“se não se movimentam, as águas se corrompem” - ovidio · 2016-04-01 · excelentÍssimo...

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1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS CÍVEIS DA COMARCA DE JAÚ. “Se não se movimentam, as águas se corrompem” - Ovidio AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COM PEDIDO DE LIMINAR O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, através dos Promotores de Justiça ao final subscritos, com fundamento nos artigos 37 e 129, inciso III, da Constituição Federal, na Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), vem, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em relação ao MUNICÍPIO DE JAÚ, pessoa jurídica de direito público, com sede na Rua Paissandu, nº 444, nesta cidade e comarca, ao SAEMJA – SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO DO MUNICÍPIO DE JAÚ, autarquia municipal inscrita no CNPJ sob o número 50.760.370/0001-03, com sede na Rua

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS

VARAS CÍVEIS DA COMARCA DE JAÚ.

“Se não se movimentam,

as águas se corrompem”

- Ovidio

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

- COM PEDIDO DE LIMINAR

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE

SÃO PAULO, através dos Promotores de Justiça ao final subscritos, com fundamento nos

artigos 37 e 129, inciso III, da Constituição Federal, na Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil

Pública) e na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), vem, perante Vossa

Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em relação ao MUNICÍPIO DE

JAÚ, pessoa jurídica de direito público, com sede na Rua Paissandu, nº 444, nesta cidade e

comarca, ao SAEMJA – SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO DO MUNICÍPIO DE JAÚ,

autarquia municipal inscrita no CNPJ sob o número 50.760.370/0001-03, com sede na Rua

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Paissandu, nº 455, e à empresa ÁGUAS DE MANDAGUAHY S.A., CNPJ

01.468.492/0001-07, localizada à Avenida Projetada nº 2.915, Rodovia Jaú-Araraquara,

nesta comarca de Jaú, pelas razões de fato e de direito a seguir declinadas.

I – DOS FATOS

Os moradores de Jaú, de quase todos os bairros da

cidade, especialmente aqueles domiciliados na margem direita do rio Jaú, sofrem

diariamente com a falta d’água provocada pela ineficiência do sistema público de

abastecimento.

Em alguns bairros o desabastecimento de água

potável perdura, vez por outra, durante dois e até três dias seguidos. A ré ÁGUAS DE

MANDAGUAHY, concessionária do serviço público de captação, tratamento e

fornecimento de água para os moradores na margem direita do rio Jaú, mostrou-se incapaz

de cumprir o objeto contratado com a eficiência, rapidez e a presteza necessárias.

Essa concessionária não fornece ao Poder Público a

quantidade de água suficiente para suprir a demanda. Além disso, interrompe

constantemente o fornecimento sem motivo plausível.

O MUNICÍPIO DE JAÚ, poder concedente, e o

SAEMJA – Serviço de Água e Esgoto, autarquia criada para fornecer água à população e

fiscalizar a execução desse serviço público, têm descumprido o dever de exigir que aquela

concessionária cumpra integralmente sua obrigação contratual.

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A omissão dos réus em cumprir o que lhes cabe tem

provocado situação desesperadora para milhares de munícipes que são obrigados a racionar

a água que recebem até para suas necessidades básicas de alimentação e higiene.

O jornal Comércio do Jahu, na edição do dia 30 de

dezembro de 2.009, veiculou, em manchete, matéria intitulada “Jaú registra maior índice de

chuva dos últimos cinco anos”.

No dia seguinte, o mesmo jornal trouxe a seguinte

manchete: “Bairros da margem direita do Rio Jaú voltam a ficar sem água”.

No dia 01 de janeiro, o Comércio do Jahu estampou,

na primeira página, fotografia de um morador do Jardim São Crispim, que pegava água da

enxurrada que escorria na sarjeta defronte de sua casa para usá-la no banheiro, uma vez que

não podia acionar a descarga.

Moradores do Jardim Alvorada II, América, São

Crispim, Comerciários, Novo Horizonte, entre outros, ficaram sem água em suas

residências nos dias 30 e 31 de dezembro próximo passado.

Importante assinalar que o SAEMJA e a

concessionária ÁGUAS DE MANDAGUAHY já foram acionados anteriormente em

ação civil pública que tramitou pelo E. Juízo da 3ª Vara desta Comarca, sendo

condenados a pagar R$ 2.000.000,00 (Dois milhões de reais) por deixarem de fornecer

água regularmente à população dos bairros da margem direita do rio Jaú, e por

entregarem água de má qualidade aos consumidores (proc. 811/06).

Agora, em odiosa REINCIDÊNCIA, a

Mandaguahy voltou a violar os direitos dos consumidores, impondo-lhes condição

vexatória e desumana, fato amplamente divulgado pela imprensa, deixando de

fornecer água aos bairros da margem direita do rio Jaú, sob os olhos do SAEMJA.

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A razão das novas interrupções é a mesma de antes e

de sempre: a ETA II não trata a água quando há turbidez excessiva. É INEFICIENTE

O SISTEMA DE TRATAMENTO ADOTADO. Depois, quando volta a tratar, é de baixa

qualidade a água servida à população. Esse fato é público e notório, escancarado nos

últimos 08 anos. A turbidez provocada pelas chuvas era fato previsível quando da licitação.

Houve erro gravíssimo da concessionária, da autarquia SAEMJA e da prefeitura quando a

primeira propôs e adotou tecnologia para o tratamento da água, haja vista que o “chamado

público” exigia que os participantes do certame tivessem conhecimento e domínio da área

onde seria implantada a Estação de Tratamento – ETA II.

Pois bem. É absurda a letargia da ré

MANDAGUAHY nesses últimos anos, pois nada fez para corrigir o problema,

preferindo simplesmente parar a estação e deixar o povo sem água, aos olhos e

conivência do Poder Público que também nada fez para colocar cobro nessa sofrível

realidade, sendo incompreensivelmente negligente .

Passados 12 meses do atual governo municipal, o

Poder Público instaurou um processo administrativo para apurar os desmandos da

concessionária ÁGUAS DE MANDAGUAHY e não foi além disso. De concreto, para a

solução do problema da falta d’água, nenhuma medida foi tomada.

De se lembrar, a propósito, que o SERVIÇO DE

ÁGUA E ESGOTO DO MUNICÍPIO DE JAÚ – SAEMJA, autarquia municipal regida

pela Lei nº 1.143/67, é responsável pelo abastecimento público de água potável aos

consumidores jauenses.

A empresa ÁGUAS DE MANDAGUAHY S.A. foi

constituída pelo Consórcio AMAFI/MULTISERVICE, vencedor da Licitação196/95, com

a finalidade de dar execução ao Contrato de Concessão para construção da Estação de

Tratamento de Água - ETA II, cujo objeto é o fornecimento de água potável ao SAEMJA

visando à distribuição para a população de Jaú (fatos públicos e notórios).

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Como imposição da Lei Complementar Municipal

nº 27/95, “compete ao SAEMJA fiscalizar, administrar e gerenciar toda a água

tratada, distribuída e consumida pelos munícipes, remunerando, ao final, a

Concessionária, pela vazão nominal contratada das instalações realizadas”.

No passado, a Licitação 196/95, em seu respectivo

edital, exigiu dos licitantes que demonstrassem pleno conhecimento da região

abrangida pelos serviços de concessão em todos os seus aspectos, inclusive sociais,

econômicos, etc.

Nos autos do I nquérito C ivil nº 033/03, que

instruiu a Ação Civil Pública nº 811/06 da 3ª Vara local, a fls.139/141, o Poder Público

concedente, após recomendação do Ministério Público (fls.128/132), reconheceu, em

dezembro de 2003, que a concessionária Mandaguahy havia descumprido as

obrigações de fornecimento contínuo de água e de fornecimento de água potável em

condições de consumo imediato, afastando as alegações de força maior por causa das

chuvas, aplicando-lhe multa, sendo destacado o seguinte trecho:

“Este Poder Concedente não acata e rejeita

formalmente as justificativas dessa empresa

relativas ao excesso de chuvas que provocaram

aumento da turbidez das águas do Córrego

Mandaguay, tão pouco aquela relacionada a

redução da mata ciliar do referido córrego.

Tais fatos são perfeitamente previsíveis e deveriam

ser enfrentados com elaboração e implementação

de esquemas de atendimento às situações de

emergência, como prevê a cláusula V, alínea “d”

do Contrato de Concessão, não se admitindo, sob

hipótese alguma, a interrupção ou paralisação dos

serviços de captação, tratamento e fornecimento da

água potável, como tem ocorrido ultimamente.

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Isto posto, fica essa empresa formalmente advertida

para que tome todas as medidas e providências

necessárias a completa e definitiva regularização

dos serviços objeto da concessão, fornecendo-os de

forma adequada e satisfatória, tanto

quantitativamente como qualitativamente, sob pena

de aplicação das demais sanções legais e

contratuais previstas”. (Advertência assinada pelo

Prefeito Municipal e Superintendente do SAEMJA.

grifamos e destacamos)

Necessária, portanto, a presente ação civil

pública para a solução definitiva do problema decorrente da ineficiência

do serviço público de abastecimento de água potável da cidade.

II – DO DIREITO

A constante falta d’água em quase todos os

domicílios da cidade, especialmente naqueles situados na margem direita do rio Jaú, que

deveriam ser abastecidos pela acionada ÁGUAS DE MANDAGUAHY, viola o princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição

Federal).

Segundo afirma MARIA BERENICE DIAS, o

princípio da dignidade da pessoa humana “é o mais universal de todos os princípios”. É

dele que se irradiam todos os demais princípios éticos, como o princípio da igualdade, da

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solidariedade, da liberdade, da autonomia privada, da cidadania (Manual de Direito das

Famílias, RT, São Paulo, 2006, página 52).

O Ministro EROS GRAU, do Supremo Tribunal

Federal, leciona que, “embora assuma a concreção como direito individual, a dignidade da

pessoa humana, enquanto princípio constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial

dos direitos humanos” (A ordem econômica na Constituição de 1988, Malheiros, São

Paulo, 2005, 10ª edição, página 108).

A dignidade da pessoa humana deve ser refletida,

como uma forma de repressão às injustiças sociais, principalmente aos menos favorecidos,

que inúmeras vezes são tratados como um objeto qualquer. Ora, o Estado tem o dever de

proteger a dignidade de todo o ser humano, como leciona SARLET: “o Estado deverá ter

como meta permanente, proteção, promoção e realização concreta de uma vida com

dignidade para todos, podendo-se sustentar, na esteira da luminosa proposta de Clèmerson

Clève, a necessidade de uma política de dignidade da pessoa humana e dos direitos

fundamentais” (INGO WOLFGANG SARLET, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos

Fundamentais na Constituição federal de 1988, Livraria do Advogado, Editora Porto

Alegre, 2007, 5ª edição, página 113).

ALEXANDRE DE MORAES, na obra “Constituição

do Brasil Interpretada”, Atlas, São Paulo, 2007, páginas 60/61, discorrendo sobre o

“Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”, leciona: “A dignidade da pessoa humana é

um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na

autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão

ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que

todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente posam ser

feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a

necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.”

Ensina, ainda, que “o princípio fundamental

consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em

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uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em

relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar,

estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios

semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência de o indivíduo respeitar a dignidade

de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. A

concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do Direito

Romano: honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudique

ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido). Por fim, a Declaração

Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da

Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10-12-1948, e assinada pelo Brasil na mesma

data, reconhece a dignidade como inerente a todos os membros da família humana e como

fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.”

A Constituição Federal, no seu artigo 37, traça o

perfil jurídico da Administração Pública:

“A administração pública direta, indireta ou

fundacional, de qualquer dos Poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

obedecerá aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência...”

HELY LOPES MEIRELLES, na obra “Direito

Administrativo Brasileiro”, RT, São Paulo, 1990, páginas 78/79, explica: “... A

legalidade, como princípio de administração (CF, artigo 37, “caput”), significa que o

administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos

da lei, e às exigências do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena

de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal,

conforme o caso.

A eficácia de toda atividade administrativa está

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condicionada ao atendimento da lei.

Na Administração Pública, não há liberdade nem

vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não

proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o

particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve

fazer assim”... A moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade

de todo ato da Administração Pública (CF, artigo 37, “caput”)”.

GERALDO ATALIBA, na obra “República e

Constituição”, de referência obrigatória, alerta para o papel determinante dos princípios

constitucionais como condicionantes da interpretação e eficácia das demais regras e para a

gravidade da violação a estes impingida. Apoiado em lição de CELSO ANTÔNIO

BANDEIRA DE MELLO, consignou o autor:

"Princípio é, pois, por definição, mandamento

nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia

sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata

compreensão e inteligência, precisamente porque define a lógica e a racionalidade do

sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.

(...) qualquer disposição, qualquer regra jurídica

(...) para ser constitucional, necessita estar afinada com o princípio (...) realizar seu

espírito, atender à sua direção estimativa, coincidir com seu sentido axiológico,

expressar seu conteúdo. Não se pode entender corretamente uma norma constitucional

sem atenção aos princípios consagrados na Constituição e não se pode tolerar uma lei

que fira um princípio adotado na Carta Magna. Violar um princípio é muito mais grave

que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um

específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave

forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado,

porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores

fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua

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estrutura mestra" (Ataliba, República e Constituição, Malheiros Editores, 1998, p.34/35).

Oportuna a visão do professor EROS ROBERTO

GRAU, observando que a análise da eficiência da Administração Pública adquiriu uma

grande valoração para a sociedade, tornando-se um valor cristalizado, pois não é

interessante à sociedade a manutenção de uma estrutura ineficiente. A cristalização deste

valor ganhou normatividade, transformando-se em um princípio a ser observado por todo o

ordenamento jurídico no que tange à Administração Pública. Entretanto, cumpre

verificarmos como deve ser interpretado tal princípio. Deve ser atentado que o vocábulo

eficiência sofre de várias acepções, e que ao ser cristalizado como princípio jurídico

receberá novas características, gerando, também, inúmeros conceitos do princípio da

eficiência, os quais podem acabar sendo manipulados por conotações ideológicas e não

jurídicas (GRAU, Roberto Grau. A ordem econômica na constituição de 1988, Malheiros,

São Paulo, 1991, 2ª edição, páginas 194-196).

Observem-se alguns conceitos do princípio da

eficiência, para exemplificar o dito pelo parágrafo anterior, entre eles o de VLADIMIR DA

ROCHA FRANÇA:

"O princípio da eficiência administrativa estabelece

o seguinte: toda ação administrava deve ser orientada para concretização material e

efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones jurídico-administrativo."

(FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência administrativa. In: Revista de Direito

Administrativo. Rio de Janeiro, Renovar, nº 220, abr./jul. 2000, p. 168).

De outra monta, temos o conceito do princípio da

eficiência posto por ALEXANDRE MORAES:

"Assim, princípio da eficiência é o que impõe à

administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum,

por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente,

participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela

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adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos

recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior

rentabilidade social" (MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda

Constitucional nº 19/98, Atlas, São Paulo, 1999, 3ª edição, página 30).

Entendimento bem ponderado tem sido apresentado

por LUCIA VALLE FIGUEIREDO, defensora da eficiência como princípio constitucional:

"Mas que é eficiência? No Dicionário Aurélio,

eficiência é ‘ação, força virtude de produzir um efeito; eficácia.’

Ao que nos parece, pretendeu o ‘legislador’ da

Emenda 19 simplesmente dizer que a Administração deveria agir com eficácia. Todavia,

o que podemos afirmar é sempre a Administração deveria agir eficazmente. É isso o

esperado dos administradores.

Todavia, acreditamos possa extrair-se desse novo

princípio constitucional outro significado aliando-se-o ao art. 70 do texto constitucional,

que trata do controle do Tribunal de Contas.

Deveras, tal controle deverá ser exercido não

apenas sobre a legalidade, mas também sobre a legitimidade e economicidade; portanto,

praticamente chegando-se ao cerne, ao núcleo, dos atos praticados pela Administração

Pública, para verificação se foram úteis o suficiente ao fim a que se preordenavam, se

foram eficientes." (FIGUEIREDO, Lúcia Vale, Curso de Direito Administrativo,

Malheiros, São Paulo, 2000, 4ª edição, página 60).

O princípio constitucional da eficiência, que deve

balizar todos os atos do administrador público, alcança também o procedimento daqueles

que, mediante autorização, permissão ou concessão, executem obras ou prestem serviços

por delegação do Poder Público.

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Na hipótese discutida, a concessionária/ré ÁGUAS

DE MANDAGUAHY reiteradamente descumpre o princípio da eficiência, fornecendo ao

MUNICÍPIO DE JAÚ quantidade de água potável inferior à demanda e, ainda,

interrompendo constantemente, sem justificativa plausível, o fornecimento desse produto.

Dessa forma, muitos consumidores de Jaú ficam, às vezes, dois ou mais dias seguidos sem

receber água em suas residências.

O MUNICÍPIO DE JAÚ, que concedeu à empresa

ÁGUAS DE MANDAGUAY a concessão do serviço público de captação, tratamento e

fornecimento de água, e o SAEMJA, autarquia que executa em parte e fiscaliza o mesmo

serviço, igualmente descumpre o mandamento constitucional na medida em que não exige

da concessionária o cumprimento do objeto contratado nem promove a rescisão

administrativa do contrato.

Essa omissão é indesculpável.

Cabível, na hipótese discutida, a rescisão desse

contrato.

O mestre HELY LOPES MEIRELLES sintetiza: “a

rescisão administrativa por inadimplência do contratado ocorre quando este descumpre

cláusula essencial do contrato e, em conseqüência, retarda ou paralisa a sua execução ou

desvirtua o seu objeto” (Direito Administrativo Brasileiro, 13ª ed., pág. 207).

Os consumidores jauenses, privados do recebimento

de água potável, são afrontados também no seu direito de consumidores.

Prescreve o artigo 4º do Código de Defesa do

Consumidor (Lei nº 8.078/90) a necessidade de “transparência e harmonia nas relações

de consumo”.

O Código, portanto, superou a teoria clássica da

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oferta e trouxe, para o âmbito do micro-sistema das relações de consumo, a acepção mais

consentânea com a atual sociedade massificada.

A doutrina e a jurisprudência comungam do

entendimento de que as normas de proteção da Lei 8.078/90 devem ser aplicadas em defesa

dos destinatários de serviços públicos, que estabelecem com o Estado relação de consumo

no seu sentido mais amplo.

A Portaria 518/04 do Ministério da Saúde estabelece

que a água potável, para consumo humano, deve guardar parâmetros microbiológicos,

físicos, químicos e radioativos que não ofereçam riscos á saúde humana.

Reza o artigo 12 da Portaria 518/04 que, para a

garantia da qualidade microbiológica da água, em complementação às exigências relativas

aos indicadores microbiógicos, deve ser observado o padrão de turbidez.

Como vem sendo registrado pela imprensa, e pela

população, a aceitação do limite de turbidez que deveria ser verificado pela Concessionóría

e pelo SAEMJA, não se realizaram, pois se tivessem seguido à risca as Tabelas de turbidez

da portaria citada, a água não seria entregue barrenta ou esbranquiçada como continua

reclamando a população.

DANO MORAL INDENIZÁVEL

O dano moral difuso é conseqüência lógica dos

constrangimentos impostos aos consumidores pela falta injustificada de água, conforme já

se expôs.

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A possibilidade de reparação do dano moral não se

discute, posto que consagrada expressamente na Constituição Federal em seu artigo 5º,

inciso V.

O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 6º,

inciso VI, estabeleceu como direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação

de danos morais, individuais, coletivos e difusos.

Juridicamente possível, conquanto, que a

concessionária/ré seja compelida a reparar o dano moral difuso causado pela falta

injustificável de entrega de água aos consumidores dos bairros situados na margem direita

do rio Jaú. E essa reparação pode ser satisfeita através do pagamento de certa quantia à

Administração municipal, que a reverterá em melhoria do sistema público de abastecimento

de água, beneficiando, dessa forma, àqueles que foram prejudicados.

No que concerne ao valor da indenização por danos

morais, a tendência mundial sinaliza no sentido da fixação de quantias expressivas,

exatamente “como meio de desestímulo a novas agressões, ou novas práticas lesivas”

(Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade Civil por Danos a Consumidores, Saraiva, pág

11).

III – DO CONTROLE DA

ADMINISTRAÇÃO PELO JUDICIÁRIO

Importante enfrentar, ademais, a questão do controle

da Administração exercido pelo Judiciário, haja vista que poderá ser ela suscitada como

tese de defesa.

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O Judiciário, como se sabe, não pode substituir o

Executivo em pronunciamentos que lhe são privativos, sob pena de fazer tabula rasa do

princípio constitucional da independência dos Poderes. Contudo, dizer se a Administração

agiu com observância da lei, dentro de sua competência (ou omitiu o dever de agir), é

função específica da Justiça, e por isso mesmo poderá ser exercida em relação a qualquer

ato do Poder Público, ainda que praticado no uso da faculdade discricionária, ou com

fundamento político, ou mesmo no recesso das câmaras legislativas. Qualquer que seja a

procedência, a natureza e o objeto do ato, desde que traga em si a possibilidade de lesão a

direito individual ou ao patrimônio público, ficará sujeito à apreciação judicial, exatamente

para que a Justiça diga se foi ou não praticado com fidelidade à lei, e se ofendeu direitos do

indivíduo ou interesses da coletividade.

Esse é o entendimento da CORTE SUPREMA, que

se posicionou no sentido de que a legalidade do ato administrativo, cujo controle cabe ao

Poder Judiciário, compreende não só a competência para a sua prática e a observância de

suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus

motivos, os seus pressupostos de direito e de fato, desde que tais elementos sejam definidos

em lei como vinculadores desse ato (STF, RDA 42/227).

Se é certo que não incumbe ao Poder Judiciário

invadir a discricionariedade dos demais Poderes, definindo quando e qual política pública

deverá ser implementada no caso concreto, também é certo que a mora do Executivo em

cumprir os preceitos legais referidos provoca dano ao direito do cidadão de receber,

diariamente, através do sistema público de abastecimento, água em quantidade e qualidade

que atendam suas necessidades básicas. Possível, daí, a concessão, pelo Judiciário, de

provimento de caráter mandamental para a tutela do direito individual e social violado.

Por isso, a Suprema Corte já advertiu que:

“A omissão do Estado, que deixa de cumprir, em

maior ou em menor extensão, a imposição ditada

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pelo texto constitucional, qualifica-se como

comportamento revestido da maior gravidade

político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder

Público também desrespeita a Constituição,

também ofende direitos que nela se fundam e

também impede, por ausência de medidas

concretizadoras, a própria aplicabilidade dos

postulados e princípios da Lei Fundamental” (RTJ

185/794-796 – Pleno, Rel. Min. Celso de Mello).

IV – DA LEGITIMIDADE DO

MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A AÇÃO

A ação civil pública surgiu em nosso ordenamento

jurídico com o advento da Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1.985, destinada à

reparação e proteção dos interesses difusos, assim compreendidos os metaindividuais,

pertinentes a titulares não passíveis de determinação.

Posteriormente, com a promulgação da Constituição

Federal de 1.988, estendeu-se o cabimento da ação civil pública também para a tutela de

interesses coletivos que, igualmente, transindividuais, se distinguem daqueles já

mencionados apenas em razão da possibilidade de identificação do grupo.

Na hipótese presente, a legitimação do Ministério

Público descende justamente do artigo 129, inciso III, da Magna Carta (São funções

institucionais do Ministério Público: promover o inquérito civil e a ação pública, para a

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proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos).

Trata-se, aqui, de ação civil pública de interesse

público imediato, cuja preservação interessa a toda a coletividade, explicam MARINO

PAZZAGLINI FILHO, MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA E WALDO FAZZIO

JÚNIOR (“Improbidade Administrativa”, página 181, Editora Atlas, 1ª edição). Na tutela

dos interesses metaindividuais – observa Rodolfo Mancuso (obra citada) – pontifica um

sistema de interação das normas processuais, integrando-se as disposições das Leis

7.347/85, 8.072/90 e 8.429/92.

Falando por toda a doutrina, ÉDIS MILARÉ sintetiza

que o Ministério Público é titular “por excelência” da ação civil pública.

A jurisprudência comunga desse entendimento:

“O campo de atuação do MP foi ampliado pela

Constituição de 1.988, cabendo ao Parquet a

promoção do inquérito civil e da ação civil pública

para a proteção do patrimônio público e social do

meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos, sem a limitação imposta pelo art. 1º da

Lei 7.347/85...” (Superior Tribunal de Justiça, 2ª

Turma, REsp 31.547-9-SP, Rel. Min. AMÉRICO

LUZ, j. 06.10.93, v.u., DJU 8.11.93).

Veja, de modo específico:

“O Ministério Público está legitimado a

promover ação civil pública ou coletiva, não

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apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos

de consumidores, mas também de seus direitos

individuais homogêneos, nomeadamente de

serviços públicos, quando a lesão deles,

visualizada em sua dimensão coletiva, pode

comprometer interesses sociais relevantes” (STJ,

REsp 610235-DF, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª T,

julg. 20/03/2007, DJ 23/04/2007, p. 231).

V – DA NECESSIDADE DA LIMINAR

A Lei nº 7.347/85 estabelece em seu artigo 3º: “a

ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de

obrigação de fazer ou não fazer”. E, no seu artigo 12: “poderá o juiz conceder

mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.

Ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade

Nery que a “justificação prévia pode ou não ser realizada. Preenchidos os pressupostos

legais do periculum in mora e do fumus boni juris, deve o juiz conceder a liminar, não

havendo necessidade de justificação prévia” (Código de Processo Civil, Revista dos

Tribunais, 1.996, pág. 1.431).

A jurisprudência tem afirmado a desnecessidade de

ajuizar-se ação cautelar, antecedente da ação principal, para a postulação de liminar, com

evidente desperdício de tempo e atividade jurisdicional. O pedido de concessão de liminar

pode ser cumulado na petição inicial de ação civil pública de conhecimento. Assim:

RJTJSP - 11/312.

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Estão presentes, na hipótese discutida, os

pressupostos autorizadores da concessão da liminar, que são: a fumaça do bom direito (a

Constituição Federal e toda a legislação infraconstitucional citada exigem que o serviço

público seja prestado com eficiência por seus agentes e por aqueles que recebem concessão

para fazê-lo) e o perigo da demora (não se admite que a população jauense deixe de

receber, diariamente, a quantidade de água potável necessária às suas necessidades básicas).

VI – DOS PEDIDOS

Posto isso, requer:

1- A concessão de liminar, sem a oitiva dos réus,

determinando-se ao MUNICÍPIO DE JAÚ, ao SAEMJA e à empresa ÁGUAS DE

MANDAGUAHY, que adotem as providências necessárias para promover o fornecimento,

no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, de ao menos 18 (dezoito) horas diárias, sendo 10

(dez) delas, no mínimo, entre às 7:00 e às 20:00 horas, de água potável a todas as casas

situadas na cidade de Jaú, bairros rurais de Pouso Alegre e Vila Ribeiro e Distrito de

Potunduva, com a pressão necessária para garantir o abastecimento das caixas d’água

domiciliares, sob pena de multa diária de 100 (cem) salários mínimos para cada bairro que

sofrer desabastecimento;

2- Determinando-se, ainda em sede de liminar, que

os mesmos réus promovam o fornecimento, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias,

de ao menos 20 (vinte) horas diárias de água potável, sendo 12 (doze) delas, no mínimo,

entre às 7:00 e 22:00 horas, a todas as casas e da forma atrás referidas, sob pena de igual

multa diária;

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3- A citação dos réus, através de seus representantes

legais, para que respondam à presente ação, querendo e lhes convindo, sob pena de revelia;

4- A procedência da ação:

a) determinando-se a rescisão do contrato de

concessão do serviço de tratamento e fornecimento de água firmando entre o MUNICÍPIO

DE JAÚ e a ré ÁGUAS DE MANDAGUAHY S.A. em face do descumprimento das

obrigações assumidas pela concessionária, devendo o ente público assumir imediatamente o

múnus objeto da concessão;

b) condenando-se o MUNICÍPIO DE JAÚ e o

SAEMJA a promoverem o fornecimento (obrigação de fazer), no prazo máximo de 03

(três) meses contado da sentença, de água potável a todas as residências situadas no

município, durante todas as horas de cada dia (24 horas), sob pena de multa diária de l00

(cem) salários mínimos para cada bairro que sofrer desabastecimento, independentemente

de qualquer ocorrência, por mais de 8 (oito) horas seguidas;

c) condenando-se a ré ÁGUAS DE

MANDAGUAHY S.A. a pagar ao MUNICÍPIO DE JAÚ multa equivalente a R$

2.000.000,00 (dois milhões de reais), a título de danos morais, pelo descumprimento da

obrigação assumida na concessão e pelo desabastecimento de água que causou,

especialmente, nos dias 30 e 31 de dezembro de 2.009, provocando sofrimento, privação e

desassossego a milhares de munícipes consumidores, quantia essa que deverá ser usada

obrigatoriamente nas ações de melhoria do sistema de captação, tratamento e abastecimento

público de água;

d) condenando-se todos os réus nos ônus próprios

da sucumbência;

5- Provar o alegado por todos os meios permitidos

em direito.

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NESTES TERMOS,

D., R. e A. esta, com os inclusos documentos, dando-

se-lhe o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

P. DEFERIMENTO.

Jaú, 05 de janeiro de 2.010.

LUIS FERNANDO ROSSETTO

Promotor de Justiça do Consumidor da Comarca de Jaú

JORGE J. MARQUES DE OLIVEIRA

Promotor de Justiça dos Direitos Humanos da Comarca de Jaú

CELSO ÉLIO VANNUZINI

Promotor de Justiça da Cidadania da Comarca de Jaú