“se não se movimentam, as águas se corrompem” - ovidio · 2016-04-01 · excelentÍssimo...
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS
VARAS CÍVEIS DA COMARCA DE JAÚ.
“Se não se movimentam,
as águas se corrompem”
- Ovidio
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
- COM PEDIDO DE LIMINAR
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
SÃO PAULO, através dos Promotores de Justiça ao final subscritos, com fundamento nos
artigos 37 e 129, inciso III, da Constituição Federal, na Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil
Pública) e na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), vem, perante Vossa
Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em relação ao MUNICÍPIO DE
JAÚ, pessoa jurídica de direito público, com sede na Rua Paissandu, nº 444, nesta cidade e
comarca, ao SAEMJA – SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO DO MUNICÍPIO DE JAÚ,
autarquia municipal inscrita no CNPJ sob o número 50.760.370/0001-03, com sede na Rua
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Paissandu, nº 455, e à empresa ÁGUAS DE MANDAGUAHY S.A., CNPJ
01.468.492/0001-07, localizada à Avenida Projetada nº 2.915, Rodovia Jaú-Araraquara,
nesta comarca de Jaú, pelas razões de fato e de direito a seguir declinadas.
I – DOS FATOS
Os moradores de Jaú, de quase todos os bairros da
cidade, especialmente aqueles domiciliados na margem direita do rio Jaú, sofrem
diariamente com a falta d’água provocada pela ineficiência do sistema público de
abastecimento.
Em alguns bairros o desabastecimento de água
potável perdura, vez por outra, durante dois e até três dias seguidos. A ré ÁGUAS DE
MANDAGUAHY, concessionária do serviço público de captação, tratamento e
fornecimento de água para os moradores na margem direita do rio Jaú, mostrou-se incapaz
de cumprir o objeto contratado com a eficiência, rapidez e a presteza necessárias.
Essa concessionária não fornece ao Poder Público a
quantidade de água suficiente para suprir a demanda. Além disso, interrompe
constantemente o fornecimento sem motivo plausível.
O MUNICÍPIO DE JAÚ, poder concedente, e o
SAEMJA – Serviço de Água e Esgoto, autarquia criada para fornecer água à população e
fiscalizar a execução desse serviço público, têm descumprido o dever de exigir que aquela
concessionária cumpra integralmente sua obrigação contratual.
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A omissão dos réus em cumprir o que lhes cabe tem
provocado situação desesperadora para milhares de munícipes que são obrigados a racionar
a água que recebem até para suas necessidades básicas de alimentação e higiene.
O jornal Comércio do Jahu, na edição do dia 30 de
dezembro de 2.009, veiculou, em manchete, matéria intitulada “Jaú registra maior índice de
chuva dos últimos cinco anos”.
No dia seguinte, o mesmo jornal trouxe a seguinte
manchete: “Bairros da margem direita do Rio Jaú voltam a ficar sem água”.
No dia 01 de janeiro, o Comércio do Jahu estampou,
na primeira página, fotografia de um morador do Jardim São Crispim, que pegava água da
enxurrada que escorria na sarjeta defronte de sua casa para usá-la no banheiro, uma vez que
não podia acionar a descarga.
Moradores do Jardim Alvorada II, América, São
Crispim, Comerciários, Novo Horizonte, entre outros, ficaram sem água em suas
residências nos dias 30 e 31 de dezembro próximo passado.
Importante assinalar que o SAEMJA e a
concessionária ÁGUAS DE MANDAGUAHY já foram acionados anteriormente em
ação civil pública que tramitou pelo E. Juízo da 3ª Vara desta Comarca, sendo
condenados a pagar R$ 2.000.000,00 (Dois milhões de reais) por deixarem de fornecer
água regularmente à população dos bairros da margem direita do rio Jaú, e por
entregarem água de má qualidade aos consumidores (proc. 811/06).
Agora, em odiosa REINCIDÊNCIA, a
Mandaguahy voltou a violar os direitos dos consumidores, impondo-lhes condição
vexatória e desumana, fato amplamente divulgado pela imprensa, deixando de
fornecer água aos bairros da margem direita do rio Jaú, sob os olhos do SAEMJA.
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A razão das novas interrupções é a mesma de antes e
de sempre: a ETA II não trata a água quando há turbidez excessiva. É INEFICIENTE
O SISTEMA DE TRATAMENTO ADOTADO. Depois, quando volta a tratar, é de baixa
qualidade a água servida à população. Esse fato é público e notório, escancarado nos
últimos 08 anos. A turbidez provocada pelas chuvas era fato previsível quando da licitação.
Houve erro gravíssimo da concessionária, da autarquia SAEMJA e da prefeitura quando a
primeira propôs e adotou tecnologia para o tratamento da água, haja vista que o “chamado
público” exigia que os participantes do certame tivessem conhecimento e domínio da área
onde seria implantada a Estação de Tratamento – ETA II.
Pois bem. É absurda a letargia da ré
MANDAGUAHY nesses últimos anos, pois nada fez para corrigir o problema,
preferindo simplesmente parar a estação e deixar o povo sem água, aos olhos e
conivência do Poder Público que também nada fez para colocar cobro nessa sofrível
realidade, sendo incompreensivelmente negligente .
Passados 12 meses do atual governo municipal, o
Poder Público instaurou um processo administrativo para apurar os desmandos da
concessionária ÁGUAS DE MANDAGUAHY e não foi além disso. De concreto, para a
solução do problema da falta d’água, nenhuma medida foi tomada.
De se lembrar, a propósito, que o SERVIÇO DE
ÁGUA E ESGOTO DO MUNICÍPIO DE JAÚ – SAEMJA, autarquia municipal regida
pela Lei nº 1.143/67, é responsável pelo abastecimento público de água potável aos
consumidores jauenses.
A empresa ÁGUAS DE MANDAGUAHY S.A. foi
constituída pelo Consórcio AMAFI/MULTISERVICE, vencedor da Licitação196/95, com
a finalidade de dar execução ao Contrato de Concessão para construção da Estação de
Tratamento de Água - ETA II, cujo objeto é o fornecimento de água potável ao SAEMJA
visando à distribuição para a população de Jaú (fatos públicos e notórios).
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Como imposição da Lei Complementar Municipal
nº 27/95, “compete ao SAEMJA fiscalizar, administrar e gerenciar toda a água
tratada, distribuída e consumida pelos munícipes, remunerando, ao final, a
Concessionária, pela vazão nominal contratada das instalações realizadas”.
No passado, a Licitação 196/95, em seu respectivo
edital, exigiu dos licitantes que demonstrassem pleno conhecimento da região
abrangida pelos serviços de concessão em todos os seus aspectos, inclusive sociais,
econômicos, etc.
Nos autos do I nquérito C ivil nº 033/03, que
instruiu a Ação Civil Pública nº 811/06 da 3ª Vara local, a fls.139/141, o Poder Público
concedente, após recomendação do Ministério Público (fls.128/132), reconheceu, em
dezembro de 2003, que a concessionária Mandaguahy havia descumprido as
obrigações de fornecimento contínuo de água e de fornecimento de água potável em
condições de consumo imediato, afastando as alegações de força maior por causa das
chuvas, aplicando-lhe multa, sendo destacado o seguinte trecho:
“Este Poder Concedente não acata e rejeita
formalmente as justificativas dessa empresa
relativas ao excesso de chuvas que provocaram
aumento da turbidez das águas do Córrego
Mandaguay, tão pouco aquela relacionada a
redução da mata ciliar do referido córrego.
Tais fatos são perfeitamente previsíveis e deveriam
ser enfrentados com elaboração e implementação
de esquemas de atendimento às situações de
emergência, como prevê a cláusula V, alínea “d”
do Contrato de Concessão, não se admitindo, sob
hipótese alguma, a interrupção ou paralisação dos
serviços de captação, tratamento e fornecimento da
água potável, como tem ocorrido ultimamente.
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Isto posto, fica essa empresa formalmente advertida
para que tome todas as medidas e providências
necessárias a completa e definitiva regularização
dos serviços objeto da concessão, fornecendo-os de
forma adequada e satisfatória, tanto
quantitativamente como qualitativamente, sob pena
de aplicação das demais sanções legais e
contratuais previstas”. (Advertência assinada pelo
Prefeito Municipal e Superintendente do SAEMJA.
grifamos e destacamos)
Necessária, portanto, a presente ação civil
pública para a solução definitiva do problema decorrente da ineficiência
do serviço público de abastecimento de água potável da cidade.
II – DO DIREITO
A constante falta d’água em quase todos os
domicílios da cidade, especialmente naqueles situados na margem direita do rio Jaú, que
deveriam ser abastecidos pela acionada ÁGUAS DE MANDAGUAHY, viola o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição
Federal).
Segundo afirma MARIA BERENICE DIAS, o
princípio da dignidade da pessoa humana “é o mais universal de todos os princípios”. É
dele que se irradiam todos os demais princípios éticos, como o princípio da igualdade, da
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solidariedade, da liberdade, da autonomia privada, da cidadania (Manual de Direito das
Famílias, RT, São Paulo, 2006, página 52).
O Ministro EROS GRAU, do Supremo Tribunal
Federal, leciona que, “embora assuma a concreção como direito individual, a dignidade da
pessoa humana, enquanto princípio constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial
dos direitos humanos” (A ordem econômica na Constituição de 1988, Malheiros, São
Paulo, 2005, 10ª edição, página 108).
A dignidade da pessoa humana deve ser refletida,
como uma forma de repressão às injustiças sociais, principalmente aos menos favorecidos,
que inúmeras vezes são tratados como um objeto qualquer. Ora, o Estado tem o dever de
proteger a dignidade de todo o ser humano, como leciona SARLET: “o Estado deverá ter
como meta permanente, proteção, promoção e realização concreta de uma vida com
dignidade para todos, podendo-se sustentar, na esteira da luminosa proposta de Clèmerson
Clève, a necessidade de uma política de dignidade da pessoa humana e dos direitos
fundamentais” (INGO WOLFGANG SARLET, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Fundamentais na Constituição federal de 1988, Livraria do Advogado, Editora Porto
Alegre, 2007, 5ª edição, página 113).
ALEXANDRE DE MORAES, na obra “Constituição
do Brasil Interpretada”, Atlas, São Paulo, 2007, páginas 60/61, discorrendo sobre o
“Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”, leciona: “A dignidade da pessoa humana é
um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão
ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que
todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente posam ser
feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a
necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.”
Ensina, ainda, que “o princípio fundamental
consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em
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uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em
relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar,
estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios
semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência de o indivíduo respeitar a dignidade
de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. A
concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do Direito
Romano: honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudique
ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido). Por fim, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10-12-1948, e assinada pelo Brasil na mesma
data, reconhece a dignidade como inerente a todos os membros da família humana e como
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.”
A Constituição Federal, no seu artigo 37, traça o
perfil jurídico da Administração Pública:
“A administração pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência...”
HELY LOPES MEIRELLES, na obra “Direito
Administrativo Brasileiro”, RT, São Paulo, 1990, páginas 78/79, explica: “... A
legalidade, como princípio de administração (CF, artigo 37, “caput”), significa que o
administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos
da lei, e às exigências do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena
de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal,
conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está
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condicionada ao atendimento da lei.
Na Administração Pública, não há liberdade nem
vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não
proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o
particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve
fazer assim”... A moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade
de todo ato da Administração Pública (CF, artigo 37, “caput”)”.
GERALDO ATALIBA, na obra “República e
Constituição”, de referência obrigatória, alerta para o papel determinante dos princípios
constitucionais como condicionantes da interpretação e eficácia das demais regras e para a
gravidade da violação a estes impingida. Apoiado em lição de CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO, consignou o autor:
"Princípio é, pois, por definição, mandamento
nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia
sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, precisamente porque define a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.
(...) qualquer disposição, qualquer regra jurídica
(...) para ser constitucional, necessita estar afinada com o princípio (...) realizar seu
espírito, atender à sua direção estimativa, coincidir com seu sentido axiológico,
expressar seu conteúdo. Não se pode entender corretamente uma norma constitucional
sem atenção aos princípios consagrados na Constituição e não se pode tolerar uma lei
que fira um princípio adotado na Carta Magna. Violar um princípio é muito mais grave
que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave
forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua
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estrutura mestra" (Ataliba, República e Constituição, Malheiros Editores, 1998, p.34/35).
Oportuna a visão do professor EROS ROBERTO
GRAU, observando que a análise da eficiência da Administração Pública adquiriu uma
grande valoração para a sociedade, tornando-se um valor cristalizado, pois não é
interessante à sociedade a manutenção de uma estrutura ineficiente. A cristalização deste
valor ganhou normatividade, transformando-se em um princípio a ser observado por todo o
ordenamento jurídico no que tange à Administração Pública. Entretanto, cumpre
verificarmos como deve ser interpretado tal princípio. Deve ser atentado que o vocábulo
eficiência sofre de várias acepções, e que ao ser cristalizado como princípio jurídico
receberá novas características, gerando, também, inúmeros conceitos do princípio da
eficiência, os quais podem acabar sendo manipulados por conotações ideológicas e não
jurídicas (GRAU, Roberto Grau. A ordem econômica na constituição de 1988, Malheiros,
São Paulo, 1991, 2ª edição, páginas 194-196).
Observem-se alguns conceitos do princípio da
eficiência, para exemplificar o dito pelo parágrafo anterior, entre eles o de VLADIMIR DA
ROCHA FRANÇA:
"O princípio da eficiência administrativa estabelece
o seguinte: toda ação administrava deve ser orientada para concretização material e
efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones jurídico-administrativo."
(FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência administrativa. In: Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro, Renovar, nº 220, abr./jul. 2000, p. 168).
De outra monta, temos o conceito do princípio da
eficiência posto por ALEXANDRE MORAES:
"Assim, princípio da eficiência é o que impõe à
administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum,
por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente,
participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela
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adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos
recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior
rentabilidade social" (MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda
Constitucional nº 19/98, Atlas, São Paulo, 1999, 3ª edição, página 30).
Entendimento bem ponderado tem sido apresentado
por LUCIA VALLE FIGUEIREDO, defensora da eficiência como princípio constitucional:
"Mas que é eficiência? No Dicionário Aurélio,
eficiência é ‘ação, força virtude de produzir um efeito; eficácia.’
Ao que nos parece, pretendeu o ‘legislador’ da
Emenda 19 simplesmente dizer que a Administração deveria agir com eficácia. Todavia,
o que podemos afirmar é sempre a Administração deveria agir eficazmente. É isso o
esperado dos administradores.
Todavia, acreditamos possa extrair-se desse novo
princípio constitucional outro significado aliando-se-o ao art. 70 do texto constitucional,
que trata do controle do Tribunal de Contas.
Deveras, tal controle deverá ser exercido não
apenas sobre a legalidade, mas também sobre a legitimidade e economicidade; portanto,
praticamente chegando-se ao cerne, ao núcleo, dos atos praticados pela Administração
Pública, para verificação se foram úteis o suficiente ao fim a que se preordenavam, se
foram eficientes." (FIGUEIREDO, Lúcia Vale, Curso de Direito Administrativo,
Malheiros, São Paulo, 2000, 4ª edição, página 60).
O princípio constitucional da eficiência, que deve
balizar todos os atos do administrador público, alcança também o procedimento daqueles
que, mediante autorização, permissão ou concessão, executem obras ou prestem serviços
por delegação do Poder Público.
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Na hipótese discutida, a concessionária/ré ÁGUAS
DE MANDAGUAHY reiteradamente descumpre o princípio da eficiência, fornecendo ao
MUNICÍPIO DE JAÚ quantidade de água potável inferior à demanda e, ainda,
interrompendo constantemente, sem justificativa plausível, o fornecimento desse produto.
Dessa forma, muitos consumidores de Jaú ficam, às vezes, dois ou mais dias seguidos sem
receber água em suas residências.
O MUNICÍPIO DE JAÚ, que concedeu à empresa
ÁGUAS DE MANDAGUAY a concessão do serviço público de captação, tratamento e
fornecimento de água, e o SAEMJA, autarquia que executa em parte e fiscaliza o mesmo
serviço, igualmente descumpre o mandamento constitucional na medida em que não exige
da concessionária o cumprimento do objeto contratado nem promove a rescisão
administrativa do contrato.
Essa omissão é indesculpável.
Cabível, na hipótese discutida, a rescisão desse
contrato.
O mestre HELY LOPES MEIRELLES sintetiza: “a
rescisão administrativa por inadimplência do contratado ocorre quando este descumpre
cláusula essencial do contrato e, em conseqüência, retarda ou paralisa a sua execução ou
desvirtua o seu objeto” (Direito Administrativo Brasileiro, 13ª ed., pág. 207).
Os consumidores jauenses, privados do recebimento
de água potável, são afrontados também no seu direito de consumidores.
Prescreve o artigo 4º do Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078/90) a necessidade de “transparência e harmonia nas relações
de consumo”.
O Código, portanto, superou a teoria clássica da
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oferta e trouxe, para o âmbito do micro-sistema das relações de consumo, a acepção mais
consentânea com a atual sociedade massificada.
A doutrina e a jurisprudência comungam do
entendimento de que as normas de proteção da Lei 8.078/90 devem ser aplicadas em defesa
dos destinatários de serviços públicos, que estabelecem com o Estado relação de consumo
no seu sentido mais amplo.
A Portaria 518/04 do Ministério da Saúde estabelece
que a água potável, para consumo humano, deve guardar parâmetros microbiológicos,
físicos, químicos e radioativos que não ofereçam riscos á saúde humana.
Reza o artigo 12 da Portaria 518/04 que, para a
garantia da qualidade microbiológica da água, em complementação às exigências relativas
aos indicadores microbiógicos, deve ser observado o padrão de turbidez.
Como vem sendo registrado pela imprensa, e pela
população, a aceitação do limite de turbidez que deveria ser verificado pela Concessionóría
e pelo SAEMJA, não se realizaram, pois se tivessem seguido à risca as Tabelas de turbidez
da portaria citada, a água não seria entregue barrenta ou esbranquiçada como continua
reclamando a população.
DANO MORAL INDENIZÁVEL
O dano moral difuso é conseqüência lógica dos
constrangimentos impostos aos consumidores pela falta injustificada de água, conforme já
se expôs.
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A possibilidade de reparação do dano moral não se
discute, posto que consagrada expressamente na Constituição Federal em seu artigo 5º,
inciso V.
O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 6º,
inciso VI, estabeleceu como direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação
de danos morais, individuais, coletivos e difusos.
Juridicamente possível, conquanto, que a
concessionária/ré seja compelida a reparar o dano moral difuso causado pela falta
injustificável de entrega de água aos consumidores dos bairros situados na margem direita
do rio Jaú. E essa reparação pode ser satisfeita através do pagamento de certa quantia à
Administração municipal, que a reverterá em melhoria do sistema público de abastecimento
de água, beneficiando, dessa forma, àqueles que foram prejudicados.
No que concerne ao valor da indenização por danos
morais, a tendência mundial sinaliza no sentido da fixação de quantias expressivas,
exatamente “como meio de desestímulo a novas agressões, ou novas práticas lesivas”
(Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade Civil por Danos a Consumidores, Saraiva, pág
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III – DO CONTROLE DA
ADMINISTRAÇÃO PELO JUDICIÁRIO
Importante enfrentar, ademais, a questão do controle
da Administração exercido pelo Judiciário, haja vista que poderá ser ela suscitada como
tese de defesa.
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O Judiciário, como se sabe, não pode substituir o
Executivo em pronunciamentos que lhe são privativos, sob pena de fazer tabula rasa do
princípio constitucional da independência dos Poderes. Contudo, dizer se a Administração
agiu com observância da lei, dentro de sua competência (ou omitiu o dever de agir), é
função específica da Justiça, e por isso mesmo poderá ser exercida em relação a qualquer
ato do Poder Público, ainda que praticado no uso da faculdade discricionária, ou com
fundamento político, ou mesmo no recesso das câmaras legislativas. Qualquer que seja a
procedência, a natureza e o objeto do ato, desde que traga em si a possibilidade de lesão a
direito individual ou ao patrimônio público, ficará sujeito à apreciação judicial, exatamente
para que a Justiça diga se foi ou não praticado com fidelidade à lei, e se ofendeu direitos do
indivíduo ou interesses da coletividade.
Esse é o entendimento da CORTE SUPREMA, que
se posicionou no sentido de que a legalidade do ato administrativo, cujo controle cabe ao
Poder Judiciário, compreende não só a competência para a sua prática e a observância de
suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus
motivos, os seus pressupostos de direito e de fato, desde que tais elementos sejam definidos
em lei como vinculadores desse ato (STF, RDA 42/227).
Se é certo que não incumbe ao Poder Judiciário
invadir a discricionariedade dos demais Poderes, definindo quando e qual política pública
deverá ser implementada no caso concreto, também é certo que a mora do Executivo em
cumprir os preceitos legais referidos provoca dano ao direito do cidadão de receber,
diariamente, através do sistema público de abastecimento, água em quantidade e qualidade
que atendam suas necessidades básicas. Possível, daí, a concessão, pelo Judiciário, de
provimento de caráter mandamental para a tutela do direito individual e social violado.
Por isso, a Suprema Corte já advertiu que:
“A omissão do Estado, que deixa de cumprir, em
maior ou em menor extensão, a imposição ditada
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pelo texto constitucional, qualifica-se como
comportamento revestido da maior gravidade
político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder
Público também desrespeita a Constituição,
também ofende direitos que nela se fundam e
também impede, por ausência de medidas
concretizadoras, a própria aplicabilidade dos
postulados e princípios da Lei Fundamental” (RTJ
185/794-796 – Pleno, Rel. Min. Celso de Mello).
IV – DA LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A AÇÃO
A ação civil pública surgiu em nosso ordenamento
jurídico com o advento da Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1.985, destinada à
reparação e proteção dos interesses difusos, assim compreendidos os metaindividuais,
pertinentes a titulares não passíveis de determinação.
Posteriormente, com a promulgação da Constituição
Federal de 1.988, estendeu-se o cabimento da ação civil pública também para a tutela de
interesses coletivos que, igualmente, transindividuais, se distinguem daqueles já
mencionados apenas em razão da possibilidade de identificação do grupo.
Na hipótese presente, a legitimação do Ministério
Público descende justamente do artigo 129, inciso III, da Magna Carta (São funções
institucionais do Ministério Público: promover o inquérito civil e a ação pública, para a
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proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos).
Trata-se, aqui, de ação civil pública de interesse
público imediato, cuja preservação interessa a toda a coletividade, explicam MARINO
PAZZAGLINI FILHO, MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA E WALDO FAZZIO
JÚNIOR (“Improbidade Administrativa”, página 181, Editora Atlas, 1ª edição). Na tutela
dos interesses metaindividuais – observa Rodolfo Mancuso (obra citada) – pontifica um
sistema de interação das normas processuais, integrando-se as disposições das Leis
7.347/85, 8.072/90 e 8.429/92.
Falando por toda a doutrina, ÉDIS MILARÉ sintetiza
que o Ministério Público é titular “por excelência” da ação civil pública.
A jurisprudência comunga desse entendimento:
“O campo de atuação do MP foi ampliado pela
Constituição de 1.988, cabendo ao Parquet a
promoção do inquérito civil e da ação civil pública
para a proteção do patrimônio público e social do
meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos, sem a limitação imposta pelo art. 1º da
Lei 7.347/85...” (Superior Tribunal de Justiça, 2ª
Turma, REsp 31.547-9-SP, Rel. Min. AMÉRICO
LUZ, j. 06.10.93, v.u., DJU 8.11.93).
Veja, de modo específico:
“O Ministério Público está legitimado a
promover ação civil pública ou coletiva, não
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apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos
de consumidores, mas também de seus direitos
individuais homogêneos, nomeadamente de
serviços públicos, quando a lesão deles,
visualizada em sua dimensão coletiva, pode
comprometer interesses sociais relevantes” (STJ,
REsp 610235-DF, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª T,
julg. 20/03/2007, DJ 23/04/2007, p. 231).
V – DA NECESSIDADE DA LIMINAR
A Lei nº 7.347/85 estabelece em seu artigo 3º: “a
ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer”. E, no seu artigo 12: “poderá o juiz conceder
mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.
Ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade
Nery que a “justificação prévia pode ou não ser realizada. Preenchidos os pressupostos
legais do periculum in mora e do fumus boni juris, deve o juiz conceder a liminar, não
havendo necessidade de justificação prévia” (Código de Processo Civil, Revista dos
Tribunais, 1.996, pág. 1.431).
A jurisprudência tem afirmado a desnecessidade de
ajuizar-se ação cautelar, antecedente da ação principal, para a postulação de liminar, com
evidente desperdício de tempo e atividade jurisdicional. O pedido de concessão de liminar
pode ser cumulado na petição inicial de ação civil pública de conhecimento. Assim:
RJTJSP - 11/312.
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Estão presentes, na hipótese discutida, os
pressupostos autorizadores da concessão da liminar, que são: a fumaça do bom direito (a
Constituição Federal e toda a legislação infraconstitucional citada exigem que o serviço
público seja prestado com eficiência por seus agentes e por aqueles que recebem concessão
para fazê-lo) e o perigo da demora (não se admite que a população jauense deixe de
receber, diariamente, a quantidade de água potável necessária às suas necessidades básicas).
VI – DOS PEDIDOS
Posto isso, requer:
1- A concessão de liminar, sem a oitiva dos réus,
determinando-se ao MUNICÍPIO DE JAÚ, ao SAEMJA e à empresa ÁGUAS DE
MANDAGUAHY, que adotem as providências necessárias para promover o fornecimento,
no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, de ao menos 18 (dezoito) horas diárias, sendo 10
(dez) delas, no mínimo, entre às 7:00 e às 20:00 horas, de água potável a todas as casas
situadas na cidade de Jaú, bairros rurais de Pouso Alegre e Vila Ribeiro e Distrito de
Potunduva, com a pressão necessária para garantir o abastecimento das caixas d’água
domiciliares, sob pena de multa diária de 100 (cem) salários mínimos para cada bairro que
sofrer desabastecimento;
2- Determinando-se, ainda em sede de liminar, que
os mesmos réus promovam o fornecimento, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias,
de ao menos 20 (vinte) horas diárias de água potável, sendo 12 (doze) delas, no mínimo,
entre às 7:00 e 22:00 horas, a todas as casas e da forma atrás referidas, sob pena de igual
multa diária;
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3- A citação dos réus, através de seus representantes
legais, para que respondam à presente ação, querendo e lhes convindo, sob pena de revelia;
4- A procedência da ação:
a) determinando-se a rescisão do contrato de
concessão do serviço de tratamento e fornecimento de água firmando entre o MUNICÍPIO
DE JAÚ e a ré ÁGUAS DE MANDAGUAHY S.A. em face do descumprimento das
obrigações assumidas pela concessionária, devendo o ente público assumir imediatamente o
múnus objeto da concessão;
b) condenando-se o MUNICÍPIO DE JAÚ e o
SAEMJA a promoverem o fornecimento (obrigação de fazer), no prazo máximo de 03
(três) meses contado da sentença, de água potável a todas as residências situadas no
município, durante todas as horas de cada dia (24 horas), sob pena de multa diária de l00
(cem) salários mínimos para cada bairro que sofrer desabastecimento, independentemente
de qualquer ocorrência, por mais de 8 (oito) horas seguidas;
c) condenando-se a ré ÁGUAS DE
MANDAGUAHY S.A. a pagar ao MUNICÍPIO DE JAÚ multa equivalente a R$
2.000.000,00 (dois milhões de reais), a título de danos morais, pelo descumprimento da
obrigação assumida na concessão e pelo desabastecimento de água que causou,
especialmente, nos dias 30 e 31 de dezembro de 2.009, provocando sofrimento, privação e
desassossego a milhares de munícipes consumidores, quantia essa que deverá ser usada
obrigatoriamente nas ações de melhoria do sistema de captação, tratamento e abastecimento
público de água;
d) condenando-se todos os réus nos ônus próprios
da sucumbência;
5- Provar o alegado por todos os meios permitidos
em direito.
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NESTES TERMOS,
D., R. e A. esta, com os inclusos documentos, dando-
se-lhe o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
P. DEFERIMENTO.
Jaú, 05 de janeiro de 2.010.
LUIS FERNANDO ROSSETTO
Promotor de Justiça do Consumidor da Comarca de Jaú
JORGE J. MARQUES DE OLIVEIRA
Promotor de Justiça dos Direitos Humanos da Comarca de Jaú
CELSO ÉLIO VANNUZINI
Promotor de Justiça da Cidadania da Comarca de Jaú