[sebenta] termodinâmica macroscópica - princípios e conceitos (2ª edição) (delgado domingos)

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Instituto Superior Técnico TERMODINÂMICA MACROSCÓPICA Princípios e Conceitos 2ª Edição José J. Delgado Domingos Tiago Morais Delgado Domingos Novembro de 2004

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Instituto Superior Técnico

TERMODINÂMICA MACROSCÓPICA Princípios e Conceitos

2ª Edição

José J. Delgado Domingos

Tiago Morais Delgado Domingos

Novembro de 2004

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Termodinâmica Macroscópica

Índice Geral

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Índice Geral

ÍNDICE GERAL 3

ÍNDICE DE FIGURAS 7

PREFÁCIO DA 1ª EDIÇÃO 9

PREFÁCIO DA 2ª EDIÇÃO 19

1. FÍSICA PERFEITA E TERMODINÂMICA MACROSCÓPICA 24

1.1. Física Perfeita: Reversibilidade 24

1.2. Termodinâmica Macroscópica: Irreversibilidade 26

1.3. Termodinâmica Macroscópica e Física Estatística: Reversibilidade Microscópica e Irreversibilidade Macroscópica 27

2. PRINCÍPIOS DA TERMODINÂMICA 31

2.1. Definições e Convenções 31

2.2. 1º Princípio da Termodinâmica 36

2.3. 2º Princípio da Termodinâmica 40

2.4. Ciclo de Carnot 57

2.5. Outras Formulações do 2º Princípio da Termodi nâmica 68

3. FORMALISMO TERMODINÂMICO 73

3.1. Do Postulado da Dissipação ao Formalismo Termodinâmico 73

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Termodinâmica Macroscópica 4

Índice Geral

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3.2. Axiomática de Tisza-Callen 74

3.3. Primeiras Derivadas da Equação Fundamental: Variáveis Intensivas 80

3.4. Equações Molares 82

3.5. Expressões para o Trabalho e para o Calor 85

3.6. Equações de Euler e de Gibbs-Duhem 87

3.7. Relações de Maxwell 88

3.8. Segundas Derivadas da Equação Fundamental: Coeficientes Termodinâmicos91

3.9. Equilíbrio Termodinâmico 95

4. SISTEMAS TERMODINÂMICOS SIMPLES 98

4.1. Gases Perfeitos 98

4.2. Gás de van der Waals 102

4.3. Radiação Electromagnética 103

4.4. Elástico de Borracha Linear 104

5. POTENCIAIS TERMODINÂMICOS 107

5.1. Teorema do Mínimo de Energia 107

5.2. Estrutura do Espaço Termodinâmico 110

5.3. Transformação de Legendre 112

5.4. Potenciais Termodinâmicos 115

5.5. Teoremas de Mínimo para os Potenciais Termodinâmicos 119

6.

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Termodinâmica Macroscópica 5

Índice Geral

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ESTABILIDADE DOS SISTEMAS TERMODINÂMICOS 125

6.1. Estabilidade Intrínseca 125

6.2. Condições de Estabilidade para os Potenciais Termodinâmicos 131

7. MUDANÇA DE FASE 133

7.1. Dimensionalidade do Espaço de Representação 133

7.2. Descontinuidades da Entropia nas Mudanças de Fase: Calores Latentes 141

7.3. Equação de Clapeyron 142

7.4. A Mudança de Fase e a Equação de van der Waals 143

7.5. O Caso da Água 153

7.6. Diagramas Termodinâmicos 156

7.7. Sistemas com Múltiplos Componentes: Regra das Fases de Gibbs 161

8. SISTEMAS ABERTOS SEM DIFUSÃO 165

8.1. Introdução 165

8.2. Balanços de Massa e de Energia para Sistemas Abertos 167

8.3. Regime Estacionário 171

8.4. Aplicações 173

8.5. Balanço de Entropia para Sistemas Abertos 175

9. BIBLIOGRAFIA 179

10.

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Termodinâmica Macroscópica 6

Índice Geral

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ANEXO - FERRAMENTAS MATEMÁT ICAS 181

10.1. Maximização 185

10.2. Formas Diferenciais 181

11. ÍNDICE REMISSIVO 189

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Termodinâmica Macroscópica 7

Índice de Figuras

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Índice de Figuras

Figura 1 - Sistema isolado, com dois subsistemas..................................................................42

Figura 2 – Compressão de um gás........................................................................................45

Figura 3 – Evolução adiabática irreversível de 1ª espécie. .....................................................47

Figura 4 – Evolução adiabática reversível..............................................................................47

Figura 5 – Expansão de um gás real para o vácuo e recompressão quase estática.................................................................................................................................48

Figura 6 – Experiência Fundamental de Joule........................................................................49

Figura 7 – Ciclo de Carnot...................................................................................................59

Figura 8 – Representação esquemática de uma cavidade electromagnética ..........................103

Figura 9 – Elástico de borracha ..........................................................................................105

Figura 10 – Divisão arbitrária de um sistema homogéneo em dois........................................125

Figura 11 – Equilíbrio de fases............................................................................................135

Figura 12 – Representação de uma isotérmica no plano G – v . ...........................................138

Figura 13 – Variação da Energia de Gibbs com a temperatura, para pressão e número de moles constantes (sistema com um componente químico), para diferentes fases. ..............................................................................................139

Figura 14 – Exemplo de diagrama de fases. ........................................................................140

Figura 15 – Gráfico da Energia de Gibbs em função do volume molar, para o exemplo da Figura 14.............................................................................................140

Figura 16 – Comportamento típico de uma isotérmica do fluido de van der Waals..............................................................................................................................144

Figura 17 – Isotérmica da equação da van der Waals, no plano (v, P). ...............................145

Figura 18 – Energia de Gibbs molar em função da pressão, para temperatura constante, para um fluido de van der Waals. ...........................................................146

Figura 19 – Evolução na mudança de fase, para um fluido de van der Waals .......................146

Figura 20 – Diagrama P-v-T com mudança de fase............................................................148

Figura 21 – Isotérmica com mudança de fase, no plano P – v . ............................................148

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Termodinâmica Macroscópica 8

Índice de Figuras

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Figura 22 – Representação da zona a duas fases no diagrama (P, v). ..................................151

Figura 23 – Forma típica de um diagrama de estado P-v-T para um substância pura. ......................................................................................................................152

Figura 24 – Ligação entre pontos na fase líquida e na fase de vapor, sem passagem pela mudança de fase. ............................................................................153

Figura 25 - Fases da água num diagrama P-T .....................................................................154

Figura 26 - Superfície P – V – T para a água (a contracção na passagem de sólido para líquido não é normal em fluidos simples)................................................155

Figura 27 - Diagrama P, θ (temperatura) para a água líquida e o vapor de água. ..................156

Figura 28 - Diagrama (T,s). A área tracejada representa a quantidade de calor recebida pelo sistema na evolução isobárica de a a d. No diagrama estão também representadas as linhas de título x constante. ..............................................157

Figura 29 - Diagrama T-s. Linha de volume constante (isócora). .........................................159

Figura 30 - Diagrama T-s para a água. Isobáricas (a cheio), isócoras (a tracejado), isentálpicas (traço-ponto)......................................................................160

Figura 31 - Diagrama de Mollier (h, s) para uma substância simples. Apresentam-se também as linhas de volume constante (note-se que, neste diagrama, o ponto triplo corresponde a uma área)..........................................161

Figura 32 – Sistema com um êmbolo adiabático e móvel, (a – b). .......................................167

Figura 33 – Deslocamento para a direita, numa distância dl, do êmbolo no sistema da Figura 32, passando para a posição a’ – b’. ..........................................168

Figura 34 – Definição do sistema A, no contexto da Figura 33............................................168

Figura 35 – Tubo de secção constante, horizontal, com um estacionamento em regime estacionário.................................................................................................173

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Termodinâmica Macroscópica 9

Prefácio da 1ª Edição

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Prefácio da 1ª Edição

Deep down, most scientists feel insecure about their background in Thermodynamics. (And most of those who do not probably should!). But from where does this anxiety issue? Certainly, the fundamental laws of Thermodynamics are not that difficult to comprehend.

Ulanowicz (1986)

Embora fundamental numa formação científica, a Termodinâmica é uma disciplina que habitualmente se remete para um sub-capítulo da Física, para a introdução a outras disciplinas, ou para o conjunto de formulários, tabelas e diagramas, de que as aplicações correntes precisam.

Existem ainda as Termodinâmicas para Químicos, para Mecânicos, para Biólogos..., ou ainda as disciplinas científicas especializadas que têm na Termodinâmica a sua raiz e fundamento.

Salvo raras excepções, a unidade global da Termodinâmica não é sublinhada, tal como não é explorado o valor pedagógico e metodológico da sua estrutura conceptual, sobretudo quando se trata da Termodinâmica Macroscópica.

Esta situação, creio eu, deve-se a alguns equívocos e a erros de perspectiva consagrados como normalidade pela sua proliferação em manuais universitários.

Entre os equívocos, encontra-se o próprio nome de Termodinâmica. Na esmagadora maioria dos casos, os textos de Termodinâmica tratam de TERMOESTÁTICA, ou seja, de situações que a nível macroscópico são de equilíbrio estático e a nível microscópico são de equilíbrio dinâmico.

Sendo um equívoco histórico, fruto da confusão entre desejos e realidades, a Termodinâmica que não é Termoestática passou a chamar-se Termodinâmica de Não Equilíbrio ou Termodinâmica dos Processos Irreversíveis.

De mais profundas consequências, pelas falsas perspectiva que origina, é a generalizada meia-verdade de que nas equações de Boltzman da Mecânica Estatística se encontra toda a fundamentação da Termodinâmica Macroscópica.

Esta questão ultrapassou, largamente, o estrito âmbito em que inicialmente se formulou e procurava conciliar a evidência experimental da Termodinâmica

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Termodinâmica Macroscópica 10

Prefácio da 1ª Edição

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Macroscópica com uma visão cultural do mundo em que dominava o determinismo newtoniano e a cosmologia de Laplace1. De certo modo, era uma visão do mundo decorrente da sua descrição por equações lineares ou que poderiam linearizar-se para que a sua solução fosse redutível aos métodos matemáticos conhecidos

A descoberta recente do «caos determinístico», consequência directa da capacidade de tratar numericamente situações descritas por equações diferenciais (ou em derivadas parciais) não lineares, bem como a possibilidade de auto-organização em sistemas disssipativos muito afastados do equilíbrio veio por novamente em relevo a importância conceptual da perspectiva macroscópica e o renovado interesse pelo paradigma que sob esse aspecto a Termodinâmica Macroscópica constitui2.

Os grandes afastamentos do equilíbrio, em que nascem os fenómenos conhecidos de auto-organização dissipativos, são de natureza macroscópica e podem descrever-se no âmbito da Termodinâmica Macroscópica dos Processsos Irreversíveis, ela própria resultante duma extensão quase trivial da Termodinâmica Clássica, a que chamamos Termoestática.

Extensão quase trivial, porque ela decorre da redução da escala espacial e temporal em que na Termoestática se mede o equilíbrio. Trata-se, em rigor, de admitir que a Termoestática permanece válida ao nível do volume infinitesimal (princípio do estado local) e de extrair desse axioma todas as consequências matemáticas que nele se contêm. Esta é, aliás, a hipótese fundamental subjacente a toda a Mecânica dos Meios Contínuos, quer ela se formule como decorrente de axiomas matemáticos abstractos, quer se motive por considerações de ordem física.

Esta unidade, formal e conceptual, de tratamento da Mecânica e da Termodinâmica dos Meios Contínuos não encontra expressão corrente nos manuais universitários e a estrutura curricular dos nossos cursos de engenharia também não a favorece ao separar a Mecânica dos Sólidos, a Mecânica dos

1 A Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade vieram profundamente alterar esta visão cultural do

Universo e o modo de encarar a Termodinâmica Estatística. Todavia, permanecem válidas as observações aqui feitas.

2 O caos deterministico é essencialmente macroscópico e a sua descoberta não se limitou a fazer reviver o interesse pela Termodinâmica macroscópica mas sim por muitos fenómenos e observações correntes de que a Física se desinteressara, como é, por exemplo, o caso do pêndulo que tinha ficado «congelado» nas situações redutíveis a soluções matemáticas conhecidas.

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Termodinâmica Macroscópica 11

Prefácio da 1ª Edição

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Fluidos, a Hidráulica, a Transmissão (ou Transferência...) de Calor e Massa, os Fenómenos de Transporte, etc., do que resultam consequências significativas no relacionamento interdisciplinar e na investigação mais avançada3.

Recordada a importância intrínseca da Termodinâmica Macroscópica e a im-possibilidade, face ao estado actual do conhecimento, de a reduzir à Física Microscópica, não deve, todavia, minimizar-se a importância (e imprescindi-bilidade) da sua complementaridade4. Não é essa, porém, a questão que aqui se põe, mas sim a de identificar e ultrapassar as causas que subalternizaram a Termodinâmica Macroscópica no âmbito das ciências básicas. Essas causas têm muito a ver com o modo como a Termodinâmica é habitualmente formulada e apresentada, a que não é estranho o carácter atribulado de que se revestiu a sua evolução5.

O nascimento da Termodinâmica como ciência está intimamente associada a Clausius que introduziu o conceito de entropia (1850), mas a fonte motivadora foram os trabalhos de Carnot6, que revelaram a possibilidade de estabelecer um

3 A esta situação não é certamente estranho o facto de a teoria matemática da Mecânica dos Meios

Contínuos ter sido formulada utilizando apenas os princípios da Mecânica de Newton e uma relação fenomenológica (relação constituitiva) entre as forças e as deformações (tipicamente linear) baseada na observação experimental. A lei de Hooke para a Elasticidade, ou uma relação empírica ligando a pressão e a massa específica foram suficientes para criar a teoria matemática da elasticidade ou para Euler fundar a Mecânica dos Fluidos Perfeitos, sem necessidade de invocar qualquer modelo microscópico.

Significativamente, na Lei de Fourier, para a Condução do Calor (1822) está implicita a teoria do calórico e uma difusa interpretação dos fluxos de calor e dos calores específicos. A Termodinâmica Macroscópica, que daria a visão unitária ao conjunto e fundamentaria o tratamento quando existe dissipação, ainda não tinha surgido. Sob este aspecto, refira-se que os trabalhos de Carnot são de 1824 e a publicação fundamental de Clausius, considerada o início da Termodinâmica, é de 1850.

4 Toda a argumentação anterior se sintetiza na observação de que o microscópico e o macroscópico são apenas níveis diferentes de abordagem da mesma realidade, ambos fundamentais para uma compreensão do mundo real onde habitamos. Este facto tende porem a ser esquecido, tanto pelos físicos ( que privilegiam o microscópico), como pelos engenheiros, que assumem a atitude oposta e tendem a reduzir a Termodinâmica Macroscópica a regras operacionais ou ciclos térmicos, sem se aperceber das potencialidades unificadoras que ela contém e lhes evitaria alguns paradoxos. .

5 Ver Truesdell (1980). Truesdell preocupa-se, sobretudo, com aspectos matemáticos da formulação, apresentando uma exaustiva bibliografia de trabalhos relevantes desde 1779 a 1979.

6 A publicação fundamental de Sadi Carnot, “ Réflexions sur la Puissance Motrice du Feu et sur les M achines Propres à développer cette Puissance”, Paris, Bachelier, 1824, foi integralmente republicada quase 50 anos depois, com as suas notas manuscritas entre 1824 e 1832 nos Annales Scientifiques de l´École Normale Superieur (1872).

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Termodinâmica Macroscópica 12

Prefácio da 1ª Edição

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limite intransponível para o rendimento de qualquer máquina térmica, independentemente da sua natureza ou do fluído utilizado para obter a conversão do calor em trabalho. Este rendimento só dependia das temperaturas extremas.

É importante situar no seu contexto histórico esta evolução e sobretudo sublinhar o papel determinante que teve o aparecimento da máquina a vapor. A primeira, da autoria de Savery foi demonstrada em 1698, muito embora se devam a Newcomen as formas construtivas que estiveram na origem dos desenvolvimentos posteriores de Watt.

Contrariamente às descobertas fundamentais que tinham feito da Física uma paradigma da Ciência, a máquina a vapor não nasceu num laboratório mas na realidade externa que a revolução industrial criara e para cujo desenvolvimento era crucial uma nova forma de energia, pois as únicas formas de energia aproveitáveis até aí eram o vento e as quedas de água, em instalações que raramente ultrapassavam os 10 kW de potência máxima.

O que a máquina a vapor vinha por em evidência era a possibilidade de conversão da energia do fogo em energia mecânica, facto esse que para os cientistas da época trazia um desafio comparável ao que posteriormente trouxe, por exemplo, a descoberta da radioactividade.

A teoria da máquina a vapor não era dedutível de concepções microscópicas e as reflexões de Carnot trouxeram, como contributo essencial, o conceito de ciclo. O mérito fundamental do conceito de ciclo é abstrair do que se passa a nível microscópico, pois sejam quais forem as transformações sofridas o objecto em estudo (o sistema) regressa ao ponto de partida, ou seja, à situação em que estava antes de ter sofrido qualquer transformação.

Nas reflexões de Carnot está implícito o conceito de calórico como um fluido imaterial, conservado e indestrutível, que produz trabalho ao descer de nível térmico, em total analogia com o que se passa com a água numa roda hidráulica. Sabemos hoje que não é o calórico mas a entropia que pode usar-se nesta analogia 7, mas na altura, nem o princípio da conservação da energia tinha sido estabelecido como um pilar fundamental, nem o conceito de entropia tinha surgido como elo imprescindível na ligação do microscópico ao macroscópico.

7 A analogia fracassava quando o calórico passava de uma temperatura mais elevada para uma mais

baixa como sucede por exemplo na condução do calor em sólidos.

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Termodinâmica Macroscópica 13

Prefácio da 1ª Edição

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Quando existem fenómenos térmicos, a dialéctica microscópico-macroscópico8 foi e é de tal modo importante, que a tendência foi, e ainda é, para reduzir a Termodinâmica aos sistemas fechados, deixando habitualmente para os textos das aplicações à engenharia o tratamento dos sistemas abertos, nos quais a ênfase é na conservação da energia, secundarizando ou omitindo mesmo as lacunas conceptuais e lógicas que podem existir nessa extensão.

A existência da vida é incompatível com a hipótese do sistema fechado e esse facto deu origem à convicção generalizada, até meados deste século, de que a Termodinâmica se não aplicaria aos fenómenos da vida, o que é falso. Aliás, está intimamente associado à ultrapassagem deste erro de perspectiva o aparecimento da primeira teoria científica dos Ecossistemas, devida a R. Lindemann (Lindemann, 1942), depois aprofundada e difundida por Odum (1953).

A evolução histórica que deu origem à Termodinâmica justifica, naturalmente, o modo sinuoso como se desenvolveu. O passo decisivo inicial foi o conceito de entropia e o enunciado do segundo princípio para sistemas isolados. Mas este enunciado, feito por Clausius (1850), antecede a aceitação generalizada do princípio da conservação da energia que se seguiu aos trabalhos fundamentais de Joule (1850).

Se os trabalhos de Joule foram muito importantes, o aspecto crucial não foram os seus novos dados experimentais mas o novo paradigma interpretativo que os seus trabalhos provocaram, ou seja, o princípio da conservação da energia.

O enunciado do princípio da conservação da energia implicou, como é óbvio, a elaboração prévia do conceito de energia e a identificação do calor como uma dessas formas de energia. Por isso o princípio da conservação da energia se identifica com o primeiro princípio da Termodinâmica.

O aparecimento e evolução de uma teoria física nunca é linear, sem círculos viciosos e algumas tautologias. A Termodinâmica é disso um exemplo que perdura nos livros de texto correntes que directamente se inspiram de alguns

8 O sistema fechado continua sendo o domínio privilegiado da Física fundamental e é para ele que a

Mecânica Quântica e os modêlos microscópicos se formulam, dadas as simplificações formais que tal permite e a forma “natural” como se postula e se realiza o equilíbrio macroscópico em tal situação. Mas o mundo real, onde os seres vivos existem e as máquinas funcionam, são quase sempre sistemas abertos. Trata-se, novamente, de níveis diferentes mas complementares de abordagem, que ao não serem tidos adequadamente em conta apenas contribuem para a visão estreita e compartimentada do mundo que permeia todo o nosso ensino.

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Termodinâmica Macroscópica 14

Prefácio da 1ª Edição

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clássicos famosos, atraiçoando algumas vezes as restrições e considerandos que permeiam os seus textos9.

Nesta corrente, ainda largamente dominante, o ciclo de Carnot tem um papel central bem como a teoria dos pfafianos, ou das diferenciais não exactas. Pretendendo ser intuitivas, as demonstrações são artificiosas e sobretudo a origem de dificuldades formais e conceptuais logo que nos aproximamos do mundo macroscópico e real em que se passam os fenómenos macroscópicos directamente observáveis.

Ora, se tal tipo de formulação foi inteiramente justificada (e possivelmente sem alternativa) antes de o princípio da conservação da energia se ter transformado no pilar fundamental da Física moderna, é difícil entender que se continue a proceder como se tal princípio fosse demonstrável com base na argumentação aduzida ou nas experiências históricas que inspiraram a sua formulação.

Se a perspectiva histórica é pedagogicamente importante numa introdução à Termodinâmica, a redução da Termodinâmica a essa perspectiva é dramaticamente empobrecedora da sua capacidade para integrar uma vasta área do conhecimento científico e cultural do presente.

A finalidade destas notas é sublinhar que a aceitação do princípio da conservação da energia como pilar fundamental e já adquirido, permite reduzir o segundo princípio da Termodinâmica à formalização, quase trivial, da evidência mais palpável da nossa existência, que é o escoar do tempo em sentido único ou a existência, intransponível, da «dissipação» da «energia». Essa formalização é bem mais acessível e natural do que a tortuosa descoberta da entropia como o factor integrante de uma diferencial inexacta que emerge depois de laboriosos exercícios mentais em torno de ciclos motores irrealisáveis. Dir-se-ia que o conceito de irreversibilidade, que é o facto mais constante e permanente da nossa existência humana, só poderia ser acessível a quem fosse capaz de reduzir o que observa a imaginários ciclos de Carnot. Como esse dom é privilé gio de poucos, a maioria reduz a Termodinâmica a conceitos esotéricos e regras empíricas para ultrapassar exames, uns e outros destinados ao limbo do esquecimento acelerado, como ganga inútil.

Ora, o próprio termo “dissipação”, que o uso corrente consagrou, põe em evidência que algo desapareceu. 10

9 É esclarecedor ler Planck e os prefácios das suas várias edições. A 1ªedição é de 1897 e a 7ª de 1922.

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Termodinâmica Macroscópica 15

Prefácio da 1ª Edição

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O que desapareceu, ou se dissipou, foram as formas de energia que a Física Perfeita descobriu e estão no cerne da visão do mundo que a Física nos trouxe e o reduz a partículas cada vez mais elementares.11

As formas de energia da Física Perfeita são «personalizadas e aristocráticas», convertíveis integralmente entre si, e directamente mensuráveis, macroscopicamente.

Para elas, o tempo pode fluir por igual em ambos os sentidos e a eternidade é o seu universo natural.

Nesse mundo perfeito, a degradação não existe. A degradação é o preço da realidade no mundo real e macroscópica em que existimos.

Nesse mundo, as formas macroscópicas de energia «personalizadas e aristocráticas», degradam-se no anonimato microscópico da agitação térmica, sem possibilidade de recuperação integral, porque tal recuperação exigiria outra perfeição inatingível que seria a existência de uma fonte infinita a zero kelvin.

Conciliar a conservação da energia total com a degradação macroscópica das formas «personalizadas e aristocráticas» de energia, levou directamente à concepção da existência de tais formas ao nível microscópico.

O mesmo conceito de perfeição e eternidade persiste assim, e a imperfeição que constatamos ao nível macroscópico passou a ser o resultado de apenas nos ser perceptível o colectivo!

O texto que se segue, destina-se a alunos que já tiveram uma primeira abordagem da Termodinâmica num curso Geral de Física e assimilaram já os conceitos fundamentais da Álgebra e da Análise Matemática.

10 Planck adopta o princípio da conservação da energia como um facto “testado por séculos de

experiência humana e repetidamente verificado de que o movimento perpétuo é impossível, sejam quais forem os meios utilizados, mecânicos, térmicos, químicos ou outros”, mas discorda da interpretação da segunda lei como uma dissipação de energia, invocando o exemplo da irreversibilidade associada à difusão de gases perfeitos ou à diluição adicional de uma solução já diluída, na medida em que nesses fenómenos não existe nenhuma perceptível transferência de calor, de trabalho externo ou de transformação de energia. Esta observação é imediatamente contestável atendendo a que a diferença de potencial químico existente antes da mistura poderia ter sido utilizada na produção de trabalho, como imediatamente decorre da formulação de Gibbs e o próprio Planck teria certamente notado se não tivesse construido a sua Termodinâmica, como quase todos os clássicos, a partir das equações de estado de um gás perfeito.

11 Note-se como a justificação de Planck para o primeiro princípio exclui, implicitamente, todos os modelos microscópicos como sendo deste mundo, pois eles traduzem, todos, um conceito de movimento perpétuo.

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Termodinâmica Macroscópica 16

Prefácio da 1ª Edição

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Numa forma próxima da actual, foi objecto das minhas aulas teóricas de Termodinâmica I para o curso de Engenharia Mecânica quando voltei a reger esta disciplina em 1990/91 e 1991/92.

A sua origem encontra-se na minha actividade de assistente do Prof. Gouvêa Portela quando em 1960/61 iniciou a regência de Termodinâmica para Engenharia Mecânica.

A minha preocupação de unidade formal e de coerência com a Mecânica e a Termodinâmica dos Meios Contínuos, com particular relevância para a Transmissão de Calor e Massa e a Mecânica dos Fluidos remonta à minha Tese de Concurso para Catedrático publicada em 1965.

Os desenvolvimentos posteriores no âmbito da Termodinâmica dos Processos Irreversíveis, a vulgarização do caos determinístico e da auto-organização em processos dissipativos, bem como o estímulo cultural que a cosmologia moderna, o ambiente e a economia actualmente suscitam, levaram-me a pensar que teria interesse reintroduzir este modo de encarar a Termodinâmica num âmbito mais alargado.

Valorizando a estrutura conceptual sobre as aplicações imediatas, perde-se em utilitarismo mas ganha-se em amplitude. Se o tempo o propiciar, as aplicações surgirão para demonstrar que a melhor prática é sempre a que se inspira numa sólida teoria12. E em Física, uma sólida teoria é sempre a que resiste a uma fromulação matemática rigorosa e sem artifícios dedutivos.

Pessoalmente, sempre entendi a Termodinâmica Macroscópica como uma modelo de simplicidade formal e dedutiva.

Pedagogicamente, o seu valor formativo decorre disso mesmo, ou seja, da capacidade de construir algumas certezas a partir de um conjunto reduzido de factos evidentes e de alguns conceitos e definições suficientemente assimilados para nunca mais serem esquecidos.

Como nota final, devo novamente sublinhar que esta ênfase na Termodinâmica Macroscópica não só não viza minimizar a Termodinâmica Estatística como constitui a base lógica para a sua introdução e desenvolvimento a partir dos conceitos fundamentais da Mecânica Quântica.

12 O texto “Prática de Termodinâmica”, reeditado pela AEIST em 1991, responde parcialmente às

necessidades de ilustração da teoria e exemplifica a utilização nos casos habituais da engenharia. A sua profunda revisão aguarda, porém, melhor oportunidade.

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Termodinâmica Macroscópica 17

Prefácio da 1ª Edição

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A perspectiva microscópica da entropia aparece então, com toda a clareza, associada ao processo de inferência Bayesiana e à Teoria da Informação de Shanon. Alias, foi esse o ponto de vista adoptado quando assumi a regência da disciplina em 1966, motivado pela preocupação de introduzir o conceito de entropia de modo não axiomático, como sucedia no curso do Prof. Gouvêa Portela, directamente inspirado da formulação de Tisza-Callen. Aquele modo de apresentar a Termodinâmica, na sequência de alguns trabalhos notáveis de Jaynes, encontra-se exemplarmente tratado por Tribus13, que era adoptado como um dos livros de texto fundamentais.

JJDD

1995

13 Tribus (1961).

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Termodinâmica Macroscópica

Prefácio da 2ª Edição

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Prefácio da 2ª Edição

A primeira edição desta Termodinâmica foi proposta à IST Press para publicação em 1995 e submetida ao processo de revisão habitual nesta editora. O parecer elaborado pelo revisor, invulgarmente cuidadoso, minucioso e extenso, concluía pela qualidade e originalidade da obra e recomendava a publicação, desde que corrigidas algumas questões. O contributo deste revisor, que para nós continua anónimo e a quem sinceramente agradecemos, foi muito estimulante e suscitou a decisão de não só atender às sugestões como ainda a de aprofundar e clarificar outros aspectos aconselhados pela experiência da sua utilização pelos estudantes.

Quando o parecer do revisor foi recebido, em 1998, o autor da 1ª edição, embora responsável, não estava já directamente envolvido na regência da disciplina de Termodinâmica I para a Licenciatura em Engenharia Mecânica no IST, e assumira entretanto a responsabilidade pela disciplina de Termodinâmica na Licenciatura em Engenharia do Ambiente. Este facto veio sublinhar a impor-tância da reflexão já expressa no prefácio da primeira edição do livro acerca da unidade global da Termodinâmica Macroscópica e do valor pedagógico e metodológico da sua estrutura conceptual e dedutiva, facilmente perdida quando reduzida às aplicações (expeditas) das várias engenharias. De facto, para além da fundamentação rigorosa das equações fundamentais dos meios contínuos, em particular da Mecânica dos Fluidos e da Transmissão de Calor iniciada há muitos anos (ver, por exemplo, Domingos, 1964, 1966) havia a extensão aos organismos vivos (Sousa et al., 2004) e à Economia (Domingos e Sousa, 2004), que o formalismo matemático e/ou o conteúdo físico permitiam unificar sob múltiplos aspectos, como tem vindo a ser demonstrado pelo Prof. Tiago M. D. Domingos e sua equipa.

Posteriormente, foi confiada ao Prof. Tiago M. D. Domingos a regência da dis-ciplina de Termodinâmica para a Licenciatura em Engenharia do Ambiente, tendo utilizado e testado o texto revisto que ora se apresenta, e a que foi naturalmente associado como segundo autor.

Em verdade, tudo o que nesta segunda edição difere da primeira é da autoria do Prof. Tiago M. D. Domingos (o que justifica também que ele surja agora como um dos autores do texto), o qual, além de ter considerado as sugestões e corrigido as gralhas assinaladas pelo revisor, incorporou a experiência adquirida

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Termodinâmica Macroscópica

Prefácio da 2ª Edição

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com a utilização do texto pelos alunos. Para além destas evidentes melhorias, são sobretudo relevantes os contributos de natureza científica que trouxe a esta edição, e de entre os quais se destacam:

1) Aprofundamento da distinção entre os conceitos de energia interna e de calor que estão na origem de contradições e incoerências em muitos livros de texto, sobretudo quando existe transferência de massa.

2) Reformulação da apresentação feita por H. B. Callen, no seu consagrado li-vro Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics, do forma-lismo de Tisza. Como se mostra nesta edição, as componentes do formalismo de Tisza que não foram considerados por Callen são essenciais para a coerência do conjunto.

3) Introdução do formalismo das formas diferenciais, eliminando a necessidade de utilizar o método dos jacobianos e substituindo o método das áreas para a manipulação das derivadas parciais.

4) Utilização sistemática do formalismo das formas diferenciais ao longo de todo o curso:

a) Dedução das expressões para as variáveis intensivas nas formas diferenciais da equação fundamental.

b) Dedução dos princípios de extremo para a energia interna e para os potenciais termodinâmicos.

c) Obtenção das relações de Maxwell. d) Introdução de um algoritmo para a redução de derivadas parciais a

coeficientes termodinâmicos.

5) Distinção clara entre princípios de extremo, que se aplicam só a sistemas compostos, e características de convexidade e concavidade das equações fundamentais nas diferentes representações, que se aplicam a sistemas simples.

Tal como se refere no título, trata-se de um livro sobre Princípios e Conceitos de Termodinâmica Macroscópica. Acrescente-se que se destina sobretudo a estudantes universitários de Engenharia e de Física. As aplicações da Termo-dinâmica Macroscópica a áreas especializadas de engenharia, decorrem dedutivamente e com toda a naturalidade deste tronco comum.

JJDD

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Termodinâmica Macroscópica

Prefácio da 2ª Edição

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2004

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Termodinâmica Macroscópica

1 - Física Perfeita e Termodinâmica Macroscópica

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Termodinâmica Macroscópica

1 - Física Perfeita e Termodinâmica Macroscópica

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1. Física Perfeita e Termodinâmica Macroscópica

Theoretical Physics is the science of successful approximations

Stauffer e Stanley (1991)

1.1. Física Perfeita: Reversibilidade Designamos por Física Perfeita a Física onde não existe atrito nem dissipação e em que a expressão matemática das suas leis é invariante para as transformações de t em (- t), sendo t a variá vel tempo. Em termos formais diremos que são simétricas para inversões no tempo.

As leis de Newton, bem como as equações de Maxwell para o electromagnetis-mo e as equações da mecânica quântica gozam da mesma propriedade.

A simetria para as inversões no tempo significa que todos os fenómenos descritos por essas equações são reversíveis no tempo. Num universo descrito, totalmente, por equações com simetria no tempo, é impossível para um observador distinguir se os fenómenos que observa se desenrolam a caminho do futuro ou a caminho do passado.

Nesse Universo, os conceitos de passado e de futuro (que estão ligados ao fluir do tempo num único sentido) não se distinguiriam dos de espaço. Passado e Futuro seriam um pouco como os equivalentes de Norte e Sul ou Este e Oeste. Neste espaço-tempo, todos os pontos seriam igualmente acessíveis, podendo caminhar-se no tempo, como se caminha no espaço, em qualquer sentido.

O conceito de causalidade está intimamente ligado ao sentido único do fluir do tempo. De facto, quando afirmamos que a causa A provocou o efeito B, está implícito que A antecedeu B. Esta clarificação do conceito de causalidade, permite esclarecer melhor o conceito de determinismo em Física e mostrar que o determinismo não implica a causalidade.

Por exemplo, o movimento da Terra e dos planetas à volta do Sol é determinístico no sentido em que as equações da mecânica nos permitem prever, com todo o rigor, as suas posições relativas em qualquer instante desde que ela

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Termodinâmica Macroscópica

1 - Física Perfeita e Termodinâmica Macroscópica

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seja conhecida num instante dado. Essa previsão, tanto pode fazer-se em relação ao passado como em relação ao futuro. O movimento é determinístico. Todavia, não existe relação de causalidade no sentido referido porque não podemos afirmar (no âmbito das mesmas leis da mecânica que estabelecem o determinismo das posições relativas) que a causa do movimento de um dos planetas foi o sol, ou outro planeta, etc., uma vez que a inversa também seria igualmente aceitável.

As simples considerações anteriores mostram como é importante e fundamental a existência de uma variável tempo que flui num só sentido e as implicações filosóficas e metafísicas que teria a sua reversibilidade. Mesmo nos inúmeros filmes e romances de ficção científica em que a “máquina do tempo” permite saltos para o passado ou para o futuro, nunca se vai além de translações descontínuas na origem da coordenada tempo. Salta-se para o futuro ou o passado, mas logo que se “aterra” o tempo retoma o seu fluir em sentido único para que as relações de causalidade que formam a trama do enredo sejam inteligíveis. Isto é, na ficção podem-se fazer “aterrar” os heróis de hoje com as espingardas de hoje no tempo do Império Romano. Todavia, as balas que essas espingardas disparam vão da espingarda para o inimigo e não do corpo do inimigo para dentro da espingarda.

Se, no mundo real, o tempo flui em sentido único, a questão que imediatamente se põe é se o tempo teve uma origem absoluta. Isto é, se existe no passado algo que corresponda à origem do tempo, ao seu nascimento. Esse seria também o nascimento do próprio Universo. Esta questão é hoje uma questão central activamente discutida em cosmologia e em astrofísica. A tendência actual é a de pensar que houve essa origem e de, inclusivamente, a quantificar relativamente ao presente, utilizando para tal as equações e teorias fundamentais da física moderna, nomeadamente a relatividade geral e a mecânica quântica.

Todavia, e por mais surpreendente que pareça, a Física Moderna, tal como a conhecemos, é essencialmente uma Física Perfeita e os modelos microscópicos da matéria que actualmente possuímos baseiam-se inteiramente no pressuposto de simetria temporal das equações e da inerente reversibilidade temporal que tal simetria implica. Isto é, nessa Física Perfeita, a flecha do tempo (como lhe chamou Eddington) não tem um sentido único.

O mundo real que macroscopicamente observamos não se comporta de acordo com a Física Perfeita. Todavia, e em muitos casos, as previsões que ela permite fazer possuem um extraordinário rigor experimental de que é exemplo marcante e fundamental a previsão do movimento dos planetas e seus satélites em torno do Sol. O carácter quase divino que a previsão do movimento dos astros

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Termodinâmica Macroscópica

1 - Física Perfeita e Termodinâmica Macroscópica

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representou foi um factor decisivo na evolução do pensamento moderno e na generalização dos modelos de raciocínio determinista aos mais variados domínios da actividade humana, nomeadamente à economia.

1.2. Termodinâmica Macroscópica: Irreversi-bilidade

No mundo real, macroscopicamente observável, não existe reversibilidade no tempo. Nas equações da mecânica e nas outras equações fundamentais da Física Perfeita introduziram-se por isso termos correctivos, para que as previsões dadas pelas equações se ajustem à realidade observável.

Se fôr a queda de um papel na atmosfera, introduz-se a resistência do ar. No movimento de um pêndulo, será o atrito no fulcro, a resistência do ar, etc. Estes termos quebram a simetria temporal das equações.

Um pêndulo posto em movimento e entregue a si próprio acabará por parar, mesmo se suspenso no interior de um recipiente onde se fez o vácuo. Uma onda electromagnética que transmite um sinal de rádio atenua-se à medida que se propaga.

Com a quebra da simetria, desaparece a conservação da energia nas formas contempladas pela Física Perfeita. O atrito mecânico faz desaparecer energia mecânica, isto é, dissipa energia mecânica, tal como uma resistência eléctrica faz desaparecer energia eléctrica, isto é, dissipa energia eléctrica, etc.

Seja qual for a forma macroscópica de energia considerada na Física Perfeita (mecânica, electromagnética, química, etc.), existe sempre uma dissipação, que se associa ao equivalente a um atrito. Quando falamos de dissipação de energia, está sempre implícito que essa dissipação se refere a uma das formas de energia contempladas na Física Perfeita.

Atrito (em sentido mecânico restrito ou em sentido generalizado), dissipação de energia, irreversibilidade, quebra de simetria temporal, estão sempre associados, pois têm como raiz comum a “imperfeição” do mundo onde existimos.

A dicotomia aqui introduzida e realçada entre o que designamos por Física Perfeita e o que chamamos Termodinâmica Macroscópica, destina-se a acentuar a importância que tal dicotomia tem para a compreensão e assimilação da estrutura conceptual da Termodinâmica Macroscópica, a qual pressupõe a prévia familiarização com os conceitos e métodos da Física Perfeita.

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Termodinâmica Macroscópica

1 - Física Perfeita e Termodinâmica Macroscópica

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À Termodinâmica Macroscópica compete integrar as “imperfeições” em que ra-dica o fluir do tempo em sentido único e negam ao Homem a intemporalidade divina da eternidade.

Podemos assim dizer que:

Termodinâmica Macroscópica = Física Perfeita + Imperfeições

1.3. Termodinâmica Macroscópica e Física Estatística: Reversibilidade Microscópica e Irreversibilidade Macroscópica

Como ponto de partida da Física Teórica tivémos a Mecânica de Newton que nasceu e ganhou validade universal com a capacidade de previsão do movimento dos astros. Tratar os astros como pontos materiais que se movem sem atrito é uma aproximação praticamente perfeita quando se trata de prever as suas trajectórias e movimentos relativos. Neste movimento há conservação de energia e estamos no domínio por excelência da Física Perfeita.14 É ao mesmo tipo de idealização que se recorre quando se começa a abordar a constituição da matéria ao nível microscópico. É assim como se a “perfeição” existisse nos extremos do muito grande e do muito pequeno, mas não existisse à nossa escala do observável.

Note-se porém uma diferença fundamental entre os dois extremos no que à observação e validação experimental da teoria se refere. No caso dos astros, as nossas observações e medidas não afectam praticamente o resultado da observação, enquanto que ao nível microscópico a observação interfere directamente e de modo significativo com o observado e nunca pode assumir por esse facto um carácter absoluto. O princípio da incerteza de Heisenberg foi o primeiro reconhecimento formal desta incapacidade intrínseca do ser humano em poder vir a conhecer na sua totalidade a constituição íntima da matéria. Esta constatação tem implicações de natureza filosófica e cultural para os que buscam uma explicação do universo em torno de princípios ou axiomas cada vez mais universais.

14 Em rigor, as interacções Sol-Lua que provocam as marés dão origem a uma dissipação de energia

(nos oceanos) que se reflectem na redução do período de rotação da Terra. Todavia, o valor estimado para esta redução do período é tão pequeno (1-2 milisegundos por século) que pode de facto desprezar-se.

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Termodinâmica Macroscópica

1 - Física Perfeita e Termodinâmica Macroscópica

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As observações anteriores, ditadas pelo desenvolvimento recente da Física Microscópica, em nada alteram a natureza puramente macroscópica de conceitos como os de calor e temperatura, os quais têm necessariamente de entender-se (quando se busca a sua interpretação ao nível microscópico) como o resultado da interacção mútua de um número muito grande de agregados elementares para que a observação macroscópica dessas interacções tenha o sentido de uma média estável (e repetitiva) na escala de tempo adequada. A forma de que se reveste a energia ao nível microscópico, ou de que forma interaccionam os agregados ou partículas elementares, é irrelevante para a Termodinâmica Macroscópica.

Fica no entanto de pé uma questão recorrente e que é a da coerência da transição microscópico-macroscópico e que é:

Como é que uma concepção microscópica da matéria assente na Física Perfeita e no seu determinismo (mesmo tendo em conta o princípio da incerteza de Heisenberg e outras aquisições mais recentes como o caos determinístico), em que não existe flecha do tempo, é susceptível de explicar um facto tão fundamental e intransponível como é o fluir do tempo em sentido único, facto a que a própria irreversibilidade de todos os fenómenos naturais dá conteúdo e sentido?

É habitual afirmar-se que a resposta a esta questão se encontra na Física Estatística iniciada por Boltzman, o que não é verdade em sentido lato. A verdade (tornada evidente pelo estudo teórico e experimental dos sistemas termodinâmicos muito afastados do equilíbrio) é que continua a não existir uma resposta satisfatória e convincente para essa questão central, não só da Física Moderna como do pensamento filosófico contemporâneo.

Esta perspectiva, necessariamente sumária, deve ter-se em conta ao abordar a posição e o papel da Termodinâmica Macroscópica na âmbito da Física e do pensamento filosófico contemporâneos. Espera-se evitar assim a fácil tentação de pensar que existe já toda uma teoria consistente e completa levando sem contradições nem falhas das partículas elementares aos observáveis macroscópicos e à cosmologia. Quando tal teoria existir, a Termodinâmica Macroscópica continuará a ser o elo fundamental que dá ao fluir do tempo o sentido radical e inultrapassável que os humanos lhe conhecem.

O modo como surgiram e evoluíram os conceitos que deram origem à Termodinâmica é importante para situar na perspectiva adequada muitas das contradições e inconsistências que ainda permeiam muitos dos textos e cursos de

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Termodinâmica Macroscópica

1 - Física Perfeita e Termodinâmica Macroscópica

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física. Nestes, a sedução pela elegância formal da física perfeita contrasta com os raciocínios obscuros, tortuosos e muitas vezes artificiais com que a Termodinâmica é apresentada. Esta dicotomia remonta ao século XIX.

Velha como o fogo, a Termodinâmica é por vezes acusada de ser o único ramo da física que nasceu com os engenheiros e de ter sido construída por Carnot para explicar factos observáveis (e economicamente importantes da máquina a vapor) contrariamente ao electromagnetismo, por exemplo, em que as equações de Maxwell anteciparam a existência de fenómenos só posteriormente observados, ou das equações de Newton que permitiram prever a existência de satélites desconhecidos em planetas há muito observados.

A verdade porém é que a Termodinâmica Macroscópica teve um papel central no desenvolvimento da Física Moderna e surgiu como corpo de doutrina e método de análise tornado exemplar na medida em que, dispondo de um conjunto restrito e imperfeito de observações, conseguiu, por pura dedução lógica a partir de conceitos fundamentais, estabelecer relações de validade universal e incontroversa sem recurso a qualquer modelo microscópico da constituição da matéria.

Surgida numa época de crise e de descrença nos modelos microscópicos da matéria, a força e generalidade da Termodinâmica Macroscópica como doutrina científica e estrutura conceptual provém do facto de ser independente de qualquer pré-conceito ou modelo do que se passa quanto à estrutura íntima da matéria.

É certo que esta generalidade e independência lhe confina o âmbito da aplicabilidade imediata a situações concretas. Por exemplo, a relação entre os calores específicos de qualquer substância é do seu âmbito, mas o valor concreto assumido pelo calor específico de uma substância particular não lhe é acessível pelo cálculo directo a partir dos seus princípios fundamentais. Tal valor concreto terá de ser obtido experimentalmente ou, eventualmente, por cálculo a partir de modelos e hipóteses quanto à estrutura íntima da matéria que constitui tal substância particular.

A Física Estatística, que estuda os observáveis macroscópicos que resultam do comportamento colectivo de agregados de muitas partículas microscópicas, pode permitir o cálculo directo de muitas propriedades termodinâmicas de substâncias particulares sem ter que recorrer à experimentação.

A Física Estatística complementa assim a Termodinâmica Macroscópica. Mas complementar não é substituir. Contrariamente ao que se afirma com frequência,

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Termodinâmica Macroscópica

1 - Física Perfeita e Termodinâmica Macroscópica

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a Termodinâmica Estatística não só não substitui como, sobretudo, não fundamenta completamente a Termodinâmica Macroscópica.

O que sucede, e não deixará de continuar a suceder, é o facto de a Termodinâmica Macroscópica ser um teste fundamental (porventura indirecto) da Física Estatística na medida em que os observáveis macroscópicos que esta for susceptível de prever não podem contradizer as relações fundamentais que a Termodinâmica Macroscópica estabelece a partir dos seus princípios fundamentais. E estes, como já sublinhámos, são independentes de qualquer modelo ou hipótese sobre a constituição microscópica da matéria.

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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2. Princípios da Termodinâmica

A introdução precedente situa o fio condutor deste curso de Termodinâmica.

Partindo do Princípio da Conservação da Energia como um dado adquirido e indiscutível, trata-se agora de integrar na teoria o facto incontroverso e indiscutível da dissipação da energia e do sentido único da flecha do tempo que lhe está associada, ou seja, da irreversibilidade.

Para isso precisamos de exprimir com todo o rigor formal possível essa constatação do trivial, que é a existência de um passado e de um futuro ou a da dissipação das formas nobres da energia.

Constatar e aceitar que a dissipação de energia é macroscopicamente inevitável, ou que o fluir do tempo se faz em sentido único, constitui na sua radical essência, esse princípio, famoso e universal, que é a segunda lei da Termodinâmica.

2.1. Definições e Convenções A capacidade de comunicar depende da existência de símbolos, vocábulos, imagens, sons, etc, igualmente inteligíveis por ambos os interlocutores e com significado equivalente. A partir desse conjunto, é possível elaborar conceitos e alargar a base comum que permite ampliar e facilitar a comunicação.

Chamamos conceitos primitivos aos conceitos fundamentais que estão na base da comunicação das ideias, e que por definição se não exprimem a partir de outros mais elementares.

Em Física, os conceitos fundamentais formam-se, habitualmente, a partir de fac-tos da vida corrente que vão sendo sucessivamente elaborados até assumirem a forma rigorosa e sem ambiguidades que lhes confere a sua expressão matemática. Esta atitude assume a sua expressão mais abstracta na física moderna e em particular na mecânica quântica, em que o conceito se condensa na própria equação matemática ou nas propriedades de uma solução particular. A expressão do conceito pode então nem sequer ser susceptível de tradução sensorial rigorosa, porque tal expressão rigorosa existe apenas na própria linguagem matemática que o traduz.

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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O termo de conceito primitivo será por nós utilizado no sentido de ser um dado adquirido e de entendimento geral, que por isso nos dispensamos de elaborar a partir de outros considerados mais fundamentais.

Conceitos correntes como calor, temperatura, quente, frio, etc. existem na linguagem corrente mas sem o rigor adequado. Nestes casos, procederemos à sua discussão e reelaboração até assumirem a forma rigorosa que utilizaremos em Termodinâmica.

A partir destes conceitos (sejam eles primitivos sejam reelaborados) o corpo da teoria obtem-se então por dedução lógica a partir de um número mínimo de axiomas ou princípios fundamentais (que também designaremos por leis ou princípios ).

Como já se referiu, a Termodinâmica Macroscópica (TM) foi construída sem recurso a qualquer modelo microscópico, partindo de um número muito reduzido de conceitos e princípios fundamentais.

Basicamente, a Termodinâmica Macroscópica estabelece relações funcionais entre grandezas aplicáveis à generalidade dos sistemas.

A particularização para substâncias particulares exige o recurso à experimen-tação que pode, eventualmente, ser substituída por cálculo a partir de modelos microscópicos adequadamente validados.

É muito importante haver um entendimento claro dos termos e conceitos que iremos utilizar.

Muitas das dificuldades encontradas na apreensão da Termodinâmica radicam na pouca atenção prestada às definições e ao significado estrito dos termos utilizados.

Sistema termodinâmico: É a região do espaço, contida numa superfície geométrica fechada, sobre a qual incide o nosso estudo. Este espaço pode ser dividido em sub-regiões fechadas e disjuntas a que chamamos subsistema .

Ao espaço, para que constitua um sistema termodinâmico, apenas se exige que contenha energia. Mesmo num espaço onde exista o vácuo perfeito teremos um sistema termodinâmico desde que a superfície material que o confina não esteja a 0 K. Esta condição verifica-se sempre no Universo conhecido (a radiação de fundo no espaço exterior corresponde a uma temperatura de 3-4 K)

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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2.1.1. Variáveis As variáveis termodinâmicas são grandezas físicas que permitem caracterizar o sistema quanto ao modo como acumula e troca energia.

As variáveis extensivas são variáveis escalares somáveis (volume, V, massa, m, quantidades dos componentes químicos independentes, Ni). No caso geral de a variável ser um tensor, consideram-se como variáveis termodinâmicas as suas componentes independentes.

As variáveis intensivas são variáveis escalares não somáveis (pressão, P, temperatura, T, potenciais químicos dos componentes químicos independentes, µi).

A aditividade ou não aditividade que distingue as variáveis extensivas das variáveis intensivas é considerada no seu sentido físico, isto é, quando juntamos um sistema com massa m1 a um sistema com massa m2, o sistema conjunto fica a possuir a massa 1 2m m m= + . Tal não sucederia se em vez da massa (ou do

volume, por exemplo) se tratasse de pressões ou temperaturas15.

Os termos variável termodinâmica e propriedade termodinâmica são muitas vezes utilizados como sinónimos. No entanto, é mais rigoroso utilizar o termo variável no sentido de grandeza de uma propriedade.

A Termodinâmica Macroscópica trata apenas das situações em que o sistema pode ser dividido em subsistemas no interior dos quais as variáveis intensivas são macroscopicamente uniformes.16

15 A definição das variáveis extensivas e intensivas em termos da aditividade é susceptível de alguma

ambiguidade ou mesmo contradição, quando se trata de grandezas não escalares. A origem da designação de propriedade extensiva encontra-se no facto de a "extensão" do sistema ser directamente proporcional ao seu valor, o que é óbvio quando se trata, por exemplo, do volume, da massa, ou da quantidades dos componentes químicos, pois nesse caso é a "extensão" do sis -tema, no sentido de "tamanho", "dimensão", “massa” que está em causa. Há porém variáveis ex-tensivas em que a sua associação à "extensão" física do sistema não é óbvia. Nesses casos, a ambiguidade desaparece se a sua definição se fizer a partir da expressão do fluxo infinitesimal de energia que o sistema pode trocar, pois este fluxo se exprime sempre como o produto escalar de uma diferencial por uma quantidade finita. A diferencial é sempre a diferencial do deslocamento generalizado, que, para os tipos de trocas de energia consideradas neste texto, é uma variável extensiva. O factor finito é sempre a força generalizada, que, para os tipos de trocas de energia consideradas neste texto, é uma variável intensiva. Notar-se-á que falamos de produto escalar e não de produto vectorial.

16 No caso limite da Termodinâmica Macroscópica dos Meios Contínuos o subsistema reduz-se a um volume infinitesimal e as variaveis intensivas passam a ser função do ponto. A hipótese fundamental é então que no subsistema infinitesimal se verificam, a cada instante, as mesmas

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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É ainda importante definir as variáveis molares. Para isso comecemos por definir N, o número total de moles de todos os componentes químicos existentes no sistema:

1

r

ii

N N=

≡ ∑ , (2.1)

sendo r o número de componentes químicos existentes no sistema. As variáveis molares são então definidas como o quociente de cada variável extensiva por N:

Ss

N= , (2.2)

Uu

N= , (2.3)

Uv

N= , (2.4)

, 1, ,jj

Nx j r

N= = … . (2.5)

Estas variáveis são respectivamente designadas como entropia molar, energia interna molar, volume molar, e fracção molar do componente i. As variáveis molares são sempre designadas com letras minúsculas. Dada a definição (2.1), temos que

1

1r

jj

x=

=∑ . (2.6)

As variáveis externas são variáveis que podem ser fisicamente medidas do exterior do sistema termodinâmico. São, por exemplo, o volume, a massa, o campo eléctrico, o campo magnético. A identificação destas variáveis é fundamental para o desenvolvimento da teoria pofis é através delas que podemos medir os fluxos de energia perfeita entre o sistema termodinâmico e o seu exterior, independentemente de qualquer hipótese sobre o que no seu interior se passa.

relações termodinâmicas que existiriam num sistema de dimensão finita em que as propriedades intensivas seriam uniformes e de igual valor ao que se verifica no ponto. Este é o ponto de partida para a Termodinâmica dos Processos Irreversíveis.

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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As variáveis internas não são directamente mensuráveis e o seu valor apenas pode obter-se por cálculo a partir do valor de variaveis externas. A energia interna e a entropia são variáveis internas.

2.1.2. Paredes À superfície que contém o sistema termodinâmico chamamos parede . As pare-des (que constituem idealizações) correspondem a casos limite de realização prática e são caracterizadas pelas propriedades físicas que as definem.

A parede impermeável ao componente k não permite a passagem através dela de moléculas do componente químico k. A parede impermeável não permite a passagem de moléculas de qualquer componente químico.

A parede adiabática não permite através dela a passagem de calor. A parede adiabática corresponde a um conceito particularmente importante em termodinâmica macroscópica e corresponde ao caso limite de um isolamento térmico perfeito, o qual se obtêm no limite de uma espessura infinita para o material isolante. Na prática, corresponde ao limite assimptótico dos resultados que se obtêm aumentando progressivamente o isolamento17. Uma parede adiabática é necessariamente uma parede impermeável.

A parede adienergética não permite através dela qualquer passagem de ener-gia. Uma parede adienergética é necessariamente uma parede adiabática.

Os sistemas que não estão contidos em nenhuma parede são designados como sistemas abertos . Os sistemas contidos por paredes impermeáveis são designados como sistemas fechados .18 Os sistemas contidos por paredes adiabáticas são designados como sistema adiabático (e portanto, são necessariamente sistemas fechados).19 Os sistemas contidos por paredes

17 A possibilidade de, assimptoticamente, se poder realizar uma parede adiabática foi crucial para o

estabelecimento da base fenomenológica da Termodinâmica. A calorimetria, que levou à formula-ção da teoria do calórico, começou com essa possibilidade experimental. Em termos puramente ló-gicos, seria absurdo procurar estudar o que era o calor se não fosse possível, sequer, impedir a sua passagem ou circunscrevê-lo, de modo a tornar os seus efeitos acessíveis à experimentação.

18 A confusão entre sistema fechado e sistema isolado é frequente, sobretudo em textos de biologia e de ecologia. O planeta Terra é um sistema termodinâmico praticamente fechado, mas não é isolado. A característica fundamental de um ser vivo é ser um sistema aberto.

19 Dada a importância na Termodinâmica de separar os efeitos de trocas de calor dos efeitos das res -tantes trocas de energia, isto explica a importância que têm os sistemas fechados no desenvolvi-mento da teoria termodinâmica.

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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adienergéticas são designados como sistemas isolados (e, portanto, são necessariamente sistemas adiabáticos).

2.1.3. Convenção de Sinais O sinal dos fluxos de energia e massa permutados pelo sistema com o exterior podem ser arbitrários desde que sejam consistentes entre si e na escrita das equações.

Deste facto resultou o longo (e infeliz) hábito de muitos autores darem sinais diferentes à energia que entra ou sai do sistema consoante se trata de energia interna ou das formas macroscópicas da Física Perfeita.

Neste curso, as quantidades recebidas pelo sistema 20 são sempre positivas. As cedidas são sempre negativas.

Esta convenção de sinais é frequente nos cursos modernos de Física, mas não o é na maioria da literatura anglo-saxónica de engenharia, sobretudo quando a ênfase é na aplicação a motores. Nessa convenção, o calor recebido é positivo mas o trabalho recebido é negativo, correspondendo à noção de que se a finalidade do motor é fornecer trabalho à custa de calor, o trabalho deve ser tomado como positivo se o motor o cede. Como é óbvio, se se trata de um frigorífico, a noção fica invertida!21

2.2. 1º Princípio da Termodinâmica Sempre que em Física Perfeita há dissipação de energia, constata-se que existe uma alteração de temperatura ou uma mudança de estado. Os conceitos de quente e frio são velhos como a humanidade e não custa admitir que a febre, que corresponde a um aumento de temperatura do corpo acima do normal, fosse de longa data considerado como um dos primeiros sintomas de doença. Certamente por isso, os primeiros termómetros e as primeiras observações consistentes sobre os fenómenos térmicos partiram de médicos (a que se chamavam físicos...) e de químicos (...alquimistas).

20 Energia, seja qual for a sua forma, massa, etc.

21 Exemplos desta convenção encontram-se, por exemplo, em Moran e Shapiro (1988, pp. 32 e 46) e em Deus et al. (1992).

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2 – Princípios da Termodinâmica

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A sistematização de conhecimentos nesta área, a teoria do calórico, a calorimetria, etc, e a mecânica, a electricidade, etc, andaram separadas até que o elo fundamental foi estabelecido por Joule com a equivalência do trabalho e do calor.

Existindo já a equivalência entre as várias formas de energia da Física Perfeita, a identificação do calor com a forma de energia que surgia quando as outras se dissipavam surge como um facto central e o princípio da conservação da energia transforma-se no pilar mais importante em que assenta toda a Física.

O primeiro princípio da Termodinâmica, ou princípio da conservação da energia não se demonstra. A sua validade aceita-

se como universal pois nenhum facto até hoje observado o contradiz.

2.2.1. Formulação do Princípio Sendo o conceito de energia um conceito primitivo, e sistema isolado o que não troca energia com o exterior, o primeiro princípio da termodinâmica traduz-se por:

Num sistema isolado, a energia (incluindo a massa) permanece constante.

Deve notar-se, neste enunciado, que na energia está a implícita a relação de Einstein para a equivalência entre massa e energia.

Não existindo reacções nucleares, a energia e a massa são separadamente conservadas.

Mesmo quando não é necessária a correcção relativista (porque a velocidade é muito inferior à velocidade da luz), a colisão elástica entre corpos conserva a quantidade de movimento e a energia cinética. Isto é, se mi fôr a massa em repouso e iu

r a velocidade do corpo i, as quantidades

iii

m u∑r

e 2

iii

m u∑r

,

correspondentes, respectivamente, à soma das momentos lineares e à soma das energias cinéticas, são independentemente conservadas. Se a colisão não fôr

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2 – Princípios da Termodinâmica

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elástica e conduzir à perda de identidade dos corpos que colidem, como na "reacção" nuclear 7 1 4 4Li H He He+ → +

estudada por Cockroft e Walton22, continua a existir a conservação da quantidade de movimento, mas nem a massa total nem a energia cinética se conservam. Todavia, como os mesmos autores confirmaram experimental-mente, verifica-se a relação

∆ ∆E c mcinética∑ ∑+ =2 0,

onde c é a velocidada da luz no vazio. Assim, se definirmos a energia interna de cada um dos corpos que colidem como

E mcinterna = 2

a relação anterior se pode escrever:

∆ ( )E Ecinética interna∑ + = 0

a qual exprime a conservação da energia total, ou seja, da energia interna mais cinética. A relação anterior entre a massa e a energia interna é a mesma que Einstein previu em 1905, no mesmo ano mas não no mesmo artigo, em que enunciou a teoria da relatividade restrita.23 Como a relação

2internaE mc=

é independente da velocidade, não é necessária a Teoria da Relatividade para a justificar, podendo assumir-se como um facto experimental a equivalência da massa à energia interna.

Todavia, a menos que ∆Einterna seja muito grande, como nos processos nucleares, a variação de massa é tão pequena que não é detectável. Nestes casos procedemos como se massa e energia fossem separadamente conservadas24.

22 Cockroft, J. D., Walton, E. T. S., Proc. Roy. So c. A137, 229 (1932).

23 Einstein, A., Ann. d. Physik 18 , 639 (1905).

24 Este exemplo permite sublinhar como o princípio da conservação da energia, enunciado no século anterior, foi preservado e levou à identificação da massa com a energia. Mostra também como aquela identificação reconciliou todo o conhecimento anteriormente existente e foi consistente com todas as descobertas posteriores e de que a referida aqui é um marco significativo.

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Na situação actual, poderíamos quase dizer que o princípio da conservação da energia se transformou no princípio da conservação do próprio princípio, na medida em que, se surgirem contradições, a teoria será mudada para que o princípio da conservação da energia permaneça válido.

A energia e a conservação da energia tornaram-se em

pilares tão fundamentais do conhecimento científico que os consideramos hoje na categoria dos conceitos primitivos.

Tendo sido uma aquisição fundamental da Termodinâmica Clássica, o primeiro princípio da Termodinâmica, ou princípio da conservação da energia, está hoje implícito em toda a nossa concepção do universo como um dado fundamental que não só não se questiona como se aceita como ponto de partida.

2.2.2. Forma Generalizada do Fluxo de Energia na Física Perfeita O conceito de energia surgiu em mecânica ligado ao trabalho de uma força. Por definição :

dτ=F.dL 25

= ∑ F dLii

i.

em que F é a força aplicada (de componentes Fi) e dL (de componentes dLi)

o deslocamento elementar do seu ponto de aplicação.

O conceito de força em mecânica deu origem ao conceito de força generalizada bem como o de deslocamento originou o de deslocamento generalizado. É importante recordar que o conceito de deslocamento generalizado corresponde ao de uma variação da coordenada generalizada a que se refere. Por sua vez, as coordenadas generalizadas (que correspondem aos graus de liberdade do sistema) constituem o número mínimo de variaveis com que é possível descrever completamente a evolução do sistema. Por definição, é possível variar independentemente cada uma das variáveis generalizadas.

25 Utilizaremos os símbolos em negrito itálico para designar vectores. F e dL são por isso vectores e

o ponto (.) exprime o seu produto interno.

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Nessa generalização, a característica comum e fundamental é o

facto de um fluxo de energia (ou de uma troca de energia) se poder sempre exprimir como o produto de uma força (generalizada) por

um deslocamento (generalizado).

Aliás, na expressão de qualquer troca elementar de energia, os dois termos são sempre identificáveis, correspondendo quase sempre o deslocamento generalizado a uma variável extensiva e a força generalizada a uma variável intensiva (no sentido termodinâmico anteriormente referido).

2.3. 2º Princípio da Termodinâmica

2.3.1. Calor Não existindo dissipação na Física Perfeita, mas sendo o mundo macroscopi-camente observável caracterizado pela dissipação e pela irreversibilidade, o princípio da conservação da energia em sentido lato, isto é, no sentido da Ter-modinâmica Macroscópica, conduz necessariamente a transformar o conceito de calor num como que resto, ou “caixote de lixo”, para onde foi a energia que se degradou das formas de energia da Física Perfeita (a que por vezes se chamam as formas nobres de energia). É nessa forma, o calo r, que todas as outras se transformam quando se degradam.

Mas se a energia se conserva globalmente, que modelo microscópico podemos nós associar àquilo a que chamamos calor para que ele próprio se não degrade também? No caso de se “degradar”, em que observável macroscópico se traduziria essa “degradação”? A esta questão central a Física responde (no estado actual do conhecimento) identificando aquilo a que chamamos calor com as outras formas de energia, mas agora ao nível microscópico.

Passamos a admitir que a Física Perfeita é a única que existe ao nível microscópico, pelo que continua a existir a esse nível a conservação das suas formas de energia.

A dissipação de energia a nível macroscópico passa a corresponder à sua passagem para o nível microscópico, mantendo-se a esse nível as mesmas formas de energia que já conhecíamos macroscopicamente.

O facto fundamental é que a passagem de energia do nível macroscópico para o nível microscópico nunca é completamente invertível, isto é, enquanto que a

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passagem de energia do nível macroscópico para o nível microscópico (dissipação) acontece em todos os fenómenos naturais, a conversão de energia do nível microscópico para o nível macroscópico obedece a condicionantes suplementares e nunca se realiza completamente (no mundo real). Temos assim que:

O calor é uma permuta de energia interna26,27

Para a Termodinâmica Macroscópica Clássica é irrelevante a forma ou formas, conhecidas ou desconhecidas, que a energia assume enquanto energia interna. Para a elaboração da sua estrutura conceptual bastam os pressupostos de que tal energia existe e de que, globalmente, a energia se conserva. Este conceito base, associado ao da existência de irreversibilidade que a dissipação traduz (2º princípio), é quanto basta para deduzir um número muito importante de propriedades e relações fundamentais. A pura visão macroscópica do sistema termodinâmico fica porém enriquecida quando a perspectiva microscópica lhe é associada.

Por outro lado, o dado central a ter em conta em qualquer modelo microscópico da matéria é de que nesse modelo a energia não se dissipe. Na sua forma mais elementar, a questão que surge então é: como e porquê se conserva a energia num sistema isolado de tal modo que ela possa permanecer indefinidamente constante?

A resposta surge inspirada nos modelos mecânicos macroscópicos. Se imaginarmos a matéria formada por pontos materiais em movimento, realizando entre si choques perfeitos, a energia cinética do conjunto mantém-se. O choque elástico destes pontos materiais com a parede do sistema (se o número de pontos for muito grande e o período de observação suficientemente longo) manifesta-se exteriormente como uma pressão. O modelo de gás perfeito monoatómico corresponde a esta idealização.

Será então possível admitir que os choques entre os pontos materiais com que idealizamos o gás perfeito não seja perfeitamente elástico?

26 O termo calor deve usar-se em sentido análogo ao da chuva. Uma nuvem não é chuva acumulada,

tal como a água que resulta de ter chovido não é chuva, mas sim água. O calor, tal como a chuva, só existe como trânsito ou passagem de energia interna de um sistema para outro .

27 No entanto, o calor não é o único tipo de permuta de energia interna. Por exemplo, é também possível permutar energia interna através da difusão de massa.

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É evidente que não, porque se o choque fosse inelástico haveria dissipação de energia mecânica (a nível microscópico) pelo que teríamos de admitir que o ponto material que representava o átomo teria de possuir uma estrutura mais complicada do que um ponto material, estrutura essa que teria novamente de comportar um nível em que voltasse a admitir-se a conservação da energia numa das formas contempladas pela Física Perfeita.

Este exemplo simples e clássico do gás perfeito monoatómico ilustra a questão central que desejamos sublinhar: nos modelos microscópicos de constituição da matéria, há sempre um nível último em que as únicas formas de energia concebíveis são as da Física Perfeita pois elas são as únicas que comportam a exigência formal imposta pela conservação de energia e pela perpetuidade dessa mesma conservação. Ao nível microscópico fundamental não pode pois haver dissipação, o que implica a reversibilidade no tempo, ou ainda a indistinguibilidade do passado e do futuro.

2.3.2. Postulado da Dissipação Consideremos um sistema isolado, separado em dois subsistemas que trocam energia entre si (Figura 1).

Figura 1 - Sistema isolado, com dois subsistemas.

Parede adienergética

Parede adiabática Admitamos que a energia contida em A é U(A) e em B, U(B). A energia do sistema conjunto (A + B), U(A+B) é dada por

( ) ( ) ( )A B A BU U U+ = + . (2.7)

Por simplicidade, admitamos que A é fisicamente homogéneo, e vai ser a partir de agora o objecto de estudo. Neste entendimento, ao subsistema A chamare-mos simplesmente sistema , e a B chamaremos exterior. Pressupomos que em B se encontra o observador que vai procurar inferir o que se passa no interior

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de A a partir do que pode observar e medir em B. Supomos também que no interior de B não há dissipação de energia nas formas macroscópicas da Física Perfeita. Nesta situação idealizada, no sistema B, o universo é completamente descrito pelas leis da Física Perfeita.

Suponhamos agora que a parede que separa A de B é adiabática.28Assim, as permutas de energia entre A e B só podem assumir as formas conhecidas da Física Perfeita. Por esse facto, o observador que se encontra em B pode medir exteriormente a A todos os fluxos de energia perfeita que nele entram ou que dele saiam.

Sejam então ( )1 , , nx x… as variáveis externas generalizadas através das quais

se processa a transferência de energia com A, e sejam ( )1, , nΠ Π… as forças

generalizadas que lhes estão associadas. Por definição, tanto as forças generalizadas como as variáveis externas se podem medir em B (exterior de A) sem restrições.

O fluxo elementar de energia que A troca com o seu exterior pode assim exprimir-se, em cada instante, por:

( )1 1

1

nA

n n i ii

dU dx dx dx=

= Π + + Π = Π∑L (2.8)

Tendo em conta que a configuração externa do sistema é dada a cada instante pelo valor das coordenadas externas extensivas xi (a cuja variação está associ-ado o trabalho generalizado realizado por Πi), quando as variáveis externas

descrevem um ciclo, o sistema voltou ao ponto de partida tal como descrito pelas coordenadas externas que descrevem totalmente a sua configuração ou estado no âmbito da Física Perfeita.

Durante a descrição do ciclo, houve apenas trocas de energia perfeita, e apenas desta, porque a parede é adiabática.

Matematicamente, o saldo de toda a energia (nas formas macroscópicas da Física Perfeita) permutada ao longo do ciclo é dado por:

( )

1

nA

i ii

dx U=

Π = ∆∑∫Ñ (2.9)

28 Atente-se no papel crucial que desempenha na dedução o conceito de parede adiabática e a impor-

tância que este conceito tem para todos os desenvolvimentos posteriores.

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2 – Princípios da Termodinâmica

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Se houver conservação da energia perfeita29, o saldo final é evidentemente nulo, ( ) 0AU∆ = , e o estado final é rigorosamente igual ao estado inicial.

Neste caso, nada distingue, fisicamente, o instante em que o ciclo começou do instante em que o ciclo terminou, nem o sentido em que o ciclo foi descrito. Fisicamente, seria como se não tivesse havido ciclo algum, pois dessa evolução temporal não ficaria vestígio fisicamente detectável.

Essa não é, porém, a realidade macroscópica do mundo em que vivemos, de-vido à existência de dissipação das formas macroscópicas da energia perfeita, sempre que as mesmas se permutam ou convertem entre si.

O reconhecimento desta realidade fundamental é expresso sob a forma do Postulado da Dissipação, que podemos exprimir rigorosamente, em termos matemáticos, como :

0i ii

dxΠ ≥∑∫Ñ (2.10)

ou seja,

Num processo adiabático em que as variáveis externas extensivas

descrevem um ciclo, a energia interna nunca diminui.

Este postulado é equivalente ao 2º Princípio da Termodinâmica.

Exemplo. Para que o experimentador possa alterar algum dos xi, e obrigar assim o sistema a evoluir, terá de actuar sobre a força generalizada que lhe está associada (tal como sucede na mecânica, é necessária uma força para que se altere o estado de equilíbrio). Por exemplo, se quisermos variar o volume ocupado por um gás no interior de um cilindro com um êmbolo móvel, actuamos sobre (modificamos) a força generalizada Π (Figura 2).

29 Energia perfeita, como fàcilmente se infere, é o vocábulo que utilizamos para designar as formas

macroscópicas da Física Perfeita. São as formas de energia não associadas a energia interna ou movimentos microscópicos, isto é, são todas as formas de energia que podem ser permutadas através de uma parede adiabática (e portanto, impermeável).

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Figura 2 – Compressão de um gás

Nas situações reais, as forças generalizadas Π não são, em geral, univocamente determinadas pelos xi30. Se o fossem, o integral curvilíneo que exprime o postulado da dissipação seria nulo 31. Nesse caso ideal, que corresponderia à ausência de dissipação, teríamos o que definimos como evolução reversível de primeira espécie. Isto é, seria:

0i ii

dxΠ =∑∫Ñ (2.11)

No caso geral, que o postulado da dissipação exprime, o não anulamento do integral curvilíneo resulta de, para um mesmo deslocamento generalizado dxi , o valor de Π i não ser igual para dxi>0 e para dxi<0

De facto, o valor de Πi depende, em geral, da velocidade a que o deslocamen-to se faz, isto é, de dxi/dt. Daí que se tenha generalizado a ideia de que num processo de evolução tão lento que se possa considerar quase-estático, a relação (2.11) se verifica sempre, o que corresponderia ao limite :

0idxdt

Resultaria assim que, de entre todos os ciclos (2.10), existiria o caso limite (2.11), correspondente à reversibilidade de primeira espécie e para a qual as forças generalizadas Πi assumiriam o valor particular Fi, isto é

30 Não esquecer que a parede do sistema é adiabática.

31 O integral curvilíneo ao longo de um ciclo fechado é necessáriamente nulo se as forças forem funções unívocas do ponto. No caso vertente, é nulo porque, por hipótese, não há dissipação de energia no sistema B, onde os campos de forças são conservativos e, por consequência, derivam de potenciais.

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i0limi

i dx dtF

→= Π ,32

Supondo que os Fi existem, o Postulado da Dissipação exprime-se também

por:

( ) 0i i iF dxΠ − ≥ (2.12)

ou seja,

numa evolução adiabática real o sistema recebe sempre mais energia do que a que cede para igual valor de | |dxi

Para interpretar a expressão (2.12), note-se que as forças ? i e Fi são exercidas no sentido do deslocamento dxi, isto é, têm o mesmo sinal. Assim, as três grandezas envolvidas na expressão (2.12) ou são todas positivas ou são todas negativas. Caso sejam positivas, concluímos que i iFΠ > . Caso sejam

negativas, concluímos que i iFΠ < . Ambos os casos significam que i iFΠ > .

Deve notar-se que (devido às hipóteses feitas) as grandezas envolvidas são sempre directamente mensuraveis no exterior do sistema em estudo, dispensan-do assim qualquer hipótese sobre a sua constituição ou sobre o que se passa no seu interior. De facto, apenas foram tidas em conta as reacções que o sistema manifestou às interacções com as forças que foram aplicadas do exterior, cujo trabalho realizado pode ser medido (e como tal os fluxos de energia com o sistema) pois os deslocamentos também o puderam ser, univocamente. Deste modo, é possível descrever sempre a evolução do sistema nas coordenadas (U, x1, x2 , ..., xn), em que U representa as variações de energia interna a partir de um estado de referência.

As Figura 3, Figura 4, Figura 5 e Figura 6 exemplificam as questões apresentadas nesta secção.

32 Em rigor, é desnecessário que esta relação se verifique no limite. O sentido rigoroso que deve ser

dado ao de uma evolução quase-estática não é ser arbitrariamente lenta mas o ser nula a variação de energia interna num ciclo adiabático, que é o significado de (2.11).

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Figura 3 – Evolução adiabática irreversível de 1ª espécie.

O sistema descreve um ciclo fechado nas coordenadas externas xi. A energia interna aumenta.

Figura 4 – Evolução adiabática reversível.

O sistema descreve um ciclo fechado nas coordenadas externas xi mas a energia interna não aumenta. O sistema cede a mesma energia que recebeu.

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Figura 5 – Expansão de um gás real para o vácuo e recompressão qua se estática.

Partindo do estado inicial A, o gás expande-se para o vácuo (Π=0) até B. Entre A e B não há variação de energia interna. Para recomprimir o gás é necessário aplicar ao êmbolo a força Π. O trabalho realizado por esta força faz aumentar a energia interna. A evolução A→ B não seria representável em coordenadas (P,V) em que P é a pressão no interior do êmbolo, pois P não é definido numa situação de não equilíbrio interno. Mas é representável em (Π ,V).

U

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Figura 6 – Experiência Fundamental de Joule

A descida do peso realiza trabalho que as pás dissipam por atrito viscoso no fluido que enche o calorímetro, cuja parede (adiabática) não deixa passar calor. O trabalho fornecido é medido pelo deslocamento do peso e corresponde à diminuição da sua energia mecânica potencial. Entregue a si próprio, o peso desce. Espontaneamente, a energia que foi transferida para o sistema adiabático (calorímetro) nunca volta a fluir para o exterior, fazendo o peso subir. O processo é puramente dissipativo pois o calorímetro apenas é susceptível de receber energia. A entropia do sistema adiabático aumentou devido a uma irreversibilidade de primeira espécie. O efeito final da dissipação de energia mecânica é totalmente equivalente ao de um fornecimento de calor. A única forma de o sistema (calorímetro adiabático) poder voltar ao estado inicial (retomando a entropia que tinha) é cedendo energia interna, sob a forma de calor, ao exterior, deixando portanto de ser adiabático. A experiência mostra como todas as medidas calorimétricas se podem reduzir à medida de outras formas de energia. A experiência de Joule ilustra, de modo exemplar, o primeiro e o segundo princípios da Termodinâmica.

I

Peso

Calorímetro:parede adiabática

Pás

2.3.3. Implicações da Evolução Adiabática Reversível Para a evolução adiabática reversível é

Fdxi

ii∑ =0

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50

Considerando F1 ... Fn como as componentes de um vector, a relação anterior é equivalente à afirmação de que rot F=0 ou ainda que F=grad Φ, o que significa que F deriva do potencial escalar Φ.

Mas aquela relação implica também que o sistema opôe sempre uma força igual e oposta à que o exterior exerce sobre ele. Daqui resulta que

dU d x dxi

ii= − = −∑Φ Φ∂

e portanto U=U(x1 ... xn,ξ ) , sendo ξ uma constante de integração independente das coordenadas x.

Se, por exemplo, a constituição do sistema for tal que todas as suas permutas de energia com o exterior numa evolução adiabática reversível se puderem exprimir pela variação da coordenada externa V (volume), como sucede com um gás, será

U=U(V,ξ)

e a força generalizada associada a essa coordenada será :

− =P UV

∂∂

Ou seja a Pressão33 que o sistema exerce sobre a parede que o confina.

Deve notar-se que esta pressão iguala a que o exterior exerce sobre o sistema pois estamos a supôr que se trata de uma evolução reversível. Se a evolução não fosse reversível, a pressão exercida pelo exterior sobre o sistema estaria sempre definida mas a Pressão do sistema não estaria.

Na situação representada na Figura 2, e na Figura 5, a pressão exterior seria dada por p=Π/A , sendo A a área do êmbolo (suposto rígido e deslocando-se sem atrito) e p=-P.

No caso da Fig.5, em que Π=0 durante a expansão para o vácuo, dU=0, pois o sistema não fornece qualquer energia ao exterior. A Pressão que o sistema (gás) exerce sobre o êmbolo (suposto sem inércia) é então nula.

33 O sinal de P resulta da convenção de sinais adoptada. Sendo dU=-PdV, dU é positivo quando

dV<0, o que exige que dP<0.

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Para distinguir a Pressão que o sistema exerce sobre a parede que o confina, da pressão que sobre ela o exterior exerce, usaremos, respectivamente, os símbolos P e p A igualdade de P e p só se verifica nas situações de reversibilidade de 1ª espécie.

Implicações da Evolução Adiabática Irreversível

Consideremos de novo a situação representada esquematicamente na Fig.4, correspondente a um ciclo fechado nas coordenadas externas quando o sistema é adiabático e a evolução reversível.

Por hipótese, as variáveis externas em que o ciclo foi descrito contemplam todas as formas macroscópicas de energia perfeita que o sistema pode permutar com o exterior, e estas variáveis são suficientes para determinar univocamente a energia interna que o sistema possui e as reacções (como p.ex. a pressão) que ele opõe à interacção com o exterior se essa interacção for reversível. Isto é, o comportamento do sistema passou a ser previsível se os processos que sofre forem adiabáticos reversíveis.

Se os processos não forem reversíveis, como esquematicamente se representa na Fig 3, torna-se evidente que o espaço definido pelas variáveis externas x é insuficiente para determinar a energia interna, U , de modo unívoco.

Tendo em conta que as coordenadas ou variáveis externas x esgotaram os graus de liberdade através dos quais se pode permutar energia através de uma parede adiabática, teremos de concluir que será necessário ter em conta variáveis adicionais e que essas variáveis terão de ser internas, se quisermos descrever de modo unívoco as evoluções da energia interna do sistema termodinâmico num sistema de coordenadas generalizadas que lhe seja intrínseco.34

Posto de outro modo, trata-se de constatar que, tendo havido dissipação de energia das formas perfeitas, e havendo conservação de energia total, é imprescindível a introdução de variáveis adicionais que quantifiquem a energia que passou às formas microscópicas. Essas novas variáveis, impossíveis de medir directamente, serão necessariamente variáveis internas.

Por outro lado, e tendo em conta o Postulado da Dissipação, conclui-se que, se a energia interna nunca pode diminuir num processo adiabático em que as coor-

34 Intrínseco no sentido em que permita conhecer a energia interna sem necessidade de recurso a

medidas no seu exerior. Esta é, aliás, a finalidade da termodinâmica.

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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denadas externas descrevem um ciclo, então é necessário que a parede deixe de ser adiabática para que a energia (interna) do sistema possa regressar ao estado inicial no fim do ciclo.

Para que a quantidade (Uf - Ui) possa ser extraída, não só será necessário que a parede deixe de ser adiabática mas também que essa transferência se fa-ça pelas coordenadas ou variáveis internas35. Isto é, nas condições deste problema, essa energia só pode ser transferida sob a forma de calor.

Concluímos assim pela rigorosa definição do conceito de calor:

Calor é a única forma de energia que pode ser permutada pelo

sistema com o exterior através de uma parede impermeável, quando as variáveis externas permanecem constantes.

Por outro lado, resulta da própria definição de energia interna, que para a sua variação é irrelevante a forma de energia macroscópica que lhe deu origem pois esta, ao dissipar-se, perdeu toda identidade macroscópica que possuía.

Para abordar esta questão, consideramos de novo as trocas de energia entre os sistemas A e B, tal como anteriormente, mas admitindo agora que a parede que os separa não permite a variação de qualquer das coordenadas externas xi, além de ser diatérmica. Isto é, a única permuta possível de energia entre os sistemas A e B é a de energia interna (ou seja, dado que a parede é impermeável, os fluxos de energia podem apenas assumir a forma de calor).

Ora, pela própria definição de calor, nesta transferência de energia as coordenadas ou variáveis externas permanecem constantes e por isso tal fluxo não é directamente mensurável recorrendo a elas.

Por outro lado, se um sistema cede ou recebe energia interna, e tal apenas pode ser feito através das coordenadas internas, a possibilidade de medir a variação dessas coordenadas internas e das forças generalizadas que lhe estão associadas tornou-se uma questão fundamental.

Para a resolver, é imprescindível conhecer pelo menos um sistema em que o cálculo dessa variação seja possível. Sabido para um, basta fazê-lo inter-accionar com qualquer outro para que saibamos calcular os seus fluxos de

35 Como as coordenadas externas voltaram ao seu valor inicial, só restam as variáveis internas para

extrair a energia interna que resultou da dissipação.

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2 – Princípios da Termodinâmica

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energia interna, tal como fizemos anteriormente para o sistema A a partir da capacidade de calcular ou medir para B todos os seus fluxos de energia. Para isso, voltemos ao caso genérico representado na Figura 3, ou à situação descrita na Figura 5. Em ambos os casos podemos aumentar a energia interna do sistema repondo as coordenadas externas no seu valor. De facto, tanto podemos ir do estado inicial para o estado final através de um processo irreversível em que as variáveis externas descrevem um ciclo voltando ao ponto de partida mantendo a parede adiabática, como podemos ir directamente do estado inicial ao estado final mantendo constantes as variáveis externas e fornecendo calor ao sistema. Esta possibilidade é de crucial importância pois permite-nos sempre quantificar as variações de energia interna recorrendo às formas macroscópicas de energia da Física Perfeita.

Formalmente, designando por S a coordenada interna, podemos sempre escre-ver, supondo constantes as variáveis externas x i, que

constantesi

i

xx

UdU dS

S∂ = ∂

(2.13)

Esta situação idealizada permite dar um imediato significado físico à derivada parcial:

T US xi

= ( )∂∂

cujo papel é idêntico ao de uma força generalizada. O significado físico de T é a temperatura absoluta. A coordenada interna é a Entropia .

Considerando que dU=dQ=TdS, quando as coordenadas externas se mantêm constantes, conclui-se que se dU>0, terá de ser TdS>0. O sinal a adoptar para T ou para dS é arbitrário na condição de ser TdS>0 para dU>0.

A variável S é uma variável extensiva, como resulta da própria definição. Por consistência com o seu aparecimento histórico, considera-se que S aumenta quando U aumenta, pelo que será T>0.

Com a introdução da coordenada interna (Entropia), a energia interna passa a ser univocamente determinada, a menos de uma constante arbitrária, pela relação:

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2 – Princípios da Termodinâmica

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U = U(S, x1,... ,xn)

designada por equação fundamental do sistema termodinâmico, pois contém toda a informação que o caracteriza.

Note-se que, embora seja evidente a necessidade de existirem variáveis internas no modo como se tem vindo a desenvolver a teoria, já o facto de apenas se considerar uma (para além da energia interna) carece de justificação. A justificação mais simples decorre do facto de uma variável ser o bastante para descrever o comportamento dos sistemas termodinâmicos pouco afastados do equilíbrio. Supor inicialmente mais do que uma, permite demonstrar que uma é o suficiente (não havendo constrangimentos internos) para situações próximas do equilíbrio.36

2.3.4. O Crescimento da Entropia nos Processos Naturais: 2ª Lei da Termodinâmica Recapitulemos. As variáveis externas foram introduzidas por referência à Física Perfeita. A questão porém não é definir o que se passa no sistema por referência ao exterior, mas por referência a algo que lhe seja intrínseco, como é a energia interna.

A consideração da evolução adiabática reversível permitiu explicitar, não só a razão de ser das variáveis x como, e sobretudo, o sentido físico das derivadas parciais de U = U(S, x1,... ,xn), isto é, das forças generalizadas internas 37associadas às variações de x .

Mas se U = U(S, x1,... ,xn) tem sentido, qual o significado das forças generalizadas internas quando o processo for irreversível? Esta questão, que já foi qualitativamente tratada, pode ser um pouco mais aprofundada tendo em conta o que se segue.

Como as variáveis (x1,... ,xn) podem ser sempre determinadas do exterior do sistema, sem ambiguidades, podem calcular-se todos os fluxos de energia

36 Ver Domingos (1973).

37 Notar-se-á que, enquanto os xi se podem medir do exterior e são independentes do tipo de evolu-ção ou do estado de eqilíbrio do sistema termodinâmico, o mesmo se não passa com as derivadas parciais de U, razão porque as apelidamos de forças generalizadas internas.

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perfeita trocados com o sistema se as forças generalizadas Π i que lhe estão associadas também forem conhecidas. Daqui resulta que num processo adiabático elementar será sempre:

adiabáticoirreversível 1

n

i ii

dU dx=

= Π∑ (2.14)

Por outro lado, para os mesmos deslocamentos generalizados, se a evolução fosse reversível (o que é possível, pois existe uma variável adicional, a entropia), teríamos:

adiabáticoreversível 1

n

i ii

dU Fdx=

= ∑ (2.15)

Admitindo que a evolução real foi irreversível, calcular a variação de energia interna pela expressão (2.14) daria um valor por defeito se 0dU > e um valor por excesso se 0dU < (devido ao postulado da dissipação). Todavia, se em vez de (2.15) utilizarmos a expressão mais geral

adiabáticoirreversível 1

n

i ii

dU Fdx TdS=

= +∑ , (2.16)

obteremos, igualando (2.14) e (2.16)

( )1

n

i i ii

TdS F dx=

= Π −∑ (2.17)

Pelo Postulado da Dissipação, na forma da equação (2.12), sabemos que o membro direito da equação (2.17) é não-negativo, logo

0TdS ≥ (2.18)

Falta ainda demonstrar que o postulado da dissipação implica que em todos os processos adiabáticos a entropia do sistema só pode aumentar (ou permanecer constante, se o processo for reversível)

Como 0T > , concluímos da equação (2.18) que, em processos adiabáticos,

0dS ≥ . (2.19)

Esta conclusão, que se extrai do postulado da dissipação, corresponde ao enunciado habitual da segunda lei da Termodinâmica, ou do aumento de entro-pia, e pode tomar-se como ponto de partida para a elaboração da teoria.

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2 – Princípios da Termodinâmica

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Assim, a variação de entropia é sempre maior que zero nos processos adiabá-ticos reais (isto é, nas evoluções irreversíveis), pelo que a entropia só pode aumentar. Assim sendo, o sistema só atinge o equilíbrio quando a entropia atingir o seu máximo, compatível com os constrangimentos impostos. O máximo de entropia corresponde necessariamente a um estado de equilíbrio, pois o sistema nesse estado não pode sofrer nenhum processo. De facto, qualquer processo teria que aumentar a entropia, o que é incompatível com o sistema estar no máximo da entropia.

Notas

Na formulação habitual, a afirmação é a de que a entropia num sistema isolado nunca diminui. Como se verifica, não é necessário que o sistema seja isolado mas apenas que seja adiabático.

Tendo em conta o modo como se deduziu a segunda lei a partir do postulado da dissipação, dir-se-ia que a conclusão se aplica apenas ao subsistema que designamos por A. De facto, foi a A que demos as características de um sistema real, pois B foi idealizado como um universo onde, por hipótese, não havia dissipação. Por outro lado, a entropia foi introduzida como uma característica intrínseca do sistema A e de modo tão genérico que as conclusões que se lhe aplicam são válidas para todos os sistemas termodinâmicos.

O sistema A foi considerado como um sistema homogéneo, por simplicidade. Se não fôr fisicamente homogéneo, pode ser dividido em subsistemas que o sejam e aplicam-se então a cada um as conclusões obtidas.

Notar-se-á também que entre A e B não tivemos ainda em conta as trocas de energia sob a forma de energia interna (calor). Para o enunciado da segunda lei, tal como foi deduzida, é desnecessário, pois tal tipo de fluxo surge naturalmente ao considerar-se a interacção entre dois sistemas reais, como se verá seguidamente.

Como num sistema adiabático a entropia só pode aumentar (ou permanecer constante se o processo for reversível), conclui-se que a entropia de um sistema termodinâmico fechado só pode diminuir quando o sistema cede energia interna sob a forma de calor. Inversamente, a entropia aumenta quando o calor é recebido pelo sistema.

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2.4. Ciclo de Carnot Os trabalhos de Sadi Carnot38 tiveram uma importância histórica fundamental e as suas “Reflexões Sobre a Potência Motriz do Fogo”, apesar de utilizarem o conceito de calórico, conduziram ao famoso rendimento do ciclo de Carnot, o rendimento inultrapassável por qualquer máquina térmica independentemente do modo como é constituída ou da substância que descreve o ciclo.

Foram a generalidade e pertinência dos seus argumentos que levaram, poste-riormente, Clausius ao conceito de entropia e ao enunciado clássico da segunda lei da Termodinâmica.

Nos textos clássicos de Termodinâmica, o ciclo de Carnot é a pedra angular no desenvolvimento da teoria. Neste curso, o rendimento do ciclo de Carnot e o limite superior que o mesmo representa para qualquer máquina térmica são uma consequência quase trivial dos conceitos até agora introduzidos e das deduções a que os postulados nos conduziram.

Em particular, para a demonstração do teorema de Carnot basta ter em conta a existência da equação fundamental para qualquer sistema termodinâmico e o princípio da conservação da energia.

Por outro lado, o ciclo de Carnot permite-nos uma abordagem directa à questão da conversão do calor em trabalho e ao significado prático das irreversibilidades de 2ª espécie.

2.4.1. Ciclo O conceito de ciclo desempenha na construção da Termodinâmica Clássica (Clássica≡Histórica) um papel fundamental, pois constitui o modo de evitar qualquer referência ou hipótese explícita relativamente ao que se passa no interior do sistema.

38 Nicolas Léonard Sadi Carnot viveu entre 1796 e 1832 e foi engenheiro militar. O seu pai, Lazare

Nicolas Marguerite Carnot (1753-1823), engenheiro militar e general, foi um dos líderes da Revo-lução Francesa e ficou conhecido como o Grande Carnot e organizador da vitória. Foi o primeiro ministro da guerra de Napoleão e demitiu-se passados 5 meses (1800). Um seu neto, sobrinho de Sadi Carnot e que tinha o mesmo nome, foi Presidente da 3ª República Francesa, desde 1887 até ao seu assassinato em 1894.

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Dizer que o sistema descreve um ciclo é o mesmo que afirmar ser possível identificar de modo absoluto e sem ambiguidades a configuração macroscópica do sistema pelo menos num ponto de partida, que é o ponto ao qual o sistema tem de regressar para que o conjunto de processos que sofreu formem um ciclo.

Este ciclo designa-se habitualmente por ciclo fechado. Mas um ciclo que não é fechado não é um ciclo, pelo que afirmar que é fechado se torna redundante.

2.4.2. Fontes Reversíveis Na discussão clássica do ciclo de Carnot e na construção clássica da Termodi-nâmica, os conceitos de fonte de calor e de fonte de trabalho reversível desempenham um papel fundamental. A sua formulação é por isso apresentada de acordo com a terminologia e conceitos que temos vindo a utilizar.

As fontes de calor reversíveis são sistemas termodinâmicos fechados que podem permutar energia mantendo constantes as coordenadas externas e em que a temperatura no seu interior tem um valor uniforme, embora possa variar ao longo do tempo.

Pela definição, a energia permutada só pode ser energia interna (calor). O sistema termodinâmico (no âmbito da Termodinâmica de Equilíbrio) está sem-pre em equilíbrio interno, o que se traduz pela uniformidade dos variáveis intensivas, nomeadamente a temperatura.

Também podíamos definir as fontes de calor reversíveis como sistemas termodi-nâmicos que estando sempre em equilíbrio interno só podem trocar energia através da coordenada interna entropia.

No ciclo de Carnot há apenas duas fontes. Chama-se por isso fonte quente à fonte a temperatura mais elevada e fonte fria à outra.

As fontes de trabalho reversíveis são sistemas termodinâmicos fechados, em equilíbrio interno (e que portanto não são sede de irreversibilidades de primeira espécie) cujas paredes são adiabáticas.

A Termodinâmica Clássica teve de inventar estes conceitos extrapolando para um limite prático a idealização experimental.

Destas idealizações, a mais difícil de intuitivamente assimilar é a de fonte de calor associada ao processo de transferência reversível de calor. O motivo porque introduzimos o conceito de irreversibilidade de 2ª espécie, resulta, entre outros, deste facto.

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Por outro lado, os conceitos de fontes de calor e trabalho reversível desem-penham um papel fundamental porque é através delas que na Termodinâmica Clássica se vão inferir as propriedades do sistema.

2.4.3. Descrição do Ciclo O ciclo de Carnot é o ciclo descrito por um sistema termodinâmico em contacto exclusivo com fontes de trabalho e fontes de calor reversíveis. O ciclo é constituído pelos processos apresentados de seguida (Figura 7).

Processo A → B. O sistema recebe a quantidade de calor dQAB à temperatura TA de uma fonte de calor reversível. A troca de calor é reversível.39

Processo B → D. O sistema sofre uma evolução adiabática e reversível (logo isentrópica) fornecendo o trabalho τBC a uma fonte de trabalho reversível.40

Processo D → C. O sistema cede uma quantidade de calor dQDC, à tempe-ratura constante Tf a uma segunda fonte de calor reversível.

Processo C → A. O sistema sofre uma evolução adiabática e reversível (logo isentrópica) recebendo a trabalho τCA de uma fonte de trabalho reversível.

Figura 7 – Ciclo de Carnot

Em nenhum dos processos há irreversibilidades de 1ª ou de 2ª espécie, tanto na permuta de energia com as fontes como no interior do sistema.

39 Tal significa que, no sistema conjunto formado pelo sistema que descreve o ciclo mais a fonte,

não há aumento global de entropia durante a transferência de calor. Isto é, no sistema conjunto não há irreversibilidades de 2ª espécie.

40 Ver nota anterior. No sistema conjunto não há irreversibilidades de 1ªespécie.

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O ciclo descrito é o chamado ciclo directo. O ciclo inverso é inteiramente idêntico, mas percorrido em sentido inverso. Neste caso, onde no ciclo directo recebia calor (ou cedia trabalho), passou a ceder calor (ou a receber trabalho). Ao ciclo directo chama-se ciclo motor. Ao ciclo inverso chama-se ciclo frigorífico.

O sistema que sofre a evolução é absolutamente geral, pois não especifica nenhuma substância particular a descrever o ciclo.

2.4.4. Teorema de Carnot O Teorema de Carnot desempenha um papel especial porque trata das conversões de calor em trabalho e exprime a realidade fundamental da natureza ou mundo em que vivemos de que todo o trabalho é convertível em calor mas de que nem todo o calor é convertível em trabalho num processo cíclico.

Sublinhamos cíclico, porque há processos, de que é exemplo a expansão isotérmica de um gás perfeito, em que todo o calor recebido é cedido pelo sistema sob a forma de trabalho. Todavia, o sistema não regressa ao estado inicial.

Enunciado

O rendimento do ciclo de Carnot depende apenas das tempe -raturas extremas e é dado por41:

η τ= = −Q TT

f

q

1

O rendimento é máximo se todos os processos forem reversíveis, tanto de 1ª como de 2ª espécie.

Demonstração

Para aplicar a teoria que já construímos à demonstração do Teorema de Carnot, comecemos por notar que o (sub)sistema A e as fontes formam um sistema total isolado enquanto se desenrola o processo correspondente ao contacto com as fontes.

41 Temperaturas absolutas.

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Notemos ainda que tanto cada uma das fontes como o sistema que descreve o ciclo possuem uma Equação Fundamental que é específica da substância que os forma, isto é, teremos:

U = U (S, X1, ... , Xn) - para o sistema que descreve o ciclo

Ucq = Ucq (Scq) - para a fonte de calor à temperatura Tq = TA = TB

Ucf = Ucf (Scf) - para a fonte de calor à temperatura Tf = TD = TC

Ut = Ut (X1t, ... , Xnt) - para a fonte de trabalho reversível

Note-se que escrevemos a Equação Fundamental da fonte de trabalho reversí-vel independente de S para sublinhar que, por definição, numa fonte de trabalho reversível, a entropia se mantém sempre constante pelo que é desnecessária para a descrição das suas permutas de energia ou das suas evoluções.

Por outro lado, será sempre:42

dQcq = Tcq dScq - para a fonte quente

dQcf = Tcf dScf - para a fonte fria

e será também para o sistema A, sempre

dQA = TA dSA

Consideremos agora , individualmente, cada um dos quatro processos que formam o ciclo.

Processo A → B

No estado inicial A, o sistema encontra-se na configuração

UA = U (SA, X1A, ... , XnA)

No processo A → B, a fonte quente cedeu ao sistema

dQcq = Tcq dScq

e a entropia do sistema aumentou de

42 Pelo índice c referimo-nos à fonte. Notar-se-á que distinguimos a temperatura do sistema da tem-

peratura da fonte, mantendo apenas a exigência de não haver irreversibilidades internas, tanto na fonte como no sistema. Assim, a relação dQ=TdS é sempre válida, pois T e dS referem-se ao mesmo sistema termodinâmico.

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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cq

AB

QdS

T

δ=

Se o processo não for infinitesimal obter-se-á, porque TAB é constante ( evolução é isotérmica)

Qcq = Tcq (ScqA - ScqB)

e para o sistema

S S QT

QTB A

cq

AB

AB

AB

− = = 43

Durante o processo A ? B, o sistema recebeu calor (entropia) da fonte quente e cedeu trabalho, pelo que as suas coordenadas externas se alteraram para X1B, ... , XnB.

A variação total de energia interna do sistema, entre A e B, foi portanto,

UB - UA = tAB + QAB = U (SB, X1B, ... , XnB) - U (SA, X1A, ... , XnA)

Processo B → C

Como o processo é adiabático e reversível a entropia do sistema não se altera, pelo que SC = SB. O sistema apenas cede trabalho à fonte de trabalho (reversível) no valor de

UC - UB = U (SB, X1C, ... , XnC) - U (SB, X1B, ... , XnB)

Processo C → D

Se notarmos que no processo A → B a entropia do sistema aumentou de SA para SB, e que o processo C → D é adiabático, conclui-se imediatamente que o sistema só pode voltar ao estado inicial se ceder no processo C → D toda a entropia que recebeu desde o estado inicial44. O sistema terá, portanto, de ceder à fonte fria a quantidade de calor

43 Porque o calor recebido pelo sistema é igual ao cedido pela fonte.

44 Pois a única forma que um sistema termodinâmico tem de reduzir a sua entropia é cedendo calor e nos troços do ciclo em que permutou trabalho isso é impossível porque esses processos são adiabáticos.

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Q S STCD

A B

CD

= −.

Durante o processo, trocou também o trabalho correspondente à passagem da configuração (X1C, ... , XnC) à configuração (X1D, ... , Xno).

Processo D → A

O sistema regressa adiabatica e reversivelmente ao estado inicial para o que apenas pode ceder trabalho à fonte de trabalho (não pode trocar calor, e portanto entropia , porque o processo é adiabático).

Como o sistema regressa ao estado inicial, a sua energia interna é a mesma que tinha quando iniciou o ciclo. Pelo princípio da conservação da energia, resulta que o saldo dos trabalhos trocados pelo sistema com as fontes de trabalho reversível só pode provir do saldo das suas trocas de calor com as fontes de calor. Ora o sistema recebe da fonte quente a energia

Qq = Tq ∆Sq

e com ela a entropia

∆Sq (= SB - SA).

Para o sistema voltar ao estado inicial teve de ceder à fonte fria a entropia ∆Sq que recebeu e para isso teve que lhe ceder a quantidade de calor

Qf = Tf∆Sq.

A quantidade de calor convertido em trabalho foi portanto:

τ= Qq - Qf = (Tq - Tf) ∆S

em que

∆S = SA - SB = SC - SD

Como o rendimento do ciclo é definido pelo quociente do trabalho cedido pelo quantidade de calor recebida , isto é:

η τ= = − = −Q

T T ST S

T TTq

q f

q

q f

q

( )∆∆

ou seja

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η = −1 TT

q

f

como desejávamos demonstrar.

Notas

Como se constata, a demonstração é quase trivial quando o princípio da conservação da energia e a existência de uma Equação Fundamental são dados adquiridos.

O Teorema de Carnot, tal como deduzido, aproxima-se da concepção inicial de Carnot, que via numa diferença de temperaturas o análogo de uma diferença de cotas numa queda de água (diferença de energia potencial), que poderia ser aproveitada para a produção de trabalho mecânico (o análogo da água que desce é a entropia e o da altura da queda a diferença de temperatura).

Todavia, Carnot utilizou o conceito de calórico e este não permite a dedução do teorema se o calórico fôr entendido como o era na época.

Se Carnot tivesse feito a destrinça conceptual entre dQ, T e dS, (isto é, do que está contido em dQ = T dS), o princípio tal como o “tentou” exprimir estaria correcto. Todavia, e contrariamente ao que é corrente afirmar-se, não há nenhuma prova histórica de que Sadi Carnot tivesse feito essa reelaboração conceptual que teria criado o conceito de entropia.45

2.4.5. Reversibilidades Interna, Externa e Total Tal como enunciado e demonstrado, o Teorema de Carnot (princípio de Carnot nos textos históricos) exige a reversibilidade total no universo formado pelo sistema e pelas fontes, universo esse que é isolado. A reversibilidade total exige que todos os processos (no interior do sistema e das fontes bem como na sua interacção) sejam reversíveis (de 1ª e 2ª espécie). A reversibilidade total permite que a realização do ciclo inverso anule completamente todos os efeitos do ciclo directo, e inversamente.

45 Que o rendimento de qualquer conversor de energia deve ser máximo para um processo reversível

foi extensamente defendido por Lazare Carnot (pai de Sadi Carnot). Lazare Carnot tratou das conversões de energia no âmbito da "Física Perfeita" (máquinas hidráulicas, etc. ...) e designava o caso limite da reversibilidade (correspondente ao que definimos como reversibilidade de 1ª espécie) como movimento geométrico .

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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A reversibilidade total é uma abstracção fundamental na construção da Termodinâmica Clássica (Clausius, Kelvin, Planck, etc.) onde o primeiro princípio consiste na afirmação de que o calor é a forma de energia que é preciso ter em conta para que a energia total se conserve num sistema isolado.

Por outro lado, através dos conceitos de reversibilidade total e através dos conceitos fulcrais de fontes, de trocas de calor e de trabalho reversível, procura-se demonstrar, com a utilização de ciclos de Carnot, (muitas vezes artificiosa) , que

0Q

≥∫Ñ

em que dQ se refere à fonte de calor e T à sua temperatura. A situação

0Q

=∫Ñ

mostra que existe uma função de estado tal que dS = dQ/T46, a que Clausius chamou entropia. Clausius designou também como calor não compensado a diferença

( ) 0B

A BA

QS S

Tδ − − ≥∫

no processo A → B. Este modo de proceder transfere para as fontes o cálculo de todos os fluxos de energia e transforma-se facilmente em ratoeira se as temperaturas do sistema e das fontes não são iguais.

A maior dificuldade conceptual reside no facto da reversibilidade total exigir permutas de calor entre corpos a igual temperatura, o que é contrário ao senso comum. Tal facto leva muitos estudantes a terem sérias dificuldades na aplica-ção da Termodinâmica a situações reais ... conduzindo-os a mecanizar (sem dominar) as aplicações.

Ora, nas situações reais, é desnecessário exigir a reversibilidade total. Para que o formalismo já deduzido seja utilizável nas situações reais, basta que exista reversibilidade interna, a qual é sinónimo de validade "instantânea" da Equação Fundamental.

46 1/T é o factor integrante que multiplicado por dQ transforma o conjunto num diferencial exacto,

isto é, no diferencial da função de estado que é a entropia.

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Termodin âmica Macroscópica

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Diremos, analogamente, que existe reversibilidade externa se as fontes com as quais o sistema troca calor e trabalho também têm reversibilida-de interna (note-se que o próprio conceito de fontes reversíveis o exige), isto é, estão a cada instante em equilíbrio interno.

Resta a interacção entre o sistema e as fontes, e a esta não é necessário exigir que seja reversível de acordo com o formalismo exposto, porque sabemos calcular facilmente o aumento de entropia total que resulta dessa irrever-sibilidade.

Sucede ainda que a irreversibilidade mais corrente e impossível de evitar em termos práticos é a irreversibilidade de 2ª espécie porque a transferência de calor exige uma diferença de temperaturas não infinitesimal se a quantidade a transferir é finita e tiver de ser efectuada em tempo finito como sucede em qualquer motor térmico.

Tendo em atenção as observações anteriores, verifica-se que, seja qual for o ciclo descrito pelo sistema, se ele tem de voltar ao estado inicial, a entropia tem de voltar ao valor que tinha no início.

Segue-se que toda a entropia que o sistema recebeu (seja a proveniente de sistemas de temperatura mais elevada, seja a proveniente de dissipações associadas ao trabalho permutado) tem de ser cedida, o que exige a existência de sistema (ou sistemas) a temperatura mais baixa.47

Tendo em conta este facto, a quantidade de calor que pode ser convertida em trabalho é tanto menor quanto maior for o calor que o sistema é obrigado a ceder para que a sua entropia regresse ao valor inicial, e possa assim fechar-se o ciclo.

Voltando ao ciclo de Carnot e admitindo agora e apenas a reversibilidade interna do sistema e das fontes, será, para o calor recebido da fonte quente

dQq = Tcq dSq para a fonte

mas para o sistema é

dS dQTAB

AB

=

pelo que ,

47 Pelo que a conversão de "calor" em trabalho exige pelo menos duas fontes de calor a temperaturas

diferentes.

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

_________________________________________________________________

67

se TAB < Tcq é dSAB > dSqn.

Isto é, devido à irreversibilidade de 2ª espécie na interacção entre o sistema e a fonte, o sistema recebeu, com a mesma quantidade de calor, mais entropia. Esta entropia, vai o sistema ter que a ceder à fonte fria. Para tal, tem de lhe ceder a quantidade de calor dada por (supondo que tudo o mais foi reversível)

dQf = Tf dSq

Para que esta transferência se faça num processo real, terá de ser

T Tf f fonte(sistema) fria)> (

O que significa que, quanto maior fôr a diferença de temperaturas entre o sistema e a fonte fria , maior será dQf , porque dSq é imposto.

Como o saldo dos trabalhos trocados pelo sistema é o trabalho útil obtido da conversão de calor em trabalho, será

dτ = dQq - dQf

= TAB dSAB - TCD dSAB

= (TAB - TCD) dSAB

e ainda

η* = − = −T TT

TT

AB CD

AB

CD

AB

1

em que TCD e TAB são, agora, as temperaturas do sistema (e não das fontes). Como se vê

η η* ≤

η * será o rendimento do ciclo quando existe apenas reversibilidade interna.

Como é óbvio, se houver no sistema irreversibilidades internas, mais entropia é necessário ceder às fontes frias e portanto mais dQf, diminuindo, concomitante-mente o rendimento.

Do anteriormente exposto se conclui também que:

o rendimento de qualquer ciclo na conversão de calor em trabalho é máximo existindo reversibilidade total.

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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68

a que poderemos acrescentar, para qualquer ciclo real48:

o rendimento máximo de um ciclo real verifica-se quando existe reversibilidade interna e aumenta quando diminuem as irreversibilidades na interacção com as fontes.

Chamamos ciclos endoreversíveis aos ciclos em que apenas existem irreversibilidades de 2ª espécie nas trocas de calor com as fontes.

2.5. Outras Formulações do 2º Princípio da Termodinâmica

Existem diversas formulações alternativas do 2º Princípio da Termodinâmica:

Postulado de Kelvin49:

Uma transformação, cujo único resultado final, fosse transformar em trabalho o calor extraído de uma fonte que tem todos os seus pontos à mesma temperatura, é impossível.

Postulado de Clausius 50:

Uma transformação cujo único resultado final fosse transferir calor de um corpo a dada temperatura para outro corpo a temperatura mais elevada, é impossível.

Postulado de Planck51:

É impossível construir um motor que, trabalhando num ciclo completo, tenha como único efeito levantar um peso e arrefecer um reservatório de calor.

Como facilmente se constata, os postulados ou axiomas de Kelvin e Planck reduzem-se à afirmação de que é impossível converter calor em trabalho, num processo cíclico, utilizando uma só fonte de calor, a temperatura uniforme.

48 Pois para estes a reversibilidade total é impossível.

49 Tal como citado Fermi (1973, p. 29).

50 Tal como citado Fermi (1973, p. 29).

51 Planck (p. 89).

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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69

Embora o postulado de Clausius não refira explicitamente um ciclo, a afirmação equivalente está implicitamente contida na condição "único resultado".

Por exemplo, na conversão de calor em trabalho durante a expansão isotérmica de um gás, o efeito não foi só o fornecimento de trabalho mas também o aumento de volume.

Que uma só fonte de calor não é bastante para converter calor em trabalho é uma consequência de a entropia final do sistema ter de ser igual à inicial. para que o ciclo se feche. Não havendo um sistema a temperatura mais baixa ao qual se cede a entropia recebida, não se pode voltar ao estado inicial. Se a entropia é cedida à temperatura a que foi recebida, o saldo do calor trocado é nulo e portanto também o é o saldo dos trabalhos.

O postulado de Clausius está contido no raciocínio anterior se em vez de um ciclo motor, considerássemos um ciclo inverso.

As observações anteriores mostram como a formulação aqui apresentada contém as outras, como aplicações particulares. Notar-se-á, por outro lado, que enquanto as formulações clássicas apresentadas o fazem, referindo explicitamente o calor, na formulação aqui apresentada é à dissipação, no sentido genérico, das formas macroscópicas de energia da Física Perfeita, que se faz referência.

Qualquer das formulações parte de axiomas e tem de obter resultados consistentes entre si. Todavia, formulações diferentes permitem interpretações e, sobretudo, desenvolvimentos diferentes.

A Mecânica de Lagrange e Hamilton está inteiramente contida na Mecânica de Newton. Mas foram estas reformulações que permitiram os mais notáveis desenvolvimentos posteriores da Física e o nascimento da Mecânica Quântica, por exemplo.

O conceito de Equação Fundamental aqui utilizado foi inicialmente introduzido por Gibbs.

Postular directamente a existência da Equação Fundamental e as suas propriedades foi iniciado por Callen, que divulgou e consagrou um tipo de reflexão iniciado por Tisza.

Começando directamente pelos axiomas da existência de U como função de estado e da entropia e suas propriedades, Gibbs-Tisza-Callen desejaram evitar justificações artificiosas a partir de axiomas pouco claros ou desnecessariamente restritivos, para demonstrar a existência de uma Equação

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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70

Fundamental cuja existência, uma vez provada, permite extrair inúmeras conclusões.

Como, tanto num como noutro caso, é a previsão dos resultados experimentais o teste último da Teoria, o que o desenvolvimento da Termodinâmica Macros-cópica a partir da Equação Fundamental oferece são consideráveis vantagens de generalidade, de concisão e de rigor, para além de tornar clara a ligação com a Termodinâmica Estatística.

Neste curso, o ponto de partida (para além do Princípio de Conservação da Energia comum a todos os textos de Termodinâmica ...) foi o postulado ou princípio da dissipação, porque é a dissipação e a irreversibilidade de 1ª espécie que separa os fenómenos reais dos da Física Perfeita. Este postulado, ou princípio, que a experiência de todos os dias nos mostra existir, conjugado com o princípio (implícita ou explicitamente admitido em todas as formulações) de a Energia Interna ser uma função do ponto no espaço Termodinâmico obriga à existência de coordenadas internas. Usar apenas uma coordenada interna (Entropia) como suficiente é equivalente à afirmação (ou hipótese) de existir equilíbrio ou uniformidade interna. Obtivemos assim, dedutivamente, a Equação Fundamental e os axiomas de Callen como um resultado deduzido. Feita a comparação com os axiomas ou postulados de outras formulações verificamos também que eles estão contidos na formulação que adoptamos.

Deve ainda referir-se, como modo de formular a Termodinâmica (Termoestática) a sugerida por Max Born52 a Carathéodory, da qual resultou um teorema puramente matemático devido a Caratheodory e que afirma:53

Na vizinhança do ponto P de um campo vectorial associado a um pfaffiano integrável há pontos que não podem ligar-se a P por uma curva ergomédica.54

O axioma de Carathéodory, a partir do qual a Termodinâmica se formula, é:

Na vizinhança de qualquer estado de um sistema fechado, há estados que são inacessíveis ao sistema

52 Born (1964).

53 Kestin (1966).

54 A vizinhança do ponto P pode ser arbitrariamente pequena. Se o pfaffiano fôr

i ii

Q dxδ = Π∑ , o mesmo diz-se integrável se existir um factor integrante λ tal que λ dQ é uma diferencial exacta. Uma curva ergomédica é uma curva tal que constantei i

i

dxΠ =∑ .

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Termodin âmica Macroscópica

2 – Princípios da Termodinâmica

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71

através de uma evolução adiabática, seja ela reversível ou irreversível.

Este axioma, utilizando o teorema de Carathéodory, permite a dedução formal da Termodinâmica.

O nosso postulado da dissipação é o equivalente ao axioma de Carathéodory. O teorema de Carathéodory permite a dedução matemática rigorosa, que apresentamos de modo fisicamente necessário e intuitivo, da necessidade de existência da variável interna entropia.

Finalmente, deve assinalar-se o que é específico deste curso tal como vem sendo apresentado:

• A definição do calor por exclusão (como Max. Born sugeriu...) a partir da Física Perfeita.

• A exclusiva utilização de coordenadas externas, o que permitiu evitar qualquer conceito prévio de reversibilidade ou equilíbrio interno.

Deve notar-se que qualquer formulação que utilize variáveis intensivas exige a prévia definição de equilíbrio, reversibilidade, etc , o que gera um ciclo vicioso formal se se procura manter a coerência lógica da exposição.

A importância que a equação de estado dos gases perfeitos assume na Termodinâmica Clássica e também na de Born-Carathéodory é uma conse-quência directa da utilização de variáveis intensivas, ou de uma mistura de variáveis extensivas e intensivas, como ponto de partida.

Nesse tipo de abordagem, a ausência de uma definição rigorosa de transferência de energia sob a forma de calor origina também dificuldades e distorções, que seriam evitáveis.

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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73

3. Formalismo Termodinâmico

3.1. Do Postulado da Dissipação ao Formalismo Termodinâmico

Do postulado da dissipação resulta que num sistema adiabático todos os processos reais fazem aumentar a sua entropia. Quando a entropia do sistema não pode aumentar mais, o sistema já não pode evoluir e atinge portanto o seu equilíbrio natural. Por outras palavras, o sistema atinge o equilíbrio quando a sua entropia é máxima sujeita aos constrangimentos impostos. A partir deste instante, o sistema deixou de distinguir o fluir do tempo.

Sucede também que, sendo S a única variável interna (para além de U), também é só quando se atinge o equilíbrio que S fica bem determinado. Por isso, a própria definição de equilíbrio é feita, formalmente, a partir da validade da própria da equação fundamental.

Assim, o sistema encontra-se em equilíbrio termodinâmico (dados os constrangimentos impostos) se a energia interna de cada um dos subsistemas que o constitui for univocamente determinada (a menos uma constante aditiva) pelo conjunto de coordenadas S, N 1, ... ,Nr que o identificam.

Ora, tanto a energia interna como a entropia são variáveis internas extensivas e não são directamente mensuráveis. Apenas as suas variações são calculáveis. O seu valor depende de uma constante arbitrária correspondente ao estado de referência.

Todavia, e relativamente ao seu cálculo, existe uma diferença fundamental entre S e U, pois as variações de energia interna, U, podem ser instantaneamente conhecidas se medirmos instantaneamente no exterior os fluxos de energia para o sistema, o que não sucede com S, pois a entropia só se pode conhecer depois de o sistema ter atingido a homogeneidade interna das variáveis intensivas em cada subsistema, ou seja o equilíbrio.55 Deste modo, só quando se atinge o

55 Em termos puramente abstractos, tal não seria necessário, porque o conhecimento da equação

fundamental e de todas as variaveis externas, juntamente com a variação instantânea de U permitiria conhecer S. Em termos experimentais, tal é impossível porque as forças que do exterior se aplicam para provocar uma evolução do sistema dependem da situação de não-homogeneidade

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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equilíbrio interno do sistema (ou subsistema) é que é válida a expressão funcional da equação fundamental.

3.2. Axiomática de Tisza-Callen Na sequência dos trabalhos de Laszo Tisza 56, H. B. Callen (1985) iniciou a exposição da Termodinâmica a partir de um conjunto de axiomas ou postulados em que a entropia é apresentada como um conceito à priori e os postulados se justificam à posteriori pela conformidade dos resultados que permitem prever com as observações experimentais.

Inicialmente contestada devido à sua forma axiomática57, a formulação de Tisza-Callen encontra-se hoje consagrada e é ponto de referência obrigatória em todos os bons textos e artigos que tratam da Termodinâmica Macros-cópica58.

A objecção que pode fazer-se à formulação de Tisza-Callen não é, certamente, o seu carácter dedutivo e matematicamente rigoroso mas sim o facto de incluir nos axiomas (ou postulados), o equilíbrio, a entropia e a equação fundamental do sistema termodinâmico e justificar a posteriori tais postulados com o facto de os resultados que deles se deduzem, matematicamente, serem validados pela sua verificação experimental.

Neste curso, o ponto de partida foi a constatação universal de que existe dissipação e/ou a de que o tempo flui em sentido único. Quanto ao princípio da conservação da energia (energia+massa) ele é de tal modo fundamental e indemonstrável que, mais do que discuti-lo, importa extrair dele todas as consequências. Partindo, assim, da formalização do que se pode considerar evidente, a equação fundamental e a entropia surgem como

interna em que o mesmo se encontra. No âmbito da TME esta questão não pode ser adequadamente tratada.

56L.Tisza é professor emérito do MIT. Os seus trabalhos mais importantes foram recolhidos em livro (Tisza, 1966).

57 A maior parte das críticas não tem qualquer consistência e é mero fruto de longos hábitos (maus hábitos!) adquiridos, pois se baseavam na afirmação de que a Termodinâmica, sendo uma teoria física, não devia ser apresentada a partir de axiomas, como uma teoria matemática. É evidente que tal tipo de afirmação esquece que os os princípios da Termodinâmica, tal como os axiomas na Matemática, também não se demonstram.

58A primeira edição do livro de Callen foi publicada em 1959. Este tipo de abordagem da Termodinâmica foi iniciado no I.S.T. em 1960 pelo Prof. António Gouvêa Portela.

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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consequências lógicas dos postulados tendo em conta as definições. Acresce que este modo de tratar o assunto permite entender melhor a essência fenomenológica da irreversibilidade e situar a Termodinâmica Macroscópica de Equilíbrio no seu natural enquadramento e limitações.

A Termodinâmica Macroscópica de Equilíbrio (TME)59 ocupa-se dos sistemas que se encontram em equilíbrio interno e susceptíveis, por isso, de completa ca-racterização através de uma única coordenada interna (a entropia). Quando dois ou mais sistemas termodinâmicos interaccionam, durante a interacção não se encontram em equilíbrio e por isso a TME não pode descrever o que se passa a cada instante em cada sistema , a menos que cada um deles seja suposto em equilíbrio interno e se transfiram para as paredes que os separam todas as descontinuidades nas forças generalizadas e todas as irreversibilidades.

Todavia, englobando todos os sistemas que interactuam num sistema global, a situação final de equilíbrio do conjunto pode ser determinada pelo facto de o sistema total ser isolado e de a posição final de equilíbrio ser a que corresponde à máxima entropia do conjunto.

Agrupar os sistemas que interactuam de modo a que no seu conjunto formem sempre um sistema isolado, foi sistematicamente utilizado por Tisza na constru-ção rigorosa da TME e na clarificação da sua estrutura fundamental, mostrando simultaneamente a importância de que se podem revestir certos pormenores, aparentemente triviais.

3.2.1. Os Postulados de Tisza-Callen Callen (1985) considera um subconjunto dos postulados de Tisza. No entanto, este subconjunto é demasiado pequeno. Apresentamos aqui um subconjunto mais amplo. A apresentação é também reorganizada (tornado-se mais próxima da formulação de Tisza), incluindo uma distinção clara entre os postulados que se aplicam a sistemas simples (SS) e os postulados que se aplicam a sistemas compostos (SC).

Definição de Sistema Simples60. Um sistema simples é definido como sendo macroscopicamente homogéneo, isotrópico e sem cargas eléctricas, suficientemente grande para que os efeitos superficiais possam ser desprezados

59 MTE - Macroscopic Thermodynamics of Equilibrium na designação de Tisza.

60 Inclui o Postulado I e parte do Postulado II de Callen (1985).

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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e sem influência de campos eléctricos, magnéticos ou gravíticos. O sistema sim-ples é completamente caracterizado pela energia interna, U, pelo volume, V, e pelo número de moles de cada componente químico, N1, ..., Nr. Para um sistema simples, é ainda possível definir uma variável de estado adicional, a entropia, S. (SS)

Definição de Sistema Composto . É um conjunto de k sistemas simples espacialmente disjuntos, caracterizados pelas variáveis ( ) ( ) ( ) ( )

1, , ,...,i i i irU V N N ,

com 1, ,i k= … . (SC)

Postulado da Aditividade61. Para um sistema composto,

( )

1

( )

1

( )1 1

1

( )

1

( )

1

ki

i

ki

i

ki

i

ki

r ri

ki

i

U U

V V

N N

N N

S S

=

=

=

=

=

=

=

=

=

=

M M M

onde as variáveis sem índice superior correspondem ao sistema composto. (SC)

Postulado da Equação Fundamental62. A entropia de um sistema sim-ples é uma função das variáveis que o caracterizam, através de uma expressão designada como equação fundamental ( )(1), , , , rS S U V N N= … , sendo que

esta função é: continuamente diferenciável; uma função crescente da energia interna; homogénea de grau 1, isto é,

( ) ( )rr NNVUSNNVUS ,,,,,,,, 11 …… λλλλλ = , para 0λ > . (SS)

61 Inclui parte do Postulado III de Callen (1985).

62 Inclui parte do Postulado III de Callen (1985).

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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A monotonia e diferenciabilidade da entropia em relação à energia interna implicam que é possível inverter a equação fundamental, permitindo escrever:

( )1, , ,..., rU U S V N N= .

As duas formas da equação fundamental são equivalentes. No primeiro caso, dizemos que estamos na representação entrópica, no segundo caso dizemos que estamos na representação energética. Por exemplo, se tivermos

( )( ) 310

2 NVUvRS θ= ,

resolvendo em ordem a U obtemos a equação fundamental na representação energética:

=2

03

Rv

NVSU

θ.

Postulado do Máximo da Entropia 63. Quando é libertado um constrangimento num sistema composto isolado, o estado atingido corresponde à máxima entropia compatível com os constrangimentos restantes.

Verificamos assim que só podemos aplicar a maximização de entropia a sistemas isolados, isto é, sistemas em que a energia total, o volume total e o número de moles total de cada componente químico são constantes. Quando quisermos considerar sistemas que não estão nestas condições, teremos que acrescentar ao sistema que nos interessa um sistema que o envolve, de tal forma que o sistema conjunto que obtemos seja isolado.

Postulado de Nernst64. A entropia de qualquer sistema anula -se para o estado em que

0S

,...,, 1

=

rNNV

U∂∂ .

Tendo em conta os postulados, toda a Termodinâmica (Termoestática) se reduz ao que constitui o

63 Inclui o Postulado II e parte do Postulado III de Callen (1985).

64 Postulado IV de Callen (1985).

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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Problema Central da Termodinâmica Macroscópica de Equilíbrio

(TME)65: Determinar o estado final de equilíbrio que resulta da supressão de

constrangimentos internos num sistema composto e globalmente isolado.

Notas

Quando o sistema global se não encontra em equilíbrio, o mesmo é analisado como um sistema composto, dividido em subsistemas em equilíbrio.

Os subsistemas não estão inicialmente em equilíbrio entre si porque são impedidos de interactuar pelas paredes que os separam (e através das quais se formalizam os constrangimentos). O sistema composto encontra-se por isso numa situação de equilíbrio constrangido.

O processo de interacção dos subsistemas não é em si mesmo descrito no âmbito da TME. Mas o resultado final da sua interacção, isto é, o estado final de equilíbrio, fica univocamente66 determinado por ser o que torna máxima a entropia final.

3.2.2. Compatibilidade com os Postulados As equações fundamentais podem ser obtidas a partir de medições experimentais ou a partir de cálculos de mecânica estatística. Em qualquer dos casos, elas devem obedecer aos postulados. Torna-se assim importante verificar quais as restrições que os postulados impõem sobre as equações fundamentais, isto é, determinar o domínio dos valores de U, V, N1, ..., N r em que a equação fundamental obedece aos postulados. A priori este domínio é ( ),−∞ +∞ para U, ]0,+∞[ para V e [0,+∞[ para os N i. Para esta verificação,

são em primeiro lugar relevantes os postulados relativos a sistemas simples. Num capítulo posterior, veremos que o postulado relativo ao máximo de

65 V. Callen (1985) e Tisza (1966).

66Em situações muito particulares a posição de equilíbrio pode ser indeterminada. Tal sucede quando dois subsistemas interaccionam através duma parede adiabática, caso em que é necessária uma hipótese suplementar acerca da irreversibilidade de 2ª espécie no interior de cada subsistema. Trata-se porém duma situação irreal correspondente a uma experiência conceptual.

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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entropia também impõe restrições sobre a equação fundamental, restrições essas designadas como “condições de estabilidade”.

A verificação do Postulado III corresponde à verificação da propriedade de homogeneidade de grau 1,

( ) ( ), , , ,S U V N S U V Nλ λ λ λ= ,

( ) ( )rr NNVUSNNVUS ,,,,,,,, 11 …… λλλλλ =

e a verificar a diferenciabilidade e continuidade. Para verificar a monotonia, a forma mais directa consiste no cálculo da derivada parcial ( )

1, ,..., rV N NS U∂ ∂ e

determinar de seguida o domínio em que é estritamente positiva.

Existem duas formas de verificar o Postulado de Nernst. Se a equação fôr apresentada na forma energética, é possível calcular imediatamente ( )

1, ,..., rS N NU S∂ ∂ . A expressão resultante terá que ser zero para 0S = .

Se a equação fôr apresentada na forma entrópica e fôr explicitamente invertível, pode-se seguir o mesmo processo que no caso anterior. Caso contrário, calcula-se ( )

1, ,..., rV N NS U∂ ∂ e determina-se os valores das variáveis extensivas

que tornam infinito esta expressão ou zero a sua inversa.

Pode-se também procurar os valores de U para os quais a equação fundamental se anula.

Exemplo

Vamos determinar a compatibilidade com os postulados para sistemas simples da seguinte equação fundamental:

( ) 31

0

2

NVUvR

S

=

θ, com 0≥U ,

e em que R, v0 e ? são constantes positivas.

A expressão para a verificação da homogeneidade é:

( ) ( )( )( )( ) ( ) ( )NVUSNVUvR

UVNvR

NVUS ,,,, 31

0

231

0

2

λθ

λλλλθ

λλλ =

=

=

A verificação da monotonia é feita com

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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80

( ) 031 3231

0

2

,

>

=

∂∂ −UNV

vR

US

NV θ.

A solução da equação

( ) ∞=

=

∂∂ − 3231

0

2

, 31UNV

vR

US

NV θ

é 0=U . Substituindo este valor na equação fundamental, temos 0=S , portanto o Postulado de Nernst verifica-se.

3.3. Primeiras Derivadas da Equação Funda-mental: Variáveis Intensivas

Dado que estamos interessados em processos, e nas variações das variáveis extensivas que lhes estão associadas, iremos estar interessados na forma di-ferencial da equação fundamental. Escrevemos a equação fundamental na forma

( )1, , ,..., rU U S V N N= ,

e aplicamos a derivada exterior (tal como definida em 10.1.3 - Derivação Exterior) a ambos os membros:

1 1 2 1 1

1, ,..., , ,..., 1 , , ,..., , , ,...,

...r r r r

rV N N S N N rS V N N S V N N

U U U UdU dS dV dN dN

S V N N−

∂ ∂ ∂ ∂ = + + + + ∂ ∂ ∂ ∂ Esta expressão vai-nos dar a variação elementar de energia interna num processo elementar. As derivadas parciais que ocorrem nesta equação são designados por variáveis intensivas, considerando-se as seguintes definições:

1, ,..., rV N N

UT

S∂ ≡ ∂

, (3.1)

1, ,..., rS N N

UP

V∂ ≡ ∂

, (3.2)

1 1 1, , ,..., , ,j j r

jj S V N N N N

UN

µ− +

∂≡ ∂

. (3.3)

A forma diferencial da equação fundamental fica então

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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81

1 1 ... r rdU TdS PdV dN dNµ µ= − + + + . (3.4)

A temperatura, a pressão e os potenciais químicos são derivadas parciais de funções de S, V, N1, ..., N r, e portanto são também, em geral, funções de S, V, N1, ..., N r. Temos assim um conjunto de relações funcionais:

( )( )( )

1

1

1

, , ,...,

, , ,...,, , ,...,

r

r

j j r

T T S V N N

P P S V N NS V N Nµ µ

=

==

Estas relações, que expressam as variáveis intensivas em termos das variáveis extensivas independentes, são designadas equações de estado.

Em geral, o conhecimento de uma única equação de estado não constitui conhecimento completo das propriedades67. No entanto, o conhecimento de todas as equações de estado de um sistema é equivalente ao conhecimento da equação fundamental e, portanto, é termodinamicamente completo. De facto, tal como veremos abaixo, a equação de Euler permite recuperar a equação fundamental a partir do conjunto das equações de estado.

Podemos também partir da equação fundamental na forma entrópica:

( )rNNVUSS ,...,,, 1= .

Aplicando derivadas exteriores, temos

rNNVrNNVUNNUNNV

dNNS

dNNS

dVVS

dUUS

dSrrrr 11211 ,...,,

1,...,,,1,...,,,...,,

∂∂++

∂∂+

∂∂+

∂∂= L

Resolvendo a equação (3.4) em ordem a dS, temos

rr dN

TdN

TdV

TP

dUT

dSµµ

−+−+= L111 . (3.5)

Esta é a forma diferencial da equação fundamental na representação entrópica. Dado que os coeficientes de cada diferencial têm que ser iguais, comparando as duas equações anteriores concluímos que

TUS

rNNV

1

,,, 1

=

∂∂

…,

67 Em certas situações, o conhecimento de uma única equação de estado poderá ser suficiente. Isto

são casos particulares, dos quais veremos um abaixo.

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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82

TP

VS

rNNU

=

∂∂

,...,, 1

,

TNS

rNNVU r

1

,...,,,12

µ=

∂∂ ,

...,

TNS r

rNNVUrr

µ=

∂∂

,...,,, 2

.

O facto da equação fundamental ser homogénea de grau um tem consequências relativamente à homogeneidade das equações de estado. Para determinar essas consequências, partimos da expressão para a homogeneidade de grau 1 na representação energética, equação (3.7). Derivando o membro direito de (3.7) em ordem a S, temos

( ) ( ) ( )11 1

, , ,...,, , ,..., , , ,...,r

r r

U S V N N SU S V N N T S V N N

S S Sλ λ λ λ λ

λ λ λ λ λ λ λ λ λλ

∂∂ ∂= =

∂ ∂ ∂Derivando o membro esquerdo de (3.7) em ordem a S, temos

( ) ( ) ( )1 1 1, , ,..., , , ,..., , , ,...,r r rU S V N N U S V N N T S V N NS S

λ λ λ∂ ∂= =∂ ∂

.

Igualando as duas, temos

( ) ( )1 1, , ,..., , , ,...,r rT S V N N T S V N Nλ λ λ λ = .

Conclui-se assim que a temperatura de um subsistema de um sistema simples é igual à temperatura do sistema do qual faz parte. A mesma propriedade aplica-se para a pressão e para os potenciais químicos.

3.4. Equações Molares A homogeneidade de grau um da equação fundamental permite fazer um re-escalamento das propriedades de um sistema com número de moles igual a N para um sistema com 1 mol. De facto, dada a propriedade de homogeneidade, podemos escrever

( ) 11

1, , ,..., , , ,..., r

rU V N N

S U V N N SN N N N N

= ,

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

_________________________________________________________________

83

onde tomámos como factor de escala 1/ Nλ = . Em particular, para um sistema só com um componente, temos

( )1, , , ,1

U VS U V N S

N N N =

.

Substituindo as definições de entropia, energia interna e volume molares, respectivamente (2.2), (2.3) e (2.4) na equação acima, temos

( )1, , ( / , / ,1)S U V N S U N V N

N= .

Podemos interpretar esta equação como querendo dizer que S/N é uma função que só depende de u e v. Esta equação sugere que definamos entropia molar, por analogia com as definições de energia e volume molares, como

( ) ( ), , ,1s u v S u v= .

Ficamos assim com a seguinte expressão:

( )1, , ( , )S U V N s u v

N= .

Analogamente, temos

( , )u u s v= ,

para sistemas só com 1 mol. Aplicando a derivada exterior a ambos os membros:

v s

u udu ds dvs v

∂ ∂ = + ∂ ∂ .

Vamos agora determinar a relação das derivadas parciais que aparecem nesta equação com as variáveis intensivas. Para isso, começamos por provar a igualdade

,v V N

u us s

∂ ∂ = ∂ ∂ .

Temos que

,V N

u du dV dNs ds dV dN

∂ ∧ ∧ = ∂ ∧ ∧ e

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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84

∂∂

FHG

IKJ =

∧∧

⇔∂∂

FHG

IKJ ∧ = ∧ ⇒

∂∂

FHG

IKJ ∧ ∧ = ∧ ∧ ⇔

∂∂

FHG

IKJ = ∧ ∧

∧ ∧

us

du dvds dv

us

ds dv du dvus

ds dv dN du dv dN

us

du dv dNds dv dN

v v v

v

Por outro lado, temos

dvN

dVVN

dN= −12 .

(note-se que dv d V N= b g ). Fazendo o produto exterior à direita por dN de

ambos os membros desta equação, obtemos

1dv dN dV dN

N∧ = ∧ .

Substituindo esta expressão na equação (1.2), obtemos

v

u du dv du dv dNs ds dv ds dv dN

∂ ∧ ∧ ∧ = = ∂ ∧ ∧ ∧ .

Temos agora que

( )( ), ,,

//v V N V NV N

U Nu u U Ts s S N S

∂∂ ∂ ∂ = = = = ∂ ∂ ∂ ∂ .

Analogamente, obtemos

,s N

u Pv

∂ − = ∂ .

Podemos assim escrever

du Tds Pdv= − . (3.6)

É importante distinguir o domínio de aplicação desta expressão do domínio de aplicação da expressão dU TdS PdV= − . A primeira expressão é válida para sistemas em que só um dos componentes químicos pode variar (dado que é só um componente, só pode variar devido a entrada ou sáidas de massa); a segunda expressão só é válida para sistemas em que nenhum dos componentes químicos pode variar (isto é, não existem entradas nem saídas de massa).

A Tabela 1 sintetiza os resultados desta secção e acrescenta alguns outros.

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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85

Tabela 1 – Síntese das equações fundamentais na forma diferencial

Entrópica Energética

Não Molar

1 Componente (sistema aberto)

1 PdS dU dV dN

T T Tµ= + −

dU TdS PdV dNµ= − +

r componentes (sistema fechado e sem reacções químicas)

1 PdS dU dV

T T= +

dU TdS PdV= −

r componentes (sistema aberto e/ou com reacções químicas)

1

1 ri

ii

PdS dU dV dN

T T Tµ

=

= + − ∑ 1

r

i ii

dU TdS PdV dNµ=

= − +∑

Molar 1 Componente (sistema aberto)

1 Pds du dv

T T= +

du Tds Pdv= −

3.5. Expressões para o Trabalho e para o Calor

Chamamos irreversibilidade de 2ª espécie ao aumento de entropia devido à permuta de calor entre subsistemas a temperaturas diferentes.

Esta designação destina-se, entre outras razões, a sublinhar o facto de a troca de energia interna (calor) entre sistemas a temperatura diferente originar sempre um aumento de entropia, por mais lenta ou quase estática que essa transferência seja.

Para uma evolução reversível (de 2ª espécie),

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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86

dQ = T dS

sendo T a temperatura absoluta (suposta uniforme) do sistema e dQ a quantidade de calor que recebe ou cede. Esta relação é válida desde que T seja uniforme e dQ e dS se refiram ao mesmo sistema ( ou subsistema). Mas T dS pode ser diferente de dQ, se o sistema foi sede de irreversibilidades de primeira espécie. T e S referem-se então ao estado final de equilíbrio.

Mostraremos abaixo como esta definição formal de temperatura está de acordo com o nosso conceito qualitativo intuitivo, baseado em sensações fisiológicas de “quente” e “frio”. Também mostraremos abaixo que esta definição de pressão está de acordo com a definição de pressão proveniente da mecânica.

Impondo volume constante (dV=0) e fecho do sistema (N1,...,Nr = 0), temos

dU TdS= .

Nestas condições, o sistema só pode trocar calor, isto é,

dU dQ= .

Concluímos assim que TdS é o fluxo quase-estático de calor:

dQ TdS= .68

Num processo genérico, não podemos integrar a expressão infinitesimal para a energia interna, pois em geral as variáveis intensivas não vão ser função das variáveis de estado (as equações de estado não são aplicáveis a todos os pontos do processo, pois a equação fundamental também não é) e portanto não é possível fazer o integral.

No entanto, dado qualquer estado inicial e final especificado pelas variáveis extensivas, é sempre possível obter a energia interna por integração. Na realidade, estamos a considerar hipotéticos processos quase-estáticos para ir de um estado para outro. Aqui podemos utilizar o facto adicional de que estamos a lidar com o gradiente de um potencial, e portanto podemos de uma só vez fazer a integração para qualquer processo quase-estático entre os dois estados.

Notámos acima que só identificámos a expressão quase-estática para o calor no caso de sistemas fechados. Na realidade, as outras expressões quase-

68 Na verdade, isto não demonstra que TdS seja ainda o fluxo de calor quando varia o número de

moles.

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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estáticas de trabalho só podem ser identificadas porque temos informação de Física Perfeita para as identificar. Assim, torna-se impossível distinguir trabalho químico de calor, na ausência de um mecanismo específico para estas transferências de energia.

Note-se que a partir do momento em que existem modelos específicos para transferência de calor por condução, radiação, etc. já será possível calcular separadamente estas transferências, perdendo-se no entanto a generalidade da Termodinâmica.

3.6. Equações de Euler e de Gibbs-Duhem Como a energia e a entropia são variáveis extensivas, a Equação Fundamental é uma função homogénea de grau 1, ou seja

( ) ( )1 1, , , , , , , ,r rU S V N N U S V N Nλ λ λ λ λ=… … (3.7)

Derivando em relação a λ, obtém-se:

( ) ( ) ( ) ( )11

, , , ,r

i ri i

U U US V N U S V N NS V Nλ λ λ=

∂ ∂ ∂+ + =∂ ∂ ∂∑ …

Como a relação é válida para qualquer λ , é válida para λ = 1 e resulta:

( )11

, , , ,r

i ri i

U U US V N U S V N NS V N=

∂ ∂ ∂+ + =∂ ∂ ∂∑ … .

Dadas as definições nas equações (3.1), (3.2) e (3.3), temos então

1

r

i ii

U TS PV Nµ=

= − +∑ (3.8)

Aplicando o mesmo raciocínio à Equação Fundamental na forma entrópica virá

1

1 ri

ii

PS U V NT T T

µ

=

= + − ∑ (3.9)

Expressão que também se poderia ter obtido directamente de (3.8). Esta expressão é conhecida como Equação de Euler, e mostra como se obtém a equação fundamental se forem conhecidas todas as funções de estado69.

69 Note-se que as equações ou funções de estado devem estar expressas em variáveis extensivas, o

que não é habitualmente o caso das equações empíricas, como, por exemplo,. a dos gases perfeitos, PV NRT= .

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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88

Aplicando a derivada exterior a ambos os membros da equação de Euler (3.8), obtemos

1 1

r r

i i i ii i

dU TdS SdT PdV VdP dN N dµ µ= =

= + − − + +∑ ∑ (3.10)

Subtraindo a esta equação a equação (3.4), obtemos

1

0r

i ii

SdT VdP N dµ=

− + =∑ (3.11)

Repetindo o raciocínio a partir da forma entrópica seria

1

10

ri

ii

PSd Vd N d

T T Tµ

=

+ − = ∑ (3.12)

As equações (3.11) e (3.12) constituem as equações de Gibbs-Duhem, respectivamente na forma energética e entrópica. As relações de Gibbs-Duhem são importantes porque mostram que as variáveis intensivas não são todas independentes. Deste modo, se existirem r+2 variáveis extensivas independentes (S, P, N1, ... , Nr) , só há r+1 variáveis intensivas indepen-dentes. Este resultado é uma consequência da equação fundamental ser ho-mogénea de grau 1.

3.7. Relações de Maxwell As relações de Maxwell exprimem a igualdade entre diferentes derivadas parciais de funções termodinâmicas. Normalmente, a sua derivação exige o recurso às diferentes expressões para os potencia is termodinâmicos abaixo apresentadas, traduzindo-se nas seguintes quatro derivadas parciais:

v s P s

v T P T

P T v Ts v s P

P s v sT v T P

∂ ∂ ∂ ∂ = − = ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ = = − ∂ ∂ ∂ ∂

(3.13)

Utilizando o formalismo das formas diferenciais, é possível reduzir as relações de Maxwell a uma única, obtidas a partir da aplicação da derivada exterior a ambos os membros da equação (3.6):

( ) ( ) ( ) 0d du d Tds d Pdv dT ds dP dv= − ⇒ = ∧ − ∧

Rearrajando, temos

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3 – Formalismo Termodinâmico

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dT ds dP dv∧ = ∧ (3.14)

A equação (3.14) é equivalente às habituais relações de Maxwell (3.13). De facto, dividindo ambos os membros da equação (3.14) pelos produtos exteriores de duas formas-1 que permitem construir derivadas parciais, isto é, todos os produtos de uma das formas-1 no membro esquerdo por uma das formas-1 no membro direito, obtemos as equações (3.13) na linguagem das formas diferenciais:

dP dv dT ds dP dv dT dsds dv ds dv dP ds dP dsdP dv dT ds dP dv dT dsdT dv dT dv dP dT dP dT

∧ ∧ ∧ ∧= =∧ ∧ ∧ ∧∧ ∧ ∧ ∧

= =∧ ∧ ∧ ∧

(3.15)

A operação de aplicação da derivada exterior pode ser feita de uma forma mais intuitiva. Consideremos a aplicação de um integral cíclico a ambos os membros da expressão diferencial:

∫∫∫ −= PdvTdsdu

Dado que u é uma variável de estado, 0=∫du (a soma das variações de uma

variável de estado ao longo de um ciclo fechado é nula). Os integrais no mem-bro direito representam áreas respectivamente nos planos T-s e P-v, mais especificamente as áreas no interior do ciclo. Se o ciclo fôr infinitesimal, estas áreas são também infinitesimais, e podem denotar-se (levando em conta que o produto exterior de dois diferenciais é uma área) respectivamente dsdT ∧ e

dvdP ∧ . Obtemos assim a relação acima.

Mostra-se assim que as relações de Maxwell fundamentalmente exprimem o princípio da conservação da energia.

Podemos aplicar o mesmo raciocínio à expressão

rr dNdNPdVTdSdU µµ +++−= L11 ,

obtendo

011 =∧++∧+∧−∧ rr dNddNddVdPdSdT µµ L

Esta é a relação geral de Maxwell. Para obtermos relações entre derivadas parciais a partir desta equações, é necessário dividir a equação por um produto adequado de dois diferenciais. No entanto, na forma em que está, seja qual fôr um par pelo qual se divida, haverá vários termos que não corresponderão a

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3 – Formalismo Termodinâmico

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derivadas parciais. Na realidade, é necessário eliminar todos menos dois dos pares. Consideremos o caso particular de um só componente químico, r=1:

0=∧+∧−∧ dNddVdPdSdT µ .

Esta equação pode ser multiplicada à direita por um qualquer dos seis diferenciais dT, dS, dP, dV, dµ, dN, produzindo seis equações diferentes:

000

000

=∧∧−∧∧=∧∧−∧∧=∧∧+∧∧=∧∧+∧∧

=∧∧+∧∧−=∧∧+∧∧−

dNdVdPdNdSdTddVdPddSdTdVdNddVdSdTdPdNddPdSdT

dSdNddSdVdPdTdNddTdVdP

µµµµ

µµ

De forma a obter relações entre derivadas parciais, cada uma destas equações pode ser dividida em ambos os membros por um de quatro produtos exteriores de três formas-1. Estes produtos têm que ser tais que só difiram numa única forma-1 dos produtos já existentes na equação. Por exemplo, consideremos a primeira equação:

dTdNddTdVdP ∧∧=∧∧ µ

Para que o membro esquerdo dê uma derivada parcial, é preciso que o dividamos por um produto que só difira numa forma-1. Assim, poderíamos retirar dP, e substituir por dµ ou dN (não pode ser substituído por dT ou dV porque ficariam diferenciais repetidos). Analogamente, poderíamos substituir dV por dµ ou dN ou dT por dµ ou dN. Teríamos assim as seguintes possibilidades:

dNdVdPdTdNdPdTdVdNddVdPdTddPdTdVd

∧∧∧∧∧∧∧∧∧∧∧∧ µµµ

No entanto, as duas possibilidades da última coluna, quando divididas pelo membro direito não produzem uma derivada parcial, pois diferem em mais que uma forma-1. Assim, só existem as seguintes quatro possibilidades:

dTdNdPdTdNd

dTdNdPdTdVdP

dTddPdTdNd

dTddPdTdVdP

dTdVdNdTdNd

dTdVdNdTdVdP

dTdVddTdNd

dTdVddTdVdP

∧∧∧∧

=∧∧∧∧

∧∧∧∧

=∧∧∧∧

∧∧∧∧

=∧∧∧∧

∧∧∧∧

=∧∧∧∧

µµ

µµ

µµµ

µ

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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que correspondem às seguintes relações entre derivadas parciais:

TNTN

TTP

TNTV

TTV

PPV

PNV

VNP

VNP

,,

,,

,,

,,

∂∂

=

∂∂

∂∂

=

∂∂

∂∂

−=

∂∂

∂∂

=

∂∂

µ

µ

µ

µ

µ

µ

Assim, existirão um total de 6 x 4 = 24 relações destas. Consideremos agora o problema em termos inversos. Temos uma certa derivada parcial, e queremos encontrar todas as equações que a envolvem. Por exemplo, temos

dPdNddPdNdSS

PN ∧∧∧∧

=

∂∂

µµ ,

Procuramos onde é que o numerador e denominador aparecem nas seis equações iniciais. O numerador nunca aparece. O denominador aparece na terceira. Utilizamos essa para fazer a substituição, obtendo

PSPN TN

dPdSdTdPdNdSS

,,

∂∂

=∧∧∧∧

−=

∂∂µ

.

Voltamos agora ao caso geral, com r > 1. Para eliminarmos todos menos dois dos pares, é necessário escolher r dos pares (dT, dS), (dP, dV), (dµ1, dN1), ..., (dµr, dNr), e multiplicar à direita. Cada uma destas escolhas corresponde a escolher dois dos pares para ficar de fora, isto são as combinações de r + 2, dois a dois, e a escolher um elemento de cada um dos r pares restantes. Assim, o número total de equações é

rr2

22

+ .

3.8. Segundas Derivadas da Equação Fundamental: Coeficientes Termodinâmicos

As primeiras derivadas da equação fundamental correspondem às forças gene-ralizadas ou variáveis intensivas. As segundas derivadas da equação fundamental expressam propriedades específicas do sistema. Por isso a sua

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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determinação experimental é importante e utiliza-se habitualmente para caracterizar o sistema.

No caso de um sistema simples, essa determinação das segundas derivadas da equação fundamental é feita habitualmente através dos valores de três coe-ficientes, a partir dos quais todas as restantes propriedades termodinâmicas se podem obter utilizando relações fundamentais deduzidas das propriedades da equação fundamental. Para sistemas de um só componente, alguns desses coeficientes são apresentados de seguida.

O coeficiente de expansão (dilatação) térmica isobárica é definido por:

PNP, Tv

v1

TV

V1

=

=

∂∂

∂∂

α .

Este coeficiente exprime a variação do volume, por unidade de volume, quando a temperatura aumenta de uma unidade mantendo a pressão constante (a massa mantém-se constante pois o sistema é fechado).

O coeficiente de compressibilidade isotérmica é definido por

TT,NT P

vvP

VV

?

−=

−=∂∂

∂∂ 11

e exprime a variação do volume, por unidade de volume, quando a pressão au-menta de uma unidade, mantendo a temperatura constante.

A capacidade calorífica molar a pressão constante define-se por:

PNPNPP T

sT

TS

NT

dTdQ

NC

=

=

=

∂∂

∂∂

,,

1 .

A capacidade calorífica molar a pressão constante é igual à energia necessária para aumentar a temperatura do sistema formado por 1 mol de uma unidade mantendo a pressão constante. Habitualmente esta energia é fornecida através de um fluxo de calor.

A capacidade calorífica molar a volume constante é definida por:

vV,NV,Nv T

sT

T S

NT

dTdQ

Nc

=

=

=∂∂

∂∂1

A capacidade calorífica molar a volume constante é igual à energia necessária para aumentar a temperatura do sistema formado por 1 mol de uma unidade mantendo o volume constante.

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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O coeficiente de compressibilidade adiabática define-se como:

sNSs P

vvP

VV

?

−=

−=

∂∂

∂∂ 11

,

Os coeficientes anteriormente definidos não são todos independentes.

Vamos agora provar que estes quatro coeficientes não são independentes entre si. Para isso, partimos, por exemplo, de a, e vamos determinar a equação que dá a sua dependência em relação às outras variáveis. Temos que

PTv

v

=

∂∂α 1 .

Queremos exprimir esta derivada parcial em termos das derivadas parciais associadas a cv, cp e ?T . Só ?T é que não depende de s. No entanto, é claro que não é possível exprimir a só em termos de ?T . Para poder exprimir em função também de cv, cp é necessário introduzir a variável s. A única expressão envolvendo derivadas parciais que nos permite introduzir uma variável nova é

yz z x

f f x fy x y y

∂ ∂ ∂ ∂ = + ∂ ∂ ∂ ∂ .

Aplicando esta expressão, temos

dPdTdPds

dTdsdTdv

vdsdTdsdv

vTs

sv

vTv

v PTs ∧∧

∧∧+

∧∧=

∂∂

∂∂+

∂∂ 1111

Aplicando a relação de Maxwell e simplificando, temos

dPdvdPds

dvdPdTdv

vdvdPdsdv

v ∧∧

∧∧

−∧∧ 11

O par dsdv ∧ só existe na expressão de cv, portanto terá que ser substituído por ( ) dvdTTCv ∧− . O par dPds ∧ só existe na expressão de cp, portanto terá que ser substituído por ( ) dPdTTCP ∧ . O par dTdv ∧ só existe na expressão de ?T , portanto terá que ser substituído por dPdTvT ∧ κ .

Analogamente, demonstra-se que

K KTVNCT S

P

= +α2

.

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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3.8.1. Algoritmo para Simplificação de Derivadas Parciais

Descrição e Explicação do Algoritmo

Este algoritmo permite reduzir expressões com derivadas parciais em sistemas fechados com uma componente, a expressões algébricas nos paramêtros termodinâmicos α, κT e CP. Apresenta-se os passos sucessivos do algoritmo e a sua explicação, que demonstra que qualquer expressão será simplificada pelo algoritmo.

1. Eliminar as derivadas parciais utilizando a relação dYdXdYdZ

XZ

Y ∧∧=

∂∂ .

Nesta fase, temos uma fracção, em que o numerador e o denominador têm pares de produtos dos

seguintes diferenciais: du, df, dh, dg, dT, ds, dP, dv.

2. Eliminar os diferenciais de potenciais, utilizando as expressões

PdvTdsdu −= , PdvsdTdf −−= , vdPTdsdh += , vdPsdTdg +−=

O numerador e o denominador da fracção ficam com quatro diferenciais: dT, ds, dP, dv.

3. Aplicar a propriedade distributiva, obtendo uma soma de produtos de dois termos no numerador e no denominador. Se possível, simplificar

0=∧ dxdx .

O numerador e o denominador são somas dos seguintes seis termos : dT ∧ dS, dT ∧ dP, dv ∧ dP, dT

∧ dv, ds ∧ dP, ds ∧ dv (combinações de quatro diferenciais, dois a dois).

4. Eliminar dT ∧ dS utilizando dT ∧ dS = dP ∧ dV.

O numerador e o denominador têm agora só com cinco produtos distintos.

5. Introduzir os coeficientes termodinâmicos, recorrendo se necessário a dxdydydx ∧−=∧ , utilizando as expressões

dPdTvdPdv ∧=∧ β , dPdTvdvdT T ∧−=∧ κ ,

dPdTT

CdPds P ∧=∧ , dvdT

TC

dvds V ∧=∧

Eliminar os pares dT ∧ dP.

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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95

As relações acima transformam os quadro produtos existentes diferentes de dT ∧ dP em termos com

dT ∧ dP . Assim, todos os termos ficam com o produto dT ∧ dP , que se pode assim eliminar.

6. Se se pretende eliminar CV, usar a relação T

PVTvCC

κβ 2

−= .

7. Simplificar a expressão algébrica obtida.

Exemplo

Problema 3.01 a) dos enunciados de problemas da cadeira de Termodinâmica I (Licenciatura em Engenharia Mecânica). Simplificar a expressão ( )hvT ∂∂ .

dhdvdhdT

∧∧ →

)()(

vdPTdsdvvdPTdsdT

+∧+∧ →

dPvdvdsTdvdPvdTdsTdT

∧+∧∧+∧ →

dPvdvdsTdvdPvdTdvTdP

∧+∧∧+∧ → ( )

( ) dPdTvdPdTvT

CT

dPvdTdPdTvT

TV ∧+∧−

∧+∧−

βκ

β →

( )TvCT

TP ββκβ

−+−

11

3.9. Equilíbrio Termodinâmico

3.9.1. Equilíbrio Térmico Sejam A e B dois sistemas termodinâmicos que só podem trocar calor entre si:

Como o sistema A+B é isolado resulta que:

UT = UA + UB = const.

e

dUA + dUB = 0

É também

ST = SA + SB

e como A e B trocam só permutam energia sob a forma de calor :

dQA + dQB = 0

A

TA

B

TB

Fig 6

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

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Como dQ=TdS para cada um dos sistemas ( pois para cada um é válida a equação fundamental que o caracteriza), será para o sistema A

dQA = TA dSA

e para o sistema B:

dQB= TB dSB

pelo que somando se obtém:

dQA+ dQB =0 = TA dSA + TA dSA

por outro lado é

dS dQTA

A

A

= e

dS dQTB

B

B

=

pelo que a variação de entropia do sistema total é

dS dQ T TA B BB A

( ) ( )+ = −1 1

Se A e B estiverem em equilíbrio térmico, é:

TA = TB = T

resultando:

dSA = - dSB 70

ou seja, a entropia é permutada entre A e B como uma entidade conservada. Mas, no caso geral, é T TA B≠ , pelo que

dS A B( )+ ≥0

Pelo segundo princípio da Termodinâmica, o calor irá fluir no sentido do aumento da entropia, o que implica que irá da temperatura mais alta para a mais

70 T > 0. Em T = 0 teríamos uma indeterminação matemática sem sentido físico.

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Termodinâmica Macroscópica

3 – Formalismo Termodinâmico

_________________________________________________________________

97

baixa, como seria de esperar e qualquer teoria termodinâmica correcta teria de prever.

O resultado anterior é muito importante porque sublinha que:

a permuta de energia interna sob a forma de calor entre sistemas a temperaturas diferentes provoca um aumento de entropia no conjunto dos dois.

Tendo em conta que a temperatura corresponde também a uma força generalizada, a troca de energia interna (calor) entre sistemas com temperaturas diferentes provoca um aumento de entropia tal como F≠Π a provocava. Este processo, como todos em que há aumento de entropia, corresponde a uma dissipação de energia no sentido que iremos precisar quando se analisar a conversão de energia interna em formas macroscópicas da Física Perfeita.

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Termodinâmica Macroscópica

4 – Sistemas Termodinâmicos Simples

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98

4. Sistemas Termodinâmicos Simples

4.1. Gases Perfeitos

4.1.1. Um Gás Perfeito O gás perfeito simples com um componente define-se pelas equações

PV NRT= (4.1)

U cNRT= (4.2)

em que:

• N é o número de moles;

• R é a constante dos gases (8,3145 J mol-1 K-1);

• c é uma constante (para gases monoatómicos, c = 3/2; para outros gases, como O2 ou NO, c ≈5/2 a 7/2, consoante a temperatura.)

Consideramos as equações (4.1) e (4.2) como definindo um modelo que designamos gás perfeito. Este modelo descreve bem os gases reais quando P → 0.71

Estas equações permitem-nos determinar a equação fundamental. O aparecimento explícito de U numa das equações sugere que utilizemos a representação entrópica, ficando as equações (4.1) e (4.2), respectivamente, iguais a:

P NRT V

= (4.3)

1 cNRT U

= (4.4)

71Mais correctamente, a aproximação de gás perfeito é aceitável quando a pressão é muito inferior à

pressão crítica, como adiante se verá.

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Termodinâmica Macroscópica

4 – Sistemas Termodinâmicos Simples

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99

Para obter a terceira equação de estado, passamos as equações (4.5) e (4.4)para a forma molar e substituímos na equação de Gibbs-Duhem molar na representação entrópica:

2 2

cR R cR Rd u du v dv du dv

T u v u vµ = − + − = − −

Simplificando o membro direito e integrando ambos os membros entre um estado de referência e um estado arbitrário (indicando as variáveis de integração com uma pelica), temos

( ) 0 00

' 1 1' '

' '

T u v

T u vd cR du R dv

T u v

µ

µ

µ = − − ∫ ∫ ∫ . (4.6)

Efectuando os integrais em (4.6), obtemos:

0

0 0 0

ln lnu v

cR RT T u v

µµ− = − −

.

Substituindo estas expressões na equação de Euler molar, temos:

0 0

0 0 0 0 0 0

ln ln ln lncR R u v u v

s u v cR R cR R cR Ru v T u v T u v

µ µ= + − + + = + − + + .

Considerando esta equação no estado de referência s0, u0 e v072

, determinamos

00

0

s cR RTµ

= + − .

Obtemos assim a equação fundamental para um gás perfeito:

00 0

ln lnu v

s s cR Ru v

= + + (4.7)

Integração Directa da Forma Molar

A equação fundamental também se pode obter directamente da forma diferencial da equação fundamental na representação entrópica. Substituindo 1/T e P/T, obtém-se

72 A apresentação destas equações leva em conta contributos dos alunos Tiago Veiga e Nuno Cegonho.

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Termodinâmica Macroscópica

4 – Sistemas Termodinâmicos Simples

_________________________________________________________________

100

cR Rds du dv

u v= + . (4.8)

Integrando, obtemos a equação (4.7).

Como se poderá verificar, a Equação Fundamental deduzida não satisfaz o postulado

0lim0

=→

ST

pois da equação (4.7) obtém-se

u3R2

s u

T =

=v∂

e portanto T = 0 exige u = 0 o que implica, pela equação (4.7), S → ∞ .

Esta aparente contradição resulta do facto de as equações de estado de que partimos não serem válidas em todo o espaço termodinâmico e em particular a temperaturas muito baixas.

Se atendermos a que a equação (4.1) teve um papel fundamental na construção histórica da termodinâmica (Clausius, Kelvin, ...) e que a equação (4.2) resultou dos trabalhos fundamentais da expansão de um gás para o vácuo de Gay-Lussac e depois de Joule, temos uma ideia do modo como nasce e se estrutura uma teoria científica.

De facto, (4.1) e (4.2) são válidas no domínio de P e T em que foram inicialmente estabelecidas e dentro do limite de precisão consentido pelos aparelhos disponíveis. Em termos práticos, estas equações continuam a ser utilizáveis em regiões afastadas do ponto crítico.

Se quisermos, porém, ser rigorosos, diremos que o gás descrito por aque-las equações de estado não existe. A tradição termodinâmica chama-lhe gás perfeito ou ideal.

Nenhum dos termos é muito feliz, pois do que se trata é de um modelo matemático que se aproxima do comportamento dos gases reais em certo domínio do espaço termodinâmico. Todavia, devemos salientar o facto de a teoria que temos vindo construir revelar desde já potencialidades bas-tantes para ser capaz de apontar a existência de limitações no próprio modelo ao revelar a sua inconsistência com as propriedades que caracteri-zam a equação fundamental.

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Termodinâmica Macroscópica

4 – Sistemas Termodinâmicos Simples

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101

Posto isto, e ficando claro que ao falar de gás perfeito ou gás ideal nos estamos a referir a um domínio restrito de P e T, continuaremos a falar de gás perfeito por se prestar tão bem a exemplificar os conceitos, sem excessivas manipulações algébricas. Esta equação desempenhará assim o papel de modelo ilustrativo de um sistema termodinâmico simples.

4.1.2. Misturas de Gases Perfeitos Podemos obter a equação fundamental para misturas de gases perfeitos recorrendo ao Teorema de Gibbs, que nos diz que em gases perfeitos todas as grandezas são iguais à soma das grandezas molares parciais. Para aplicar este resultado, é conveniente na equação acima substituir a energia interna pela temperatura. Para isso consideramos a equação térmica no estado de referência,

0 0 0U cN RT= , e aplicamos a definição de energia molar, 0 0u cRT= . Substituindo

estas relações na equação acima, juntamente com a equação de estado térmica, obtemos:

00 0

ln lnj j j j j jj j

T VS N s c N R N R

T N v= + + .

Consideramos assim uma temperatura de referência igual para todos os gases. A energia interna é também a soma da energia interna de cada componente:

1

r

j jj

U N c RT=

= ∑ .

A equação fundamental para uma mistura de gases perfeitos é então73:

01 1 10 0

ln lnr r r

j j j j jj j j j

T VS N s c N R N RT N v= = =

= + +∑ ∑ ∑ .

Assim, a entropia da mistura é igual à soma das entropias na situação em que cada componente da mistura ocupava sozinho o volume total.

Podemos utilizar a equação térmica para eliminar a temperatura, obtendo então:

73 Fica por esclarecer porque é que não introduzimos o índice j na energia interna e no volume.

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Termodinâmica Macroscópica

4 – Sistemas Termodinâmicos Simples

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102

0

10

1 1 10 0

1

ln ln

r

j jr r rj

j j j j jrj j j j

j jj

c NU VS N s c N R N RU N vc N

=

= = =

=

= + +∑

∑ ∑ ∑∑

.

Voltando à equação na forma paramétrica, podemos utilizá-la para compreender a variação de entropia quando misturamos os gases a partir do seu estado puro. Isto é, consideramos cada gas isolado, com uma densidade igual à densidade final, isto é, j jN V N V= . Nesta situação inicial, a entropia é a soma da

entropia de cada gás, isto é:

01 1 10 0

ln lnr r r

jj j j j j

j j j j j

VTS N s c N R N RT N v= = =

= + +∑ ∑ ∑ .

Para podermos comparar as duas expressões, temos que introduzir a variável N:

0

1 1 10 0

01 1 1 10 0

ln ln

ln ln ln

r r r

j j j j jj j j j

r r r rj

j j j j j jj j j j

T V NS N s c N R N RT N N v

NT VN s c N R N R R NT Nv N

= = =

= = = =

= + +

= + + −

∑ ∑ ∑

∑ ∑ ∑ ∑

A expressão só difere da anterior no último termo, que é sempre positivo, e é definido como a entropia de mistura, que é um valor positivo. Assim, a mistura de gases perfeitos é um processo irreversível.

4.2. Gás de van der Waals74 Para descrever melhor o comportamento de gases reais, J. D. Van der Walls propôs em 1873 a seguinte equação de estado:

2

RT aP

v b v= −

− (4.9)

em que a e b são duas constantes que variam com o gás considerado e se podem encontrar em tabelas obtidas de valores experimentais. Para se obter a Equação

74 Tal como chamamos perfeito ao gás descrito pela equação dos gases perfeitos, também chamamos

gás de van der Waals ao modelo descrito pela equação de van der Waals.

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Termodinâmica Macroscópica

4 – Sistemas Termodinâmicos Simples

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Fundamental é necessária uma equação de estado que envolva a energia interna. Esta equação foi proposta por Callen (1985) como sendo

vaucR

T +=

1 ,

obtendo-se como Equação Fundamental do Gás de van der Waals75:

( )0 lnca

s s v b uv

= + − + (4.10)

A qual também não satisfaz a equação fundamental no limite de T → 0 e, portanto, também não é aplicável a muito baixas temperaturas. Todavia, a sua gama de aplicação é muito maior que a dos gases perfeitos e permite, contrariamente a esta, ilustrar aspectos fundamentais do comportamento dos gases reais, como, por exemplo, a mudança de fase.

4.3. Radiação Electromagnética Sob o ponto de vista termodinâmico, a radiação electromagnética ilustra o caso simples mas importante de um sistema que não possui massa mas apenas energia. Seja pois um sistema onde existe o vácuo e cuja parede se encontra à tempera-tura T (Figura 8).

Figura 8 – Representação esquemática de uma cavidade electromagnética

T

V

75 Tendo em conta que a equação de estado de van der Waals não é suficiente para determinar a

equação fundamental, deveríamos, em rigor, chamar ao gás descrito por esta equação fundamental o gás de Van der Waals – Callen.

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Termodinâmica Macroscópica

4 – Sistemas Termodinâmicos Simples

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104

O interior da cavidade possui a energia electromagnética expressa pela lei de Stefan-Boltzman,

4U bVT= , (4.11)

e uma pressão dada por

3U

PV

= , (4.12)

sendo b uma constante com valor b = 7,56 10-16 J m-3 K-4. As relações (4.11) e (4.12) serão por nós consideradas relações empíricas76 correspondentes a duas equações de estado. As duas equações de estado (4.11) e (4.12) podem também escrever-se na forma:

1 4 1 4 1 41b V U

T−= , (4.13)

1 4 3 4 3 413

Pb V U

T−= . (4.14)

Substituindo as equações (4.13) e (4.14) na equação de Euler (agora só com duas variáveis extensivas independentes), obtém-se a equação fundamental

1 4 3 4 1 443

S b U V= . (4.15)

4.4. Elástico de Borracha Linear O vulgar elástico de borracha tem as seguintes propriedades, em primeira aproximação (Figura 9):

• a força é proporcional à deformação;

• a força aumenta com a temperatura a deformação constante.

76 Em verdade podem deduzir-se do electromagnetismo e da mecânica quântica.

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Termodinâmica Macroscópica

4 – Sistemas Termodinâmicos Simples

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105

Figura 9 – Elástico de borracha

L0

F

Estas propriedades podem-se exprimir formalmente como:

Π =−−

bTL LL L

n 0

1 0

, com L L L0 1< < ,

em que:

Π -força associada à deformação do elástico

L0 - comprimento em repouso;

L1 - limite elástico;

b - constante;

n - expoente de que ainda não sabemos o valor .

Além disso, pode admitir-se em primeira aproximação que a energia interna é independente do comprimento, ou seja:

U = c0 L0 T

Como dispomos de uma equação de estado em U e outra em L77, a equação fundamental na forma entrópica será da forma

S = S(U, L)

com

L U

S SdS dU dL

U L∂ ∂ = + ∂ ∂

(4.16)

Como dS é uma forma-1 exacta, para que a força generalizada Π corresponda à força F que se verifica numa evolução reversível de 1ª espécie terá78 de ser

77L é a única variável externa através da qual é possível a permuta de energia.

78A força correspondente à evolução reversível será igual à derivada parcial de S em relação a L. Mas sendo dS uma forma-1 exacta, as derivadas cruzadas são iguais.

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Termodinâmica Macroscópica

4 – Sistemas Termodinâmicos Simples

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106

1

U LL T U T∂ ∂ Π = − ∂ ∂

(4.17)

o que apenas sucede para n = 1. Para n = 1, vem

0 0

1 0

cL L LdS dU b dL

U L L−

= −−

(4.18)

Como o primeiro termo só depende de U e o segundo só depende de L, a equa-ção (4.18) pode integrar-se termo a termo, obtendo-se como equação fun-damental:

( )20

0 00 1 0

ln2

L LU bS S cLU L L

−= + −

− (4.19)

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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107

5. Potenciais Termodinâmicos

Na dedução da Equação Fundamental verificamos que as suas representações na forma energética e na forma entrópica eram intermutáveis. Todavia, o segundo princípio da Termodinâmica foi enunciado relativamente à entropia através da afirmação de que num processo adiabático a entropia nunca diminui. Todavia, nem sempre este enunciado é o mais operacional, seja nas aplicações, seja para certos desenvolvimentos da teoria, em que seria mais útil o enunciado de um princípio de extremo em termos da energia. Este enunciado obtém-se através da demonstração do teorema do mínimo de energia.

5.1. Teorema do Mínimo de Energia

O valor no equilíbrio de qualquer variável não constrangida é o que

minimiza a energia interna quando a entropia total se mantém constante.

Este teorema é uma consequência imediata do princípio do máximo de entropia. Para a sua devida interpretação, considere-se o sistema composto formado pelos sistemas A, B, C,

A

B

C

que no seu todo formam um sistema fechado e adiabático. Como o conjunto (A+B+C) é apenas adiabático pode trocar energia com o exterior desde que não seja sob a forma de calor.

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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108

Considere-se agora que entre A e B foi removido um constrangimento, de tal modo que A e B podem interagir (permutando energia entre si), e mover-se para um novo estado de equilíbrio.

O que o teorema afirma é que o novo estado de equilíbrio corresponde à situa-ção em que UA + UB é mínimo.

Demonstração:

A demonstração será feita por absurdo. De acordo com o segundo princípio, na posição de equilíbrio do sistema composto formado por A+B+C a entropia total S = SA + SB + SC é máxima. Suponhamos agora que UA + UB não é o mínimo compatível com os constrangimentos que existem entre A e B. Nesse caso, e por um processo natural, a energia acima do mínimo que se encontra em A + B poderia ser transferida para C e dissipar-se neste por processos irreversíveis de 1ª espécie, com o que a sua entropia aumentaria. Mas então, a entropia do conjunto A+B+C aumentava, contrariamente à hipótese inicial de que era a máxima possível. Conclui-se portanto que a posição de equilíbrio entre A e B é determinada pelo mínimo de UA + UB. Como o papel dos sistemas A, B e C é intermutável, podemos igualmente concluir que UA + UB + UC é mínimo79.

O sistema C, aqui considerado, apenas se destina a facilitar a demonstração, pois é desnecessário. De facto, suponhamos que o sistema conjunto estava em equilíbrio. Como tal, a sua entropia era a máxima possível compatível com os constrangimentos impostos. Todavia, como o sistema conjunto é apenas adiabático, ele pode trocar com o exterior todas as formas de energia excepto sob a forma de calor. Então, se a sua energia não for a mínima possível compatível com os constrangimentos, essa energia pode ser cedida ao exterior e ser-lhe devolvida por este. Como em qualquer processo natural há sempre dissipação da energia perfeita recebida , a entropia do sistema é maior depois de o exterior lhe devolver a energia recebida. Deste modo, embora a energia total do sistema fica igual à que inicialmente possuía, a sua entropia é agora mais elevada, o que contraria a hipótese inicial de que era a máxima possível.

O teorema do mínimo de energia pode ainda obter-se directamente, por ar-gumentos físicos, do postulado da dissipação. Basta considerar o sistema em estudo e o seu exterior interaccionando através de uma parede adiabática e formando no seu conjunto um sistema isolado. Pelo postulado da dissipação, no

79 Se o conjunto fosse isolado e não apenas adiabático esta afirmação era uma tautologia.

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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final de qualquer ciclo real (ou natural), o sistema recebeu mais energia do que a que cedeu. Esta diferença traduziu-se num aumento da sua entropia. Todavia, o exterior do sistema é também, ele próprio, um sistema termodinâmico em relação ao qual também é válido o postulado da dissipação. Por isso, no final de qualquer ciclo real, a sua entropia também aumentou. Como facilmente se infere, haverá um momento em que qualquer dos sistemas permutou com o outro toda a energia que podia permutar mantendo adiabática a parede que os separa. Isto é, permutaram toda a energia livre de entropia80 que possuíam ou seja, "toda a energia que se podia dissipar foi dissipada"

Enunciado aqui como um Teorema, para acentuar o facto de resultar do princípio de máximo de entropia um sistema fechado e adiabático, este teorema é muitas vezes enunciado como o Princípio do Mínimo de Energia e engloba, como caso particular, o princípio geral do mínimo de energia na física perfeita de que merecem particular referência as expressões utilizadas na mecânica do contínuo, na mecânica dos materiais, estruturas, etc.

A demonstração feita do teorema invocou apenas argumentos físicos. Todavia, ela é susceptível de uma demonstração matemática rigorosa, como se verá de seguida. Para tornar a demonstração mais legível, vamos considerar um sistema composto fechado, só com dois subsistemas. Assim, o sistema composto é descrito pelas variáveis extensivas U(1), U(2), V(1), V(2). Já sabemos que podemos considerar o sistema descrito pelas variáveis U(1), U, V(1), V. A condição de máximo de entropia significa que

( ) ( ) ( ) ( )1 11 1

, , , ,

0 e 0V V U V U U

S SU V∂ ∂ = = ∂ ∂

. (5.1)

Passando as condições (5.1) para a linguagem de formas diferenciais, ficam

( )1 0dS dV dV dU∧ ∧ ∧ = (5.2)

( )1 0dS dV dU dU∧ ∧ ∧ = (5.3)

As condições para que a energia interna seja um extremo são:

80 Livre de entropia no sentido em que não envolve permuta de energia pelas coordenadas internas.

Trata-se portanto de fluxos de energia macroscópica perfeita. Este conceito de energia livre é im-portante, como se verá na sequência do curso.

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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110

( ) ( )

( )

( ) ( )1

1

1 1 1, ,

0V V S

U dU dV dV dSS dS dV dV dS

∂ ∧ ∧ ∧ = = ∂ ∧ ∧ ∧ (5.4)

( ) ( )

( )

( ) ( )1

1

1 1 1, ,

0S S V

U dU dS dS dVV dV dS dS dV∂ ∧ ∧ ∧ = = ∂ ∧ ∧ ∧

(5.5)

A condição (5.2) é equivalente à condição (5.4). Dado que (1) (1) (1)dU TdS PdV= − , a condição (5.3) pode-se reescrever como

( ) ( )1 1 0TdS dV dS dU PdS dV dV dU∧ ∧ ∧ − ∧ ∧ ∧ = . (5.6)

O termo do membro esquerdo é zero pela condição (5.2), ficando portanto demonstrado que

( )1 0dS dV dS dU∧ ∧ ∧ = , (5.7)

que é equivalente à condição (5.5). Ficando assim provado que se o ponto em causa fôr um extremo da entropia, é também um extremo da energia interna.

Dada a completa dualidade existente entre o Mínimo da Energia e o Máximo da Entropia, a estrutura formal da

Termodinâmica pode construir-se tanto a partir do princípio do máximo de entropia como do mínimo da energia.

Aliás, tomando como postulado o mínimo de energia na posição de equilíbrio, a existência de um máximo para a entropia constitui um teorema que se demonstra de modo inteiramente análogo ao que seguimos na demonstração do teorema do mínimo de energia.

Utilizar uma ou outra formulação é equivalente em termos formais, muito embora qualquer delas apresente vantagens consoante o tipo de problema de que se trata.

5.2. Estrutura do Espaço Termodinâmico O espaço termodinâmico fundamental, que temos vindo a considerar, é um es-paço afim, isto é, um espaço em que a distância entre dois pontos não tem sentido físico (como tem na Geometria Euclidiana ou na de Riemann). A este es-paço, em que as coordenadas são propriedades extensivas, chamamos espaço de Gibbs.

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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111

Neste espaço, a utilização de eixos de coordenadas ortogonais não tem nenhum significado particular, e a generalização do seu uso apenas se deve ao hábito e à comodidade que por vezes representa.

No espaço de Gibbs, há todavia invariantes fundamentais que o caracterizam, como adiante veremos (elemento de volume).

Todavia, apesar da sua fundamental importância, na estrutura conceptual e na geometrização da Termoestática, a utilização das coordenadas extensivas base é pouco prática nas aplicações e é sobretudo limitativa na construção prática da Equação Fundamental de sistemas particulares pois estes requerem a obtenção de dados experimentais, mesmo quando, como actualmente sucede, muitas das propriedades são obtidas por cálculo a partir de modelos atómicos ou molecula-res.

Sob o ponto de vista da TME (Termodinâmica Macroscópica de Equilíbrio) as variáveis internas (U e S) não são directamente mensuráveis e têm que se obter por cálculo a partir dos valores conhecidos de outras grandezas.

Como a Equação Fundamental, tanto na forma entrópica como na energética, se exprime em termos das variáveis extensivas, a questão fundamental que se põe é a de saber se é possível exprimir o conteúdo fundamental e toda a informação sobre o sistema que a Equação Fundamental possui utilizando como variáveis independentes não as variáveis extensivas mas sim as intensivas.

Tendo em conta que as variáveis intensivas que desejamos tomar como variáveis independentes são derivadas parciais de primeira ordem da Equação Funda-mental, tal como dados pelas equações (3.1), (3.2) e (3.3), constata-se imediatamente que a mera eliminação de S, U , V, Ni, ...na Equação Fundamental

a partir de T, P, µi, não seria invertível. De facto, ao querermos passar da Equação Fundamental expressa em T, P, µi, aos valores iniciais teríamos de efectuar integrações as quais iriam introduzir funções e constantes de integração arbitrárias, com o que se teria perdido informação que existia na Equação Fundamental original.

Verifica-se, assim, que a transformação a efectuar só será possível se, de um modo único, pudermos definir a Equação Fundamental pelas suas coordenadas (S, V, N1 , ... Nr) ou como a envolvente dos planos tangentes à superfície U = U (S, V, N1 , ... Nr) no espaço de Gibbs.

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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112

Referem-se os planos tangentes à hipersuperfície porque os planos tangentes se definem a partir das derivadas parciais no ponto e as derivadas parciais (variáveis intensivas) são o que desejamos para novas variáveis independentes.

Esta questão foi estudada por Legendre e é análoga à que se põe em mecânica quando se procura no estudo do movimento fazer a sua descrição tomando as velocidades como novas coordenadas independentes e construir a lagrangeana.

5.3. Transformação de Legendre

Seja dada uma função ( )1, , nX Xϕ ϕ= … , com derivadas parciais

continuamente diferenciáveis, e tal que o determinante da matriz Hesseana,

2

, 1, ,i j i j nX X

ϕ

=

∂ ∂ ∂ …

(5.8)

é não nulo em todo o domínio.

Chama-se transformada parcial de Legendre da função F relativamente a um subconjunto das suas variáveis, Xk, com , 1, ,k K K n∈ ⊂ … , à função Φ

obtida de f pela relação:

kk K k

XXϕ

ϕ∈

∂Φ = −

∂∑ . (5.9)

Com a definição

,kk

P k KXϕ∂

≡ ∈∂

, (5.10)

A equação (5.9) fica

k kk K

P Xϕ∈

Φ = − ∑ . (5.11)

Se o número de termos é igual a n, a transformada diz-se total e é identicamente nula, pela equação de Euler, se a função F for homogénea de grau 181.

81 Note-se que se a função F fôr uma equação fundamental escrita na forma molar, então não é, em

geral, homogénea de grau 1, e portanto a transformação total não será identicamente nula.

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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113

Se na transformada parcial Φ eliminarmos os Xi envolvidos na transformada pelas relações (5.10), obtemos Φ em função dos Xi não transformados e das derivadas (variáveis intensivas) relativamente aos Xi que entraram na transformação.

Diferenciando (5.11) teremos:

( )k k k kk K

d d PdX X Pϕ∈

Φ = − +∑ . (5.12)

Por outro lado, com as definições (5.10), temos

1

n

i ii

d PdXϕ=

= ∑ . (5.13)

Substituindo a equação (5.13) na equação (5.12) e simplificando, obtemos

k k k kk K k K

d PdX X dP∉ ∈

Φ = +∑ ∑ , (5.14)

pelo que

,kk

X k KP

∂Φ= − ∈

∂ (5.15)

relação que é simétrica de (5.10). Obtida a transformada de f , isto é Φ, pode também obter-se a transformada parcial de Φ (a que chamaremos Ψ) relativamente aos Pk utilizando o mesmo tipo de transformação:

kk K k

PP∈

∂ΦΨ = Φ −

∂∑ . (5.16)

Esta transformação é possível desde que o determinante da seguinte matriz Hesseana,

2

,i j i j KP P

∂ Φ ∂ ∂

, (5.17)

seja não nulo em todo o domínio.

Dada a equação (5.15), a equação (5.16) escreve-se

k kk K

X P∈

Ψ = Φ + ∑ , (5.18)

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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114

ou seja

k kk K

X P∈

Φ = Ψ − ∑ , (5.19)

Comparando esta expressão com a de Φ obtida da transformada de f verifica-se que ϕ ≡ Ψ , pelo que se conclui que a transformada da transformada de f é a própria função F.

Como a passagem de f à sua transformada é unívoca, e como da transformada de f se passa a f pelo mesmo processo, conclui-se que f e Φ possuem a mesma informação, pois conhecendo uma se obtém univocamente a outra.

A diferença entre f e Φ é que, em Φ, algumas das variáveis independentes pas-saram a ser as variáveis intensivas que escolhemos para intervir na transformada.

Como se verá abaixo, o não anulamento do determinante da Hesseana de f (dada pela expressão (5.8)) é uma condição imposta pela estabilidade intrínseca do sistema termodinâmico, pelo que, se f fôr a Equação Fundamental do sistema, aquela condição se verifica sempre.

Geometricamente, o não anulamento do determinante da Hesseana significa que a curvatura da hipersuperfície que representa a equação fundamental no espaço de Gibbs nunca se anula e portanto nunca muda de sinal. Assim, em cada ponto da superfície existe um só plano tangente que é distinto do plano tangente em qualquer outro ponto. É esta propriedade que permite uma correspondência biunívoca completa entre um ponto na superfície e o seu plano tangente.82

Por este motivo, representar a superfície que representa a Equação Fundamental no espaço de Gibbs dando as suas coordenadas (as variáveis extensivas) ou dando o plano que é tangente no ponto e de que a superfície Φ é a envolvente, torna-se equivalente.

Dando os planos tangentes estamos a considerar como independentes as variáveis intensivas.

É importante ainda referir que a forma geométrica da superfície pode ser acentuadamente diferente se a representarmos num espaço cujos eixos co-ordenados são X1, ... Xn, ou se são , , ,k kP k K X k K∈ ∉ .

82 Desta propriedade também resulta que a hipersuperfície que representa a equação fundamental não

é planificável.

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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115

5.4. Potenciais Termodinâmicos A cada transformada parcial de Legendre da Equação Fundamental (seja na forma energética seja na forma entrópica), corresponde uma nova equação, com a mesma informação que a Equação Fundamental possuía, mas tendo agora como variáveis independentes algumas das variáveis intensivas.

Como a transformada total de Legendre é identicamente nula (como resulta da equação de Euler), na função transformada, pelo menos uma das variáveis é uma variável extensiva.

Às transformadas de Legendre da equação fundamental correspondem aos chamados Potenciais Termodinâmicos. Estes tiveram um papel histórico importante no desenvolvimento da Termodinâmica e as relações entre eles só muito posteriormente à sua introdução foram clarificadas. A transformada de Legendre teve esse papel, ao mostrar que os vários potenciais exprimem essencialmente o mesmo, embora de forma diferente, porque diferentes são as variáveis termodinâmicas tomadas como independentes.

Destes potenciais termodinâmicos, alguns têm nomes "consagrados" devido ao uso generalizado que os seus autores deles fizeram e aos resultados novos que por essa via obtiveram.

Os potenciais termodinâmicos mais conhecidos e importantes são a Energia de Helmholtz, a Entalpia e a Energia de Gibbs, que correspondem às transformadas parciais da equação fundamental na forma energética relativamente à entropia, ao volume, e simultaneamente à entropia e ao volume, respectivamente, e no caso de sistemas simples.

As transformadas parciais de Legendre da equação fundamental na forma entrópica correspondem às chamadas funções de Massieu.

Os potenciais termodinâmicos obtidos por transformadas parciais da equação fundamental na forma energética foram introduzidos por Gibbs em 1875 e são posteriores aos que se deduzem a partir da forma entrópica e se devem a Massieu, que os publicou em 1869.

5.4.1. Energia de Helmholtz, F A energia de Helmholtz corresponde à transformada parcial de Legendre relativa à entropia da equação fundamental na forma energética. A sua finalidade é substituir a entropia pela temperatura, como variável independente. A energia de Helmholtz define-se por:

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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116

F U TS= − (5.20)

Aplicando a derivada exterior à equação (5.20) e usando a expressão para a derivada exterior da energia interna, temos

1

r

i ii

dF SdT PdV dNµ=

= − − + ∑ , (5.21)

donde

1, , , rV N N

FST

∂ = − ∂ …. (5.22)

Eliminando S entre a equação fundamental na forma energética e (5.20), obtém-se a equação fundamental na representação de Helmholtz:

F = F (T,V, N 1, ..., N r)

A utilização da Energia de Helmholtz é indicada sempre que o sistema descreve um processo termodinâmico caracterizado por a temperatura se manter constante.

Exemplo

Vamos neste exemplo determinar a Energia de Helmholtz molar para um gás perfeito simples.

A Energia de Helmholtz molar em geral é igual a

f u Ts= − .

As variáveis naturais da Energia de Helmholtz molar são T e v. Precisamos portanto de exprimir u e s em termos de T e v , o que se traduz em obter u em função de T e v . Esta relação obtemos a partir de uma das equações de estado, obtida por derivação da equação fundamental:

1

v

s cRT u u

∂ = = ∂ .

Substituindo na equação da entropia, temos

00 0

ln lnT vs s cR RT v

= + +

.

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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117

Substituindo na expressão para a Energia de Helmholtz, temos

0 00 0 0 0

ln ln ln lnT v T v

f cRT T s cR R T cR s cR RT v T v

= − + + = − + +

.

5.4.2. Entalpia, H A entalpia corresponde à transformada parcial de Legendre relativamente ao volume (para tornar a pressão variável independente) da equação fundamental na forma energética.

A entalpia define-se como

H = U + P V.

A forma-1 correspondente é igual a:

dH TdS VdP dNk kk

= + + ∑ µ

Desta expressão conclui-se que

rN,,NS, kPH

V…

−=

∂∂

Eliminando U da expressão de definição da entalpia, obtém-se:

H H S P N Nr= ( , , , ... , )1

A entalpia é o potencial termodinâmico cuja utilização tem vantagens nos processos caracterizados por a pressão se manter constante.

5.4.3. Energia de Gibbs, G

A Energia de Gibbs corresponde à transformada parcial de Legendre rela tiva-mente à entropia e ao volume, de modo a substituir S e V por T e P, como variáveis independentes.

A transformada de Legendre que define a Energia de Gibbs é dada por:

G = U - TS + PV

e

dG SdT VdP dNj jj

r

= − + +=

∑ µ1

Eliminando U da Equação Fundamental obtém-se:

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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118

G = G (T, P, N1, ... N r)

A Energia de Gibbs é muito utilizado no estudo das reacções químicas e em todas as situações em que o sistema termodinâmico evolui a pressão e tem-peratura constantes. Nestas circunstâncias, a descrição dos processos fica sim-plificada utilizando G, pois P e T são duas das suas variáveis independentes.

Exemplo

Vamos determinar a Energia de Gibbs molar para o gás perfeito simples.

O Energia de Gibbs molar é

g u Ts Pv f Pv= − + = + .

As variáveis naturais da Energia de Gibbs são T e P. Precisamos portanto de exprimir f e v em função de T e P. Dado que já temos f em função de T e v , precisamos só de exprimir v em função de T e P. Para isso, precisamos da segunda equação de estado:

u

P s RT v v

∂ = = ∂ .

Substituindo na equação da Energia de Gibbs:

( ) ( )00 0

0 0 0 0

ln ln 1 1 ln lnPT RT RT T P

T cR s cR R P T c R s c R RT P RT P T P

− + + + = + − + + −

5.4.4. Funções de Massieu Generalizadas Efectuando as transformações parciais de Legendre a partir da Equação Fundamental na forma entrópica S = S(U, V, N1, ..., Nr), obtêm-se as funções de Massieu generalizadas, cuja descoberta o seu autor divulgou em 1869. As funções de Massieu têm grande importância em Mecânica Estatística.

As três funções de Massieu mais representativas correspondem à substituição da energia interna por 1/T como variável independente, à substituição do volume por P/T; e à substituição simultânea da energia interna e do volume por 1/T e P/T, respectivamente.

As transformadas que se obtêm são, respectivamente:

1 1S S U

T T = −

, (5.23)

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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119

P PS S V

T T = −

, (5.24)

1 1,P P

S S U VT T T T

= − − , (5.25)

em que se utilizou o símbolo [...] para indicar as variáveis intensivas que passaram a ser variáveis independentes.

A unidade formal de todas estas funções e potenciais era desconhecida quando foram inventadas. A unidade formal aqui apresentada resulta da Equação Fundamental introduzida por Gibbs em 1875, e da transformação de Legendre que já era conhecida na Mecânica Racional.

Deve acentuar-se que, embora as transformadas contenham exactamente a mes-ma informação que a Equação Fundamental, elas permitem clarificar aspectos fundamentais da estrutura da Termodinâmica ou são particularmente bem adaptadas a certas situações. O melhor exemplo de uma situação análoga é o da Mecânica Racional com os formalismos Lagrangeano e Hamiltoniano, que, possuindo exactamente o mesmo conteúdo formal que a Mecânica de Newton, permitiram, todavia, generalizações e desenvolvimentos praticamente impossíveis de obter directamente da formulação newtoniana original.

Apresentada a unidade dos potenciais e o modo de os construir, a dedução de outros potenciais, porventura mais adequados para a situação particular a estudar, transformou-se numa tarefa simples.

5.5. Teoremas de Mínimo para os Potenciais Termodinâmicos

Com a demonstração do teorema do mínimo de energia mostramos a dualidade das formulações da Termodinâmica a partir da expressão da Equação Fundamental na forma Entrópica ou na Energética, e como existia para cada uma das formulações um princípio de extremo.

Contendo as transformadas parciais de Legendre da Equação Fundamental a mesma informação que esta possui, trata-se agora de verificar se a essas transformadas parciais, ou potenciais termodinâmicos, correspondem também princípios de extremo a partir dos quais possamos igualmente deduzir as novas posições de equilíbrio do sistema quando algum dos constrangimentos é removido.

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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120

5.5.1. Teorema do Mínimo da Energia de Helmholtz Considere-se, como caso particular, que um sistema composto está em contacto com um reservatório de pressão, que mantém uma pressão constante Pr e atingiu o equilíbrio compatível com os constrangimentos impostos. Iremos denotar as variáveis referentes à fonte com o índice r em expoente e as variáveis referentes ao sistema composto com os índices (i), como temos feito. Também como habitual, S será a entropia do sistema composto e U será a energia do sistema composto. Designaremos por sistema conjunto o conjunto do sistema composto mais o reservatório de pressão.

Por definição, uma fonte de calor é um sistema com duas características: (1) só permuta calor; (2) essa permuta de calor não provoca uma alteração de pressão, isto é, a pressão da fonte é constante e igual a Tr. Assim, a equação fundamental de uma fonte de calor é ( )r r rU U S= , pela primeira condição, com

0r rdT dS = , (isto é, com capacidade calorífica infinita) pela segunda condição.

Pela equação de Euler, concluímos que r r rU T S= . Assim, dado que r r r rF U T S= − , temos que

0rF = . (5.26)

Se o sistema conjunto (sistema composto + reservatório) atingiu o equilíbrio, a temperatura de cada subsistema do sistema composto é necessariamente igual à temperatura imposta da fonte de calor, Tr.

Além disso, e pelo teorema do mínimo de energia, o sistema conjunto possui a energia mínima para o seu valor de entropia, isto é:

( ) 0rd S S+ = (5.27)

( ) 0rd U U+ = (5.28)

( )2 0rd U U+ > (5.29)

Por outro lado, a existência de uma temperatura comum a todos os subsistemas do sistema conjunto permite definir uma Energia de Helmholtz para o sistema conjunto (o que não seria possível se não existisse essa temperatura comum). Temos assim

r r r r rF F U T S U T S+ = − + − (5.30)

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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121

Considerando que Tr é constante, aplicando a derivada exterior à ambos os membros da equação (5.30) temos

( )r r r r rd F F dU T dS dU T dS+ = − + − . (5.31)

Utilizando as equações (5.36) e (5.27), concluímos que

rdF dU dU= + . (5.32)

Utilizando agora as equações (5.28) e (5.29), concluímos que

0dF = (5.33)

e

2 0d F = . (5.34)

As equações (5.33) e (5.34) demonstram o Teorema do Mínimo da Energia de Helmholtz:

O valor no equilíbrio de qualquer variável não constrangida de um sistema composto em contacto diatérmico com uma fonte de calor à temperatura Tr constante é o que minimiza a Energia de Helmholtz do sistema composto, com T = Tr.

5.5.2. Teorema do Mínimo de Entalpia Considere-se, que um sistema composto está em contacto com uma fonte de trabalho a pressão constante Pr e atingiu o equilíbrio compatível com os constrangimentos impostos. Designaremos por sistema conjunto o conjunto do sistema composto mais a fonte de trabalho.

Por definição, um reservatório de pressão é um sistema com três características: (1) só permuta trabalho; (2) essa permuta de trabalho não provoca uma alteração de pressão, isto é, a pressão do reservatório é constante e igual a Pr. Assim, a equação fundamental de um reservatório de pressão é ( )r r rU U V= , Note-se

como as duas condições impostas sobre o reservatório implicam que todos os processos no reservatório são reversíveis: dado que a pressão é constante, é sempre verdade que r rW P dVδ = − ; dado que só existe troca de trabalho, então dU Wδ= , logo a energia interna só depende do volume, ( )r r rU U V= e a

entropia do reservatório é constante, isto é

0rdS = (5.35).

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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122

Por outro lado, a pressão ser constante significa que 0r rdP dV = , isto é, que o reservatório tem compressibilidade infinita.

Pela equação de Euler, concluímos que r r rU P V= . Assim, dado que r r r rH U P V= − , temos que

0rH = . (5.36)

Se o sistema conjunto (sistema composto + reservatório) atingiu o equilíbrio, a pressão de cada subsistema do sistema composto é necessariamente igual à pressão imposta pelo reservatório de pressão, Pr. Além disso, e pelo teorema do mínimo de energia, o sistema conjunto possui a energia mínima para o seu valor de volume83, isto é:

( ) 0rd V V+ = (5.37)

( ) 0rd U U+ = (5.38)

( )2 0rd U U+ > (5.39)

Por outro lado, a existência de uma temperatura comum a todos os subsistemas do sistema conjunto permite definir uma Entalpia para o sistema conjunto (o que não seria possível se não existisse essa temperatura comum). Temos assim

r r r r rH H U P V U P V+ = + + + (5.40)

Considerando que Pr é constante, aplicando a derivada exterior à ambos os membros da equação (5.30) temos

( )r r r r rd H H dU P dV dU P dV+ = + + + . (5.41)

Utilizando as equações (5.36) e (5.37), concluímos que

rdH dU dU= + . (5.42)

Utilizando agora as equações (5.38) e (5.39), concluímos que

0dH = (5.43)

e

83 Além da sua entropia e do número de moles de cada componente químico, mas esses

constrangimentos não serão relevantes aqui.

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Termodinâmica Macroscópica

5 – Potenciais Termodinâmicos

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123

2 0d H = . (5.44)

As equações (5.33) e (5.34) demonstram o Teorema do Mínimo da Entalpia :

O valo r no equilíbrio de qualquer variável não constrangida de um sistema composto em contacto com um reservatorio de pressão com a pressão constante Pr é o que minimiza a Entalpia do sistema composto, com P = Pr.

5.5.3. Teorema do Mínimo da Energia de Gibbs

O valor no equilíbrio, de qualquer variável não constrangid a de um sistema composto em contacto com uma fonte de calor a

temperatura constante, e uma fonte a pressão constante, é o que minimiza a Energia de Gibbs para os valores de temperatura e de

pressão iguais aos das correspondentes fontes.

A demonstração é análoga às anteriores, tendo em conta que o sistema se encontra agora em interacção simultânea com uma fonte de calor e uma fonte a pressão constante.

Os teoremas anteriores generalizam-se "mutatis mutandis" para todas as transformadas parciais de Legendre (potenciais termodinâmicos).

Deve ainda sublinhar-se o facto de os princípios de extremo para os potencia is termodinâmicos corresponderem a casos particulares do teorema do mínimo de energia, e de a sua utilidade estar estritamente ligada às situações em que os contrangimentos externos impõem um valor constante a uma ou mais variáveis intensivas.

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Termodinâmica Macroscópica

6 – Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos

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125

6. Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos

A situação de equilíbrio de um sistema fechado e adiabático corresponde ao máximo de entropia do sistema compatível com os constrangimentos impostos. Deste princípio de extremo para a entropia, decorreram os teoremas do mínimo de energia e dos potenciais termodinâmicos. Neste capítulo vamos considerar as implicações de se tratar de um extremo no que se refere à estabilidade do equilíbrio relativamente a pequenas perturbações.

6.1. Estabilidade Intrínseca Até agora considerámos sempre a evolução para o equilíbrio que resultava de ser removido um constrangimento que impedia a interacção entre dois sistemas A e B. Esse constrangimento era conceptualmente representado por uma parede.

Consideremos agora um só sistema, homogéneo, que dividimos arbitrariamente em dois subsistemas por uma parede fictícia (Figura 10).

Figura 10 – Divisão arbitrária de um sistema homogéneo em dois.

Para cada (sub)sistema teremos

( )(1) (1) (1) (1) (1) (1)1, , , , rS S U V N N= … (6.1)

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )( )2 2 2 2 2 21, , , , rS S U V N N= … (6.2)

e para o sistema conjunto, como a expressão funcional da Equação Fundamental é a mesma:

( )(1) (2) (1) (2) (1) (2) (1) (2) (1) (2 )1 1, , , , r rS S S S U U V V N N N N= + = + + + +…

(6.3)

(1) (2)

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Termodinâmica Macroscópica

6 – Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos

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126

com

(1) (2) (1) (2) (1) (2) (1) (2)1 1 1, , , , r r rU U U V V V N N N N N N= + = + = + = +… .

Cmo (1) e (2) são supostos em equilíbrio entre si, isto significa que S é máximo, ou seja, que se entre (1) e (2) houver trocas de energia ∆U, de volume, ∆V, ou de qualquer componente químico, ∆Ni, se deve verificar que

( )( )

( )

(1) (1) (1) (1)1 1

(2) (2) (2) (2)1 1

1

, , , ,

, , , ,

, , , ,

r r

r r

r

S S U U V V N N N N

S U U V V N N N N

S U V N N

= − ∆ − ∆ − ∆ − ∆ +

+ + ∆ + ∆ + ∆ + ∆

<

……

…(6.4)

Se considerarmos, por facilidade, mas sem perda de generalidade, que

(1) (2) (1) (2) (1) (2) (1) (2)1 1, , , , r rU U V V N N N N= = = =… ,

a expressão (6.4) pode escrever-se

( )

11

11

1

, , , ,2 2 2 2

, , , ,2 2 2 2

, , , ,

rr

rr

r

U V N NS S U V N N

U V N NS U V N N

S U V N N

= − ∆ − ∆ − ∆ − ∆ +

+ + ∆ + ∆ + ∆ + ∆ <

.(6.5)

Dada a homogeneidade de grau 1 da equação fundamental, a equação (6.5)pode escrever-se

( )

( )( )

1 1

1 1

1

, , , ,

, , , ,2 , , , ,

r r

r r

r

S U U V V N N N N

S U U V V N N N NS U V N N

− ∆ − ∆ − ∆ − ∆ +

+ + ∆ + ∆ + ∆ + ∆<

……

…, (6.6)

que é a definição de função côncava se os ∆ forem arbitrários. Por simplicidade de notação, na sequência vamos denotar as variáveis U, V, N1, ..., Nr, por X1, ..., Xr+2. A equação (6.6) fica então

( ) ( ) ( )1 1 2 2 1 1 2 2 1 2, , , , 2 , ,r r r r rS X X X X S X X X X S X X+ + + + +− ∆ − ∆ + + ∆ + ∆ <… … … (6.7)

Desenvolvendo em série de Taylor os dois termos do membro esquerdo da desigualdade (6.7) e retendo os três primeiros termos, temos

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Termodinâmica Macroscópica

6 – Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos

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127

( )

( ) ( ) ( )

1 1 2 2

22 2 2

1 2 1 2 1 21 1 1

, ,

, , , , , ,

r r

r r r

r r i r i ji i ji i j

S X X X X

S SS X X X X X X X X XX X X

+ +

+ + +

+ + += = =

− ∆ − ∆ =

∂ ∂− ∆ + ∆ ∆∂ ∂ ∂∑ ∑∑

… … …(6.8)

( )

( ) ( ) ( )

1 1 2 2

22 2 2

1 2 1 2 1 21 1 1

, ,

, , , , , ,

r r

r r r

r r i r i ji i ji i j

S X X X X

S SS X X X X X X X X X

X X X

+ +

+ + +

+ + += = =

+ ∆ + ∆ =

∂ ∂+ ∆ + ∆ ∆

∂ ∂ ∂∑ ∑∑

… … …(6.9)

Substituindo (6.8) e (6.9) em (6.7) e simplificando, obtém-se:

( )22 2

1 21 1

, , 0r r

r i ji j i j

S X X X XX X

+ +

+= =

∂ ∆ ∆ <∂ ∂∑∑ … (6.10)

De igual modo, se tivéssemos utilizado a equação fundamental na forma energética, sendo portanto X1 a entropia em vez da energia interna, teríamos obtido:

( )22 2

1 21 1

, , 0r r

r i ji j i j

U X X X XX X

+ +

+= =

∂ ∆ ∆ >∂ ∂∑∑ … (6.11)

Dada a sua equivalência, consideremos agora apenas a representação na forma energética. Com a definição

2

iji j

UUX X∂≡

∂ ∂, (6.12)

a equação (6.11) pode escrever-se em forma matricial:

[ ]11 1 1

1 2

1 2

0r

r

r rr r

U U X

X XU U X

+

+

∆ ∆ ∆ >

…… M O M M

… (6.13)

A matriz

, 1, , 2ij i j r

U= +

= U … (6.14)

é designada como Matriz de Rigidez. A definição de rigidez resulta do seguinte. Atendendo a que

( )j j i

ii X

UP

X≠

∂= ∂

, (6.15)

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Termodinâmica Macroscópica

6 – Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos

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128

em que Pi é a variável independente intensiva correspondente a Xi, então

( )j j i

ii X

UPX

∂= ∂ , (6.16)

e

2 2

1 1

r ri

i j ij jj jj

PdP dX U dXX

+ +

= =

∂= =∂∑ ∑ , (6.17)

também se pode escrever

1 11 1 1

2 1 2

r

r r rr r

dP U U dX

dP U U dX+ +

=

…M M O M M

… (6.18)

mostrando como a matriz U liga as forças generalizadas Pi aos deslocamentos X i. Retomando a expressão (6.13), que exprime a condição de estabilidade, constata-se que se trata de uma forma quadrática que, por adequada rotação dos eixos de coordenadas, se pode sempre reduzir a uma soma de quadrados em ∆ Xi. Assim, a condição de estabilidade é equivalente, em teoria de matrizes, à condição de a matriz U ser definida positiva.

Para demonstrar que U é definida positiva existem vários métodos, nomeada-mente a sua redução, por rotação adequada do sistema de eixos, à forma diagonal. Se a matriz for definida positiva, todos os seus valores próprios são não negativos.

Consideremos o caso de sistemas fechados com um componente, que têm só duas variáveis independentes. A equação fundamental pode-se escrever como

( )vsuu ,= .84 Neste caso , dada a pequena dimensão da matriz, a forma mais expedita de verificar se é positiva definida é verificar se todos os seus menores principais são positivos. Teremos então

vvsT

s

uu

=

=

∂∂

∂2

2

11

84 Para que a equação fundamental se possa escrever assim, basta que o sistema tenha só um

componente, não é preciso que seja fechado. A condição de que o sistema seja fechado é necessário para que só seja necessário considerar duas variáveis para o estudo da estabilidade.

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Termodinâmica Macroscópica

6 – Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos

_________________________________________________________________

129

sv vT

usP

vsu

u

==

−==

∂∂

∂∂

∂∂∂

21

2

12

ssvP

v

uu

−=

=

∂∂

∂2

2

22

Pelo que, para existir estabilidade, terá de ser:

0v

Ts

∂ > ∂ (6.19)

e

2

0s v v

P T Pv s s

∂ ∂ ∂ − − > ∂ ∂ ∂ . (6.20)

Em alternativa, a condição (6.19) pode ser substituída por

0s

Pv

∂ − > ∂ .85 (6.21)

Temos agora que

v v

T Ts c

∂ = ∂ (6.22)

e

1

s s

Pv vκ

∂ − = ∂ . (6.23)

Temos assim que as condições (6.19) e (6.21) ficam

0vc > (6.24)

e

85 Esta condição é intuitiva e signfica apenas que quando a pressão aumenta o volume deve diminuir e

inversamente. Se assim não sucedesse, qualquer pequena redução de volume faria diminuir a pressão do sistema que por sua vez iria provocar uma redução de volume, etc. Ter em atenção a convenção de sinais aplicada à pressão, que levou a exprimir o trabalho elementar recebido pelo sistema por -PdV.

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Termodinâmica Macroscópica

6 – Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos

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130

0sκ > . (6.25)

Para a condição (6.20) falta-nos só identificar

1 1P P

s T v v T

P dP ds dP ds dP dT dv dT c T cv dv ds dP dT dv dT dv ds T v c c vκ κ

∂ ∧ ∧ ∧ ∧ = = = − = − ∂ ∧ ∧ ∧ ∧ (6.26)

ou

( ) 1

s T v T v

T dT ds dP dv dP dT dv dT T Tv

v dv ds dP dT dv dT dv ds v c cα

ακ κ

∂ ∧ ∧ ∧ ∧ = = = − = − ∂ ∧ ∧ ∧ ∧ .

(6.27)

Substituindo as relações acima na condição de estabilidade, obtemos que

2

P

T

c Tv

ακ

− . (6.28)

Como86

2

2P vT

Tvc c ακ

− = (6.29)

e

s v

T P

cc

κκ

= 87 (6.30)

conclui-se que a estabilidade intrínseca exige que:

0P vc c> > (6.31)

e

86 Ver 3.7 - Relações de Maxwell.

87 A descoberta experimental destas relações teve um papel fundamental no nascimento da Termodinâ-mica. O facto de as termos deduzido a partir dos axiomas iniciais é uma prova indirecta da correcção dos axiomas e das deduções matemáticas que se seguiram.

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Termodinâmica Macroscópica

6 – Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos

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131

0T sκ κ> > . (6.32)

6.2. Condições de Estabilidade para os Potenciais Termodinâmicos

A transformada de Legendre relativa a uma variável genérica X i tem a propriedade

( ) ( )

e j j

i ii iX i j X i j

U UP XX P

≠ ≠

∂ ∂= = ∂ ∂ . (6.33)

Derivando as equações em (6.33), respectivamente em ordem a Xi e em ordem a Xi, obtemos

( ) ( ) ( ) ( )

2 2

2 2 e j j j j

i i

i i i iX i j X i j X i j X i j

P U X UX X P P

≠ ≠ ≠ ≠

∂ ∂ ∂ ∂= = − ∂ ∂ ∂ ∂ . (6.34)

Dado que

( ) ( )

1

j j

i i

i iX i j X i j

P XX P

≠ ≠

∂ ∂ = ∂ ∂ . (6.35)

as equações (6.34) mostram que

( ) ( )

2 2

2 2 e j j

i iX i j X i j

U UX P

≠ ≠

∂ ∂ ∂ ∂

(6.36)

têm sinais opostos. Tal significa que se U é uma função convexa de X i, a transformada de U em relação a Xi é uma função côncava de P.

Aplicando esta conclusão aos vários potenciais obtêm-se as seguintes conclusões.

Para a Energia de Helmholtz:

2 2

2 20 e 0 v T

f fT v

∂ ∂< > ∂ ∂

. (6.37)

Para a Entalpia :

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Termodinâmica Macroscópica

6 – Estabilidade dos Sistemas Termodinâmicos

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132

2 2

2 20 e 0 s P

h hP s

∂ ∂< > ∂ ∂

. (6.38)

Para a Energia de Gibbs:

2 2

2 20 e 0 P T

g gT P

∂ ∂< < ∂ ∂

. (6.39)

Generalizando, podemos concluir que as hipersuperfícies que nos respectivos espaços representam os potenciais termodinâmicos (que resultam das transformadas de Legendre da Equação Fundamental na forma energética) são convexas relativamente às variáveis extensivas e côncavas relativamente às variáveis intensivas.

Com as transformadas da Equação Fundamental na forma entrópica (funções de Massieu) passa-se o inverso.

Tendo em conta que os teoremas de mínimo para os potenciais (transformadas de Legendre na forma energética, i. e., F, H e G) exigem que as respectivas variáveis intensivas permaneçam constantes, a mesma exigência permanece para as condições de estabilidade.

Como as relações acima demonstram, o ponto de estacionaridade dos potenciais corresponde a um ponto sela. Este ponto corresponde a um máximo ou a um mínimo consoante se mantêm constantes as variáveis extensivas ou as intensivas.

Ao utilizar os teoremas de mínimo para os potenciais é por isso fundamental ter em conta que os constrangimentos impostos são a constância das suas variáveis intensivas naturais (isto é, das variáveis intensivas que foram tomadas como variáveis independentes).

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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133

7. Mudança de Fase

7.1. Dimensionalidade do Espaço de Representação

Quando o sistema perde a estabilidade intrínseca, qualquer parte do sistema que se afaste infinitesimalmente do equilíbrio com o restante verá esse afastamento aumentar até que o conjunto encontre uma nova situação em que a entropia é máxima (se o sistema total for fechado e adiabático) ou em que a energia interna é mínima (se a entropia se mantiver constante). Nesta nova situação, o sistema deixou necessariamente de ser homogéneo, embora se possa ter desdobrado em regiões homogéneas.

Cada uma das regiões homogéneas em que o sistema se desdobra constitui uma fase.

A questão da perda de estabilidade pode ainda encarar-se do seguinte modo: se a Equação Fundamental do sistema perde num certo domínio a propriedade de ser côncava (na representação entrópica) ou a de ser convexa (na representação da energia) ela não pode, nesse domínio das variáveis, representar o sistema. Assim, a Equação Fundamental indica, ela própria, que deixou de poder ser a equação fundamental do sistema.

Quando a expressão analítica da Equação Fundamental deixou de ser válida em certo domínio do espaço termodinâmico, tal não significa que o sistema tenha deixado de possuir uma Equação Fundamental. O que significa, isso sim, é que a representação funcional que estávamos a utilizar precisa de ser substituída.

Esta situação corresponde, habitualmente, a uma falta de dimensionalidade no espaço termodinâmico que adoptamos para representar o sistema.

O caso mais simples em que tal facto pode ser posto em evidência corresponde ao caso de sistemas de um só componente e homogéneos, situação em que existe uma só fase.

Consideremos, por exemplo, o caso da água. A água pode apresentar-se sob a forma de sólido (gelo), de líquido e de vapor. Em qualquer destes estados, a sua composição química é a mesma, mas isso não impede que o gelo e o vapor de

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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134

água correspondam a situações muito distintas, nomeadamente quanto a volumes molares, calores específicos. etc..

Tendo este facto em conta, é óbvio que uma Equação Fundamental da forma

S = S (U, V, N) ou U = U (S, V, N)

é incapaz de representar o sistema "água" em todo o espaço termodinâmico.

Para que o fosse, teríamos de introduzir as variáveis adicionais

N1 - número de moles de água no estado gasoso

N2 - número de moles no estado líquido

N3 - número de moles sob a forma de gelo I

N4 - número de moles sob a forma de gelo II

Nk - ...

em que N3, N4,... correspondem a formas diferentes de gelo, que se distinguem pela sua estrutura cristalina, compressibilidade, etc.

Por outro lado, como a Equação Fundamental tem de ser obtida de valores experimentais (ou, quando se deduz de um modelo microscópico, tem de ser experimentalmente validada) é a própria extrapolação analítica desses valores experimentais que revela a existência da perda de estabilidade intrínseca, indicando que é necessário explorar em mais pormenor e com experimentação física adequada o que se passa nesse domínio das variáveis termodinâmicas. Por este facto, a prática habitual não é a de procurar as formas gerais que representem a substancia em todas as situações, mas sim a de procurar a que melhor se ajusta em cada um dos domínios em que existe cada uma das fases.

Posto de outro modo, em vez de procurarmos a expressão

U = U (S, V, N1, N2, ... , N r)

que seja válida em todo o espaço termodinâmico, o que procuramos, se se tratar de um só componente químico que pode apresentar-se em fases diferentes, é a equação fundamental que seja válida para cada uma das fases em presença. Isto é procuramos:

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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135

( ) ( )

( ) ( ))()()()()(

)(

)(

)()()()()()()()(

)1()1()1()1()1(

)1(

)1(

)1()1()1()1()1()1()1()1(

,,,,

,,,,

kkkkk

k

k

kkkkkkkk vsuN

N

V

N

SuNNVSUU

vsuNNV

NS

uNNVSUU

=

==

=

==

M

para cada fase, e passamos a tratar o sistema conjunto como formado por tantos subsistemas quantas as fases em presença. Esquematicamente corresponde a ter a situação da Figura 11, em que constantei

i

N N= =∑ , pois o sistema total é

fechado.

Figura 11 – Equilíbrio de fases.

Supomos, além disso, que as paredes que separam as fases umas das outras não são restritivas a nenhuma propriedade, o que significa, nomeadamente, que as fases podem trocar massa entre si (chamam-se por isso fases abertas, porque o subsistema com que se identificam é aberto).

Como as paredes que separam as fases permitem a passagem de entropia (calor) e de volume, em equilíbrio a pressão e a temperatura são iguais em todas as fases, porque assim o exige o máximo da entropia no sistema total.

No esquema anterior, ao sistema formado pelo conjunto das fases juntou-se uma fonte de trabalho reversível a pressão constante (fonte de volume) e uma fonte de

Fase 1

N1

Fase 2N2

Fase 3N3

Fonte de calor a T

Fonte de Pressão

PFase i

Ni

N(1) N(i)

N(3)

N(2)

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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136

calor a temperatura constante T. Para a exposição que se segue estas fontes não são essenciais mas simplificam as deduções88.

Uma vez que o sistema é mantido a T e a P constantes, o equilíbrio é dado pelo valor das variáveis que minimizam a Energia de Gibbs do sistema conjunto, dada por

( )( ) ( ) ,i i

i

G N g T P= ∑ (7.1)

onde o índice i corresponde à fase i e g é a Energia de Gibbs molar, a qual é igual ao potencial químico no caso de sistemas com um componente químico.

Quando se atinge o equilíbrio, a Energia de Gibbs do conjunto é um mínimo, pelo que será (dado que dT = dP = 0):

( ) ( )0 i i

i

dG dNµ= = ∑ . (7.2)

Se tivermos apenas duas fases, por exemplo, água e vapor, esta expressão fica

0água =+ vaporáguaágua dNdN µµ

Eliminando dNágua utilizando 0água

=+ vapordNdN e considerando que dNvapor é

agora arbitrário, deduzimos que

vaporgua µµ =á

Por se tratar apenas de um componente químico será também

vaporágua gg = ,

o que significa que em equilíbrio os potenciais de Gibbs molar da água líquida e do seu vapor terão de ser iguais. Aplica-se uma expressão idêntica para o equilíbrio entre quaisquer duas outras fases, por exemplo entre gelo e água líquida ou entre gelo e vapor.

88 O equilíbrio entre os subsistemas (fases), uma vez que as paredes que os separam não impõem

restrições, obrigará sempre à igualdade da pressão e da temperatura entre eles. Um modo simples de exprimir este facto é supôr o seu contacto com as fontes a T e a P constantes. Por outro lado, se o sistema total não é isolado, o mais simples é supor que o mesmo se encontra em contacto com a atmosfera a qual se comporta, nas aproximações práticas, como fonte a temperatura e pressão constantes.

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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137

Deve no entanto sublinhar-se que a expressão funcional da Energia de Gibbs é necessariamente diferente para cada fase, embora o seu valor numérico seja igual no ponto em que as fases coexistem em equilíbrio.

As relações anteriores mostram como podemos descrever o sistema termodinâ-mico quando há mudança de fase sem aumentar a dimensionalidade do espaço, mas introduzindo, em contrapartida, a coexistência de subsistemas em equilíbrio intrínseco e em equilíbrio entre si.

Suponhamos, como exemplo, que tínhamos obtido por extrapolação de resultados experimentais (para um sistema de um só componente) a Equação Fundamental na forma de energia livre com a seguinte representação:

AA

B B´

C C´

D D´

Nesta figura, as curvas representam, esquematicamente, a variação de G com o volume específico a temperatura constante.

Suponhamos que a temperatura imposta era T1 e que o volume específico diminuía de v > vA para vA´. Neste ponto, o sistema tem um mínimo relativo de G, e poder-se-á conservar nele em equilíbrio metaestável, porque se houver uma flutuação que o leve a vA, como GA < GA o sistema transita espontaneamente para vA e nele permanecerá indefinidamente, em termos macroscópicos.

Em contrapartida, se o exterior impusesse T3, o ponto estável seria C , porque GC < GC´.

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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138

Na situação da isotérmica T4, GD = GD´, e o sistema pode permanecer estavelmente em qualquer das situações de v =vD ou v = vD´ porque a energia livre tem um mínimo para ambas e esse mínimo tem o mesmo valor.

O facto de o sistema poder estar, em equilíbrio estável, em qualquer das duas posições, porque ambas têm o mesmo valor de G, quer também dizer que as duas posições (às quais correspondem, por exemplo, volumes específicos molares diferentes) podem coexistir. De facto, o sistema desdobrou-se em duas fases, cada uma com as suas propriedades específicas, e em equilíbrio entre si.

Esquematicamente a isotérmica T1 que efectivamente se irá verificar será a que se apresenta na Figura 12.

Figura 12 – Representação de uma isotérmica no plano G – v.

Deste modo, quando o sistema se desloca da Fase 1 (de menor v) para maiores volumes molares, ao atingir-se vB, surge um núcleo muito pequeno da Fase 1. À medida que v aumenta, o número de moles na Fase 2 aumenta e na Fase 1 diminui. Quando chegarmos a vB’, a Fase 1 desaparece.

A representação anterior de G(T, P, N), que apresentava máximos e mínimos, resultou de termos extrapolado a equação fundamental para uma só fase para além do domínio em que só essa fase existe.

Se tivéssemos feito o mesmo para cada fase, e representássemos o lugar geométrico dos mínimos, obteríamos num diagrama (G , T) a representação esquemática da Figura 13.

Fase 1 Fase 2

Fase 1 Fase 2 Fase 1 +

Fase 2

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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139

Figura 13 – Variação da Energia de Gibbs com a temperatura, para pressão e número de moles constantes (sistema com um componente químico), para diferentes fases.

T

Sólido

T

Sólido

Como G tem de ser mínimo para que o equilíbrio seja estável, segue-se que a evolução real seguida pelo sistema será A, B, C, D.

Como imediatamente se conclui, em B e em C existem pontos angulosos, signifi-cando que o valor de ( ) NPTG ,∂∂ é diferente à esquerda e à direita do ponto.

Como ( ) STG NP −=,∂∂ , conclui-se que a entropia do sistema, neste sistema de

coordenadas, tem uma descontinuidade, com

B BT T

S S− +< (7.3)

Esta descontinuidade de G, em função de T, quando as restantes variáveis permanecem constantes, corresponde à mudança total do sistema de uma fase para outra, mudança essa que é feita a temperatura constante .

Esta variação de entropia corresponde a um fluxo de calor dado por Q=T∆S. Dividindo ambos os lados desta equação pelo número de moles N, obtemos o calor latente de mudança de fase, l:

l = T∆s.

A descontinuidade anterior (por exemplo, a que representamos por B, nas coordenadas (G,T)) corresponde à projecção para um valor particular de P da linha que resultou da intersecção da hipersuperfície que representava G para o estado sólido, com a hipersuperfície que representava G para o estado líquido. Se fizermos a projecção desta curva de intersecção no plano (P, T) obtemos a representação nas Figura 14 e Figura 15.

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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Figura 14 – Exemplo de diagrama de fases.

P

Ponto triplo

Pt

Tt

P

Ponto triplo

Pt

Tt

P

Ponto triplo

Pt

Tt

Figura 15 – Gráfico da Energia de Gibbs em função do volume molar, para o exemplo da Figura 14.

Os vários pontos correspondem aos mínimos estáveis e coalescem em D num só ponto. Este ponto é o ponto crítico.

Em resumo, quando o ponto representativo da evolução do sistema de um só componente atravessa a curva que representa a projecção, no plano (P, T), da intersecção das hipersuperfícies correspondentes a uma só fase, o sistema muda de fase e esta mudança é uma mudança de fase de primeira ordem. Se ela se dá no ponto crítico trata-se de uma mudança de fase de segunda ordem, que não está no âmbito do presente texto.

Todavia, o sistema pode evoluir do domínio correspondente a uma fase para o domínio correspondente a outra sem que se verifique qualquer descontinuidade.

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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141

Este facto mostra que há estados em que uma fase e outra são indistinguíveis pelo que a designação de se tratar de uma ou de outra é puramente arbitrária.

O ponto crítico corresponde a uma situação especial, que para ser formalmente tratada exige o recurso a um formalismo mais elaborado e a resultados da Termodinâmica Estatística. Acrescente-se apenas que a teoria da vizinhança dos pontos críticos só muito recentemente (década de 70) foi elaborada e que nela a estrutura que até agora apresentamos para a Termoestática teve um papel relevante.

Para além da peculiaridade termodinâmica do ponto crítico, o outro ponto notá-vel é o da coexistência de fases, o ponto (Pt, Tt) que, no caso de sis temas de um só componente químico, é um ponto triplo.

7.2. Descontinuidades da Entropia nas Mudanças de Fase: Calores Latentes

Como vimos, à transição de fase corresponde uma descontinuidade de segunda espécie (descontinuidade da derivada)89 da energia livre. Esta descontinuidade corresponde ao calor latente de mudança de fase, que é dado por

( )(2) (1)l T s s= − , (7.4)

sendo T a temperatura, a que corresponde a pressão P, a que se dá a mudança de fase.

• Se S(1) corresponde ao estado sólido e S(2) ao estado líquido, l é o calor (molar) latente de fusão.

• Se S(1) corresponde ao estado líquido e S(2) ao estado gasoso, l será o calor latente (molar) de vaporização.

• Se S(1) corresponde ao estado sólido e S(2) ao gasoso, l é o calor latente de sublimação.

Para ilustração considere-se gelo à pressão de 1 atmosfera e T < 273,15 K. Fornecendo calor, a temperatura do gelo sobe na relação de aproximadamente 1 K por cada 2,1 kJ kg-1 que forem fornecidos. Quando se atinge a temperatura

89 Descontinuidade que é fruto de usarmos um espaço com dimensão reduzida, ou seja, quando

projectamos a hipersuperfície que representa o sistema num espaço com menos dimensões.

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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142

de fusão, o fornecimento de calor não faz subir a temperatura mas sim aumentar a quantidade de gelo fundido, na relação aproximada de 335 kJ kg-1 de gelo fundido.

O fornecimento desta quantidade de calor altera, obviamente, a entropia total do sistema. Como da própria descrição se infere, a variação de entropia é contínua com o número de moles da nova fase (água líquida) e a redução do número de moles na fase existente (gelo). A descontinuidade de que falamos refere-se à passagem total do sistema de uma fase para outra, mantendo constante (e no seu valor mínimo) a Energia de Gibbs.

Para a energia interna teremos, utilizando o índice 1 para uma das fases e 2 para a outra e utilizando a equação de Euler na forma molar:

(1) (1) (1) (1)u Ts Pv µ= − + , (7.5)

(2) (2) (2) (2)u Ts Pv µ= − + . (7.6)

Como µ1 = µ2 devido ao equilíbrio entre as fases:

( ) ( )(2) (1) (2) (1) (2) (1)u u T s s P v v− = − − − . (7.7)

Para a entalpia obtém-se analogamente:

(1) (1) (1)h Ts µ= + , (7.8)

(2 ) (2) (2)h Ts µ= + . (7.9)

donde

( )(2) (1) (2) (1)h h T s s l− = − = , (7.10)

mostrando que o calor latente é igual à descontinuidade da entalpia.

7.3. Equação de Clapeyron Consideremos de novo o diagrama da Figura 14. Vamos agora obter uma equação que caracterize as linhas de coexistência de fases. Estas linhas são caracterizadas por µ1 = µ2. Assim, são casos particulares do conjunto de linhas com µ1 - µ2 constante. Para determinarmos a sua forma no plano (T, P), podemos estudar a seguinte expressão:

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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143

( )( )

1 2

1 2 1 2

1 2 1 2

dP d dP d dP dPT dT d dT d dT dµ µ

µ µ µ µµ µ µ µ−

∧ − ∧ − ∧∂ = = ∂ ∧ − ∧ − ∧ (7.11)

O nosso objectivo é caracterizarmos as linhas no plano (T, P), portanto interessa-nos obter esta expressão em termos de pressão e temperatura. Para isso, utilizamos a equação de Gibbs-Duhem para eliminar os diferenciais dos potenciais químicos. Simplificando, obtemos

( )

1 2

2 1

2 1 2 1

s sP lT v v T v vµ µ−

−∂ = = ∂ − − , (7.12)

onde na última expressão se aplicou a expressão(7.4). A equação (7.12) é a equação de Clapeyron.90

A equação de Clapeyron é um caso particular da situação em que a Equação Fundamental, os potenciais ou, genericamente, qualquer função de estado têm um conjunto numerável de pontos de descontinuidade de primeira espécie (Domingos, 1962).

7.4. A Mudança de Fase e a Equação de van der Waals

Por ser um caso típico, vamos considerar, no âmbito da teoria anterior, o fenómeno da mudança de fase num gás utilizando a equação de van der Waals, equação (4.9). A base desta equação é essencialmente empírica, mas verifica-se que correlaciona relativamente bem o comportamento de um gás, quer antes quer depois da mudança de fase.

Uma isotérmica típica, na zona onde se processa a mudança de fase, tem um andamento análogo ao apresentado na Figura 16.

90 Esta dedução da equação de Clapeyron foi originalmente obtida por Sousa et al. (2004).

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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144

Figura 16 – Comportamento típico de uma isotérmica do fluido de van der Waals

O troço AB da curva não pode ter realidade física uma vez que aí não é satisfeito o critério de estabilidade intrínseca

0T

Pv

∂ < ∂ (7.13)

A curva representada carece, pois, de sentido nessa zona. Todavia, como a equação de van der Waals constitui uma boa aproximação dos resultados experimentais quando o sistema é homogéneo, e se encontra na fase gasosa, vamos admitir que a equação pode ser extrapolada para fora daquela região, o que permite salientar algumas características importantes da mudança de fase.

Se o sistema for evoluindo no sentido indicado na figura, atingir-se-á um estado A para o qual o sistema perde necessariamente a homogeneidade pois se torna intrinsecamente instável. A partir deste ponto aparece uma nova fase, e o sistema é forçosamente heterogéneo.

Todavia, embora em A o sistema tenha perdido a estabilidade intrínseca, sucede que ele muda de fase antes de atingir esse ponto porque a energia livre correspondente à nova fase se tornou inferior à energia livre da fase em que se encontrava.

Admitamos que a mudança de fase se inicia no estado XI, para o qual a pressão

é PMF e a temperatura é a da isotérmica que estamos a considerar.

O sistema será inicialmente homogéneo (fase 1), à pressão PMF e temperatura T1, e encontra-se em equilíbrio. Mantendo o sistema nestas condições formar-

se-á no seu interior um núcleo da fase 2 se o núcleo assim formado não contribuir

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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145

para aumentar a Energia de Gibbs do sistema total. Segue-se que, enquanto as duas fases coexistem terá de ser

I IIX Xg g= (7.14)

verificando-se ainda para cada fase que

dg = - s dT + v dP.

Considerando a evolução isotérmica (dT = 0) a partir do estado 0, a Energia de Gibbs molar (g) será para um estado qualquer sobre a isotérmica dada por

0

0 'P

Pg g vdP− = ∫ . (7.15)

O integral pode ser obtido a partir da equação de van der Waals mas é mais fácil fazer a integração a partir da curva da isotérmica em (v, P), referida a eixos invertidos relativamente aos considerados anteriormente (ver Figura 17). Obter-se-á, então, para g = g(P) uma curva do tipo representada na Figura 18.

Figura 17 – Isotérmica da equação da van der Waals, no plano (v, P).

Considere-se, por exemplo, o estado 3. É evidente que, a essa pressão, não se poderá formar um núcleo de fase 2, que estaria no estado 6, pelo facto de esse processo conduzir a um aumento de g do sistema total. Quando o sistema atinge o estado XI processa-se a mudança de fase e o sistema não evoluirá pelo ramo

XI ? A ,uma vez que os estados ao longe de XI ? 10 têm menor Energia re de Gibbs g que os estados anteriores. A mudança de fase processou-se à

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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pressão constante PMF e a evolução do sistema foi (0, 1,2, 3, XI , XII ,4, 8, 9, 10). Para um sistema de coordenadas (P, V) a evolução é representada na Figura 19.

Figura 18 – Energia de Gibbs molar em função da pressão, para temperatura constante, para um fluido de van der Waals.

Figura 19 – Evolução na mudança de fase, para um fluido de van der Waals

No diagrama da Figura 19, representa-se a traço interrompido a evolução XI ? XII, para indicar que nessa região o sistema é heterogéneo, e não pode ser tratado como um sistema simples.

Atendendo às equações (7.15) e (7.14), obtém-se para as áreas tracejadas da Figura 19

5

5

0II

I

XA B

X A B

vdP vdP vdP vdP+ + + =∫ ∫ ∫ ∫ (7.16)

ou

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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147

5 5

II

I

XA A B

X B

vdP vdP vdP vdP− = −∫ ∫ ∫ ∫ , (7.17)

o que significa que as áreas (XII, B, 5) e (5, A, XI) são iguais no espaço (P, v).

Como já assinalámos, o ramo AB da curva representada no diagrama (g,p), não tem realidade física. Todavia, o ramo XI A pode ter, visto aí não haver conflito com as condições de estabilidade intrínseca.

Na realidade o sistema poderá seguir o ramo XIA (o mesmo poderá acontecer com o ramo XIIB, no caso da evolução se realizar no sentido inverso ao

considerado).

Diz-se então que os estados de equilíbrio do sistema são metaestáveis; no sentido em que, embora se encontrem transitoriamente em equilíbrio, esse equilíbrio não é estável muito embora possa, em termos práticos, permanecer muito tempo neles, devido à transição para o equilíbrio estável ser muito lenta.

A explicação do fenómeno é a seguinte: - um núcleo da fase 2 necessita de um certo intervalo de tempo para se formar e há caso em que esse intervalo de tempo é tão longo que praticamente nunca se forma quando o sistema está à temperatura T1 e à pressão PMF.

Os vários resultados anteriormente descritos podem representar-se por uma superfície num espaço (P, v , T) como esquematicamente se mostra na Figura 20.

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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Figura 20 – Diagrama P-v-T com mudança de fase.

T

7.4.1. Descontinuidade no Volume Molar Quando o sistema evolui isotermicamente até atingir o estado XI com um volume

VI, verifica-se nesse estado o aparecimento dum núcleo de fase 2 que corresponde ao estado XII com o volume VII (Figura 21). A pressão mantém-se

constante durante a formação de novos núcleos de fase 2 e do respectivo crescimento, só voltando a alterar-se quando todo o sistema tiver passado à fase 2.

Figura 21 – Isotérmica com mudança de fase, no plano P – v.

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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149

Verifica-se, portanto, que à temperatura T1 e à pressão PMF o volume molar sofre uma descontinuid ade. Esta descontinuidade nas variáveis extensivas molares, é uma das características mais importantes do processo de mudança de fase.

Se chamarmos x à fracção do número de moles da fase 1 que num dado instante existe no sistema heterogéneo, teremos 1x = no estado XI e 0x = no estado XII. Para qualquer estado, a fracção da fase 2 será dada por 1 x− .91

Para um estado qualquer na região de duas fases, o volume molar é dado pela equação (2.4). Como o volume é aditivo, temos:

( ) ( )1 2V V V= + , (7.18)

onde ( )1V e ( )2V são os volumes ocupados, respectivamente, pela fase 1 e pela fase 2. Temos

( ) ( )

(1) (1) (1)

2 2 (2)

V N v

V N v

=

=. (7.19)

Substituindo (7.19) em (7.18), fica

( ) ( ) ( ) ( )1 1 2 2V N v N v= + . (7.20)

Dividindo ambos os membros de (7.20) por N, fica

( ) ( ) ( )1 21v xv x v= + − . (7.21)

Esta conclusão é conhecida com o nome de regra da alavanca, que se pode por na forma:

( )

( )

1

2

y v vx v v

−=

−, (7.22)

ou seja:

"A fracção da fase 2 no estado y está para a fracção da fase 1 no mesmo estado, assim como o comprimento y-XI está para o comprimento y.XII".

91 A variável x é um número adimensional cujo valor seria o mesmo se em vez do número de moles

tivéssemos tomado a massa de cada componente. Quando se toma a fracção em massa é habitual chamar título a x, correspondendo x à fracção de gás (ou vapor) na mistura de fases.

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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150

7.4.2. Descontinuidade na Entropia Integrando

T

sds dvv

∂ = ∂ (7.23)

ao longo da isotérmica hipotética que atrás considerámos, entre os estados XI e

XII verificar-se-á:

II I

I II I II

X XT vX ABX X ABX

s Ps s s dv dv

v T∂ ∂ ∆ = − = = ∂ ∂ ∫ ∫ , (7.24)

que é um valor não nulo. Isto é, a entropia molar, tal como o volume molar, tem uma descontinuidade finita à temperatura T1 e à pressão PFM. A esta descontinuidade corresponde o calor latente, tal como definido na equação (7.4). O calor latente exprime a quantidade de calor que, por mole, é necessário retirar do sistema para que todo ele passe da fase 1 para a fase 2, isotermicamente ou, inversamente, a quantidade de calor que, por mole, necessita ser fornecida ao sistema para que todo ele passe da fase 2 (suposta a mais condensada) para a fase 1.

Se tivermos o sistema no estado XI, a fase 2 irá crescendo no seu interior à

medida que o calor fôr sendo retirado.

Se em determinado momento deixarmos de retirar calor ao sistema, ele permanecerá no estado heterogéneo em que se encontrava.

Se fornecêssemos calor ao sistema, a parte da fase 2 que se havia formado regressará à fase 1.

7.4.3. Descontinuidade na Energia Interna De modo inteiramente análogo poderemos obter a descontinuidade da energia interna na mudança da fase 1 para a fase 2. Assim:

( ) ( )II I II I I I I

I II I II

X X X X MF X XX ABX X ABX

u u u Tds Pdv T s s P v v∆ = − = − = − − −∫ ∫ ,

(7.25)

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7 – Mudança de Fase

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7.4.4. Representação da Zona a Duas Fases Se no diagrama (P, v) representarmos as várias isotérmicas obteremos o diagrama na Figura 22.

Figura 22 – Representação da zona a duas fases no diagrama (P, v).

Para melhor compreensão pode pensar-se que a fase 2 é a fase líquida e I a fase gasosa.

À linha (L1, L2, L3, PC), lugar geométrico dos estados onde se inicia a mudança

de fase 2 ? 1 para evoluções isotérmicas no sentido das pressões decrescentes, chama-se curva de fase 2 saturada ou curva de saturação.

À linha (G1, G2, G3, PC) chama-se curva de fase 1 saturada e corresponde ao lugar geométrico dos estados onde se inicia a mudança de fase para evoluções isotérmicas no sentido das pressões crescentes.

O estado representado pelo ponto PC chama-se ponto crítico e à isotérmica Tc

que por ele passa chama-se isotérmica do ponto crítico ou isotérmica crítica.

A temperatura Tc é caracterizada pelo facto de para T>Tc não ocorrer, no sistema, mudança de fase, enquanto que para T<Tc essa mudança de fase se verifica.

À pressão Pc do ponto crítico chama-se pressão crítica.

A zona compreendida entre as duas curvas de saturação (L1, L2, L3, PC) e G1, G2, G3, PC) representa o lugar geométrico dos estados onde o sistema se

encontra heterogéneo.

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7 – Mudança de Fase

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A Figura 23 representa a forma típica do diagrama do estado de uma substância pura num sistema de eixos (P, V, T). Os pontos sobre a superfície (não tracejada) representam estados de equilíbrio possíveis.

Figura 23 – Forma típica de um diagrama de estado P-v-T para um substância pura.

Como se verifica, é possível ligar dois estados, um na zona líquida e outro na zona vapor, por uma evolução que não contenha mudanças de fase (ver Figura 24).

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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Figura 24 – Ligação entre pontos na fase líquida e na fase de vapor, sem passagem pela mudança de fase.

7.5. O Caso da Água A água, como sistema termodinâmico, apresenta um interesse particular, não só pela sua importância social e económica como também pelo facto de ser, sob múltiplos aspectos, um fluido anómalo, cujo comportamento em termos de estrutura molecular apresenta ainda muitos aspectos obscuros. Entre as anomalias mais significativas encontra-se a redução do volume especifico com o aumento de temperatura, entre 0 ºC e 4 ºC, anomalia que é vital, por exemplo, para a existência de vida aquática nas regiões frias do globo. As Figura 25, Figura 26 e Figura 27 representam as diferentes fases da água.

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7 – Mudança de Fase

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Figura 25 - Fases da água num diagrama P-T

Tcr = 374,14 ºC

Pcr = 22,09 MPa

Pressão (10 2 MPa)

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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Figura 26 - Superfície P – V – T para a água (a contracção na passagem de sólido para líquido não é normal em fluidos simples).

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7 – Mudança de Fase

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Figura 27 - Diagrama P, θ (temperatura) para a água líquida e o vapor de água.

7.6. Diagramas Termodinâmicos Como as figuras anteriores ilustram, a escolha das variáveis independentes é importante para a compreensão do comportamento do sistema, sobretudo quando existe mudança de fase.

Por outro lado, a escolha do diagrama adequado, permite pôr em evidência as grandezas termodinâmicas mais relevantes no processo em causa.

Tipicamente, uma representação nas coordenadas (T, s) põe em relevo as quantidades de calor trocadas pelo sistema, pois um elemento de área dA = Tds = dQ, como se mostra na Figura 27.

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7 – Mudança de Fase

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Figura 28 - Diagrama (T,s). A área tracejada representa a quantidade de calor recebida pelo sistema na evolução isobárica de a a d. No diagrama estão também representadas as linhas de título x constante.

Escolhidos as variáveis independentes, constam também do diagrama as linhas correspondentes aos valores constantes das outras variáveis necessárias ao cálculo, como as isobáricas, as isócoras, as linhas de título constante nas zonas de duas fases, etc. (ver Figura 29 e Figura 30).

s / J K-1 kg-1

T / ºC1

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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A equação daquelas linhas, que são as linhas notáveis em qualquer diagrama, obtém-se facilmente utilizando o método dos produtos exteriores de diferenciais, desde que os coeficientes de compressibilidade e os calores específicos sejam conhecidos.

A título de exemplo, suponhamos que as variáveis independentes escolhidas foram (T,s), e se pretende estabelecer a equação das isobáricas.

Ora, nas variáveis (T, s), a equação diferencial de uma isobárica é dada por:

P

P

cT dT dPdT ds ds dss ds dP T

∂ ∧ = = = ∂ ∧ . (7.26)

Integrando (7.26), temos

0

0

T

PT

Ts s dT

c− = ∫ , (7.27)

que, no caso geral, se pode integrar numericamente92.

92A expressão é válida nas zonas de uma só fase. Na zona a duas fases, dP = 0 e dT = 0.

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7 – Mudança de Fase

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Figura 29 - Diagrama T-s. Linha de volume constante (isócora).

s / kJ K-1 kg-1

T / K1

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7 – Mudança de Fase

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Figura 30 - Diagrama T-s para a água. Isobáricas (a cheio), isócoras (a tracejado), isentálpicas (traço-ponto).

kgf c

m-2

kgf c

m-2

kgf c

m-2

kgf c

m-2

7.6.1. Diagrama de Mollier No diagrama de Mollier as coordenadas independentes são a entropia e a entalpia (Figura 31). A grande vantagem do diagrama de Mollier decorre da equação geral dos sistemas abertos (deduzida no capítulo 7.7), pois o trabalho realizado pelo sistema é dado pela diferença de entalpias, que podem ser lidas directamente do diagrama. Na figura Figura 31, apresenta-se, esquematicamente, o diagrama de Mollier para uma substância simples.

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7 – Mudança de Fase

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Figura 31 - Diagrama de Mollier (h, s) para uma substância simples. Apresentam-se também as linhas de volume constante (note-se que, neste diagrama, o ponto triplo corresponde a uma área).

7.7. Sistemas com Múltiplos Componentes: Regra das Fases de Gibbs

No caso de sistemas com vários componentes químicos a teoria é inteiramente análoga à anterior mas mais complexa, porque a dimensão mínima de espaço de representação aumenta.

Tal como nos sistemas de um só componente, quando num sistema multicom-ponente se perde a estabilidade intrínseca aparece(m) nova(s) fase(s) e a condição para a coexistência das fases em equilíbrio é inteiramente idêntica à anterior, i. e., G tem de ser mínimo.

Seja pois um sistema multicomponente, fechado, cuja Equação Fundamental é

U = U (S, V, N1, N2, ... , N r)

em que N1, N2, ... , Nr são os números de moles de cada um dos componentes químicos (1,2...r), distintos e independentes. Existem assim r-1 fracções molares independentes. A equação fundamental na forma molar escreve-se

( )11 ,,,, −= rxxvsuu … ou ( )11 ,,,, −= rxxPTgg …

As fracções molares, tal como a energia, a entropia e o volume molar diferem em cada fase. Todavia, os seus valores no equilíbrio serão os que tornem mínima a

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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Energia de Gibbs molar, porque as paredes que separam as fases não são restritivas e a pressão e a temperatura são uniformes para todas. Se houver M fases e r componentes independentes, logo r-1 fracções molares independentes, o potencial químico do componente i na fase j, )( j

iµ , será

),...,,,( )1(1)()(

−= rj

i

ji xxPTg

x∂∂

µ

e para cada componente i ,i = 1, 2, ... , r.-1, haverá a igualdade do respectivo potencial em cada fase, isto é,

(1) (2) ( )1 1 1(1) (2) ( )2 2 2

(1) (2) ( )

M

M

Mr r r

µ µ µ

µ µ µ

µ µ µ

= = =

= = =

= = =

……

M M M M O M M…

(7.28)

Assim, o número total de equações será

r (M - 1).

Existindo M fases, existirão M (r - 1) fracções molares independentes. Existem ainda mais duas variáveis independentes, T e P, cujo valor é igual para todas as fases, devido a encontrarem-se em equilíbrio. Resumindo, temos:

M (r - 1) + 2 variáveis independentes

r (M - 1) condições de igualdade dos potenciais químicos

O número de graus de liberdade, f, ou seja, de variáveis que podem ser arbitrariamente fixadas será portanto:

f = M (r- 1) + 2 - r (M - 1)

ou

f = r - M + 2

Regra das fases de Gibbs93

Para que o equilíbrio possa existir é, obviamente f≥0

Para o caso simples de 1 só componente, r =1.

93 Tratando-se de uma dedução a partir de outros resultados, a designação mais correcta seria

teorema de Gibbs. Mantém-se, todavia, a designação habitual.

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Termodinâmica Macroscópica

7 – Mudança de Fase

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Se houver 2 fases, resulta que é f =1, o que significa que apenas P ou T podem variar independentemente, continuando a manter-se o equilíbrio entre as fases.

Se existirem 3 fases e um só componente, é

f = 0

o que significa que em

sistemas de um só componente, a coexistência de 3 fases só é possível para um valor bem determinado de P e de T.

No caso da água, o ponto triplo existe para T=273,16 K. Dado o facto de só poder haver a coexistência de 3 fases para um valor fixo de P e de T:

O ponto triplo da água foi internacionalmente tomado como

ponto de referência para a definição da temperatura Termodinâmica para o qual se fixou o valor de T = 273,16 K e

P = 611 Pa.

Se o sistema possuir 2 componentes, o número máximo possível de fases coe-xistentes será dado por

0 = 2 - M + 2 ⇔ M = 4,

e as mesmas só podem coexistir para um par bem determinado de P e T.

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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8. Sistemas Abertos Sem Difusão

8.1. Introdução Até agora, apenas considerámos sistemas fechados, isto é, sistemas que não permutam massa com o exterior. Essa restrição não retira generalidade aos resultados já obtidos, pois o estudo de um sistema aberto pode sempre reduzir-se ao de um sistema fechado, bastando para tal que o sistema se considere como um subsistema num sistema mais geral que o envolve a si próprio e a todos os outros com os quais há permutas de massa.

Recapitulando os passos fundamentais que foram dados, verificamos que começamos por considerar um sistema isolado (e por isso também fechado) para que, sem qualquer ambiguidade, pudéssemos aplicar o princípio da conservação da energia. Seguidamente, considerámos a interacção entre sistemas que, no seu conjunto, formavam um sistema isolado, por exemplo A + B:

T TA B

A B

Tendo sempre subjacente o sistema total, fechado e isolado, pudémos enunciar o 2º Princípio da Termodinâmica para qualquer subsistema, ao qual já não se exigiu que fosse isolado mas apenas que fosse adiabático.

O 2º Princípio permitiu estabelecer, seguidamente, as condições de equilíbrio entre os sub-sistemas que formam o sistema total e o sentido da evolução para o equilíbrio quando esses subsistemas interaccionam entre si.

Todavia, em todos os casos anteriores, continuou a exigir-se a todos os subsistemas que interacionavam que não houvesse permuta de massa entre si.

Neste capítulo iremos fazer a primeira generalização dos resultados anteriores aos sistemas que permutam massa com o seu exterior.

Chamamos-lhe primeira generalização porque não envolve ainda todas as situa-ções e, em particular, a de existir difusão no seio da massa que o sistema permuta com o exterior. Esta restrição é pouco importante nas aplicações correntes de

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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engenharia mecânica e por isso a maioria dos textos a omite. As situações em que a difusão é importante serão tratadas no âmbito da Termodinâmica dos Processos Irreversíveis.

Mantendo-nos por agora no âmbito dos princípios gerais e da estrutura concep-tual da Termodinâmica Macroscópica, a primeira finalidade deste capítulo é mostrar como, sem qualquer dificuldade conceptual ou formal, se deduz a chamada equação geral de balanço para sistemas abertos.

Em geral, um sistema fechado tem não só energia interna, mas também energia cinética e energia potencial. Assim, sendo E a energia do sistema, temos:

c pE U E E= + + , (8.1)

onde Ec é a energia cinética e Ep é a energia potencial. Por outro lado, o princípio da conservação da energia garante que

E Q W∆ = + . (8.2)

Juntando as equações (8.1) e (8.2) e passando para a forma diferencial, temos assim

c pdE dE dE dU Q Wδ δ= + + = + . (8.3)

Dividindo por dt, temos

pc dEdE dU Q Wdt dt dt dt dt

δ δ+ + = + . (8.4)

Com as definições

. Q

Qdt

δ≡ (8.5)

e

. W

Wdt

δ≡ , (8.6)

a equação (8.4) fica

. .

pc dEdE dU Q Wdt dt dt

+ + = + . (8.7)

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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167

8.2. Balanços de Massa e de Energia para Sistemas Abertos

Consideremos um sistema genérico, fechado, e sintetizemos toda a energia trocada com o exterior por dQ e dW (Figura 32). O balanço de energia do sistema é dado pela equação (8.3). Consideremos agora que o sistema tem uma pequena parte da sua fronteira que se pode deslocar, a qual representamos por um êmbolo adiabático, e portanto impermeável (a - b), de espessura infinitesimal e secção dA, em equilíbrio com o fluido à sua esquerda, sendo esse fluido igual ao do interior94.

Figura 32 – Sistema com um êmbolo adiabático e móvel, (a – b).

Suponhamos agora que o êmbolo (a - b) se desloca de dl no sentido do interior do sistema (Figura 33). O sistema terá uma variação de volume dV dl dA= .

94 Note-se que a parede global do sistema só é adiabática nas zonas da superfície onde vier a haver

permuta de massa. Apenas nessas zonas se terá de verificar também a igualdade das forças generalizadas entre o sistema e o exterior.

a

b

Sistema B

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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168

Figura 33 – Deslocamento para a direita, numa distância dl, do êmbolo no sistema da Figura 32, passando para a posição a’ – b’.

A energia recebida pelo sistema devido a este processo é igual a ep d V , sendo

pe a pressão exterior que o fluido exerce sobre o êmbolo. Se v fôr o volume específico do fluido, é também

dV vdm= , (8.8)

sendo dm a massa contida em dV. A variação de energia do sistema B foi, com o deslocamento do êmbolo para a´ - b´,

B edE p vdm= . (8.9)

O volume deixado livre pelo movimento do êmbolo passou a ser ocupado pelo fluido que estava à sua esquerda. Chamemos A a esse sistema, compreendido entre (a´ - b´) e (a - b), (Figura 34).

Figura 34 – Definição do sistema A, no contexto da Figura 33.

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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169

Considerando agora o sistema conjunto (A + B), verificamos que tem a sua fronteira na posição em que B se encontrava antes de se iniciar o processo. Por outro lado, como existe equilíbrio das forças generalizadas através da fronteira que separa A de B, concluímos que nada se altera se a mesma fôr removida, pelo que podemos tratar o conjunto (A + B) como um único sistema mas agora com massa

B Am m m= + (8.10)

e energia

A BE E E= + . (8.11)

Para calcular E notamos que o sub-sistema B é um sistema fechado, pelo que a variação da sua energia é dada por (8.9)95. Para obter EA deve ter-se em conta que:

• a massa de A é dm;

• a energia interna de A é u96;

• a energia cinética de A associada à sua velocidade w é dada por ( ) 21 2 w dm , onde w é igual á norma de w;

• a energia potencial de A, com a distância vertical a uma cota de referência dada por z, é dada por gzdm .

Assim, a energia total do sistema elementar A é dada por

212AE u gz w dm = + +

. (8.12)

Tendo em consideração o conjunto de operações efectuadas sobre o sistema ve-rificamos que, se o mesmo fôr aberto, a equação de variação da sua energia total é dada por:

212 edE u gz w p v dm = + + +

. (8.13)

95 Note-se que apenas é invocado o primeiro princípio e que se considera a pressão exterior, medida no

exterior (pe) para que a relação seja válida independentemente da existência de equilíbrio no interior de B.

96 Pois os fluidos em em A e em B são idênticos.

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

_________________________________________________________________

170

Dado que a entalpia específica97 do fluido é dada por h u pv= + , a equação (8.13) também se pode escrever:

212

dE h g z w dm = + + . (8.14)

As relações estabelecidas até aqui são válidas para um elemento de superfície. Consideremos agora que o sistema pode trocar massa em qualquer ponto da sua superfície. Adicionalmente, pode também trocar calor ou trabalho em qualquer ponto da sua superfície.

Se designarmos por

• ρ a massa específica do fluido,

• n a normal a dΩ dirigida para o interior do sistema,

• w a velocidade com que o fluido está a entrar no sistema,

( )dmd

dtρ

Ω

= ⋅ Ω∫∫ w n , (8.15)

expressão designada como balanço de massa dos sistemas abertos.

Designando como

• q a quantidade de calor que atravessa a unidade de área por unidade de tempo (grandeza vectorial),

• τ o trabalho que as forças generalizadas (com excepção da pressão), realizam na sua própria direcção, sobre a superfície do sistema por unidade de área e por unidade de tempo (grandeza vectorial),

o balanço de energia de sistemas abertos fica

212

dE d d h g z w ddt

ρΩ Ω Ω

= ⋅ Ω + ⋅ Ω + + + ⋅ Ω ∫∫ ∫∫ ∫∫q n t n w n , (8.16)

Na forma apresentada a equação é absolutamente geral desde que não haja difusão de massa através da superfície.

Definimos agora o saldo de todas as trocas de calor com o sistema por unidade de tempo como

97 Entalpia por unidade de massa.

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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171

.

Q dΩ

≡ ⋅ Ω∫∫q n . (8.17)

Definimos o saldo de todas as trocas de energia com o sistema no intervalo de tempo, excluindo a energia sob a forma de calor ou fluxos de massa:

.

W dΩ

≡ ⋅ Ω∫∫ t n . (8.18)

Com as definições (8.17) e (8.18), a equação geral de balanço de energia para um sistema aberto, (8.16), escreve-se

( ). .

212

dE Q W h gz w ddt

ρΩ

= + + + + ⋅ Ω ∫∫ w n . (8.19)

8.3. Regime Estacionário Se o regime for estacionário, a energia total do sistema não varia no tempo, isto é,

0dEdt

= . (8.20)

A massa total contida no sistema também se mantém constante, pelo que:

0dm

ddt

ρΩ

= ⋅ Ω =∫∫ w n , (8.21)

significando que o fluxo de massa que entra iguala o fluxo da massa que sai, e se mantêm constantes, no tempo, as propriedades associadas as esses fluxos. A

essa quantidade comum chamamos caudal mássico .

m :

. 1

2m dρ

Ω

= ⋅ Ω∫∫ w n ,98 (8.22)

Suponhamos que, além do regime ser estacionário, existe apenas uma zona (simplesmente conexa) da superfície por onde entra todo o fluido (secção de entrada), denotada Ωi, e uma zona por onde todo o fluido sai (secção de

98 Tendo considerado os fluxos em módulo, e sendo iguais as quantidades entradas e as quantidades

saídas, cada uma delas será metade do total.

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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172

saída ), denotada Ωe. Temos então que o caudal que entra pela secção Ωi é igual (em módulo) ao caudal que sai pela secção Ωe:

.

i e

m d dρ ρΩ Ω

= ⋅ Ω = ⋅ Ω∫∫ ∫∫w n w n . (8.23)

Definimos

1

e

eh h dm

ρΩ

≡ ⋅ Ω∫∫ w n& , 1

i

ih h dm

ρΩ

≡ ⋅ Ω∫∫ w n& , (8.24)

2 21

e

ew w dm

ρΩ

≡ ⋅ Ω∫∫ w n& , 2 21

i

iw w dm

ρΩ

≡ ⋅ Ω∫∫ w n& , (8.25)

1

e

ez z dm

ρΩ

≡ ⋅ Ω∫∫ w n& , 1

i

iz z dm

ρΩ

≡ ⋅ Ω∫∫ w n& . (8.26)

Podemos então escrever a equação (8.19) como

. . .

2 21 1 02 2e e e i i iQ W h g z w h g z w m + + + + − + + =

. (8.27)

Como se verifica, a dedução da equação geral para os sistemas abertos apenas invocou, no essencial, o princípio da conservação da energia e nada mais requer, desde que se tenha desprezado a difusão de massa

Devido a esta generalidade, a equação é geralmente deduzida sem qualquer referência ao postulado da dissipação ou ao segundo princípio da Termodinâmica, admitindo como implícitas as restrições, geralmente pouco importantes, acima referidas.

A dedução envolveu apenas valores globais tal como podem ser observados e medidos por um observador colocado no exterior do sistema. Como tal, ignora-se o que se passa no seu interior, limitando-se o observador a contabilizar o que entra e o que sai, isto é, a fazer um balanço das quantidades de energia que atravessam a fronteira do sistema na unidade de tempo. Trata-se portanto de uma equação geral de balanço.

Como imediatamente se infere, a clara identificação da fronteira é crucial porque é nela que todas as quantidades são medidas. Para acentuar estas características, chamamos ao volume contido no interior da fronteira volume de controle .

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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173

A equação geral limitou-se, assim, a exprimir que no interior do volume de controlo a energia e a massa se conservam (isto é, não se criam nem se des-troem).

Deve notar-se o modo natural como a entalpia aparece como variável do sistema e não a energia interna. Isso deve-se ao facto de U e P V andarem sempre associados na forma H U PV= + devido à realização de trabalho associado à entrada e à saída de fluido no sistema. A entalpia é, por isso, a variável natural característica dos sistemas abertos.

8.4. Aplicações A utilidade da equação geral, uma vez deduzida, não é a de verificar e continuar a verificar o princípio da conservação da energia, mas sim a de nos permitir, pelo cálculo, inferir o valor de algumas das variáveis sabidas as restantes. Para isso é necessário em geral, fazer hipóteses adicionais quanto à evolução do que se passa no interior do sistema.

Para ilustrar este ponto, consideramos o mais simples possível dos sistemas abertos: um tubo de secção constante, horizontal no qual se escoa um fluido em regime estacionário e que não troca calor nem trabalho com o exterior, salvo, naturalmente, o associado à entrada e saída de fluido do volume de controlo (Figura 35).

Figura 35 – Tubo de secção constante, horizontal, com um estacionamento em regime estacionário.

1 2 De acordo com estas hipóteses,

.

0Q = , .

0W = , 1 2z z= ,

pelo que a equação geral para o regime estacionário (8.27) se reduz a

2 22

1 10

2 2e i ih w h w + − + = . (8.28)

Se as secções 1 e 2 forem muito próximas, também podemos escrever

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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174

210

2dh d w + =

. (8.29)

"Entrando" agora no interior do sistema99, podemos exprimir a entalpia nas outras variáveis termodinâmicas estudadas para os sistemas fechados e teremos dh Tds vdP= + , a qual é ainda uma relação geral e apenas pressupõe que no sistema elementar de volume dV delimitado pelas secções 1 e 2 são válidas as relações da Termoestática, o que é correcto na maioria dos casos. Substituindo na equação (8.29), teremos

( )212

Tds vdP d w+ = − . (8.30)

Verifica-se que o número de incógnitas aumentou. Para prosseguirmos torna-se necessário introduzir uma hipótese suplementar. Suponhamos que essa hipótese era a de uma evolução reversível, isto é 0ds = . Substituindo em (8.30), teríamos

( )212

vdP d w= − . (8.31)

Se se tratar de um fluído incompressível o volume específico será constante.Assim, devido à conservação da massa, como a secção do tubo é constante, resulta que

w1 = w2

e portanto

dw2=0.

Substituindo em (8.31), concluímos que

0dP = , (8.32)

o que significa que a pressão no interior do fluido não varia entre a entrada e a saída. Ora, e como a experiência demonstra, o resultado é falso (e seria de esperar, pois o movimento de um fluido corresponde a um fluxo de energia, e a um fluxo de energia está sempre associada uma dissipação).

99 O que significa ser necessária a exigência suplementar de as variáveis intensivas serem uniformes no

seu interior, ou ainda de que o sistema é suposto estar a cada instante em equilíbrio interno.

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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175

Não sendo admissível a hipótese 0ds = por implicar, neste caso, uma evolução reversível, vejamos a hipótese de não haver variação de entalpia, 0dh = . Teremos então

0Tds vdP+ = (8.33)

Como v e T são positivos e 0ds > pelo segundo princípio da Termodinâmica, concluímos que terá de ser 0dP < ,ou seja:

P1 > P2

que é o comportamento que experimentalmente se verifica. Esta perda de pressão por irreversibilidade é tida em conta, habitualmente (sobretudo em hidráulica e para fluidos incompressíveis em geral) , sob a forma de um termo correctivo determinado experimentalmente.

Dividindo ambos membros da equação (8.33) por dL, o comprimento do tubo, considerando que o volume específico, v, é igual ao inverso da massa específica, ?, e rerranjando, temos

1 dP dsT

dL dLρ= − . (8.34)

Assim é possível escrever

( ), , ,dP

f wdL

ρ µ ε= , (8.35)

em que f é empírico, µ a viscosidade do fluido e ε é a rugosidade do tubo. As formas que f assume serão dadas em Mecânica dos Fluidos e Transmissão de Calor. A sua determinação teórica está fora do âmbito da Termoestática, mas cai no da Termodinâmica dos Processos Irreversíveis.

Como facilmente se infere, esta irreversibilidade provoca um aumento da entropia que arrasta o da temperatura, se não houver mudança de fase.

8.5. Balanço de Entropia para Sistemas Abertos

O balanço de entropia para sistemas fechados encontra-se contido na Equação Fundamental na forma entrópica.

No caso de sistemas que deixaram de estar em equilíbrio interno por ter sido removido um constrangimento que impedia a interacção entre sub-sistemas, a

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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176

nova situação de equilíbrio é dada pelo máximo de entropia do conjunto, que forma um sistema isolado ou é a ele redutível.

Enquanto propriedade (extensiva) do sistema, uma característica fundamental da entropia é não ser uma propriedade conservada, (salvo nos casos limite de evoluções totalmente reversíveis) contrariamente ao que sucede com a energia e a massa.

A característica fundamental da irreversibilidade é o aumento de entropia, e o aumento de entropia é o facto mais comum e saliente nas evoluções reais.

Todavia, a entropia, para além de ser criada num processo irreversível também pode ser permutada, e isso sucede sempre que existe um fluxo de calor. Efectivamente, e como já por várias vezes foi sublinhado, é sempre:

dQ = T dS

desde que T e S se refiram ao sistema que recebe dQ e que T esteja definida para este sistema. Por este facto, podemos sempre escrever para o sistema fechado contido pela superfície fechada Ω o balanço de entropia como

.

int1

V

dSd s dV

dt TΩ

= ⋅ Ω +∫∫ ∫∫∫q n , (8.36)

em que .

ints é o aumento de entropia por unidade de tempo e de massa no interior do sistema devido a irreversibilidades internas de 1ª e 2ª espécie. Tratan-do-se de um sistema aberto, a equação de balanço da entropia generaliza-se imediatamente, bastando para tal ter em conta que, associado à unidade de massa que entra (ou sai do volume de controlo) vem associada não só uma energia, como todas as propriedades associadas à unidade de massa, nomeadamente a entropia.

Aliás, na equação de balanço energético para um sistema aberto, a entrada de entropia já foi implicitamente considerada na energia interna. A equação geral do balanço de entropia para um sistema aberto é portanto:

.

int1

V

dSd s d s dV

dt Tρ ρ

Ω Ω

= ⋅ Ω + ⋅ Ω +∫∫ ∫∫ ∫∫∫q n w n , (8.37)

O primeiro integral de superfície representa o fluxo de entropia ligado ao fluxo de calor. O segundo integral de superfície representa o fluxo de entropia associado ao fluxo de massa. Ambos podem ser positivos ou negativos. O integral de volume representa a produção de entropia por unidade de tempo devido às

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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177

irreversibilidades no interior do sistema. Pelo segundo princípio da Termodinâmica, este termo é intrinsecamente positivo.

Tal como anteriormente, se a superfície Ω que define o volume de controle puder ser dividida em j troços nos quais as temperaturas, as velocidades e as massas específicas são uniformes, os integrais anteriores podem substituir-se por um número finito de parcelas, obtendo-se

1

kj

j jj j

QdSm s

dt Tσ

=

= + +∑&

& & , (8.38)

em que

jQ dΩ

= ⋅ Ω∫∫q n& , (8.39)

jm dρΩ

= ⋅ Ω∫∫ w n& , (8.40)

.

intvV

s dVσ ρ= ∫∫∫& , (8.41)

onde vσ& é a produção total de entropia por irreversibilidades no interior do

volume de controlo. O cálculo de vσ& é feito na termodinâmica dos processos irreversíveis. Todavia, do 2º princípio da termodinâmica (ou do postulado da dissipação), sabemos já que

int 0s ≥& ,

pelo que

int 0σ ≥& ,

verificando-se apenas o sinal de igualdade se no interior do volume de controlo todos os processos forem reversíveis.

É fundamental ter em atenção, no cálculo do fluxo de entropia associado ao fluxo de calor, que a temperatura que se considera é a da fronteira do sistema. Neste caso, é a temperatura a que se encontra o elemento de superfície dΩ do volume de controlo, por onde o fluxo de calor em causa entra (ou sai) trazendo (ou levando) entropia para o sistema.

Como nos processos reais um fluxo de calor requer sempre uma diferença de temperatura, se a fronteira do volume de controlo não é definida com rigor, a

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Termodinâmica Macroscópica

8 – Sistemas Abertos Sem Difusão

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temperatura a que o mesmo se encontra tambem deixa de o ser, arrastando em consequência imprecisões nos fluxos de entropia permutados.

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Termodinâmica Macroscópica

9 – Bibliografia

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179

9. Bibliografia

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Deus, J. D., M. Pimenta, A. Noronha, T. Peña, P. Brogueira (1992). Introdução à Física. McGraw-Hill, Lisboa.

Domingos, T., T. Sousa (2004). The validity of the neoclassical economics formalism and its analogy to the Tisza-Callen axiomatisation of thermodynamics. Ecological Economics (em preparação).

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Goldstein, H. (1980). Classical Mechanics (2nd Ed.). Addison-Wesley, Reading, MA.

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Page 180: [SEBENTA] Termodinâmica Macroscópica - Princípios e Conceitos (2ª Edição) (Delgado Domingos)

Termodinâmica Macroscópica

9 – Bibliografia

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180

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Termodinâmica Macroscópica

10 - Anexo - Ferramentas Matemáticas

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181

10. Anexo - Ferramentas Matemáticas

10.1.Formas Diferenciais O único conceito matemático novo que a Termodinâmica utiliza é o de diferenciais: dU, dS, ... Em Matemática, estes objectos denominam-se formas diferenciais.

Existem dois caminhos para obter as regras de manipulação de formas diferenciais. Uma é com recurso ao jacobiano de transformações de coordenadas. Este é o percurso seguido em Domingos (1995). Outro é partir do significado de uma derivada parcial e derivar o significado das operações com formas diferenciais a partir daí. Esse o caminho seguido presente trabalho, que fornece assim uma justificação intuitiva para a utilização de formas diferenciais.

Suponhamos uma função z = z(x). Intuitivamente, uma derivada é o quociente entre variações infinitesimais de duas variáveis, z, e x:

dzdx

(10.1)

No entanto, z pode ser função de mais variáveis: z = z(x ,y). Neste caso, é necessário introduzir o conceito de derivada parcial, em que se faz a derivada da variável independente tomando uma das variáveis dependentes como constante. Para garantir que quer o diferencial da variável independente, quer o diferencial da variável dependente mantém y constante, o que precisamos é de uma forma de, para uma dada variação da variável independente, “retirar-lhe” a variação segundo y. Trata-se de um produto, o produto exterior, que, num certo sentido, é o oposto do produto interno: o produto interno dá a projecção de uma variável segundo a direcção da outra (dá a componente de uma váriável que é “interna” a outra); o produto exterior dá a projecção ortogonal da variável (dá a a componente de uma variável que é “externa” a outra). Assim, torna-se natural denotar uma derivada parcial da seguinte forma:

dz dydx dy

∧∧

(10.2)

Para tornar a argumentação anterior mais rigorosa, é necessário olhar para a verdadeira definição de formas diferenciais: uma formas-k é uma real de k

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Termodinâmica Macroscópica

10 - Anexo - Ferramentas Matemáticas

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182

vectores. Uma forma-0 é simplesmente uma função. Uma forma-1 é uma função de um vector. As formas-1 dx, dy e dz, são funções que retornam a componente de um vector segundo uma certa direcção. Para o vector v = (x, y, z) temos

( )dx x=v , ( )dy y=v , ( )dz z=v .

10.1.1. Produto Exterior de Formas Diferenciais No caso geral das formas-k, com k ≥ 2, impõe-se uma restrição adicional: têm que ser funções alternantes. Isto significa que se trocarmos a ordem de duas variáveis, a função troca de sinal. Isto impõe uma forma especial para o produto de formas diferencias. Assim, para uma forma-2, temos

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 1221222121 , yxyxdydxdydxdydx −=−=∧ vvvvvv , com v1 = (x1, y1) e v2 = (x2, y2).

Podemos agora interpretar rigorosamente o argumento apresentado acima para a passagem de derivadas parciais para quocientes de formas diferenciais. Consideremos outra vez a derivada parcial ( )yxz ∂∂ . Podemos decompor dois

vectores arbitrários v1 e v2 na soma de um vector perpendicular à direcção y e num vector paralelo a esta direcção. Temos assim

12111 vvv += 22212 vvv += , com ( ) 012 =vdy e ( ) 022 =vdy

( )( )

( ) ( ) ( ) ( )( ) ( ) ( ) ( )

dz dy

dx dy

dz dy dz dy dz dy dz dy

dx dy dx dy dx dy dx dy

∧=

∧ + ∧ + ∧ + ∧

∧ + ∧ + ∧ + ∧

v v

v v

v v v v v v v v

v v v v v v v v1

1

1 1 1 1

1 1 1 1

,

,

, , , ,

, , , ,2

2

1 21 2 21 1 22 2 22

2 2 2 2

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )1122211211212111

1122211211212111

vvvvvvvvvvvvvvvv

dydxdydxdydxdydxdydzdydzdydzdydz

−+−−+−

=

Na expressão anterior fez-se já a simplificação relativa aos vectores que são perpendiculares à direcção x.

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )1122211211212111

1122211211212111

vvvvvvvvvvvvvvvv

dydxdydxdydxdydxdydzdydzdydzdydz

−+−−+−

=

Podemos fazer agora uma nova separação

( )( )

( ) ( ) ( ) ( )( ) ( ) ( ) ( )

( )( )1

1

1221

1221

2

2

,,

vv

vvvvvvvv

vvvv

1

1

dxdz

dydxdydxdydzdydz

dydxdydz

=−−

=∧∧

A definição acima apresentada para o produto de formas diferenciais mostra que o produto de formas diferenciais é associativo. Não é comutativo, mas sim anticomutativo, pois

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Termodinâmica Macroscópica

10 - Anexo - Ferramentas Matemáticas

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183

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )dx dy dx dy dx dy dy dx dy dx dy dx∧ = − = − + = − ∧v v v v v v v v v v v v1 2 1 2 2 1 1 2 2 1 1 2, ,

Isto é,

dxdydydx ∧−=∧

Isto mostra também que 0=∧ dxdx .

Recorrendo ao mesmo tipo de derivação, é possível mostrar que o produto exterior é distributivo.

Síntese de Propriedades do Produto Exterior

Em síntese, o produto exterior tem as seguintes propriedades:

( ) ( )

( )

Associatividade

Anticomutatividade0

Distributividade do produto em relação à soma

dx dy dz dx dy dz

dx dy dy dxdx dx

dx dy dz dx dy dx dzfdx dy dx fdy

∧ ∧ = ∧ ∧∧ = − ∧∧ =

∧ + = ∧ + ∧∧ = ∧

10.1.2. Expressões para Derivadas Parciais

Consideremos a derivada exterior de uma função ( ),f x y :

y x

f fdf dx dyx y

∂ ∂ = + ∂ ∂ .

Fazendo o produto exterior à direita por dy, obtemos

y

fdf dy dx dyx

∂ ∧ = ∧ ∂ ou

y

f df dyx dx dy

∂ ∧ = ∂ ∧ .

Temos assim a expressão que nos permite relacionar derivadas parcia is com quocientes de produtos externos de diferenciais, transformando os problemas de manipulação de derivadas parciais em problemas algébricos.

Consideremos agora a expressão geral para a derivada exterior de uma função de k variáveis, ( )1,..., kf x x :

2 1 1

11 ,..., ,...,

...k k

kkx x x x

f fdf dx dx

x x−

∂ ∂= + + ∂ ∂

. (10.3)

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Termodinâmica Macroscópica

10 - Anexo - Ferramentas Matemáticas

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184

Se multiplicarmos à direita ambos os membros da equação (10.3) por 2 ... kdx dx∧ ∧ , obtemos

2

2

1 2 1 ,...,

......

k

k

k x x

df dx dx fdx dx dx x

∧ ∧ ∧ ∂= ∧ ∧ ∧ ∂ . (10.4)

Temos assim uma expressão sob a forma de um quociente de produto exterior de diferenciais para derivadas parciais com um número arbitrário de variáveis constantes.

Podemos também multiplicar a equação (10.5) por dz:

y x

f fdf dz dx dz dy dzx y

∂ ∂ ∧ = ∧ + ∧ ∂ ∂ .

Dividindo ambos os membros desta equação por dy dz∧ , obtemos

y x

df dz f dx dz fdy dz x dy dz y

∧ ∂ ∧ ∂ = + ∧ ∂ ∧ ∂ ou

yz z x

f f x fy x y y

∂ ∂ ∂ ∂ = + ∂ ∂ ∂ ∂ .

10.1.3. Derivação Exterior Seja z uma forma-0, isto é, uma função. A sua derivada exterior (normalmente designada como diferencial) é a forma -1

dyyzdx

xzdz

xy

+

=

∂∂

∂∂

Multiplicando à direita a equação por dy, e utilizando a propriedade 0=∧ dydy , obtemos por outro caminho a relação

dydxdydz

xz

y ∧∧=

∂∂ (10.6)

Esta definição mostra que se a fôr uma constante então ( ) 0=ad . Como outro exemplo, tomemos a pressão dada pela equação dos gases perfeitos:

nRTP

V=

Aplicando a relação anterior, temos

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Termodinâmica Macroscópica

10 - Anexo - Ferramentas Matemáticas

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185

dVV

TnRdT

VnR

dP 200 −=

Seja agora ϕ uma forma-k . A sua derivada exterior dϕ é a forma (k+1) obtida de ϕ através da aplicação de d a cada uma das funções que definem ϕ.

No exemplo anterior obtivémos uma forma-1. Podemos esse reultado para ilustrar a obtenção de uma forma-2.

( )d dP dnRV

dT dnR TV

dVnRV

dV dTnRV

dTnR TV

dV dV=

∧ −

∧ = − ∧ − −

∧ =0 0

20

20

20

3

20

Este exemplo ilustra também uma regra geral: ( ) 0=dzd . Por simplicidade, demonstraremos esta relação só para o caso em que z é uma função, de duas variáveis. Temos assim:

( )d dz dzx

dxzy

dyz

xdx

zxy

dy dxz

ydy

zxy

dx dyy x

=

+

= +

∧ + +

∧ =

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

2

2

2 2

2

2

0

Da definição acima é possível obter trivialmente ( ) dydxyxd +=+ .

10.2.Maximização

10.2.1. Livre

Consideremos uma função ( )1,..., nf x x . Para que um ponto ( )* *1 ,..., nx x desta

função sejá máximo, têm que se verificar as seguintes condições:

( )

( )

* *1

1

* *1

,..., 0

,..., 0

n

nn

f x xx

fx x

x

∂ = ∂ ∂ =

M M M

Isto é o mesmo que escrever

11

... 0nn

f fdf dx dx

x x∂ ∂

= + + =∂ ∂

,

dado que as variações dxi são independentes.

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Termodinâmica Macroscópica

10 - Anexo - Ferramentas Matemáticas

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186

10.2.2. Constrangida Quando queremos maximizar uma função, temos que obedecer em primeiro lugar a restrições de primeira ordem, relacionadas com a primeira derivada.

No entanto, vamos também encontrar muitas situações em que temos que maximizar uma função sujeita a certos constrangimentos.

O método de Lagrange provém de uma questão simples. Como é que podemos utilizar aquilo que já sabemos sobre optimização não constrangida para resolver problemas de optimização constrangida?

Consideremos a maximização de uma função de duas variáveis, com um constrangimento:

( )1 2

1 2,max ,x x

f x x , sujeito a ( )1 2, 0g x x = .

A ideia do método de Lagrange consiste em transformar o problema de optimização constrangida num problema de optimização não constrangida. Definimos o Lagrangiano:

( ) ( ) ( )1 2 1 2 1 2, , , ,L x x f x x g x xλ λ= +

A maximização desta função corresponde a determinar a solução do sistema de equações:

( ) ( )

( ) ( )

( )

1 2 1 21 1 1

1 2 1 22 2 2

1 2

, , 0

, , 0

, 0

L f gx x x x

x x xL f g

x x x xx x x

L g x x

λ

λ

λ

∂ ∂ ∂= + =

∂ ∂ ∂∂ ∂ ∂

= + =∂ ∂ ∂∂ = =∂

Isto é um sistema de três equações com três incógnitas, x1, x2, λ Note-se que neste sistema recuperamos o constrangimento. De acordo com o método dos multiplicadores, o óptimo é dado pela solução destas equações.

Vamos agora tentar perceber porque é que a solução deste sistema de equações é igual ao óptimo constrangido. Começamos por calcular a derivada exterior de L:

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Termodinâmica Macroscópica

10 - Anexo - Ferramentas Matemáticas

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187

1 22 1

1 2,1 2, , x xx x

L L LdL dx dx d

x xλ λ

λλ

∂ ∂ ∂ = + + ∂ ∂ ∂ .

Esta forma-1 obedece às condições acima. Substituindo-as, obtemos

1 2 1 2 1 21 2 1 2

( , )f f g g

dL dx dx dx dx g x x dx x x x

λ λ ∂ ∂ ∂ ∂

= + + + + ∂ ∂ ∂ ∂ ..

Dadas as condições, o terceiro termo do membro direito é nulo. O óptimo que estamos à procura é um óptimo que deverá obedecer a dL=0, para variações dx1, dx2 que respeitem o constrangimento. Para saber quais são essas variações, aplicamos a derivada exterior à equação de constragimento:

1 21 2

0g g

dg dx dxx x

∂ ∂= + =

∂ ∂.

Substituindo esta expressão na equação acima, temos

1 21 2

0f f

dx dxx x

∂ ∂+ =

∂ ∂,

para variações dx1, dx2 que respeitem o constrangimento. Era esta a condição que procurávamos.

Para o caso geral, temos

( )1 2

1,max ,..., nx x

f x x ,

sujeito a

( )

( )

1 1

1

,..., 0

,..., 0

n

m n

g x x

g x x

=

=M M M , com m n< .

Para resolver isto, construímos o Lagrangiano através da multiplicação de cada equação de constrangimento por um multplicador diferente, λi, e somámo-los todos à função f. O Lagrangiano é então:

( ) ( ) ( )1 1 1 11

,..., , ,..., ,..., ,..., .m

n n n j j nj

L x x f x x g x xλ λ λ=

= +∑

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Termodinâmica Macroscópica

10 - Anexo - Ferramentas Matemáticas

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188

As condições de primeira ordem são agora que todas as derivadas parciais têm que ser nulas no óptimo. Dado que L tem n + m variáveis, teremos um sistema de n + m equações para as variáveis 1 1,..., , ,...,n nx x λ λ :

( ) ( )

( )

1 11

1

,..., ,..., 0, 1,...,

,..., 0 1,...,

mj

n j nji i i

j nj

gL f x x x x i nx x x

L g x x j m

λ

λ

=

∂∂ ∂= + = =∂ ∂ ∂

∂ = = =∂

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Termodinâmica Macroscópica

11 – Índice Remissivo

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189

11. Índice Remissivo

2 2ª Lei da Termodinâmica, 52

A Água, 153

C Callen, 17, 67, 68, 72, 73, 74, 75, 76, 103, 179, 180 Carnot, 11, 12, 14, 27, 55, 56, 57, 58, 62, 63, 64

D Dissipação, 40, 42, 44, 49, 53, 71

E Elástico de borracha, 105 Energia de Gibbs, 115, 117, 118, 123, 132, 136, 137, 139, 140, 145, 146, 162 Energia de Helmholtz, 115, 116, 120, 121, 131 Entalpia, 115, 117, 121, 122, 123, 131, 170 Entropia, 51, 52, 68, 75, 110, 141, 150, 175 Equação de Euler, 86

G Gás Perfeito, 96

K Kelvin, 62, 66, 98

M Mínimo da Energia de Gibbs, 123 Mínimo da Energia de Helmholtz, 120 Mínimo da Entalpia, 123

P Paredes, 33 Postulado da Dissipação, 40, 42, 44, 49, 53, 71

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Termodinâmica Macroscópica

11 – Índice Remissivo

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190

T Tisza, 17, 67, 72, 73, 76, 180 Transformada de Legendre, 112

V van der Waals, 103, 143, 144, 145, 146