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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃOSuperintendência da Educação
Diretoria de Políticas e Programas EducacionaisPrograma de Desenvolvimento da Educação
JOGOS E BRINCADEIRAS TRADICIONAIS: CONTRAPONTOS ENTRE TRADIÇÃO E TECNOLOGIA
Jeferson SCHIFFL1
Luiz César Teixeira dos SANTOS2
Resumo
Este artigo tem como objetivo discutir as questões que envolvem os jogos e brincadeiras tradicionais em uma época que as novas tecnologias tem tomado uma parcela significativa da vida de nossas crianças e adolescentes. Tendo em vista as dificuldades que os professores tem encontrado nas escolas e a crescente perda de interesse dos jovens nas atividades práticas, procurou-se elaborar uma série de atividades tradicionais, bem como, estabelecer um canal de conversação com as famílias no sentido de resgatar os jogos e brincadeiras do passado. No desenvolvimento das atividades, observou-se que a maioria dos alunos sentem muita alegria e satisfação em participar dos jogos e brincadeiras tradicionais, embora também, sintam muita atração pelos equipamentos eletrônicos e pelos programas televisivos.
Palavras-chave: Jogos; brincadeiras; tradição e tecnologia.
1 Aluno do Programa de Desenvolvimento da Educação - PDE2 Professor Mestre Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Francisco Beltrão
Introdução
No decorrer das atividades cotidianas de Professor da Rede Pública de
Ensino do Estado do Paraná, é possível observar que grande parte das crianças e
adolescentes tem a cada dia, deixado de fazer atividades físicas e dado prioridade
aos equipamentos eletrônicos, no caso específico da escola o aparelho celular.
Partindo desta observação inicial constata-se que o problema é ainda maior, pois os
relatos de quase todos os estudantes, tanto do ensino fundamental, como do ensino
médio, é de que, fora da escola o interesse pelas praticas recreativas é substituído
pelos jogos de videogames e horas e horas em sites de relacionamentos no
computador. A medida que cresce a utilização destes aparatos tecnológicos, as
atividades recreativas e as brincadeiras até então comuns e evidentes na vida de
crianças e adolescentes, já não eram mais. Em outras palavras as crianças não
brincam mais, ou pelo menos, não mais como era até pouco tempo atrás,
brincadeiras ricas em movimento que ajudavam no desenvolvimento da criança, o
prazer e a satisfação de estabelecer relações consigo e com os outros. Os relatos
são os mais variados e deixam claro que fora da escola as opções estão
diretamente relacionadas ao uso de equipamentos eletrônicos como, assistir
televisão, usar o computador e jogar videogames e a maioria deles não realizavam
sequer as tarefas da escola, o que evidentemente não é por falta de tempo.
Dentro desta perspectiva e por ocasião da participação do Programa de
Desenvolvimento da Educação – PDE, levamos em consideração qual é a
relevância de abordar esta questão, quais motivos são responsáveis por toda uma
geração abrir mão do hábito do movimento, mesmo vivendo em uma época em que
este tipo de informação encontra-se disponível e acessível, sendo constantemente
veiculada nos meios de comunicação.
Uma vez definido o objeto da pesquisa, Jogos e Brincadeiras Tradicionais:
Contrapontos Entre Tradição e Tecnologia, escolhemos o público-alvo da
intervenção, eleitos pela sua faixa etária e pelas características cotidianas, bem
como, um fator também determinante o local de residência, na sua maioria
residentes na área urbana do município, uma vez que os alunos residentes nas
áreas rurais o acesso aos equipamentos eletrônicos e a internet é relativamente
restrito. Desta forma o público alvo foram alunos do 7º Ano Vespertino do Colégio
Estadual Barão do Rio Branco, município de Flor da Serra do Sul – PR.
Fundamentação Teórica
A Educação Física como uma ciência e um processo histórico, busca revestir-
se de intencionalidades que possibilitem aos indivíduos a fusão entre corpo e
espírito. Ao passar do tempo vem transformando seus caminhos historicamente,
com o objetivo de superar as suas contradições e alcançar sua verdadeira essência,
a busca do desenvolvimento humano.
Quando a criança reencontra ou conserva o dinamismo de sua pessoa, de seu ser, quando assume realmente a autonomia de seu desejo, torna-se surpreendentemente disponível. Ela integra rapidamente uma grande quantidade de conhecimentos sob condição de que se forneça alimentos ao seu desejo de conhecer e de fazer […]. (LAPIERRE & AUCOUTURIER, 1988, p.85).
A partir da ação como princípio dinâmico de todo o desenvolvimento e de todo
o conhecimento, entendemos que é através da linguagem corporal que se elaboram
e se estruturam as diferentes linguagens socializadas, uma vez que a “expressão
corporal” é uma linguagem universal. O que chamamos de linguagem e escrita é um
produto social, ou seja, uma produção elaborada e estruturada que acaba por
dominar os diversos meios de que o homem dispõe para se expressar, dentre eles o
movimento corporal.
Quando a linguagem verbal e até o “pensamento verbal” desaparecem, a pessoa entra num outro estado de consciência, ela vive e age diretamente ao nível subcortical, isto é, num nível muito mais próximo do inconsciente, e com um mínimo de controle consciente. O agir não é mais, então, um ato intelectual, racional, mas a expressão direta de “alguma coisa” mais íntima, mais profunda, que vai suscitar tal gesto, tal atitude, tal ação ao invés de outra. São as tensões emocionais subjacentes que se exprimem através do simbolismo do agir, e é aí que a pessoa encontra sua autenticidade, sua verdade. (LAPIERRE & AUCOUTURIER, 1988, p.87).
Através do movimento a criança analisa seus sentimentos, sua expressão,
criatividade e suas descobertas, aprendendo muito sobre si mesma, o outro e o meio
em que vive. Os professores da área de Educação Física que trabalham com o
movimento humano são vistos como facilitadores da aprendizagem infantil. Eles
trabalham com a criança para explorar, criar desafios e expandir seu potencial motor,
questionando, guiando, descobrindo e também reforçando e ajudando. Não
lecionam, nem apenas observam o jogo livre, proporcionam, sim, um meio no qual a
aprendizagem possa ocorrer.
Em relação ao seu papel pedagógico, a Educação Física deve atuar como qualquer outra disciplina da escola, e não desintegrada dela. As habilidades motoras precisam ser desenvolvidas, sem dúvida, mas deve estar claro quais serão as consequências disso do ponto de vista cognitivo, social e
afetivo. Sem tornar uma disciplina auxiliar de outras […]. (FREIRE, 1989, p.24).
Analisando a questão conceitual sobre Educação Física pode-se perceber
que esta concepção possui relação direta com o que se entende por recreação. A
busca para o corpo e mente saudável e a paz espiritual estiveram presentes a
tempos atrás quando o ser humano buscava, na sua simplicidade, a alegria de viver
pela recreação. Os jogos, as danças, cerimônias religiosas, cívicas e festivas faziam
parte das manifestações recreativas. Durante muitos anos crianças, jovens e velhos
sentavam e ficavam ouvindo e contando histórias, causos e façanhas da vida. Até o
trabalho de cortar o pasto para o gado era diversão, uma ocupação alegre.
Se nos reportassemos à casa de tempos atrás e à vida da criança no lar,
poderíamos vê-la trabalhando e brincando: planejando, tomando decisões,
adquirindo vivências corporais e conhecimento prático, muitas vezes se
encontravam velhos, jovens e crianças empenhados em atividades conjuntas, um
mesmo trabalho a concluir, um passatempo do agrado de todos. A vida de hoje não
mais oferece aquela casa-oficina e centro de recreio. Com a modernidade e a
tecnologia, o capitalismo mudou concepções humanas, entre elas o próprio sentido
de viver.
Há pouco, cientistas americanos anunciaram o rascunho do genoma – receita para fabricar um ser humano - , o que, de imediato, se transformou em um dos grandes marcos da história da ciência […]. Além do formidável avanço da medicina, estas e outras criações trazem em si problemas na ordem do pensamento, da ética, da política e de fenômenos culturais jamais pensados: dogmas, filosofias, maneiras de explicar o homem e o mundo são postos em questão. […] No nível do pensamento, as novas descobertas científicas apontam para uma desordem mental em estado quase perfeito […].(NOVAES, 2003, p. 07).
O homem moderno, para manter sua integridade física e moral, precisa cada
vez mais saber selecionar valores e procurar o justo equilíbrio de ação, desta forma,
as crianças e adolescentes, seres humanos em fase de crescimento, de
amadurecimento, devem receber atenção especial no lar e na escola, para que
possam viver integralmente sua infância e juventude.
As 'falsas necessidades' (necessidades produzidas pela sociedade e que fogem ao controle do indivíduo), que passam a integrar a estrutura da personalidade, perdendo suas raízes históricas, garantem a permanência do trabalho alienado e geram a violência e a miséria.(GONÇALVES, 1997, p. 26).
Para a criança a atividade de recreação representa uma satisfação de seus
impulsos de imitação e de construção, seu fim primordial objetiva-se ao
desenvolvimento físico, mental e emocional. Brincar de estilingue, carrinhos de
rolimã, bonecas de milho ou casinha são brincadeiras enriquecedoras do ponto de
vista da psicomotricidade e que entretém por horas e horas. Pular amarelinha,
participar de cantigas de roda, esconde-esconde são fantasias que fazem das
brincadeiras momentos de pura alegria entre as crianças.
Atualmente, os programas infantis de televisão e os computadores exercem
influência direta na educação das crianças. Proporcionalmente, a publicidade se
utiliza destes veículos e elege as crianças e adolescentes como o seu principal alvo
dentro das famílias brasileiras, considerando que estes jovens tem o poder de
influenciar os adultos, transformando-os em promotores/consumidores dos mais
variados tipos de produtos, alimentos, roupas, brinquedos, eletrônicos. 3Dados da
ANVISA de 2006 apontam que 80% da publicidade de alimentos destinada as
crianças apresentavam altos índices calóricos, elevado teor de açúcar e gordura,
além de serem muito pobres em nutrientes. Neste mesmo ano, outra pesquisa
apresentada mostra que 30% da população infantil brasileira já estava com
sobrepeso e 15% já era obesa. Anteriormente, em 2004 o mercado infantil no brasil
movimentou 130 bilhões de reais. Utilizando-se de campanhas publicitárias
direcionadas a este público em especial, as empresas tentam explorar a
vulnerabilidade das crianças, transformando-as em consumidores precoces. Para
muitas destas crianças, a infância assume papel de satisfação do desejo de compra,
a vontade de comprar tem superado a vontade de brincar, em alguns momentos o
desejo de comprar é mais importante que o próprio brinquedo ou produto adquirido.
É comum observar crianças desejarem determinado produto mas não saberem
explicar o motivo deste desejo, apenas querem sem saber porque, e muitas vezes
quando conseguem o produto, um determinado brinquedo por exemplo, fazem uso
por algumas horas e depois nunca mais voltam a tocá-lo. Paralelo a isto observa-
se que alguns produtos de marcas famosas assumem um papel que vai muito além
da alegria da posse e passam a causar um sentimento de alegria associado com a
sensação de inscrição na sociedade. No passado recente o passaporte para ser
aceito em determinado grupo poderia ser obtido por aspectos relativos a
personalidade, como ser comunicativo ou extrovertido, talvez até por capacidades
físicas e habilidades psicomotoras que permitiam jogar bem um determinado esporte
ou brincadeira, saber contar piadas e ser divertido, hoje, para muitos jovens esses
3 Documentário: Criança, A Alma do Negócio
aspectos foram substituídos pela capacidade de comprar um produto e ostentar
determinadas marcas. Seguindo este caminho, talvez estejamos permitindo que
empresas acabem decretando o fim da infância em detrimento de se conseguir
consumidores cada vez mais cedo, desconsiderando o nosso próprio futuro,
colocando em segundo plano todas as subjetividades tão comuns e necessárias
neste momento da vida, a capacidade de estimular imaginação e a criatividade, e o
desenvolvimento da própria inocência.
Não só o processo de produção aliena o corpo; também o faz o processo de consumo. Enquanto as sociedades tradicionais equacionam a produção conforme as necessidades de consumo, a sociedade moderna faz exatamente o oposto, subordinando o consumo à produção. Ao inserir o objeto produzido na sociedade, o processo utiliza-se da publicidade.(GONÇALVES, 1997, p. 30).
Na atual conjuntura, equipamentos eletrônicos assumiram o papel de
cuidadores de crianças, pois logo ao acordar, liga-se a televisão e coloca-se a
criança diante dela, submetida a uma teia de informações, elaborações
comunicacionais, com uma gama de sonoridades, audiovisuais e verbalidades que
atingem a vivência das crianças. Desta forma as crianças se habituam a agirem
como imitadoras acríticas de personagens e conceitos televisivos. Nesta mesma
linha de análise a fascinação pelos programas com conteúdo violento, nos
videogames ou computadores, que tem muitas vezes, grande potencial de manipular
a mente das crianças, tornando-as agressivas, nos fazem pensar até que ponto a
influência da mídia é benéfica ou não para a educação infantil. Adauto Novaes em
sua obra O Homem-máquina, aponta uma linha de reflexão de FOUCAULT sobre o
domínio mecânico do corpo, a teoria do biopoder.
'O controle da sociedade sobre os indivíduos não se faz apenas através da consciência ou da ideologia, mas também no corpo e com o corpo. Para a sociedade capitalista, é a biopolítica que mais conta' - isto é, o trabalho de produção e manipulação de afetos. (FOUCAULT. apud. NOVAES, 2003, p. 11).
Não obstante, estudos recentes apontam para o surgimento de duas novas
doenças psicossomáticas que atingem crianças e adultos e são originárias da
utilização de aparelhos portáteis de comunicação. Suas terminações tem origem nas
palavras em inglês, nomophobia, de no mo[bile], sem telemóvel + phobia, fobia.
Em português, 4nomofobia que é manifestada através da angústia, desconforto e
ansiedade provocados pela dependência patológica que surge quando o indivíduo
4 Anna Lúcia Spear King – Pesquisadora do Instituto de Psiquiatria Ipub – UFRJ www.olharvital.ufrj.br/2010/?id_edicao=220&codigo=3
fica impossibilitado de comunicar-se através de aparelhos celulares ou
computadores. Ocorre frequentemente quando o usuário percebe que a carga da
bateria acabou, por perda ou esquecimento do aparelho ou pela falta de cobertura
da rede de telefonia móvel ou redes de Wi Fi free zone (acesso livre Wi Fi). Os
níveis de angústia e ansiedade beiram os limites do pânico. Não sendo suficiente
viver este tipo de stress durante o dia, algumas pessoas afirmam que durante a noite
dormem com computadores ligados e com o celular embaixo do travesseiro, ou seja,
tentam dormir, pois o subconsciente permanece em estado de alerta.
Por sua vez, a Phubbing tem sua terminação criada pelo australiano Alex
Haigh, o verbete vem da união das palavras phone (telefone) e snubbing
(esnobar). A manifestação da phubbing resumidamente, consiste em um grupo de
amigos ignorar temporariamente as pessoas a sua volta em detrimento do uso do
celular, smartphone ou tablet. As relações de contato físico e verbal são substituídas
por envios de SMS, postagens e atualizações em sites de relacionamentos. As
manifestações comuns em um grupo de pessoas como a conversa, o contato visual
olho no olho e o contato físico não existem mais e indivíduos a sua volta passam a
exercer papel coadjuvante. Com o advento das modernas tecnologias ocorre
conjuntamente uma revolução nos hábitos de convivência e uma profunda
transformação nos valores humanos, através destes equipamentos dirigimos mais
nossa atenção a quem esta longe do nosso contato físico e passamos a constranger
e ignorar quem está próximo.
Ao longo do processo civilizatório, especificamente durante o período que
antecede a sociedade industrial contemporânea, a definição de valores transitava
pela significação do corpo, importante para a vida militar e política, capaz de tornar o
vencedor de uma competição um elemento reconhecidamente superior daquela
sociedade, além dos alicerces baseados na razão e na fé.
Para poder sobreviver e satisfazer suas necessidades vitais, o homem, ao apropriar-se da natureza, desenvolveu, ao longo de sua evolução histórica, diferentes modos de produção de meios de subsistência. Os diferentes modos de produção, em diferentes épocas históricas, geraram diferentes formas de os homens se relacionarem – relações 'necessárias e independentes de sua vontade' que, por sua vez, condicionam seu modo de ser. (GONÇALVES, 1997, p. 59).
Na atual sociedade capitalista nossa subjetividade e noção de valores está
diretamente ligada ao dinheiro e ao prestígio, ficando ao largo os princípios que
foram por muito tempo regidos pela família, igreja e escola.
Muitos pais, na correria do dia a dia, não param para acompanhar e ver como
seus filhos estão aceitando determinadas situações e como reagem a elas, a luta
capitalista pela sobrevivência, a busca incessante pela aquisição de produtos “do
momento”, brinquedos, computadores, roupas e calçados que satisfaçam a vontade
de posse, conquistaram um espaço que já foi destinado à conversa, ao bate-papo, à
apreciação da natureza e ao cultivo de valores como a amizade e a sinceridade.
Com o desenvolvimento histórico das formas e das relações intrínsecas à atividade produtiva, a natureza humana cresce em complexidade, amplia-se o mundo humano, criando-se novas necessidades materiais e espirituais e novos modos de satisfazê-las que, por sua vez, geram novas necessidades, em um contínuo devir.(GONÇALVES, 1997, p. 60).
A escola, como instituição de ensino e aprendizagem humana, além de ser via
de acesso ao conhecimento, tem a possibilidade de viabilizar uma série de vivências
que permitem ao educando sua formação ética e moral. Todavia, não devemos ser
inocentes e ingênuos, a ponto de esquecer que a escola também está inserida no
contexto capitalista e, portanto, age e interage mediada por este modelo.
A escola é uma instituição social e, como tal, se encontra numa relação dialética com a sociedade em que se insere. Ao mesmo tempo que reproduz as estruturas de dominação existentes na sociedade, constitui-se em um espaço onde se pode lutar pelas transformações sociais. (GONÇALVES, 1997, p. 32).
Sob esta concepção, a escola pode assumir papel de vilã, pois as práticas
escolares e a sua organização exercem um amplo controle do corpo e, através dele,
dos sentimentos. Mas por outro lado, também pode assumir o papel de salvadora,
pois encontra-se na escola as mais variadas formas de culturas e onde de fato os
professores podem vir a assumir o papel de agentes mobilizadores e produtores de
conhecimento. Neste contexto a Educação Física também está submetida às
influências do modelo capitalista. Que é talvez sua maior representação, o modelo
esportivista, no qual a repetição de movimentos mecânicos, a valorização do
rendimento, dando destaque aos que possuem mais habilidades e relegando a
segundo plano os que possuem menos aptidões.
A valorização excessiva do rendimento absorve o professor com medidas e avaliações e privilegia aqueles alunos que possuem melhores aptidões desportivas, incentivando a competição e a formação de elites. (GONÇALVES, 1997, p. 36).
Nesta perspectiva ocorre, muitas vezes, a autoexclusão, em que o aluno com
menos habilidades motoras e, possivelmente com o biotipo físico não condizente
com o padrão da modalidade em questão, prefere ficar de lado, somente
observando, não obstante, as vezes até tenta justificar o desinteresse em participar,
dizendo estar doente. Sendo assim, a disciplina escolar que teria a possibilidade de
libertar os indivíduos da submissão ao modelo capitalista, pois tem na sua essência
as atividades práticas e o desenvolvimento da corporeidade, passa a reprimir e
marginalizá-los. Num passado não muito distante, a cultura corporal e de movimento
da maioria dos estudantes era baseada nos jogos e atividades recreativas, as quais
tem na espontaneidade e nos aspectos lúdicos, intencionalidades e curiosidades
que resultam em um processo criativo capaz de modificar imaginariamente a
realidade e o presente, desenvolver as capacidades física, mental e psicológica,
estimular para que o aluno, com base na sua realidade, realize de forma espontânea
a descoberta do seu próprio corpo, proporcionando crescimento nas áreas
psicomotora, afetiva e cognitiva.
Relevância dos jogos e brincadeiras tradicionais
A cada dia, nossas crianças e jovens tem utilizado a maior parte de seu tempo
sentados em uma cadeira diante de um computador, televisão ou videogame.
Grande parte das crianças e jovens, prefere ficar horas em frente a uma tela, e na
maioria das vezes ficam muito relutantes em deixá-la por alguns minutos, em
detrimento a outra atividade, seja ela qual for. A inclusão digital para esta faixa
etária, via de regra, tem se tornado apenas a inclusão em mídias sociais e sites de
relacionamentos, mergulhando-os em um mundo de amizades artificiais. Nesse
sentido, percebe-se que muitas crianças não conhecem suas próprias emoções e
tão pouco tem a capacidade de reconhecer emoções nos outros.
Até o final da década de 1980 e início da década de 1990, a recreação era
atividade comum na infância. As brincadeiras de roda, amarelinha e até andar de
bicicleta eram consideradas atividades naturais e espontâneas na vida da criança,
mas na contemporaneidade praticamente deixaram de existir na vida da maioria
delas. Por conta disso acreditamos ser importante buscar caminhos alternativos para
resgatar atividades nas quais a estimulação corporal seja fundamental, deixando de
lado a imobilidade parcial e o sedentarismo.
Vivemos na última década o “boom” tecnológico e a popularização digital, e
assim tentamos explicar, pelo menos em parte, o que poderíamos definir como
tempos dos saberes instantâneos, da satisfação imediata e do consumismo material.
Nesses tempos modernos, crianças e jovens encontram-se quase inertes, do ponto
de vista das possibilidades corporais, em frente aos equipamentos eletrônicos e não
seria exagero afirmar que muito em breve a alienação intelectual, associada a
problemas da ordem do movimento, poderão alcançar índices exorbitantes na
sociedade brasileira.
Atribuir toda a culpa à tecnologia e negá-la por completo, não nos parece a
melhor saída ou tão pouco a solução, afinal a evolução tecnológica nos trouxe
muitos benefícios. Devemos, no entanto, definir que parcela de nossas vidas e de
nosso tempo será destinado a ela, e também, lembrar que é dever da Escola fazer a
mediação entre as novas tecnologias e a formação integral de cada indivíduo. A
formação ética, social e cultural.
Nesse sentido, deve-se dar aos jogos e brincadeiras um lugar de destaque
no processo de formação intelectual e social da criança e do adolescente.
Conhecido e chamado de várias formas: Jogos, Brincadeiras, Atividades
Lúdicas, Atividades Recreativas, entre outros, os jogos são importantes pois
estimulam o autocontrole, a persistência e a capacidade de motivação, auxiliam na
elaboração de valores, possibilitando transpor nossas vivências lúdicas para nossa
vida cotidiana. Além disso, nossa herança genética nos dota de elementos que
contribuem com a formação de nosso temperamento e através das mais variadas
vivências proporcionadas pelos jogos e brincadeiras, podemos desenvolver nossa
inteligência emocional e a capacidade de aprendizagem progressiva.
Desenvolvimento
Tendo como ponto de partida os claros sinais emitidos pelos alunos e pela
escola de que as aulas de Educação Física estão perdendo o interesse e a
motivação, faz-se urgente uma intervenção que venha motivar o desenvolvimento
prático das aulas e a abordagem de conteúdos que despertem o interesse por parte
dos alunos. É evidente que a tecnologia já faz parte da vida das novas gerações e
muito mais evidente que ela não pode ser deixada de lado, pois é algo que estimula
a curiosidade e constantemente se renova. Partindo deste princípio, por que não
tentar atrair os alunos para a redescoberta de brincadeiras do passado, que já
fizeram parte da vida de muitos de seus familiares, permitindo um diálogo muito
próximo entre os seus, possibilitando uma aproximação entre os jovens e os mais
velhos, incentivando uma certa cumplicidade no relato das vivências e até mesmo
em suas práticas.
O projeto de intervenção foi baseado no estudo dos jogos e brincadeiras, sua
fundamentação teórica, a definição do que são jogos e o que são esportes, bem
como suas classificações. Após este estudo, foi proporcionado aos alunos a
sensação de fazer parte de algo a ser construído, o educando como agente
transformador. Permitiu-se ao aluno percebe-se como sujeito capaz de produzir
cultura e conhecimento, buscando junto aos pais, tios, avós toda a cultura que por
muito tempo fez parte das suas famílias e em algum momento se perdeu. O relato e
as vivências práticas realizadas foram fundamentais para a elaboração da coletânea
de jogos e brincadeiras, o que vem reafirmar sua capacidade de sujeito produtor de
cultura e conhecimento.
Durante o desenvolvimento do Grupo de Trabalho em Rede – GTR, surgiram
algumas ponderações que são muito importantes para compor o quadro em
questão:
Um dado inicial nos remete ao fato de que em função da falta de locais e
ambientes adequados nas grandes cidades, associado a falta de segurança, obriga
muitos pais a manter seus filhos dentro de suas casas, onde irão fazer uso dos
equipamentos eletrônicos para passar o tempo.
Para essa 'inércia tranqüila', que traz consigo pobreza de movimentos e de experiências sensoriais, coopera também a organização do espaço físico nas grandes cidades, que impedem o homem de um contato maior com a natureza e reduz sua vida de movimentos a ações estereotipadas e mecanizadas em locais predeterminados. (GONÇALVES, 1997, p. 28).
Associado a isto percebe-se que muitos pais presenteiam os filhos com
diversos equipamentos eletrônicos para que se ocupem e não precisem brincar com
os filhos, ou seja, os pais preferem que os filhos fiquem envolvidos com os jogos
eletrônicos e o computador, criando um círculo vicioso de geração em geração. Mas
afinal, que modelo as crianças seguem e, em que meio elas vivem? O indivíduo
adulto não brinca? Brincar não faz parte do universo adulto e partindo dessas
ponderações, como serão os adultos de amanhã?
Via de regra, as crianças e jovens gostam das atividades recreativas, o que
muitas vezes falta é estimular, incentivar e dar condições a sua prática. Se um dos
problemas apontados é a falta de segurança, principalmente nas grandes cidades,
porque não resgatar elementos do tempo em que os pais brincavam com os filhos.
Voltar a presentear os filhos com presentes que promovam a saúde, a boa e velha
bola ou a esquecida bicicleta e ao final de mais um dia cansativo e estressante de
trabalho, levar o filho ao parque para encontrar os amigos e brincar. Nos reportamos
ao já mencionado anteriormente, brincar não faz parte do universo adulto?
A sociedade de forma geral vive uma espécie de servidão moderna, em que o
ter adquiriu mais importância do que o ser, onde conglomerados definem qual deve
ser o seu padrão de vida, o tamanho da sua casa, a cor do seu carro, o que deve
vestir, o que comer. Devemos considerar, especialmente no que diz respeito a
família, que o distanciamento físico impõe limitações na construção de valores e no
processo educativo. A sociedade vive a era do medo, temos medo de tudo e de
todos, privamos nossas crianças cada vez mais e, por consequência, deixam de
vivenciar os jogos, as brincadeiras, os esportes e outras atividades motoras,
naturalmente poderão vir a ser menos expressivas, compreensivas e criativas,
possivelmente serão mais egocêntricas, sedentárias e obesas.
Considerações Finais
No decorrer deste artigo foram elencadas algumas considerações resultantes
de pesquisa bibliográfica, troca de experiências com profissionais da área da
Educação Física e, principalmente, das práticas realizadas com os alunos
participantes do Projeto de Intervenção Pedagógica. Todos os resultados obtidos
remetem aos Jogos e Brincadeiras Tradicionais como instrumento de estimulação da
criança e adolescente, tanto dentro do universo escolar como fora dele, em suas
casas.
Os sinais emitidos por estes jovens, mostraram que a vivência prática de tais
jogos e brincadeiras podem tornar-se muito instigantes e estimular a curiosidade,
além de divertidas, pois diferem-se do cotidiano meramente esportivista que tem se
tornado comum em muitas escolas. Naturalmente esta dinâmica deve ser utilizada
de forma organizada e planejada, para não se tornar também uma rotina e, por
consequência, aos poucos ficar desmotivante.
Considerando todas as perspectivas apresentadas anteriormente, fica muito
claro e evidente que 5necessitamos ser protagonistas de nossas vidas, o ser
humano não possui fisiologia para ficar parado, somos movimento, não somos
5 Professor Gerson Rossetto , Fórum 1 – Grupo de Trabalho em Rede - GTR - 2013
árvores que não saem do lugar, precisamos do movimento para crescer e nos
desenvolver em plenitude, pois movimento é vida e vida, é movimento.
Referências:
BRACHT, Valter. Sociologia Crítica do Esporte: uma introdução. 2ª edição, editora Unijuí, RS, 2003.
FREIRE, João Batista. Educação de Corpo Inteiro: Teoria e Prática da Educação Física. Editora Scipione, 1989.
GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Sentir, Pensar, Agir: Corporeidade e educação. 2ª edição, editora Papirus, Campinas, SP, 1997.
LAPIERRE, André; AUCOUTURIER, Bernard. A Simbologia do Movimento Psicomotricidade e Educação. 2ª Edição, Editora Artes Médicas, Porto Alegre,1988.
NOVAES, Adauto (org.) et al. O Homem-máquina: A ciência manipula o corpo. Companhia das letras, São Paulo, 2003.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Rede Pública da Educação Básica do Estado do Paraná – DCE – Educação Física. Curitiba, 2008.
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TEIXEIRA, Hudson Ventura. Educação Física e Desportos. 4ª Edição, Editora
Saraiva, São Paulo, 1999