique, Fernão Cardin, Floresta da Barra, Formiga, Candelária, Chalé,

Mangueira, Telégrafo, Mata Machado, Tijuaçu, Morro Azul, Morro União, Parque

Royal, Rocinha, Grota, Serrinha, Buriti, Congonhas, Faz Quem Quer, Moisés-Santana,

Morro do Sapê, São Miguel Arcanjo, Sossego, Divinéia, Três Pontes, Tuiuti, Chácara

do Céu, Vidigal, Pedra Bonita, Vila Canoas, Pereira da Silva, Vila do Céu, Vila São

Jorge, Candelária, Chalé, Mangueira, Telegráfo, Cachoeira Grande, Cachoeirinha, Cotia

13

e Santa Teresinha.

Fonte: www.rio.rj.gov.br/smu

De acordo com Tânia Castro6 o POUSO começou em 1990, mas na verdade só foi

oficializado através de decreto em 1996, no primeiro governo de César Maia, e só

passou a existir no organograma da Secretaria de Habitação em março de 1997, quando

foi criada uma nova estrutura, e o POUSO foi inserido como uma Coordenação de

Orientação e Regularização Urbanística das Áreas de Especial Interesse Social, ficando

na Secretaria de Habitação até meados de 2003 quando foi transferido para a de

Urbanismo.

Essa unidade pública de atendimento é composta por uma equipe de arquitetos ou

engenheiros e assistentes sociais e agentes comunitários que trabalham

interdisciplinarmente com o objetivo geral de orientar os moradores quanto à

preservação dos espaços públicos da comunidade e especificamente de garantir de

consolidação do novo bairro, manter dos equipamentos implantados, orientar novas

construções e controlar o crescimento das comunidades após as obras do Favela-Bairro.

Angariando também a função de se articular com órgãos que atuam no recolhimento de

lixo, instalação e manutenção da rede elétrica, fornecimento de água, tendo como

finalidade assegurar a presença dos serviços públicos nas comunidades.

Esmiuçando o objetivo do trabalho do POUSO, ele está inserido na dinâmica do

cotidiano social em fazer vigorar a legislação urbanística, orientar as novas construções

ou ampliações para evitar que sejam feitas em áreas públicas, locais de risco (encostas

de morro) e regiões protegidas por legislação ambiental (várzeas inundáveis ou

mangues), mantendo assim o alinhamento das ruas. O trabalho dos técnicos visa ainda

preservar o espaço público, livrando-o de invasões; manter o alinhamento das ruas,

6 Coordenadora da Coordenadoria de Regularização Urbanística – CRU.

14

escadarias e servidões; evitar que se construa em área de risco; controlar o crescimento

das comunidades (tanto horizontal quanto verticalmente) para que os equipamentos

implantados não se tornem insuficientes; elaboração de legislação urbanística para cada

novo bairro; reconhecimento de logradouros; planejamento local; orientação técnico-

construtiva no caso de novas construções; concessão de habite-se às unidades

habitacionais, licenciamento das novas obras, fiscalização, para que seja cumprida

legislação urbanística definida.

Estas áreas, atualmente, são tratadas pela legislação municipal através do Código de

Obras (que estabelece condições legais consideradas indispensáveis à aprovação da

construção das edificações residenciais) como Áreas de Especial Interesse Social

(favelas). 7

Vale a pena ressaltar que as chamadas Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS) ou

Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), têm por finalidade reconhecer a diversidade

de ocupações existente na cidade, de forma que permita integrar áreas tradicionalmente

marginalizadas e melhorar a qualidade de vida da população.

Então, a melhoria das condições urbanísticas e regularização fundiária têm seu ponto

de partida para um tratamento urbano, conferindo a estas áreas um plano específico de

urbanização, mediante suas características, de forma que padrões urbanísticos próprios

sejam determinados.

7 O Município do Rio de Janeiro possui dois regulamentos para construção de edificações: um voltado para as áreas de interesse estratégico (favelas) e outro que trata da cidade formal.

15

CAPÍTULO III - VIABILIZANDO UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA

3.1. INTRODUÇÃO

Para que a solução dos problemas apontados no capítulo anterior sejam efetivadas

não basta somente a atuação do poder público, o que configura um agir das pranchetas

direto para áreas de atuação caracterizando-se em puramente tecnoburocrático. Mas de

superar esta forma de intervenção visando uma adesão dos segmentos interessados

(governabilidade), tendo em vista, uma nova forma de gestão, com a ênfase no local, na

participação e na cidadania.

3.2. A GESTÃO DO PROCESSO DE TRABALHO

Para que o objetivo do trabalho seja alcançado entendemos que esse processo

encontra-se pautado em componentes estruturadores que integralizam uma cooperação

social, são eles: a comunidade, o poder público e a participação.

A partir deste tripé estabeleceu-se uma forma dinâmica para que os indivíduos sejam

engajados na ação social transformadora e que as estruturas e os mecanismos estruturais

da administração pública superem o caráter improvisador de suas ações e alcance o de

equalizador levando a uma ação gerencial transformadora que promova resultados, base

da Gestão Orientada a Resultados - GEOR.

A proposta do POUSO pauta-se exatamente em alterar as ações empíricas

distorcidas junto as áreas ditas “informais” e as engaja numa estrutura renovada de

pensar e agir com valores, atitudes e comportamentos do cotidiano.

Ao tratarmos de um processo inovador é importante refleti-lo enquanto uma gestão

estratégica que afeta a maneira de agir e pensar (racionalidade substantiva) de dirigentes

e funcionários que rebate diametralmente nas demandas e nas necessidades da

comunidade.

16

Desta forma o trabalho do POUSO tem um cunho proativo de agregar as análises

racionais de diálogo estratégicos por meio de um plano consensual sobre as prioridades

coletivas, as organizações e os compromissos.

Envolve também a questão do desenvolvimento a partir da esfera local – Gestão do

Desenvolvimento – entendendo que os processos de trabalho em âmbito local são

atividades contínuas, sistemáticas, permanente, participativo, ascendente, regionalizado,

descentralizado e integrado com os sujeitos (Costa e Cunha in Jacobi e Pinho, 2007:75)

com a participação dos sujeitos locais.

Essa participação é um exercício contínuo de poder das camadas populares, requer

estruturas de apoio próprias a esse exercício e criadas a partir dele para que aconteça de

forma organizada e ordenada a fim de que a soma dos esforços resulte no melhor

aproveitamento dos recursos disponíveis (idem:76).

O reconhecimento das características da região através de estratégias de

aproximação e inserção na comunidade são realizadas – como vermos mais adiante – e

acrescidas de um planejamento que considera as peculiaridades e o conhecimento

aprofundado das demandas localizadas.

Enquanto metodologia o trabalho é embaso no processo pedagógico que Souza

(2000) aponta como meio e instrumento de ação a partir das condições, peculiaridades

próprias da realidade de trabalho, dos objetivos a serem alcançados e das relações

pedagógicas entre o profissional e a população. Na prática torna-se um conjunto de

processos pedagógicos e meios técnicos definidos a partir da realidade comunitária e

dos seus objetivos de transformação social. Os referidos processos e meios expressam a

relação pedagógica, de troca e cooperação que se estabelece entre o profissional e a

população comunitária em função de objetivos que vão sendo estabelecidos pela

comunidade (Souza, 2000:140).

17

Aspectos operacionais, físicos da área, históricos da comunidade, equipamentos

sociais e funcionamento, econômicos e políticos, pedagógicos das ações desenvolvidas

são o eixo de sistematização exploratório que através de instrumentos e técnicas8 (vide

anexo) e articulação com as estruturas de apoio (nos remete a uma organização da força

social visando a racionalização e a ordenação dos recursos comunitários de modo a

servir melhor à população) embasam o plano de ação da realidade a ser trabalhada e

promover novos arranjos territoriais, repensando a divisão do território em termos de

sinergia.

E para a gestão trata-se de um modo de apoiar a gestão social do desenvolvimento

pelos agentes do desenvolvimento que buscam provocar mudanças estruturais no

modelo de desenvolvimento, tornando-o mais justo e solidário.

Tratamos aqui de uma nova configuração e organização territorial por meio de

priorização de redes interpessoais, sociais e culturais, conferindo dinamismo aos atores

locais.

3.3. A RACIONALIDADE DAS DIFERENTES PARTES INTERESSADAS NA GESTÃO

Como é o trabalho do POUSO no âmbito local? Como pensam seus profissionais?

De que forma traçar o agir profissional para que fique em consonância com os interesses

da administração pública e da comunidade? Como trazer uma gestão e uma discussão

societal num espaço marcado por carências, por condições de vida e reprodução

expropriantes e de um cotidiano alienador?

Apresentaremos a seguir, sumariamente, a fala e a colocação das diferentes

racionalidades profissionais em ação no trabalho do POUSO com o objetivo de

demonstrar que para um processo de inovação há de se apropriar e aprimorar as técnicas

8 São exemplos de instrumentos e técnicas: documental de informação, abordagem, observação, diálogo e

entrevista, reunião, palestra, pesquisa-ação.

18

empregadas, além de mediar as diferentes tensões que perpassam a efetivação de uma

prática de gestão territorial democrática.

3.3.1. POUSO na Comunidade: ações

Ao avaliar a ação do POUSO sob o cunho democrático, descentralizador e

desburocratizante do serviço público, o tratamos sob o ponto de vista da política social,

que de acordo com Souza a apreende como:

“a movimentação da população em suas áreas de moradia como tensão social

ou possíveis tensões, define mecanismos de controle que atuam cada vez mais

diretamente nessas áreas” (2000:14)

De acordo com a Coordenadora da Coordenadoria de Regularização Urbanística,

Tânia Castro, “O POUSO tem esse lado social aliado, que é o trabalho social

desenvolvido com os moradores, que passa muito por um trabalho educativo, todo feito

com metodologia de ação participativa que procura atingir todos os moradores, todos

criando representantes, setores dentro da comunidade por beco, por rua, por conjunto

de pequenas ruas, pequenos becos, divisão geográfica mesmo, espacial”.

A gente cria sistema de representação, capacita esses representantes que são

voluntários, e eles passam a ter reuniões sistemáticas com a equipe do POUSO, e

passam a ser a ponte entre o poder púbico e os moradores, eles pegam reivindicações

dos moradores e levam a mensagem do POUSO de volta para os moradores.”

Na verdade podemos notar que está sendo constituído um exercício de participação

social nos atos cotidianos dos moradores, em que são estabelecidas relações entre os

indivíduos e as instituições.

Apesar de sabermos que a efetiva participação é aquela nas quais moradores

utilizam bens e serviços da comunidade, temos no processo de eleição dos

19

representantes voluntários, denominados Representantes de Rua, o estabelecimento de

relações significativas entre os moradores e a instituição.

Decerto, o movimento que está sendo estabelecido, pode ser entendido como a

gênese da formação de uma dinâmica de forças sociais em torno de preocupações e

interesses comuns, já que os moradores representam à ação da sociedade civil, mesmo

com a presença do POUSO enquanto poder público, estabelecendo-se, desta forma, a

relação Estado-Sociedade, que a partir da compreensão de Bravo,

“é mediatizada pelas políticas públicas, ação dos profissionais e movimentos

sociais, sendo estes últimos importantes para construção de políticas públicas

democráticas e para a conquista da cidadania” (1993:113).

Esse trato diferenciado corrobora para que tais ações propiciem a inclusão de novas

parcelas da população no âmbito da atenção da estatal, portanto, da cidadania – e pela

adoção da perspectiva de direitos (elementos centrais da própria noção de cidadania)

(Farah, 2006).

Se o processo social é norteador da cidadania conforme apontado por Souza, deve-

se atentar para a

“solidificação dos canais de comunicação e poder popular para que o Estado

se coloque a serviço do povo. Nesse sentido, muitas ações passam a ser legítimas,

mesmo como atividades não-legais, pois traduzem necessidades coletivas de grupos

legítimos” (Souza, 2000: 221).

Quando o profissional reconhece o caráter histórico do processo participativo das

comunidades, ele pode compreender melhor a atuação e a dinâmica que a caracteriza.

Retornando aos Representantes de Rua, pode-se reconhecer neles pontos de força e

atuação social já que são conhecedores dos conflitos comuns existentes com o sistema

dominante.

20

O que a autora propõe é a “repercussão participativa”, isto é, o estímulo da

comunidade para descobertas na área em que moram, que pode acontecer com a

presença ou não da Associação de Moradores.

“Eu acho que a tendência é melhorar, à medida que você está lá no dia-a-dia,

as pessoas vão incorporando mais todos os seus desejos de cidadão, porque a gente

embute neles que eles, o governo têm obrigação, mas também têm deveres para

com o governo, não é só receber aquele bem, o que ele vai dar em troca, a

manutenção daquele espaço, divulgando as coisas certas, as coisas erradas na

própria vizinha. Então eu acho que não é um trabalho que tenha fim é uma questão,

porque a educação permanente, educação não se educa hoje é vai embora, tem que

estar sempre trabalhando em cima daquilo.

E os outros profissionais já estão ajudando em relação a isso (arquitetos,

engenheiros).”Assistente Social do POUSO

Nessas comunidades, existe o grande potencial para a formação de grupos, como os

de jovens, de idosos, de estudantes, entre outros, que trabalhando de forma associada

apreenderam melhor o sentido do exercício de participação, fazendo com que almejem

renovações.

Visando uma melhor compreensão de como o POUSO trabalha os recursos

pedagógicos como grande aliado para difundir informação (vide anexo) a equipe atua

através de recursos pedagógicos que confluem com o estímulo dos moradores tais

como: planfetagem, folders, cartinhas para as crianças e através do Diploma Calçada

Limpa entregue aos moradores da comunidade, e do Certificado de Conclusão do Curso

de Capacitação.

Refletindo sobre a importância da construção do social, enquanto forma de se

constituir em sociedade, nas relações sociais, como Sposati (1998:64) bem expõe, o

21

social enquanto construção, isto é, processo histórico em franco movimento, nos mostra

o caráter do coletivo.

Montaño ao analisar a sociedade civil e vida cotidiana, constata que as duas são a

mesma coisa, e como ele mesmo afirma, o cotidiano não é exclusividade da sociedade

civil. É nesse ínterim de cotidianidade que temos a construção histórica, já que sem ela

é impossível pensar a existência do ser social (cf. Montaño 2003:260).

A questão da Associação de Moradores é vista por alguns profissionais como uma

possibilidade de estreitamento de relações, como relata a engenheira do POUSO Sandra

Regina da Costa Rodrigues, que já está no POUSO há três anos e fez a seguinte

observação:

“...vem cá, você vem aqui pra tomar o meu lugar? Porque muitos acham isso,

que o POUSO está indo pra lá para acabar com a Associação de Moradores, não

tem nada a ver uma coisa com a outra, a Associação é uma coisa importantíssima. O

POUSO está lá durante a semana em horário comercial, a Associação esta lá todos

os dias, em qualquer horário, então eles são um grande filtro de problemas que a

comunidade tem e eles podem nos passar. Eu acho ótimo que a associação nos

mande ofícios, precisamos disso, precisamos daquilo, que em cima disso eu vou

sentar com eles, isso dá pra gente pedir, isso aqui nós vamos pedir assim, vamos

pedir assado, oh muda aqui o ofício, não faz assim, faz assado, faz ser mais fácil a

gente conseguir. Oh tá pedindo no lugar errado...que eu mesma posso enviar isso

através de memorando pra cá e daqui a gente encaminha, eu reafirmo a solicitação

da Associação, estou dando uma força pra Associação pro pedido dela. Se ele quiser

mandar por conta própria, não estou aqui pra impedir ninguém de encaminhar o seu

pedido pra qualquer lugar, mas acho que se a gente está lá dentro, podemos dar esse

22

apoio, credibiliza melhor o documento, dá mais força, mais peso.” (Engenheira do

POUSO)

Seguindo o esclarecimento de Souza (2000), a associação de moradores, além de

reunir, também deveria movimentar intensamente a força social da população para os

interesses e preocupações sociais comuns, mas, como a própria autora ainda avalia

muitas vezes as associações distanciam-se dos reais interesses da população para

ligarem-se aos grupos dominantes e, desta forma, os moradores têm visto no trabalho do

POUSO, através dos Representantes de Rua, associado ao trabalho das Agentes

Comunitárias uma nova forma de agir e de reunir alguns interesses comuns, tendo em

vista que o trabalho realizado pelo posto almeja o cunho urbanístico mas, para que este

se desenvolva, é atrelado a este o trabalho de orientação social.

Em comunidades onde a associação de moradores realmente representa aos

interesses dos moradores, a questão da participação aparece de forma mais intensa, pois

já existia uma base de reflexão e de ação de desenvolvimento comunitário, como afirma

Souza (2000). A importância da articulação do POUSO e a associação engrandecem na

medida que o lócus das associações são voltados para os limites de convivência dos seus

membros em torno da moradia (idem:217).

“A gente está sempre fazendo várias pesquisas e uma das pesquisas que eu fiz

foi à questão da representatividade e você fica boba como tem lugares que as

pessoas não identificam o líder.” (Arquiteta do POUSO)

Essa problemática com as associações de moradores na atualidade, vinculado com o

papel que elas vêm desempenhando de gerir serviços urbanos básicos, e muitas vezes,

junto a isso o que Fausto Neto (1994) aponta como fruto de favores e concessões,

sendo a associação de moradores base de relações clientelistas e políticas.

23

Desta forma existe uma dificuldade por parte dos moradores em reconhecer na

Associação de Moradores um líder, estabelecendo assim uma relação de distância e

indiferença, já que não atendem às necessidades e demandas das comunidades.

“Além de desgastes internos, o que se assistiu foi um processo de despolitização

dos conflitos e burocratização das organizações. Elas passam a ser “presas

fáceis” de interesses mais escusos, seja da política dominante e seus políticos

fisiológicos seja dos poderes paralelos gastados no interior das diferentes favelas”

(Fausto Neto, 1994:08).

Essa é uma forma que os moradores têm de perceber a realidade, pensando e agindo

neste local de forma ampla e desenvolvendo o exercício de poder no cotidiano,

ampliando a participação através de alianças.

“Todo tipo de demanda vai pro POUSO (até briga de marido e mulher) porque

é um posto da prefeitura dentro da comunidade e ali serão feitos os

encaminhamentos. Então, de lá, todos os problemas sociais da comunidade de

baixa renda vão para o POUSO e lá são encaminhados para os órgãos que

prestam diversos atendimentos. A gente busca estabelecer parcerias com outras

secretarias, com órgãos públicos em geral, com ONGs, com setor privado, tudo que

tem de recurso naquela região que possa estabelecer parcerias ou atrair

programas para comunidade. Esse trabalho é feito o tempo inteiro, então a gente

lida com um leque enorme de ações, todas ao mesmo tempo, mas na verdade o

nosso enfoque principal é a questão urbana” (Arquiteta do POUSO)

Sendo tratado por muitos como mera elaboração de atividades de cunho social, sem

ponderar o corte das causas mais internas do atraso e da dependência, seria em vão

tratar das políticas sociais sem cair no assistencialismo. Esta não é

24

“assumida como direito inalienável da população explorada, interpretada na

perspectiva da igualdade e da justiça social e, ao mesmo tempo, se atua contra as

grandes causas geradoras de exploração e da miséria, obviamente não se pode

falar de assistencialismo” (Alayón, 1992:54).

Trata-se de demonstrar que as políticas sociais estão apartadas do caráter

paternalista, desmobilizador, opressivo e obséquios políticos-partidários, mas que

encontra-se no campo do Estado e População.

O que diferencia a atuação da Associação de Moradores com o trabalho do POUSO é

apresentado no relato feito abaixo:

“Mas a nossa atuação não é política, política é associação de moradores, a

nossa atuação ali é política se você pensar que estender a questão de democracia,

democracia de verdade envolvendo a participação dos cidadãos na verdade é um

trabalho político, mas sem ser político-partidário de não estar envolvido com

nenhum presidente de associação. É realmente mobilizando a comunidade, é

envolvendo, é fazendo a comunidade participar, que é uma das coisas mais

importantes da democracia, do regime democrático que aqui a gente não tem.

Porque a gente está em democracia, porque a gente tem eleições e todos votam?

Mas, na verdade, a comunidade fica muito à parte das coisas. Porque o político

pula de um partido pra outro, enfim...

Mas no nosso trabalho a gente precisa .. como a gente vai estabelecer uma

relação, regras novas se a comunidade não estiver envolvida, como a gente vai

conseguir realmente que aquilo vai ser seguido? A gente está trabalho aqui pra quem

? Pro espaço? O espaço não corresponde a coisa nenhuma.” (Arquiteta do POUSO)

O que este relato nos aponta, aparece de forma mais esclarecedora com a citação de

Souza:

25

“Não se pode negar, a natureza política das associações de moradores. A

política é, sobretudo, um processo de opção que implica mecanismos de poder para

que as opções tenham condições de se efetivar enquanto realidade. A associação é

órgão basicamente político embora não deva ser partidário...” (Souza, 2000:218).

O trabalho dos profissionais (Assistente Social, Arquiteto e/ou Engenheiros)

envolvidos no POUSO não é de conformar o de uma Associação de Moradores, tende

em vista, que estes são representantes do poder público; mas sim, o de refletir sobre o

significado dos diversos agentes, das relações de poder existentes e do cunho

pedagógico de sua ação.

3.4. PONTOS DE AVALIAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE AS LIÇÕES APRENDIDAS NOS

DESAFIOS

O POUSO atua na própria localidade, através de reuniões periódicas de moradores

por meio da seguinte dinâmica:

“São três reuniões em cada comunidade, dividia as ruas tudo certinho com as

agentes comunitárias, a gente tentava fazer três reuniões com a comunidade no

final do ano passado. Agora que eu consegui terminar a primeira, porque são três

etapas, três vezes em cada rua, agora que eu fechei a primeira porque a gente

marcava e tinha que desmarcar por causa da violência, por causa da ameaça do

tráfico. A gente já entregava o convite as pessoas diziam que não dava pra ir, não,

porque as coisas não estavam muito boas. Então, a gente tem que esperar acalmar

pra poder estar desenvolvendo este trabalho, quer dizer, depende da calmaria do

local.

A idéia é muito boa; agora você tem a grande barreira do tráfico, a gente tem

comunidades que tem POUSO sem tráfico, é uma maravilha é mais fácil pra

26

trabalhar. Mata Machado, Floresta da Barra, Recreio é uma maravilha.”

(Assistente Social do POUSO).”

A questão da metodologia de ação participativa articula a questão da

participação com o nível social. E reverter o quadro do fraco indício participativo dos

estratos socais mais carentes na organização social perpassa pelo trabalho social,

educativo.

Algumas comunidades são vitimadas pela questão da violência do tráfico de

drogas, que dificulta o trabalho dos profissionais que atuam no POUSO no que diz

respeito ao andamento agendado das atividades.

Para Fraga

“As favelas são territórios cujas estruturas físicas e sociais propiciam a

proliferação desta atividade ilegal. A ausência do Estado, mormente em relação à

segurança pública e políticas de inclusão, sua sinuosa topografia, obstáculo para

ações rápida dos órgãos de repressão, a desigualdade histórica marcante entre

seus moradores e os residentes em outras áreas da cidade, o isolamento de seus

habitantes face à dificuldade de acesso aos investimentos públicos, e a violência

policial histórica são elementos propícios ao desenvolvimento de atividades

ilegais” (2001:10).

De fato, o mesmo autor ainda analisa que as favelas estão mais próximas à cidade,

devido à maior integração à cultura e modalidades de lazer, porém a presença do

narcotráfico reterritorializou a favela, impondo limites, sitiando-a como seu espaço

físico.

“Dificuldade para eu começar trabalhar nenhuma, a dificuldade que a gente

encontra é dificuldade externa, não é da comunidade, é questão de briga de

traficantes com polícia, que atrapalha o seu trabalho porque com a políca na

27

comunidade, não dá pra ficar passeando, não dá pra trabalhar. A polícia entra eu

saio, quer dizer, eu me recolho fico dentro do POUSO porque pode estourar uma

bomba qualquer e eu vou estar ali.” (Engenheira do POUSO)

A possibilidade de um trabalho mais intenso e planejado se rompe quando segundo

Fausto Neto (1994), constata os limites do aparato institucional-legal na vida das

cidades.

“Então, a dificuldade que eu tenho de quem está começando agora é de um

trabalho que ainda está sendo construído, a gente tem ele no papel ,tem um ideal

que a gente quer seguir mas na prática, no dia-a-dia, está começando agora.”

(Assistente Social do POUSO)

Através dos relatos podemos constatar que a identidade social ainda está em

precípua construção, e que um trabalho mais articulado entre os POUSOS seria de

grande valia, até mesmo como um traço de experiência da prática profissional.

Concluindo, de acordo com Lima, “à medida que a população tenha condições

de expressar, através das reuniões, alguns de seus objetivos sociais, é que estarão se

efetivando os objetivos do serviço social, na linha da conscientização e da

participação social” (1980:131).

28

CONCLUSÃO

Vista como um aspecto positivo, a inovação contribui para a superação de formas de

dominação e de relação Estado-sociedade, baseadas no patrimonialismo e no

clientelismo, orientando-se para a universalização de procedimentos e para

democratização do acesso a serviços público e das oportunidades de participação nos

processos decisórios, além de contribuir para a efetiva resolução de problemas,

superando formas de atendimento ao cidadão ineficazes e meramente formais (Farah,

2006)

O decorrer do trabalho subsidiou o entendimento de que comparando o atual trato da

cidade informal com as velhas práticas, temos no POUSO uma prática inovadora e uma

racionalidade que vem se desenvolvendo enquanto viabilizadora de políticas públicas

sociais e urbanas à luz da Constituição Federal de 1988. Já que desde o fim do século

XVIII a questão da favela vinha sendo tratada como uma das “chagas” da cidade e

como “ameaça à ordem social”, à segurança e à saúde dos bairros circunvizinhos e só

agora, no final do século XX, recebeu o estudo e a atenção de uma equipe

muldisciplinar que através do trabalho das competências, habilidades e atitudes

propiciam uma atuação de forma interdisciplinar e intersetorial.

O que se procurou conduzir é o entendimento de que o trabalho realizado contribui

ao atendimento das demanda dos público-alvo no espaço onde estas são forjadas, além

de propiciar o envolvimento e participação dos serviços9 e da população.

No que concerne à Gestão é uma ação que instrumentaliza o planejamento e a

tomada de decisões, já que se trata de arranjos institucionais e organizacionais

descentralizados, através do trabalhados realizados pelos POUSOS. Aponta a melhoria

9 Integração com outras secretarias como é o caso da Secretaria Municipal de Assistência Social onde há

um trabalho de interlocução.

29

no desempenho dos programas e minimização dos fatores de risco para a sua

continuidade e sustentabilidade parametrizando o trato coisa da pública.

Destacamos aqui soluções técnicas, administrativas ou organizacionais introduzindo

a discussão de empoderamento; mudança no enfoque de como pensar a ação

propiciando a busca de novas soluções para problemas existentes, com enfoques

interdisciplinares e a orientação para o desenvolvimento integrado ou de

sustentabilidade ambiental, tratamos ainda da inclusão ativa e coletiva, abrangendo

participação e co-gestão na busca de soluções e no monitoramento de ações; articulação

com outros e novos arranjos institucionais, destacando a temática de parcerias, vínculos

e aliança; extensão e humanização de serviços, pioneirismo e respostas multitemáticas.

A inovação está no alcance de ser uma iniciativa implementada pela esfera local de

governo que configura verdadeira rede de atores e de entidades mobilizados em torno de

um ou mais problemas de interesse público, cujo enfrentamento ultrapassa a capacidade

de ação isolada do Estado. Assim a articulação em rede constitui, por si só, uma

inovação em relação ao modelo centrado em uma única agência estatal, assim como em

relação ao processo que excluía a sociedade civil das decisões (Jacobi e Pinho, 2006).

Temos no POUSO a iniciativa e o componente que rompe com a tradição de

trabalhar apenas com a cidade legal, dando início a uma nova era no urbanismo carioca,

passando agora a trabalhar com a cidade real10, é a gestão social articulando governança

e governabilidade e efetivando, através de um componente substantivo, o continuum das

políticas públicas.

10 Vide www.rio.rj.gov.br/smu/educacao/pouso.html

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